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Elementos acidentais dos negócios
jurídicos
Sílvio de Salvo Venosa
Direito Civil - Parte Geral
۩. Introdução
O negócio jurídico apresenta elementos essenciais,
obrigatórios para sua constituição. Outros elementos, porém, podem estar
presentes e modificar os negócios jurídicos. Embora facultativos, esses
elementos, uma vez apostos ao negócio pela vontade das partes, tornam-
se, para os atos ou negócios a que se agregam, inarredavelmente
essenciais. São facultativos no sentido de que, em tese, o negócio jurídico
pode sobreviver sem eles. No caso concreto, porém, uma vez presentes
no negócio, ficam indissociavelmente ligados a ele. Na moderna doutrina,
ultrapassado por nós o estudo dos planos de existência e validade, esses
elementos integram o chamado plano de eficácia dos negócios jurídicos.
O Código Civil apresenta três tipos de elementos acidentais:
condição, termo e encargo. Essa enumeração não é taxativa, porque
muitos outros elementos acessórios podem ser apostos ao negócio
jurídico, segundo conveniência das partes e necessidade do mundo
jurídico.
O ordenamento permite que a manifestação de vontade surja
limitada pelo próprio sujeito. Por vários modos, pode ocorrer o fenômeno:
ora constitui obstáculo à aquisição do direito, ora subordina o efeito do
negócio a sua ocorrência, sujeitando-se a evento futuro e incerto,
estatuindo-se a condição. Por vezes, o sujeito fixa tempo para início e fim
dos efeitos do negócio jurídico e especifica um termo dentro de lapso de
tempo que se denomina prazo. Por outro lado, pode o agente instituir uma
imposição ao titular de um direito, não impedindo, contudo, sua aquisição,
o que se denomina modo, ônus ou encargo.
Geralmente, todos os atos com conteúdo econômico permitem
a aposição de elementos ditos acidentais. Não podem, no entanto,
constar de negócios que digam respeito ao estado das pessoas, aos
direitos de família puros, que não admitem restrição.
۩. Condição
Segundo a definição legal do art. 114 do Código Civil de 1916,
"considera-se condição a cláusula que subordina o efeito do ato jurídico a
evento futuro e incerto". Por sua vez, o atual Código define: "Considera-se
condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das
partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto"
(art. 121). Nesses conceitos, encontramos os elementos essenciais do
instituto: a futuridade e a incerteza do evento.
A condição deve dizer respeito a fato futuro. Fato passado não
pode constituir-se em condição. Se disser respeito a fato pretérito, o fato
ocorreu ou deixou de ocorrer. Se o fato ocorreu, o negócio deixou de ser
condicional, tornando-se puro e simples. Se o fato deixou de ocorrer
definitivamente, a estipulação tornou-se ineficaz, pois não houve
implemento da condição. Imagine a hipótese de pessoa x prometer
quantia a pessoa y se determinado cavalo ganhar corrida. Se o cavalo
ganhou, a obrigação a que se comprometeu é simples e não condicional;
se o cavalo não ganhou, a estipulação tornou-se ineficaz, por ter falhado
o implemento da condição.
Ademais, a condição deve relacionar-se com fato incerto. Se o
fato avençado for certo, como, por exemplo, a morte de uma pessoa, não
haverá condição, mas termo. A cláusula condicional deve depender
exclusivamente da vontade das partes. Esta última dicção, aliás, foi
acrescentada à definição de condição no atual Código. O evento falível é
externo ao negócio, mas a condição é elemento da vontade e somente
opera porque os interessados no negócio jurídico assim o desejaram.
Enquanto não realizada a condição, o ato não pode ser exigido.
Assim, a promessa de pagar quantia a alguém, se concluir curso superior,
não pode ser exigida enquanto não ocorrer o evento.
A condição atinge os efeitos dos negócios jurídicos se assim
desejarem os agentes. Uma vez que o ato sob condição apresenta-se
como todo unitário, não deve a condição ser encarada como cláusula
acessória. A condição agrega-se inarredavelmente ao negócio, por
vontade exclusiva das partes, como acentua o vigente Código, e não
pode ser preterida. Apesar de a condição não ser tratada como elemento
essencial, quando aposta a negócio torna-se essencial para ele.
A palavra condição tem várias acepções no Direito. Sob o
prisma ora enfocado, trata-se de determinação da vontade dos
manifestantes em subordinar o efeito do negócio a evento futuro e incerto.
Pode o termo, também, ser tomado no sentido de requisito do ato, daí as
expressões condição de validade ou condição de capacidade. Numa
terceira acepção, a condição é considerada pressuposto do ato, sendo
chamada por alguns de condição legal (conditio juris), que também se
denomina condição imprópria. É o caso, por exemplo, de se exigir em
negócio translativo de imóveis, escritura pública com valor superior ao
legal.
Aqui, a condição tem o sentido técnico do art. 121 (antigo, art.
114).
Fique assente que a condição deve-se referir a evento incerto.
Essa incerteza deve ser objetiva e não subjetiva. Não há condição se o
agente estiver em dúvida sobre a ocorrência ou não de determinado fato.
Há certos atos que não comportam condição como exceção
dentro do ordenamento. São os direitos de família puros e os direitos
personalíssimos. Assim, o casamento, o reconhecimento de filho, a
adoção, a emancipação não a admitem. Assim também, por sua natureza,
a aceitação ou renúncia da herança (art. 1.808; antigo, art. 1.583).
As condições admitem várias classificações, como a seguir
veremos.
۩. Condições Lícitas e Ilícitas
Dispõe o art. 122 (antigo, art. 115) que "são lícitas, em geral,
todas as condições não contrárias à lei". Na interpretação contrária, serão
ilícitas todas que atentarem contra proibição expressa ou virtual do
ordenamento jurídico. Tem-se que verificar no caso de condição ilícita o
fim ilícito da condição, pois uma condição nesse aspecto sempre pode ser
realizada pela vontade da pessoa a quem se dirige.
Devem ser consideradas ilícitas as condições imorais e as
ilegais. São imorais as que, no geral, atentam contra a moral e os bons
costumes. São dessa natureza as que vão contra o direito de liberdade
das pessoas, seus princípios religiosos, sua honestidade e retidão de
caráter. São ilegais as que incitam o agente à prática de atos proibidos
por lei ou a não praticar os que a lei manda. Não pode ser admitida,
portanto, a condição de alguém se entregar à prostituição ou transgredir
alguma norma penal. O vigente Código expande mais o conceito, ao
disciplinar no art. 122: "São lícitas, em geral, todas as condições não
contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes."
Alguns casos, contudo, dão margem a dúvidas. Lembrem-se
da condição de obrigar alguém a se manter em celibato. Na verdade, tal
estipulação atenta contra a liberdade individual e não pode valer. A
condição oposta, porém, de valer o ato se a pessoa contrair matrimônio,
deve ser tida como válida, pois não contraria a ordem normal da vida. A
condição de não contrair matrimônio com determinada pessoa deve ser
admitida, pois aí não existe restrição maior da liberdade do indivíduo
(Monteiro, 1977, v. 1:229). A condição de obrigar alguém a se manter em
estado de viuvez, em regra, por atentar contra a liberdade individual, não
deve ser admitida.
Rezava o art. 117 do Código de 1916 que "não se considera
condição a cláusula que não derive, exclusivamente, da vontade das
partes, mas decorra, necessariamente, da natureza do direito, a que
acede". Enfatizava o dispositivo que a condição deve derivar da vontade
das partes. Esse aspecto foi incluído na própria definição de condição no
atual Código (art. 121). A condição deve ser proposta por um dos
contraentes e aceita pelo outro. É esse justamente o sentido. Clóvis, em
seus Comentários, tece o seguinte exemplo: alugo uma casa se o locador
me garantir seu uso pacífico, durante o tempo do contrato. Aqui, não se
trata de condição, mas de obrigação inerente ao contrato de locação. Não
se admite como condição, portanto, essa perplexidade.
۩. Condição Potestativa
O Código, no art. 122 (antigo, art. 115), segunda parte, estipula
que "entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo
efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das
partes". A primeira hipótese do artigo trata das chamadas condições
perplexas; a segunda, das condições potestativas.
Ao tratar das condições potestativas, o presente Código inseriu
o adjetivo puro, ao se referir ao arbítrio de uma das partes, e veremos a
razão.
A condição potestativa é a que depende da vontade de um dos
contraentes. Uma das partes pode provocar ou impedir sua ocorrência. A
ela contrapõe-se a condição causal, a que depende do acaso, não
estando, de qualquer modo, no poder de decisão dos contraentes.
Nem todas as condições potestativas são ilícitas. Só aquelas
onde a eficácia do negócio fica exclusivamente ao arbítrio de uma das
partes, sem a interferência de qualquer fator externo. Por essa razão, a
fim de espalmar dúvidas, o Código atual inseriu a expressão "puro
arbítrio" na dicção legal mencionada. Distinguem-se, então, as condições
potestativas simples das condições puramente potestativas. Nas
primeiras, não há apenas vontade do interessado, mas também
interferência de fato exterior. Assim serão, por exemplo, as condições "se
eu me casar", "se eu viajar para o Rio", "se eu vender minha casa".
Por outro lado, a condição puramente potestativa depende
apenas e exclusivamente da vontade do interessado: "se eu quiser", "se
eu puder", "se eu entender conveniente", "se eu assim decidir" e
equivalentes. A proibição do art. 122 refere-se, de acordo com a doutrina,
e agora mais fortemente pela mais recente dicção legal, tão-só às
condições puramente potestativas. Puro arbítrio de uma das partes. Isto,
doravante, consta do atual ordenamento.
Embora não seja muito comum, a jurisprudência tem registrado
a ocorrência de condições potestativas: "É condição puramente
potestativa cláusula que, em contrato de mútuo, dê ao credor poder
unilateral de provocar o vencimento antecipado da dívida, diante da
simples circunstância de romper-se o vínculo empregatício entre as
partes" (RT 568/180).
As condições simplesmente potestativas exigem também a
ocorrência de fato estranho ao mero arbítrio da parte. "Dar-te-ei uma
quantia se fores à Europa." O fato de ir à Europa depende de série de
fatores que não se prende unicamente à vontade do declarante. Carlos
Alberto Dabus Maluf (1983:34), em monografia sobre o tema, lembra da
condição referente à renovação de locação deixada ao arbítrio do
locatário.
Nossa jurisprudência tem entendido, sem discrepância, que
essa cláusula não configura condição puramente potestativa, mas
potestativa simples. Isso porque a manifestação do locatário depende de
circunstâncias externas a sua exclusiva vontade, não de mero capricho.
Simplesmente potestativa é a condição que extravasa o mero arbítrio do
agente.
A condição potestativa simples pode perder esse caráter
depois de feita a avença. Considere-se o caso: "Dar-te-ei uma importância
se fores a determinado local." Se o agente vier a sofrer um acidente que o
impeça de se locomover, a condição, de potestativa que era, torna-se
promíscua, e passa a ser regida pelo acaso. Não se confunde esta, no
entanto, com as denominadas condições mistas, estas ao mesmo tempo
dependentes da vontade das partes e do acaso ou de fato de terceiro: "se
for eleito deputado", por exemplo.
۩. Condição Impossível no Código de 1916
O tratamento dispensado pelo Código de 1916 variava, quer a
condição fosse juridicamente impossível, quer fisicamente impossível.
Dispunha o referido estatuto civil: "As condições fisicamente
impossíveis, bem como as de não fazer coisa impossível, têm-se por
inexistentes. As juridicamente impossíveis invalidam os atos a elas
subordinados" (art. 116; atual, arts. 123 e 124).
Determinava essa lei que se tivesse por não escrita a condição
fisicamente impossível. É desta natureza a condição do exemplo clássico:
"dar-te-ei uma importância se tocares o céu com o dedo". Se válida fosse
esta cláusula, retiraria toda a eficácia do ato, pois o implemento da
condição é irrealizável. Como aduz Clóvis, em seus Comentários ao artigo
em questão, as condições dessa natureza não são condições, porque não
há incerteza nos acontecimentos. O mesmo se diga das condições de não
fazer coisa impossível, onde também falta o caráter de incerteza
essencial à condição. Como, no entanto, delas não resulta imoralidade
alguma, o Código de 1916 as tinha por inexistentes e subsistiam os
respectivos atos.
Uma condição pode ser impossível para uns, mas não para
outros. A condição fisicamente impossível poderá ser relativa. Assim, a
condição de qualquer indivíduo viajar para a Lua é impossível; não o será,
no entanto, para um astronauta da Nasa... Importa, aí, o exame de cada
caso concreto.
No que diz respeito às condições juridicamente impossíveis,
invalidavam elas os respectivos atos a que acediam. Atente para a
diversidade de tratamento: as condições fisicamente impossíveis tinham-
se por não escritas; as juridicamente impossíveis invalidavam o ato. O
Código de 1916 foi criticado pela diferença de tratamento.
Clóvis, nos Comentários, defende a posição dessa lei, dizendo
que as condições juridicamente impossíveis invalidam os atos porque o
Direito não pode amparar o que lhe é adverso. Dá como exemplo a
condição de contrair matrimônio antes da idade núbil. A nubilidade atinge
não só as condições juridicamente impossíveis, como também as imorais.
No entanto, essa solução podia trazer injustiças, pois uma
liberalidade pode ser anulada se se fizer acompanhar de uma condição
juridicamente impossível, prejudicando o beneficiário que em nada
concorreu para a aposição da condição.
A condição juridicamente impossível poderia produzir a
nulidade do ato em seu todo ou apenas em parte, conforme a condição se
referisse ao ato em sua unidade ou apenas a alguma disposição
particular.
۩. Condições que Invalidam o Negócio Jurídico no
Atual Código
Atentemos para o que dispõe o vigente Código no art. 123:
"Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:
I - as condições física ou juridicamente impossíveis, quando
suspensivas;
II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;
III - as condições incompreensíveis ou contraditórias."
Há maior rigor técnico e lógico na especificação desse artigo.
No mesmo caminho trilhado pelo estatuto antigo, as condições
juridicamente impossíveis invalidam os negócios a elas subordinados (art.
116, segunda parte, do Código de 1916). O atual Código, contudo,
especifica que essa nulidade ocorre apenas se a condição for suspensiva.
Se resolutiva for, o ato ou negócio já possui, de início, plena eficácia, que
não será tolhida pela condição ilegal. No tocante às condições fisicamente
impossíveis, o atual Código adota idêntica solução: se for suspensiva
essa condição, o negócio será inválido.
No sistema de 1916, as condições fisicamente impossíveis, em
geral, eram tidas por inexistentes, portanto não maculavam a higidez do
ato ou negócio. O art. 124 do atual Código acrescenta, portanto: "Têm-se
por inexistentes as condições impossíveis, quando resolutivas, e as de
não fazer coisa impossível." Inexistentes as condições desse jaez, o
negócio terá, pois, plena eficácia e validade.
Quanto à ilicitude da condição ou a de fazer coisa ilícita, de
forma peremptória, ao contrário do antigo sistema, o presente Código
aponta que essas condições invalidam, em qualquer circunstância, os
negócios jurídicos que lhes são subordinados. Desse modo, a condição
de furtar ou de alguém se entregar ao tráfico de drogas, por exemplo,
invalida o negócio subordinado.
O vigente Código também acentua que as condições
incompreensíveis ou contraditórias invalidam os negócios respectivos.
Apontamos, de início, que a condição aposta a um negócio jurídico passa
a integrá-lo como um todo e dele não pode mais ser dissociada. As
condições são elementos acidentais do negócio até que se materializem
em um negócio jurídico.
Nesse sentido, se a condição não puder ser entendida com
clareza, se for contraditória dentro do contexto do negócio jurídico, o
vigente sistema pune com a invalidade todo o negócio jurídico a ela
subordinado. De qualquer forma, a incompreensibilidade ou a contradição
da condição deve ser apurada no caso concreto e tem a ver com as
regras de interpretação do negócio jurídico, já por nós examinada neste
volume.
۩. Condição Resolutiva e Condição Suspensiva
Prescreve o art. 125 do Código: "Subordinando-se a eficácia do
negócio jurídico a condição suspensiva, enquanto esta se não verificar,
não se terá adquirido o direito a que ele visa" (antigo, art. 118). Sob essa
forma de condição, portanto, o nascimento do direito fica em suspenso, a
obrigação não existe durante o período de pendência da condição.
O titular tem apenas situação jurídica condicional, mera
expectativa. "Dar-te-ei uma quantia se te graduares no curso superior";
"farei o negócio se as ações da empresa X obtiverem a cotação Y em
Bolsa, em determinado dia". Enquanto o agente não concluir o curso
superior, não terá direito ao prometido; se as ações não atingirem o valor
especificado, não será concluído o negócio.
Resolutiva é a condição cujo implemento faz cessar os efeitos
do ato ou negócio jurídico: "Se for resolutiva a condição, enquanto esta se
não realizar, vigorará o ato jurídico, podendo exercer-se desde o
momento deste o direito por ele estabelecido; mas, verificada a condição,
para todos os efeitos, se extingue o direito a que ela se opõe" (art. 119 do
Código de 1916).
O atual Código biparte em dois dispositivos a noção, visando à
melhor compreensão: "Se for resolutiva a condição, enquanto esta não se
realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a
conclusão deste o direito por ele estabelecido" (art. 127).
"Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os
efeitos, o direito a que ela se opõe; mas se aposta a um negócio de
execução continuada ou periódica, salvo disposição em contrário, não
tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a
natureza da condição pendente e conforme os ditames da boa-fé" (art.
128).
Os romanos não estabeleciam tal distinção. Para eles, toda
condição era suspensiva. É exemplo de condição resolutiva: "pagar-te-ei
uma pensão enquanto estudares"; "enquanto a cotação das ações da
empresa se mantiver acima do valor X, pagarei o aluguel mensal".
Na condição suspensiva, seu implemento faz com que o
negócio tenha vida, enquanto na condição resolutiva seu implemento faz
com que o negócio cesse sua eficácia.
No exame dos fatos, nem sempre é fácil distinguir a condição
resolutiva da condição suspensiva. A condição: "dar-te-ei cem se meu
filho se bacharelar em Direito" é suspensiva. Se digo: "dar-te-ei cem, mas
se meu filho não se bacharelar em Direito aos vinte e cinco anos a
doação ficará sem efeito", a condição é resolutiva. Há zonas limítrofes
onde classificar o tipo de condição é difícil, como por exemplo: "dar-te-ei
cem se não tiver mais filhos" ou "compro este imóvel se não for
inadequado para a construção de uma casa" (Maluf, 1983:61).
Nessas situações, é impossível a fixação de regras a priori,
devendo-se recorrer às regras sobre a interpretação da vontade, pois
propender para uma ou para outra classificação dependerá da vontade do
declarante.
A condição suspensiva pode ser examinada em três estágios
possíveis: o estado de pendência (situação em que ainda não se verificou
o evento futuro e incerto); o estado de implemento da condição (quando o
evento efetivamente ocorre) e o estado de frustração (quando o evento
definitivamente não tem mais possibilidade de ocorrer).
Pendente a condição, a eficácia do ato fica suspensa. Se se
trata de crédito, enquanto não ocorrer o implemento da condição, é ele
inexigível, não há curso da prescrição e, se houver pagamento por erro,
há direito à repetição. No entanto, "ao titular do direito eventual, no caso
de condição suspensiva, é permitido exercer os atos destinados a
conservá-lo" (art. 121 do Código de 1916). O presente Código, no art.
130, é mais abrangente, pois estatui que "ao titular do direito eventual,
nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os
atos destinados a conservá-lo". Mesmo nos casos de condição resolutiva,
poderá haver interesse nesse sentido do titular do direito eventual.
Nessa hipótese, pode o titular desse direito, sob condição
suspensiva geralmente, lançar mão das medidas processuais cautelares
para fazer valê-lo no futuro. Interessante notar que, uma vez concedida a
medida cautelar, a parte deve propor a ação principal no prazo de 30 dias
(art. 806 do CPC). Parece-nos que, no caso estampado no art. 130 (ant.,
art. 121) do Código Civil, o prazo processual citado não é de ser
obedecido, em face da própria natureza do direito material em jogo.
Interpretar-se, in casu, ao pé da letra o estatuto processual é fazer tabula
rasa do dispositivo de direito material.
A medida cautelar deve sobreviver até o implemento da
condição, ou melhor, até 30 dias após o implemento da condição ou até a
data de sua frustração. O titular de um crédito sob condição suspensiva
não pode ser obrigado a ficar inerte enquanto o futuro devedor dilapida
seu patrimônio...
Quando ocorre o implemento da condição, o direito passa de
eventual a adquirido, obtendo eficácia o ato ou negócio, como se desde o
princípio fosse puro e simples e não eventual. Trata-se do chamado efeito
retroativo das condições.
Se a condição se frustra, é como se nunca houvesse existido a
estipulação. Por exemplo: prometo uma quantia se determinado cavalo
vencer uma corrida e o cavalo vem a falecer antes da prova.
Importa lembrarmos, também, que o ato sob condição
suspensiva está formado, perfeito. Já não podem as partes retratar-se,
porque o vínculo derivado da manifestação de vontade está estabelecido.
Desse modo, o direito condicional é transmissível, inter vivos e causa
mortis, mas é transmissível com a característica de direito condicional,
pois ninguém pode transferir mais direitos do que tem.
No caso de condição resolutiva, dá-se de plano, desde logo, a
aquisição do direito. A situação é inversa à condição suspensiva. O
implemento da condição resolutiva "resolve" o direito em questão, isto é,
faz cessar seus efeitos, extingue-se. A obrigação é desde logo exigível,
mas o implemento restitui as partes ao estado anterior. A retroatividade
das condições é aqui mais patente porque o direito sob condição
resolutiva é limitado, podendo-se até dizer, ainda que impropriamente,
mas para melhor compreensão, que se trata de um direito "temporário".
Com o implemento, apagam-se os traços do direito.
A cláusula resolutiva, por ser limitação ao direito, deve constar
do Registro Público porque, se assim não for, terceiros não serão
obrigados a respeitá-la, não sendo atingidos, de qualquer forma, os atos
de administração.
Nos termos do art. 474 do atual Código (antigo, art. 119,
parágrafo único), a condição resolutiva pode ser expressa ou tácita. Se for
expressa, opera de pleno direito, independentemente de notificação ou
interpelação. Se for tácita, há necessidade desse procedimento.
No tocante à condição suspensiva há de se levar em conta o
disposto no art. 126 (antigo, art. 122): "Se alguém dispuser de uma coisa
sob condição suspensiva e, pendente esta, fizer quanto àquela novas
disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela
forem incompatíveis."
Sílvio Rodrigues apresenta o seguinte exemplo: alguém
promete dar um veículo sob condição; dá em penhor o veículo no
entretempo da condição suspensiva. Com o advento do implemento da
condição, o penhor se resolve, os efeitos da condição retroagem à data
do negócio, por força do citado art. 126 (Rodrigues, 1981). O texto legal,
deveras, não é de fácil compreensão. No atual Código, aponta-se o art.
123, III, que se refere à invalidade dos negócios jurídicos se as condições
forem incompreensíveis ou contraditórias.
Lembre-se de que o legislador imagina uma condição
resolutiva em todos os contratos bilaterais. Contrato bilateral é todo
aquele que possui obrigações recíprocas, carreadas a ambos os
contratantes, como a compra e venda, por exemplo. Nos contratos
bilaterais, o perfazimento de uma prestação está ligado à contraprestação
da outra parte. Nesse tipo de convenção existe sempre, de forma
expressa ou tácita, condição resolutiva, pois o contrato se resolverá se
uma das partes não fornecer sua prestação. Ocorrendo o inadimplemento
de um contratante, o outro pode pedir a rescisão com o pagamento de
perdas e danos (art. 1.092 do Código de 1916, princípio geral mantido no
presente Código, art. 472).
A propósito, estabelecia o parágrafo único do art. 119 do
Código de 1916 que "a condição resolutiva da obrigação pode ser
expressa, ou tácita; operando no primeiro caso, de pleno direito, e por
interpelação judicial, no segundo". O presente Código transplantou a
regra para a temática contratual, no art. 474: "A cláusula resolutiva
expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação
judicial."5 Quer isso dizer que, na resolutória tácita, a parte prejudicada
poderá pedir ao juiz que declare rescindido o contrato e que aprecie se
houve ou não causa de rescisão.
No caso de resolutória expressa, quando essa modalidade se
pactua no contrato, a parte pode pedir desde logo ao juiz aplicação dos
efeitos do inadimplemento das obrigações contratuais,
independentemente de qualquer interpelação judicial, considerando-se o
contrato rescindido pelo simples fato do não-cumprimento da obrigação,
no tempo, lugar e forma devidos.
۩. Implemento ou não-implemento das Condições
por Malícia do Interessado
De conformidade com o art. 129 do Código, "reputa-se
verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição, cujo implemento for
maliciosamente obstado pela parte, a quem desfavorecer, considerando-
se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada por
aquele a quem aproveita o seu implemento" (antigo, art. 120).
O Código pune, em ambas as situações, quem impede e quem
força, respectivamente, a realização do evento em proveito próprio.
Suponhamos o seguinte exemplo: um agente promete pagar,
subordinando o pagamento a determinada cotação de ação na Bolsa de
Valores. Para que a cotação não atinja o montante avençado, o agente
manipula artificialmente o mercado e a cotação da Bolsa. Provado o fato,
reputa-se implementada a condição.
A malícia, ou seja, o dolo, é requisito expressamente exigido
pelo art. 129 para verificação da hipótese, não bastando, pois, por
vontade do legislador, a simples culpa. Presentes os pressupostos do
dispositivo, o dano é ressarcido de modo específico, considerando-se
verificada a condição obstada e não verificada aquela cujo implemento foi
maliciosamente causado pela parte interessada. A execução específica
da avença não impede, ainda, que a parte prejudicada pela malícia
pleiteie perdas e danos se ocorrerem os requisitos.
O implemento ou não-implemento da condição, nesse caso,
deve ser incentivado ou obstado pela parte, para que ocorra o efeito do
art. 129; se o fato for levado a efeito por terceiro, sem participação da
parte interessada, o caso não é de se considerar como implemento ou
não da condição, mas tão-só de pedir indenização a esse terceiro.
Se a parte não age com dolo (malícia, como diz a lei), mas por
negligência ou imperícia, e tem-se a condição por verificada ou não,
conforme o caso, "nem por isso deixa de ser aplicável a regra da
responsabilidade decorrente da violação das obrigações, contratuais ou
não, responsabilidade que se traduz no dever de ressarcimento das
perdas e danos causados (artigos 159 e 1.056 do Código Civil)" (Ráo,
1952:344).
Nesse caso, contudo, não tem aplicação o art. 129 do Código,
que exige o dolo.
É, em qualquer caso, à parte prejudicada que cabe o ônus da
prova, mas à outra é facultado provar que, mesmo sem sua intervenção,
se verificaria ou não a condição, conforme o caso.
Como bem lembra Sílvio Rodrigues (1981:251), a regra (do art.
129; antigo, art. 120) é baseada no princípio da responsabilidade, pois,
"convocando ou frustrando a condição, um dos contratantes causa
prejuízo ao outro, e a melhor maneira de repará-lo é considerar a
condição como não ocorrida ou realizada".
۩. Retroatividade da Condição
O estado de pendência de uma condição cessa por seu
implemento ou por sua falta, isto é, quando a condição falha, não se
realiza ou se realiza fora do tempo estipulado.
Ocorrendo o implemento da condição, isto é, realizada ou
verificada a condição, muitos entendem que tudo se passa como se o ato
fosse puro e simples, como se o tempo medeado entre a manifestação de
vontade e o implemento da condição não houvesse. É o que se denomina
efeito retroativo da condição. Os que o admitem entendem o negócio
jurídico como se tratasse desde o início de manifestação de vontade não
condicionada. Outros entendem que a condição não tem esse efeito
retrooperante. A controvérsia vem desde o Direito Romano.
Como nosso Código Civil não possui dispositivo específico a
respeito da retroatividade, não podemos dizer que ocorra retroação.
Como conclui Caio Mário da Silva Pereira (1978, v. 1:486), o efeito
retroativo só operará se expressamente convencionado pelas partes, pois
não decorre da lei. Há casos em que a própria lei admite a retroatividade,
quando então o ato terá efeito de negócio puro e simples; as
conseqüências e os efeitos ocorridos medio tempore são destruídos pela
ocorrência da condição, como na propriedade resolúvel, e não têm efeito
retrooperante aqueles atos a que a lei dá validade medio tempore, como,
por exemplo, os atos de administração. Como acrescenta o mestre, "a
doutrina legal brasileira encontra-se, portanto, na linha das teorias mais
modernas que contestam esse efeito retrooperante como regra geral,
admitindo que ele se entenda como uma forma de construção jurídica,
que explica e torna mais claros os efeitos do direito condicional, fixando
de que maneira atua o evento na aquisição ou na resolução do direito, na
maioria dos casos".
A conclusão semelhante chega Sílvio Rodrigues (1981:253): "A
retroatividade dos efeitos do ato jurídico constitui, a meu ver, exceção à
regra geral da não-retroatividade, de sorte que, para retroagirem os
efeitos de qualquer disposição contratual, mister se faz que haja lei
expressa em tal sentido, ou convenção entre as partes. Caso contrário,
isto é, se nada se estipulou e a lei é silente, os efeitos da condição só
operam a partir do seu advento."
Mesmo os que admitem retroatividade das condições concluem
que nesse caso os efeitos visados "são quase os mesmos e resolvidos do
mesmo modo", como aduz Serpa Lopes (1962, v. 1:499), após analisar as
duas posições.
De qualquer forma, como recorda Orlando Gomes (1983:233),
a preferência, quer pela teoria da retroatividade, quer pela teoria da
irretroatividade, é acadêmica, porquanto o que se deve examinar é o
estado do direito durante a condição. De fato, é difícil fixação de regra
geral. Em cada caso, deve ser examinada a espécie da condição; se
houve avença pela retroatividade das partes; se a lei determina a
retroatividade naquele determinado caso concreto etc. Importa saber,
pendente a condição, se o titular do direito condicional deve ser protegido
e até que ponto. Isso só o caso concreto poderá solucionar, aplicando-se
as regras da interpretação da vontade, juntamente com a obediência aos
princípios legais e regras de princípios gerais de direito. Não se esqueça
de que o titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou
resolutiva, pode praticar os atos destinados a conservá-lo (art. 130 do
atual Código).
A esse respeito, veja que o presente Código reporta-se ao
problema na segunda parte do art. 128 referido. No tocante aos negócios
de execução periódica ou continuada, operada a condição, somente
haverá retroatividade nos efeitos, nos atos já praticados, se houver
disposição nesse sentido. O mais recente legislador assume, portanto,
como regra geral, a irretroatividade da condição: sem vontade expressa
das partes e sem lei que a estabeleça, não haverá retroação. Essa é, em
síntese, a opinião da doutrina colacionada aqui.
۩. Termo
A eficácia de um negócio jurídico pode ser fixada no tempo.
Determinam as partes ou fixa o agente quando a eficácia do ato
começará e terminará. Esse dia do início e do fim da eficácia do negócio
chama-se termo, que pode ser inicial ou final.
Denomina-se termo inicial (ou suspensivo ou dies a quo)
aquele a partir do qual se pode exercer o direito; é termo final (ou extintivo
ou dies ad quem) aquele no qual termina a produção de efeitos do
negócio jurídico.
O termo inicial suspende a eficácia de um negócio até sua
ocorrência, enquanto o termo final resolve seus efeitos. Os pontos de
contato com as condições (suspensiva e resolutiva) são muitos, tanto que
estipulava o Código de 1916, no art. 124, que "ao termo inicial se aplica o
disposto, quanto à condição suspensiva, nos artigos 121 e 122 e, ao
termo final, o disposto acerca da condição resolutiva do artigo 119".
O mesmo sentido, de forma mais técnica, faz-se presente no
recente Código: "Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as
disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva" (art. 135). O
termo, porém, é modalidade do negócio jurídico que tem por finalidade
suspender a execução ou o efeito de uma obrigação, até um momento
determinado, ou o advento de um evento futuro e certo. Aí reside a
diferença entre o termo e a condição.
Na condição, tem-se em mira evento futuro e incerto; no termo,
considera-se evento futuro e certo. Tanto que, na condição, o implemento
desta pode falhar e o direito nunca vir a se consubstanciar; o termo é
inexorável e sempre ocorrerá. No termo, o direito é futuro, mas deferido,
porque não impede sua aquisição, cuja eficácia é apenas suspensa.
Como a compreensão de condição é muito próxima da
compreensão de termo, ao titular do direito a termo, a exemplo do direito
condicional, permite-se a prática de atos conservatórios, de acordo com o
art. 130 (antigo, art. 121). E no termo, com maior razão, pois o titular de
direito condicional possui apenas direito eventual, o titular de direito a
termo possui direito deferido, apesar de futuro.
Embora tenhamos afirmado que o termo seja sempre certo, o
momento de sua ocorrência pode ser indeterminado. Assim, é certo e
determinado o vencimento de dívida no dia 30 de outubro. É
indeterminado, porém certo, o termo fixado para o falecimento de uma
pessoa. A doutrina, ainda que impropriamente, denomina, no caso, termo
certo e termo incerto. É de capital importância saber se o termo é certo
(determinado) ou incerto (indeterminado), porque a obrigação a termo
certo constitui o devedor de pleno direito em mora, enquanto a de termo
incerto necessita de interpelação do devedor (art. 397 do Código Civil;
antigo, art. 960).
O termo pode derivar da vontade das partes (termo
propriamente dito ou termo convencional), decorrer de disposição legal
(termo de direito) ou de decisão judicial (termo judicial).
Na condição, enquanto não se verificar seu implemento, não se
adquire o direito a que o ato visa (art. 125; antigo, art. 118); no termo
inicial, pelo contrário, não se impede a aquisição do direito, mas se
retarda seu exercício (art. 131; antigo, artigo 123).
O termo, portanto, aposto a negócio jurídico, indica o momento
a partir do qual seu exercício inicia-se ou extingue-se.
Há atos, contudo, que não admitem a aposição de termo. Tal
não é possível quando o direito for incompatível com o termo, dada sua
natureza, bem como nos casos expressos em lei. Há incompatibilidade
nos direitos de personalidade puros, nas relações de família e nos direitos
que por sua própria natureza requerem execução imediata. Ninguém
pode fazer adoção ou reconhecer filho subordinando tais atos a termo,
por exemplo.
É regra geral de interpretação que a aposição do termo seja
feita em benefício da pessoa obrigada, salvo prescrição legal ou
estipulação em contrário. É regra também encontrada no Código, no art.
133 (antigo, art. 126).
۩. O Prazo
Tradicionalmente se diz que prazo é o lapso de tempo
decorrido entre a declaração de vontade e a superveniência do termo. O
prazo é também o tempo que medeia entre o termo inicial e o termo final.
Não se confunde, portanto, com o termo.
O termo é o limite, quer inicial, quer final, aposto ao prazo. É o
tempo que decorre entre o ato jurídico e o início do exercício ou o fim do
direito que dele resulta.
Diz-se que o prazo é certo se o ato é a termo certo, e prazo
incerto se o ato é a termo incerto.
O art. 132 (antigo, art. 125) traça as disposições sobre a
contagem dos prazos: "Salvo disposição legal ou convencional em
contrário, computam-se os prazos, excluindo o dia do começo, e incluindo
o do vencimento.
§ 1o Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á
prorrogado o prazo até o seguinte dia útil.
§ 2o Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo
quinto dia.
§ 3o Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual
número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência.
§ 4o Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a
minuto."
Se o prazo cair em sábado, fica igualmente prorrogado de um
dia útil, de acordo com o art. 3o da Lei no 1.408, de 9-8-51. As obrigações
vencíveis em sábado serão pagáveis no primeiro dia útil imediato, por
força da Lei no 4.178, de 11-12-1962, que suprimiu o expediente bancário
aos sábados.
A Lei no 810, de 6-9-49, reformara o critério do § 3o do art. 125
do Código de 1916, definindo o ano civil:
"Art. 1o Considera-se ano o período de dozes meses contados
do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte.
Art. 2o Considera-se mês o período de tempo contado do dia do
início ao dia correspondente do mês seguinte.
Art. 3o Quando no ano ou mês do vencimento não houver o dia
correspondente ao do início do prazo, este findará no primeiro dia
subseqüente."
O critério do § 3o do art. 125 era diferente: mês era o período sucessivo
de 30 dias completos, 30 dias corridos. A Lei no 810 amoldou a lei civil à
lei que regulava o direito cambiário (Decreto no 2.044, de 31-12-08),
uniformizando a contagem dos prazos e revogando o citado § 3o.
O atual Código incorporou sinteticamente as regras
ultimamente adotadas, no art. 132, § 3o. Os prazos de meses e anos
expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar
exata correspondência.
O art. 133 (antigo, art. 126) do Código Civil prescreve que, "nos
testamentos, presume-se o prazo em favor do herdeiro, e, nos contratos,
em proveito do devedor, salvo quanto a esses, se do teor do instrumento,
ou das circunstâncias, resultar que se estabeleceu a benefício do credor,
ou de ambos os contratantes".
Nos testamentos, o herdeiro tem a contagem de prazo a seu
favor, preferindo ao legatário. A preferência do prazo em favor do devedor
é que, no silêncio do contrato e na dúvida, deve ser beneficiado, em
detrimento do credor, pois o primeiro deve cumprir a obrigação e está
geralmente em situação de inferioridade.
Por outro lado, estabelece o art. 134 (antigo, art. 127): "Os
negócios jurídicos entre vivos, sem prazo, são exeqüíveis desde logo,
salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de
tempo."
Disposição semelhante é a do art. 331 (antigo, art. 952): "Salvo
disposição especial deste Código e não tendo sido ajustada época para o
pagamento, o credor pode exigi-lo imediatamente."
Como regra geral, as partes fixam prazo dentro do qual deve
ser cumprida a obrigação. O credor não pode exigir o cumprimento antes
do termo. Ainda que não haja fixação de prazo, há certas obrigações que,
por sua natureza, só podem ser cumpridas dentro de certo lapso de
tempo, como é o caso do empréstimo, por exemplo. Quando, porém, a
obrigação permite e os contraentes não fixam prazo, a obrigação é
exeqüível desde logo, com as ressalvas da lei, ou seja, se a execução
tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo. Se se tratar de
empréstimo, é óbvio que o credor não pode exigir imediatamente a
devolução da coisa emprestada, assim também na empreitada, no
contrato de fornecimento etc.
De qualquer modo, a expressão desde logo, estampada no art.
134 (antigo, art. 127), não deve ser entendida ao pé da letra: temos que
entender que o negócio jurídico deve ser realizado em tempo razoável,
ainda que exeqüível desde logo, isto é, deve haver prazo razoável para
que o ato seja realizado. Não havemos de dar rigor excessivo à regra aí
estabelecida.
۩. Encargo
O encargo ou modo é restrição imposta ao beneficiário de
liberalidade. Trata-se de ônus que diminui a extensão da liberalidade.
Assim, faço doação a instituição, impondo-lhe o encargo de prestar
determinada assistência a necessitados; dôo casa a alguém, impondo ao
donatário obrigação de residir no imóvel; faço legado de determinada
quantia a alguém, impondo-lhe o dever de construir monumento em
minha homenagem; faço doação de área a determinada Prefeitura, com
encargo de ela colocar, em uma da vias públicas, meu nome etc. Os
exemplos multiplicam-se.
Geralmente, o encargo é aposto às doações; porém, a
restrição é possível em qualquer ato de índole gratuita, como nos
testamentos, na cessão não onerosa, na promessa de recompensa, na
renúncia e, em geral, nas obrigações decorrentes de declaração unilateral
de vontade.
Destarte, o encargo apresenta-se como restrição à liberdade,
quer estabelecendo uma finalidade ao objeto do negócio, quer impondo
uma obrigação ao favorecido, em benefício do instituidor ou de terceiro,
ou mesmo da coletividade. Não deve, porém, o encargo se configurar em
contraprestação; não pode ser visto como contrapartida ao benefício
concedido. Se houver contraprestação típica, a avença deixa de ser
liberal para ser onerosa, não se configurando o encargo.
O fato é que ninguém é obrigado a aceitar liberalidade. Se o
faz, sabendo ser gravada com encargo, fica sujeito a seu cumprimento.
Embora o encargo não se possa configurar em
contraprestação, não há para ele limitação quantitativa: a instituição pode
deixar intacto o montante do benefício, como no caso de se fazer uma
doação de uma área à Municipalidade com a obrigação de esta colocar o
nome do doador em uma das vias públicas; ou pode a disposição abater
parte do benefício, como no caso de fazer doação de quantia a alguém
com o ônus de o donatário pagar pensão aos pobres do lugar; ou pode
até a instituição esgotar todo o benefício, como no caso de legado com a
obrigação de o legatário erigir um túmulo ao testador que absorva toda a
quantia legada. Em nenhum caso, no entanto, o encargo pode constituir
contraprestação.
Como nos casos de condição, o encargo deve estampar
obrigação lícita e possível. A ilicitude ou impossibilidade do encargo torna-
o não escrito, valendo a liberalidade como pura e simples; nisto difere da
condição, em que somente a juridicamente impossível ou a ilícita ou
imoral anulam o próprio ato. Se o ato é fisicamente irrealizável, tem-se, da
mesma forma, por não escrito.
Em que pese à aparente semelhança, o encargo não se
confunde com a condição. O encargo é coercitivo, o que não ocorre com
a condição, uma vez que ninguém pode ser obrigado a cumpri-la. Doutro
lado, a condição suspende a aquisição do direito, se for suspensiva, o que
não ocorre com o encargo, a não ser que assim seja expressamente
disposto pelo manifestante: "O encargo não suspende a aquisição, nem o
exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio
jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva" (art. 136 Código
Civil; antigo, art. 128).
Assim, feita a doação com o encargo, a liberalidade não se
suspende por seu não-cumprimento, salvo na hipótese de suspensividade
ora enfocada. A condição ora suspende a aquisição do direito
(suspensiva), ora o extingue (resolutiva). O encargo não suspende tal
aquisição, que se torna perfeita e acabada desde logo, salvo a exceção
do art. 136. O não-cumprimento do encargo poderá resolver a
liberalidade, mas a posteriori. O encargo obriga, mas não suspende o
exercício do direito.
Na prática, surgindo dúvidas sobre a existência de condição ou
encargo, deve-se concluir pela existência de encargo, porque é restrição
menor que a condição. Como meio prático de se distinguir um da outra,
Washington de Barros Monteiro (1977, v. 1:239) apresenta um critério: a
conjunção se serve para indicar que se trata de condição, enquanto as
expressões para que, a fim de que, com a obrigação de denotam a
presença de encargo. É, sem dúvida, critério interpretativo, não infalível.
O cumprimento do encargo, nas doações modais, pode ser
exigido por via judicial pelo doador, quer o encargo haja sido imposto em
seu benefício, quer em benefício do donatário, quer em benefício geral,
assim como pelo terceiro favorecido pela liberalidade ou pelo Ministério
Público, depois da morte do doador, se este não tiver tomado a iniciativa,
nas liberalidades em geral (Monteiro, 1977, v. 1:459).
O doador pode optar (assim como herdeiros) entre duas ações:
a de resolução da liberalidade, do negócio, por descumprimento do
encargo, que caracteriza a mora (esta ação é conferida pelo art. 555;
antigo, parágrafo único do art. 1.181), e a de execução do encargo
(obrigação de fazer ou de dar, conforme a natureza do encargo), por força
do art. 553 (antigo, art. 1.180).
Quanto aos demais casos, afora o de doação, por analogia
havemos de aplicar, no tocante às ações, os princípios aqui expostos.
Lembre-se, contudo de que, apesar de o encargo não ser essencial ao
negócio jurídico, uma vez aposto, torna-se elemento essencial, de modo
que qualquer interessado (e o interesse deve ser examinado em face do
caso concreto) está legitimado a pedir a anulação do negócio.
A ação de revogação das doações por descumprimento do
encargo prescrevia em um ano, contado o prazo do dia em que o doador
soube do fato que autorizava a revogação (art. 178, § 6o, I do Código Civil
de 1916). Na falta de disposições gerais a respeito do encargo para
outros casos, defendia a doutrina que, por analogia, deveria ser aplicado
esse prazo. No entanto, tratando-se de omissão do agente, difícil era
precisar o termo inicial, sem sua constituição em mora. Esse prazo
também é de um ano, decadencial, no atual Código (art. 559).
No entanto, o atual Código estipula no art. 562 que "a doação
onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário
incorrer em mora. Não havendo prazo para o cumprimento, o doador
poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável
para que cumpra a obrigação assumida".
Note que, se ao instituidor e seus herdeiros cabe a ação para
revogar a liberalidade, aos terceiros beneficiados e ao Ministério Público
só caberá ação para executar o encargo, porque seu interesse situa-se
tão-só na exigência de seu cumprimento. O instituidor pode optar entre a
revogação e a execução.
Falecendo o beneficiário antes de cumprir o ônus, a ele ficam
obrigados seus herdeiros, a não ser que a disposição seja personalíssima
e incompatível para com estes.
O atual Código inova ao apresentar dispositivo sobre o
encargo, no art. 137: "Considera-se não escrito o encargo ilícito ou
impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso
em que se invalida o negócio jurídico." O artigo, que se apresenta com
redação nova com relação à original do Projeto, preenche lacuna e
estanca dúvidas da doutrina. O encargo ilícito ou impossível somente
viciará o negócio se for motivo determinante da disposição, o que deve
ser examinado no caso concreto. Doutra forma, considera-se não escrito.
۩. Observações gerais
1 - "Execução por título extrajudicial - Contrato de honorários
de advogado - Hipótese em que o recebimento da verba está
condicionado à ocorrência de elemento acidental, evento futuro e incerto
(êxito da demanda) - Inexistência de prova pré-constituída da ocorrência
do fato que tornaria exigível o título - Artigo 586 do Código de Processo
Civil - Ausência de certeza, liquidez e exigibilidade - Carência reconhecida
- Extinção do processo decretada -- Embargos infringentes acolhidos para
esse fim - Voto vencedor" (1o TACSP - EI 0000382977, 6-6-88, 1a Câmara
- Rel. Célio Filócomo).
"Compra e venda - Condição suspensiva - Ação cominatória -
CC Art. 114. I - A condição suspensiva pressupõe a existência de dois
elementos, quais sejam, que o evento seja futuro e principalmente que
seja incerto. Não sobressaindo, com toda evidência, o elemento incerteza,
não há como dizer que as partes contrataram sob condição suspensiva. II
- Recurso conhecido em parte e nessa parte provido, apenas para o fim
de aumentar o prazo para o início do pagamento da multa e reduzi-la a
patamar mais justo" (STJ - Acórdão RESP 182174/SP (199800526501),
RE 376817, 21-9-2000, 3a Turma - Rel. Min. Waldemar Zveiter).
2 - "Contrato - Cláusula - Reajuste de prestações - Fixação de
índices alternativos - Escolha outorgada a um dos contraentes -
Legalidade - Disposição não subordinada ao arbítrio de uma das partes -
Indexadores fixados por terceiro - Condição meramente potestativa - Não
configurada a proibição prevista no artigo 115 do Código Civil - Recurso
provido. É mister distinguir as condições puramente potestativas das
meramente potestativas. Aquelas são de mero capricho; as outras
dependem, também, de ato de um contratante, sujeitando-se, porém a
circunstâncias alheias à vontade deste. Só as primeiras são vedadas pela
lei" (TJSP - Ap. Cível 178.265-2, 18-5-93, Rel. Clímaco de Godoy).
"Correção monetária - Índices - Compromisso de compra e
venda - Cláusula com previsão de mudanças, a critério da vendedora, de
índices instituídos legalmente - Inadmissibilidade - Condição puramente
potestativa - Impossibilidade de aplicação. A invocação da parte da
cláusula que deixa a critério da vendedora a escolha de índice que reflita
a real inflação não pode ser aceita, por implicar em condição puramente
potestativa, não possível de ser aplicada nos termos do artigo 115 do CC"
(TJSP - Ap. Cível 215716-2, 7-10-93, 10a Câmara Cível - Rel. Borelli
Machado).
"Correção monetária - Contrato - Mútuo - Financiamento
rotativo para a compra de veículos nacionais e importados com garantia
real - Atualização do crédito de acordo com a cláusula de escala móvel
denominada 'quociente de conversão' - Inadmissibilidade - Fixação dos
índices mensais que ficou a critério exclusivo do credor - Condição
puramente potestativa verificada - Transgressão ao estatuído no art. 115
do Código Civil - Aplicação dos índices da Tabela Prática elaborada pelo
E. TJSP - Recurso improvido. Transação extrajudicial - Homologação em
juízo - Produção de efeitos na parte que não está inquinada de vício -
Cláusula e escala móvel considerada ineficaz, inidônea - Impossibilidade
de se cogitar de ofensa ao princípio da indivisibilidade da transação -
Recurso improvido. Prova - Perícia - Prevalência do laudo elaborado em
15.12.98 - Inocorrência de insurgência contra tal trabalho técnico -
Hipótese em que o mesmo bem foi avaliado posteriormente em outro
feito, no qual foi reconhecida a conexão - Circunstância que não bastava
para infirmar a primeira perícia - Agravo improvido" (1o TACSP - AI
0992721-7, 4-4-2001, 4a Câmara Cível - Rel. José Marcos Marrone).
3 - "Condição puramente potestativa e condição simplesmente
potestativa. O direito distingue nitidamente entre essas duas espécies,
tanto que só a última empresta validade. Mas, apurar se uma condição é,
ou não, puramente potestativa constitui questão de fato, que não pode ser
apreciada em recurso extraordinário. Para a solução dos problemas
jurídicos, nem sempre é decisivo o apelo aos dicionários. Condições
puramente potestativas e simplesmente potestativas. Distinção. Validade
das últimas" (STF - RE 13893, 1a T., Rel. Min. Luís Gallotti, 27-11-50).
4 - "Inválida e nula a cláusula que prevê a prorrogação da
locação pelo mesmo preço, por períodos certos e sucessivos, quando ela
é deixada ao arbítrio exclusivo do locador, equivalente, assim, a uma
condição ilícita, potestativa. Recurso conhecido e provido" (STF - RE
54016, 23-8-63, 2a Turma - Rel. Min. Ribeiro da Costa).
5 - "Promessa de compra e venda de imóvel - Rescisão
contratual - Inadimplência do promitente comprador - Falta de
interpelação judicial - Prestações pagas - Cláusula limitativa da restituição
- A condição tácita resolutiva da obrigação só se opera por interpelação
judicial - parágrafo único do art. 119 do CC - se houver atribuição à parte
ré - São consideradas nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que
restringem o reembolso da quantia já paga, quando da resolução do
contrato, por ofensa a princípios fundamentais do sistema jurídico de
defesa do consumidor - art. 51, II e IV e parágrafo primeiro, I c/c o 53 da
Lei no 8.078/90 - e ao princípio geral de direito civil que veda o
enriquecimento sem a justa causa decorrente" (TJDF - Apelação Cível -
3395294 - DF, 4a T. Cível, Rel. Des. Everards Mota e Matos - 14-3-95).
6 - "Honorários condicionais - Revogação do mandato -
Realização da condição - Nos contratos subordinados à condição
suspensiva, reputa-se verificada quanto aos efeitos jurídicos, aquela cujo
implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer"
(TACRJ - Apelação Cível 3884/92 - Reg. 2714, 2a Câmara, Rel. Juiz
Marlan de Moraes Marinho, 14-5-92, v. u.).
7 - "Execução - Prestação alimentícia - Valor fixado por
determinado período e depois reduzido à metade - Ato jurídico sujeito a
termo e não a condição resolutiva - Falta de título para a pretensão -
Carência da execução - Determinando o ajuste a prestação alimentícia de
um valor por seis meses, reduzido de metade a partir de então, porque a
virago terá a partir daí condições para contribuir com a manutenção dos
filhos com recursos próprios advindos da venda ou arrendamento de
alguns dos bens que lhe coube na partilha, está-se diante de ato jurídico
sujeito a termo e não a uma condição resolutiva dependente de evento
futuro e incerto. A pretensão de receberem os alimentários a partir do
sétimo mês a diferença relativa a parte reduzida não encontra apoio no
título, havendo em conseqüência carência da execução nesse particular"
(TJSP - Apelação Cível 61.479-4 - Campinas - 9a Câmara de Direito
Privado - Rel. Ruiter Oliva - 20-10-98, v. u.).
"Honorários profissionais - Arquiteto - Cobrança - Projeto
arquitetônico - pagamento quando da incorporação do empreendimento -
Fixação de termo e não de condição - Cabimento. Ao estabelecerem as
partes que o pagamento seria efetuado quando da incorporação do
empreendimento, tiveram a inequívoca intenção de fixar termo e não
condição. Assim, não se pode reputar que o pagamento dos serviços
dependeria de evento futuro e incerto, mas que efetivamente ocorreria em
determinado momento. Assim, ainda que mal sucedido o
empreendimento, não há como negar o direito da parte prestadora do
serviço à remuneração" (2o TACSP - Ap. s/Rev. 633.534-00/6, 29-1-2002,
7a Câmara - Rel. Antônio Rigolin).
"Condição suspensiva - Prescrição. Honorários de advogado.
Constitui condição suspensiva a cláusula contratual em que o advogado
só percebe honorários se for vitorioso na causa. O advogado, neste caso,
só pode acionar o cliente depois do julgamento final do feito. Não corre a
prescrição, se pendente contradição suspensiva. Recurso conhecido e
provido" (STF - RE 83942, 19-10-76, Seção 1 - 1a Turma - Rel. Cunha
Peixoto).