0 Mundo Funk Carioca

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    I ntrodU{:iio 9

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    1924

    SUMARIO

    1Hist6riCo: Internacional e Cariocao Funk nos Estados Unidoso Funk no Rio de Janeiro

    3A Festa dos ConceitosA Festa e a Teoriada Festa 50Festa e Energia Social 52Festa e Sacrificio 53Festa e Repressao da Festa 55Festa e "Communitas" 56Festa e Carnavaliza

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    Capitulo 1HISTORICO: INTERNACIONAL E CARIOCA

    UNK NOSESTADOSUNIDOS

    ma breve hist6ria da musica negra norte-americana e imprescindiV I para se entender 0 que acontece nos bai les cariocas. Nao e ne-

    ano descobrir onde tudo teve inicio. Africa? P l a n t a ~ 6 e s de all'o

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    seus primeiros anos, foram cantores como James Brown, Ray Char. Ies e Sam Cooke, qu e ate usavam gestos e frases tfpicos dos pastoresprotestantes em suas apresenta",6es. Durante os anos 60, 0 soul foiurn elemento importante, pelo menos como trilha sonora, para 0 movimento de direitos civis e para a "conscientiza",ao" dos negrosnorte-americanos. Tanto que, em 68 , James Brown cantava: " Sa y i tloud-I'm black an d I' m proud" (ver Shaw, 1970).Em 68, 0 soul ja se havia transfonnado em urn tenno vago, si ndnimo de "black music", e perdia a pureza "revolucionaria" dosprimeiros anos da decada, passando a se r encarado po r alguns musicos negros como mais urn r6tulo comercial. Fo i nessa epoca que agfria funky (segundo 0 Webster Dictionary, "foul-smelling; offensi-v e " ) deixou d e t er urn significado pejorativo, quase 0 de urn palavriiQ,e comec;;ou a se r urn sfmbolo do orgulho negro. Tudo pode serfuiIky: uma roupa, um baiera da cidade, 0 je ito de andar e urna fonnade tocar musica qu e ficou conhecida como funk. Se 0 soul ja agradava aos ouvidos da "ma ior ia " branca, 0 funk radicalizava suaspropostas iniciais, empregando ritmos mais marcados ("pesados") earranjos mais agressivos (ver McEwen, 1980). .

    Como todos os estilos musicais que, ~ s a r de ser.em Qroduzidos po r e para uma ~ o r i a etnica, acabam con uistando 0 s cessode massa, 0 funk tambem sofre .- 12 so de comercializa",ao,tOniiiiidO"-se mais "facil", pronto para 0 consumo imediato. Em 75,uma banda chamada Earth, Wind and Fire lanc;;ou 0 LP That's theWay o f the World, seu maior sucesso, primeiro lugar na parada norte-americana. Esse disco, alem de sintetizar um funk extremamentevendavel, cuja recei ta sera segtiida por inumeios outros musicos,inclusive alguns dos nomes mais conhecidos da MPB, abre e s p a ~ opara a explosao "disco" que acabam po r tomar conta da black musicnorte-americana e das pistas de danc;;a de todo 0 mundo por volta de77/78 (ver Smucker, 1980).

    Enquanto acontecia a febre das discotecas, nas ruas do Bronx,o gue to negro/caribenho localizado na parte norte da cidade de Nova York, fora da ilha de Manhattan,' ja estava sento arquitetada ar'Marshall Bennan fala assim do Bronx que viu nascer 0 hip hop: "Ao longo dosanos70,sua indUstriaprincipal foi a do i n c ~ n d i o criminosopor dinheiro;por algum tempo pareceuque a propria palavra 'Bronx' tomou-seurn sfmbolo cultural da rufna e damorteurbana.".(Bennan, 1987: 27).

    proxima reaC;;ao da "autenticidade" black. No final dos anos 60 , urndisk-jockey chamado Kool-Herc trouxe da Jamaica para 0 Bronxa tecnica dos famosos "sound s y s ~ m s " de Kingston, organizandofestas nas prac;;as do bairro. f Ierc nao se limitava a tocar os discos,mas usava 0 aparelho de mixagem para construir novas musicas. Alguns jovens admiradores de Kool-Here desenvo1veram as tecnicasdo mestre. Grandmaster Flash, talvez 0 mais ta1entoso dos discipulosdo DJ jarnaicano, criou 0 "scratch", ou seja, a utilizac;;ao da agulliado toea-discos, arranhando 0 vinil em sentido anti-horario, comoinstrumento musical. Alem disso, Flash entregava um microfone pa-. ra q ue os danc;;arinos pudessem im rovisar discursos acompanhandoo ritmo da musica, uma especie d re ente-e1etroDlco qu e ficou conhecido como rap. Os "repentis tas" sao chamados de rappers ou

    sOO e masters o t certo rap e 0 scratch nao sao elementos isolados. Quando elesaparecem nas festas de r ua do Bronx , tambem estiio surgindo a dan

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    Nos abrimos as portas as II horas. (. . .) De lI h as l2h 30min, eu tocava musica hustle para as pessoas calmas que quisessem dan

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    o FUNK NO RIODE JANEIRO

    Intelectualizado ou nao , 0 Caneca".o pas sou a ser considerado 0palco nobre da MPB. 0 Baile da Pesada foi transferido para os clubes do suburbio, cada fun de semana em urn bairro diferente. Infor-

    a l c a n ~ a r , com seu LP Licensed to Ill, 0 primeiro lugm- na lista dediscos mais vendidos no mercado nor te -americano . Parece que amesma hist6ria do r oc k s e repete: adolescentes brancos.copiam osritmos negros e atingem urn sucesso comercial inimagim'ivel paraseus criadores.

    25hist6rico: intel7Ulcional e carioca

    3Podemos acrescentar outra explica

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    a Samuel dizia: "f d Maks Peu, eu trouxe 0 disco, ta aqui." Ai eu pegava 0 compacto. "E, e Jackie Lee, 0 nome esta dizendo, mas como e quee a musica, Samuel?" Eu nao tinha toea-disco em casa naquela epoca.Ai ele dizia: "A musica e 0 seguinte, cara, presta aten

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    o soul perdia suas caracteristicas de pur a diversao, "curti

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    *Nomes como Tim Maia e Sandra S! poderiam ser considerados excet;6es a essa regra.Mas suas ml1sicas continuam nao sendo tocadas nos bailes, que semprepreferem 0 funkirnportado.

    Quanto ao soul nacional, as gravadoras tambem nao economizaram verbas de produ

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    disco da Sou l Grand Prix - que mesmo com 0 fracasso do show deArchie Bell continuou a l a n ~ a r discos quase anualmente - vendeu106 mil c6pias, sendo 0 primeiro LP de equipe a receber 0 Disco deDuro (100 mi l c6pias vendidas). Setenta po r cento dessa vendagemaconteceram no Rio. 0 LP da Furad io 2 .000 , atualmente a maiorequipe, nao chegou a ser Disco de Ouro , mas seu l a n ~ a m e n t o foi noMaracanazinho.Hoje a s equ ip es n ao c ir cu lam tanto. Quase tOOas e las fazembailes em locai s f ixos e sempre aos sabados, domingos e feriados. 0publico tambem tende a freqiientar os bailes pr6ximos de suas casas.Por isso, e possivel ver alguma v a r i a ~ a o de d a n ~ a s , roupas e musicasde maior sucesso entre os bailes. Mas sao detalhes insignificantes. 0mundo funk carioca continua bastante homogeneo, mesmo levandoem conta a existencia das festas de channe, minoritarias, que atraemurn publico diferente.

    Vma grande d i f e r e n ~ a ent re o s bailes de hoje e os da epoca. "Black Rio" e 0 desaparecimento quase completo da tematica doorgulho negro. Os rhilitantes das vanas tendencias do movimentonegro brasileiro parecem ter esquecido os bailes, nao mais considerando-os como e s p a ~ o propicio para a " c o n s c i e n t i z a ~ a o " . Dwanteuma f es ta d a Rad io T ropi ca l, q uando uma pes so a l ig ada ao movimento negro foi convidada para falar ao microfone, disse apenas que"as pessoas estavam ali para d a n ~ a r e nao para ouvir discursos".Nesse sentido, e possivel comparar os bailes com as festas organizadas por a lguns grupos negros car iocas, como 0 Agbara Dudu. Emagosto de 86, esse grupo organ izou uma noi te de reggae (ritmo ja maicano, muito popular em Salvador, mas q ue n oR i o e cultuado poruma minoria de jovens) na Tijuca. 0 ingresso er a bern mais carD queo de qualquer baile f un k. A musica er a ao vivo, incluindo a apre

    s e n t a ~ a o do gmpo de percussionistas do Agbara Dudu , que toca ritmo muito semelhante ao dos b locos afro-baianos. 0 publico usavat ra jes e pen teados de influencia "africana". As d a n ~ a s eram individualizadas. Durante toda a f est a, eu recebi vanos panfletos decandidatos negros para as e l e i ~ 6 e s que seriam realizadas em novembro de 86, coisaque nunca aconteceu num baile funk.

    Algumas vezes, conversando com d a n ~ a r i n o s nos bailes, eu escutei a lguem fal ar que funk e mus ic a de p re to , r ock e musica debranco. Mas, em muitas ocasi6es, vi grupos de rock serem ovacio-

    Entradado baile realizado aos sabadosno clube Mackenzie, no bairro do Meier,Rio de Janeiro.Para ter acesso apistade dan"a, todapessoa tern que passarporcuidadosa revista. Detalhe: ate os bonessao revistados.

    ENTRADA.DO BAILEEREVISTA

    o "umdofunk carioca2

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    DJo discotecario(DJ), que trabalhade costas para 0publico, e 0equipamento desom decorado como sfmbolo daequipe Soul GrandPrix.

    Visiio geral dapista de dan

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    GRUPOS DE DANc;ARINOSE DANc;ARINASSuas coreografiase seus passossincronizados.Homens e mulheres danam sempre emgrupos separados.

    )

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    ADERECOSDetalhes de adere,

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    nados em suas apresentac:;6es como atrac:;6es extras de bailes que,normalmente, s6 toc am funk. Ja falei do meu susto quando fu i chamade de "branco" por uma garota negra que se aproximou do grupode danc:;arinos com que eu conversava. Esse.grupo nao pode ser considerado tIpico entre os freqiientadores de baile. Seus componentesfazem parte de uma minoria de "conhecedores" do funk, que circulam em todos os bailes, sao amigos dos DJ s, compram discos e revistas sobre 0 aSsunto e podem falar na carreira dos principais artistas do h ip hop. Alguns deles chegaram a formar 0 Funk Clube, que,segundo s ua c art a de apresentac:;ao, tern dois objetivos. Primeiro,"fortalecer 0 ritmo funk no Brasi l, pois se a m u s i c ~ , por s i s 6, terntoda essa importfulcia cultUral na vida das pessoas, sem duvida nenhurna, a musica mais danc:;ante do mundo vale mais que ouro". Segundo: varios itens que se resumem na palavra de ordem "uniao macic:;a dos negros brasileiros". Os componentes do Funk Clube ficamsempre juntos no baile, dan($am break , fazem rap , mas nao se diferenciam em est ilo de roupa, idade ou OCUpa($aO dos outros danc:;arinos.

    Com 0 sucesso intemacional do hip hop, que s e tomou musica"chique", e tambem urn certo cansa($o do rock a tu al , a Zona SuIvoltou a se interessar pela black music. Ainda nao e nada parecidocom a feb re d isco , mas a lguns fatos ja mostram uma mudan($a na rela($ao da juventude de c lasse media branca com 0 funk, ate e n t a ~considerado "cafona", 0 que em alguns contextos e sinonimo de"suburbano". Bandas de rock cariocas e paulistas ja estao compondo musicas que utilizam 0 hip hop como fonte. de inspira($3.o. Mas 0principal desses fatos fo i a realiza($ao de uma serie de noites hip hop(intituladas Hip Hop R io I , H ip Hop Rio 11, etc.) no Crepusculo deCubatao, boate situada no centro de Copacabana. Dessas festas participaram a equipe Music Rio , de Niteroi, 0 DJ Marlboro, gruposderap e break. A Hip Hop I foi notIcia em todos os jomais cariocas.Mesmo com toda a propaganda, so 200 pessoas participaram da festa , que foi totalmente diferente - dan($as, roupas, et c. - dos bailessuburbanos. Ate a lgum tempo atras, 0 Crepl1sculo de Cubatao eraurn local ded icado exc lusivamente ao rock pos-punk, sendo freqiientado por jovens que a imprensa apelidou de "darks" (roupassempre negras, pele muito branca, maquiagens sombrias, ar entediado). Hoje, ex-darks se fantasiam de hip-hoppers.

    hist6rico: intemacionale carioca 33

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    letra vai logo ao assunto: "0 funk no Brasil 6 muito fortelexiste muitos anos masnao teve sortelp?rque quem manda aqui temquedar um tempo/parnrcom 0 preconceito eatento/Aqudo que,acontece mesmo contra 0 vento/tendopela massa0 reconhecimento. Q U ~ ~ manda ~ q u ~ , segundoMarlboro, 6 "quem dita asmodas,a RedeGlobo 0 rMioe a televlsao, quenao dlvulgam 0 funk" '

    u ~ festa chamada Hip Hop ja e algo inedito no :Rio. Apesarde os bailes suburbanos serem dedicados a esse tipo de musica, saopoucas as pessoas que utilizam a palavrn hip hop. Funk, funk pesado, b a l a n ~ o sao os nomes mais populares. Tambem nao se pade dizer que 0 mundo funk do Rio f a ~ a parte de umacultura hip hop. Asroupas dos d a n ~ a r i n o s cariocas nao tem nada a ve r c om 0 estilo b - ~ y . As d a n ~ a s tambem sao muito diferentes. 0 break: chegbua ser divulgado pelos meios de c o m u n i c a ~ a o de massa brasileirosincluindo concursos de break em programas de televisao como osChacrinha ou ' do Silvio Santos, mas nunca s e t omou popul ar nosbailes. Os grupos, tanto de break quanta de rap, que se apresentaramno Crepusculo de Cubatao fazem parte de uma minoria "bem-informarla", em di a com 0 que 'acontece em Nova York, e seus componentes, alguns moradores da Zona SuI, nao sao muito "enturmados"com a "rapaziada" que freqiienta normalmente os bailes.

    Ate mesmo os scratches nao sao muito difundidos 'nos bailes~ o c a s . Sao pouco.s DJs que utilizam essa Mcnica hip hop de

    d i s c o t e c a g e ~ . A malOna usa somente os scratches que ja estao gravados em disco. A u t i l i z a ~ a o de teclados e bateria eletronica e aindamais rara. bailes dos subUrbios cariocas, 0 DJ nao e 0 astro dafesta, como acontece nas Hip Hop Rio do Crepusculo de Cubatao ounos ~ l u b e s notumos de Nova York. Mas parece que essa s i t u a ~ a otambem c o m e ~ a a mudar. 0 DJ Marlboro foi convidado para gravaruma montagem de t rechos das musicas de maior sucesso em bailetocados ?ateria eletronica, sintetizador e scratch, e urn rapfala da s l t u a ~ a o do. funk no Brasil,' no novo LP da Soul Grand Prix.Tanto a montagem quanto 0 rap ja fazem sucesso em vanos bailes.Vanos outros DJs cariocas ja pensam em seguir 0 caminho abertopor Marlboro. .

    34 o 11IlUIdo.funk carioca

    Capftulo 2AS EQUIPES, OS DISCOS, OS DJs

    ASEQUIPES

    A equ ip e d e som e urn exemplo interessante daquilo que HowardBecker chama de "mundo artfstico", isto e, urtla "rede elaborada de

    c o o p e r a ~ a o " tendo em vista produzir uma obra de a rt e. 0 t raba lhodo DJ, no Rio , a in da n ao adquiriu 0 status artfstico. Mas, comoacrescenta Becker, "0 ato cuja r e a l i z a ~ a o marca uma pessoa comoartista e uma questiio de d e f i n i ~ a o consensual" (Becker, 1977:209).Como veremos neste capitulo, os discotecanos cariocas ja se apropriaram de urn tipo de discurso que fala de sua profissao com terrnosmuito semeihantes aos que a mai or par te do senso comum pos-romantico usa para abordar a arte, " l n s p i r a ~ a o " , "sensibilidade" saoitens que nao podem faltar no trabalho de discotecagem.

    As equipes funcionam a partir de urna rig01'Osa divisao de trabalbo. A cada baile, os mesmos mecanismos sao acionados. Antesde qualquer comentano, urn fato obvio: e impossivel fazer a fes tasem urn equipamento de som de tamanho razmivel, isto e, que tenhapotencia suficiente para sonorizar todo urn ginasio de esportes ouquadra de escola de samba - os locais mais comuns para a r e a l i z a ~ a odos bailes - naquela altura que nao deixa nenhuma conversa ser ouvida s em que s ej a aos gritos. Os donos de tal equipamento - geralmente vanos socios, sendo as t1nicas pessoas que fazem parte efetivada equipe - entram em contato c om quem cui da d o l oca l ond e 0

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