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ISSN 1518-7187 Cognitio: Revista de Filosofia Cognitio10n2.pmd 21/10/2009, 17:43 175

03 A superação da metafísica pela análise lógica da linguagem - Rudolf Carnap.pdf

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  • ISSN 1518-7187

    Cognitio: Revista de Filosofia

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  • Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 175-318, jul./dez. 2009

    Cognitio: Revista de Filosofia

    Centro de Estudos do PragmatismoPrograma de Estudos Ps-graduados em Filosofia PUC-SPSo Paulo Volume 10, Nmero 2 JulhoDezembro de 2009

    Editor: Ivo Assad IbriEditor adjunto: Edelcio Gonalves de SouzaAssistente editorial: Edson Dognaldo Gil

    Comisso editorialIvo A. Ibri (Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC-SP)Cassiano Terra Rodrigues (Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC-SP)Lauro Frederico Barbosa da Silveira (Universidade Estadual Paulista UNESP-Marlia)Edelcio G. de Souza (Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC-SP)

    Conselho editorialMats Bergman (University of Helsinki, Finland)Rosa Maria Calcaterra (Universit degli Studi Roma Tre, Italia)Vincent Colapietro (Pennsylvania State University, USA)David A. Dilworth (State University of New York, USA)Pascal Engel (Universit Paris IV, France)Lucrcia DAlessio Ferrara (Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC-SP)Maria Eunice Quilici Gonzalez (Universidade Estadual Paulista UNESP-Marlia)Jzio Hernani Gutierre (Universidade Estadual Paulista UNESP-Marlia)Karen Hanson (Indiana University, USA)Carl R. Hausman (University of Louisville, USA)Risto Hilpinen (University of Miami, USA)Christopher Hookway (University of Sheffield, England)Nathan Houser (Peirce Edition Project - Indiana University, USA)Rossella Fabbrichesi (Universit di Milano, Italia)Theresa Calvet de Magalhes (Universidade Federal de Minas Gerais UFMG)Joo Augusto Mattar Neto (Universidade Anhembi Morumbi, SP)Cheryl Misak (University of Toronto, Canada)Arley Ramos Moreno (Universidade Estadual de Campinas UNICAMP)Ludwig Nagl (Universitt Wien, sterreich)Kelly Parker (Grand Valley State University, USA)Roberto Hofmeister Pich (Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul PUC-RS)Ahti-Veikko J. Pietarinen (Universidade de Helsinki, Finland)Paulo Roberto Margutti Pinto (Universidade Federal de Minas Gerais UFMG)Sandra Rosenthal (University of Loyola, USA)Lucia Santaella (Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC-SP)Mirko Scarica (Universidad de Valparaiso, Chile)Dennis M. Senchuk (Indiana University, USA)Thomas L. Short (Independent Scholar)Joo Carlos Salles Pires da Silva (Universidade Federal da Bahia UFBA)Josu Cndido da Silva (Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhus, BA)Danilo Marcondes Souza Filho (Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro PUC-Rio)Claudine Tiercelin (Universit Paris XII, France)

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  • C O G N I T I O

    REVISTA DE FILOSOFIAVolume 10 - Nmero 2Julho - Dezembro 2009

    Centro de Estudos do PragmatismoPrograma de Estudos Ps-graduados em Filosofia PUC-SP

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  • Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 175-318, jul./dez. 2009

    Cognitio: Revista de Filosofia

    Produo Editorial

    Diagramao: Virtual Diagramao S/C Ltda.

    Projeto grfico da capa: Marlia Batista Cota Pacheco

    Capa desta edio: Eluiza Bortolotto Ghizzi

    Edio e preparao de texto: Edson Dognaldo Gil

    Reviso de texto em ingls: Henry Mallett e Clia Maria Baldas Mallett

    Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouva Kfouri/PUC-SP

    Cognitio: revista de filosofia / Centro de Estudos do Pragmatismo,Programa de Estudos Ps-Graduados em Filosofia da PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo - PUCSP. v. 10, n. 2(jul./dez. 2009)-. So Paulo: EDUC, 2000-

    Periodicidade: Anual, de 2000 a 2002Semestral, a partir de 2003

    ISSN 1518-7187

    1. Filosofia - Peridicos. I. Pontifcia Universidade Catlica deSo Paulo. Programa de Estudos Ps-Graduados em Filosofia.Centrode Estudos do Pragmatismo

    Indexao: The Philosophers Index; Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humani-dades (CLASE); International Philosophical Bibliography (Rpertoire Bibliographique dela Philosophie Bibliografish Repertorium van de Wijsbegeerte)

    Correspondncia editorial/Assinatura:Cognitio Revista de Filosofia Os artigos aqui publicados refletemCentro de Estudos do Pragmatismo/PUC-SP apenas e necessariamente a opinioRua Ministro de Godoy, 969/4. andar/sala 4E16 de seus respectivos autores.CEP 05015-901 So Paulo SP BrasilE-mail: [email protected] The articles herein published expresshttp://www.pucsp.br/pos/filosofia/Pragmatismo/index.html only and necessarily the opinion

    of their respective authors.EDUC Editora da PUC-SPRua Ministro de Godoy, 1213CEP 05015-901 So Paulo SPTel.: (11) 3873-3359E-mail: [email protected]

    Imagem da capa: A Filosofia (detalhe), Rafael Sanzio(Stanza della Segnatura, Vaticano)

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  • Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 175-318, jul./dez. 2009

    Sumrio / Sumrio / Sumrio / Sumrio / Sumrio / TTTTTable of Contentsable of Contentsable of Contentsable of Contentsable of Contents

    Projeto Editorial .................................................................................................. 181Editorial Project .................................................................................................. 182

    Editorial .............................................................................................................. 183Editorial .............................................................................................................. 184

    ArtigosPapers

    Contribuies do Professor Lafayette de Moraes para o desenvolvimento da LgicaMatemtica no BrasilContributions by Professor Lafayette de Moraes to the Development of MathematicalLogic in Brazil

    Elias Humberto AlvesAntonio Eduardo Consalvo ................................................................................185

    Semntica quase-conjuntista e compromisso ontolgicoQuasi-Set Semantics and Ontological Compromise

    Jonas R. Becker ArenhartDcio Krause .....................................................................................................191

    Construes sistmicas e leis de interaoSystemic Constructions and Interaction Laws

    Alexandre Costa-Leite ........................................................................................ 209

    Cogito ergo sum non machina! Sobre o reconhecimento humano de verdades daaritmtica e mquinas de TuringCogito ergo sum non machina! On the Human Recognition of Truths in Arithmeticand Turing Machines

    Itala M. Loffredo DOttavianoRicardo Pereira Tassinari. ................................................................................... 221

    Logic as the Outcome of an Evolutionary ProcessA Lgica como resultado de um processo evolucionrio

    David Miller. .......................................................................................................231

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  • Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 175-318, jul./dez. 2009

    A modalidade a respeito dos contingentes futuros em Aristteles, De interpretatione 9The Modality Concerning Future Contingents in Aristotle, De Interpretatione 9

    Lafayette de MoraesCarlos Roberto Teixeira Alves ...........................................................................243

    Frege e o Elogio da Razo PuraFrege and the Praise of Pure Reason

    Lcio Loureno Prado ........................................................................................ 267

    Sobre a crtica toulminiana ao padro analtico-dedutivo de argumentoOn the Toulminean Criticism to the Analytical-Deductive Pattern of Argument

    Patrcia Del Nero Velasco ..................................................................................281

    Traduo / TranslationThe Elimination of Metaphysics Through Logical Analysis of LanguageA superao da metafsica pela anlise lgica da linguagem

    Rudolf Carnap ....................................................................................................293

    Errata / ErrataCognitio v. 10, n.1 .......................................................................................................310

    Permutas, Doaes e PedidosJournals Exchange, Donations, and Orders. ............................................................ 311

    Normas para PublicaoPublishing Guidelines. ................................................................................................313

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  • 181Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 181, jul./dez. 2009

    Projeto Editorial

    Editada pelo Centro de Estudos do Pragmatismo (CEP) do Programa de Estudos Ps-Graduados em Filosofia, da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP), aCognitio uma revista de filosofia com foco em temas relacionados principalmente aoPragmatismo clssico.

    A Cognitio prope-se a publicar artigos, ensaios e comunicaes de pesquisado-res brasileiros e estrangeiros, funcionando assim como espao para um frtil dilogo edebate de ideias entre a comunidade filosfica nacional e internacional. Est, portanto,aberta a contribuies e abordagens diversas, mas que de alguma forma tangenciem ouniverso terico do Pragmatismo, afeito teoria do conhecimento, semitica e lgi-ca, filosofia da linguagem, tica e metafsica.

    Ainda no mbito deste projeto, a Cognitio prope-se a publicar tambm entre-vistas, resenhas, tradues e notcias, entre outras contribuies. E, alm disso, a estabe-lecer um intercmbio com revistas estrangeiras, por meio de um sistema de permutas.

    A Cognitio disponibiliza, tambm, um banco de tradues, contendo verses dosensaios e artigos publicados na revista para o portugus, dos escritos em lnguaestrangeira, e para o ingls, dos escritos em portugus , facultando, assim, aos leitoresbrasileiros e estrangeiros sua dimenso bilngue pelo acesso on-line a esse material pormeio de seu site , ou peloe-mail: [email protected].

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  • 182 Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 182, jul./dez. 2009

    Editorial Project

    Published by the Center for Studies on Pragmatism (CEP) of the Program of GraduateStudies in Philosophy of the Pontifical Catholic University of So Paulo (PUC-SP),Cognitio is a philosophy journal centered on themes primarily akin to classicalPragmatism.

    Cognitio proposes to publish articles, essays and papers by Brazilian and foreignresearchers, thus providing a space for fertile dialogue and discussion of ideas betweennational and international philosophical communities. It is therefore open to a widerange of contributions and approaches, which in some way touch on the theoreticaluniverse of Pragmatism as it relates to the theory of knowledge, semiotics, logic, thephilosophy of language, ethics, and metaphysics.

    Still in the realm of this project, Cognitio also intends to publish interviews,reviews, translations, and news, among other contributions. And, further, to establisha link with foreign journals, through an interchange system.

    Cognitio also provides a translation-base with essays and articles published inthe journals in Portuguese, for papers in foreign languages, and in English, forpapers in Portuguese thus making its bilingual facilities available on-line to itsBrazilian and foreign readers, through its website , or by e-mail: [email protected].

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  • 183Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 183, jul./dez. 2009

    Editorial

    O presente volume de Cognitio inteiramente dedicado ao professor Lafayette deMoraes, por ocasio de seu aniversrio de 80 anos.

    Aqui nosso leitor encontrar textos escritos por colaboradores, amigos, alunos eex-alunos do professor Lafayette que, de uma forma ou de outra, puderam desfrutar desua companhia e sabedoria. So textos de lgica e filosofia da cincia que retratamalguns dos temas que ocuparam a mente do professor Lafayette ao longo de toda suacarreira acadmica.

    De minha parte, tive o privilgio de dividir com o professor Lafayette as cadeirasde lgica, teoria do conhecimento e filosofia da cincia que so ministradas tanto nocurso de graduao quanto no de ps-graduao da Pontifcia Universidade Catlica deSo Paulo. Foram muitos anos de convivncia com um professor que nunca mediuesforos para o cumprimento de suas tarefas no ambiente de nossa universidade.

    Atualmente, continuo podendo desfrutar a companhia do professor Lafayette noseminrio de teoria de categorias, que organizado por mim e por outros colaboradores,na PUC-SP.

    Espero que o leitor possa compartilhar conosco dessa pequena homenagem queo Centro de Estudos de Pragmatismo presta ao professor Lafayette de Moraes por todosesses anos de uma feliz e profcua convivncia.

    Edelcio Gonalves de SouzaEditor Adjunto

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  • Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 184, jul./dez. 2009184

    Editorial

    The present volume of Cognitio is entirely dedicated to professor Lafayette de Moraes,on his 80th birthday anniversary.

    Herein our reader will find articles written by collaborators, friends, studentsand former students of Professor Lafayette who, one way or the other, were able toenjoy his company and wisdom. They are texts on logic and the philosophy of sciencethat depict some of the themes that have occupied the mind of professor Lafayetteduring his academic career.

    As for me, I have had the privilege of sharing with professor Lafayette the coursesof logic, the theory of knowledge and the philosophy of science which are given both inthe undergraduation and graduation courses at the Pontifical Catholic University ofSo Paulo. It was a period during which professor Lafayette relentlessly carried out histasks in our university milieu.

    Currently I am able to enjoy the company of Professor Lafayette at the seminaryof the theory of categories, which is organized by me and other collaborators, at PUC-SP.

    I hope the reader can share with us this small homage the Center for PragmatismStudies pays to professor Lafayette de Moraes for all these years of happy and usefulpartaking.

    Edelcio Gonalves de SouzaAdjunct Editor

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  • 185Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 185-190, jul./dez. 2009

    Contribuies do Professor Lafayette de Moraes para oDesenvolvimento da Lgica Matemtica no Brasil

    Contributions by Professor Lafayette de Moraes to the Development ofMathematical Logic in Brazil

    Elias Humberto AlvesCentro de Lgica Jurdica e Teorias da Argumentao

    Faculdade de So Bento [email protected]

    Antonio Eduardo ConsalvoCentro de Lgica Jurdica e Teorias da Argumentao

    Faculdade de So Bento [email protected]

    Resumo: Neste trabalho apresentamos algumas das importantes contribui-es do Prof. Lafayette de Moraes para o desenvolvimento da LgicaMatemtica no Brasil. Em nome do Centro de Lgica Jurdica e Teorias daArgumentao da Faculdade de So Bento de So Paulo, gostaramos deassociar-nos s comemoraes do octogsimo aniversrio do professorLafayette, promovidas pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulocom este nmero especial da revista Cognitio.

    Palavras-chave: Lgica matemtica. Lgica de Jaskowski. Lgicaparaconsistente. Semntica de Kripke.

    Abstract: In this paper we present some of the important contributions byprofessor Lafayette de Moraes to the development of Mathematical Logic inBrazil. On behalf of the Center of Juridical Logic and Theories ofArgumentations of So Bento College, we are glad to take part in thecelebrations of the 80th aniversary of this professor, promoted by the PontificalCatholic University of So Paulo, with this special issue of Cognitio.

    Key-words: Mathematical logic. Jaskowski logic. Paraconsistent logic. Kripkesemantics.

    A chamada Lgica Matemtica ou Lgica Contempornea, da qual nos ocuparemos aqui,comea, no Brasil, com a publicao do livro de Amoroso Costa, As ideias fundamentaisda Matemtica, editada em 1929. Entretanto, o primeiro livro propriamente de LgicaMatemtica s vai aparecer em 1940. Trata-se de Elementos de lgica matemtica, deVicente Ferreira da Silva. Aparece em 1940, dois anos antes da visita do lgico america-no W. O. Quine ao Brasil, como professor visitante da Escola de Sociologia e Poltica deSo Paulo. A visita de Quine contribuiu muito para incrementar o interesse pela lgica

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  • 186 Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 185-190, jul./dez. 2009

    Cognitio: Revista de Filosofia

    entre ns, culminando com a publicao em portugus de seu livro O sentido da novalgica, em 1944.

    Com o passar dos anos, esse interesse vai aumentando, cabendo papel importan-te, na divulgao daquela cincia, a diversas pessoas. Podemos citar, dentre outros, oProf. Mrio Tourasse, de Rio Claro, So Paulo, o Prof. Lenidas Hegenberg, do Institutode Tecnologia da Aeronutica, de So Jos dos Campos e o Prof. Jorge Barbosa, daUniversidade Federal Fluminense.

    Entretanto, em Curitiba que vai surgir, finalmente, a pesquisa em Lgica noBrasil, com os trabalhos do Prof. Newton C. A. da Costa. Ali, sob a orientao desseprofessor, eram realizados seminrios de Lgica desde 1957. Tais seminrios atraram ointeresse de vrias pessoas, comeando a formar-se um pequeno grupo de estudiosos.Provavelmente, isso deve ter propiciado o surgimento da pesquisa, o que pode serdatado de 1963, quando, pela primeira vez, um trabalho de pesquisa em lgica, feita noBrasil, publicado numa importante revista internacional especializada. Trata-se da notade Newton C. A. da Costa, intitulada Calculs propositionnels pour les systemes formelsincconsistents, publicada nos Comptes Rendus da Academia de Cincias da Frana.

    Mais tarde, o Prof. Da Costa, procura de melhores condies de trabalho, trans-fere-se para So Paulo (1968). Forma, ainda, um ncleo de interessados, na Universida-de Estadual de Campinas, tendo orientado, a partir dessa poca, numerosos trabalhos depesquisa. Citaremos aqui alguns de seus orientandos e colaboradores: Andra Loparic,Ayda I. Arruda, Antonio Mario Sette, Elias H. Alves, tala Maria DOttaviano, Lafayette deMoraes, Luiz Paulo de Alcntara, Luis Henrique Lopes dos Santos, Roberto Cignolli eEdelcio Gonalves.

    Dentre esses colaboradores, gostaramos de salientar o nome de Lafayette deMoraes, a quem, com toda justia, foi dedicado o presente volume da revista COGNITIO,na comemorao de seus oitenta anos, pela Pontifcia Universidade Catlica de SoPaulo.

    Em nome do Centro de Lgica Jurdica e Teorias da Argumentao da Faculdadede So Bento, de So Paulo, gostaramos de nos associar s homenagens da PUC-SP,ressaltando, neste trabalho, algumas das importantes contribuies do Prof. Lafayette deMoraes, muitas delas produzidas em colaborao com o Prof Da Costa e que foramimportantes para o desenvolvimento da Lgica em nosso pas.

    O Professor Lafayette de Moraes nasceu em Rio Branco, capital do Acre, em 1929.Nesta ocasio, seu pai trabalhava na Misso Rondon. Era telegrafista e foi instalar naquelacidade, em 1929, a primeira estao telegrfica da regio. Na realidade o ProfessorLafayette s permaneceu em Rio Branco por dois meses e nunca mais voltou para l.Foi, em seguida, com seus pais, para Manaus, onde ficou at os dez anos de idade,quando concluiu o curso primrio. Com onze anos, veio para o Rio de Janeiro com todafamlia, tendo mais tarde, aps concluir o ensino mdio, entrado no curso de matemticada Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje denominada Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro. Seus estudos na UFRJ deram-se de 1949 a 1953. Emseguida, ele veio para So Paulo, concorrendo a um cargo na disciplina de matemticano Magistrio Oficial do Estado de So Paulo. Foi aprovado e ali trabalhou por cerca detrinta anos, aposentando-se deste cargo em 1984. Durante esse tempo, fez ainda agraduao de fsica da Universidade de So Paulo, tendo concludo esse curso em 1963.Comeou, nesse perodo, a trabalhar no Departamento de Fsica da Universidade de So

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  • 187Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 185-190, jul./dez. 2009

    Contribuies do Professor Lafayette de Moraes

    Paulo, em 1963. Naquele tempo, no havia ps-graduao oficial no Brasil. Trabalhava-se com um catedrtico da rea. No caso de Lafayette de Moraes, tratava-se de fsicaterica e relatividade, rea em que havia professores de renome internacional, como,por exemplo, Mario Shenberg, Leite Lopes, entre outros. importante dizer que todoprofessor que no pertencia ao quadro oficial, como era o caso do Prof. Lafayette, rece-bia uma verba advinda de uma instituio internacional qual pertencia o Prof. MarioShenberg. A partir de 1964, com a instaurao do regime militar, o Brasil passa por umapoca conturbada. Entre outros problemas podemos citar a cassao do Prof. Shenberg,com a consequente suspenso da verba para os professores no oficiais. Tal situaotrouxe inmeras dificuldades financeiras para Lafayette de Moraes, que havia deixadotodas as outras atividades para trabalhar apenas no Departamento de Fsica da Universi-dade de So Paulo.

    Contudo, em So Paulo, existiam institutos isolados, tendo um deles, situado emSo Jos do Rio Preto, aberto concurso no Departamento de Matemtica, para a cadeirade Clculo Diferencial e Integral e Geometria Analtica. Lafayette de Moraes prestou oconcurso e foi aprovado.

    Em 1965, houve um congresso de matemtica no Instituto Tecnolgico de Aero-nutica (ITA), coordenado pelo professor Lenidas Hegenberg. O referido professorapresentou Lafayette a N.C.A. da Costa, o qual lhe comunicou a inteno de vir para SoPaulo disputar uma cadeira na Universidade de So Paulo. Pretendia coordenar um gru-po de Lgica, Teoria de Conjuntos e Fundamentos da Matemtica. De fato, havia sidocriada uma cadeira no Departamento de Lgica e Fundamentos da Matemtica da Uni-versidade de So Paulo. Enquanto isso no se efetivava, devido ocupao da USP peloregime militar, o Prof. Da Costa iniciou um seminrio informal ministrado na casa do Prof.Leon Kosovich, atualmente professor do Departamento de Filosofia da Universidade deSo Paulo e professor convidado da Faculdade de So Bento. Lafayette de Moraes pas-sou a frequentar o seminrio de Da Costa, mesmo mantendo suas atividades em SoJos do Rio Preto. Isso durou at 1968, quando foi criada a Universidade Estadual deCampinas, que convidou o Prof. Da Costa para trabalhar no Instituto de Matemtica,Estatstica e Cincias da Computao (IMECC). O Prof. Da Costa levou, para trabalharcom ele, os professores Ayda Arruda e Lafayette de Moraes, entre outros.

    O Prof. Lafayette continua na UNICAMP at que, em 1973, foi convidado peloProf. Lenidas Hegenberg para trabalhar no setor de ps-graduao do Departamentode Filosofia e no Departamento de Matemtica da Pontifcia Universidade Catlica deSo Paulo. Com isso, Lafayette deixa a UNICAMP. Durante esse tempo, trabalha tam-bm, como comissionado, no Instituto Brasileiro de Educao, Cincia e Cultura (IBECC),com o objetivo de introduzir, no Brasil, o que se chamava de Matemtica Moderna. Paraisso, tinha ido para os Estados Unidos com uma bolsa de estudos para trabalhar com ogrupo denominado School Matematics Study Group (SMSG), sediado na FordhamUniversity, na Cidade de Nova York. Um de seus trabalhos consistiu na traduo decerca de treze volumes em Matemtica Moderna, produzidos pelo grupo.

    Enquanto isso, na UNICAMP (1968), foi criada a Faculdade de Educao, e comotrabalhava com textos de educao matemtica, foi chamado para lecionar nessa Facul-dade, ali permanecendo de 1968 a 1988, quando se aposentou definitivamente daquelauniversidade. Volta, agora em tempo integral, para a PUC-SP, onde permanece at 2007,aposentando-se, ento, por esta instituio.

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  • 188 Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 185-190, jul./dez. 2009

    Cognitio: Revista de Filosofia

    No Mosteiro de So Bento comea a trabalhar a partir de 2006, como professor delgica na Faculdade de Filosofia de So Bento. Em 2007, fez parte da Comisso queaprovou o projeto pedaggico do Centro de Lgica Jurdica e Teorias da Argumentaodaquela instituio, sendo, tambm, um dos seus membros fundadores, cargo que ocu-pa at hoje.

    Passamos, agora, a explicitar alguns de seus trabalhos mais importantes relativoss suas atividades cientficas. Aps o seu contato com o Prof. Da Costa, Lafayette tomouconhecimento da obra do polons Jaskowski. Posteriormente, o Prof. Newton forneceua ele o original do trabalho de Jaskowski sobre a lgica dos sistemas formais inconsisten-tes. Tal texto se encontrava publicado em polons com um pequeno resumo em fran-cs. Deve-se ressaltar que para entender o texto de Jaskowski era preciso conhecerbem Lgica Modal, isso porque tal texto era baseado no sistema de Lewis e Langford.Nesta ocasio o Prof. Hugh Lacey ministrava um curso, como professor visitante, na USP.Ele indicou um trabalho, recentemente publicado, de 1963, de Hughes e Cresswell,intitulado Introduction to Modal Logic. A partir desses textos o Prof. Lafayette desen-volveu sua dissertao de mestrado, defendida no departamento de Filosofia da Univer-sidade de So Paulo (1970), intitulada Sobre a lgica discursiva de Jaskowski, sob aorientao do Prof. Newton da Costa.

    A dissertao versa sobre a lgica discursiva de Jaskowski, axiomatizada por asso-ciaes com o sistema S5 modal de Lewis. Nele, Lafayette discute o problema dadecidibilidade, tendo em vista que, como se pode demonstrar, o clculo de Jaskowskino decidvel por matrizes finitas. Alm disso, ele apresenta o clculo discursivo deprimeira ordem, com igualdade, partindo de um clculo proposto por Da Costa eDubikajtis. Trata-se tambm de um clculo de predicados discursivo generalizado e osfundamentos de uma teoria de conjuntos discursiva. Nesse trabalho tambm foram fei-tas algumas consideraes de carter filosfico sobre a questo da inconsistncia e pro-blemas de interpretao de clculos discursivos e modais de primeira ordem.

    No seu doutorado, com o ttulo Lgica discursiva e modelos de Kripke, defendidoem 1973, Lafayette, ainda sob a orientao do Prof. Da Costa, tratou de apresentar umaaxiomtica para o sistema J, demonstrando alguns metateoremas e discutindo proble-mas de decidibilidade. Em tal trabalho, o Professor Lafayette apresentou, ainda, umasemntica para J baseada na semntica de Kripke, de 1963, conhecida como semnticados mundos possveis. Tambm foram tratados princpios de substituio em sistemasmodais e o problema do colapso do sistema J no clculo proposicional clssico.

    Um dos trabalhos mais interessantes sobre o tema foi publicado no Reports onmatematic logic, em colaborao com Dubikajtis, que havia chegado recentemente aoBrasil, para uma temporada na USP. No trabalho intitulado On single operator for LewisS5 modal logic, foi apresentado um operador para o sistema S5, que funciona de ma-neira equivalente a um operador de Sheffer para o clculo proposicional clssico.

    Em 1975, Lafayette de Moraes ganha uma bolsa do DAAD, do governo da Alema-nha. Estando l, Dubikajtis convida-o para trabalhar com ele em Katowice, Polnia.Naquela ocasio, eles trabalharam com a lgica de Jaskowski em nvel de primeiraordem. Dessa forma, descobrem o seguinte resultado: a lgica de Jaskowski tem duasextenses distintas, em nvel de primeira ordem, representadas por J* e J**. Segue-se daum problema em aberto: Existe uma lgica de primeira ordem J***, distinta das duasanteriores?

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  • 189Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 185-190, jul./dez. 2009

    Contribuies do Professor Lafayette de Moraes

    O referido trabalho foi apresentado pelo Prof. Lafayette em Torum, na Polnia,em 1998, por ocasio do cinqentenrio da primeira lgica paraconsistente elaboradapor Jaskowski, sob o ttulo On some results on discursive logic.

    Mais recentemente, no ano de 1999, o Prof. Lafayette de Moraes, em colaboraocom Jair Minoro Abe, publicou um trabalho intitulado Some Results on Jaskowskisdiscursive logic. Este interessante trabalho dividido em trs partes. Na primeira parte,introduz-se o clculo J** e, seguindo-se a sugesto do Prof. D. Makinson, os autoresmostram que esse clculo no idntico ao clculo de Da Costa e Dubikajtis, publicadoem 1977. Uma axiomatizao para J** , ento, apresentada. Na segunda parte, elesintroduzem novos conectivos discussivos e estudam algumas de suas propriedades.Finalmente, observa-se que a semntica de Kripke usual pode ser adaptada para oclculo J**.

    Para finalizar, queremos, ainda uma vez, ressaltar que julgamos ser muito justa ahomenagem ao Prof. Lafayette de Moraes, com a publicao deste nmero especial darevista COGNITIO, tendo em vista sua excelente atuao em instituies brasileiras(incluindo o Centro de Lgica Jurdica e Teorias da Argumentao), mas, principalmen-te, pela sua importante contribuio para o desenvolvimento da Lgica no Brasil.

    BibliografiaALVES, Elias H. Aspectos da lgica matemtica no Brasil. In: FERRI, M. G.;MOTOYAMA, S. (Coords.). Histria das cincias no Brasil, v. 3, 1979-1981.

    AMOROSO COSTA, M. As ideias fundamentais da matemtica. Pimenta de Mello, 1929.

    ARRUDA, Ayda I. Historical Development of Paraconsistent Logic. MathematicalLogic in Latin Amrica. North-Holland, Amsterdam, 1980.

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  • 190 Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 185-190, jul./dez. 2009

    Cognitio: Revista de Filosofia

    Endereos / AddressesElias Humberto AlvesCentro de Lgica Jurdica e Teorias da ArgumentaoFaculdade de So Bento SPLargo de So Bento s/nSo Paulo SPCEP: 01029-010

    Antonio Eduardo ConsalvoCentro de Lgica Jurdica e Teorias da ArgumentaoFaculdade de So Bento SPLargo de So Bento s/nSo Paulo SPCEP: 01029-010

    Data de recebimento: 15/6/2009Data de aprovao: 30/7/2009

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  • 191Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 191-207, jul./dez. 2009

    Semntica Quase-conjuntista e Compromisso OntolgicoQuasi-Set Semantics and Ontological Compromise

    Jonas R. Becker Arenhart*

    Programa de Ps-Graduao em FilosofiaGrupo de Lgica e Fundamentos da Cincia

    Universidade Federal de Santa [email protected]

    Dcio Krause**

    Programa de Ps-Graduao em FilosofiaGrupo de Lgica e Fundamentos da Cincia

    Universidade Federal de Santa [email protected]

    Dedicado a Lafayette de Moraes pelos seus 80 anosTo Lafayette de Moraes on his 80th Anniversary

    Resumo: Neste trabalho apresentaremos uma semntica de estilo tarskianopara linguagens de primeira ordem, utilizando-nos de uma teoria de qua-se-conjuntos como metalinguagem. O objetivo permitir que objetosindistinguveis mas no idnticos, no sentido tratado por esta teoria, figu-rem no domnio de interpretao e possam ser valores de variveis nosentido quiniano. Desse modo, alm de alterar a interpretao de smbo-los como a identidade e as constantes no lgicas da linguagem, estasemntica nos permite discutir de modo rigoroso a possibilidade derelativizarmos o famoso critrio de compromisso ontolgico de Quine,segundo o qual, grosso modo, uma teoria expressa em linguagem deprimeira ordem est comprometida com as entidades que devem estar nodomnio de interpretao para que a frmula em questo seja verdadeira,e que essas entidades devem ser dotadas de identidade. Como veremos,mudando a teoria da metalinguagem, mudamos os tipos de objetos quepodem pertencer ao domnio de interpretao.

    Palavras-chave: Semntica. Quase-conjuntos. Identidade.

    Abstract: In this paper we will present a Tarski-like Semantics for first-orderlanguages by resorting to a theory of quasi-sets as meta-language. The objectiveis to allow that undistinguishable, though not identical, objects in the sensedealt with by this theory , appear in the domain of interpretation and may be

    * Bolsista Capes.** Parcialmente financiado pelo CNPq (processo 304540/2006-4).

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    Cognitio: Revista de Filosofia

    values of variables in the Quinean sense. Thus, besides changing theinterpretation of symbols as the identity and the non-logical constants oflanguage, this Semantics will allow us to discuss in a strict manner thepossibility of relativizing the famous criterion of Quines OntologicalCompromise, according to which, without getting into minute details, a theoryexpressed in first-order language is compromised with the entities that oughtto be in the domain of interpretation so that the formula in question is trueand that such entities must have identity. As we shall see, by changing thismeta-language theory, we will change the kinds of objects that can belong tothe domain of interpretation.

    Key-words: Semantics. Quasi-sets. Identity.

    1. MotivaoEm seu livro Ensaio sobre os fundamentos da lgica, Newton da Costa (Da COSTA,1980, p.117 ss.) apresentou um sistema de lgica de primeira ordem que batizou deLgica de Schrdinger. O objetivo que tinha em mente ao apresentar esta lgica eramostrar que o princpio de identidade, conforme formalizado na lgica clssica de pri-meira ordem pela frmula x (x = x), pode no valer em geral, ou seja, que se podeconceber um sistema de lgica, a lgica de Schrdinger, no qual nem identidade nemdiferena se apliquem a todas as entidades das quais se pretende tratar.1

    Ainda, como motivao fundamental para propor-se um sistema de lgica dessetipo, Da Costa visava, com a lgica de Schrdinger, captar certas intuies de E. Schrdingerque, falando sobre partculas elementares da fsica quntica, insistia em que a questosobre sua identidade ou diferena, em certos contextos qunticos, no faz sentido: Estfora de dvida que a questo da igualdade, da identidade, real e verdadeiramente notem sentido (SCHRDINGER, 1952, p. 18). Assim, a lgica de Schrdinger, baseadaem concepes como a de Schrdinger sobre a natureza das partculas da fsica quntica,visava ser um exemplo de sistema de lgica no qual podemos mostrar que a lei daidentidade, formulada conforme mencionamos acima, no vale irrestritamente, no va-lendo em particular para alguns objetos do modelo pretendido.

    A formulao de um sistema de lgica que satisfaa essas condies, ou seja, umsistema no qual no seja possvel falar de identidade e diferena para certas entidades,foi obtida utilizando-se dois recursos: (i) uma linguagem bissortida, ou seja, uma lingua-gem com duas espcies de termos individuais, e (ii) uma mudana conveniente nadefinio de frmula. Com relao aos termos individuais, temos que os termos daprimeira espcie tero como interpretao pretendida objetos macroscpicos, para osquais a identidade (em seu sentido usual descrito pela lgica elementar clssica) supos-tamente faz sentido, e a outra espcie, a segunda, possui como interpretao pretendi-

    1 Esse tipo de lgica, que viola de alguma forma o princpio de identidade, chamado delgica no-reflexiva, ou ento de pararreflexiva. Outros sistemas de lgicas desse tipo, ousugestes sobre seu desenvolvimento, podem ser vistos tambm em Da COSTA, KRAUSE,1994; Da COSTA, KRAUSE, 1997; FRENCH, KRAUSE, 2006, cap. 8; Da COSTA, BUENO,2009.

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    Semntica Quase-conjuntista e Compromisso Ontolgico

    da as entidades microscpicas, que, seguindo a interpretao de Schrdinger que moti-vou a construo desse sistema, no podem figurar com sentido na relao de identida-de. O segundo ponto mencionado acima, a restrio na definio de frmulas, foi utiliza-do para garantir-se que esse aspecto especial do sistema seja capturado pelo formalismo,ou seja, para que a identidade no se aplique a objetos denotados pelos termos desegunda espcie. A restrio que deve ser feita na definio de frmula a de impedirque o smbolo identidade origine uma frmula quando ladeado por pelo menos umtermo de segunda espcie. Os axiomas da lgica clssica, respeitadas as diferenas determos que impem pequenas restries em sua formulao nos axiomas da igualdade,completam a apresentao.

    Dadas essas motivaes, a interpretao pretendida para a lgica de Schrdingerdeveria ser feita de modo que essas intuies bsicas fossem preservadas. As variveisde primeira espcie percorreriam um conjunto no sentido usual, e as constantes deprimeira espcie nomeariam elementos deste conjunto. Por outro lado, caso queiramosque nossa semntica seja consistente com as nossas motivaes, as variveis de segundaespcie deveriam percorrer um conjunto cujos elementos sejam tais que a identidadeou diferena no fizesse sentido para eles, e as constantes de segunda espcie deve-riam, de algum modo, denotar tais elementos.

    Esse procedimento, quando realizado da maneira usual, ou seja, tendo uma teoriade conjuntos informal como metalinguagem, conduz a vrios problemas filosficos, pois,em particular, como foi apontado por Da Costa (Da COSTA, 1980; ver tambm DaCOSTA; KRAUSE, 1994) o conjunto no qual se interpretam os termos de segunda esp-cie no pode ser um conjunto na acepo usual, caso queiramos de fato preservar asintuies que deram origem s lgicas de Schrdinger. Isso ocorre porque, nas teorias deconjuntos usuais, a identidade sempre faz sentido para todos os elementos de qualquerconjunto (outros problemas relacionando semnticas para linguagens de primeira or-dem com as teorias usuais de conjuntos, quando se tem em mente tratar com partculasqunticas, podem ser vistos em FRENCH; KRAUSE, 2006, cap. 6). Assim, conforme DaCosta,

    ... ao tratarmos de partculas elementares, tudo indica que devamos procurarsemnticas fora das teorias clssicas de conjuntos. A lgica no reflexiva, v.g.,surgiu dessa circunstncia; como j observamos, a igualdade parece carecer desentido no tocante s partculas atmicas ou subatmicas, de modo que no sepode aplicar diretamente as noes da teoria usual de conjuntos a colees departculas elementares. Por conseguinte, a semntica de certas linguagens dafsica no suscetvel de assentar-se, pura e simplesmente, em qualquer dasteorias clssicas de conjunto. (Da COSTA, 1999, p.124)

    A soluo que se buscou para o problema mencionado acima foi a construo de umateoria de quase-conjuntos, soluo que havia sido sugerida por Da Costa ao detectar oproblema. A teoria de quase-conjuntos, conforme elaborada por Krause (ver KRAUSE,1990, 1992), permite que se trate de colees de objetos indistinguveis mas no idn-ticos. Abaixo faremos uma breve apresentao dessa teoria (um desenvolvimento deta-lhado pode ser visto em FRENCH; KRAUSE, 2006, cap. 7). Vale mencionar tambm queas Lgicas de Schrdinger no ficam restritas a linguagens de primeira ordem, mas po-dem ser formuladas, com adaptaes convenientes, como sistemas de ordem superior,apresentando, no entanto, os mesmo problemas que o sistema de primeira ordem no

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    Cognitio: Revista de Filosofia

    que diz respeito semntica feita tendo-se teorias de conjuntos clssicas comometalinguagem (para essas extenses, ver KRAUSE, 1990; Da COSTA, KRAUSE, 1994;Da COSTA, KRAUSE, 1997; FRENCH, KRAUSE, 2006).

    Uma sugesto que se apresenta muito naturalmente nesse contexto a de segeneralizar a sugesto da semntica acima, e utilizar a teoria de quase-conjuntos comometalinguagem para fundamentar semnticas no apenas para a lgica de Schrdinger,mas tambm para qualquer linguagem de primeira ordem, sendo a semntica para algica de Schrdinger apenas um caso particular. Essa sugesto nos parece natural pelosseguintes motivos: conforme notamos acima, o que garantir que no podemos falarsobre a identidade ou diferena das entidades denotadas pelos termos de segunda es-pcie da lgica de Schrdinger uma caracterstica prpria da metalinguagem. Assim,no a linguagem ou mesmo a lgica que se utiliza o que faz com que as entidades comas quais estamos tratando sejam ou no objetos desse tipo peculiar, mas sim ametalinguagem, que fornece em particular o domnio de interpretao.

    Considerando com um pouco mais de detalhe a afirmao anterior de que a valida-de ou no de relao de identidade para as entidades com as quais queremos tratardepende em grande parte do domnio de interpretao, que por sua vez depende dametalinguagem, temos a possibilidade de relativizar as entidades que podem existir nosdomnios de interpretao teoria de conjunto utilizada. Assim, se levarmos a srio ocritrio de compromisso ontolgico de Quine (QUINE, 1948), segundo o qual as entida-des com as quais est comprometida uma teoria so aquelas entidades que devem existirpara que as sentenas da teoria quantificadas existencialmente sejam verdadeiras quandoformuladas em uma linguagem regimentada, se considerarmos teorias de conjuntos al-ternativas, teremos que diferentes tipos de entidades podem pertencer ao domnio deinterpretao dessas teorias, e assim, de algum modo, a ontologia com a qual a teoria noscompromete fica tambm relativizada metalinguagem que estamos utilizando.

    Nosso objetivo, nas prximas sees, mostrar como uma semntica de estilotarskiano pode ser feita utilizando-se a teoria de quase-conjuntos como metalinguagem.Buscaremos, alm de enfatizar como algumas caractersticas da semntica mudam quan-do se utilizar essa teoria de conjuntos, apresentar alguns resultados particulares que seoriginam essencialmente do fato de estarmos utilizando uma metalinguagem particulare, ento, discutir a tese quiniana do comprometimento ontolgico, tendo em vista apossibilidade de erigirmos diferentes teorias de conjuntos, no equivalentes entre si, nasquais podemos formular uma semntica para linguagens de primeira ordem. Passamosagora a apresentar um esboo da teoria de quase-conjuntos.

    2. A teoria de quase-conjuntosNesta seo, apresentaremos em linhas gerais as noes bsicas da teoria de quase-conjuntos que sero utilizadas nas discusses a seguir. Os detalhes podem ser encontra-dos em French e Krause (2006, cap. 7). Nossa exposio no ser detalhada; no apre-sentaremos todos os postulados e definies utilizados no desenvolvimento da teoria,restringindo-nos a dar uma ideia bsica de como a teoria pode ser entendida informal-mente. A teoria de quase-conjuntos desenvolvida aqui denominada de Q.

    As principais motivaes para desenvolver-se uma teoria de quase-conjuntos, almda proposta original de que serviriam para fundamentar-se mais adequadamente uma

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    Semntica Quase-conjuntista e Compromisso Ontolgico

    semntica para as lgicas de Schrdinger, consistem em poder dar-se um tratamentoformal mais adequado s colees de objetos que no possam figurar com sentido narelao de identidade, mas que possam ser indiscernveis em um sentido preciso. Ateoria, portanto, pode ser qualificada como proporcionadora dos fundamentos para umamatemtica da indiscernibilidade e da no-individualidade. Em outros termos, objeti-va-se com a teoria superar a necessidade de desenvolver-se uma teoria de conjuntosque, diferentemente das teorias clssicas como ZF, possa tratar de colees de objetosque possam ser absolutamente indistinguveis mas no idnticos, ou seja, na qual osconceitos de identidade e indistinguibilidade possam ser tratados separadamente comono equivalentes (pois, como se sabe, a identidade usualmente definida por meio daindistinguibilidade).

    Para que a teoria capture essas intuies, temos que garantir dois pontos: que ateoria seja consistente com a existncia de objetos que no podero figurar na relaode identidade e que, para esses objetos, valha uma relao mais fraca, de indistinguibilidade,sem no entanto coincidir com a identidade. A maneira como esses dois objetivos soalcanados est relacionada como segue. Primeiramente, consideramos que a teoriapossui dois tipos de tomos, os m-tomos e os M-tomos. Os primeiros, numa interpre-tao pretendida, representam intuitivamente as partculas microscpicas para as quaisidentidade e diferena no devem fazer sentido, enquanto os M-tomos representamobjetos usuais, macroscpicos, para os quais se supe que a relao de identidade devefazer sentido. Estes objetos sero distinguidos na teoria pelos predicados unrios m e Mrespectivamente, que so smbolos primitivos da linguagem de Q.

    Os quase-conjuntos, ou q-sets, so por definio objetos que no so tomos. Se x um quase-conjunto, denotamos isso por meio de um predicado, Q(x). Os quase-conjuntos podem, como nas teorias usuais, conter como elementos tanto tomos dequalquer um dos dois tipos quanto outros quase-conjuntos. Utilizaremos um smboloprimitivo de predicado unrio na linguagem da teoria, Z, para designar aqueles quase-conjuntos que representaro os conjuntos clssicos de ZFU em Q, ou seja, aquelascolees que no possuem m-tomos em seu fecho transitivo.2 Os objetos que satisfa-zem os predicados M e Z so ditos os objetos clssicos da teoria. Assim, se nos restrin-girmos s colees que satisfazem Z e aos objetos que satisfazem M, obtemos em Quma cpia de ZFU. Com isso, toda a matemtica que pode ser desenvolvida em ZFUpode tambm ser desenvolvida em Q, e desse modo que dizemos que Q contmZFU. Do mesmo modo, q-sets que possuem como elementos apenas m-tomos soditos q-sets puros.

    Assumimos que o smbolo para a relao de identidade (=) no um dos smbo-los primitivos da teoria, mas que o smbolo de relao binria que representar aindistinguibilidade, , pelo contrrio, um dos primitivos. Os postulados paraindistinguibilidade nos garantem que ela uma relao de equivalncia, valendo entretodos os objetos do domnio. A identidade, por outro lado, um smbolo definido nateoria, nos garantindo que dois quase-conjuntos x e y que possuem todos os mesmo

    2 Esse conceito entendido em seu sentido usual. Isso corresponde a dizer que umconjunto (um objeto que satisfaa o predicado Z) descrito pela parte clssica dateoria Q.

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    Cognitio: Revista de Filosofia

    elementos clssicos (M-tomos ou conjuntos), e no possuindo m-tomos em seusfechos transitivos, sero idnticos, e que M-tomos ou conjuntos que pertencem a exa-tamente os mesmos quase-conjuntos sero iguais. Usaremos o smbolo =E para denotaresta relao, que ser chamada identidade extensional. Note que essa relao de iden-tidade no est definida para m-tomos, e, assim, eles podem figurar significativamentena relao de indistinguibilidade, mas no na relao de identidade. Os postulados dateoria e a definio de identidade extensional garantem-nos que, para os objetos cls-sicos, as relaes de indistinguibilidade e identidade so equivalentes, ou seja, paraessas entidades, estas relaes colapsam como no caso clssico, mas que isto no ocorrepara os m-tomos.

    Enfatizando este ponto, resulta dos detalhes formais da teoria que uma expressoda forma x=E y no uma frmula (expresso bem formada da linguagem de Q) quandox ou y satisfazem o predicado m. Assim, conforme as intuies que guiaram a construoda teoria, esses objetos so pensados como capazes de representar partculas microsc-picas da mecnica quntica no-relativstica, segundo uma interpretao razovel (dis-cutida em FRENCH; KRAUSE, 2006). Nas discusses sobre o assunto, os objetos dessetipo so chamados de no-indivduos (ver ibid.). Quando utilizamos os axiomas de Qpara formar colees de m-tomos, obtemos quase-conjuntos de objetos que no pos-suem identidade, no sentido que explicamos acima. Essas colees, no entanto, semprevo possuir um cardinal, chamado quase-cardinal, mas no possuem um ordinal associado.Com efeito, para enfatizar a ideia intuitiva de indiscernibilidade como independente daidentidade, esses conceitos devem ser mantidos separados em Q, j que colees de m-tomos no devem poder ser ordenadas ou contadas no sentido usual, uma vez queestas noes fazem uso do conceito de identidade, algo no disponvel para os m-tomos. O quase-cardinal de um quase-conjunto garantido pelos axiomas da teoria, e denotado por um smbolo funcional unrio qc, de modo que, dado um quase-conjuntox, qc(x) denota seu quase-cardinal, que, nos casos em que x (cpia de) um conjuntoclssico, coincide com a noo usual de cardinal.

    A construo dos quase-conjuntos segue muito de perto o modo de proceder dasteorias clssicas. Podemos obter operaes entre quse-conjuntos que simulam todas asoperaes conhecidas nas teorias clssicas, mas devemos lembrar que agora estaremosoperando tambm sobre colees de m-tomos, e que isso traz diferenas. O resultadodessa construo quase-conjuntista, quando temos em mente a interpretao standarddos smbolos da teoria, um universo de quase-conjuntos semelhante ao universoconjuntista de ZFU (veja ENDERTON, 1977, p. 7 ss.). A diferena que, com dois tiposde tomos, esse universo estar dividido em duas partes, uma clssica, e outra quecontm colees de objetos que no possuem identidade, no sentido explicado acima.

    Para deixar claro em Q que uma coleo de objetos tendo uma propriedade P emcomum satisfaz o predicado Z, e assim possui em seu fecho transitivo apenas objetosclssicos, utilizamos a notao usual para descrever esta coleo, ou seja, esta ser acoleo {x: P(x)}. Do mesmo modo, quando uma coleo de objetos que satisfazem umapropriedade P pode ter m-tomos como elementos em seu fecho transitivo, denotare-mos esta coleo por [x: P(x)]. Esta ltima, em particular, pode ser uma coleo conten-do apenas m-tomos, mas importante deixar claro que estes m-tomos no precisamser todos indiscernveis entre si, ou seja, apesar da relao de indistinguibilidade estardefinida para todos os objetos, pode acontecer de existirem diferentes tipos de m-

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    Semntica Quase-conjuntista e Compromisso Ontolgico

    tomos, sem que sejam indiscernveis entre si. No entanto, isto no implica que serodiferentes, j que a identidade no est definida para este tipo de objetos, mas apenasque sero distinguveis.

    Para esclarecer como q-sets esto relacionados pela relao de indistinguibilidade,adotamos na teoria um axioma da extensionalidade fraca. Informalmente, o que esteaxioma nos garante que q-sets x e y sero indistinguveis quando possurem exata-mente a mesma quantidade de elementos do mesmo tipo (indistinguveis entre si). Anoo de a mesma quantidade, aqui, expressa em termos do quase-cardinal. A ideia que podemos quocientar (passar o quociente) os q-sets em questo pela relao deindistinguibilidade e, dada qualquer classe de equivalncia em um deles, teremos umaclasse de equivalncia correspondente no outro com o mesmo quase-cardinal e tal queos elementos dessas duas classes so indistinguveis entre si. Esse um aspecto impor-tante da teoria que usaremos na seo seguinte.

    Este axioma da extensionalidade fraca nos permite derivar em Q uma versoquase-conjuntista do postulado da no-observabilidade das permutaes na mecnicaquntica no-relativista. Nas teorias de conjuntos usuais, se w x, ento

    (x - {w}) {z} = x z = w,

    ou seja, s podemos trocar elementos de uma coleo sem alter-la se trocarmos umelemento pelo mesmo elemento, devido, claro, presena do axioma da extensionalidade.Em Q, pelo contrrio, dado um m-tomo y, chamamos de y o q-set com quase-cardinal1 cujo elemento um m-tomo indistinguvel de y (que se pode provar existir), pode-mos provar o seguinte teorema:

    [Permutaes no so observveis] Seja x um q-set finito tal que x no possui comoelementos todos indistinguveis de z, onde z um m-tomo tal que z x. Se w z e w x, existe w tal que (x z ) w x.

    O teorema nos garante que, se x tem n elementos, e se trocarmos seus elemen-tos z pelos correspondentes indistinguveis w (ou seja, se realizamos a operao (x z) w), ento, o quase-conjunto resultante permanece indistinguvel daquele com o qualns comeamos. Em certo sentido, no importa se estamos tratando com x ou com (x z) w. Isso significa que, em Q, podemos expressar que as permutaes no soobservveis, sem introduzir postulados de simetria, como ocorre no caso do tratamentousual na mecnica quntica (na fsica quntica, esses postulados garantem que os resul-tados de medida sobre sistemas fsicos no se alteram se o sistema tiver trocadosalguns de ou todos os seus elementos qunticos por similares da mesma espcie).

    3. Semntica quase-conjuntista para linguagens de primeira ordemComo vimos, a teoria de quase-conjuntos suficientemente forte para conter uma c-pia de ZFU, e permite-nos ainda tratar de colees de objetos indistinguveis. Isso nossugere, como dissemos na introduo, que podemos no apenas esboar uma semnti-ca que consideramos filosoficamente adequada para a lgica de Schrdinger, como seapresentava o problema original, mas que se v um pouco mais longe, propondo-seuma maneira geral de se fazer semntica nesta metalinguagem para qualquer lingua-

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    Cognitio: Revista de Filosofia

    gem L de primeira ordem (e mesmo de ordens superiores, como feito para certasLgicas de Schrdinger intensionais em Da COSTA; KRAUSE, 1997), da qual a semnticaque consideramos adequada para a lgica de Schrdinger seja um caso especial. Issofar com que qualquer linguagem de primeira ordem possa falar de objetosindistinguveis, mesmo aquelas que no apresentam as restries na sintaxe como ocaso das lgicas de Schrdinger e esta, como veremos, apenas uma das caractersticasde nossa semntica, que influenciada pelo fato de que, agora, nossa metalinguagem uma teoria de quase-conjuntos. (Enfatizando que, apesar de que aqui nos restringiremosa linguagens de primeira ordem, os resultados podem ser generalizados).

    A partir de agora apresentaremos em linhas gerais uma semntica no estilo deTarski, construda na teoria de quase-conjuntos que servir para linguagens de primeiraordem em geral. Como veremos, ela suficientemente geral para conter como casosparticulares a semntica usual para uma linguagem de primeira ordem, conforme aque-las feitas em ZF, quando se trata apenas com objetos clssicos no domnio de interpre-tao e tambm, no extremo oposto, uma semntica para linguagens que trataro ape-nas de objetos indistinguveis em seu domnio. Um meio termo ser o caso de interpre-taes em domnios que so o que chamamos acima de q-sets usuais, como o casopretendido para a Lgica de Schrdinger, que contm no domnio tanto m-tomosindistinguveis quanto elementos clssicos.

    Queremos, portanto, apresentar uma maneira de interpretar uma linguagem L deprimeira ordem que pode conter os seguintes smbolos lgicos e no-lgicos comoprimitivos:

    i) Os conectivos (implicao) e (negao);

    ii) O quantificador universal (para todo);iii) Uma coleo enumervel de variveis individuais x1, x2, ..., xn, ...;

    iv) Uma coleo qualquer de constantes a1, a2, ..., an, ...;

    v) Para cada n natural, uma coleo de smbolos de predicados de peso n;

    vi) O smbolo = para a identidade;

    vii) Smbolos para pontuao, parnteses e vrgulas.

    Como usual, tomamos a identidade como um smbolo lgico, mas sua interpre-tao, como veremos, ser diferente da diagonal do domnio. Alm disso, os smbolosno lgicos variam de acordo com a particular teoria que se deseja. Os termos individu-ais sero as constantes individuais e as variveis individuais. Para simplificar a exposio,optamos por no utilizar smbolos para funes. Os conectivos restantes, que no foramescolhidos em nossa linguagem como primitivos, podem ser definidos da maneira usualem termos dos conectivos escolhidos, assim como o quantificador existencial. Em geral,valem de modo idntico ao clssico as definies de termos, frmulas, ocorrncia livreou ligada de uma varivel, entre outras. (As definies podem ser vistas, por exemplo,em MENDELSON, 1987, cap. 2).

    Suporemos que as noes sintticas usuais, como, por exemplo, as de demonstra-o e teorema, so definidas como na lgica clssica. Tambm suporemos que quandofalarmos em uma teoria tendo por base esta lgica, estaremos nos referindo, de modo

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    Semntica Quase-conjuntista e Compromisso Ontolgico

    semelhante ao que faz Mendelson (1987), ao conjunto de postulados lgicos apresenta-dos na obra citada e aos postulados no lgicos, que variam de acordo com cada teoriaparticular.

    A interpretao ser dada por uma estrutura da forma E =E . Vale lembrar queestamos utilizando a teoria de quase-conjuntos como metalinguagem, e todos os concei-tos que utilizarmos aqui, como os recm-mencionados de par ordenado e igualdadeextensional, so os conceitos conforme definidos nesta teoria. Ademais, supomos, comousual, que nossa metalinguagem contm nomes para os smbolos e expresses da lin-guagem L. Temos ento que:

    i) A um quase-conjunto no vazio, chamado domnio da interpretao;

    ii) I uma quase-funo denotao, que atribui aos smbolos no-lgicos da linguagemelementos de A e subquase-conjuntos de A conforme especificado abaixo;

    iii) I(ai) A, ou seja, s constantes individuais so atribudos elementos de A;

    iv) I(Pn) An, ou seja, aos smbolos de predicado de peso n atribumos colees de n-uplas ordenadas do domnio;

    v) I(=) =E [< x, y >: x A y A x y]

    Por estarmos trabalhando na teoria de quase-conjuntos, devemos levar em contaalgumas particularidades dessas clusulas, como as seguintes.

    Com relao ao domnio A: como se trata de q-set, pode ser de qualquer dos tiposapresentados na segunda seo anterior, ou seja, podemos escolher como domnio umq-set puro, contendo apenas m-tomos, ou um q-set que chamamos de conjunto, ouseja, uma cpia de um conjunto de ZFU contendo apenas objetos clssicos, ou entoum q-set que contenha ambos os tipos de elementos.

    importante perceber que quando se tratar de q-sets clssicos teremos algo equi-valente semntica usual se aplicando linguagem, inclusive com o smbolo de identi-dade valendo da maneira usual. A q-funo denotao, por estarmos tratando neste casoapenas com q-sets clssicos, passa a funcionar como uma funo de uma teoria deconjuntos clssica, atribuindo valores de modo unvoco aos smbolos da linguagem. Nes-se caso, como usual, cada constante individual denota um nico elemento do domnio,e cada smbolo de predicados denota um subconjunto bem determinado do domnio.

    O smbolo de identidade, vale a pena enfatizar, no caso de o domnio ser um q-setclssico (um conjunto no sentido usual do termo), passa a ser interpretado como identi-dade usual. Isso decorre da definio de igualdade extensional na teoria de quase-con-juntos, conforme a apresentamos acima, e do fato mencionado de que para os objetosclssicos da teoria a relao de indistinguibilidade equivalente identidade extensional.Como M-tomos e q-sets clssicos so os nicos elementos do domnio neste caso,devido a este resultado, recuperamos, na interpretao do smbolo de identidade, adiagonal usual, dado que na teoria de quase-conjuntos utilizada a igualdade extensionalpossui as propriedades da igualdade clssica.

    Quando, por outro lado, o q-set domnio for um quase-conjunto puro, contendoapenas m-tomos como elementos, e se, alm disso, esses forem ainda indiscernveis,temos algumas mudanas interessantes. A nossa quase-funo denotao atribuir no-mes aos elementos de A de maneira ambgua, pois, dadas as caractersticas de uma q-

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    Cognitio: Revista de Filosofia

    funo, ainda que aqui no comentado em detalhes, notamos que ser impossvel deter-minar unicamente o elemento nomeado. (Uma q-funo mapeia entidades indiscernveisem entidades indiscernveis, e coincide com a noo de funo em seu sentido usual seh somente elementos clssicos envolvidos). Ou seja, um nome no mais denota demaneira inequvoca um s elemento do domnio, mas como que separa o domnio emclasses de elementos indistinguveis passando-se o quociente pela relao deindistinguibilidade, ao se nomear um elemento de certo tipo, no mais possvel deter-minar qual, dentre os elementos de A daquele tipo, aquele particular que estamosnomeando. Assim, os nomes sero aqui nomes-tipo, no sentido de que nomeiam ele-mentos de certo tipo no domnio apenas, mas no indivduos especficos. Ademais, sedois nomes distintos forem atribudos a elementos que no so indistinguveis, entoeles determinam, seguindo nossa analogia, classes disjuntas de elementos de A, comono caso clssico.

    Ainda no caso em que o domnio de interpretao um q-set puro cujos elemen-tos so indiscernveis, com relao extenso dos predicados, deve-se notar nova pecu-liaridade desta semntica. Esto associados a cada smbolo de predicado de peso n dalinguagem subconjuntos de n-uplas do domnio. No entanto, podem existir outros subqsetsde A indistinguveis deste particular q-set denotado (seus elementos seriam indiscernveisdaqueles, e eles tendo o mesmo quase-cardinal). O mais interessante que qualquerdesses q-sets indiscernveis pode servir como denotao do predicado (h aqui umainverso com o que acontece com a semntica usual, na qual uma dada extenso podeter vrias intenses; aqui uma dada intenso um dado smbolo de predicados dalinguagem pode ter associados a si vrios q-sets com o suas extenses). Para captar-mos nossas intuies sobre a relao entre os smbolos de predicados e suas possveisinterpretaes como extenses na MQ, teremos que garantir que, dado qualquer dos q-sets indistinguveis da extenso associada a um smbolo de predicado n-rio Pn, este q-set poderia tambm fazer o papel de extenso de Pn. A ideia bsica que, se aceitar-mos que em contextos envolvendo objetos indistinguveis as permutaes de objetosindistinguveis no so observveis, teremos que, permutando elementos da extensode um predicado, nada altera o valor de verdade da sentena em questo. Esse tipo deresultado depende fortemente de caractersticas de nossa metalinguagem, em particu-lar, do Axioma de Extensionalidade Fraca, que apresentamos acima. Em breve, quandodefinirmos a relao de satisfao de uma frmula por uma seqencia de objetos dodomnio, voltaremos a discutir este ponto.

    Com relao ao smbolo de identidade, ele passa, neste caso particular em que odomnio um q-set puro, a representar no mais a identidade usual, mas a relao deindistinguibilidade. Como vimos, a relao representada pelo smbolo = se manter en-tre elementos indistinguveis do domnio, que no precisam ser numericamente idnti-cos (se que faz algum sentido falar em objetos idnticos neste caso). H ainda umparalelo interessante com a interpretao clssica do smbolo =, relacionado com o queexplicamos acima sobre a extenso de smbolos de predicados, de que permutaes deobjetos indistinguveis na extenso no devem alterar o valor de verdade da sentena.Explicaremos apenas intuitivamente, mas isso pode ser mostrado com rigor quando adefinio de satisfazibilidade for introduzida. No caso clssico, se ai = aj for verdadeiraem uma interpretao E, ento, dado um smbolo de propriedade unria P, por exem-plo, teremos que P(ai) verdadeira se e somente se P(aj) verdadeira, j que os doisnomes so nomes da mesma entidade por hiptese. No nosso caso, quando tratamos de

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    m-tomos no domnio, o mesmo ainda se mantm, ou seja, se ai= aj verdadeira nainterpretao, teremos que os objetos denotados por uma das constantes so denotadospela outra tambm, ento, P(ai) se e somente se P(aj), pois agora temos que se asconstantes nomeiam objetos que so indistinguveis, ento h um q-set que faz o papelde extenso de P tal que I(ai) est neste q-set, e, assim, haver tambm um q-setindistinguvel de I(P) tal que I(aj) est neste q-set (basta, por exemplo, permutarmosI(ai) por I(aj)), e como este ltimo tambm faz o papel de extenso de P, temos P(aj). claro que ainda no dissemos nada sobre a verdade, mas estamos apenas dando umainterpretao intuitiva dessa caracterstica de nossa semntica.

    Essa situao pode parecer estranha quando se considera que a indistinguibilidadeno uma congruncia, mas podemos explicar o fato da seguinte maneira, supondo porsimplicidade que P smbolo de predicado unrio: intuitivamente, se ai e aj nomeiamelementos indistinguveis do domnio, e o elemento nomeado por ai (estamos supondo,para simplificar a explicao, que podemos fixar um elemento de A como a denotaode ai e outro como denotao de aj) est na extenso de P, ento existe um q-setindistinguvel desta extenso que possui como elemento a denotao de aj, de modoque a funo denotao atribui ambiguamente (pelo menos) esses dois q-setsindistinguveis como denotao de P, conforme explicamos anteriormente.

    Quando no domnio tivermos um q-set usual, ou seja, contendo tanto m-tomosquanto objetos clssicos, aplicam-se consideraes similares s que foram apresentadasanteriormente, com algumas restries simples, que podem ser compreendidas a partirdo que j se explicou para os casos anteriores.

    Agora, como usual ao apresentarmos uma semntica, vamos definir uma relaode satisfazibilidade. Antes, precisamos definir a noo de atribuio de valores paravariveis livres de uma frmula.

    Uma q-funo s do conjunto de variveis no domnio A de interpretao ditauma q-funo atribuio, ou seja, s uma q-funo tal que, para qualquer varivel xitemos que s(xi) A. A seguir, queremos estender uma q-funo atribuio qualquer aoconjunto de todos os termos individuais, obtendo assim o que chamaremos de q-funointerpretao. Uma q-funo interpretao s* relativa atribuio s uma q-funo doconjunto dos termos individuais de L em A tal que para qualquer varivel individual xi,s*(xi) s(xi), e para qualquer constante individual ai, temos que s*(ai) I(ai), onde,lembremos, I a q-funo denotao da estrutura.

    Deve-se notar que no podemos utilizar o smbolo de identidade nas definiesacima, pois, em alguns casos, quando houver m-tomos no domnio A, a identidade noest definida para todos os elementos de A. Assim, no podemos garantir, nestes casosenvolvendo m-tomos, que a q-funo interpretao denotar exatamente o mesmoelemento que a q-funo atribuio, no caso das constantes individuais, ou no caso dasvariveis, mas podemos garantir que sero elementos do mesmo tipo (indiscernveisentre eles), e isto tudo o que precisamos.

    Agora, definiremos a relao de satisfao de uma frmula por uma q-funointerpretao s*. Nesta definio, usaremos na clusula para o quantificador a noo deuma q-funo interpretao s* diferir de outra interpretao s* no mximo em umavarivel xi, significando que, para qualquer varivel xj distinta de xi, temos que s*(xj) s*(xj), e que esta condio pode eventualmente no ocorrer para a varivel xi, ou seja,as duas interpretaes podem diferir no tipo de objeto atribudo a xi, mas esta possibili-dade vale apenas para xi.

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    Cognitio: Revista de Filosofia

    As seguintes clusulas definem quando uma frmula F satisfeita por uma q-funo interpretao s*:

    i) Se F da forma ti = tj, para termos individuais ti e tj, s* satisfaz F se e somente se s*(ti) s*(tj);

    ii) Se F da forma Pn(t1, ..., tn), onde Pn smbolo de predicado n-rio e os ti so termosindividuais, ento s* satisfaz F se e somente se existe um subqset de An indistinguvel deI(Pn) tal que < s*(t1), ..., s*(tn) > pertence a este q-set;

    iii) Se F da forma B, ento s* satisfaz F se e somente se s* no satisfaz B;

    iv) Se F da forma B C, ento s* satisfaz F se e somente se s* no satisfaz B ou s*satisfaz C;

    v) Se F da forma xiB(xi), ento s* satisfaz F se e somente se toda s* que difere de s*no mximo em xi tal que s* satisfaz B.

    A clusula 2 merece alguns comentrios, pois desempenha papel fundamental naformalizao das intuies que comeamos a comentar na interpretao do smbolo depredicados. Como dissemos anteriormente, em contextos envolvendo partculasindistinguveis, a relao entre o smbolo de predicado e a sua extenso diferente docaso clssico. Aqui, dado um predicado de peso n, ao qual atribumos um subqset de An

    como extenso, teremos que, para qualquer permutao dos elementos dessa extensopor uma n-upla indistinguvel, o valor de verdade da sentena sendo avaliada no deve-r ser alterado. Como se pode perceber, caso a extenso do smbolo de predicado emquesto seja um q-set clssico, ento sempre vamos recair no caso usual, pois neste casoa indistinguibilidade equivalente identidade, e teremos que h um nico subqset deAn que a extenso do smbolo de predicados em questo.

    Dada a definio de satisfazibilidade, podemos definir a noo de verdade emuma estrutura E. Uma frmula F ser verdadeira na estrutura E =E < A, I > se e somentese toda q-funo interpretao s* satisfaz F. Usaremos a notao E | = F para indicar queF verdadeira em E.

    Convencionamos tambm que uma frmula aberta verdadeira se e somente seseu fecho o for, utilizando fecho no sentido usual da palavra. A partir daqui pode-sedefinir da maneira usual outros conceitos semnticos, como modelo de um conjunto desentenas, consequncia semntica, frmula vlida, entre outros.

    importante notar que facilmente se prova que algum conjunto de axiomas usual-mente propostos para a lgica da qual estamos tratando composto de frmulas vlidas,e que as regras de inferncia, quando aplicadas a frmulas vlidas, geram novas frmulasvlidas. Da se segue imediatamente, e de modo muito similar ao usual, o seguinte

    [Teorema da Correo] Se F teorema, ento F vlida com relao semntica pro-posta acima.

    Outro ponto a ser observado que a semntica clssica um caso particular dasemntica que propomos. Assim, a demonstrao do Teorema de Completude pode serrealizada exatamente como se faz usualmente por meio do Teorema de Henkin, segun-do o qual toda teoria consistente possui modelo.

    Um corolrio que podemos derivar das observaes acima que, na construo

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    de um modelo para qualquer conjunto consistente de frmulas, teremos que h umaestrutura, a estrutura dos termos, que modelo das sentenas. Assim, em particular,qualquer conjunto de sentenas consistente possui um modelo clssico, ou, como prefe-rimos chamar, um modelo normal. Alm disso, atravs de um procedimento semelhanteao usado na demonstrao do teorema da completude, podemos obter, dada uma estru-tura E, uma estrutura E tal que vale o seguinte:

    [Teorema do Modelos Normais] Dada E =E < A, I > na qual interpretamos L, existe pelomenos uma estrutura normal E =E < A, I > na qual se pode interpretar L e tal que paraqualquer sentena F da linguagem temos E | = F se e somente se E | = F.

    Assim, sempre podemos fornecer, para qualquer conjunto de frmulas de L, umainterpretao na qual o domnio de interpretao composto apenas por objetos clssi-cos. Isso ser importante na seo seguinte, na qual discutiremos a relao entre semn-tica e ontologia, baseando-nos nas propostas de Quine (1948).

    Antes de passarmos para a prxima seo, vamos mencionar mais um resultadoque pode ser derivado da semntica proposta acima.

    Na semntica usual, feita em uma teoria de conjuntos padro como Zermelo-Fraenkel, podemos fixar o cardinal de uma interpretao com domnio finito por meiode certas frmulas. Por exemplo, para a teoria cujo vocabulrio no lgico vazio, e queconsiste somente na frmula xy(x y z (z = x z = y)), teremos que qualquermodelo ter apenas dois elementos. Esse raciocnio pode ser generalizado para teoriascom apenas n elementos, para qualquer n finito. Por simplicidade, trataremos apenas docaso n = 2. Como sabido, podemos provar que essas teorias sero categricas para nfixado, e na lgica de primeira ordem com semntica clssica, teremos que apenas asteorias que possuem apenas modelos com domnio finito sero categricas. Esse resul-tado pode ser entendido com o uso dos chamados teoremas de Lwenheim-Skolemascendentes, que nos garantem que se uma teoria possui modelos com domnio decardinalidade infinita, ento possuiro modelos cujos domnios so de qualquercardinalidade infinita superior a esta.

    Em nossa semntica, no entanto, teremos que nem mesmo as teorias que pos-suem modelo finito sero categricas. Note que, para que tenhamos um modelo dasentena acima em nossa semntica, basta que tenhamos um q-set domnio com doisobjetos de tipos diferentes, podendo ser at mesmo dois m-tomos que no soindistinguveis. Para fixar ideias, vamos supor que temos um M-tomo e um m-tomo nodomnio. Este conjunto ser um modelo da sentena acima, pois existem dois objetosque se distinguem, e, para qualquer outro objeto, ele indistinguvel ou de um, ou dooutro elemento do domnio.

    No entanto, considere agora um domnio com dois m-tomos indistinguveis e umM-tomo. Este q-set possui cardinalidade 3, e ainda assim pode ser usado para definirum modelo da sentena. A sentena afirma que existem objetos indistinguveis, e que,dado qualquer outro objeto do domnio, este ser indistinguvel do M-tomo ou do m-tomo, o que de fato ocorre. O mesmo raciocnio pode ser aplicado para obter-se mode-los dessa mesma sentena com n objetos, com n maior que 1, bastando que eles sedividam em duas classes disjuntas de objetos indistinguveis.

    Apesar de interessante, no vamos continuar explorando esses resultados aqui, epassaremos agora para a discusso da relao entre a semntica proposta e a ontologia.

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    Cognitio: Revista de Filosofia

    4. Semntica e comprometimento ontolgico amplamente conhecido o critrio de compromisso ontolgico de uma teoria propostopor Quine. De acordo com tal critrio, para estabelecermos quais so as entidades comas quais nos comprometeremos ao adotar uma teoria (estamos aqui falando por alto,sem querer comprometer-nos com uma anlise exegtica das propostas de Quine),devemos primeiro formalizar essa teoria em uma linguagem de primeira ordem, ou seja,regimentar a linguagem da teoria, e, feito isso, a teoria compromete-nos com as entida-des que devem estar no domnio de interpretao e ser valores das variveis de modoque tornassem verdadeiras as frmulas quantificadas existencialmente da teoria (vejatambm CHATEAUBRIAND, 2003).

    Lembremos que uma das motivaes para fazer-se semntica para linguagens deprimeira ordem em uma teoria de quase-conjuntos era a possibilidade de termos nodomnio de interpretao objetos para os quais a teoria da identidade clssica no seaplica, e que podem ser indistinguveis, mas no idnticos, objetos estes tambm cha-mados de no indivduos na literatura sobre o assunto (FRENCH; KRAUSE, 2006). Ora,flexibilizando o critrio de Quine para abarcar tambm o caso em que a semntica estejaelaborada em uma metalinguagem como a teoria de quase-conjuntos, podemos tercompromisso ontolgico com no indivduos, pois esses objetos agora podem ser valo-res de variveis ligadas. Assim, o famoso slogan de Quine, de que no h entidades semidentidade poderia ser violado (cf. KRAUSE, 2008).

    No entanto, o que os teoremas anteriores parecem sugerir que, ainda assim,sempre podemos obter uma interpretao clssica para a teoria, ou seja, uma ontologia deno indivduos pode sempre ser dispensada em favor de uma ontologia de indivduos.

    O caso similar a uma situao que ocorre na semntica clssica (e que tambmpode ocorrer na semntica apresentada aqui), em que, segundo uma verso do teoremade Lwenheim-Skolem descendente, podemos sempre garantir a existncia de ummodelo de cardinalidade 0 para uma teoria de primeira ordem T, caso T tenha modeloscujos domnios so de cardinalidade infinita, e considerando sempre que estamos tratan-do com linguagens que possuem uma quantidade enumervel de smbolos. Ou seja,aparentemente, sempre podemos ficar com uma ontologia de no mximo 0 objetos.Do mesmo modo, o que ocorre aqui que nossos teoremas garantem que semprepodemos obter uma ontologia de indivduos. Note que no estamos querendo dizercom isso que no existam no indivduos, mas sim que, de um ponto de vista do resul-tado anterior, estes so dispensveis nesses contextos, e a necessidade ou vantagem deutilizao de modelos cujos elementos so no indivduos deve ser baseada em argu-mentao filosfica, embasada em concepes ontolgicas prvias.

    Para tornar mais claro o que queremos dizer com respeito aos modelos cujosdomnios so no indivduos, podemos ilustrar a situao com outra verso do teoremade Lwenheim-Skolem. Segundo essa verso, se uma teoria possui modelos decardinalidade infinita, ento possui um modelo que lhe elementarmente equivalente ecujo domnio o conjunto dos nmeros naturais. Isso significa que sempre podemosobter um modelo cuja ontologia constituda pelos nmeros naturais, considerandonovamente que estamos tratando apenas com linguagens com uma quantidadeenumervel de smbolos. Evidentemente, no estamos em geral dispostos a admitir quetudo o que h so nmeros, e temos de garantir que, apesar de matematicamentepossvel, a ontologia de grande parte de nossas teorias cientficas no uma ontologia

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    de nmeros (estamos concedendo, para efeitos de argumentao, que pelo menosalgumas de nossas teorias cientficas relevantes podem ser escritas da forma que Quineprope, sabendo que se trata de concesso ilusria no que diz respeito a muitas dasteorias fsicas atuais).

    O mesmo que ocorre com a ontologia de nmeros ocorre aqui com a ontologiaclssica, ou ontologia de indivduos. Apesar de ser sempre matematicamente possvel,nossas convices podem ser tais que no acreditamos ou no aceitamos que apenasindivduos sejam suficientes para a compreenso correta de nossas teorias atuais. No preciso ir longe para encontrar proponentes de tais concepes, bastando recordar aposio de Schrdinger, por exemplo, como vimos acima brevemente, ao apresentar-mos as motivaes para as lgicas de Schrdinger. Na verdade, h um grande nmerode filsofos da fsica segundo os quais as entidades qunticas so certo tipo de noindivduos, mas este no o momento para apresentar argumentos a favor dessa con-cepo (no entanto, ver FRENCH; KRAUSE, 2006, para uma discusso, ainda que essesautores salientem tambm a possibilidade de uma interpretao dos objetos qunticoscomo indivduos ver abaixo). O que a nossa discusso corrobora que a ontologia,em particular nos casos das teorias fsicas atuais, ter que ser determinada em grandeparte por argumentos metafsicos.

    Esse tipo de resultado est em conformidade com a situao atual da discussorelativamente ontologia da mecnica quntica no relativista. O formalismo da teoria,conforme se argumenta em French e Krause (2006, cap. 4), no determina a ontologia,de forma que no podemos decidir se estamos tratando com indivduos ou no indivdu-os apenas examinando a teoria. Assim, preciso tomar uma posio metafsica e argu-mentar a seu favor em um terreno filosfico, uma vez que a prpria teoria quntica nodecide a questo. Do mesmo modo, a nossa semntica corrobora essa opinio, pois nopermite decidir em geral que tipo de ontologia devemos ter; sabemos que podemos teruma ontologia de indivduos, e tambm que podemos comprometer-nos legitimamentecom no indivduos, mas esta questo no pode ser decidida pela lgica. Isso refleteperfeitamente bem, acreditamos, o que Steven French batizou de subdeterminao dametafsica pela fsica (ver FRENCH, 1998; e FRENCH; KRAUSE, 2006).

    5. ConclusoConforme discutimos neste artigo, podemos flexibilizar o critrio de comprometimentoontolgico proposto por Quine de modo que permitisse que entidades sem identidadesejam elementos do domnio de quantificao. Com isso, podemos comprometer-nosontologicamente com esse tipo de entidades. No entanto, a razoabilidade de adotar-seuma ontologia de indivduos ou de no indivduos vai depender de argumentos metafsicos,pois, como bastante discutido na literatura sobre filosofia da fsica, a prpria mecnicaquntica no relativista no nos impe nenhuma das duas ontologias, e esse fato refletido na nossa semntica, ao mostrarmos que sempre podemos fornecer uma inter-pretao na qual a teoria trata apenas com objetos clssicos. A possibilidade decomprometermo-nos ontologicamente com no indivduos, no entanto, mais um pon-to a favor dessa opo, que parece ser, para muitos estudiosos, a mais natural quando sedeseja compreender o que a teoria nos diz sobre o mundo.

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    Cognitio: Revista de Filosofia

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  • 207Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 191-207, jul./dez. 2009

    Semntica Quase-conjuntista e Compromisso Ontolgico

    Endereos / AddressesJonas R. Becker ArenhartUniversidade Federal de Santa CatarinaDepartamento de FilosofiaFlorianpolis SCC. Postal: 476CEP: 88040-900

    Dcio KrauseUniversidade Federal de Santa CatarinaDepartamento de FilosofiaFlorianpolis SCC. Postal: 476CEP: 88040-900

    Data de recebimento: 10/6/2009Data de aprovao: 15/9/2009

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  • 209Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 209-220, jul./dez. 2009

    Construes Sistmicas e Leis de Interao1

    Systemic Constructions and Interaction Laws

    Alexandre Costa-LeiteCentro de Lgica, Epistemologia e Histria da Cincia (CLE)

    UNICAMP [email protected]

    Em homenagem ao Prof. Lafayette de Moraes pelos seus 80 anosTo Professor Lafayette de Moraes on his 80th anniversary

    Resumo: A partir de uma definio especfica de sistema filosfico, estetexto apresenta princpios condutores gerais para guiar o filsofo quedeseja criar e propor sistemas. Alm disso, este artigo mostra como taiscomplexos conceituais podem ser definidos com o uso de leis interativas,ligando noes de diferentes naturezas e esclarecendo a estrutura lgicados sistemas filosficos. Este artigo contm ainda comparaes entre apresente abordagem e a recente desenvolvida por Puntel (2008).

    Palavras-chave: Sistemas filosficos. Estrutura lgica. Leis de interao.

    Abstract: After a specific definition of a philosophical system, this text presentsgeneral guiding principles to the philosopher who wishes to come up with andpropose systems. Besides that, this article shows how such conceptual complexescan be defined with the use of interactive laws by linking notions of differentnatures and by clarifying the logical structure of philosophical systems. Thisarticle also contains comparisons between the present approach and a recentone developed by Puntel (2008).

    Key-words: Philosophical systems. Logical structures. Interaction laws.

    1. Introduo sabido que, no ltimo sculo, o conhecimento cientfico tornou-se bastantecompartimentado e, por isso, fragmentado e especializado. Apresentar um sistema uni-ficado capaz de mostrar as estruturas fundamentais da realidade ento tarefa que nopertence mais a nenhum ramo do saber cientfico2. fcil constatar que muitos dosmaiores filsofos da tradio apresentaram sistemas filosficos e, assim sendo, bastan-

    1 Trabalho financiado pela Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo(FAPESP).

    2 Ver o prefcio de Nelson Gomes ao livro de Puntel (2008), e ver este ltimo para umestudo detalhado acerca da fragmentao especial da filosofia analtica.

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  • 210 Cognitio, So Paulo, v. 10, n. 2, p. 209-220, jul./dez. 2009

    Cognitio: Revista de Filosofia

    te surpreendente que a noo de sistema filosfico tenha entrado em decadncia.Tentar gerar um sistema de filosofia em uma poca de especializao dos saberes, e naqual o prprio conceito de sistema se encontra ultrapassado, tarefa difcil masexequvel. Apesar das dificuldades, ainda assim possvel mostrar alguns dos princpiospara a construo de um sistema de filosofia. As razes que podem levar algum aconstruir um sistema de filosofia so vrias, mas o motivo que me move aqui nessatarefa exatamente a possibilidade de construir um sistema auto-organizado que drespostas acerca das questes fundamentais: o que existe, quais as leis da existncia,como conhecer aquilo que existe e como agir em uma dada configurao existencialespecfica. Tais problemticas acabam por explicar os fundamentos da filosofia e, emparticular, constituem um resgate das questes mais complexas que os filsofos hmuito tempo debatem e que, recentemente, perderam espao.

    Como todos sabem, o primeiro complexo sistemtico filosfico da histria dafilosofia , sem dvida, o sistema proposto por Aristteles (a.C., 1984). J mais recente-mente, tem-se a tentativa de Kant (1781 e anos seguintes) de gerar sistema com suasCrticas. Em seguida, Wittgenstein (1921) pode ser visto como o proponente do menorsistema filosfico que j apareceu na literatura. No Tractatus, temos uma ontologia, umalgica, uma epistemologia e uma tica. Nos nossos dias, A. Badiou (2006) props umgrande sistema filosfico nos moldes da filosofia continental. Por outro lado, seguindopadres mais analticos e centrados na linguagem, a ltima tentativa de determinarcomo um discurso filosfico sistemtico possvel foi feita por Puntel (2008). Julgar osmritos de cada uma das abordagens acima no est nos limites deste trabalho, masmesmo assim dedicao especial dada obra de Puntel, pois o autor conseguiu nosomente mostrar como um discurso filosfico sistemtico possvel, assim como deter-minou o incio do renascimento de uma grande filosofia sistemtica.

    Este artigo tem por objetivo compreender o conceito de sistema filosfico comoestratgia unificadora da filosofia a partir do uso de leis de interao conceitual, isto , apartir da noo de leis de interao na lgica modal3, mostrarei que o prprio conceitode sistema filosfico pode se estabelecer como metodologia unificada para a filosofia.Leis de interao conectam conceitos de diferentes ordens. Por isso, podem ser usadaspara buscar a unidade das diferentes partes da filosofia4.

    Entendo o conceito de sistema filosfico no sentido mesmo da tradio, isto ,como um conjunto de enunciados fundamentais acerca das partes centrais da filosofia:ontologia, lg