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Processo Civil
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CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Trad. Hiltomar Martins Oliveira. São Paulo:
Classic Book, 2000, v. 1.
Página 55
Capítulo Primeiro
Premissas da noção do Processo
2. Interesse
a) O conceito de interesse é fundamental tanto para o estudo do processo quanto para o do Direito.
Interesse não significa um juízo, mas uma posição do homem, ou mais exatamente: a posição favorável
à satisfação de uma necessidade. A posse do alimento ou do dinheiro é, antes de tudo, um interesse, porque quem
possui um ou outro está em condições de satisfazer a sua fome.
Os meios para a satisfação das necessidades humanas são os bens. E se acabamos de dizer que interesse é a
situação de um homem, favorável à satisfação de uma necessidade, essa situação se verifica, pois, com respeito a um bem:
homem e bem são os dois termos da relação que denominamos interesse. Sujeito do interesse é o homem e objeto
daquele é o bem.
b) Esta noção elementar do interesse ajuda no esclarecimento das noções secundárias do interesse imediato
e do interesse mediato.
Existem situações que servem diretamente à satisfação de uma necessidade, enquanto que, pelo contrário,
outras tão-somente indiretamente realizam esta finalidade, enquanto delas pode derivar outra situação (intermediária), da
qual resulte depois a satisfação da necessidade. As primeiras correspondem aos interesses imediatos; as segundas, aos
interesses mediatos. Por exemplo: a situação de quem possui o alimento serve diretamente à satisfação da necessidade de
se nutrir; pelo contrário, a situação de quem possui o dinheiro para adquirir o alimento, apenas indiretamente serve à
satisfação daquela necessidade.
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Levando isso em conta, entende-se também facilmente que as noções de interesses e de necessidade sejam
essencialmente relativas, porque se apóiam sobre as noções essencialmente relativas de meio e de fim. Uma situação
que constitua interesse com respeito a uma determinada necessidade, pode ser concebida, por sua vez, como
necessidade com respeito a uma situação ulterior que sirva para determiná-la, e por isso, a satisfazer mediatamente
a necessidade primeira. Seguindo com o exemplo colocado, diríamos que a posse do alimento se apresenta como interesse
com relação a necessidade de alimento, mas se converte em necessidade perante o interesse de possuir o dinheiro
necessário para procurá-lo. Em outras palavras: que o interesse imediato é necessidade com respeito ao interesse
mediato.
Isso explica a promiscuidade que se observa no uso da palavra "bem", "interesse" e "necessidade" para
indicar uma situação única. Para evitar os inconvenientes de tal promiscuidade preciso ter presente, nos diversos
casos, que a situação vem considerada em função diversa, de meio e de fim.
c) Todas as necessidades são individuais. A necessidade é uma atitude do homem, no singular; não existe
necessidades da coletividade como tal. Quando se fala de necessidades coletivas, emprega-se uma expressão
translatícia, para significar necessidades que são sentidas por todos os indivíduos pertencentes a um dado grupo.
Pelo contrário, existem interesses individuais e interesses coletivos. A diferença se deve ao fato
de que a situação favorável para satisfazer determinadas necessidades possa ser determinada também com respeito a
um único indivíduo ou, pelo contrário, a que unicamente caiba que se origine com respeito a vários, a muitos
ou a todos os indivíduos . Por exemplo: o desfrutar de uma casa é um interesse individual, porque cada um pode
ter uma casa para si mesmo, enquanto que o de uma grande via de comunicação é um interesse coletivo, porque esta
não pode se abrir para a satisfação isolada das necessidades de um único homem, e sim unicamente para a satisfação
simultânea das necessidades de
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muitos homens. Portanto, há interesses individuais, quando a si tuação favorável para a sa t i sfação de
uma necessidade possa se r de te rminada com re spe i to a um ind iv íduo apenas . Pe lo contrário,
existem interesses coletivos, quando a situação favorável à satisfação de uma necessidade não possa ser
determinada a não ser com respeito a vários indivíduos de uma vez, ou em outras palavras: quando a
situação favorável a cada um, para a satisfação de uma necessidade sua, não pode ser determinada a não
ser junto a outras idênticas situações favoráveis aos demais membros de um de te rminado g rupo .
d ) O conceito assim esclarecido do interesse coletivo mostra que a coletividade dos interesses é um
dado de amplitude essencialmente variável. O interesse, que é sempre coletivo quando se determina com respeito a mais
de um individuo, pode, com efeito, ser de poucos ou de muitos, segundo a quantidade de pessoas a que se
estenda. Deste modo, a coletividade dos interesses pode ser mais ou menos ampla, quer seja mais ou menos vasto o grupo
de indivíduos com respeito a qual se determine. Entende-se por isto que, dada a infinita variedade de interesses
coletivos, distinguem-se, por exemplo, interesses da família, da sociedade civil ou comercial, da corporação, do
sindicato, do município, da província, do Estado. Exatamente sobre a base destas diversas séries de interesses
constituem-se os distintos grupos sociais, conforme o processo que aqui rapidamente se descreve.
e) Se houvesse unicamente necessidades que pudessem ser satisfeitas por meio de interesses individuais,
cada homem poderia viver isolado dos demais. Mas a experiência mostra que não acontece assim, sobretudo se se
considera a trama dos interesses imediatos com os mediatos, que permite apreciar imediatamente quão é limitada a série
dos interesses estritamente individuais em comparação com as de necessidade fundamentais do homem, e quão limitada
seria a satisfação das necessidades do homem se vivesse sozinho. A este propósito, as aventuras de Robison Crusoé
podem ser de útil lembrança.
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Exatamente, a existência de interesses coletivos explica a formação de grupos sociais. Os homens se
agrupam, porque a satisfação de suas necessidades não pode ser obtida isoladamente com respeito a cada um. A
determinação dos interesses coletivos é, portanto, função dos grupos sociais, que se constituem sem outro objeto que o de
desenvolver esses interesses.
Quanto maior for a quantidade de participantes no interesse coletivo, isto é: quanto mais ampla for a
coletividade do interesse, tanto mais vasto será o grupo que se constitui entre eles. Neste sentido, são características, por
exemplo, as distinções entre a família, o município, a província e o Estado. Quanto maior for o número e a importância
dos interesses coletivos para cuja determinação se constitui o grupo, tanto mais sólido será o próprio grupo. Neste sentido,
por exemplo, é típica a distinção entre a família, o município, a província, o Estado e uma associação recreativa. Quanto
maior for a duração dos interesses coletivos mesmos, tanto maior será, enfim, a estabilidade do grupo. Neste sentido, por
exemplo, é característica a distinção entre a família, o município, a província, o Estado e uma sociedade comercial.
Portanto, enquanto determina e explica a formação dos grupos sociais, o interesse coletivo pode ser
considerado como a força repressora da sociedade, ou se quisermos nos servir de uma metáfora tomada da linguagem das
ciências biológicas, como o tecido conjuntivo do corpo social.
f) A existência dos interesses coletivos explica não apenas a formação dos grupos sociais, como também
sua organização.
O desenvolvimento de um interesse, ou seja, a determinação de uma condição favorável à satisfação de uma
necessidade exige, como é natural, a obra do homem. Pois bem, quando se trata de interesses coletivos, tal obra ajuda
necessariamente também os demais participantes, ou seja, o grupo. Em outras palavras: o indivíduo atua como órgão do
grupo, enquanto realiza a função deste. O conceito jurídico de órgão aparece assim como um
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correlativo lógico do conceito de interesse coletivo, posto que não se pode imaginar o desenvolvimento de
um interesse coletivo sem a ação de um órgão (do grupo). Por órgão tem de se entender o indivíduo, quando atua para um
desenvolvimento de um interesse coletivo.
Naturalmente, enquanto se tratar de interesses coletivos ou momentâneos, assim como de grupos exíguos
ou efêmeros, seu desenvolvimento pode se obter por meio da obra indisciplinada de todos os membros do grupo. Quando,
pelo contrário, os interesses coletivos se tornem vastos, complexos, duradouros e, de modo ocasional, os grupos chegam a
ser complexos, sólidos e estáveis, se constitui uma disciplina dos órgãos, ou seja, uma regra para sua atuação. A este
propósito é interessante comparar a simples comunidade ou a sociedade civil, com as formas mais complexas da
sociedade comercial.
g) Já se disse que a noção de interesse, como a de necessidade, tem como indispensável termo subjetivo o
homem singular e não o grupo. E do mesmo modo que a necessidade é um estado do homem, assim também o interesse é
a situação de um bem com respeito a um homem. Assim mesmo diz-se que um interesse pode considerar-se coletivo
quando o grupo seja concebido, não apenas como sujeito da necessidade, mas como meio para sua satisfação. Isto quer
dizer: quando a aptidão de um bem para ser gozado não se manifeste a não ser com respeito a vários homens
simultaneamente. O sujeito do interesse, ou seja, o sujeito do gozo é, também neste caso, o homem singular, mas não
enquanto existe individualmente, a não ser enquanto coexiste em uma pluralidade (grupo). Neste sentido, interesse
coletivo e desfrute coletivo são termos que se correspondem: existe interesse coletivo quando o desfrute acontece por
parte dos homens, mas considerados uti universi e não uti singuli.
Aqui, entretanto, precisa-se ter presente distinção entre interesses imediatos e mediatos, tai como foi
delineada mais acima, e em relação a ela observar que há interesses individuais que podem ser mediados com respeito a
interesses coletivos, no
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sentido de que o desfrute de bens aptos apenas para ser gozados por um ou mais indivíduos do grupo, mas não por todos,
pode constituir o meio para satisfação de verdadeiros interesses coletivos. Isto se explica quando se pensa que o
desenvolvimento de um interesse coletivo pode requerer, como meio, o desfrute de coisas ou de energias humanas por
parte de quem, provendo o desenvolvimento do próprio interesse, funcione como órgão do grupo. Assim, o interesse
coletivo da defesa do território exige soldados, quartéis, armas, equipamentos; o interesse coletivo da administração da
justiça, juízes, escrivão, oficiais de justiça, edifícios, móveis, livros; o interesse coletivo da circulação, trabalhadores,
utensílios, máquinas. As energias dos soldados, dos juízes e dos trabalhadores; os quartéis, as armas, os móveis e as
máquinas não são bens desfrutados coletivamente, mas não são tampoucos bens gozados pelos indivíduos para a
satisfação de suas necessidades, a não ser para procurar dos membros dos grupos a satisfação de outras necessidades. Aqui
medeia a distinção entre a modalidade e a finalidade do desfrute, da qual deriva um genus tertium entre o gozo uti
singuli e o gozo uti universi, que poderia chamar o desfrute dos singulares como órgãos, ou melhor (seguindo a
tendência para ver no órgão a expressão unitária do grupo), o desfrute da universitas ou da civitas, em contraposição ao
desfrute uti universi ou uti cives. Daí que existam interesses individuais por sua modalidade e coletivos por sua
finalidade, cuja noção é conveniente precisar junto à dos interesses individuais e à dos interesses coletivos. Poderiam
chamar-se interesses coletivos individuais ou secundários.
3. Conflito de interesses
a) Se o interesse significa uma situação favorável à satisfação de uma necessidade; se as necessidades do
homem são ilimitadas, e se, pelo contrário, são limitados os bens, ou seja, a porção do mundo exterior apta a satisfazê-las,
como correlativa à noção de interesse e à de bem aparece a do conflito de interesses. Surge conflito entre dois interesses
quando a situação favorável à satis-
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fação de uma necessidade excluir a situação favorável à satisfação de uma necessidade distinta. Se Tício tem
a necessidade de se alimentar e de se vestir, e possui apenas o dinheiro para conseguir uma das duas coisas, existe conflito
entre os dois interesses correspondentes. Se Tício e Caio têm necessidade de alimentar-se e não há alimento mais que para
um apenas, nos encontramos perante um conflito de interesses entre duas pessoas.
b) O conflito pode se dar em torno de toda classe de interesse: imediatos ou mediatos, individuais ou
coletivos. Aqui nos importa, sobretudo, destacar as variedades de conflitos segundo esta última classificação. Com base
nela o conflito pode ser:
α) entre dois interesses individuais, como no exemplo de Tício e Caio a propósito do alimento;
β) entre um interesse individual e um coletivo, como o que surgiria entre o interesse de Tício em relação
a sua segurança pessoal e o interesse coletivo da defesa do território, que reclama a exposição daquele aos perigos da
guerra;
γ) entre dois interesses coletivos, como o que se apresentaria quando sendo limitados os recursos do Estado
para satisfazer simultânea e completamente as exigências orçamentárias de instrução pública e de defesa nacional, os
interesses dos respectivos serviços se encontrassem em conflito.
4. Conflito intersubjetivo de interesses
a) Enquanto o conflito se apresentar entre dois interesses de uma mesma pessoa, resolve-se, naturalmente,
por meio do sacrifício do interesse menor ao interesse maior. Esta forma de conflito pode inclusive ter importância para o
grupo, quando um dos dois interesses estiver mais ligado que o outro a um interesse coletivo; mas cm última análise,
quando assim acontecer, o conflito se considera nem tanto entre dois interesses da mesma pessoa, como entre um destes e
o interesse do grupo, e, por conseguinte, o caso cai dentro da outra hipótese que vou considerar.
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b) Mas a hipótese que apresenta maior importância, até o ponto de constituir a circunstância elementar do
fenômeno jurídico, é a do conflito de interesses de duas pessoas distintas. A importância desta hipótese emana do perigo
da solução violenta. Quando dois homens que têm fome se encontrarem perante um pedaço de pão, é provável, já que não
seguro, que cada um deles tente tomá-lo pela força.
c) Sem dúvida, inclusive considerando o exemplo anterior à margem da existência do Direito, é possível
que o conflito a que dê lugar tenha uma solução pacífica. Os dois antagonistas podem cair em si, ou seja, na força de seu
espírito, encontrar a razão para limitar a satisfação de sua necessidade a fim de que possa ser satisfeita a necessidade
alheia. A esta hipótese corresponde a solução moral do conflito. Ou bem podem encontrar fora de si o motivo da
limitação, quer seja no medo da força do outro, quer no temor à força de um terceiro, a quem desagrade a solução violenta
do conflito. A estas outras duas hipóteses correspondem, de modo rudimentar, a solução contratual e a solução arbitral.
Mas nenhuma dessas soluções é bastante para eliminar na prática o perigo da violência. Certo que a solução
moral é a própria antítese desta; mas exige uma evolução tão avançada dos homens, que no estado atual da civilização não
apenas não cabe contar com ela quanto não se quer prever quando se poderá confiar na mesma. Por outro lado, a solução
contratual e a solução arbitral, cuja eficácia deriva, precisamente, da força, oferecem o inconveniente, pelo menos
enquanto se prescindir do ordenamento jurídico, de ser efêmeras: em virtude delas, a paz dura enquanto subsistir o medo
ao adversário ou ao terceiro; mas tão logo as circunstâncias mudem e façam que o temor se desvaneça ou, simplesmente,
que se atenue, o perigo da solução violenta reaparece.
5. Interesse na composição dos conflitos
a) Pois bem, o emprego da violência para a solução dos conflitos torna difícil, se não impossível, a
permanência dos ho-
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mens em sociedade e, com isso, o desenvolvimento dos interesses que por sua natureza coletiva (supra, n° 2) requerem
essa permanência. E assim, como em seu próprio interesse, os homens se sentem impulsionados a encontrar um meio que
elimine a solução violenta dos conflitos de interesses, enquanto tal solução entrar em conflito com a paz social, que é o
interesse coletivo supremo. Na realidade, posto que unicamente por meio da vida em sociedade os homens podem
satisfazer grande parte das suas necessidades, e posto que a guerra entre eles desagrega a sociedade, a composição
(solução pacífica) dos conflitos se converte em interesse coletivo (público), ao qual poderíamos dar, para distingui-lo dos
interesses em conflito (internos), o nome de interesse externo. Nele radica a causa do Direito.
b) Cabe, desde já, que a apreciação deste interesse induza, imediatamente, os homens a abster-se da
violência e a compor seus conflitos por meio do contrato e da arbitragem, da mesma maneira que as vantagens da paz
podem levar a que se renuncie espontaneamente aos riscos da guerra. Quando assim acontecer, a composição dos
conflitos se obtém sem necessidade do Direito e não por obra de uma avaliação moral (supra, nº 4), senão eco-
nômica. A influência que faz desdobrar o interesse externo para determinar a composição espontânea dos conflitos nem
é pequena, nem pode ser desprezada. Pelo contrário, uma observação profunda dos regimes dos conflitos interindividuais,
intersindicais e internacionais parece-me que deve levar a comprovar que, à medida em que a civilização progride, há
menos necessidade do Direito para atuar a solução pacífica do conflito, não apenas porque cresce a moralidade, como
também, e mais que tudo, porque aumenta a sensibilidade dos homens perante o supremo interesse coletivo.
Há de se reconhecer também, por outro lado, que o momento em que a solução violenta dos conflitos fique,
pelo menos a princípio, espontaneamente eliminada, senão por um fenômeno de moralidade, e sim pela pressão que o
interesse externo exerça sobre todos os homens, está ainda muito longe, e faz falta, por isso, estudar de que outra maneira
o interesse relativo age na composição dos conflitos, para obter tal eliminação.
[...]
Página 92
[...]
14. Litígio
a) A figura da relação jurídica e, correlativamente, as de obrigação e Direito, não esgotam a fenomenologia
referente à composição dos conflitos e interesses por meio do Direito. Há, com efeito, outros modos de ser do conflito, que
se precisa levar em conta.
Em geral, a relação jurídica é um conceito estático, enquanto representa o conflito do ponto de vista da
coordenação da vontade de seus titulares. Mas o conflito pode e deve ser considerado também do ponto de vista
dinâmico. Esta consideração serve para precisar outras figuras, que são conhecidas desde há
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muito tempo, mas que não foram enquadradas com exatidão dentro da teoria geral.
b) Em primeiro lugar, o conflito pode dar lugar a uma atitude da vontade de um dos dois sujeitos,
concretizada na exigência da subordinação do interesse alheio ao interesse próprio. Esta exigência é o que se
chama pretensão (infra, nº 122). Isso pode acontecer, tanto se o conflito de interesses foi já composto em uma relação
jurídica, como se não foi. A relação jurídica, por conseguinte, e com ela a obrigação e o Direito, não são nem um prius
prático nem um prius lógico da pretensão. Apenas se a pretensão se referir a um conflito já regulado pelo Direito, ela
será nem tanto exigência da subordinação do interesse alheio, quanto obediência ao mandato jurídico.
c) Pode acontecer que, diante da pretensão, o titular do interesse oposto se decida à sua subordinação. Em
tal caso, a pretensão é bastante para determinar o desenvolvimento pacífico do conflito.
Mas com freqüência não acontece assim. Então, à pretensão do titular de um dos interesses em conflito se
opõe a resistência do titular do outro (infra, nº 124). Quando isto acontecer, o conflito de interesses se converte em
litígio. Chamo litígio ao conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela
resistência do outro.
Até agora, assim como no latim e no italiano, a palavra lite serviu para significar não apenas o conflito de
interesses que, como veremos, constitui conteúdo do processo, mas também o próprio processo: quando, por exemplo, os
romanos diziam 'sub judice lis est', a adotavam para indicar o conflito e, pelo contrário, na frase litem infere' ou ‘litem
orare’, para designar o processo; o primeiro significado é utilizado, por exemplo, no art. 1.764 do Código Civil, enquanto
os nºs 4, 5 e 7 do art. 116 do Código de Procedimento Civil empregam o segundo. Por outro lado, em italiano predomina a
palavra causa para determinar o processo. Mas agora, em que a ciência do Direito efetuou a distinção entre o conflito e o
processo, que constitui uma das linhas
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fundamentais do meu sistema, é necessário, pelo menos na linguagem técnica, atribuir a esta palavra um significado único
e preciso.
d) O mesmo que a relação jurídica, o litígio é um conflito de interesses qualificado; e por isso apresenta um
elemento ou aspecto material e um elemento formal: o primeiro é o conflito de interesses e o segundo o conflito de
vontades. Resultam assim com clareza a analogia e a diferença entre relação jurídica e litígio: a primeira radica no
elemento material, que é idêntico; a segunda no elemento formal, que é distinto, ou melhor dizendo, contrário: medeia
relação jurídica, quando o conflito de interesses se compõe por meio de uma coordenação de vontades; medeia litígio,
pelo contrário, quando o conflito se traduz em uma luta de vontades.
e) Não há necessidade de acrescentar que o mesmo conflito pode ou não ser ao mesmo tempo relação
jurídica e litígio: apresenta ambos os aspectos, quando está regulado pelo Direito e as partes discrepam acerca de seu
arranjo; é relação jurídica e no litígio, quando acerca do arranjo não há luta, e é litígio – não relação jurídica –, quando as
partes discrepam acerca de um arranjo que ainda não existe.
f) Está claro que quando o conflito estiver já regulado pelo Direito, o litígio paralisa seu arranjo. Poder-se-ia
dizer que então o conflito é refratário à ação do Direito, e quando o conflito se apresenta com tais caracteres, faz falta um
remédio ulterior para obter sua composição.
Sobre este assunto convém que o leitor concentre um pouco sua atenção. O mandato pode ser desobedecido,
pelo menos quando o constituem sanções jurídicas, ou seja, na maioria dos casos. A obediência é um ato de vontade de
quem está sujeito a ela: basta que ele não queira, para que as finalidades da ordem jurídica senão irremediavelmente
frustradas, ao menos se vejam comprometidas. Se o obrigado não quiser, faz falta, antes de tudo, que alguém reaja, para
que atuem sobre ele os destinos e eventualmente as
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sanções; senão, o mecanismo do Direito não funciona e sua energia se afoga no que bem pode chamar-se de inércia
jurídica. Se o conflito de interesses pode ser considerado como o bacilo da desordem social, a inércia jurídica é
uma condição que paralisa a ação do remédio empregado para combatê-lo. O Direito faltaria à sua finalidade com
demasiada freqüência se a natureza ou a arte não tivessem preparado algo que ajude a ter razão. Este algo é, antes de tudo,
a pretensão. Se o obrigado não obedecer, o meio para estimular sua obediência é que seu adversário lhe lembre que deve
obedecer; isto quer dizer, que exija a subordinação do interesse dele ao próprio interesse. Tal atitude pode ser suficiente
por si só para obter a obediência e com ela a paz. A experiência do desenvolvimento prático das relações jurídicas
demonstra quanto ajuda, não apenas a quem o faz, e sim à própria sociedade, este ato de vontade do interessado. A
princípio, há de se estimar socialmente mais útil a resolução que não a incerteza ou a debilidade nos titulares dos direitos.
Com freqüência sucede na realidade que uma pretensão apoiada em uma sólida razão e acompanhada por uma vontade
enérgica costuma conseguir, imediatamente, o respeito ao mandato.
1 5 . Posse
a) Pode acontecer também que em vez de limitar-se a exigir o prevalecimento de seu interesse, um dos
dois sujeitos do conflito proceda a colocá-lo em prática. Ao conseguir isso, este prevalecimento recebe o nome de posse,
que em sentido genérico significa apenas a obtenção efetiva de um interesse em prejuízo de outro. Se, como parece mais
provável, a raiz da posse for a mesma de poder, possuir indica precisamente o resultado do poder, ou seja, a consecução
da posição favorável à satisfação de uma necessidade. A expressão mais corrente deste fenômeno é o domínio físico de
uma coisa, cujo desfrute constitui um interesse a alcançar.
Quando mediar posse de um dos interessados, o conflito assume um terceiro aspecto, que convém esboçar,
em suas analogias e diferenças, com respeito à relação jurídica e ao litígio. O elemento substancial é sempre o conflito de
interesses; o elemento
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formal muda, pelo contrário: enquanto na relação é a coordenação das vontades segundo o Direito, e no litígio a
luta das vontades não obstante do Direito, a posse mostra o prevalecimento de uma vontade sobre a outra. É
igualmente claro, que um mesmo conflito pode assumir ao mesmo tempo cada um dos três aspectos, ou um ou dois deles
apenas. Especialmente, cabe que um conflito seja, a um tempo, relação jurídica, litígio e posse.
b) A posse é, portanto, o estado de fato que representa a realização (attuazione) da pretensão: enquanto
esta visa o prevalecimento do interesse próprio sobre o interesse alheio, aquela o realiza imediatamente.
Isso não quer dizer que a posse venha sempre acompanhada de pretensão. Pelo contrário, estas duas atitudes
podem se apresentar tanto combinadas quanto isoladas uma da outra, já que pode haver pretensão sem posse e posse
sem pretensão.
Se quem faz prevalecer seu interesse tem a pretensão, sua posse recebe o nome de posse em sentido
estrito: prevalecimento de um interesse em conflito, qualificado pela pretensão de sua tutela. Sob este aspecto,
a posse, como o Direito subjetivo e como a pretensão, consta de um elemento substancial e de um elemento formal: o
primeiro consiste no prevalecimento de um interesse, e o segundo na pretensão de sua tutela. Neste sentido, distingue-se a
simples detenção (do ladrão, por exemplo), da posse jurídica (animo domini): ao ladrão não lhe falta o animus rem sibi
habendi, mas o animus domini, ou seja: a pretensão relativa à tutela.
c) Por último, pode acontecer que a posse seja ou não conforme a relação jurídica, ou seja, que o
prevalecimento de um dos interesses em conflito sobre o outro seja ou não querido pelo Direito. Se não for e o titular do
interesse subordinado não reagir, encontramo-nos de novo perante o conceito de inércia jurídica. No caso de que a
inércia jurídica se prolongue no tempo pode ser conforme às finalidades do Direito que a relação inerte se extinga ou se
transforme: daqui se deriva a instituição da prescrição.
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16. Processo
a) Quando a pretensão acompanhada ou não da posse, encontrar resistência e não conseguir vencê-la por si,
faz falta algo para que se conserve a paz social. Este algo tem uma distinta função, conforme o conflito esteja ou não
regulado pelo Direito.
Na hipótese negativa, e também se o conflito não estiver ainda composto em uma relação jurídica, do que se
trata é de fazer intervir frente a ele um mandato (concreto), que realize a composição do mesmo.
Na hipótese positiva, posto que o mecanismo do Direito, qual se descreveu até aqui, se tenha revelado
insuficiente para obter sua finalidade, trata-se de integrá-lo com um dispositivo ulterior, apto para por-lhe remédio. Em
ambos os casos, esse algo é o que chamamos de processo.
b) Esta denominação é relativamente moderna. Em outros tempos, pelo contrário, falava-se de juízo
(iudicium). Tanto o velho nome como sua mudança, não carecem de razão de ser. À primeira vista, parece que frente ao
litígio não se deve fazer outra coisa a não ser julgar de que parte estejam, respectivamente, o erro e a razão; por isso ao
mecanismo colocado em marcha contra o litígio se lhe dá o nome de juízo. Mas como mais adiante mostraremos, o certo
é que em tal mecanismo, o juízo não é nunca elemento suficiente, e pode inclusive não ser necessário: por um lado, o
juízo deve ir acompanhado do mandato (é característica a este propósito a terminologia do processo romano clássico, ao
distinguir o ius e o iudicium); por outro lado, quando se tratar, não de pretensão discutida (contestada), e sim de
pretensão insatisfeita (infra, n° 124), a composição do litígio se efetua, não tanto por meio de um juízo quanto
mediante o funcionamento da sanção. Daqui a insuficiência da palavra juízo para expressar o conceito e sua substituição
pela palavra processo.
Esta última é, sem dúvida, mais ampla ou, melhor dizendo, demasiado ampla, até o extremo de que no
uso jurídico perde o
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significado originário, para assumir uma significação figurada (antonomástica). Segundo a acepção comum, processo,
como procedimento (de procedere), indica uma série ou uma cadeia de atos coordenados para a obtenção de uma
finalidade. Especialmente, existe processo sempre que o efeito jurídico não se alcança com um único ato e sim por meio
de um conjunto de atos quando cada um deles não puder deixar de se coordenar aos demais para a obtenção da finalidade.
Daí que a noção do processo seja interferente com a de ato complexo (infra, nº 24). Neste sentido, pode-se, desde já, falar
de um processo legislativo ou de um processo administrativo, como série de atos realizados para a formação de uma lei
ou de um decreto.
Mas na linguagem jurídica chamamos processo por antonomásia à série de atos que se realizam para a
composição do litígio; e se não fosse uma tautologia, diria que se chama unicamente processo ao processo do judicial.
c) Por conseguinte, a noção grosseira de processo que se extrai das premissas contidas neste capítulo e que
será elaborado em seguida é a de que se trata de uma operação mediante a qual se obtém a composição do litígio.
Notas aos nºs 2 a 1 6
Indicações gerais: Nas Notas de Direito positivo, que agora iniciamos, tem de se levar em conta: a) que
salvo advertência em contrário, as concordâncias de Direito espanhol correspondem nos preceitos do Código de
Procedimento Civil italiano de 1865, que está derrogado pelo de 1940, mas que é o que serviu de base para o Sistema. O
mesmo sucede com as referências ao Código Civil, também de 1865, substituído pelos livros oportunos do vigente, n
partir de 1938; b) que os artigos sem menção do texto legal a que pertencem, são todos da Lei de Ajuizamento Civil; e c)
que ao final do tomo IV se inclui uma lista de disposições que, por esquecimento ou por ser posteriores à redação destas
notas, não se recolhem nas Notas correspondentes.
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Ao nº 5 a): O termo "composição", que tão fundamental importância tem no pensamento de Carnelutti, é
acolhido entre nós para, uma vez subjetivado (componedores) e precedido do qualificativo amigables, designar o tipo
de arbitragem conforme a eqüidade (cf., art. 833 da Lei de Ajuizamento Civil), diferentemente conforme o Direito (cf.,
art. 816) (arts. 63 nº 10; 460, nº 8; 487, 827 e segs., 1.691, nº 3; 1.744 e segs.)
Ao nº 6 c): Sendo comum a ascendência latina da palavra italiana Diritto e da espanhola Derecho,
aplique-se a esta as considerações que o autor formula acerca daquela.
Ao nº 7: a): Traduzimos "comando" por mandato e não, como algumas vezes vimos, por comando, para
evitar um italianismo que nem sequer tem sobre o mandato a vantagem da precisão, posto que ambos possuem vários
significados. Além do mais, neste ponto, nosso parecer se encontra respaldado pela autoridade dos professores Alsina (cf.,
Tratado, vol. I, p. 543) e Couture (Fundamentos, nº 137).
d) β): Acerca da tradução accertamento, veja-se a Nota aos nºs 45 e 46.
Ao nº 9: b) Medidas de segurança, mesmo sem receber tal nome, existem no Código Penal reformado de
1932 (cf., arts. 8º nºs 1 a 3; 43, 86, 446, 459, 487) e mesmo antes, no seu antecessor o de 1870 e em outros vários textos.
São, sem embargo, a legislação tutelar de menores (desde sua implantação em 1918 à Lei e Regulamento vigentes, de
13.12.1940 e 22.7.1942) e a relativa a vadios e malvados (Lei de 4.8.1933 e Regulamento de 3.5.1935, que continuam em
vigor, segundo se depreende das Ordens de 24.2.1937 e 9.8.1938), as que generalizam seu emprego. Veja-se infra, Notas
ao nº 10, f. Quanto às pseudomedidas de segurança promulgadas durante a guerra civil, ou depois, preferimos nos
silenciar dado seu caráter excepcional e rancoroso.
d) § 2º) O conceito de interdição do art. 324 (agora 409) do Código Civil italiano é distinto do nosso art.
200. n° 4 (em relação com os 228 a 230 e com o 42 do Código Penal), correspondendo-se, na realidade, com a
incapacitação por causa de
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loucura (art. 200, nº 2). Por sua vez, o art. 339 (agora 410) do Código Civil italiano refere-se à inabilitação
não apenas ao pródigo (arts. 200, nº 3, e 221 a 227) e ao surdo-mudo (art. 200, nº 2), e não apenas ao débil mental, ao cego
em certos casos, e aos ébrios e toxicômanos (acerca destas duas últimas categorias, cf., os arts. 2º, nº 6; 4º, nº 3, e 6º, nº 5,
Lei de Vadios de 1933).
d) § 3º) Em consonância com que o autor afirma, na Lei de Ordem Pública de 28.7.1933 (cuja a vigência se
infere da Lei de 29.12.1938), por exemplo, figuram medidas de segurança impostas pelo poder judicial (tribunais de
urgência) (art. 71 regra o) e outras aplicações pelo poder administrativo (autoridades governamentais) (por exemplo,
arts. 12, 15, 17, 28, 39 e segs., 58).
Ao nº 10: d) e e) O Código Penal, ao determinar em seu art. 103 e segs. o alcance da responsabilidade civil,
separa de maneira taxativa a restituição (da coisa: art. 104), a reparação (do dano: art. 105) e a indenização (dos
prejuízos: art. 106). Vejam-se tambem o art. 1.902 e segs. do Código Civil. Acerca da restitutio in integrum, cf., arts.
1.291 e 1.299 do Código Civil e 234 do Código Comercial (quanto ao art. 311 da Lei de Ajuizamento Civil, que dela se
fala, esta derrogada pelo Real Decreto de 2.4.1924); além disso, imagine-se que na mesma se inspira nosso recurso de
revisão (cf., especialmente arts. 1.806 a 1.808 da Lei de Ajuizamento Civil).
f) Concorda substancialmente com o art. 185 do Código Penal italiano e o 19 do espanhol (em relação com
o art. 103 e segs. do próprio texto e com os arts. 100, 110 e 650 da Lei de Ajuizamento Penal); mas não se esqueça que o
exercício das ações nascidas do delito apresenta na Espanha (cf., arts. 100 a 117 e 270 a 281 da Lei de Ajuizamento Penal)
traços muito distintos dos que oferece no Codice di Procedura Penale.
Diferentemente do que prevê o art. 202 do Código Penal italiano, os corpos legais de que falamos na Nota
ao nº 9 b), não costumam acumular penas e medidas de segurança: a legislação de menores, dado que seu caráter tutelar
e educativo repele a idéia de punição, e a de vadios e malvados, porque, como regra,
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é um instrumento de luta contra o estado perigoso sem delito, salvo nas suposições do seu art. 3º (em relação com o 9º),
que sanciona a periculosidade delitual. Em outro sentido, o art. 71, letra o, da lei de Ordem pública autoriza a imposição
de medidas de segurança aos acusados absolvidos que, sem ter cometido o delito ajuizado, tenham realizado, no entanto,
atividades contrárias à ordem pública.
Ao nº 11: e), § 2º) Conforme o art. 108 da Lei de Ajuizamento Penal e em discrepância com o disposto pelo
art. 489 do Código de Procedimento Penal italiano, o Ministério Fiscal terá de entabular a ação civil, juntamente com a
penal, tenha ou não no processo acusador particular, salvo em matéria de delitos privados, e mesmo nela com a reserva do
art. 105 da Lei de Ajuizamento Penal, em relação com o 443 do Código Penal. Sem embargo, o prejudicado, que cabe
comparecer como simples autor civil (arts. 110, 623 e 651), pode também renunciar "de modo expresso e terminante" à
ação de ressarcimento, e então o fiscal exercitará apenas a penal (arts. 108 e 110); além disso, quando a ação civil
funciona, com independência da penal, perante os tribunais civis (cf., arts. 111 a 112, 114, 621, 635 e 843 da Lei de
Ajuizamento Penal, 557 do Código Penal e 20 da Lei de Justiça municipal de 5.8.1907), será necessária a instância da
parte.
e), §§ 3º e 4º) O Código Penal espanhol não contém norma alguma genérica sobre consentimento do titular
na lesão de Direitos disponíveis. Da análise do articulado cabe, não obstante, extrair duas conclusões: 1ª, a de que em
determinados casos (cf. arts. 415, 417 a 419, 442) o consentimento do sujeito passivo, sem conduzir à não-punibilidade do
agente, determina um rebaixamento da pena que, por não haver mediado, se lhe imporia (se excetuam as lesões para se
eximir do serviço militar: arts. 428 a 430), e 2ª, nos delitos privados, o perdão expresso ou presumido das partes ofendidas
extingue a ação penal ou a pena, se já se houvesse imposto ao culpado (cf., arts. 25, 115. 443, 461, 561, 578 e 580 do
Código Penal e 104 a 107, 112, 275, 278, 804 e 963 da Lei de Ajuizamento Penal), e portanto, a punibilidade do ato penal
depende em definitivo da vontade do titular do Direito.
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Acrescentamos que a querela italiana (arts. 9º, 11 e 24 do Código de Procedimento Penal), reduzida a uma condição de
procedibilidade em matéria de delitos privados, é essencialmente distinta da espanhola, que pode intervir também com
respeito aos delitos públicos, ser utilizada por quem nem sequer tenha sido agravado pelo delito (ação popular: arts. 101,
270 e 757) e que com relação aos delitos privados confere ao querelante maiores cuidados que as que se reconhecem na
Itália sobre ele (cf., além dos artigos retrocitados do Código Penal e da Lei de Ajuizamento Penal, estes outros da segunda:
109 a 110, 270 a 281, 622, 642, 649, 659, 681. 734. 804 a 815, 854).
O art. 614 do Código Penal italiano equivale ao 482 do espanhol que, sem embargo, não distingue, na
nivelação de uma construção, quer se proceda de ofício ou por requerimento da parte.
Ao nº 12: a) A Lei de Ajuizamento Civil serve-se quase com igual freqüência das denominações parte (por
exemplo, arts. 6º, 11, 33, 50, 61, 191, 260, 326, 378, 421, 493, 549, 570, 614, 791, 1.708 etc.) e litigante (Seção 1ª; Título
I; Livro I; arts. 10, 18, 25, 34, 75, 195, 281, 550, 571, 641, 740, 1.709 a 1.710 etc.; veja-se também o art. 1º do Real
Decreto de 2.4.1924), usadas como sinônimas e, às vezes, alternando em um mesmo preceito (por exemplo, art. 189). Em
alguma ocasião se associam ambos os termos e se fala de partes litigantes (arts. 515 a 516, 749), e em outras de partes
contendentes (art. 372), de parte interessada (arts. 504 e 584) ou, simplesmente, de interessados (arts. 4º, 11, 57,
730, 791, 803, 831, 1.712) e também de mandantes (do procurador que as representa em juízo) (arts. 5º a 9º) e também de
"demandantes e demandados" (arts. 469 e 470).
Nosso Direito contratual emprega a mesma expressão partes (por exemplo, arts. 1.257, 1.274, 1.809 do
Código Civil), mesmo que muito menos que contratantes, com a qual as vezes se combina. Quanto à legislação notarial
(Lei de 28.5.1862 e Regulamento de 8.8.1935; passim) utiliza com preferência a denominação outorgantes (do
instrumento público).
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e) O art. 2º da Lei de Ajuizamento Civil, ao tratar do comparecimento em juízo dos incapazes e das pessoas
jurídicas, o vincula a seus "representantes legais, ou seja, aos administradores de que fala Carnelutti, posto que
lhes incumbe a administração de uns e outras (cf., com efeito, com respeito aos incapazes, os arts. 159, 199, 213, 225, 229,
264, nº 4, 281 do Código Civil e com respeito das companhias mercantis, os arts. 130 e segs., 148 e 155 a 156 do Código
Comercial; veja-se, além disso, o art. 184 do Código Civil – texto de 8.9.1939 – com relação à ausência). Com os
administradores-representantes legais art. 2º não devem de modo algum confundir-se os "administradores" mencionados
no texto primitivo do art. 4º da Lei de Ajuizamento Civil (não no vigente de 6.6.1935) e que não era senão mandados (cf.,
R. O. de 19.4.1917 e art. 1.713 do Código Civil).
f) Quando o Estado é uma das partes em conflito, se lhe designa às vezes como tal (por exemplo, arts. 30,
1.103 e 1.109 da Lei de Ajuizamento Civil, art. 47 e segs. do Regulamento da Direção Geral do Contencioso de 18.6.1925;
art. 2º, nº 3, do Estatuto do Ministério da Fazenda de 21.6.1926), outras como Administração (arts. 1º a 5º, 10, 19, 24 a
25, 41, 85 da Lei do Contencioso administrativo de 22.6.1894; art. 23 do Estatuto da Direção Geral do Contencioso de
21.1.1925; art. 2º, nº 3 do Estatuto do Ministério da Fazenda) e inclusive como Fazenda Pública (por exemplo, arts. 38,
460, nº 3, e 533, nº 7 da Lei de Ajuizamento Civil). Na esfera da justiça constitucional alternavam os termos Estado,
Governo e Administração (cf., arts. 123, nº 3 da Constituição de 1931, e 22, nº 2; 27, b, c, e, f , g, h e i; 64; nºs 1 a 2;
78, nº 1; 79, nº 1; 80, nº 1, da Lei do Tribunal de Garantias de 14.7.1933).
Ao nº 13: d) Concorda com o art. 406 do Código Civil italiano o art. 333 do espanhol.
e) A universitas rerum é precisamente o conceito que serve na Lei de Ajuizamento Civil para dar nome
(cf., arts. 4º, nº 5; 166, 187, 460, nº 8; 1.103, 1.113, 1.128 a 1.129, 1.170, 1.186) e agrupar (Títulos IX a XIII do Livro II)
aos juízos universais, tanto sucessórios quanto concursais.
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h) Cf., art. 483, nº 3 da Lei de Ajuizamento Civil, e em relação a ele, enquanto tenha recuperado a vigência,
o Real Decreto de 13.11.1922 (pleitos sobre grandezas e títulos do reino).
Ao nº 14: Prescindido de lid, que etimológica e historicamente poderia trazer-se à colação, mas que na
atualidade está desusado em acepção forense, três palavras se oferecem para a versão de lite, conceito chave do Sistema: a
latina litis e as castelhanas lite e litígio. A primeira é utilizada, na lei ou na prática, nas expressões litispendência (arts. 533,
nº 5, e 538 da Lei de Ajuizamento Civil), litiscontestar (sentença de 13.11.1907 que, em relação com o art. 548, a qualifica
de quase-contrato; acerca desta questão veja-se vol. III, nº 437; cf., também a sentença de 15.6.1923), litisconsórcio e suas
derivadas (que são desconhecidas pela lei, mesmo referindo-se esta à instituição em uma multidão de artigos, por
exemplo, 156, 162, 531, 991 etc.), litis-expensas (numerosas sentenças relativas, entre outras, ao art. 1.408 do Código
Civil; valia-se dela o art. 44 da Lei do Divórcio de 2.3.1932, derrogada pela de 23.9.1939), quotalitis (proibição da mesma;
cf., jurisprudência sobre o art. 1.459, nº 5 do Código Civil), curador ad litem (por exemplo, sentenças de 27.6.1891 e
31.3.1892), como sinônima de "curador para pleitos" – arts. 1.852 a 1.860 da Lei de Ajuizamento –, hoje, "defensor
judicial" ou "protutor" – arts. 165, 215 e 236 do Código Civil, salvo em Cataluña – art. 10 da Lei de 8.1.1934, deixada sem
efeito pela de 8.9.1939) in limine litis (por exemplo: em torno do art. 525 da Lei de Ajuizamento, ou melhor auto de
13.6.1920 acerca do art. 46, nº 1 da Lei do Contencioso Administrativo). [Litisdenuntiatio é conceito empregado pelos
processualistas, mas nem pela lei nem pelos práticos.] Não obstante, tendo prescindido da voz latina e optado pela voz
romance, acreditei que na tradução deveria adaptar-me a seu critério. Quanto a lite, que coincide letra a letra com o termo
italiano, carece, se não estou enganado, de entroncamento legal, e seu uso forense na Espanha é muito raro Por isso, e,
além disso, por ser a única com derivados diretos, entendo que deva escolher-se litígio, mesmo quando esta denominação
não concorde bem (como tampouco nenhuma das outras duas) com o significado peculiar que o autor concede à lite. A Lei
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de Ajuizamento Civil, mais ainda que de litígio (por exemplo, arts. 54, 63, regra 10ª), serve-se de seus derivados: litigante
(vejam-se a Nota ao nº 12 a e o testemunho do autor no nº 147 e, β) e colitigante (arts. 35, 378, 597, 671, 760), litigar (arts.
19, 20, 530 a 531, 603 etc.) e litigioso (arts. 154, nº 2; 491 a 492, 496, 633, 717 a 718, 788, 790; Seção 2ª, Título XIV, Livro
II; vejam-se também os arts. 1.535 a 1.536 e 1.785 do Código Civil).
c) § 3º) Na Espanha – não, pelo contrário, na Argentina, onde abrangem os processos civis – a palavra
causa se reserva para os processos penais [por exemplo: arts. 269, 272, 276 e 281 da Lei de Organização Judiciária; art. 1º
da Lei Adicional de 14.10.1882; arts. 14, 25, 47, 65, 105, 146, 239, 623, 651, 668, 742, 877, 958, 985, entre outros, da Lei
de Ajuizamento Penal; arts. 331, 333 a 335, 356, 358, 397 do Código Penal; art. 4º da Lei do Jurado de 1888, suspensa
pelo Decreto de 8.9.1936; sem embargo, a Lei de 1830 se chamava de Ajuizamento em “causas de comércio”, o art. 336
do Código Penal fala de “causa civil”, e a própria Lei de Ajuizamento Civil menciona “a continência da causa” em seus
arts. 161 a 162: infra, Nota ao nº 253, enquanto que os processos civis se denominam comumente pleitos (arts. 6º, 12, 21, 33,
41, 55 a 56, 63, 161 a 163, 184, 201, 335, 411 a 412, 438, 550, 563, 660, 742, 766, 862 a 864, 878, 1.692, entre outros);
mesmo quando a Lei de Ajuizamento Civil empregar também as palavras juízo (ver Nota ao nº 16), litígio (ver antes),
assunto (arts. 1º, 74 a 76, 742), contenda (art. 481), questão (arts. 72, 78, 80 a 81, 111 a 112, 114, 118, 486 a 487, 790, 827),
debate (arts. 359, 548, 1.729, nº 5), negócio (arts. 5º, 7º, 9º, 21, 51, 59, 72, 113, 191, 369, 430 e segs.), demanda (arts. 483,
745 a 746, 1.561), autos (arts. 3º, 10, 45, 72, 150 a 151, 160, 168, 176 a 178, 180 a 182, 186, 413 a 416; cf., Nota ao nº 405,
f), reclamação (nos arts. 429 e 2.098, não nos 821, 1.006 e 2.111, regra 5ª). Algumas dessas expressões, cujas diferenças
de matiz ou de significado não nos é possível recolher aqui, estendem-se às vezes à jurisdição voluntária. O contraste
entre pleito (civil) e causa (penal) aprecia-se especialmente nos arts. 904 a 907 da Lei de Ajuizamento Civil e 758 da Lei de
Ajuizamento Penal (ao ocupar-se da responsabilidade res-
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pectiva frente a ambas classes de processos). Não obstante o que acabamos de dizer, é corrente dar o nome de causa aos
processos matrimoniais – mesmo que não na linguagem legal (cf., os arts. 67 a 68 e 80 do Código Civil –, por influência,
sem dúvida, do Direito canônico, que regeu a matéria até o Decreto de 3.11.1931 e de novo a partir da Lei de 12.3.1938.
Finalmente, dá-se o nome de recurso: aos processos administrativos (ou mais exatamente: contencioso-administrativo –
por exemplo, arts. 1º, 3º, 7º, 34, 36 a 37, 46 etc. da Lei de 1894 –, já que aos econômico-administrativos se lhes chama
reclamações: cf., o regulamento sobre a matéria de 29.7.1924, aos de revisão de sentenças firmes, ao de responsabilidade
dos funcionários públicos e também, enquanto funcionou, aos dois mais característicos processos de que conhecia o
Tribunal de Garantias, ou seja: o de inconstitucionalidade e o de amparo (arts. 121 da Constituição de 1931 e 28 a 53 da
Lei do Tribunal, de 1933).
Ao nº 15 b): Cf., os arts. 1.651 a 1.652 e 1.658 da Lei de Ajuizamento Civil (retenção ou recuperação
interditória da posse frente ao perturbador ou esbulhador).
Ao nº 16: Nossa Lei de Ajuizamento Civil, como dissemos na Nota ao nº 1, tem suas raízes no Direito
comum medieval, repousa sobre o conceito de juízo e não sobre o de processo. E mais: salvo no derrogado art. 308 (onde
significava atuações; veja-se hoje o Real Decreto de 2.4.1924), a palavra processo é estranha à Lei de Ajuizamento Civil,
que em seu lugar se vale de um bom número de sinônimos, segundo a pouco expusemos; pelo contrário, mesmo baseada
também pelo juiz (e daí o denominador comum “azuizamento”: cf., Notas aos nºs 613 a 615), a encontramos na lei
processual penal (por exemplo, arts. 108 a 109, 113, 300, 528, 631), onde, além disso, alcançam um grande relevo seus
derivados processamento (art. 384) e processado (arts. 19, 118, 302, 350, 402, 529, 655, 739, 881, 983, entre outros) e
onde se fala de custas processuais (Título XI, Livro I). Dentro do escasso critério sistematizador da Lei de Ajuizamento
Civil, aparece claro que juízo é termo peculiar da jurisdição contenciosa, enquanto que para a voluntária se reserva o de
ato (cf., os arts.
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4º, 10, 63, 460, 1.690, 1.811, 1.823 a 1.824 e a epígrafe da 2ª parte do Livro III), e, em menor escala, expediente (por
exemplo, arts. 63, regras 16ª e 24ª; 1.823, 1.830, 1.838) e negócio (por exemplo, art. 2.109), se bem que estes dois últimos
nomes os aplica às vezes à Lei de Ajuizamento Civil (por exemplo, arts. 241 e 793) a matérias contenciosas.
A inclusão da conciliação do Livro II não desdiz se o que acabamos de afirmar, já que precisamente por não
reputá-la contenciosa, é batizada como ato (cf., arts. 4º, 10, 11 e o Título I, Livro II, assim como seus arts. 460 a 480),
mesmo quando por razões de oportunidade se a tenha desgarrado do Livro III; pelo contrário, poder-se-ia reprovar que se
chame juízos as universais sucessórios, que pertencem no fundo (especialmente a testamentaria) à jurisdição voluntária;
mas como o legislador não o considerou assim, não incorre tampouco em inconseqüência consigo mesmo.
Quanto a procedimento, é palavra muito empregada, tanto na doutrina (cf., Nota ao nº 1 b) quanto na lei;
mas seu conceito não é constante, conforme veremos na Nota ao nº 428 a α. Além disso, nela e na correspondente ao nº
92, completaremos as indicações relativas a pleito, juízo e procedimento.
[...].
CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Trad. Hiltomar Martins Oliveira. São Paulo:
Classic Book, 2000, v. 2.
[...]
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Livro Primeiro
Da composição do processo
118. O processo e o litígio
a) Se nos dedicarmos a observar o que acontece perante o juiz ou, em geral, perante o órgão judicial
processual, veremos, antes de tudo, como regra, duas pessoas que litigam entre si: conforme o esquema mais simples, uma
delas reclama a tutela de interesse seu e a outra a nega. Isso significa que o litígio está presente no processo, como a
enfermidade o está na cura. O processo consiste, fundamentalmente, em levar o litígio perante o juiz, ou também, em
desenvolvê-lo na sua presença.
Em primeiro lugar, isso explica o estreitíssimo contato entre as noções de processo e litígio, e a facilidade
e o costume de confundi-las entre si. A distinção consiste em que o processo não é o litígio, e sim que o reproduz ou o
representa perante o juiz ou, em geral, perante o órgão judicial. O litígio não é o processo, mas está no processo; tem de
estar no processo se o processo tem de servir para compô-lo. Daí que entre processo e litígio se interponha a mesma
relação que entre continente e conteúdo.
Isso explica, em segundo lugar, por que não cabe estudar a composição do processo sem conhecer, ante
todo, os elementos do litígio. Um processo sem litígio é como uma tela sem moldura. O litígio é, sem dúvida, um
pressuposto do processo, como a natureza é um pressuposto da pintura que a reproduz; mas é também o objeto dos atos em
que o processo consiste, pelo que não poderia se conhecer a composição do processo se não se conhecesse, antes de tudo,
o que seja o litígio. Mais exatamente, se do mesmo apenas se conhecesse o de fora e não o de dentro, ou seja, o processo
como continente e não como conteúdo.
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b) Eis aqui a razão pela qual este livro está dividido em três títulos: o primeiro se ocupa dos elementos do
litígio; o segundo, dos elementos do processo e o terceiro, das relações entre o processo e o litígio.
Título Primeiro
Dos elementos do litígio
119. Classificação dos elementos do litígio
a) Exatamente porque o litígio é também e, sobretudo, um pressuposto do processo, esbocei sua noção no
capitulo primeiro da introdução. De quanto se disse então resulta que para um litígio existir, é necessário, antes de tudo,
que existam duas pessoas e frente a elas um bem. Estes são os elementos simples do conflito de interesses (supra, nºs 3 e
4).
O conflito de interesses é um litígio, sempre que uma dessas duas pessoas formular contra a outra uma
pretensão e esta outra lhe opuser resistência.
b) Os dois primeiros são, como se disse, os elementos genéricos do conflito de interesses; os outros dois são
os elementos específicos do litígio. Na realidade, o litígio não é apenas um conflito de interesses, e sim um conflito
juridicamente qualificado, ou seja, transcendente para o Direito. Os dois elementos genéricos encontram-se, assim
mesmo, nas outras duas formas de conflito juridicamente transcendente, a saber: a relação jurídica e a posse (supra, nºs 11
e 16); os outros dois diferenciam o litígio frente a cada uma delas.
120. Sujeitos do litígio (partes cm sentido material)
a) Por ser um conflito intersubjetivo de interesses, o litígio não pode existir sem dois sujeitos distintos. Por
isso, os sujeitos do mesmo são necessariamente dois.
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Exatamente porque o conflito de interesses transcendente para o direito tem dois sujeitos, cada um deles
recebe o nome de parte; com isso indica-se melhor sua posição do que sua individualidade, ou seja, que é um dos dois
sujeitos do conflito e, da mesma maneira, que forma a parte de um todo. Como a noção de parte é peculiar do conflito
juridicamente transcendente em geral, e não do litígio em particular, é comum tanto no Direito processual quanto no
Direito material, e, portanto, pertence mais à teoria geral do Direito do que não a esta ou àquela teoria particular: com
efeito, fala-se assim mesmo de partes com respeito ao contrato (por exemplo, art. 1.130 e segs. do Código Civil).
b) Assim como os interesses em litígio não podem deixar de ser dois, assim tampouco podem ser mais de
dois. E, portanto, não podem ser mais de dois os sujeitos do mesmo. Como o conflito é uma relação entre os interessados,
é evidente que se estes fossem mais de dois, a relação não poderia ser apenas uma. Em outras palavras, pode muito bem
acontecer que um interesse de Tício se encontre em conflito não apenas com um interesse de Caio, mas, também, com um
interesse de Semprônio, mas isso não quer dizer que o litígio único tenha mais de dois sujeitos, e sim que em tal caso
existam dois litígios. A demonstração gráfica desta verdade é evidente: supondo que o interesse de a esteja em conflito
com os de b e de c, as linhas de conjunção daquele frente a este são necessariamente duas (a-b, a-c), que representam os
dois litígios.
b
a
c
c) Que os sujeitos do litígio não podem ser mais de dois, não quer dizer que as pessoas interessadas
(inclusive diretamente)
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no litígio tenham de ser apenas duas. Não tem de se confundir o sujeito do litígio com o homem; quem se lembrar que no
conflito pode enfrentar não apenas interesses individuais, como também interesses coletivos (supra, nº 3), dar-se-á conta
de que o sujeito do litígio pode ser, em lugar de um homem, um grupo deles (supra, nº 12).
d) Se o litígio fosse, simplesmente, um conflito de interesses intersubjetivo, sujeitos do mesmo seriam
sempre e tão-somente os dois homens ou os dois grupos aos quais pertençam os dois interesses em conflito; contudo a
coisa aparece em seguida mais complicada, quando se pensa que para constituir o litígio tem de se acrescentar a cada um
dos interesses a pretensão ou a resistência, a primeira das quais é, em todo caso, uma declaração de vontade, podendo,
além disso, sê-lo a segunda (infra, nº 122 e segs). Apresenta-se assim também com respeito ao litígio o fenômeno do
desdobramento do sujeito, que estudamos a propósito da relação jurídica: pode o ser de convergência ou de divergência
entre titular do interesse ou da vontade declarada per meio da pretensão ou por meio da discussão: a segunda hipótese
acontece, por exemplo, quando o progenitor que exercer o pátrio poder pretender a restituição de uma coisa ao filho
menor, ou mesmo quando a pretensão se deduzir pelo representante legal de uma sociedade em nome desta.
A inegável dificuldade que tais fenômenos opõem à construção do conceito do sujeito do litígio supera-se
pela maneira por mim indicada na introdução ao traçar a noção de sujeito jurídico; sujeito do litígio não é, em tais casos,
não somente o titular do interesse, tampouco o titular da vontade, mas o grupo formado pela combinação de um com o
outro (supra, nº 12).
e) O sujeito do litígio pode ser, portanto, simples e complexo (supra, nº 12). Por sua vez, a complexidade
pode apresentar aspectos e gradações diversos, conforme o seguinte esquema:
α) Um homem sui iuris pretende o pagamento de seu crédito; sujeito é, então, apenas um homem só;
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β) O pai pretende o pagamento do crédito do filho menor; aqui o sujeito está formado pela combinação de
pai e filho;
γ) O administrador único de uma sociedade mercantil pretende o pagamento de um crédito da sociedade;
neste caso, a combinação de que resulta o sujeito não se produz entre homem e homem, e sim entre um homem e um
grupo;
δ) O conselho de administração de uma sociedade comercial pretende o pagamento do crédito da sociedade;
esta última hipótese mostra o sujeito como resultante da combinação do grupo dos administrados com o grupo dos
administradores.
ε) Estas não são, sem embargo, todas as hipóteses de desdobramento do sujeito do litígio, posto que há de se
levar ainda em consideração dois fenômenos que observaremos daqui há pouco (nºs 142 e 144). Há casos em que a
pretensão, em vez de ser deduzida pelo próprio interessado ou por seu representante, o é pelo titular de um interesse
dependente de um interesse em litígio (sustituto) ou de um oficio público (Ministério Público). Já reconheci, que quando
o Ministério Público atuar no processo penal, formula, antes de tudo, e necessariamente, a pretensão relativa ao interesse
lesionado pelo delito, que ele afirma (supra, no 83); devo acrescentar que outro tanto faz o substituto processual; quando
a teor do art. 1.234 o credor atua para a condenação do devedor indireto a favor de seu devedor direto, não se pode deixar
de admitir que a pretensão contra o primeiro seja formulada por ele e não pelo devedor direto, o qual, enquanto
permanecer inerte, está, de fato, em conflito de interesses, mas não em litígio com seu devedor. Portanto, também quando
em lugar do interessado o substituto ou o Ministério Público pretender, tem de se considerar a complexidade do sujeito do
litígio, o qual se compõe, não do titular do interesse litigioso e de seu representante legal o voluntário, mas do primeiro
unido, conforme o caso, o substituto ou o Ministério Público.
f) Mais adiante, quando souber que o sujeito do processo, a quem se dá também o nome de parte, se lhe
contrapuser como parte em sentido formal (infra, nº 147), o leitor entenderá
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porque chamamos aqui de sujeito do litígio, parte em sentido substancial.
121. Objeto do litígio (bem contendido)
a) Objeto do interesse é um bem. Tal é, necessariamente também, o objeto do conflito de interesses e,
portanto, da relação jurídica e do litígio. O conflito esboça-se e o litígio nasce precisamente porque, como observei, as
necessidades e, por isso, os interesses são ilimitados, enquanto os bens são limitados, ou de forma mais simples: porque os
homens são dois e o bem apenas um.
b) A propósito do objeto, valem, como acerca dos sujeitos do litígio, as noções já expostas na introdução (nº
13). Mesmo quando exigências lógicas tenham determinado relação do sujeito e do objeto jurídico em relação à relação
jurídica, tais noções se estendem a todo o conflito juridicamente qualificado e, portanto, também ao litígio.
122. Pretensão
a) Já se disse que o conflito de interesses se converte em litígio em virtude de uma atitude específica das
partes, uma das quais pretende, enquanto a outra resiste à pretensão.
A noção da pretensão já foi esboçada na introdução (nº 14), onde a defini como a exigência da subordinação
de interesse alheio a um interesse próprio.
Esta noção é o resultado de uma ampla elaboração. Como tal exigência a formula, geralmente, o titular do
direito, as primeiras observações induziram a acreditar que se tratava de um elemento ou, pelo menos, de uma atitude do
direito subjetivo, que se determinava frente à sua violação ou à ameaça dela; os alemães deram-lhe o nome de Anspruch,
e os italianos traduziram algumas vezes por pretensão, outras por razão. Os dois conceitos, direito
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e pretensão, essencialmente distintos, contudo acabaram por mostrar suas diferenças.
b) Igualmente trabalhosa foi a diferenciação do conceito de pretensão frente ao de ação; enquanto, como
veremos, cabe considerar hoje em dia suficientemente consolidada a distinção entre direito e ação, ou melhor: entre
direito subjetivo material e direito subjetivo processual (infra, nº 356), é bastante menos clara, inclusive nas regiões
superiores da ciência, a que se interpõe entre ação e pretensão. Com maior razão, a confusão entre estes dois termos
domina a linguagem da lei e da prática, em que o conceito de pretensão se expressa quase sempre e de maneira imprópria
com a palavra ação (por exemplo: art. 70 e segs., art. 134, nº 2 do Código de Procedimento Civil). Mas o critério desta
distinção não poderá ser esclarecido a não ser mais tarde, quando chegar o momento de esboçar o conceito de ação como
direito subjetivo processual (nº 356).
c) A pretensão é um ato e não um poder, ou seja, algo que o titular do interesse faz, e não algo que tem; uma
manifestação e não uma superioridade do seu querer.
Mas não apenas um ato e, por isso, uma manifestação, a não ser também uma declaração de vontade,
segundo o conceito que desta se deu no nº 24. Mediante isto, o agente não leva a efeito, imediatamente, a finalidade
prática que se propõe, ou seja, o prevalecimento de seu interesse, mas declara querer obtê-lo. O resultado desta análise da
pretensão para a teoria geral do Direito consiste em mostrar que a teoria dos atos jurídicos não deve ser elaborada apenas
à relação jurídica, mas também a respeito das demais espécies de conflito juridicamente transcendentes e, especialmente,
que a declaração de vontade encontra-se também em hipóteses diversas do negócio e do provimento.
d) Tal ato não apenas é direito, mas que nem sequer o supõe. A pretensão pode se formular por quem tiver
o direito, mas também por quem não o tiver: tanto pretensão é a pretensão fundada como a infundada.
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e) Da mesma forma que pretensão não supõe o direito, tampouco este requer necessariamente aquela. Pode
haver pretensão sem direito e direito sem pretensão. Por isso, como fenômeno inverso ao da pretensão infundada,
encontramos o do direito inerte.
123. Razão
a) O lento e fecundo trabalho de anatomia que tende a separar o litígio do processo, assim como seus
respectivos elementos, que na realidade apresentam-se entrelaçados, como nervos, músculos e vasos do corpo humano,
não terminou ainda quando na noção de litígio conseguimos isolar seu elemento central, ou seja, a pretensão. A noção
desta se presta, fora de dúvida, a uma análise ulterior, sem a qual não encontrará sua perfeita explicação uma boa
quantidade de fenômenos processuais.
A exigência da subordinação de um interesse alheio a um interesse próprio pode dar-se sem que quem a
formular diga e, inclusive, sem que saiba a razão da mesma. A pretensão sem fundamento nem por isso deixa de ser
pretensão. E até pode obter êxito, quando vier amparada pela força de quem a deduzir ou simplesmente quando se
prevalecer do medo ou da bondade contra quem se formule. Mas no campo do Direito, teremos de reputá-la como uma
pretensão inerme e inútil. Daí que a arma com que a pretensão atue no campo do direito seja a razão.
b) Também a palavra razão foi, por infelicidade, empregada pela ciência do Direito, e continua sendo, em
diferentes concepções, e disso resultam uma ambigüidade e uma confusão perigosa e lamentável. Mas contra esse
inconveniente, inseparável do progresso da ciência, que não se realiza a não ser através de incertezas e tentativas, não há
mais que ter paciência e tenacidade. Com freqüência, sobretudo, razão se utiliza em lugar de pretensão, tanto no
significado antigo quanto no mais moderno desta. Diante de tal uso, eu já disse o suficiente entre distinguir a pretensão do
que a sustenta e, portanto, no que há de mais na pretensão sem razão, comparada com a pretensão razoada; e o que há de
mais,
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é precisamente a razão. Além disso, de “razão da ação” (e aqui ação se emprega como sinônimo de pretensão, coisa que
ocorre com muita freqüência na lei), fala-se corretamente no art. 134, nº 2, Código de Procedimento Civil.
A razão (da pretensão) é a afirmação da tutela que a ordem jurídica concede ao interesse cujo
prevalecimento se exige; ou em outras palavras: a afirmação da conformidade da pretensão com o direito (objetivo).
c) A afirmação do direito é uma declaração, não uma opinião. Por conseguinte, a razão consiste em dizer,
e não em acreditar, que o direito existe. Afirmação e opinião do direito podem coincidir; então se tem a razão e, portanto,
a pretensão de boa-fé; mas também podem divergir, já que pode interpor-se opinião do direito sem afirmação (opinião
inerte do direito), assim como afirmação sem opinião (pretensão de má-fé).
d) A pretensão, mais do que a afirmação do direito, é afirmação da tutela que a ordem jurídica concede ou
deve conceder a um determinado interesse. Esta fórmula é mais exata porque compreende tanto o caso em que a tutela se
pretenda sob a forma do interesse protegido e não do direito subjetivo (supra, nº 11), quanto o de que se pretenda por meio
do processo dispositivo e se refere, por isso, não a uma relação já existente, mas a uma relação por constituir (supra, nº
40): no primeiro destes dois casos, afirma-se, de fato, a existência de uma relação jurídica, mas não de um direito
subjetivo; no segundo, nem sequer se afirma que uma relação jurídica exista, mas que deve ser constituída.
e) Se a exigência da subordinação de um interesse alheio ao próprio, em que a pretensão consiste em
combinar-se com a afirmação da tutela competente para o interesse próprio, em que consiste a razão, deriva disto uma
atitude que se expressa corretamente com a fórmula do art. 35, do Código de Procedimento Civil, como “fazer valer o
direito” e que significa, exatamente,
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exigir o prevalecimento de um interesse que se afirma como direito; esta fórmula não alude, pois, unicamente à pretensão,
nem só à razão, mas a ambas de uma vez.
f) Posto que a tutela jurídica se traduz na atribuição de determinados efeitos a determinados fatos (supra, nº
23), a razão traduz-se, por sua vez, necessariamente, na afirmação do efeito em que a tutela se concretiza na afirmação do
fato de que a tutela descende. E preciso levar em consideração, como na realidade fizeram a prática e a lei, esta
decomposição da razão, distinguindo como elementos dela os motivos e as conclusões; os motivos são a indicação dos
fatos jurídicos que a sustentam, a pretensão e as conclusões, a indicação dos efeitos que lhe correspondem. A distinção
estabelece-se com claridade suficiente no art. 176, do Código de Procedimento Civil, para o escrito (comparsa)
conclusivo e pelo art. 360, nºs 6 c 7, para a sentença, com a advertência, com respeito a este último, de que nele as
conclusões recebem o nome especial de (parte) dispositiva (nº 7).
g) Se a razão é a afirmação do direito subjetivo, compreende-se que os conjuntos das razões preste-se a ser
classificado como o conjunto dos direitos ou, mais exatamente, como o conjunto das relações jurídicas. O mesmo que de
direitos, se fala, neste sentido, de razões pessoais ou reais, mobiliárias ou imobiliárias, materiais ou processuais. Outro
tanto cabe dizer das pretensões, quando a razão se considerar juntamente com a pretensão, e se pensar, portanto, na
pretensão qualificada pela razão; por outro lado, fica bem claro que esta classificação ad instar dos direitos é possível
unicamente para as pretensões razoadas; quando, pelo contrário, contemplar-se apenas a pretensão em si, sem a razão,
então é necessariamente indistinta.
Portanto, quando o art. 90 e segs. do Código de Procedimento Civil falam de ações pessoais ou reais,
mobiliárias ou imobiliárias, deve-se traduzir em linguagem científica por pretensão fundada em razões pessoais ou reais,
sobre bens móveis ou imóveis. A confusão entre ação, pretensão e razão, que são três conceitos distintos, começa apenas
agora a ser esclarecida com os
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instrumentos da mais moderna ciência do processo, e é natural, portanto, que domine ainda nosso antigo Código
Processual.
h) Dediquemos um momento de atenção à razão processual, que é a afirmação da tutela acordada ao
interesse de quem pretender por meio do processo. Lembremo-nos a este propósito que se o processo opera para o
desenvolvimento do interesse (externo) quanto à composição do litígio conforme justiça, dele deriva necessariamente a
tutela do interesse de uma das partes (supra, nº 76) e nisso consiste exatamente o segredo do movimento (infra, nº 133).
Compreende-se, portanto, que a pretensão pode ir acompanhada não apenas de uma razão material, mas também de uma
razão processual, melhor dizendo, assim tem de acontecer quando, em lugar de formular extrajudicialmente, a pretensão
se deduza no processo: quando Tício fizer valer contra Caio um direito em juízo, afirma necessariamente não apenas que
Caio lhe deve algo e sim também que esta alguma coisa deve lhe ser reconhecida ou obtida por meio do processo. Sempre
que se discutir uma razão processual, nasce, exatamente, uma questão processual (infra, nº 127), e pode ser suficiente esta
para alimentar um litígio (de pretensão discutida): por exemplo, Caio não discute sua dívida para com Tício, mas a
penhorabilidade de um bem que Tício quer lhe expropriar; em tal caso, o litígio entre Tício e Caio era apenas de lesão, não
de discussão da pretensão (infra, nº 129), mas o que incendiou imediatamente o litígio da segunda espécie foi exatamente
o processo; o litígio de discussão (da razão) processual, que do mesmo deriva, parece-se com as enfermidades secundárias
determinadas pelo emprego de certos remédios.
i) Quando se contemplar o mecanismo da tutela jurídica, que opera associando determinados efeitos (no
último extremo, a atuação das sanções) a determinados fatos chamados por isso fatos jurídicos (supra, nº 23), parece claro
que afirmar que a tutela compete a um determinado interesse se traduz em afirmar um falo ou um grupo de fatos e, em
segundo lugar, uma norma ou um grupo de normas das quais derive sua tutela. Conforme estas reflexões, as razões se
distinguem em razões de fato e em razões de direito; entretanto, mais exato que falar de razões seria
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fazê-lo de elementos, de fato ou de direito, da razão; neste sentido, o art. 134, nº 2, fala dos “atos em compêndio” e dos
“elementos de direito que constituem a razão e a ação” (rectius, da pretensão).
124. Pretensão discutida e pretensão insatisfeita
a) Também acerca da resistência à pretensão consignamos algumas idéias gerais na introdução (supra, nº
14).
A resistência pode consistir em que, apesar de não lesionar o interesse, o adversário discuta a pretensão, ou,
pelo contrário, que sem discutir a pretensão, lesione o interesse. No primeiro destes casos fala-se de pretensão discutida, e
no segundo, de pretensão insatisfeita. Pode, também, acontecer que a resistência se desenvolva sobre ambas as linhas, no
sentido de que a pretensão resulte imediatamente insatisfeita e discutida: este é o caso de quem não pagar o crédito que se
lhe reclama, porque afirma que não deve pagar.
b) A diferença entre as formas de resistência é simples; as duas são formas de comportamento, mas a
primeira consiste em uma declaração, e a segunda em uma realização (attuazione) da vontade: o devedor que discute, diz
que não quer cumprir; em outro caso, pelo contrário, não cumpre.
125. Discussão da pretensão
a) A noção de discussão (da pretensão) é análoga e complementar à da pretensão. Consiste na negação da
subordinação do interesse próprio ao interesse feito valer por meio da pretensão.
Não é, pelo contrário, exigência da subordinação do interesse alheio. Nisso consiste a diferença entre
pretensão e discussão: esta é uma atitude simplesmente negativa; enquanto quem pretende, opera como se tivesse um
direito, quem discute a pretensão reclama apenas sua liberdade (supra, nº 21).
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b) O inverso da discussão é a adesão ou reconhecimento da pretensão. Quando se produzir a adesão, o
sujeito passivo da pretensão submete-se à exigência do sujeito ativo. Por isso, enquanto a discussão inflama o litígio, a
adesão o apaga (supra, nº 56).
126. Razão da discussão
a) Tanto a pretensão quanto a discussão são independentes de sua razão; pode-se discutir uma pretensão
sem dizer nem saber porquê. Coisa distinta é se semelhante discussão tem eficácia no campo do Direito.
b) O conceito de razão da discussão é complementar do de razão da pretensão: negação, em lugar de
afirmação, do direito e, portanto, negação, não da pretensão, mas de sua razão.
c) A mesma coisa que a firmação de tutela inerente a um interesse, sua negação se traduz também em juízos
sobre a existência dos fatos jurídicos de que dependa a tutela. Entretanto, quando esta noção se desenvolver,
observaremos que apresenta com respeito à discussão maior complexidade do que com respeito à pretensão.
α) Se a razão da pretensão consistir na afirmação da norma ou do fato de que deriva a tutela, seu objeto é o
que se chama a constituição de um efeito jurídico, ou seja, uma norma e um fato de natureza constitutiva (supra, nº 23).
Para a discussão pode ser suficiente que a parte contrária negue a existência de tal norma ou de tal fato.
Semelhante razão se mantém no campo puramente negativo e recebe o nome de defesa. Tem-se presente que tal noção de
defesa não é complementar à de pretensão, e sim, pelo contrário, da de razão da pretensão: quem se defende, mais do que
discutir a pretensão, dá razão da discussão.
A distinção da defesa em defesa de fato e defesa de direito é nitidamente paralela à distinção análoga feita
sobre a preten-
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são. Tampouco há necessidade de acrescentar que, da mesma forma que a razão da pretensão, a defesa pode ser material
ou processual, conforme se afirma a inexistência da norma ou direito em que consista a razão material ou processual
(supra, nº 123).
β) Pode acontecer que a razão da discussão consista em algo diverso da pura negação da norma e do fato
constitutivo. Esta possibilidade explica-se pela existência de outras categorias de fatos jurídicos, além dos fatos
constitutivos; tais são os fatos extintivos e as condições impeditivas ou modificativas (supra, nº 23). Aquele contra quem
se pretender o pagamento do preço de uma venda e compra, pode discutir a pretensão, tanto negando que o contrato se
tenha celebrado jamais, quanto afirmando que o contrato é nulo por erro, ou, enfim, que o preço já tenha sido pago.
Esta segunda razão da discussão é a exceção. E da mesma forma que a razão com respeito à pretensão,
assim também a exceção distingue-se da discussão: quem excepcionar, nem tanto discutirá a pretensão alheia, quanto
aduzirá uma determinada razão para discuti-la.
Portanto, a exceção não se pode considerar nem como um contradireito nem como uma contrapretensão:
tem tão pouco de direito, material processual, quanto à pretensão; e, por sua vez, tem tão pouco de contrapretensão,
quanto de pretensão à discussão da pretensão. A exceção não é mais que uma razão. Mas é uma razão da discussão,
diferente da defesa. A diversidade consiste em que a exceção desloca, e a defesa não, a contenda do campo em que se
contém a razão da pretensão, ou seja, das normas e dos fatos em que se funda a pretensão.
A exceção, como a defesa, pode ser material ou processual, sem que seja necessário esclarecer o
significado da distinção (supra, nº 123). Pelo contrário, não se distingue, como acontece com a defesa, em exceção de
direito ou de fato, porque a exceção, ao afirmar um fato extintivo ou uma condição impeditiva ou modificativa, supõe,
necessariamente, juntamente com um fato, na norma que atribua a eficácia de extinguir, de impedir ou de modificar um
efeito jurídico.
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127. Questão
a) Da análise acerca dos conceitos de razão, de pretensão e contestação surge outra noção, que é necessário
explicar, com o objetivo de poder entender o mecanismo do processo. Essa noção é a questão.
Quando uma afirmação compreendida na razão (da pretensão ou da discussão) possa engendrar dúvidas e,
portanto, tenha de ser verificada, converte-se numa questão. A questão pode-se definir, pois, como um ponto duvidoso, de
fato ou de direito, e sua noção é correlativa da afirmação (infra, nº 151).
b) Quais sejam as condições necessárias para que surja a dúvida ou, mais exatamente, para que as
afirmações tenham de ser verificadas, não ainda o momento de expô-la (infra, nº 282); aqui é suficiente indicar que nem
sempre se requer para tal finalidade a dissensão entre as partes, pelo que a noção de questão não coincide com tal
dissensão.
Mas mesmo que coincidisse, nem por isso seria menos clara a diferença entre a questão e o litígio, posto que
a primeira consiste em um conflito, não de interesses, mas de opiniões.
c) Posto que a decisão do litígio ou, melhor, a decisão sobre a pretensão ou sobre a discussão obtenha-se
resolvendo as questões (supra, nº 92), as questões resolvidas convertem-se em razões da discussão; portanto, os conceitos
de razão e de questão guardam estreita correlação: as razões da pretensão ou da discussão transformam-se em questões
(do processo) e estas se traduzem em razões (da decisão).
128. Contrapretensão
a) Pode acontecer que, frente à pretensão, a parte contrária, em lugar ou além de discuti-la, formule, por sua
vez, com respeito ao mesmo conflito de interesses uma pretensão. Esta é a contrapretensão.
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A característica peculiar da contrapretensão consiste em que uma pretensão se refira ao mesmo conflito de
interesses com respeito ao qual se deduza uma pretensão oposta. Há, portanto, duas pretensões em um mesmo conflito e,
por isso, em um mesmo litígio.
A pretensão é condição sine qua non para que exista o litígio; mas este pode apresentar também duas
pretensões (recíprocas).
Quando houver adesão à pretensão, uma parte reconhece o direito afirmado pela outra. Quando houver
discussão, uma parte desconhece a própria obrigação e, portanto, o direito da parte contrária, mas não afirma o próprio
direito. Quando houver contrapretensão, uma das partes não só desconhece a própria obrigação mas que afirma o próprio
direito e, portanto, a obrigação da parte contrária.
b) A contrapretensão está, por conseguinte, no mesmo plano que a pretensão e que a discussão e, portanto,
em plano distinto da defesa e da exceção. A estas corresponde a razão da contrapretensão, que não é mais que razão de
uma pretensão.
129. Lesão da pretensão
a) Diferentemente da discussão e da pretensão, a lesão não consiste em uma declaração, mas em uma
realização de vontade e, portanto, em uma conduta da parte contra a qual se pretende, apta para lesionar o interesse cujo
respeito se exige.
b) Assim como a pretensão se parece com o direito, assim também a lesão da pretensão apresenta a mesma
figura do ato ilícito, com esta única diferença: que tem seu próprio aspecto exterior, mas sem que seja necessária a
existência da obrigação para a tutela do interesse lesionado. Entre as duas noções se interpõe a mesma diferença que
separa a pretensão do direito (subjetivo), ou melhor: do interesse protegido; na realidade, o pressuposto da lesão aqui
considerada é a exigência do respeito, e não a realidade da tutela do interesse lesionado.
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c) Por isso, a conduta lesiva poder ser tanto positiva quanto negativa, e, por isso mesmo, consiste tanto em
um fazer quanto um omitir, conforme a obrigação afirmada na pretensão requeira para ser cumprida uma omissão ou uma
comissão. Se alguém pretender ser pago por outro, e este não pagar, ou se pretender ser proprietário de uma coisa móvel,
e outro a tomar: eis aqui, respectivamente, dois exemplos de lesão da pretensão omissiva ou comissiva.
130. Identidade do litígio
a) A identidade do litígio resulta, como é natural, da identidade de seus elementos: sujeitos, objeto,
pretensão. Se um dos três elementos variar, desaparecerá a identidade.
Esta identidade encontra-se prevista pelo art. 1.351 Código Civil (supra, nº 95).
b) O art. 1.351, ao dizer que a demanda terá de ser “entre as mesmas partes e proposta por elas e contra elas
na mesma qualidade”, mostra que considera como parte o titular da pretensão, cuja qualidade consiste em que a deduza
por si ou por meio de outra pessoa (supra, nº 20); esta fórmula da lei desmente, em primeiro lugar, que seja considerado
como parte o sujeito do interesse, posto que a qualidade em que ou pela qual se atua não é referente a ele, mas ao titular da
pretensão; mas desmente, de igual forma, que parte seja apenas este último, posto que se a parte não for mais aquela
quando mudar a qualidade (ou seja, em substância, quando mudar o titular do interesse), até o ponto em que a identidade
da parte dependa também desta, é evidente que o conceito abarca da mesma forma ao que declarar a vontade do que
aquele a quem pertencer o interesse para cuja tutela se declara a vontade.
c) A “coisa demandada” é, por sua vez, o objeto do litígio, ou seja, o bem contendido (supra, nº 121). A
paráfrase desta palavra do art. 1.351 se encontra no nº 3 do art. 34, ao falar da “coisa que constitua (forma) ou objeto da
demanda”. Pelo contrá-
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rio, que por coisa demandada não seja cabível entender a pretensão, que forma o conteúdo da demanda, resulta da
comparação dos nºs 2 e 3 do art. 34, onde, exatamente, distinguem-se a coisa demandada e as conclusões da demanda, as
quais contendiam as razões de pretensão.
Nunca se insistirá bastante acerca de que uma coisa é o objeto do litígio, ou seja, o bem contendido, e outra
o objeto da demanda, ou seja, o efeito jurídico que se requer ao juiz que declare ou constitua: primeiro, como dissemos,
alude o art. 1.351 do Código Civil quando fala de coisa demandada (ou melhor ainda, se o legislador tivesse sabido
separar o litígio do processo, de coisa controversa); se refere, pelo contrário, ao segundo o art. 98, que ao distinguir entre
o objeto da demanda, considera exatamente a este último conclusão [supra, nº 123; infra, nº 150).
d) Por último, o art. 1.351 fala de “causa da demanda”; quem pensar que a demanda é o ato com o qual se
provoca a intervenção do órgão judicial (pelo que não se pode ter, para quem a formular, causa diversa do litígio), mas que
os outros dois elementos, subjetivo e objetivo, do litígio se consideram mais na própria fórmula ou separado, não pode
deixar de concluir que por causa da demanda entende a lei de pretensão, ou seja, o prevalecimento da subordinação com
respeito aos dois interesses no conflito. Causa petendi é, pois, a pretensão que provoca a demanda, e não a razão que
sustenta a pretensão. Para nós, que estamos isolando o litígio do processo, a pretensão tem de ser considerada mais do que
como causa da demanda, como causa do litígio; o conflito se converte em litígio entre as duas partes com respeito a um
bem precisamente por causa da pretensão; destarte, a identidade do litígio se traduz na identidade dos três elementos:
subjetivo, objetivo e causal.
Em torno do conceito da causa, a mesma forma e mais ainda em torno ao objeto do litígio, devem evitar-se
com todo cuidado os equívocos, entre os quais o mais grave e o mais comum consiste em confundir o que o art. 1.351
chama de "causa da demanda", com o que, pelo contrário, o art. 98 designa como "título ou fato de que a demanda
depende". Este último, não é
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tanto a pretensão quanto a razão, ou melhor dizendo: uma parte desta, à qual demos o nome de motivo (supra, nº 123).
Supondo, por exemplo, que Tício atue em juízo para que se lhe reconheça a propriedade de um imóvel que sustenta ter
comprado, teremos que: a) pretensão (causa da demanda) é a exigência de que seu interesse quanto ao desfrute do fundo
prevaleça sobre a de todos os demais, b) objeto da pretensão ou do litígio (coisa demandada) é o imóvel, c) motivo (título)
da demanda é o contrato da venda e compra, d) conclusão (objeto) da demanda é o efeito jurídico consistente na
transferência da propriedade.
e) Não é, pelo contrário, elemento essencial do litígio e, portanto, não tem transcendência para sua
identidade, a razão da pretensão; tanto não é elemento essencial, que, como já observei, pode ter pretensão, e assim
mesmo discussão, sem razão. Por isso, fixados os elementos essenciais agora lembrados, a mudança da razão não
determina a mudança do litígio. O litígio entre Caio, que pretende a propriedade de um imóvel, e Tício, que a discute, será
sempre o mesmo, mesmo quando Caio aduzir como fundamento de sua pretensão a venda, a doação, a herança ou a
ocupação. Em resumo, a identidade do litígio determina a identidade da relação jurídica deduzida na pretensão, e não o
fato jurídico aduzido para sustentá-lo.
Isso não quer dizer que a razão seja intranscendente às finalidades do processo; pelo contrário, como
veremos e como já em parte se viu, dela deriva, antes de tudo, a limitação do processo e, portanto, a limitação da eficácia
da sentença (supra, nº 95); mas se a razão marcar os confins do processo, não tem, pelo contrário, nada que ver com n
identidade do litígio.
1 3 1 . Conexão entre os litígios
a) Outra noção, que convém levar em consideração para o conhecimento do conteúdo do processo, é a de
conexão entre os litígios.
Em geral, são conexos os litígios quando, não obstante ser diversos, tenham um ou mais elementos comuns.
Levando agora
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em consideração a classificação destes últimos, a noção daquela se traduz logicamente em três subespécies:
α) conexão pessoal, quando pelo menos uma das partes de dois ou mais litígios for idênticas;
β) conexão real, quando for idêntico o bem contendido;
γ) conexão casual, quando, por último, for idêntica a pretensão.
b) Junto a estas três subespécies, que podem ser resumidas na noção da conexão material, existe, além
disso, outra, à que darei o nome de conexão instrumental. Prescindindo de um ou mais dentre seus elementos essenciais,
pode acontecer que dois ou mais litígios sejam de tal natureza que sirvam para sua composição os mesmos instrumentos.
Isso quer dizer:
α) quando se tratar de litígios com pretensão discutida, que requer o processo de conhecimento, as mesmas
razões (supra, nº 123) e as mesmas provas (infra, nº 279), e
β) quando, pelo contrário, se tratar de litígio com pretensão insatisfeita, à qual sirva o processo de
execução, os mesmos bens (infra, nº 330).
Mais adiante, a propósito do processo acumulativo (infra, nº 367) e da competência (infra, nº 253), veremos
qual seja o valor prático da conexão instrumental. Por agora, prosseguindo a análise do conceito, observaremos que
enquanto a conexão instrumental quanto aos bens é um conceito simples, a relativa às razões se traduz, por sua vez, em
outras duas subespécies, que correspondem aos elementos da razão: motivo e conclusão (supra, nº 123), e às quais alude
o art. 98 quando distingue a conexão "pelo objeto da demanda" e a conexão "pelo título ou fato de que depende". A
primeira destas duas normas pode ser designada eficazmente como conexão final; pelo contrário, a segunda não pode ser
chamada de conexão causal, sob pena de ser confundida com a outra subespécie indicada (sub a), ou seja, sem incorrer no
equívoco entre causa e título da demanda (supra, nº 130), o melhor, portanto, é utilizar a expressão do art. 98: conexão
pelo objeto ou pelo título.
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c) Estas são as espécies distintas em que, logicamente, manifesta-se a conexão dos litígios. Quer concorra
apenas um quer mais de um motivo de conexão, a medida ou a intensidade da mesma também variará.
Isso não quer dizer que qualquer que seja sua espécie ou sua medida, a conexão tenha transcendência para o
processo. Porém, tampouco existe uma regra única que estabeleça para todos os efeitos tal espécie ou tal medida. Pelo
contrário, tanto em matéria de acumulação processual (infra, nº 367 e segs.), quanto em matéria de competência
secundária ou eventual (infra, nº 253 e segs), existem normas especiais, que atribuem determinados efeitos a certas
formas de conexão.
Notas aos nºs 117 a 131
Ao nº 120: a) Conforme dissemos na nota ao nº 12 a, também nossa legislação designa, às vezes, como
partes ou sujeitos do contrato.
e) § ε) Acerca da oposição do Ministério Fiscal do Processo Penal Espanhol, vejam-se as notas aos nºs 11 e
e 79 j. As hipóteses de substituição processual do art. 1.234 do Código Civil italiano correspondem com a do 1.111 do
nosso.
Ao nº 122 a): A palavra pretensão, mesmo que não seja de uso constante, é empregada pela Lei de
Ajuizamento Civil, entre outros, nos artigos seguintes: 372, nº 2 (fórmula das sentenças), 805 a 808 (juízo de árbitros) e
1.692, nºs 2 e 3 (motivos de cassação de mérito), nos quais pretensão engloba meios de ataque e de defesa, enquanto nos
arts. 7º e 12 (juramento de contas), 359 (conteúdo da sentença), 465 (demanda de conciliação), 548 (escritos de réplica e
duplica), 720 (demanda do juízo verbal), 747 (demanda incidental), 991 (aspirantes à herança) e 2.152 (descarregamento
de efeitos mercantis) estendem-se tão apenas aos primeiros.
Ao nº 123 a), b) e f): A idéia de razão tem seu correspondente na Lei de Ajuizamento Civil da
fundamentação, exigida
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para determinados atos de órgão (autos: art. 371; sentenças: art. 372) ou das partes (demanda: art. 524; contestação: art.
540; escritos de conclusão: art. 670; recursos de cassação: arts. 1.692 e 1.693; e revisão: art. 1.796). O deslinde entre os
motivos (ou fundamentos por antonomásia) e a conclusão da razão aparece com toda clareza no art. 372, que denomina de
decisão à segunda (veja se a nota ao nº 92 d), assim como na linguagem e escritos forenses é designada como súplica (não
confundir com o recurso de igual nome: art. 402), quando traduz e condensa uma petição da parte.
e) Acerca do art. 35 do Código Processo Civil italiano, veja-se a nota ao nº 22 g.
Aos nºs 122 b) e 123 g): A confusão entre pretensão e ação manifesta-se, por exemplo, nos arts. 62 e 63,
489, nº 6, e 497, nº 2 da Lei de Ajuizamento Civil. Mais dados nas notas aos nºs 356 a 358.
Ao nº 123 i) Confira os arts. 372 e 524 da Lei de Ajuizamento Civil.
Aos nºs 124-6: Mesmo quando a Academia Espanhola admitir, por obra de uma inexplicável debilidade
galicista, que contestacão é, em uma de suas acepções, sinônimo de "altercação ou disputa", e amparados por sua
autoridade poderíamos optar neste caso por uma tradução literal, a realidade é que, na Espanha, "contestação" tem um
significado usual e forense muito distinto de contestação francesa, e de contestazione italiana. Com efeito, salvo nos arts.
487 e 2.126 da Lei de Ajuizamento (em relação com o 367 do Código Comercial), em que contestação é sinônimo de
litígio (outro tanto acontece nos arts. 10 do Decreto-Lei de unificação de Foros de 1868 e 353 e 367 do Código
Comercial), nos demais (por exemplo, arts. 503 e 504, 506, 530 a 532, 535, 539 a 546, 548, 683 a 684, 687), contestação
é a resposta à pretensão, ou, com maior exatidão, à demanda, que pode conter várias pretensões (confira, art. 153 e segs.
e nº 369 c) e à qual nos referimos por ser a Lei de Ajuizamento a única que se ocupa do conceito. Certo que a julgar pelo
modo de se expressar a Lei em seus arts. 542 a 544 e 687, essa resposta parece ter de
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implicar necessariamente em discussão (ou "debate": art. 359) da pretensão; mas nem sempre acontece dessa forma, visto
que a contestação pode consistir em uma aceitação da demanda (confira nota 56; veja-se também o nº 80 b), e mesmo sem
chegar tão longe, conter um reconhecimento – expressou tácito, total ou parcial – dos elementos de fato da razão da
pretensão (confira nº 123 i; veja-se arts. 549 e 690 e 691 da Lei de Ajuizamento Civil). Os próprios arts. 542 a 544, 548 e
687 puderam dar também a enganosa impressão de que a contestação apenas cabe levantando exceções ou
transformando-a em reconvenção; mas desnecessário dizer que pode consistir da mesma forma na simples defesa e
confiar o êxito a que o sujeito da pretensão não acredite na existência da norma ou no fato, que o sujeito da contestação
nega (confira art. 1.214 do Código Civil). Por tais razões, e eliminada também impugnação (por ter no Direito Processual
um significado peculiar e prevalente: confira nºs 152, 164, 555, 566 e segs), acreditamos que a tradução correta de
contestazione é discussão e que, por conseguinte, pretensa contestada tem de ser vertida por pretensão discutida, sem que
o emprego, de discussão em outro sentido dentro do Sistema (confira nºs 624, 653 e 693 a 697) se oponha à solução aqui
adotada, conforme esclareceremos nas notas oportunas.
A Lei de Ajuizamento Civil não classifica as exceções em materiais e processuais (ou seja, por razão de sua
natureza jurídica), a não ser em dilatórias e peremptórias (ou seja, em atenção à sua posição com respeito ao
pronunciamento de mérito), como revelam os arts. 532, 542, 544 e 687; mas isso não é obstáculo para que, na maioria dos
preceitos que contém listas delas (confira arts. 533 a 534, 1.149, 1.221, 1.464 a 1.466 e 1.551) apareçam misturadas, sem
ordem nem concerto, exceções materiais ou processuais.
Ao nº 127: O termo questão, no sentido de ponto duvidoso por verificar, que lhe dá Carnelutti, o
encontramos nos arts. 371 ("a fórmula dos autos"... se limitará "à questão que se decida..."), 372 ("questões que tenham de
ser resolvidas" na sentença), 1.729, nº 5 (questões não debatidas no pleito). Pelo contrário, o plural "questões" do art. 487,
nº 2, significa processos, e no
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art. 790 "questões litigiosas" eqüivale a litígios; confira também os arts. 741 e 742: "questões incidentais".
Ao nº 128: Mesmo quando a contrapretensão se diferenciar da reconvenção, à afinidade de ambas
aconselha-se refundir esta nota com a do nº 375, em que se examina a segunda.
Ao nº 130: Confira acerca do art. 1.351 do Código Civil italiano a nota conjunta a diferentes números da
série 90 a 107. Quanto aos arts. 98 e 134 do Código de Procedimento Civil italiano, necessitam de concordância exata na
Lei de Ajuizamento, mesmo guardando relação com o primeiro os arts. 156 e 162, e com o segundo, o 524 e segs. desta.
Ao nº 131: Diferentemente da Lei de Ajuizamento Penal (arts. 16 a 18), a Lei de Ajuizamento Civil não fala
em conexão (ou seja, a causa), e sim em acumulação (ou seja, o efeito) que divide em de "ações" (arts. 153 a 159) e de
"autos" (arts. 160 a 187) [acerca desta nomenclatura, veja-se a nota, nº 369 c). As três subespécies de conexão (pessoal,
real e causal) têm assento no art. 162 da Lei de Ajuizamento Civil. Nas notas aos nºs 253, 255, 363, b e d, 365 e 369 c
serão completadas estas informações.
[...].