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Entrevista feita por Glênio Madruga com a Professora 02 no dia 07 de julho de 2011, no
Instituto Estadual de Educação.
Glenio
Professora, poderias traçar suas memórias docentes, comentar sobre a sua trajetória
profissional?
Professora
Certo... Comecei a dar aula de História em 99. Em 99 eu fiz estágio na escola Aníbal
Teixeira... na Escola Edith Gama Ramos, aqui em Capoeiras, ali começa na verdade
minha vida docente. Ainda não é uma vida profissional, ainda é estudantil, mas ali eu
tive a minha primeira experiência... a maioria dos meus colegas já tinham tido antes, né,
algum tipo de experiência em sala de aula, mas eu, eu fui ali, foi ali o primeiro contato
que eu tive com a sala de aula. Eu te confesso que foi, assim, bem difícil, eu tava muito
empolgada, eu tive uma vida acadêmica bastante intensa, com bolsa de pesquisa, era
bem CDF, a primeira da sala, aquelas coisas... Então, assim, eu me voltei muito durante
a graduação pro bacharelado, porque o curso era unido, né, o bacharelado e a
licenciatura juntos no currículo antigo ainda, né, no currículo que... eu me formei em
2000... na verdade eu entrei na universidade em 92, ah... em 94 eu estava na quarta fase,
eu viajei, fiquei três anos fora, nos Estados Unidos, voltei, pedi retorno, voltei em 98, e
me formei em 2000. Então, foi uma trajetória aí de, até... do início da formação, do
início da universidade, em 92, até a formatura em 2000 foram oito anos, nove anos de
formação. Claro, com uma interrupção de três, quatro anos até eu voltar, aquela coisa
toda. De qualquer maneira sempre a minha trajetória acadêmica foi uma trajetória
voltada para a pesquisa, voltada para a pesquisa de campo, e... e tive bolsa de pesquisa
com diversos professores, e assim... eu tinha uma certa ilusão de que a sala de aula seria
uma coisa muito tranquila... talvez, assim, pela questão de ser muito aplicada, assim, na
pesquisa, né, mas em nenhum momento me vinha... eu não tive a formação no currículo
de História... começa a formação de licenciatura na quinta fase, que é uma coisa... na
quarta fase você tem psicologia da educação, né? Que tu tinha... Então era uma coisa...
Vinha uma professora de Psicologia, aterrissava ali no curso de História, sem qualquer
entendimento do que era um curso de História, ah... nada contra a professora de
Psicologia, mas contra a forma como se instituiu o currículo, né... Então vinha uma
professora de Psicologia, né, que não tinha o conhecimento do que era ser professora de
História, pra dar a disciplina de Psicologia da Educação pra gente. Então ficava uma
coisa completamente fora do... do... do contexto, porque ela te ensinava Freud,
behaviorismo, mas completamente afastado do contexto do professor, ficava uma assim,
à parte... Ela não conseguia juntar, tentar unir, integrar a prática do professor com as
teorias psicológicas que ela ensinava. E a mesma coisa na quinta fase com Didática, né,
uma pessoa bastante esforçada, uma menina muito legal, de muito conhecimento, muito
empolgada, com as questões educacionais, mas ela também não tinha esse
conhecimento, esse embasamento do que era ser professor de História. Então a gente
aprendia as escolas educativas, né, as escolas pedagógicas, é... meio que separadas do
contexto... da prática do professor de História. Aí tu vai pro estágio, que foi... voltamos
ao início do... da minha prática docente. Que é a sexta fase. Então tu tem duas
disciplinas direcionadas para a licenciatura, uma na quarta fase e uma na quinta, nesse
período, né, nesse currículo, que não te ensinam, que não te dão uma base mínima, um
suporte mínimo para tu aplicar essas teorias na prática da sala de aula, e na sexta fase tu
é jogado dentro do estágio, né, literalmente jogado né... Então assim, eu fico... Eu
comecei toda empolgada, eu peguei um segundo ano do ensino médio e uma quinta
série... com o segundo ano do ensino médio, é... o currículo, o conteúdo trabalhado era a
Revolução Francesa, eu me lembro que a gente ia pegar as revoluções burguesas, era
um grupo de rês professores, eu e mais dois meninos, né, para fazer o estágio, e eu quis
trabalhar um pouco contexto de aburguesamento cultural, né, na Europa, então eu
trabalhei com o Norbert Elias, então eu peguei o Norbert Elias, o Foucault, olha,
imagina... imagina a minha loucura, tentar trabalhar Foucault no segundo ano... Eu
nunca tinha entrado em sala de aula... achando que ia ser o máximo, assim, na verdade
era um pouco de ingenuidade da minha parte, assim, acadêmica, né... Eu me lembro que
peguei trecos do Norbert Elias, do Processo Civilizador, não sei se você conhece a obra,
[sinal afirmativo meu com a cabeça] que tem as regras de etiqueta do Erasmo de
Roterdam, e aí passei pros alunos, como era pensado isso, então passei mosquitinhos pra
eles, assim pela sala, para ver aonde estava a mudança cultural, na questão do Antigo
Regime com o aburguesamento, mas é uma coisa que é realmente complexa pra eles,
né... eles não tinham muita noção, muito conceito do que era o Antigo Regime nem o
que tava acontecendo na França no Século XVIII. Pra elas assim, o que é a Revolução
Francesa, onde é, pra quê eu tô estudando isso, e de repente eu já fui com uma ideia,
uma visão de que eu poderia trabalhar conceitos bem mais refinados, assim, bem mais
aprofundados com eles, e claro, no princípio até surtiu um efeito interessante, porque
eles liam, eles achavam interessantes as... as regras do Erasmo de Roterdam, de não
escarre sobre a mesa, escarre ao lado, né, quando tiver, quando quiser coma com a mão,
mas jogue o osso no seu lixinho, né, no lixo não é o termo, no recipiente... eles achavam
assim: “Poxa, era assim? Meu deus, como eles eram porcos!” Né, então era toda aquela
história, tinha um efeito mas ao mesmo tempo ficou todo descontextualizado, assim,
né... na verdade eu fui muito inexperiente para o estágio, eu tive um professor de
estágio, no caso, na quinta série, no Edith Gama Ramos eu quis maneirar mais, né,
quinta série, então era assim a pré-história, então eu trabalhei o Paleolítico, o Neolítico,
esse processo aí, ahm... te confesso assim que também foi um baque pra mim, trabalhar
com a quinta série, que é... bem complicado. Até hoje eu tenho problemas graves com a
quinta série, eles são extremamente empolgados... imagina uma turma ávida por
curiosidades, ávidas por conhecimento, é uma idade com muita, muita vontade dc
aprender, por outro lado são extremamente agitados né, muito dispersivos, então tu tem
que tar todo o tempo prendendo a energia deles, tem o tempo todo que tar trabalhando,
lidando com essas coisas, e tem uma outra coisa que a gente pega na escola pública, de
muitos alunos fora da série-idade, né, então essa coisa de o aluno estar fora de sua série-
idade dificulta o trabalho, porque tu tem lá aquele menino que tem 11 anos, que tá na
idade certinha, e tá louco pra aprender, pergunta se precisa deixar uma linha, né...
“Professora, deixa uma linha para a próxima pergunta? Posso escrever de caneta
vermelha o R da resposta?” né... Tem esse menino ali, onze aninhos, olhinho brilhando,
olhando pra ti assim, a mestre, né, e tem aquele de 14, 15, o marmanjão que
infelizmente já repetiu 3, 4 vezes, num sistema completamente errado, que não resolve
esse problema, né, um sistema educacional que deixa uma criança 3 ou 4 anos numa
série... um menino de 14, 15 anos junto com um de 11 numa quinta série, né, o que se
pode esperar disso? Já foi trabalhado errado esses três anos, né, então são meninos que
não têm vontade de aprender, pelo contrário, querem atrapalhar, num sentido muito... eu
entenderia, eu faria o mesmo, né... tar ali no meio, que saco, no meio ali daquela gente,
né, fazendo quatro anos seguidos a mesma coisa, né, aprendendo regrinhas que pra eles
já não tem sentido nenhum, e... e regras de convivência que pra eles já foram
transgredidas há muito tempo, né... já perdeu o senso de curiosidade, o senso de... de
respeito ao professor, então é muito complicado, lidar com essas duas realidades numa
quinta série, então foi um baque pra mim também. Eu esperava, ah, uma quinta série,
pequeninho, eles vêm te dar beijinho, florzinha, bilhetinho, [voz mais fina como
infantil] que nada, né, tem essas duas coisas, essas duas realidades bem distintas, assim,
então tu pega casos sérios, porque, tu fica extremamente com compaixão dos dois lados,
né, com compaixão do menino que tem 15 anos, né, tu quer resolver o problema dele,
mandar ele pra frente, né, vai! Tu não tem que tar aqui, e ao mesmo tempo estimular,
não deixar que esse de 15 anos tumultue a tal ponto que o de 11 vá perdendo a
curiosidade, a vontade, né... é complicado... então em 99 eu, eu fiz o estágio, e logo em
seguida, no semestre seguinte eu estava na sexta fase, né... sétima fase daí, me
chamaram, uma colega minha da faculdade lá da primeira fase, da graduação, 92, 93,
ela tava dando aula aqui no Hilda Teodoro Vieira, na Trindade, colégio do Estado... e eu
morava na frente, no Granville, um condomínio que tem ali, eu tinha acabado de ter
minha filha, ela era bebezinha, eu era casada e tal, e ainda tava terminando, eu tava na
sétima fase, naquele processo de... não, eu fiz estágio na sétima fase, desculpe, na sexta
a gente faz outra coisa, na oitava daí tu te forma e faz o TCC, então na oitava fase assim
eu comecei a dar aula, contratada pelo Estado, com folha de pagamento, bonitinho
[risadas], então eu tava fazendo o Trabalho de Conclusão de Curso e comecei a dar aula.
Era ali do lado de casa, era poucas aulas, 20 horas, então eu dava 15 aulas, dividido de
manhã e de tarde, ali eu tive uma experiência bem interessante, assim, a escola era
muito legal, pelo menos era naquele momento, a escola era pequena, bem tocada, com a
participação da comunidade muito forte, dos pais, essa coisa, tu via que os alunos
vinham com essa perspectiva de escola, escola... [interrupção para conferir se o
gravador digital continuava gravando normalmente] na verdade, então, essa experiência
foi muito importante, no Hilda Teodoro, porque os alunos eram bem engajados com a
escola, claro que tinha problemas, né, às vezes saía da aula com a língua pra fora, assim,
pensando “o que é que eu fiz de errado...” muitas vezes não dava certo, né, eu estava
experimentando, na verdade, eles eram minhas cobaias, tadinhos, porque eu não tive
qualquer tipo de embasamento, de formação anterior pra poder entrar numa sala de aula,
né, e poder no mínimo de rumos, de referências a seguir, né, então foi muito na intuição,
muito na vontade, até porque não era minha intenção ser professora, então, vão te falar,
não sei quantos que você ainda vai entrevistar a esse respeito, mas a minha intenção era
dar aula naquele momento, mas seguir vida acadêmica, essa era minha intenção. Até
porque, como eu te falei, minha trajetória tinha sido de bolsista, CNPQ, CAPES, então
toda a minha graduação eu imaginava... naquela época ainda não tinha essa coisa de
terminou a graduação já tem que fazer um mestrado, e terminou o mestrado tem que
começar o doutorado, agora a coisa tá muito corrida, né, já tem doutores ai com 25 anos,
24, 25. Na época não era tanto assim, você terminava a graduação, ficava um, dois anos,
daí ia para o mestrado, e ainda nem todo mundo pensava em doutorado, o mestrado era
uma base muito importante... hoje o mestrado já não é nada, né... é alguma coisa, mas é,
é só uma ponte para o doutorado, né... então eu imaginava que ia dar aula por um ano,
pensar num projeto de pesquisa, e logo entrar para o mestrado. Então o que que
aconteceu, eu dei aula no Hilda durante um ano... seis meses daí no fim do ano me
chamaram, eu dei aula lá de novo, eu já estava formada, ahm... daí eu comecei a fazer
um projeto de pesquisa para o mestrado [telefone da sala tocando] o que que acontece,
vou ter que lembrar, né, memórias... faz doze anos, né... 2011, bastante tempo... Faz
mais de 10 anos... O que que acontece, eu dei aula de novo no Hilda mais um ano, e
nesse intervalo de tempo eu fiz o projeto do mestrado pra UFSC e pra UDESC, aí não
passei na UFSC e passei na UDESC, daí entrei na UDESC, no mestrado da UDESC. Na
verdade eu não tinha um projeto muito alinhavado, não sabia muito bem o que eu queria
fazer, até por isso meio que a UFSC me rejeitou, eu não tinha um método muito... não
tinha uma metodologia muito... eu tava meio perdida ainda no que eu queria fazer
[telefone continua tocando] E nisso eu fui chamada na Escola Autonomia, ali na
UNICA, na verdade eu tinha uns amigos que davam aula lá, eles me falaram que tavam
precisando de professor de História, daí... daí eu aceitei, eu fui lá e tinha uma vaga para
ensino médio na escola, e digo “olha, eu tenho pouquíssima experiência, eu dei aula um
ano e meio, no Estado” minto, 2001 eu dei aula na prefeitura, naquele, naquele processo
seletivo da prefeitura para substituto, e consegui uma vaga até legal, era... era uma vaga
de ano todo, de uma professora ali no Anísio Teixeira, ali na Costeira, dei aula ali um
ano também, quintas e sextas séries. E no ano seguinte eu fui chamada no Autonomia,
eu tinha dois anos, um ano e meio de experiência em sala de aula, e iniciando o
mestrado... daí comecei no Autonomia, e o Autonomia é uma escola muito legal [ênfase
na voz], assim, morrendo de medo, apavorada, porque... eu tinha uma formação em
História, uma formação... uma graduação que me deu muito recurso pra ser uma
pesquisadora, mas não uma professora, né, e essa é uma das críticas que eu tenho ao
currículo antigo... uma crítica assim, bem estruturada, porque realmente é complicado, e
ali eu apostei todas as minhas fichas, eu dava 20 horas de aula, eu comecei a ganhar
super bem, super bem pra nós professores, né, é algo assim como... 20 horas no
Autonomia era como... 60 horas no Estado. Até mais, 80, aí eu comecei a me dedicar
muito, na atividade docente, assim, a gente trabalhava muito com projetos
interdisciplinares, o tempo todo, toda semana tinha reunião de planejamento, toda
semana tinha uma reunião com a coordenadora pedagógica pra ver como estavam
andando os projetos, os problemas, as dificuldades, então assim, eu aprendi muito, foi
ali eu acho que eu aprendi a maior parte da minha prática pedagógica num primeiro
momento, ali foi um dos focos, e eles me deram muito apoio, eles viam que eu tinha
muita vontade, né... eu tinha um bom relacionamento com os alunos, isso é bem
importante, e muita, sabe, vontade de aprender, e daí, foi uma escola. O Autonomia foi
realmente a minha escola. E... só que assim, eu tava fazendo o mestrado junto, e aí eu
tinha que ir a campo, e começou a ficar complicado, as pesquisas de campo, eu fiz 18
entrevistas para o mestrado, eu fiz observação participante durante 8 meses, eu trabalhei
com... com a juventude neopentecostal, os skatistas de cristo, bluezeiros de cristo,
roqueiros de cristo, era um trabalho mais voltado pra Antropologia, fiz algumas
disciplinas na Antropologia também então... então que tinha que optar. Teve um
momento que eu tive que optar, né, porque o Autonomia me sugava, 20 horas lá era
como 60, tinha muita atividade extraclasse, então chegou um momento que eu tive que
optar, termino o mestrado agora ou continuo dando aula. Aí conversei lá, pedi demissão,
eles lamentaram muito, e fiquei só no mestrado, consegui essa opção, o marido disse
“vá, eu seguro tua vida aí um ano, até tu terminar o mestrado”, e foi importante, ficar só
no mestrado, né... e aí eu terminei, fiz minha dissertação, até dei aula nesse meio tempo,
dei dois meses aqui no... Genius, curso pré-vestibular... Dei aula até em cursinho pré-
vestibular [risadas] Dei aula no SESC... agora vem vindo, vou lembrando minhas
experiências, elas estão vindo fragmentadas mas estão chegando, né... E eu tive uma
experiência terrível no Genius, no SESC foi legal, eu trabalhava com supletivo,
educação de jovens e adultos, e como eu era estagiária no SESC, meu contrato era como
estágio, eu trabalhava com uma turma de terceira idade, eu dava aula de História para
terceira idade, então a gente levava eles para o Ribeirão da Ilha, conhecer o museu
açoriano, falar das memórias deles, fizemos um projeto com fotografias antigas deles,
contando as histórias deles... Então pra mim, num primeiro momento, o Autonomia e o
SESC foram duas grandes experiências que eu tive assim, como professora. E eles te
respeitam, eles te... parece que você tá trabalhando de novo com aquela criança de
segunda série, sabe, eles ficam de novo ávidos por conhecimento, eles respeita, assim, o
teu trabalho, então é muito legal. E aí voltando... eu estava no... Genius... tudo
fragmentado, eu quero ver você juntar tudo isso depois, [riso] mas a memória é isso, né?
E... e eu tive uma experiência de trabalho escravo, né, porque eu não recebi. Num mês
eu recebi metade, recebi a outra metade no outro mês, daí eu percebi que a coisa tava
feia, daí eu saí. Pedi demissão e saí, fiquei um mês, não recebi salário, nenhum tipo
de fundo de garantia, nada. Coloquei, eu e um grupo de professores colocamos na
justiça a escola, e estamos esperando até hoje na justiça do trabalho contra a escola, pra
tentar reaver, receber nosso salário. Então foi uma experiência trágica, na minha
trajetória. Isso foi em dois mil e... três eu acho... 2004. Foi em 2004. O curso tava
fechando, a gente sabia que tava mal das pernas, mas a gente segurou, porque o salário
não era tão ruim, a gente trabalhava com terceirão, alunos maiores, o curso era à noite,
tinha também de manhã, mas era complicado, assim, saber que “eu vou trabalhar, mas
não vou receber esse mês”, aí eu terminei me mestrado e aí, o que que eu faço da vida?
Entrei meio que noma crise... Eu tinha feito em 2001, em 2001, eu já tinha me formado,
tava dando aula aqui na Costeira, e no SESC, teve um período que eu dava aula em três
escolas, a mina filha era pequeninha, eu dava aula aqui no SESC à noite, dava aula no
Anísio Teixeira à tarde, eu tinha 20 horas pela prefeitura, e eu dava aula no Hilda
Teodoro de novo, me chamaram de novo, 10 horas, duas manhãs eu ia lá e dava aula. E
ainda cuidava da minha filha, então era bem pesadinho, bem pesadinho, e em 2001 eu
fiz um concurso, um concurso pro Estado, mas a minha intenção era ver, como é que
eram os concursos, pegar 20 horas, 10 horas [voz como que de descaso], o que surgisse,
não era minha intenção fazer carreira no Estado, né? Jamais passava isso pela minha
cabeça. Tanto é que quando teve, quando teve, eu fiquei muito bem colocada no
concurso, tinha 500 candidatos e eu fiquei em 19º, eu fui na primeira chamada, só
tinham duas vagas para 10 horas, uma em Biguaçu e em não sei aonde, e eu pensei “não
vou ser chamada nunca!” Fui nessa primeira chamada, e depois nunca mais fui. Teve
seis, sete chamadas depois, e um dia eu encontrei... eutava formada, e pensei “tenho que
voltar a trabalhar”, liguei pro Autonomia, eles tavam com um professor há dois anos já,
inclusive ele tinha sido meu estagiário, um cara super querido, eles tavam com o quadro
completo, e me disseram “por enquanto não tem vaga”, e eu comecei a largar currículo
por aí, não tinha intenção de fazer doutorado tão cedo, [forte barulho de frenagem na
rua, esperamos o barulho do impacto, que felizmente não veio] aí o que que aconteceu,
tava na rua, um dia, encontrei um colega que disse “vai ter chamada pro Estado essa
semana, e tu já foi chamada umas três, quatro vezes porque se tu não tá lá você fica na
mesma colocação, e eles vão chamando e quem tá lá vai preenchendo as vagas, e se tu
for lá tu pega a vaga na hora, tu é a próxima da fila”. Aí fui, fui lá pra ver, aí tinham 60
horas pro Instituo, podia pegar até 40, olha a sorte! Porque os primeiros tinham pegado
assim como eu falei, 20 horas no Rio Vermelho, 30 horas não sei aonde e pegou mais
10 pra completar lá em Biguaçu... Porque vida de professor é assim, trabalha 60 horas
pra poder sobreviver, né? E eu cheguei e tinham 3 vagas de 20 horas pra trabalhar aqui
no Instituto de Educação, aqui no Laboratório de História. Aí eu me lembro que uma
moça da secretaria me olhou e disse “pega 40, e é um achado, não é assim pegar 40
horas no Estado, no Instituto ainda, uma escola central, uma estrutura legal e uma escola
só” e eu fiquei assim, né, não é isso que eu quero pra minha vida, não como um todo,
mas aí peguei as 40 horas, e desde então estou no Instituto de Educação, faz seis anos.
Isso foi em 2005, 2005, julho, eu me efetivei aqui em agosto... nós estamos em julho de
2011... fazem seis anos, seis anos em agosto. Comecei aqui no laboratório, fazendo 20
horas aqui no laboratório e 20 horas em sala de aula, já tive todas as séries possíveis,
menos terceiro ano, não consigo pegar, aqui tem um esquema de escolher por tempo de
serviço, então eu era, agora eu não sou mais, a última a escolher, então sobrava pra
mim, assim, duas quintas, duas sextas, o que sobrou daquele ali que não fechou horário,
junto com o que sobrou da outra, com quatro ou cinco programas às vezes, quatro ou
cinco séries, e eu tinha que me virar com aquilo ali. No começo foi um pouco
complicado, mas a experiência aqui no laboratório foi muito legal. A gente trabalha com
reforço, trabalha com projetos, com pesquisa, então tu auxilia nas pesquisas, então não é
só trabalho docente, trabalho de sala de aula tradicional, além de fazer trabalho
burocrático do departamento... o que o professor pode fazer na escola além de dar aula?
Ser diretor, em algum momento da carreira, mas aqui não, aqui tu tem uma estrutura que
te permite trabalhar em outras atividades, então é bem legal. E de uns dois anos pra cá
eu tô fazendo parte de um projeto do MEC, do Ensino Médio Inovador, de ensino médio
em tempo integral que tá seno implantado no Brasil, devagar, em Santa Catarina são
oito escolas só, aqui em Florianópolis são duas, o Instituto e uma escola no Ribeirão da
Ilha, e então eu trabalho só com ensino médio, primeiro e segundo anos, e os alunos
vêm participar de projetos interdisciplinares, é bem interessante. A carga horária
diminuiu bastante, porque a cada hora dada eu ganho uma hora de atividade, então em
vez de dar 32 horas, de 40, eu dou 21, 22. Então eu tenho tempo pra planejar, pra
discutir projetos com os colegas, pra planejar atividades, então de dois anos pra cá ficou
bem legal a dinâmica de trabalho. E isso vai me deixando, vai me mantendo aqui, sabe?
Agora a gente tá fazendo um guia, sobre o patrimônio histórico da cidade, um guia para
moradores, não para turistas, e sobre um pouquinho da história de Florianópolis, do
centro histórico, a gente tirou fotos de todo centro histórico, depois a gente foi atrás da
história dos edifícios, se são tombados ou não, por que que foram, é bem interessante o
projeto. Antes da greve a gente tava no processo e diagramação dela, do guia, né... E é
isso, eu tô aqui há seis anos, não era minha intenção estar aqui, a minha projeção
profissional era seguir a Academia, fazer doutorado logo, mas eu tô aqui, faz 10, 11
anos que eu trabalho como professora, e tem sido uma surpresa, uma surpresa constante,
assim, eu gosto, gosto muito, mas claro que tem um pouco de comodismo. A gente vai
ficando, ficando, tem os colegas, a estrutura, o medo do novo, mas tem essa coisa do
gostar da prática, assim, isso é muito forte. E tem também a relação com os alunos, que
é muito importante, uma relação emocional muito forte...E o que mais você gostaria de
saber, assim...
Glenio
Então, como evoluiu essa relação com os alunos desde a época do seu estágio até agora?
Professora
[riso] Evoluiu bastante... Na verdade eu era uma Mariana, uma professora muito
apreensiva e muito insegura, tava sempre na autodefesa, daí você não consegue criar
uma relação de... de... cumplicidade com o teu aluno, afetiva, de responsabilidade
quando tu tá sempre na autodefesa, né... Então com o tempo tu vai ganhando
autoconfiança, vai relaxando, e quanto mais tu relaxa mais tu vai abrindo espaço pra
essa ponte com o aluno, né... E hoje acho que assim, a minha relação com meus alunos é
muito boa. Claro que você tem problemas seríssimos às vezes, tem turmas que você
tem que bater de frente, tem que dar bronca, tem aluno ali que não quer fazer nada, e tu
tem que lidar com isso. Mas acho assim que aprendi, claro que não aprendi tudo, como
professor você tem que tar sempre aprendendo, se adaptando a novas situações com
autoridade, com responsabilidade, que é importante, porque quanto mais forte é essa
relação afetiva, quanto mais respeito e autoridade tu tens... às vezes eu almoço com os
alunos aqui, às vezes eles tão à tarde aqui, em outra atividade e eles me pedem ajuda, a
câmera, e lá vou eu com a câmera, é um contato muito estreito, e eles têm acesso a
computador, a notebook, nós tamos meio que num oásis aqui, claro que a gente tem
dificuldades, mas nós temos datashow em cada sala, de vez em quando encrenca o
datashow, não é nada perfeito, assim... É um instrumento de trabalho, nesse momento,
nessa era que a gente tá, digital, fundamental, trabalhar com imagem, com som, e eles
trazem um retorno legal também, eu faço muito trabalho de seminário, pesquisa,
divididos por temas, assim... eles fazem teatro, fazem vídeos, é muito legal. É claro que
a gente tem dificuldades, também, como a falta de democracia na escola, diretores
indicados, e tal... problemas salariais gravíssimos, né, o nosso salário é indigno, mas
tem essas coisas bem boas, assim... Mas aqui é uma escola diferenciada, não sei se eu
teria ficado tanto tempo, se eu tivesse dando aula ainda e acho que essa é uma questão
importante, se eu tivesse dando aula numa escolinha pequena, sem estrutura nenhuma,
com mimeógrafo ainda, sabe... não sei... Quando tem uma greve, assim, é que dá pra ver
como nosso universo é diferente, a gente vê um pouquinho de fora e vê como a gente é
calejado, como a nossa categoria tá destruída, entende? Aqui a gente ainda tem um
refresco de vez em quando.
Glenio
Professora, quanto às avaliações: o que seria para a senhora uma avaliação ideal para
uma turma, e o que é possível fazer na prática?
Professora
O ideal é fazer uma avaliação individualizada, personalizada, ahn... perceber o
progresso de cada aluno, primeiro isoladamente e depois com contexto com a turma, tu
fazer também atividades diferenciadas de avaliação, não somente com a prova
tradicional mas também com outras formas de atividade, participação em projetos,
assiduidade, comprometimento com etapas de trabalho, né... se der pra avaliar tudo isso,
de forma completa, esse é o ideal. Nem sempre isso é possível. Nesse projeto que eu
estou está sendo possível, em parte... a gente tá conseguindo assim avaliá-los
isoladamente, comparativamente, durante todo o ano, inclusive agora a gente vai poder
lidar com a experiência da avaliação integral, que é a ideia, né, de cada professor avaliar
o aluno quantitativamente, e depois fazer uma média geral e o aluno tem uma nota só. O
aluno não é 4 em Matemática, 9 em História, ele é... 7 no geral. Entendeu? [afirmação
minha com a cabeça] A gente tá tentando adotar agora nos conselhos de classe esse
modelo, nas disciplinas que a gente tem nos projetos... a gente tem 3 eixos temáticos:
educação e trabalho, cultura e artes, e ciência e tecnologia. São 3 eixos temáticos, então
tem 4 professores pra cada eixo, mais ou menos, e esses 4 ou 5 professores avaliam os
alunos dessa forma. A gente sabe que ainda não é o ideal, o ideal é bem difícil de
atingir, né... inatingível, na verdade, o ideal, mas o perto dá pra traçar, a gente tá
tentando algo diferenciado, e a gente faz coisas bem tradicionais com eles, simulados...
e eles adoram... a gente sempre faz questões interdisciplinares, tipo ENEM, assim, e
esses simulados também compõem a nota do aluno nessa visão integral, porque ele faz
esse simulado integrado com todas as disciplinas, né... E... que mais... A gente tá tendo
experiências muito interessantes, assim, mas a escola ainda é muito conteudista, exige
que você termine o conteúdo porque no outro ano outro professor vai partir daquele
ponto, ainda faz avaliações bem tradicionais, assim, ainda avalia o aluno somando esse
mais esse [faz gestos com as mãos para representar as diferentes notas], claro que no
final, quando tem o conselho de classe, tem toda uma ponderação, especialmente em
questão de reprovação ou não. Mas saindo dessa questão da reprovação ainda é muito,
mas muito distante do ideal. E tem professores, ainda, que acham que aquela prova
individual, não é... tem que ter peso maior que aquela atividade em grupo. E tem aquele
professor que acha, né, que o aluno tem que rodar porque não aprendeu, e tem que
aprender. Foi malandro, então tem que reprovar por punição, mesmo, daí ano que vem
ele dá conta. Ainda tem muitos professores que têm essa mentalidade, assim, de
punição.
Glenio
Gostaria de perguntar para a professora a respeito de material didático. Quais eram as
relações da professora com o material didático nessas fases de escola pública, e escolas
privadas.
Professora
É... na escola pública a relação é mais complicada... na escola privada eu produzia
muito material, assim, a escola me dava suporte para xerox, até para aquisição de
determinados volumes... na escola pública é bem mais complicado, a carência é bem
maior... aqui não, aqui a gente tem uma estrutura grande, uma biblioteca grande, a gente
tem internet pra pesquisar, a gente tem outras alternativas, mas no início da minha vida
docente, assim, era bem complicado, era mais livro didático mesmo, lembro de recortar
coisinhas no livro didático que não tinha no livro didático da escola, eu não tinha
participado do processo de escolha do livro, né, como professor substituto tu entra na
escola, pergunta “que livro é esse?” e é o livro que você tem que aturar. Então eu ia,
assim,atrás de outros livros didáticos, o que era possível, alguns textos e atividades
complementares, e trabalhava muito com montagem. Mesmo na escola privada eu
trabalhava assim, mas o acesso para trabalhar com revistas, assim, era mais fácil, porque
eles têm mais acesso a esses materiais. Então... é... essa coisa de ter acesso a revista, a
jornais, internet, que nessa época já era coisa mais aberta, mas na escola pública, a
maioria não tinha como, ahn... isso te dá... esse acesso te facilita muito. Na escola
pública, normalmente é mais difícil, né... você tem que se contentar com o livro
didático, ou com os livros que a biblioteca te disponibilizar...mas daí tu tem um texto
mas não pode xerocar, eles te disponibilizam xerox só pra avaliações. Muitas vezes eu
pegava um texto, ia lá, escrevia em cima “Avaliação de História”, aí embaixo do texto
eu fazia duas perguntinhas, pra caracterizar uma avaliação, aí passava pelo xerox lá...
Mas às vezes não, às vezes não dava certo, “cadê a avaliação, professora? Cadê o que é
não sei o quê? Não tá aqui!” [riso] Cadê, assim, as questões? Cadê? Isso aqui é uma
atividade, não é uma prova, não dá pra xerocar não...[riso]
Glenio
Professora, por último, mas não menos importante, o que a levou para o Curso de
História?
Professora
Olha, essa é uma boa pergunta... Realmente eu não tinha muita noção do que era fazer
um curso de História, assim, é... eu sabia que eu gostava muito da disciplina, meu pai é
sociólogo, museólogo, trabalha nessa área, né, então tinha assim um pouco dessa coisa
de formação familiar, que era... que meu pai sempre me incentivou a ler bastante, a ser
curiosa, ele que me ensinou a ir no cinema, ver filmes, mais assim, elaborados, então eu
ia no CIC com ele desde os 11, 12 anos de idade, então eu sempre tive uma coisa assim
pelas humanas, uma coisa maior, tanto é que no ensino médio, eu que fui sempre muito
CDF na escola, eu tive uma crisezinha [pausa para conferir o funcionamento do
gravador] um pouco, assim, de adolescente, até o primeiro ano eu era a primeira da sala,
depois o que que aconteceu... eu comecei a me dar mal em matemática, física, química
até que eu gostava um pouco, então foram dois anos penando na matemática e na física,
o que me encaminhou para um curso que não tivesse nenhuma das duas... O que é uma
pena, né, porque são disciplinas interessantíssimas, mas também não tive professores
que me interessaram, assim, não me deram qualquer motivação para que eu gostasse de
matemática ou de física... E tive professores de História que eu goste muito, então... o
espelho... bah... teve professores que marcaram muito pra mim, de História e de
Geografia, das duas disciplinas. Quando eu fui fazer vestibular, eu não tinha a menor
noção do que eu queria, ahn... eu optei por História porque eu gostava da disciplina,
né... achava que o curso era interessantíssimo, que eu ia aprender horrores, né, a minha
ideia era mais ou menos essa, assim. O que eu ia fazer depois, nem passava pela minha
cabeça, incrível isso... conhecimento do mercado de trabalho, imaginar que pra mim ia
sobrar ser professora, e eu realmente me apaixonei pelo curso. Eu entrei, aquela coisa,
né, me envolvi de uma tal maneira que eu não consegui mais sair dele. Saí, viajei, fiquei
três anos fora, a minha viagem também ajudou na coisa da formação, né... te abre
bastante a cabeça, eu já tava no meio do curso então... tava lá, podia ter optado ficar lá
até, mas optei por voltar pro Brasil e terminar minha faculdade, que eu tinha deixado
pela metade. Em nenhum momento me veio um arrependimento, assim, durante o curso,
que era um curso chato, assim, nunca... sempre adorei, nunca, em nenhum momento eu
quis voltar atrás e fazer outra coisa... Depois que eu me formei sim, [riso] agora, por
exemplo, eu penso, se eu tivesse feito psicologia... podia trabalhar numa clínica, não dar
aula, podia fazer outra coisa... Mas na época que eu fiz a graduação, nada, nada assim.
Porque é bem comum, né, tem muita gente que tem essa crise... porque é muito novo,
né, muito novo, meninos de 18 anos têm que escolher o que quer ser como profissional,
então muitos entram em crise, né, param um curso no meio, começam outro, eu não tive
esse problema, assim, eu tive sorte nesse sentido. Os meus pais também nunca me
questionaram, assim, sempre me deram muita liberdade. De repente eu tivesse escolhido
a mesma coisa, sei lá, tem pais que fazem isso, né, família, que dá uma pressionada no
filho, os meus não, sempre me deixaram muito à vontade para a escolha. O que é bom e
ruim ao mesmo tempo, né, tem os dois lados. Então é isso.