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Joice Caetano Sabin
LUTO: UMA ABORDAGEM NO PACIENTE IDOSO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Fundação Universitária Mário Martins como componente curricular e conclusão da Especialidade em Psiquiatria.
Orientador: Professor e Psiquiatra Thiago Brasil.
Porto Alegre, 31 de Julho de 2.012.
Agradecimentos:
Aos meus pais Ademar e Glória, pelo eterno
orgulho de minha caminhada, pelo apoio,
ajuda, exemplo e, em especial, por todo
carinho ao longo deste curso.
Ao meu irmão Laurence e ao meu noivo Rafael
pela compreensão, paciência e pela ajuda na
digitação e formatação desse trabalho.
As minhas colegas de curso, pela cumplicidade
e amizade.
Ao professor, orientador e amigo Thiago Brasil,
pela dedicação e supervisão deste trabalho.
A paciente descrita no caso clínico, que
contribuiu com o conhecimento e estímulo do
mesmo.
“Um dia, quando olhares para trás, verás que os dias mais belos foram aqueles em que tiveste que lutar...”
Freud
RESUMO
O objetivo deste trabalho é chamar a atenção para o luto em idosos.
Explicar, também, as diferenças entre o luto normal e o patológico. A motivação pelo
tema iniciou após o atendimento de uma paciente idosa, que teve a perda de sua
irmã. E ainda, tentar correlacionar com outros trabalhos da área psicanalítica e
evidenciar a melhor maneira de se abordar o assunto, em um momento que o
enlutado já passa por grandes perdas na vida.
Palavras-chave: luto, idoso, luto e melancolia, psicoterapia.
ABSTRACT
The purpose of this work is to call attention to elderly grief. Explain, also,
the differences between regular lute and pathological. The interest for the theme
began after a answering an elderly patient, who had the lost of her sister. Also, try to
correlate with other studies in the psychoanalytic field and showing the best way to
approach the subject in a moment that the mourner is already heavy losses in life.
Keywords: grief, elderly, mouring and melancholy, psychotherapy.
SUMÀRIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................8
2 CONCEITO.........................................................................................................8
3 REVISÃO DA LITERATURA................................................................................9
3.1 SIGMUND FREUD...........................................................................................9
3.2 JOHN BOWLBY................................................................................................10
3.3 MELANIE KLEIN...........................................................................................11
3.4 KARL ABRAHAM.............................................................................................11
4 IDOSOS ........................................................................................................12
5 LUTO...........................................................................................................13
6 PSICOTERAPIA DO IDOSO..................................................................................15
6.1 O PSICOTERAPEUTA......................................................................................15
6.2 PSICOTERAPIA DE URGÊNCIA....................................................................15
6.3 PSICOTERAPIA DE APOIO...........................................................................16
7 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA ........................................................................................16
7.1 VINHETA...................................................................................................17
8 DISCUSSÃO E COMENTÁRIOS............................................................................18
9 CONCLUSÃO...............................................................................................19
REFERÊNCIAS....................................................................................................20
1 Introdução:
Será discutido o conceito de luto na terceira idade bem como as
possibilidades de tratamento, via psicoterapias, com o intuito de amenizar os
sintomas apresentados pelos idosos.
Foi feita uma pesquisa no indexador pubmed, sobre luto e idosos, e foram
selecionados quatro artigos sobre o tema, posteriormente citados.
Dessa forma, tem-se como objetivo do presente, demonstrar a importância da
elaboração do processo de luto em pessoas com mais de 60 anos. Ainda, será
descrito um caso acompanhado de uma vinheta clínica de uma paciente idosa em
psicoterapia, a qual desencadeou luto patológico após a perda de sua irmã.
2 Conceito:
Conforme o Código Internacional de Doenças-CID 10, regido pelo código Z
63.4, luto implica em “desaparecimento ou morte de membro da família”
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,2008,p 300). E segundo o Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-DSM IV-TR (2005), sendo V 62.82
o código, luto refere-se a “Esta categoria pode ser usada quando o foco é uma
reação à morte de um ente querido” e define o luto “como parte de sua reação à
perda, sendo que alguns indivíduos enlutados apresentam sintomas característicos
de um Episódio Depressivo Maior” (AMERICAN PSYCHIATRIC,2005,p.692).
O luto normal, segundo a literatura, engloba um vasto número de sentimentos
e comportamentos comuns a uma perda. Para Worden (1998), os fenômenos
alterados podem ser divididos em quatro categorias: 1. Sentimentos, 2. Sensações
físicas, 3. Cognições e 4. Comportamentos. Lindeman (1944), referenciado por
Worden, no mesmo ano, descreve características patognomônicas do luto normal ou
agudo: “ estresse somático ou físico de algum tipo; preocupação com a imagem da
pessoa que faleceu; culpa relacionada com a pessoa que faleceu ou circunstâncias
de sua morte; reações hostis; incapacidade para funcionar como fazia antes da
perda; desenvolvimento no seu próprio comportamento de traços da pessoa que
faleceu”.
8
Para o luto patológico ou complicado, há uma relação ambivalente, com uma
hostilidade não expressa, após a perda de um ente familiar. Com manifestações
excessivas de raiva e culpa com duração maior se comparado com o luto normal,
podendo se estender a anos após a morte. Ainda de acordo com Worden (1998),
perdas passadas e separações com impacto sobre perdas atuais; história de doença
depressiva prévia ou relações altamente dependentes têm um grande papel na
predisposição de uma pessoa a uma reação de luto patológico. (SIMOS,1979 apud
WORDEN,1998).
A expressão de trabalho do luto que se tornou clássica é introduzida por
Freud em Luto e Melancolia (Trauer und Melancholie) na qual ele enfatizou para o
fato de que a depressão, ou melancolia, era uma forma patológica do luto e que se
manifestava de forma parecida ao luto normal. Porém, exceto pelo fato de haver um
padrão característico: os impulsos de raiva direcionados à pessoa amada de forma
ambivalente acabavam sendo direcionados para dentro do próprio indivíduo
(FREUD, 1914 – 1916).
3 REVISÃO DA LITERATURA
3.1 Sigmund Freud:
Pela psicanálise, Freud inicia um tempo de trabalho de luto, ou seja, um
desligamento gradual e doloroso de todo investimento libidinal após uma perda ou
separação de uma pessoa amada ou de algo equivalente em valores afetivos.
Descreve o luto como um estado de animo profundamente doloroso, com perda do
interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar e inibição de quase
todas as funções (FREUD, 1914 apud ABUCHAIM, 1977).
Freud (1914) testou a existência do trabalho intrapsíquico do luto, dada pela
falta de interesse pelo mundo exterior instalada com a perda do objeto. A energia
que o indivíduo mobiliza pela sua dor e pelas suas recordações obriga o ego a
decidir se quer partilhar este destino do objeto perdido. Considerando assim as
satisfações narcísicas que existem continuar vivo decide-se quebrar a ligação com o
objeto destruído. Para realizar este desapego, tornam-se possíveis novos
investimentos, ou seja, uma tarefa psíquica.
9
Freud ainda mostrou a gradação existente entre o luto normal, lutos
patológicos e melancolia. A correlação entre a melancolia e o luto parece ser
justificada pelo quadro geral dessas duas condições. Do mesmo modo as causas
excitantes devidas à influência são as mesmas para as ambas as condições. O autor
afirma que no luto normal não há perturbação da autoestima.
Assim foram definidas três condições da melancolia: perda do objeto,
ambivalência e regressão da libido ao ego. O Ego enfraquece e volta-se contra si. O
luto exige do ego a desistência do objeto, declarando-o morto e oferece ao ego o
incentivo de continuar a viver. Assim, cada luta isolada da ambivalência distende a
fixação da libido do objeto, depreciando-o e denegrindo-o, e por fim matando-o
(FREUD 1914).
Na melancolia, Freud explica que a libido livre não foi deslocada para outro
objeto, foi retirada para o ego. Assim estabelece-se uma identificação o ego o objeto
abandonado (FREUD 1914).
Os psicanalistas, após Freud, tentaram esclarecer o luto normal a partir das
suas formas patológicas – depressiva,melancólica e maníaca. Reforçando o papel
da ambivalência e na função da agressividade para com o morto, ao passo que
permitia o desapego dele.
3.2 John Bowlby:
Bowlby,distingue quatro fases do luto: entorpecimento (algumas horas a uma
semana, com aflição e raiva intensas); anseio e busca da figura perdida (alguns
meses e por vezes anos); desorganização e; desespero.
Na fase de aceitar a realidade da perda, o encontro com a pessoa perdida é
impossível, pelo menos nesta vida. Usa-se o mecanismo de negação da realidade,
variando desde uma leve distorção até desilusão completa. A fase de negação pode
se prolongar e tornar-se uma elaboração complicada do luto. Na segunda fase, a dor
é reconhecida e elaborada ou irá se manifestar de sintomas, ou ainda em conduta
aberrante. Parkes (1970) define como fase de anseio, tento a raiva como sintoma
presente. Na terceira fase, há manifestação de dificuldade em funcionabilidade no
10
ambiente. E, finalmente na fase de conduta reorganizadora recomeça a vida
(BOWLBY 1985)
3.3 Melanie Klein:
Melanie Klein (1940) estabeleceu que bebês e crianças sofrem luto e passam
por fases de depressão. As formas de reagir, são determinadas da maneira como,
mais tarde na vida, reagirão a novas perdas (KLEIN, 1940; VIORST, 2005). Os
mecanismos de defesa são voltados contra o abatimento pela perda do objeto.
Essas experiências de perda que Melanie sugere serem patogênicas estão
presentes no primeiro ano de vida e ligadas principalmente ao desmame e a
alimentação (KLEIN 1940 apud BOWLBY, 1985).
Segundo Melanie, na vida adulta o luto é reativado a posição depressiva, as
ansiedades, o sentimentos de culpa, de perda e de aflição das quais derivam do seio
materno, do complexo de Édipo e outras fontes. Afirma que a dor sentida pela
pessoa enlutada, não está totalmente ligada à necessidade de renovar os vínculos
como mundo externo. Toda vida, existe a necessidade de reconstruir o mundo
interno, já que este se encontra em perigo, frente a deterioração ao colapso. Se há o
predomínio do ódio o enlutado transforma a pessoa amada que perdeu em
perseguidora.
A autora afirma haver a ambivalência de sentimentos em relação ao objeto
perdido, e refere no luto normal aspectos psicopatológicos ligados à posição
esquizoparanóide. A perda do objeto bom externo provoca a perda do objeto bom
interno. Sendo o maior perigo o desvio do ódio para a pessoa que acaba de perder.
3.4 Karl Abrham:
Com a perda de um objeto amoroso, ocorre uma oportunidade para que a
ambivalência nas relações amorosas seja efetiva e manifesta. Se o amor pelo objeto
não pode ser renunciado, o ódio entra em ação nesse objeto substitutivo,
degradando-o, fazendo-o sofrer e tirando uma satisfação sádica de seu sofrimento
(ABRAHAM, 1924 apud ABUCHAIM, 1977).
Abraham desfaz a diferença entre luto e melancolia, mostrando que a perda
da autoestima estava presente em ambos, bem como os mecanismos introjeção. A
11
introjeção pretende preservar as relações da pessoa como objeto morto. No
melancólico é feita de um objeto como o qual a pessoa tem um intenso conflito de
ambivalência. Afirma que no luto normal, o conhecimento consciente da perda está
presente, o que não ocorre no melancólico (ABRAHAM, 1924 apud ABUCHAIM,
1977).
4 Idosos:
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – Censo
2.010), atualmente existem no Brasil, aproximadamente, 20 milhões de pessoas com
idade igual ou superior a 60 anos, o que representa pelo menos 10% da população
brasileira. Segundo projeções estatísticas da Organização Mundial de Saúde –
OMS, no período de 1950 a 2025, o grupo de idosos no país deverá ter aumentado
em quinze vezes, enquanto a população total em cinco. Assim, o Brasil ocupará o
sexto lugar quanto ao contingente de idosos, alcançando, em 2025, cerca de 32
milhões de pessoas com 60 anos ou mais de idade. (Ministério da Saúde -
ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Resultados_do_Universo/
tabelas_pdf/tab1.pdf)
O envelhecimento da população brasileira é reflexo do aumento da
expectativa de vida, devido ao avanço no campo da saúde e à redução da taxa de
natalidade, e é acompanhado por mudanças dramáticas nas estruturas e nos papéis
da família, assim como nos padrões de trabalho e na migração.
No ano 2025 o Brasil terá a 6ª população de idosos em termos absolutos.
Estimativas para os próximos 20 anos indicam que a população idosa poderá
exceder 30 milhões de pessoas ao final deste período, chegando a representar
quase 13% da população total. (IBGE)
Os idosos expressam sua dor da mesma maneira que os adultos mais jovens
e de meia-idade. Mas devido à sua idade e as circunstâncias de vida, acabam
experimentando várias perdas dentro de um curto período de tempo. Os idosos são
mais propensos do que adultos a perder mais de um amigo ou membro da família
dentro em um curto tempo, tendo que pensar ainda, na aproximação da sua própria
morte. Isto pode levá-los a sofrer as perdas de modo mais arrastado. Podendo
12
passar por sentimentos como opressão, entorpecimento, ou mesmo com
dificuldades de expressar sua dor.
Além de perdas relacionadas ao envelhecimento, podem precisar abrir mão
de papéis dentro da família. Podendo, ainda, sentirem-se tristes e passar por outros
sinais de luto sem saber que eles próprios estão sofrendo. Diversas vezes não estão
dispostos a dizer às outras pessoas que estão de luto, que estão sofrendo.
Os adultos mais velhos são mais propensos a se tornar fisicamente mais
frágeis depois de experimentar uma grande perda. Eles podem ter, a longo prazo,
doenças físicas ou outras condições que interferem com a sua capacidade de sofrer.
Os sintomas dessas doenças podem piorar na ocasião do luto.
Alguns adultos mais velhos podem desenvolver dor crônica ou complicações
associadas com o luto. Além disso, necessitam de mais tempo do que outras
pessoas para ajustar uma mudança e esse ajuste conduz à uma força emocional.
Às vezes, precisam de mais tempo para se tornar consciente de seus
sentimentos e expressá-los, apontando os sinais de tristeza ou mudanças de
comportamento. Isso pode ajudar a pessoa a tomar consciência de seus
sentimentos e a se sentir mais confortável ao mencionar o seu sentimento. Falar
sobre a perda,costuma abrir caminhos para o conforto, é o momento que as
lembranças são compartilhadas. Torna-se necessário ainda, separar as perdas, de
forma que o idoso sente-se menos sobrecarregado e mais capaz de lidar com o
sofrimento emocional. (International Journal Of Nursing Practice 1997;3 137-141)
5 Luto:
Sabido é que, perder alguém amado ou estimado significa um choque, sendo
o período de luto muito lento. Os sintomas de tristeza profunda, angústia intensa e
remorso, costumam levar de um a dois meses para desaparecer. Na maioria dos
casos, a tristeza some após período de seis a dezoito meses, a menos que seja
complicada por outra perda ou stress. Compartilhar a dor, o ressentimento com
alguém, ajuda e acalma.
O trabalho do luto também envolve os sentimentos sexuais. As pessoas
precisam superar suas próprias identidades das anteriores mesclas de identidade
13
que acontecem em relacionamentos íntimos. A sensação de que parte de si morreu
com o falecido, poderá ser substituída pela sensação de que a sua individualidade
existe e que continua viva. (Caminhos do Envelhecer, 1.994, p-83)
Como grande referência na área, Parkes tem trabalhado na Inglaterra, em
Sydenham, onde ele montou o primeiro serviço de luto no hospital e realizou
algumas das primeiras avaliações sistemáticas de cuidados paliativos.
Com base no estudo de Rotterdam, 5741 idosos foram avaliados. Luto
complicado foi avaliado com um questionário. A prevalência na população geral foi
de 4,8%. Taxas elevadas de ansiedade e depressão foram encontradas em
pessoas com dor complicada, mas a grande maioria permaneceu livre de co-
morbidade. O tempo do luto tem relação com a duração do relacionamento com o
falecido, especialmente quando a fonte for um cônjuge ou filho, e isso configurou o
luto complicado. Pessoas com luto complicado eram mais velhas, tinham menor
nível de educação, e maior comprometimento cognitivo. (Journal of Affective
Disorders 132 (2011) 231-238.
Em um estudo americano, do presente ano, foi descobertas quatro trajetórias
distintas nos pacientes enlutados: Resiliência (caracterizada por depressão leve;
66,3%), Dor Crônica (caracterizada pela depressão após a perda, aliviada por 4
anos pós-perda; 9,1%), _Pre -existente Depressão crônica (em curso de alta pós-
perda depressão; 14,5%), e deprimido-melhorada (caracterizado por depressão pré-
perda de alta que reduz a perda seguinte; 10,1%). Usando esta estratégia analítica,
foram analisadas várias hipóteses sobre o luto simultaneamente. Saúde, estresse
financeiro, e estabilidade emocional surgiu como fortes preditores de variabilidade
na depressão apenas para algumas trajetórias, indicando que os níveis de
depressão não tem uma etiologia comum entre todos os enlutados. Como tal, achou-
se que a identificação de padrões distintos informa tanto o curso e etiologia da
depressão em resposta ao luto. (Social Science & Medicine 74 (2012) 1987-1994).
No estudo inglês, foram analisadas as experiências de luto de 12 idosos,
cujos parceiros haviam morrido recentemente, após doença terminal. Foi visto que a
dor não só era moldada pelo contexto cultural-social, mas também pela natureza da
relação entre enlutado e o morto. No primeiro ano de luto, o enlutado retém e
14
modifica a relação emocional com os parceiros falecidos, através de vários
comportamentos simbólicos.
6 Psicoterapia do Idoso:
O cuidado terapêutico do idoso se dá com mais frequência em momento de
crise, seja em uma ruptura afetiva, seja no luto. O modo agressivo dessas situações
é uma fonte importante de inquietude. A angústia da morte, ou a angustia para a
vida, veste-se de um conjunto de afetos misturando sentimentos ambivalentes de
esperança e de medo.
Nessas situações, devemos ajudar o idoso a assimilar o trauma, a fim que
haja uma adaptação à situação e que se encontre um novo equilíbrio.
O reforço do Ego é uma indicação das psicoterapias do idoso, centrada sobre
a resolução dos problemas atuais. Se as funções intelectuais mantêm a plasticidade
e se a demanda afetiva é intensa, interpretações em profundidade podem ser
encaradas. Porém, a escolha definitiva depende do terapeuta. Nesse contexto, a
restauração narcísica torna-se objeto terapêutico primordial (Psicopatologia do
Envelhecimento, 1.994, p-172-174).
6.1 O Psicoterapeuta:
De acordo com a adaptação ao paciente, o terapeuta deve entrar mais
livremente em sua relação, podendo vir a modificar o ambiente, implicando em
ações tranquilizadoras, discussões realistas e revigorações de diretrizes culturais
(educação da família e cuidadores), excluindo todo o atrativo perverso ou todo
interesse mórbido. (Psicopatologia do Envelhecimento, 1.994, p-175).
6.2 Psicoterapia de Urgência:
Visa uma ação imediata para resolver a crise acometida pelo idoso, seja ela
angústia ou perda afetiva. O objetivo não é modificar a estrutura da pessoa, mas
ajudá-la ou sustentá-la em uma situação complicada, tentando manter o equilíbrio no
caso de uma passagem difícil. (Psicopatologia do Envelhecimento, 1.994, p-83).
15
6.3 Psicoterapia de Apoio:
Nessa terapia, o terapeuta deve encorajar ou ajudar a superar um obstáculo
fornecendo os meios necessários ao paciente. Com o intuito de reconfortar o
individuo, servindo de esteio para que ele possa enfrentar os acontecimentos.
É importante nos momentos de crise, de interrogação, pois assegura uma
melhor confiança da pessoa e nas suas possibilidades para diminuir a angústia e
devolver-lhe o ânimo. Indicada ainda, para idosos mais comprometidos, com
alterações intelectuais e atividades limitadas. (Psicopatologia do Envelhecimento,
1.994, p-185-186).
7 Ilustração clínica:
C.B., 81 anos, feminina, solteira, nível superior completo, aposentada, católica
praticante, natural de Santa Maria/RS, procedente de Porto Alegre/RS.
Paciente iniciou tratamento na FUMM em 2001, 2 anos após morte da irmã
mais velha, por septicemia após cirurgia intestinal. Sempre fizera psicoterapia com
alunos da psiquiatria, pois relatava dificuldades financeiras. Sou a quinta terapeuta a
atendê-la.
Inicio atendimento em 2010, após uma difícil passagem de terapeuta. Houve
duas sessões a pedido da paciente para essa finalidade. Paciente mostrava
claramente a dificuldade em realizar essa troca. O choro era contínuo.
C.B. sempre abdicou sua vida para cuidar dos familiares. Morou em Santa
Maria até o falecimento de seu pai, há 30 anos. Vindo morar com a irmã em
questão nessa época.
Relata ter tido muitos cuidados na infância, pois nasceu com uma doença
intestinal, e seus pais achavam que a filha caçula não iria sobreviver. Essa
superproteção dos pais sempre fora evidente. Por causa dessa atenção toda teve
dificuldades em criar a sua própria identidade. Sendo assim, era aquilo que os
outros gostariam que ela fosse criando praticamente um falso-self.
Nas sessões, mostra-se sempre frágil, chorando freqüentemente, choro esse
que lembra uma "criança resmungando", pedindo pela mãe.
16
A paciente mantém ideias supervalorizadas de luto. Lembra da perda da irmã
em quase todas as sessões. Relembra histórias vividas com ela, de forma pueril e
melancólica. Por vezes, manifesta desejo de ter morrido junto com ela. Já que afirma
ter perdido a referência.
Descreve-se como uma pessoa geniosa, de difícil convivência. Entretanto, a
irmã a entendia perfeitamente e conviviam harmoniosamente. Afirma momentos
tristes, depressivos nas perdas dos familiares, e em outros, impulsividade e
agitação. Mantendo a hipótese de bipolaridade por todos os terapeutas que passou.
Sempre usando estabilizador de humor, antidepressivos em vários momentos e
ansiolíticos desde 2001.
Não consegue relacionar os seus sintomas com a questão do luto. Acha-se
injustiçada pela vida, por não ter podido ter outras escolhas. Não casou por ter que
cuidar do pai. Formou-se advogada por pedido da mãe, nunca exerceu sua
profissão, porque tinha rendas de imóveis deixadas pelos avós...
7.1 Vinheta:
(...)
P: Sabe Dra.... a minha irmã era tão atenciosa comigo.Sempre íamos no
shopping...nos cafés....nas lojas. Nunca mais fui ao shopping depois que ela morreu.
A vida não tem mais graça. Perdi a companheira...Choro sempre de saudades dela.
(olhar distante, choro compulsivo).
T: Entendo a tua dor.
P: Não sei se entende Dra....As vezes acho que só eu sinto essa dor, só eu
sofro com isso tudo.
T: Mas porque achas que eu não poderia entender?
P: Ah...tu és muito novinha Dra. Tem pai, mãe, familiares todos vivos. Não
passou por tudo o que passei. Talvez quando tiveres a minha idade, vais entender.
T: E achas que eu não poderia te ajudar, devido a minha pouca idade?
17
P: Sei que estudas para entender as pessoas. Mas a vida é que ensina...e
ensina mais na dor do que na alegria.
T: E falando em alegrias....lembras de momentos bons?
P: Até tive momentos bons...mas neles, a maioria eram com minha família,
minhas irmãs. Viajei muito, conheci vários lugares bonitos. Mas hoje, não tenho
alegrias. Minha vida é simples e tranquila. Agora, só cuido da minha irmã....a única
que ainda vive.
8 Discussão e comentários:
Para que o luto tenha uma evolução favorável, é preciso que o enlutado tenha
uma capacidade para suportar as variações da emoção. Se for possível tolerar o
abatimento, aos poucos, a vida deverá ser aceita e reconstruída.
O luto complicado pode deixar marcar profundas no psiquismo podendo
reduzir a capacidade de se manter laços afetivos, e até mesmo, em dificuldades de
reorganização futura da vida.
Verificamos que, no luto, a inibição e a perda de interesse são entendidas
pelo trabalho do luto no qual o ego está emerso. Já na melancolia, a perda
desconhecida evocará em um trabalho interno parecido, e será responsável pela
inibição melancólica. O que se nota, é a dificuldade na inibição melancólica, pois não
podemos ver o que o ego está absorvendo. Freud consegue explicar claramente,
que “no luto é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego”.
Na melancolia a relação com o objeto é complexa devido a ambivalência
entre o amor e o ódio. O ódio tentando separar a libido do objeto e o amor
defendendo a posição da libido contra o assédio. No caso mostrado, a paciente fica
no conflito entre o ódio por ter perdido a irmã e ficado sozinha, e o amor por ela
sentido.
18
9 Conclusão:
No estudo sobre luto em idosos, resta clara a importância do processo de
elaboração do luto, eis que há possibilidades dos pacientes evoluírem para um luto
patológico e/ou doenças mentais. É necessário estar evidente para o terapeuta, a
diferença entre o luto normal e o patológico, já que isso irá definir o planejamento e
os resultados terapêuticos na evolução do tratamento. Assim, a pessoa enlutada
será beneficiada e terá a possibilidade de fazer novos investimentos libidinais.
De acordo com os autores vistos para esse trabalho, percebe-se a dificuldade
do tema e as várias reproduções do luto no psiquismo humano, podendo variar
desde um sentimento de perda do objeto, sentimentos de ambivalência prejudiciais
ao ego ou até a retirada da libido do objeto ao ego. No caso clínico apresentado,
vimos uma demonstração clara de luto patológico ocasionado após perda de um
ente querido e ainda, adicionado a uma doença mental já instalada. Assim, com o
conhecimento teórico sobre o assunto, podemos alcançar melhor o sofrimento do
paciente, de modo a tentar amenizar a dor sofrida, seja ela em forma de depressão
ou em uma doença mental.
O sentimento de angústia gerado pela ausência e o vazio da existência que
se apaga, devem orientar nossas ações, no sentido de conseguirmos proporcionar a
livre expressão da pessoa idosa, tanto quanto o desenvolvimento de nova
sensibilidade e capacidade de afeição.
Ao escutá-la, a sua história é reconstituída, e esse recordar significa a
experiência de vida.
Os caminhos dos pacientes que sofreram por perda afetiva podem ajudar os
terapeutas que os trataram, a possuírem melhores condições de entender sua
própria velhice, isto é, com a dor do examinado pode-se construir um envelhecer
mais saudável e real.
19
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