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    ENTRE O PASSADO E O PRESENTE: MIL ANOS DE HISTRIA INDGENA NO ALTO XINGU

    Neste texto, irei apresentar alguns resultados da pesquisa

    que vimos desenvolvendo no Alto Xingu, mais especificamente entre

    os Kuikuro, reunindo trabalhos arqueolgicos coordenados porMichael Heckenberger, lingsticos coordenados por Bruna

    Franchetto e etnogrficos dirigidos por mim. A pesquisa rene

    escalas temporais e problemas terico-metodolgicos heterogneos,

    mas procura concentrar-se em algumas questes empricas comuns,

    de modo a tornar comensurveis os dados provenientes de cada

    uma dessas disciplinas. Aqui focalizarei os problemas relativos hierarquia e ao poder, procurando comparar os dados arqueolgicos

    com aqueles etnogrficos. Para que melhor se compreenda o

    problema, farei uma breve apresentao do modelo doHandbook

    of South American Indians (doravante HSAI), que dominou nosso

    imaginrio sobre a Amaznia at recentemente, procurando explicar

    a razo de seu atual esgotamento. Em seguida, farei uma sntesedo que sabemos sobre a pr-histria do Alto Xingu para, ento,

    falar do perodo de formao do sistema multitnico. Por fim,

    procurarei vincular essa histria a uma visada do presente.

    Um modelo em crise4

    O nico modelo geral sobre as sociedades indgenas da

    Amrica do Sul de que dispomos aquele proposto por Julian

    Steward no HSAI, publicado entre 1946 e 1950. A classificavam-

    se as formaes sociopolticas sul-americanas em quatro grandes

    tipos, hierarquizados em funo da complexidade. Essa tipologia

    fundava-se em uma associao estreita entre ecologia, modo deproduo e organizao sociopoltica, e possua uma

    correspondncia geogrfica. No topo, vinham as civilizaes da

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    costa do Pacfico e dos Andes Centrais: populaes densas,

    sistemas intensivos de produo agrcola, criao extensiva de

    animais, aparelho estatal sofisticado, estratificao social,especializao e desenvolvimento de tcnicas como a metalurgia.

    Na base, estavam os povos marginais, um conjunto heterogneo

    de sociedades definidas por possurem uma tecnologia rudimentar,

    retirando seu sustento em ambientes inspitos por meio da caa e

    da coleta. Entre esses dois tipos, tnhamos, na camada superior,

    uma formao social posteriormente chamada de cacicado caracterizada pelo desenvolvimento incipiente de centralizao

    poltico-religiosa, estratificao em classes e intensificao

    econmica. Logo abaixo, vinham as tribos da floresta tropical:

    horticultores com aldeias permanentes, mas sem instituies

    propriamente polticas. Organizadas pelo parentesco, sem poder

    poltico ou religioso destacados, seriam marcadas por forteigualitarismo.

    Essa sntese continental dominou os estudos amaznicos at

    pouco tempo. Antroplogos e arquelogos das mais diversas

    correntes tericas aceitaram grosso modo a caracterizao

    stewardiana sobre a cultura da floresta tropical. Aqueles de

    formao materialista e ecofuncionalista buscaram explicar, por meio

    de alguma determinao material, o porqu de no terem surgido

    sociedades estratificadas e hierarquizadas na Amaznia.5 Na outra

    ponta, autores de inspirao estruturalista e culturalista tenderam a

    ver o igualitarismo renitente dos povos indgenas da Amaznia sob

    um prisma positivo: no como falta ou atraso, mas como o produto

    de um desiderato sociolgico ou ontolgico idia expressa na

    forma mais acabada pela imagem da sociedade contra o Estado

    de Pierre Clastres. Em ambos os casos, hierarquia, poder,

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    ENTRE O PASSADO E O PRESENTE: MIL ANOS DE HISTRIA INDGENA NO ALTO XINGU

    estratificao, mesmo incipientes, no pertenceriam (nem poderiam

    pertencer) ao mundo amaznico, passado ou presente.

    Nas duas ltimas dcadas, esse imaginrio do HSAI parece

    ter-se esgotado. Alguns de seus problemas foram logo notados,

    mas ainda assim ele se manteve como modelo dominante at os

    anos 1980, quando uma srie de evidncias contrrias j haviam se

    acumulado.6 Essas evidncias resultam de um conjunto de trabalhos

    em etnologia, arqueologia, demografia histrica, ecologia, que, em

    linhas gerais, apontam para os seguintes fatos: primeiro, para uma

    maior diversidade ecolgica da Amaznia, com a implicao de

    que no podemos mais tratar a regio como um ambiente

    homogneo, nem podemos nos limitar simples distino entre terra

    firme e vrzea (Moran, 1995). Em segundo lugar, a Amaznia no

    apenas mais diversa ecologicamente, mas parte dessa diversidade

    parece resultar da ao humana; i.e., da alterao antropognica

    pr-histrica de reas antes consideradas como floresta virgem e

    que hoje so vistas como florestas culturais (Bale, 1989; Posey,

    1985, 1998; Posey and Bale, 1989). Essa diversidade, que produto

    da ao humana, no apenas vegetacional, mas tambm de solos,

    antes vistos como uniformemente infrteis, salvo os solos aluviais

    da vrzea que representam apenas 2% da Amaznia. Hoje, sabe-

    se e este o terceiro fato que h solos extremamente frteis de

    origem antropognica (a chamada terra preta do ndio), solos que

    aparecem em uma poro significativa da terra firme da Amaznia

    (cerca de 12%) (Petersen et al., 2001; Neves et al., 2003, Lehman

    et al. 2003; Denevan, 2001).

    Essas evidncias da ecologia histrica, somadas aos trabalhos

    arqueolgicos sistemticos de mapeamento de grandes stios e

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    estudos de demografia histrica, tm conduzido a estimativas mais

    altas para a populao pr-Conquista, de tal modo que, hoje,

    considera-se provvel a existncia de populaes pr-histricasmaiores e mais densas, principalmente ao longo da calha dos grandes

    rios, mas no apenas (Roosevelt, 1980; Denevan, 1992;

    Heckenberger, Petersen and Neves, 1999). Este o quarto ponto.

    O quinto ponto que, junto com a reviso demogrfica,

    emerge uma nova imagem das sociedades amaznicas, indicando

    que teria havido maior integrao das populaes pr-Conquista,

    com amplos sistemas de comunicao, de troca e de guerra,

    interligadas local e regionalmente, alguns deles ativos inclusive

    durante boa parte do perodo colonial (Lathrap, 1973; Boomert, 1987;

    Whitehead, 1994; Heinen, 2000; Gassn, 2000; Vidal, 2000). As

    ilhas de cultura, as aldeias isoladas cercadas de mata, passaram a

    ser vistas antes como produtos do processo colonial, que conduziu

    ao esgaramento das redes sociais do passado, do que como forma

    social originria. Finalmente, passamos a considerar provvel a

    existncia de sistemas hierrquicos, no-igualitrios, com poder

    poltico destacado em vrias partes das terras baixas do continente,

    em especial em sistemas multitnicos envolvendo povos de lngua

    Arawak (C. Hugh-Jones, 1979; Chernela, 1993; Heckenberger, 2002,

    2005; Hill & Santos-Granero, 2002; Combs & Villar, 2004; Combs

    & Lowrey, no prelo).

    Esse conjunto de evidncias sugere que a imagem da

    Amaznia como um pntano natural, no qual estariam chafurdadas

    inelutavelmente as culturas indgenas, incapazes de mover-se almdos limites estreitos do ambiente, est ferida de morte. Mas o que

    isso significa em termos de nossa concepo sobre as formas,

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    ENTRE O PASSADO E O PRESENTE: MIL ANOS DE HISTRIA INDGENA NO ALTO XINGU

    passadas e presentes, de organizao social e poltica na Amaznia?

    Devemos abandonar a imagem das terras baixas sulamericanas

    como reino da simetria e da igualdade? Acredito que sim, mas nopara passarmos ao seu extremo oposto, buscando, com certo sabor

    ufanista, civilizaes perdidas na floresta ou grandes Estados

    amaznicos. Temos que comear a admitir maior diversidade dos

    processos sociais e formas de estruturao da vida poltica na regio.

    chegada a hora de tambm desagregar a Amaznia no que

    toca s formas de poder.

    Para repensar essas questes, o Alto Xingu um caso

    privilegiado, pois l encontramos, at hoje, formas bem definidas de

    chefia e de hierarquia, bem como uma intensa ritualizao de um

    poder cosmopoltico. Ademais, h uma boa dose de continuidade

    entre o passado e o presente, o que nos permite conjugar o estudo

    arqueolgico ao etnogrfico. Comecemos, ento, pela arqueologia.

    Um milnio de histria

    Apresento agora uma narrativa sobre a pr-histria xinguana.

    Ela no de minha autoria, mas sim de meu colega MichaelHeckenberger (1996, 2001, 2005). Baseia-se em dados empricos,

    que a aliceram em vrios pontos, mas a curva entre os pontos

    preenchida por intuio, bom senso e economia explicativa. O ponto

    final da narrativa o complexo xinguano tal qual o conhecemos

    hoje: um sistema cultural reunindo povos pertencentes a trs dos

    quatro maiores grupos lingusticos sul-americanos (Arawak, Karib

    e Tupi). Nosso problema mais geral investigar como esse sistema

    se constituiu e se transformou atravs do tempo. Quais foram as

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    foras internas e externas que determinaram essas

    transformaes?

    O que chamamos, hoje, de Alto Xingu corresponde poro

    meridional do Parque Indgena do Xingu, desde a sua fronteira sul

    (latitude 13o S) at o Moren, local de confluncia dos rios Batovi,

    Culuene e Ronuro. Em seu auge, entre os sculos XIII e XVII, o

    sistema regional ocupava quase toda a drenagem dos formadores

    do rio Xingu, desde a latitude 13o 15 S, estendendo por uma larga

    faixa jusante da confluncia do Moren, at a foz do rio Suy

    Missu. A regio transicional entre o cerrado e a floresta densa

    amaznica, apresentando caractersticas ecolgicas bastante

    prprias: embora dominada pela floresta tropical nas reas mais

    elevadas, h campos abertos parcialmente inundveis, florestas de

    galeria, e vrias formaes lacustres, de grande piscosidade,

    interligadas muitas vezes por pequenos canais.

    As primeiras evidncias slidas de ocupao xinguana de

    que dispomos remontam ao sculo IX d.C. No temos dados sobre

    stios pr-cermicos, talvez pela quase ausncia de abrigos rochosos

    na regio.7 A colonizao inicial marcada pelo aparecimento de

    aldeias circulares e de uma nica indstria cermica, que ficouconhecida na literatura como Ipavu. Dada a similaridade dessa

    cermica com aquela contempornea, produzida apenas pelos povos

    Arawak do Alto Xingu, a hiptese mais provvel que os primeiros

    colonizadores fossem falantes de uma lngua Arawak, que migravam

    de norte a sul desde a Amaznia central, como parte daquilo que

    Heckenberger (2002) chamou de dispora Arawak. Eles teriamchegado periferia meridional da Amaznia e se dispersado em

    um eixo leste-oeste, desde os campos da Bolvia at o Alto Xingu.

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    A maioria dos grupos Arawak conhecidos histrica e

    etnograficamente apresenta certos traos culturais recorrentes, que

    foram sistematizados pela primeira vez por um autor difusionistaalemo, Max Schmidt. Seu trabalho caiu em dscredito nas dcadas

    posteriores, mas foi recuperado por Heckenberger para explicar a

    similaridade cultural entre povos Arawak to distantes como os

    Taino (que dominavam as Antilhas na poca da Conquista) e os

    colonizadores xinguanos. De um modo geral, encontramos vrios

    dos seguintes elementos associados a povos Arawak: hierarquia(manifesta sob diferentes formas culturais), espaos pblicos

    poltico-rituais bem definidos, a participao em sistemas pluritnicos

    e multilnges, redes extensas de troca conformando sistemas

    regionais com uma esfera pacfica, sedentarismo e uma horticultura

    elaborada.8

    A presena desses elementos entre povos arawak em reas

    to distantes faz supor que j estivessem presentes naquela

    populao ancestral, proto-Arawak, que comeou a se dispersar,

    provavelmente a partir da Amaznia Central, cerca de 3 mil anos

    atrs. Essa uma hiptese forte cujas implicaes precisam ser

    explicitadas de sada. Primeiro, est-se supondo uma associao

    estreita entre lngua e cultura, bem com a reteno de certa

    gramtica cultural na longa durao. Se preciso prudncia analtica

    nessa matria, no se pode deixar de notar a grande ressonncia

    que muitas vezes encontramos entre um certo complexo cultural e

    uma famlia lingstica. Essa ressonncia no superficial, nem

    tampouco implica apenas similaridade, como nos mostrou Viveiros

    de Castro (1986) ao propor uma estrutura sociocsmica comum

    aos diferentes povos Tupi-Guarani. Se certo que a geografia no

    indiferente cultura, no menos verdade que a equao entre

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    descontinuidade espacial e descontinuidade cultural no

    necessria. Famlias bem localizadas, como Pano e J, possuem

    diferentes graus de similaridade e diferena, assim como Tupi-Guarani e Arawak, as duas famlias lingsticas de maior disperso

    nas terras baixas sul-americanas. De todo modo, aceitar a reteno

    de certas estruturas na longa durao, mesmo na ausncia de

    proximidade geogrfica, no parece to problemtico. A dificuldade

    maior consiste em determinar a relao entre essa reteno e a

    lngua, pois aqui entram em jogo variveis de grandeza diferente:de um lado, a relao entre lngua, cultura e cognio; de outro,

    aquela entre pragmtica lingstica e histria sociopoltica. No

    pretendo neste texto aventurar-me nessa seara, apenas chamo

    ateno do leitor para problemas que a formao do complexo

    xinguano nos coloca.

    O segundo ponto refere-se gnese de certos elementos da

    gramtica cultural Arawak. Uma das implicaes da hiptese acima

    que um conceito de hierarquia e distino social j estava bem

    estabelecido na Amaznia, em populaes pouco densas, muito antes

    do aparecimento de grandes aldeias. Isso implica que uma mudana

    no plano ideolgico teria sido, nesse caso, pr-condio para os

    processos de complexificao sociopoltica, que normalmente so

    explicados por mudanas demogrficas, ecolgicas e/ou econmicas.

    Em outras palavras, teramos aqui uma imaginao hierrquica antes

    que fossem dadas as condies materiais para que ela se

    expressasse na forma de chefias polticas destacadas uma idia

    que me faz lembrar o que Sahlins diz sobre os pensadores do

    Renascimento: que eles j tinham imaginando o cosmos como uma

    ordem mundial capitalista, mesmo antes de superarem-se as relaes

    pr-modernas de produo na Europa (2000, p.538).

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    Seja como for, proponho que aceitemos, no atual estgio de

    nossos conhecimentos, que os colonizadores Arawak chegaram ao

    Alto Xingu com uma certa gramtica cultural estabelecida incluindoum senso de hierarquia e uma diferenciao clara entre espaos

    pblicos e domsticos que se manifestou na forma anelar de suas

    aldeais, com um centro poltico-ritual: a praa (Heckenberger, 2005,

    p. 306-318). Essa populao colonizadora cresceu gradualmente

    at meados do sculo XIII, quando teria ocorrido um salto. Por

    volta de 1.250 d.C, um certo limiar demogrfico e sociopoltico pareceter sido ultrapassado: as aldeias no apenas cresceram em nmero,

    como tambm aumentaram expressivamente de tamanho. Se entre

    900 e 1.250 d.C, temos um desenvolvimento cumulativo, uma

    historicidade lenta, a partir da temos uma acelerao que se estende

    at meados do sculo XVII.

    Nesse perodo, que Heckenberger denominou galtico, a

    paisagem dominada por grandes aldeias, cerca de 10 vezes maiores

    do que as atuais, circundadas por grandes estruturas defensivas

    fossos com at 15 metros de largura, 3 metros de profundidade,

    estendendo-se por at 2,5 km em torno da rea de habitao. Hoje,

    conhecem-se 12 stios com esse sistema defensivo no Alto Xingu,

    mas provvel que existam outros ainda no descritos, uma vez

    que no h investigao arqueolgica cobrindo toda a regio. Os

    fossos indicam que essa populao defendia-se de inimigos, mas

    certamente esses inimigos no eram os prprios xinguanos, uma

    vez que os stios esto interligados por caminhos bem definidos,

    indicando no apenas contemporaneidade de ocupao, como

    tambm uma interao social intensa entre as vilas fortificadas.

    Esses caminhos, alis, seriam melhor definidos como estradas, pois

    tm de 10 a 30 metros de largura e 4 a 5 quilmetros de extenso

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    (Heckenberger et al., 2003). As grandes aldeias ligadas por essas

    estradas estavam tambm conectadas a aldeias menores,

    aparentemente satlites destas. Esses conjuntos formavam clustersde aldeias conectadas e espacialmente prximas. Nesse perodo

    galtico, observam-se tambm outras modificaes estruturais com

    a construo de pontes, canais, reservatrios, barragens, bem como

    uma importante alterao da cobertura vegetal, causada pela

    abertura de roas e pela provvel formao de pomares frutferos.

    A transformao da paisagem notvel. Ela certamente

    resultava de uma funo prtica defender-se de agresses,

    interligar aldeias aliadas, alimentar uma crescente populao , mas

    sua monumentalidade indicativa de uma funo poltico-ritual. Para

    uma populao que no conhecia a roda, nem possua grandes

    objetos a serem transportados de uma vila a outra, abrir estradas

    monumentais (sem instrumentos de metal), respondia a imperativos

    de uma economia da grandeza (Sahlins, 1990). O que estava em

    jogo era o prestgio, a grandeza das aldeias e de seus chefes; o que

    circulava pelas rotas retilneas ligando as vilas eram antes pessoas

    do que mercadorias.

    No preciso, porm, imaginar um sistema social radicalmentediferente daquele existente hoje para compreender o que ali se

    passava. Uma comparao com o presente faz supor que por essas

    estradas deslocavam-se aldeias inteiras, convidadas para participar

    de grandes eventos rituais, em que se negociava um mundo

    sociocultural comum. Atualmente, novas tecnologias foram

    incorporadas a esse mesmo sistema: os tratores, os caminhes, aslanchas, que hoje servem para levar os visitantes a rituais intertribais,

    tornaram-se importantes marcadores do prestgio de uma

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    determinada aldeia e de seus chefes. Esse prestgio medido pelo

    tamanho dos veculos motorizados e pelo nmero de pessoas que

    so levadas para participar da festa, mas tambm pelo tamanho eretido do caminho principal, a amplido da praa, a beleza da casa

    do chefe e assim por diante.

    Em meados do sculo XVII ou talvez antes, o sistema galtico

    entrou em colapso. No possvel saber ainda se esse processo

    tem razes profundas, mas ele parece ocorrer de forma rpida. No

    sabemos se ele conseqncia de uma limitao ecolgica, de

    conflitos polticos, ou se resultou de fatores exgenos, tais como as

    doenas introduzidas pela conquista que, mesmo na ausncia de

    contato direto, j circulavam pela Amaznia e podem ter afetado

    violentamente uma populao densa e sedentria. De todo modo, o

    colapso das grandes aldeias marcado pelo abandono das estruturas

    coletivas e pelo aparecimento de stios de menor porte, semelhantes

    queles que seriam observados, j no final do sculo XIX, pelo

    alemo Karl von den Steinen, a primeira pesssoa a deixar registros

    escritos sobre o sistema indgena do Alto Xingu.

    No momento da chegada de Steinen, o Xingu j era um

    complexo sociocultural nico, pluritnico e multilnge, compostopor povos falando lnguas Tupi, Karib, Arawak e uma lngua isolada,

    o Trumai. O que teria ocorrido entre o colapso do sistema galtico

    e a chegada do viajante alemo?

    A constituio dos xinguanos modernos

    Os povos xinguanos tm uma verso comum para explicar o

    processo de constituio do complexo pluritnico. Os habitantes

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    originais, criados diretamente pelos heris mticos, so os Waur e

    os Mehinaku (povos Arawak), bem como os Kuikuro, os Kalapalo,

    os Nahukw e os Matipu (povos Karib). Os demais so intrusosque adentraram a regio em tempos histricos e adotaram os modos

    de vida e valores culturais xinguanos. Dentre aqueles que chegaram

    a partir do sculo XVIII, contam-se povos tupi (Kamayur e Aweti),

    um povo arawak (Yawalapiti) e os Trumai.9

    Para todos esses casos, h narrativas sobre sua chegada e

    incorporao, ou para usar uma expresso comum no portugus

    corrente do Alto Xingu, como eles deixaram de ser ndios bravos

    e adotaram o pacifismo e o cerimonialismo xinguanos (ver, por

    exemplo, Coelho de Souza, 2001; Monod Becquelin e Guirardello,

    2001). Da perspectiva nativa, ser xinguano implica em aceitar um

    pacote cultural muito bem definido que inclui: um conjunto de valores

    ticos e estticos; o aprendizado de disposies corporais e

    comportamentais; a adoo de uma alimentao que exclui carne

    de animais de plo; alm da participao intensa em um universo

    mtico-ritual, que torna pblicas as relaes hierrquicas entre chefes

    e no-chefes, ao mesmo tempo em que expe, na forma de uma

    competio regrada, a simetria entre os vrios grupos locais.

    Esse sentimento de distintividade e unicidade, que marca a

    altivez e a presuno xinguanas, no os impede de reconhecer que

    a produo desse complexo cultural no foi um processo de mo

    nica. A chegada dos povos Tupi e dos Trumai marcam um

    enriquecimento dessa tradio: vrias das manifestaes rituais

    xinguanas resultam da apropriao de rituais ou partes de rituaisdos povos xinguanizados. Em alguns casos, isso claramente

    expresso por eles: o ritual do Javari, por exemplo, tido como de

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    origem Trumai e Aweti, embora muitos dos cantos sejam em Tupi-

    Guarani, pois sua incluso no sistema parece ter sido mediada pelos

    Kamayur (Menezes Bastos, 1990). Nossa anlise preliminar dosconjuntos de msica vocal Kuikuro mostra que o amlgama

    lingstico mais extenso do que imaginvamos de incio. Os cantos

    do Kwarup, por exemplo, so tanto em Arawak, como em Karib,

    como em Tupi.10 Assim, mesmo os ritos mais centrais do complexo

    xinguano, cuja origem remonta aos tempos mticos, trazem as marcas

    do processo histrico de hibridao que ocorreu nos ltimos sculos.

    Esse processo produziu elementos comuns, mas tambm foi

    preciso preservar velhas diferenas e produzir novas. Assim, se

    houve fluxos de genes e de idias que conduziram a um mesmo

    padro cultural e a um fentipo semelhante (Santos e Coimbra,

    2001), houve manuteno das diferenas lingsticas (Franchetto,

    2001) e produo de um conjunto de micro-distines rituais (modos

    de execuo dos maracs, conjuntos alternativos de cantos...)

    alm, claro, do conhecido sistema de especialidades artesanais.

    Todo coletivo politicamente autnomo e aqui autonomia poltica

    equivale a patrocinar rituais intertribais precisa representar-se

    com suas particularidades no cenrio partilhado das grandes festas

    xinguanas.

    O processo de constituio do complexo xinguano apresenta,

    ademais, uma tenso entre hibridao simtrica e incorporao

    assimtrica. O modelo nativo, mesmo na verso dos povos

    incorporados, supe um movimento assimtrico de aculturao:

    Kamayur, Aweti, Trumai fizeram-se gente ukugetil, comodizem os Kuikuro, tornaram-se kuge, categoria que designa os

    alto-xinguanos, bem como a condio e a forma humanas. Como

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    ENTRE O PASSADO E O PRESENTE: MIL ANOS DE HISTRIA INDGENA NO ALTO XINGU

    Xingu, at a entrada do Portugus, uma lngua franca, como ocorreu

    nos Andes com o Aimara e o Quchua ou melhor, como sugere

    Menezes Bastos (1978, 1995, p.257), essa lngua franca foiencontrada na prpria vida ritual e em suas expresses musicais e,

    como vimos, tudo indica que houve a uma notvel hibridao. Isso

    sugere que os povos intrusivos no foram incorporados em posio

    de submisso; se h assimetria no processo, no h propriamente

    dominao. No ocorreu uma expanso a partir de um centro, mas

    sim a absoro local de povos que, fugindo da compresso territorialcausada alhures pela conquista, adentraram a regio dos formadores

    do rio Xingu. Assim, por exemplo, os Waur, atacados

    recorrentemente pelos Kamayur no sculo XVIII, acabaram por

    xinguaniz-los, mas tiveram que lhes ceder uma rica rea ecolgica,

    onde antes habitavam. Foi a seduo xinguana que conquistou os

    Kamayur, no a submisso pela guerra.

    Tal estratgia contrasta no apenas com a expanso imperial

    no altiplano andino, como tambm com a predao familiarizante,

    expresso que cunhei para falar da guerra e do xamanismo na

    Amaznia (Fausto, 1999, 2001). O dispositivo xinguano de

    incorporao da alteridade o que eu chamaria de entrelaamento

    relacional, i.e., a produo de mais e mais relaes cordiais por

    meio de visitas, de presentes, de casamentos, que acabam por tecer

    uma trama de identidade mais densa que aquela das diferenas.

    Diante da ameaa de guerra alm de defender-se e retaliar as

    agresses a constelao xinguana procurava refigurar-se,

    envolvendo e incorporando o agressor sempre que isso fosse

    possvel. Assim fizeram com os Kamayur, com os Trumai, com os

    Bakairi, com os Aweti, com os Yawalapiti e talvez tivessem

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    CARLOS FAUSTO

    conseguido faz-lo com os Suy, caso a situao poltica no tivesse

    mudado a partir das expedies de Karl von den Steinen. A arte

    xinguana do envolvimento pela extrema simpatia que todos nsque l trabalhamos to bem conhecemos uma arte poltica da

    diplomacia e da manipulao. Esse ethos tece teias, lana suas

    tramas e trama a domesticao do outro, fazendo uso do espetculo

    ritual como modo pblico de apresentao e converso da

    alteridade. Essa seduo , de certo, um jogo de poder, mas ao

    contrrio da expanso imperial um jogo no-centralizado, difuso ereticular, que parece ocorrer nas franjas locais do sistema. A fora

    de atrao do complexo xinguano parece prescindir, assim, de um

    centro nico.

    A constituio do pluralismo xinguano, para usar uma

    expresso de Heckenberger (2005, p. 152-162), mostra-nos, enfim,

    como continuidade e transformao esto entrelaadas no processo

    histrico. A colonizao com toda sua violncia e disrupo, no

    excluiu processos de reconstruo e recriao cultural, conduzidos

    pelos prprios povos indgenas. comum supor que a histria da

    Conquista representa, para os ndios, apenas uma sucesso linear

    de perdas em vidas, terras e distino cultural. A cultura xinguana

    que aparecer para a nao brasileira nos anos 40 como o smbolo

    de uma tradio esttica, original e intocada o resultado de uma

    histria de contatos, transformaes e continuidades de longa

    durao, que se inicia no final do primeiro milnio e continua at

    hoje.

    Falemos, ento, do presente.

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    ENTRE O PASSADO E O PRESENTE: MIL ANOS DE HISTRIA INDGENA NO ALTO XINGU

    Uma viso do presente

    A constelao xinguana sempre foi vista como algo anmalona paisagem geral da Amaznia. Os prprios xinguanos se vem

    um pouco assim: sua relao com os demais ndios , ainda hoje,

    marcada por ambivalncia. No gostam de se misturar quando vo

    cidade, reivindicam Funai e Funasa locais exclusivos para

    eles, mantm um delicado distanciamento dos parentes no-

    xinguanos, no entendem bem a poltica da fala dura dos chefesJ que contrasta com a obrigatria fala mansa de seus chefes, e

    parecem acreditar cada vez mais que tm a exclusividade da

    cultura no incomum ouvi-los dizer que os ndios por a

    perderam a cultura, s ns que estamos guardando. Mesmo os

    etnlogos que trabalharam na regio tambm tenderam a constru-

    la como um mundo parte.13

    A seduo xinguana a todos suga,independentemente de credo ou condio. difcil escapar a seus

    encantos.

    A despeito de sua singularidade, contudo, preciso reintegrar

    o Alto Xingu no panorama amaznico, no apenas no que tange

    sua ontologia (como fez Barcelos Neto, 2004), mas tambm no que

    toca sua forma sociopoltica. fato que o Alto Xingu diferencia-se de um tipo de formao sociocultural, provavelmente hegemnica

    na floresta densa durante o sculo XX, que denominei predatria

    ou centrfuga e que caracterstica de povos como os Jivaro,

    Yanomami, Arara, Mundurucu, Parakan, entre muitos outros

    (Fausto, 2001). Que tipo de formao sociopoltica esta? Ela

    caracteriza-se por redes sociais instveis, no-hierrquicas, formadaspela agregao de grupos locais articulados pela troca e pela guerra.

    A produo de pessoas e coletivos depende da aquisio contnua

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    ENTRE O PASSADO E O PRESENTE: MIL ANOS DE HISTRIA INDGENA NO ALTO XINGU

    simblicas. No Alto Xingu, desenvolveu-se um complexo sistema

    de intercmbio envolvendo bens de prestgio, especialidades

    artesanais e pessoas, que opera em vrios nveis de incluso. Certosobjetos artesanais, cuja produo monoplio de comunidades

    especficas, funcionam como meio de pagamento pelos servios

    realizados por xams e especialistas rituais, para compensar agravos

    e, inclusive, como pagamento da noiva (Basso, 1973).14 Alguns

    autores chegaram a ver nos objetos de luxo uma espcie de

    moeda (Dole, 1958), formulao teoricamente discutvel, mas queaponta para a importncia dos colares e cintos de conchas, das

    cermicas finas, dos arcos de madeira preta, entre outros objetos,

    como mediadores de relaes sociais no Xingu.15

    Em sua forma mais pblica, o complexo cultural xinguano

    produziu uma representao de sua singularidade, para si e para

    outros, na vida ritual. H mais de uma dezena de diferentes festas

    no Alto Xingu. Todas elas estruturam-se em torno de um conjunto

    de cantos, uma ou mais narrativas mticas e uma rotina coreogrfica

    precisa, marcada no tempo e no espao da aldeia. Parte dos rituais

    so intratribais, i.e., so realizados exclusivamente por um povo,

    sem a presena de convidados; outros incluem a participao de

    duas ou mais aldeias e ocorrem, em sua maioria, na estao seca,

    que vai de junho a setembro. Em todos os rituais intertribais ocorre

    a luta esportiva, em que anfitries e convidados se enfrentam (a

    nica exceo o Javari, em que a luta corporal substituda pelo

    duelo de dardos). No passado remoto, havia tambm competies

    de corrida e, em um passado recente, jogos de bola.

    Todos os rituais tm uma estrutura organizacional comum:

    h um dono, que responsvel por sua realizao e que auxiliado

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    ENTRE O PASSADO E O PRESENTE: MIL ANOS DE HISTRIA INDGENA NO ALTO XINGU

    exatamente uma classe hereditria de nobres, nem tampouco uma

    posio provisria de alguns poucos lderes escolhidos. Eles definem,

    antes, uma condio que precisa ser herdada e, ao mesmo tempo,confirmada ritualmente. Entre os Kuikuro, so anet os que

    descendem, por linha materna ou paterna, de um anet. Mas h

    aqui gradaes: h aqueles que so s um pouco anet, os que

    so metade anet (isto , chefe apenas por uma das linhas,

    materna ou paterna) e outros que so completamente anet.18

    Esta gradao , ao mesmo tempo, um fato genealgico objetivo eum fato poltico sujeito a manipulaes estratgicas (cf. a distino

    entre legitimidade e competncia, em Heckenberger, 1996).

    Ela depende da biografia de cada um: do comportamento generoso

    e modesto, mas ao mesmo tempo assertivo; da beleza e da altura

    que resultam do respeito s normas da recluso pubertria; da fama

    adquirida por meio da luta e das funes rituais que desempenhouao longo da vida; e, hoje, cada vez mais, da capacidade de

    interlocuo com a sociedade envolvente.

    Se no h propriamente uma classe de chefes, no h

    tampouco uma classe de no-chefes que a ela se oponha enquanto

    grupo social. Na verdade, a gente do comum aqueles que no

    podem reivindicar nenhuma ascendncia de chefia so menos

    numerosos do que aqueles que podem faz-lo. Essas pessoas so

    ditas talokito, gente toa, ordinria, um termo que pode ser

    utilizado tambm para falar de um objeto de pouco valor, e que

    contrasta com o termo aplicado aos grandes chefes, que so ditos

    preciosos, indispensveis (thninh aneti); i.e., gente de

    quem sentimos falta. Se so poucos os irremediavelmente talokito,

    preciso dizer que a maioria daqueles que, em tese, poderiam

    reivindicar algum ascendncia de chefia jamais o far, construindo

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    CARLOS FAUSTO

    uma biografia tpica de simples seguidores de um chefe.19 Esse

    o destino mais comum dos filhos no-primognitos de chefes

    menores, de tal forma que apenas uma minoria ser efetivamentereconhecida como anet.

    No creio que exista qualquer noo, pelo menos entre os

    Kuikuro, do que Barcelos Neto (2004), ao descrever o sistema

    Wauja, designa como substncia nobre, o equivalente concepo

    europia de nobreza de sangue. No aqui o momento de detalhar

    essa questo, pois ela passa por uma anlise dos limites da chamada

    comunidade de substncia ou comunidade de abstinncia que,

    no caso Kuikuro, restringe-se a genitores e irmos germanos. O

    ndice e veculo da anetcidade no a substncia, mas o nome,

    cuja transmisso se d entre geraes alternadas, i.e., de avs para

    netos. a memria de um nome famoso, o trao que ele deixa no

    tempo, que constitui o capital hereditrio de um jovem chefe.

    De todo modo, s aqueles que podem reclamar alguma,

    digamos, anetcidade podem t-la reconhecida publicamente por

    meio dos rituais. E a forma mais geral de faz-lo destacando

    certas pessoas para serem chefes dos convidados (hagito

    anetg) que iro participar de um ritual intertribal. Toda aldeiachamada a participar de um ritual intertribal deve escolher trs chefes

    que iro conduzir os seus membros at a aldeia anfitri. H sempre

    uma ordem hierrquica interna a esse conjunto. Os xinguanos tm

    uma verdadeira obsesso pela ordenao: tudo tem sempre um

    primeiro, um segundo, um terceiro, um quarto, um quinto, no importa

    do qu. Essa obsesso indica uma visada claramente hierrquica o mundo no feito de iguais, mas de pessoas dispostas segundo

    uma lgica ordinal.

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    ENTRE O PASSADO E O PRESENTE: MIL ANOS DE HISTRIA INDGENA NO ALTO XINGU

    A condio de chefe dos convidados marcada pelo fato

    de serem recebidos formalmente pelos chefes da aldeia anfitri e

    permanecerem, durante todo o ritual, sentados em bancos. Por isso,dizer que algum foi sobre o banco (tahaguhotel) o mesmo

    que dizer que ele um chefe. Assim, so minimamente anet

    aqueles que tm ascendncia apropriada e que foram, uma ou mais

    vezes, sobre o banco, i.e., foram chefes dos convidados em

    rituais intertribais. Atualmente, quase todas as casas em torno da

    praa da aldeia Kuikuro de Ipatse tm pelo menos uma pessoaconsiderada anet, homem ou mulher (normalmente o dono da casa

    ou seu filho primognito). Quando h alguma ascendncia de chefia

    na famlia, a comunidade tende a destacar o(a) primognito(a)

    confirmando-lhe ritualmente como chefe, condio que os irmos

    mais novos no iro reclamar seno em caso de morte do irmo

    mais velho. A escolha envolve tambm uma avaliao do carterda pessoa. Um chefe no pode jamais se zangar (-kotu); pessoas

    que demonstram raiva no podem ser anet e, se j o so, colocam

    em risco sua anetcidade. A contrapartida da chefia a confiana.

    A comunidade deve confiar no chefe dos convidados, pois cabe

    a ele cuidar do grupo durante a viagem: organizar o transporte,

    receber e distribuir a comida, a bebida, a lenha. Deve ser o primeiroa sair e o ltimo a voltar, deve comer depois que todos se serviram,

    deve permanecer sentado sob o sol escaldante, rijo sobre o banco,

    mesmo quando muitos j se dispersaram ao final da festa procura

    de sombra na casa de amigos e parentes.

    Se h quase sempre um chefe dos convidados em cada casa

    em torno praa, h casas e setores da aldeia em que h vrios

    deles. Os descendentes de chefes importantes do passado e os

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    CARLOS FAUSTO

    irmos adultos dos principais chefes do presente, so todos eles

    considerados anet. Deles pode se dizer que no so apenas chefes

    dos convidados (hagito anetg), mas chefes das pessoas (kugeanetg). Os chefes famosos do presente e do passado so aqueles

    que efetivamente decidem ou decidiram os destinos da comunidade

    e que normalmente so tambm os donos das estruturas comunais.

    Pois alm de donos de rituais, os chefes podem ser donos do caminho

    para o porto, do caminho principal pelo qual os convidados chegam

    aldeia, da casa masculina que fica no centro da aldeia, da casa dochefe, que toda decorada internamente, do ptio central onde os

    homens adultos renem-se ao cair da tarde e, por fim, pode-se ser

    dono da prpria aldeia. O chefe principal em exerccio, porm, no

    necessariamente o dono da aldeia, mas aquele que recebe os

    enviados de outras aldeias proferindo a fala do chefe (anet

    itaginhu), isto , a fala de recepo dos mensageiros (tinhitagimbakitoho) ele o dono do discurso da chefia (Franchetto,

    1993, 2000). Desse chefe principal, diz-se tambm que ele nosso

    suporte, nosso assento (ikpo). Se chefes so minimamente

    aqueles que vo sobre o banco, o chefe executivo ele mesmo

    um banco, um suporte da comunidade.20

    Ser dono de uma dessas estruturas coletivas significa zelar

    por elas e ser capaz de mobilizar trabalho coletivo para conserv-

    las, sempre provendo de alimentos queles que participam do

    trabalho. No so apenas os donos de estruturas coletivas que

    devem prover a comunidade de alimento durante sua construo

    ou mesmo manuteno, pois estas atividades envolvem com

    freqncia a realizao de um ritual. Donos de ritual devem sempre

    alimentar a comunidade, seja em doses homeopticas, por meio

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    das ofertas perdicas de comida e bebida para os espritos, seja de

    forma massiva, quando da realizao de uma festa. Tudo isso implica

    grande quantidade de trabalho e por essa razo que os pedidores(ih) devem auxiliar o dono (oto), inclusive abrindo roas para

    ele (ou mais exatamente para os espritos) e mobilizando trabalho

    coletivo para ajudar na consecuo do ritual.

    O dono um zelador (igakisitinhi), algum que deve

    cuidar (igakisil) de um objeto, de uma estrutura, de um animal

    de estimao, dos filhos, do ritual e da prpria comunidade. A relao

    mestre-xerimbabo que, alhures, caracterizei como sendo uma filiao

    adotiva envolvendo controle e proteo, e que propus ser o idioma

    amaznico das relaes assimtricas de controle simblico, surge

    aqui como uma linguagem cosmo-poltica das relaes hierrquicas.

    Se, no caso Parakan, ela era antes xamnica do que poltica, aqui

    ela generaliza-se como linguagem do poder, fazendo convergir o

    conjunto de relaes de maestria para o centro da praa e para seu

    dono, o hugogo oto. Temos assim uma configurao distributiva

    do poder que encadeia inmeras relaes de maestria, da qual

    participam humanos e no-humanos, e que reverberam na praa

    central da aldeia.

    Ao nvel supralocal, contudo, essa reverberao limitada.

    As aldeias de um mesmo povo podem ainda estar relacionadas

    de forma hierrquica, de tal modo que a aldeia principal para as

    demais o equivalente da praa central para uma s estrutura alde.

    essa a situao poltica que parece explicar a configurao dos

    clusters de aldeias no perodo galtico (Heckenberger et al., 2003).Ela tambm vlida para o presente. Os Kuikuro habitam hoje trs

    diferentes aldeias: Ipatse, Afukuri e Lahatu. A primeira detm a

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    CARLOS FAUSTO

    exclusividade dos rituais intertribais. Chefes das outras aldeias

    devem ser enterrados na praa central de Ipatse e festas como o

    Kwarup, o Javari, Jamurikumalu s pode ser realizado ali. Tambms Ipatse pode receber os mensageiros, os representantes dos chefes

    de aldeias aliadas que fazem o convite para participao em rituais

    intertribais.

    A relao de subordinao ritual entre aldeias de mesmo

    povo objeto de conflito e de negociao poltica. Tanguro, por

    exemplo, a segunda aldeia Kalapalo, tem hoje o status de uma aldeia

    independente, deixando de ser satlite de Aiha. A aldeia Kamayur

    de Moren, aps vrios anos de existncia e intensas negociaes,

    conseguiu, finalmente, receber mensageiros Kuikuro em 2005,

    apesar da oposio dos Kamayur de Ipavu, que supostamente

    teriam dito a um chefe kuikuro: por que mandar mensageira para

    l se no h chefes para receb-los?. Normalmente, porm, essas

    aldeias de um mesmo povo tendem a continuar a participar dos

    rituais como uma nica unidade.

    O limite superior da hierarquia do sistema parece ser,

    justamente, a autonomia dessas unidades que estou chamando de

    povos (em kuikuro, itag)e que, hoje, so designadas pelosetnnimos Kuikuro, Mehinaku, Kamayur e assim por diante. Essas

    designaes refletem processos histricos que, aqui, no cabe

    analisar, pois isso implicaria uma reviso necessria sem dvida

    do prprio conceito de povo no Alto Xingu. Para os fins deste

    texto, basta notar que no h qualquer reverberao entre as praas

    das aldeias de povos distintos, de tal modo que o Alto Xingu ,hoje, multicntrico. Minha impresso que tambm foi assim no

    passado, mesmo no perodo galtico, combinando-se espaos de

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    ENTRE O PASSADO E O PRESENTE: MIL ANOS DE HISTRIA INDGENA NO ALTO XINGU

    hierarquia e de simetria. Talvez tenha sido este o limite mximo da

    centralizao poltica na regio.

    Coda

    Espero ter deixado claro que a configurao espacial descrita

    do ponto de vista arqueolgico codifica, hoje, um universo de donos

    e de chefes que produzem uma integrao ritual que tanto intra-

    alde quanto interalde. O ritual tambm o mecanismo pelo qualse mobiliza fora de trabalho para a construo de estruturas

    comuns ou para a produo de excedentes alimentares (cf. Carneiro

    and Dole, 1958). Trata-se, assim, de uma economia ritual do prestgio

    que est toda codificada no espao aldeo, e que pode ter sido, no

    passado, o mecanismo pelo qual se viabilizou a construo de grandes

    estradas, pontes, estruturas defensivas e assim por diante (cf.Heckenberger 2005, p.291-318). O problema da interpretao do

    registro arqueolgico , portanto, menos o de saber quantas pessoas

    em quanto tempo poderiam ter construdo as valetas com mais de 2

    km ou as estradas com mais de 5 km de extenso, e antes o de

    saber qual a configurao sociopoltica que tornou isso no apenas

    possvel, mas tambm necessrio, desejvel e pleno de significado.

    Os dados do presente indicam que um sistema bastante

    semelhante ao atual poderia explicar boa parte do registro

    arqueolgico. No necessrio supor grande descontinuidade, a

    despeito da diferena de escala. A escala evidentemente faz

    diferena: possvel, por exemplo, que, no passado, existisse uma

    percentagem menor de pessoas que podiam reclamar o status

    mnimo se que isso existia de chefe dos convidados. Talvez

    esse status definisse quem morava em torno da praa, controlando

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    CARLOS FAUSTO

    o espao pblico-ritual, e quem vivia nos anis exteriores, como

    sugere Heckenberger (2005). Um fato a ser notado que, nas

    ltimas dcadas, houve uma intensificao na realizao de rituaisintertribais graas s novas tecnologias de comunicao, de

    transporte e de pesca, o que exigiu uma ampliao do nmero

    daqueles que assumem a funo de chefe de convidados.

    Seja como for, parece-me possvel dizer que tanto o sistema

    do passado como o do presente so claramente amaznicos. No

    so uma anomalia na paisagem que conhecemos historicamente,

    encontrando paralelos em outras regies etnogrficas hoje

    profundamente alteradas. Temos que considerar, portanto, que o

    sedentarismo, o pacifismo, a hierarquia e a regionalidade xinguanas

    no so um captulo parte da histria da Amaznia, mas talvez

    uma formao social relativamente comum, que teria inclusive sido

    dominante em partes da floresta tropical antes da crise demogrfica

    produzida pela colonizao.

    Notas

    1

    A origem deste texto uma conferncia que proferi com Michael Heckenbergerna reunio da SBPC em Cuiab, em 2004, intitulada Mil Anos de HistriaIndgena no Alto Xingu. Agradeo a Ildeu de Castro Moreira pelo convite. A suaprimeira verso escrita foi apresentada em outra conferncia, desta vez naUniversidade Catlica de Gois, no dia 19 de abril de 2005. Agradeo a ManuelFerreira Lima Filho e a Roque de Barros Laraia pelo convite e acolhida. Partes dotexto foram incorporadas em um artigo ainda indito (Fausto, Franchetto eHeckenberger, no prelo), exposto originalmente no Max-Planck Institute emNijmegen, Holanda, em maio de 2005. Os dados apresentados aqui resultam de

    pesquisa em colaborao com Bruna Franchetto e Michael Heckenberger, aquem agradeo de corao. Agradeo, ainda, o apoio financeiro do CNPq, Faperje Finep, bem como a gentileza dos Kuikuro em receber-me durante todos essesanos.

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    ENTRE O PASSADO E O PRESENTE: MIL ANOS DE HISTRIA INDGENA NO ALTO XINGU

    2Carlos Fausto professor do Programa de Ps-Graduao em AntropologiaSocial do Museu Nacional, UFRJ e pesquisador do CNPq. Publicou Os ndiosantes do Brasil (2000), Inimigos Fiis: Histria, Guerra e Xamanismo na

    Amaznia (2001), alm de artigos em revistas nacionais e internacionais. Editou,com Michael Heckenberger, Time and Identity in Indigenous Amazonia (no prelo)e com John Manuel Monteiro, Tempos ndios: Histrias e Narrativas do Novo

    Mundo (no prelo). Prepara livro sobre os Kuikuro do Alto Xingu, intituladoprovisoriamenteA Inveno Ritual da Cultura: Uma Arqueologia do TempoPresente.

    3O desaparecimento deu origem a tantas expedies de busca, que os ndios, j noperodo villas-boasiano, forjaram o achado dos restos mortais do clebre coronel,

    de modo a se verem livres de tanto incmodo. Ainda hoje, porm, a histria deFawcett traz jornalistas ao Xingu. Veja-se, por exemplo, a bem humoradareportagem de David Grann, The Lost City of Z: A Quest to Uncover theSecrets of the Amazon,New Yorker, September 19, 2005.

    4 Retomo aqui algumas passagens de meu livro Os ndios Antes do Brasil.

    5Muitos concentraram-se no espinhoso problema da demografia indgena pr-Conquista. No modelo de Steward, os tipos organizacionais correspondiam aum certo limiar demogrfico e a complexificao social era vista como uma

    resposta adaptativa ao crescimento populacional. Por isso, muitas das hiptesespara explicar a suposta estagnao das culturas da floresta tropical amaznicafocalizaram fatores ecolgicos que teriam limitado o crescimento demogrficona regio, tais como a escassez de solos frteis (Betty Meggers, 1954, 1957)ou a baixa densidade de protena animal (Daniel Gross, 1975, 1982). Nenhumtrabalho emprico, contudo, conseguiu demonstrar a existncia de tal limite,ou, pelo menos, no conseguiu impor-se a outras pesquisas que indicavamexatamente o contrrio (ver, por exemplo, Carneiro, 1961; Lizot 1978;Beckerman, 1979).

    6Desde o incio houve dificuldades com a categoria marginais, em particular emsua aplicao aos povos J do Brasil Central (cf. Lvi-Strauss, 1958). Haviaproblemas tambm na classificao dos povos alto-xinguanos, bem como notratamento diferenciado de materiais amaznicos e circumcaribenhos: os primeirosgeneralizados a partir de dados do incio do sculo XX e os segundos a partir dedados do sculo XVI. Em um livro de sntese posterior, Steward enfrentoualguns desses problemas (Steward & Faron, 1959), mas pouco modificou seuesquema. Lvi-Strauss (1993), dcadas depois, lembraria que muitas dessas

    crticas j circulavam durante a prpria feitura do HSAI.7O nico abrigo ocorre no limite sul do territrio xinguano (mas excludo dadelimitao do Parque Indgena do Xingu), junto ao rio Batovi, s coordenadas13o 14 55 S, 54o 1 23 W. Conhecida pelo seu nome Arawak, Kamukwak

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    um dos principais stios da cartografia sagrada xinguana, local de origem do ritualde furao de orelha. Kamukwak e Sagihengu (local do primeiro Kwarup, situados margens do rio Culuene), demarcavam o limite meridional do complexo alto-

    xinguano, constitundo a fronteira sul com os povos Macro-J. No final dosculo XIX, quando das viagens de Steinen, a regio de Kamukwak era ocupadapelos Bakairi Ocidentais (ou Bakairi Xinguanos), em estreita relao com osKustenau e os Wauja, ambos de lngua Arawak (cf. Fausto, 2004). At algumasdcadas atrs, estes ltimos costumavam ir ao abrigo rochoso pelo rio, mas aocupao das margens do Batovi por fazendas fez com que abandonassem essaprtica. Nos ltimos anos, eles vm realizando viagens por terra, acompanhadospor funcionrios da Funai e antroplogos, visando preservao do stio, hojesem qualquer proteo legal.

    8Santos-Granero aponta os seguintes elementos como sendo caractersticos deum ethos ou matriz Arawak: a) recusa da guerra interna; b) estabelecimento dealianas polticas em nveis mais amplos; c) nfase na descendncia econsanginidade; d) o uso de ancestralidade, genealogia e rankhereditrio comobase da liderana poltica; e) centralidade da religio na vida sociopoltica (Santos-Granero 2002, p. 44-45).

    9 possvel que os Yawalapiti sejam tambm descendentes da populaocolonizadora Arawak, que, durante o perodo galtico, ocupavam uma regiomais ao norte, jusante da confluncia do Moren. O fato, no entanto, que, daperspectiva dos xinguanos oitocentistas, esse grupo, que migrava de norte a sul(Viveiros de Castro, 1977), entrou na regio dos formadores onde outros Arawake os Karib j haviam construdo um complexo cultural comum.

    10Os cantos kuikuro do kwarup, chamados uguhi igis, dividem-se em duassutes: a primeira, que para ser apenas cantada, composta por oito cantos; asegunda, que acompanhada pela dana, composta por dezessete cantos.Analisando as letras com uma pessoa bilngue (Kuikuro e Mehinako), pudemos

    identificar palavras em Wauja/Mehinako em algumas canes, bem comoexpresses em Yawalapiti em duas outras em ambos os casos, eram palavrasArawak adaptadas fonologia kuikuro. Reconhecemos tambm frases em Karibem quatro outros cantos, mas no fomos capazes de traduzir integralmentenenhum deles. O mestre-cantor (eginhoto), com quem fizemos as gravaes,identificou tambm palavras-rtulo em Arawak, Karib e em Tupi, que lhepermitem situar os cantos em termos da ao ritual, alm de servir como recursomnemotcnico (sobre isso, ver Severi, 2004).

    11

    Noto que essa continuidade no se manifesta apenas na indstria cermica, mas,sobretudo, na forma da aldeia e na utilizao dos espaos em seu entorno,indicando uma estabilidade na configurao espacial do sistema, seja no planointerno das aldeias, seja no plano da articulao entre aldeias. As dimenses sooutras e no temos mais grandes estruturas defensivas ou grandes estradas; a

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    configurao, porm, a mesma, o que sugere uma notvel resilincia do sistemacultural xinguano, pois o espao ali mais do que um plano fsico culturalmentecodificado sobre o qual se desenrolam as aes humanas ele uma estrutura

    estruturante, no mera manifestao de uma forma cultural, mas produtor destamesma forma e das disposies afetivas e intelectuais dos agentes que percorremesses espaos.

    12Em torno da lagoa de Tahununu, Heckenberger (2005, p.103-112) localizoupequenos stios no fortificados, com estruturas circulares que podem seridentificadas como habitaes. A semelhana formal destas com as casas dospovos Karib das Guianas, bem como o fato de Tahununu ser territrio tradicionaldos povos Karib do Xingu, sugerem que essas pequenas aldeias, compostas de

    uma nica casa circular plurifamiliar, foram abertas pelos ancestrais dos Kuikuro,Kalapalo, Matipu e Nahukw, antes de adotarem a forma alde anelar.

    13 Exceo seja feita a Menezes Bastos (que trabalhou com os Kamayur, os quaissempre mantiveram uma boa dose de ambigidade em relao sua incorporaoao Xingu) e a Patrick Menget (que trabalhou com os Ikpeng, um grupo no-xinguano transferido para dentro do Parque Indgena no final da dcada de 1960).

    14O pagamento s obrigatrio quando a noiva est saindo da recluso pubertria,e deve ser feito aos sogros e a todos os irmos dos sogros. tambm comum

    fazer-se pagamentos menores, em geral s para os sogros, em casamentos nosquais a noiva ainda jovem e no tem filhos. O pagamento permite diminuir otempo de uxorilocalidade e dos servios devidos ao sogro, mas no os substitueminteiramente.

    15O Alto Xingu uma das poucas regies etnograficamente conhecidas daAmaznia, onde o princpio de substituio (Lemmonier, 1990) foi levadorelativamente longe. Ela tem um paralelo histrico no sistema indgena existentena Selva Central do Peru durante o perodo colonial, organizado em torno das

    minas do Cerro de la Sal. A montanha do sal era o centro nervoso de uma vastarede comercial controlada pelos Arawak pr-andinos (Amuesha, Matsiguenga,Nomatsiguenga, Ashaninka) e articulada aos grupos Pano do Ucayali (Shipibo,Conibo, Sheretebo), no qual pes de sal, produzidos em frmas de tamanhofixo, funcionavam como um equivalente geral, intercambivel por qualquer outroobjeto (Renard-Casevitz, 1993, p. 34).

    16 Dono ou mestre uma traduo para o termo Kuikuro oto; pedidortraduz duas outras categorias ih e tajope que, embora sejam muitas vezesutilizadas de forma intercambivel, devem ser diferenciadas: os primeiros so

    lderes de festas de espritos, enquanto os segundos so lderes de rituais dechefia e de trabalhos coletivos. O sentido literal de ih corpo os pedidoresso, assim, o corpo dos espritos comemorados na festa, assim como, entre osWauja, eles so ditos kawk-mna a corporificao do esprito das flautas

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    sagradas (ver Barcelos Neto, 2004). Traduzo ambos os termos por pedidor,porque os Kuikuro enfatizam esse aspecto da funo: o de pedir (ikang) aodoente que se torne dono do ritual.

    17Traduzo por esprito uma categoria ontolgica xinguana, denominada itsekeem Kuikuro, apapaatai em Wauja, mamaem Kamayur e katem Aweti. Parauma anlise do conceito de itseke, ver Fausto (2005).

    18Pode se dizer que algum anet ekugu (verdadeira ou completamentechefe) mesmo sendo legtimo por uma nica linha, como no caso do atual chefeKuikuro, que o apenas por linha materna. Assim se pode faz-lo porque suachefia pesada, slida (titeni). Seus opositores, porm, sempre podero dizer boca mida que ele, na verdade, anet hene (chefe pela metade). De algumque pouco chefe dir-se-, normalmente, que chefe pequeno (anet indzonho).

    19Em Kuikuro, utilizam-se trs termos para definir essa condio: isandag (oseguidor dele), itsamagag (o kamaga dele, sendo kamaga talvez umacorruptela de camarada) e, por fim, ngingoku (que costumam traduzir hojepor empregado, mas que no discurso ritual ocorre como sinnimo demensageiro aquele que mandado pelo chefe at outra aldeia). Atualmente,utilizam o termo peo para classificar os brancos que so talokito.

    20

    O segundo e terceiro chefes so ditos serem os parceiros de conversa(itaginhokongo) do chefe principal. Idealmente, uma aldeia deve ter dois chefescapazes de receber os mensageiros e proferir o discurso da chefia, o que, pelaminha experincia, raramente ocorre.

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