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V. Teoria da Poesia 1. PRELIMINARES Tendo-se verificado que a distinção entre poesia e prosa ultrapassa o aspecto formal, procuramos surpreendê-Ia noutro plano. Resta, agora, isolando o primeiro termo do binômio, sondar-lhe mais de perto o quid essencial. Em segundo lugar, rechaçada a dualidade forma/conteúdo, signifi- cante/significado, a investigação da natureza da poesia há de convergir para as características que a tornam específica, resultantes de ser a expressão do "eu". Por outras palavras, a indagação se processará a partir da linha que separa a poesia da prosa: que conseqüências determina, ao nível da expressão/expresso, o fato de a poesia se apresentar como a soma de textos em que o "eu" se exprime? Em suma, interessa-nos conhecer o poético realizado nos textos, visto que o seu indício fundamental apenas se deixa examinar nas palavrasem que se inscreve, por meio das quais se comunica e nas quais assume a sua identi- dade. Não o que deve ser o poético, mas o que é, parece ser ou poder ser, no perúnetro do texto, ou seja, o fenômeno1 poético, não o númeno poético: o poético entendido como o signo ou categoria que designa uma experiência ou aquilo que aparece à consciência, - ou um modo de ser da inteligência e sensibilidade(de um criador de arte: o poeta) como seencontra materializado nas páginas escritas; não o poético vislumbrado como um 1 Não se trata de investigar a obra literária à luz da Fenomenologia, como procedeu Roman Ingarden (Das Literarische Kunstwerk, 1930; tr. portuguesa. A Obra de Arte Literária, 1973), ou, entre nós, Maria Luiza Ramos (Fenomenologia da Obra Literária, 1969). Entretanto, na medida em que o método de Husserl se reduzisse a descrição e análise, pode-5e dizer que a posição do autor coincide com a do mósofo alemão. 102 "em-si", ou um a priori projetado utopicamente num espaço e num tempo indefmidos. Que é poesia? eis a questão, divisadaantes como denominador comum de uma série de textos, do que como um ser da razão, objeto de elucu- brações em abstrato. A poesia no texto, não a poesia como enteléquia ou problema em si, desvinculado do objeto concreto, à semelhança dos números, figuras geométricasou con«,eptualizaçõesmetafísicas. De vários modos se tem pretendido equacionar o problema em causa, ora opondo a "poesia" a "não-poesia" e a "antipoesia"2, ora, ensaiando uma "explicação psicológica da criação poética,,3 , ora buscando a "essência do poético", "num tratamento honrado e objetivo da poesia,,4, ora efetuando pesquisa em torno do "estado poético"S, ora estabelecendo as "leis do poético,,6, ora desvendando a "natureza da poesia", a "expe- riência poética"?, ora investigando os "limites externos e internos da poesia"s, ora procurando focalizar as "estruturas lingüísticas da poesia,,9 etc., etc., ora negando procedência a tais sondagens, com base na indistinção formal entre "poesia" e "prosa", repelidos como ''utensílios conceptuais ineficazes para detectar a Literatura" 10. Em qualquer hipótese11, o que está em discussão é o conhecimento de um objeto cultural, concretamente situável em determinados textos literários, dotado de características que o distinguem de outros textos igualmente literários mas não poéticos. 2 B. Croce, La Poesia, 4~ ed., riv. e accresc., Bari, Gius. Laterza & Figli, 1946. 3 Wilhelm Dilthey, Poética, tr. argentina, Buenos Iilies, Losada, 1952. 4 Johannes Pfeiffer, La Poesia, tr. mexicana, México, Fondo de Cultura Econó- mica, 1954; Martin Heidegger, Arte y Poesia, tr. mexicana, México, Fondo de Cultura Económica, 1958. 5 Mikel Dufrenne, Le Poétique, Paris, P. U. F., 1963. 6 Carlos Bousofio, Teoria de Ia Expresión Poética, 5~ ed., 2 vols., Madrid, Gredos, 1970. 7 Elisabeth Drew, Discovering Poetry, New York, Norton, 1962; Donald A. Stauffer, The Nature of Poetry, New York, Norton, 1962. 8 Hazard Adams, The Contexts of Poetry, BostonjToronto, Little, Brown and Co., 1963. 9 Samuel R. Levin, Linguistic Structures in Poetry, 3~ ed., Haia, Mouton, 1969;Jean Cohen, Structure du Langage Poétique, Paris, Flammarion, 1966. 10 Henri Meschonnic, Pour Ia Poétique, Paris, Gallimard, 1970. 11 Ao excluir a "poesia" e a "prosa" em razão da sua indistinção formal, 103 I

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V. Teoria da Poesia

1. PRELIMINARES

Tendo-se verificado que a distinção entre poesia e prosa ultrapassao aspecto formal, procuramos surpreendê-Ia noutro plano. Resta, agora,isolando o primeiro termo do binômio, sondar-lhe mais de perto o quidessencial. Em segundo lugar, rechaçada a dualidade forma/conteúdo, signifi-cante/significado, a investigação da natureza da poesia há de convergirparaas características que a tornam específica, resultantes de ser a expressãodo "eu". Por outras palavras, a indagaçãose processará a partir da linha quesepara a poesia da prosa: que conseqüências determina, ao nível daexpressão/expresso, o fato de a poesia se apresentar como a soma de textosem que o "eu" se exprime?

Em suma, interessa-nosconhecer o poético realizado nos textos, vistoque o seu indício fundamental apenas se deixa examinar nas palavrasem quese inscreve, por meio das quais se comunica e nas quais assume a sua identi-dade. Não o que deve ser o poético, mas o que é, parece ser ou poder ser,no perúnetro do texto, ou seja, o fenômeno1 poético, não o númenopoético: o poético entendido como o signo ou categoria que designa umaexperiência ou aquilo que aparece à consciência, - ou um modo de ser dainteligência e sensibilidade(de um criador de arte: o poeta) como seencontramaterializado nas páginas escritas; não o poético vislumbrado como um

1 Não se trata de investigar a obra literária à luz da Fenomenologia, comoprocedeu Roman Ingarden (Das Literarische Kunstwerk, 1930; tr. portuguesa. A Obrade Arte Literária, 1973), ou, entre nós, Maria Luiza Ramos (Fenomenologia da ObraLiterária, 1969). Entretanto, na medida em que o método de Husserl se reduzisse adescrição e análise, pode-5e dizer que a posição do autor coincide com a do mósofoalemão.

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"em-si", ou um a priori projetado utopicamente num espaço e num tempoindefmidos.

Que é poesia? eis a questão, divisadaantes como denominador comumde uma série de textos, do que como um ser da razão, objeto de elucu-brações em abstrato. A poesia no texto, não a poesia como enteléquia ouproblema em si, desvinculado do objeto concreto, à semelhança dosnúmeros, figuras geométricasou con«,eptualizaçõesmetafísicas.

De vários modos se tem pretendido equacionar o problema em causa,ora opondo a "poesia" a "não-poesia" e a "antipoesia"2, ora, ensaiandouma "explicação psicológica da criação poética,,3 , ora buscando a "essênciado poético", "num tratamento honrado e objetivo da poesia,,4, oraefetuando pesquisa em torno do "estado poético"S, ora estabelecendoas "leis do poético,,6, ora desvendando a "natureza da poesia", a "expe-riência poética"?, ora investigando os "limites externos e internos dapoesia"s, ora procurando focalizar as "estruturas lingüísticas da poesia,,9etc., etc., ora negando procedência a tais sondagens,com base na indistinçãoformal entre "poesia" e "prosa", repelidos como ''utensílios conceptuaisineficazes para detectar a Literatura" 10. Em qualquer hipótese11, o que estáem discussão é o conhecimento de um objeto cultural, concretamentesituável em determinados textos literários, dotado de características que odistinguem de outros textos igualmente literários mas não poéticos.

2 B. Croce, La Poesia, 4~ ed., riv. e accresc., Bari, Gius. Laterza & Figli, 1946.

3 Wilhelm Dilthey, Poética, tr. argentina, Buenos Iilies, Losada, 1952.

4 Johannes Pfeiffer, La Poesia, tr. mexicana, México, Fondo de Cultura Econó-mica, 1954; Martin Heidegger, Arte y Poesia, tr. mexicana, México, Fondo de CulturaEconómica, 1958.

5 Mikel Dufrenne, Le Poétique, Paris, P. U. F., 1963.

6 Carlos Bousofio, Teoria de Ia Expresión Poética, 5~ ed., 2 vols., Madrid,Gredos, 1970.

7 Elisabeth Drew, Discovering Poetry, New York, Norton, 1962; Donald A.Stauffer, The Nature of Poetry, New York, Norton, 1962.

8 Hazard Adams, The Contexts of Poetry, BostonjToronto, Little, Brown andCo., 1963.

9 Samuel R. Levin, Linguistic Structures in Poetry, 3~ ed., Haia, Mouton,1969;Jean Cohen, Structure du Langage Poétique, Paris, Flammarion, 1966.

10 Henri Meschonnic, Pour Ia Poétique, Paris, Gallimard, 1970.

11 Ao excluir a "poesia" e a "prosa" em razão da sua indistinção formal,

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Evitar as extrapolações, ainda que brilhantes e pertinentes noutroscontextos, deve ser a nossa preocupação, tanto mais que se trata de umassunto que convida ao devaneio. E evitar o equacionamento do problemanuma área movediça, como seja a em que se comprazem alguns fIlósofose teóricos germânicos, apostados em discernir entre a Dichtung, genera-lizante a ponto de abranger todas as manifestações estéticas, e a Poesie,gênero literário e nada maisl2. Contornados os dois escolhos, o fenômenopoético deverá ser encarado nos limites da Literatura e duma perspectivateórica. Entender o fenômeno poético, captar-lhe os matizes, distingui-Iodentre as manifestações vizinhas, desvendar-lhea identidade, - eis o escopofundamental das considerações que se seguem.

2. TEORIAS POÉTICAS

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Mas ainda: as várias respostas acerca da interrogação - que é poesia?- não podem, sob pena de incidirmos num ecletismo mecânico, ser mera-mente justapostas. Uma teoria do fenômeno poético que levasseem contatodas as propostas, ou as mais relevantes, correria o risco de tomar-seum monstro de mil cabeças. Inoperante, pois, tal procedimento, caberiareclamar a cooperação das teorias naquilo em que realmente pudessemajudar no esclarecimento de algum recanto do problema. Por outro lado,nenhuma delas pode ser adotada como absoluta, sem deixar em suspensoquestões importantesl3. À guisa de ilustração, tomemos alguns exemplos(Aristóteles, Hegel, Croce, Bousono, Jakobson), de épocas diferentes ediversa orientação fIlosóficae estética.

Aristóteles foi, como se sabe, o primeiro fllósofo a consagrartodo umtratado 14, ainda que incompleto, ao exame do fenômeno poético: IIEPIIIOIHTIKH~, ou Arte Poética, ou Poética. A rigor, o título deveria serAcerca da Poética, ou melhor, Acerca da Arte [ou Ciência] da Criação,uma vez que o vocábulo poietikê se origina de poiein ("fazer"), de queainda derivam poiesis ("poesia") e poiema ("poema", ou "o que é feito").Na verdade, Aristóteles propunha-se a refletir acerca do "objeto estético",ou antes, acerca da criação do objeto estético. Do amplo espectro descor-tinado pelas reflexões do fllósofo decorre a sua noção de poesia e asdistinções e analogias que estabeleceentre o estatuto poético e as atividadescorrelatas ou contíguas:

A epopéia, a tragédia, e ainda a comédia, a poesia ditirâmbica e amaior parte da auIética e 00 citarística, todas são, em geral, imitações.Diferem, porém, umas das outras, por três aspectos: ou porque imitam pormeios diversos, ou porque imitam objetos diversos, ou porque imitamdiversamente e não do mesmo modo15 .

Henri Meschonnic (op. cit., p. 146) dá-nos o direito de penSaI que admite outro critériodiscriminativo, - não-formal. Dir-se-iaque o vocábulo "formal", porque assente naindissolubilidade do binômio "forma/conteúdo", ou antes, na unicidade do texto,pretende evitaI essa confusão dualista. Mas, nesse caso, por que não eliminar o vocá-bulo "formal", uma vez que já está subentendido? DeclaIá-lo, pressupondo-o unívoco,permite admitir uma categoria "não-formal" onde a distinção se processa. Docontrário, que diferença haveria entre as seguintes proposições: "a indistinção formalentre 'poesia' e 'prosa'" e "a indistinção entre 'poesia' e 'prosa' "?

Como se observa, alinham-se manifestações de Arte hodiernamentepertencentes a províncias estéticas mais ou menos autônomas, mas que aover do fIlósofo se assemelham na base: a epopéia, que hoje incluímosna poesia; a tragédia e a comédia, que se inscrevem no circuito do teatro;a poesia ditirâmbica, atualmente incluída no perímetro literário, porémconsiderada por Aristóteles a raiz da tragédia16; a aulética e a citarística,que constituem segmentos da atividade musical. Ressalvada a extensãodemasiada do termo "poética", registremos a falta da poesia lírica e desta-quemos a noção que fundamenta o pensamento aristotélico: a mimese, ouimitação.

12 MaItin Heidegger, op. cit., p. 87.

13 PaIa se ter uma idéia das múltiplas teorias poéticas surgidas desde que oser humano começou a interesSaI-se pelo assunto, basta folheaI o volume antológicoL 'Art Poétique, organizado por Jacques Charpier e Pierre Seghers (paris, Seghers,1956), que reúne textos desde Platão até Alain e outros teóricos do após-guerra.Considere-se, ainda, a antologia prepaIada por HazaId Adams, Critical Theory SincePlato, New York, HaIcourt Brace Jovanovich Inc., 1971.

14 Aristóteles ainda consagrouao assunto um diálogoem três livros,intituladoAcerca dos Poetas,de que apenasse conserVaIamalgunsfragmentos.

IS Aristóteles, Poética, tr. portuguesa, Lisboa, GuimaIães, [1951], 1447a13-16.

16 Idem, ibidem, 1449a8-10.

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Esquiva a toda interpretação que se pretenda única, a mimeseconstitui um dos esteios do pensamento aristotélico em matéria de Arte,e dos que mais exegeses têm suscitado. O lugar-comum dessasinvestigaçõespermite supor que o filósofo se referia ao fato de a Arte reproduzir,representar, recriar, por meios próprios, a realidade humana, criando umuniverso análogo ao Cosmos, de forma que este se espelhassesinteticamentenaquele. Ao invés de copiar, a Arte consistiria na criação de um mundocoerente, paralelo ao Cosmos, regido por leis específicas, homólogas dasque norteiam o outro, e ao qual se acrescentaria: à realidade criada seadicionaria a sua recriação,não por cópia mas pela utilização dos processosde elaboração semelhantes aos que teriam outorgado homogeneidade aomundo dos objetos criados. A obra da recriação estaria para a obra dacriação assim como o poeta estaria para o demiurgo, ou o criador doUniversol7.

Admitindo que esta seja a significação do termo, vejamos como amimese poética, no sentido de processo criador do artefato poético, seconfigura no texto aristotélico. Não obstante Aristóteles nos autorize a crerque distinguia os gêneros de acordo com o metro empregado, no seu pensa-mento se inscrevia com suma clareza a idéia segundo a qual a poesia nãose confunde com o verso:

os homens, ajuntando à palavra "poeta" o nome de uma só espéciemétrica, a uns denominam de poetas elegíacos, a outros de épicos, desig-nando-os assim, n[o pela imitação praticada, mas unicamente pelo metrousado. Desta maneira, se alguémcompuser em versoum tratado de Medicinaou de Física, esse será vulgarmente chamado "poeta"; na verdade', porém,nada há de comum entre Homero e Empédocles, metrificação à parte;aquele merece o nome de poeta, e este o de fisiólogo,mais que o de poeta.Pelo mesmo motivo, se alguém fIzer obra de imitação, ainda que mistureversos de todas as espécies, como o fez Querémon no Centauro, que é umarapsódia tecida de toda a casta de metros, nem por isso se lhe deve recusaro nome de poetal8.

O verso pode encerrar poesia, mas também pode exprimir qualquertipo de conhecimento: embora não o considere exclusivo da poesia, o

17 Essa interpretação, que assinala a idéia de fazer, criar, que está na raiztanto de poiesis como de mimesis, é confumada por Kã:te Hamburger em A Lógica daCriaçaõ Literária, tr. brasileira, São Paulo, Perspectiva, 1975, p. 3.

18 Aristótclcs,op. cit., 1447b 13 -22.

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mósofo supõe-no inalienável do processo poético, ao declarar que todapoesia se expressaem verso.

Poesia é imitação, imitação de uma ação, eis o fulcro do pensamentoaristotélico. E ramifIca-seem quatro espécies(a epopéia, a tragédia, a comédiae o ditirambo) que, ao fIm de contas, se reduzem a duas: a epopéia e oteatro. A poesia lírica não coral, ao modo de Safo, Alceu e outros, quecomeçava a praticar-se no tempo, não se inclui na classificaçãoaristotélica,estritamente baseada na praxis, ou ação. A Poética tão-somente contemplao artefato estético em que a ação se converte em narrativa (epopéia) ou emconflito ou drama (tragédia, comédia, ditirambo), expresso por meio doritmo, canto e metro, utilizados ao mesmo tempo ou separadamente19.

Na seqüência de suas reflexões, Aristóteles propõe outra importantedistinção:

não é ofício de poeta narrar o que realmente acontece; é, sim, o derepresentar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível, verossímile necessariamente. Com efeito, não diferem o historiador e o poeta, porescreverem em verso ou prosa (pois que bem poderiam ser postas em versoas obras de Heródoto, e nem por isso deixariam de ser História, se fossemem verso o que eram em prosa), - diferem sim, em que diz um as coisasque sucederam, e outro as que poderiam suceder2o;

ou seja, o poeta imita uma ação possível, capaz de suceder, análoga às açõespraticadas no campo da realidade concreta, enquanto o historiador seprende aos acontecimentos desenrolados; aquele aponta para o futuro, estepara o passado. Embora correta, e ainda hoje tão válida quão útil, a discri-minação aristotélica radica na tragédia e na comédia, e não na epopéia.Em verdade, a característica que empresta ao poeta (trágico ou cômico)poderia perfeitamente englobar as demais modalidades de poeta (o épicoe o lírico), pois tanto numa como noutra o possível é o lugar geométricoda mimese.

A teoria aristotélica do fenômeno poético parece suscetível derestrição na medida 1) em que o termo "poética", abarcando toda sorte decriação estética por meio da palavra, dá margem a múltiplas ambigüidadese interpretações; 2) em que o vocábulo "mimese", além de semanticamente

19 Idem, ibidem, 1447b 23-26.

20 Idem, ibidem, 1451a 36 e ss.

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instável, põe ênfase na imitação da ação humana, de molde a concederprimazia ao teatro em detrimento da poesia, e a considerar unicamentea epopéia; 3) em que se fundamenta no ponnenor fonnal - o verso - paraidentificar o poeta, muito embora não o confunda com o historiador ou ocientista. Tais limitações decorrem da premissa básica - poesia é mimese,imitação da ação -, que conduz a inevitáveis identificações, como a entrea epopéia e a tragédia. Por outro lado, na medida em que 1) o vocábulo"mimese" encerra conotações que mais tarde seriam assimiladaspelo tenno"imaginação", ou "fantasia", 2) em que a categoria do possível se considerainerente à poesia, - a teoria aristotélica ainda resiste à análise. Apesar dasrestrições assinaladas, e graças à procedência dos conceitos fundamentais,a Poética de Aristóteles constitui a fonte de todas as propostas teóricasacerca do fenômeno poético aparecidas até o século XVIII, incluindoas que se lhe opunham ou lhe faziam reparos21 .

Rompendo com as estruturas clássicas, o Romantismo propiciouo surgimento de uma nova interpretação do fenômeno poético, fruto depesquisas teóricas realizadas no interior da cultura anglo-saxônica:Wordsworth, Coleridge, Schlegel, Schelling, Hegel e outros procuraramexaminar a questão de um prisma diverso do de Aristóteles, e que enfeixassetoda a produção literária posterior à Poética. Não sendo o caso de analisaruma a uma as teorias desenvolvidasentre a segunda metade do século XVIIIe a primeira metade do século XIX, ressaltemos a de Hegel, na qual seincluem, de certo modo, todas as demais, e que ainda sobressai por suaambiciosa amplitude e seu espírito de sistema. Com efeito, o filósofogennânico investiga o objeto poético dentro de sua Estética (1835), desti-nando-lhe todo o sétimo volume. A imensa reflexão, que almeja descortinara totalidade do problema, inscreve-se no plano geral do pensamentohegeliano e não se desdobra sem apelo à tensão dialética que o caracteriza.A modo de diapasão, mas a um só tempo resumindo tudo quanto oprecedeu, o mósofo asseveranas linhas iniciaisda primeira parte do estudo:

quando nos pomos a falar de poesia como de uma arte, sem previa-mente termos examinado quais são os conteúdos e os modos de represen-tação de arte em geral, é muito difícil saber onde convém buscar a naturezaprópria do poético. Mas a dificuldade da tarefa aumenta consideravehnentequando, partindo das características individuaisde certo número de criaçõesestéticas, tiramos conclusões gerais, aplicáveis aos mais variados gêneros.Daí que se qualifiquem de poéticas as mais heterogêneas obras.

Sem esforço, o leitor da Estética reconhece, neste passo, uma nítidaalusão a Aristóteles, cujo empirismo predicava e realizava a marcha dopensamento partindo da coisa para o nome ou o conceito, da perquiriçãode vários objetos análogos por características fonnais, para as categorias,queos reduzissem a expressões abstratas. Situado noutra perspectiva, Hegelpõe em cheque o procedimento gnoseológico fundado no objeto, de moldea fazê-lo detenninante das postulações do sujeito, - e inverte a equação,sem tombar na noesis platônica:

em vez de partir de fenômenos particulares para alcançar o conceitogeral da coisa, tomamos como ponto de partida o próprio conceito paraem seguida lhe demonstrar a realidade23 .

Perante declaração tão inequívoca, o leitor prepara-se para conhecero conceito hegeliano, mas vê frustrada a sua expectativa, pois o filósofo,ancorado na idéia geral do seu sistema, afirma:

não vamos aqui, estabelecer o conceito de poético, pois que, para o. levannos a bom tenno, limitar-nos-íamos a repetir tudo o que dissemos

acerca do belo e do ideal na primeira parte desta obra24 ;

e imediatamente esclarece o ponto:

e acrescenta a explicação que julga procedente no caso:

a natureza do poético coincide com o conceito de belo artísticoe de obra de arte, pelo fato de a imaginaçãopoética, em vez de pennanecerencerrada por suas criações, como as artes plásticas e a música, nos limitesimpostos pela natureza dos materiais empregados, deve somente satisfazeràs exigênciasessenciaisde uma representação ideal e artístjca.

todos aqueles que têm escrito acerca da poesia experimentaramcerta repulsa em defini-Iaou em descrevero fenômeno poétic022;

21 V. os capítulos que se ocupam dos gêneros e, nA Criação Literária - Prosa,o que trata da crítica.

22 Hegel, Esthétique, tr. francesa,4 vols., Paris, Aubier, 1944, vol. IV, p. 20.

23 Idem, ibidem,loc. cito

24 Idem, ibidem, pp. 20-21.

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Espinhoso seria acompanhar todo o labirín tico e complexo pensa-mento hegeliano. Satisfaça-nos, por ora, ressaltar que o fenômeno poéticoé divisado de um ângulo ainda mais rigorosamente filosófico que o deAristóteles: na verdade, é a primeira vez na história da Filosofia que oobjeto estético, notadamente o poético, mereceu tratamento tão exigentee tão amplo. Partindo da noção de que o Absoluto, ou o Espírito, é arealidade, Hegel concebe três estágios para o atingir, o primeiro dos quaisrepresentado pela Arte (que consiste na manifestação sensível do Absoluto),o segundo pela Religião (que constitui a representação do Absoluto), oterceiro pela Filosofia (estágio em que o Absoluto se realizacomo conceito).Sendo, portanto, a manifestação sensível do Espírito, o belo artísticocorresponde à situação em que "o ideal manifesta sua verdadeira naturezaao fazer que a existência exterior se integre no espiritual, de tal modoque a fenomenalidade exterior, conformada ao espírito, se tome a suarevelação"25, ou ainda, "não existindo o belo senão como unidade totale subjetiva, o sujeito do ideal, subtraído ao estado de dispersão em quevivem as individualidades da vida real, com suas aspirações e fins hetero-gêneos, se concentra em si próprio e ergue-sea uma totalidade e autonomiasuperiores ,,26 .

o desenrolar completo de movimentos interiores, de paixões, de represen-tações, a evolução das fases de uma ação". Vale dizer: "a poesia representao espírito para ,o espírito, sem dar às suas expressões uma forma visívele corpórea"27. Âssinalados os limites entre a poesia e a música e as artesplásticas, o pensador se interroga a respeito do "caráter próprio da poesia"e termina por julgar que

tal caráter consiste justamente no fato de a manifestação e a exteriori-zação sensíveis de todo conteúdo poético se encontrarem reduzidos aomínimo, senão a zero28.

Decorre desse conceito de belo que a Poesia, ou o objeto poético,realiza o processo de revelação sensível do Espírito, participa da Artecomo exteriorização sensível da interioridade ideal ou do Espírito. Infor-mados da proposta geral, resta-nos conhecer a particularidade que distingueo objeto poético dos demaisobjetos artísticos. Sem comprometer a unidadegeral do seu edifício conceptual, Hegel se lança no deslinde do fenômenopoético, utilizando-se do processo comparativo e, cônscio dos obstáculoserguidos pela problemática poética à sua especulação, preferindo a notaçãode minúcias às proposições cortantes e definidas.

Sublinhemos alguns momentos da análise hegeliana. Inicialmente,propôs-se a separar a poesia das outras expressões de Arte, assinalando-lheo parentesco com a música e o distanciamento das artes plásticas (arqui-tetura, escultura, pintura), por basear-se "no princípio da percepção dainterioridade pela interioridade", e ser "capaz de representar de modo maiscompleto do que qualquer outra arte a totalidade de um acontecimento,

Diante da assertiva, cabe-nos agora o direito de indagar: que se deveentender pelo "caráter próprio da poesia", sem denunciar qualquerincoerência com a matriz do pensamento hegeliano? Como a prevenira nossa objeção, o fIlósofo se incumbe de formular uma resposta, masainda no terreno da comparação entre a poesia e as artes vizinhas: o som,na música, e a cor, na pintura, absorvem e representam todo o conteúdo,ao passo que na poesia subsiste "de uma forma muito geral a figuração daduração das sI1abase dos vocábulos, assim como o ritmo, a eufonia, etc."e, assim mesmo, "a título de exterioridade acidental"29. Desse modo,"em que consiste (00') a exterioridade e a objetividade da poesia comotal"?, indaga o filósofo e ele próprio replica: "na representação e intuiçãointernas". Por outras palavras, "são as formas espirituais que tomam o lugardo sensível e que fornecem os materiais [as palavras] destinados a umaforma, como o faziam precedentemente o mármore, o bronze, a cor e ossons musicais"30.

Como se nota, Hegel aproxima a palavra da objetividade dos sons, dobronze, do mármore e da cor, mas não dá margem a supor uma mesmaequação, isto é, que a palavra esteja para o conteúdo poético assimcomo acor para o conteúdo plástico, etc. Seria negar a postulação anterior e admitiruma equivalência fonnal que recusa desde o princípio da análise. Como aadvertir no fenômeno poético três estágios, em lugar dos dois que carac-terizam as demaisartes, declara que

25 Idem, ibidem, vol. I, p. 192.

26 Idem, ibidem, p. 193.

27 Idem, ibidem, vol. IV,pp. 8-9.

28 Idem, ibidem, p. 12.

29 Idem, ibidem, p. 12.

30 Idem, ibidem, loco cito

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a representação, a intuição, o sentimento etc. são as formas especí-ficas nas quais a poesia apreende e reproduz cada conteúdo, se bem que,visto o aspecto ou elemento sensível da comunicação não desempenharsenão um papel acessório, são tais formas que fornecem os materiaisnecessários à elaboração poética31.

As palavras desempenham, pois, "um papel acessório": as formasespecíficas da poesia são "a representação, a intuição, o sentimento, etc.".Nem transparentes, nem opacas, as palavras cedem a uma interioridadeque se assume, que se volta para si, ou seja, "o espírito se objetiva para sipróprio no seu próprio domínio e tão-somente se serve do elemento verbalcomo instrumento, seja de comunicação, seja de exteriorização direta;e dele se afasta desde o começo, como de um simplessigno, para se debruçarsobre si próprio"32.

Dispensando as etapas subseqüentes, nas quais o fllósofo conclui sera poesia ''uma arte geral", representar, "mais do que qualquer outro modode criação artística, a arte em geral"33, detenhamo-nos nos pontos em queHegel desce às minúcias do fenômeno poético:

B o reino infinito do espírito que constitui o objeto da poesia34.

Não percamos de vista que estamos seguindo a trajetória especulativade um filósofo, e filósofo idealista: se em tal conceito, que não declaraqual a natureza da poesia mas, sim, o seu objeto, substituirmos o vocábulo"poesia" por "fllosofia", tudo permanece inalterado. Por certo, Hegelnão pretendia dizê-lo nem sugeri-Io,visto que a Filosofia se lhe afiguravao estádio derradeiro do Absoluto para si próprio, quando o Espírito se pensacomo tal. Sucede, no entanto, que a enfática declaração permite vislumbrarno universo hegeliano uma superior consideração pela poesia, de moldea classificá-Iaacima das artes e no encalço da Filosofia, posto que abaixoda Religião. E nesse caso não estranha que postule para a poesia o estatutode conhecimento: "o homem não existe senão em virtude da lei de sua

31 Idem, ibidem, pp. 12-13.

32 Idem, ibidem, p. 13.

33 Idem, ibidem, p. 16.

34 Idem, ibidem, p. 21.

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existência, quando sabe o que é e o que o rodeia; deve conhecer os poderesque o impelem e o dirigem, e tal conhecimento lhe é dado pela poesiasob uma forma substancial"35, - e a distinga da prosa na medida em queesta "divisa a vasta matéria que lhe oferece a realidade sob o aspectoracional da causa e efeito, do fun e do meio, ou sob outras categoriasdo pensamento obtuso, enfun sob relações de exterioridade e finitude"36.

Analisando de um prisma atual, o conceito hegeliano de poesia podeparecer-nos demasiado abstrato: promovendo o fenômeno poético a objetode especulação fllosófica, Hegellhe concedeu um caráter de seriedade semparalelo até o seu tempo e poucas vezes igualado depois. Por outro lado,convém não perder de vista que se trata de uma teoria da consciênciapoética, e, como tal, sujeita a restrições. Bcerto que o seu ponto de vistaacerca da palavra se afigurará hoje em dia um tanto herético aos adeptosferrenhos das análises lingüísticas ou semióticas, mas também é certo quea ênfase posta no sentimento e na intuição, apesar da flutuação semânticade tais vocábulos, faria escola. E a sua idéia de assumir a poesia comoconhecimento possui atualidade cada vez mais evidente, sobretudo quandointerpretada à luz de um sistema mais amplo. De qualquer modo, aconcepção hegeliana se ergue como um marco necessário na história dasteorias poéticas: elaboração seminal de um cérebro privilegiado, guardaainda virtualidades longe de esgotar-se, das quais partiram, bem ou mal,não poucas doutrinas poéticas dos últimos cem anos.

Filiado ao pensamento de Hegel, Croce reservou largo espaço paraa investigação do fenômeno poético no seu projeto de fllósofo, críticoe historiador da Literatura. Na verdade, constituiu-o em permanente núcleode reflexão: discutiu-o, na Estética (1903), segundo os princípios da"ciência da expressão", e dedicou-lhe todo um volume, Poesia, aparecidoem 1936, espécie de maturação de germes lançados, com pouco mais devinte anos, no primeiro artigo que publicou, acerca de uma poetisa, naRassegnadegli interessifemminili (1887)37.

Fundando-se nas premissas segundo as quais a "arte é uma intuição"e "a intuição é a unidade não diferenciada da percepção do real e da simplesimagem do possível", Croce busca a identidade da poesia no confronto

35 Idem, ibidem, p. 22.

36 Idem, ibidem, p. 24.

37 Luigi Russo, La Critica Letteraria Contemporanea, 3 vols., Bari, Gius.Laterza & Figli, 1946, vo1.1, pp. 132 e ss.

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com a prosa. Para tanto, acolhe a postulação aristotélica, que repudiavaa distinção formal, e preconiza uma distinção interna, logo transformadanum binômio lapidar: "A poesia é a linguagem do sentimento assim comoa prosa é a linguagem da inteligência". Como a perceber o radicalismo dapropositura, sem transição o filósofo matiza o seu pensamento com umaadversativa que escancara, ao invés de obliterar, o abismo franqueadoà sua especulação: "Mas, como a inteligência é também, em sua concreçãoe realidade, sentimento, toda prosa tem um aspecto poético"38.

Convenhamos: se a inteligência é também sentimento, como assegurarque aquela caracteriza a prosa e a outra, a poesia? A vaguidadeque perpassaa teoria croceana se declara nessa antinomia de princípios, por sua vezmergulhada na idéia de intuição: que designa, propriamente, o termo"intuição"? que é "inteligência"? que é "sentimento"? O teórico lidou comnoções oscilantes para compreender um fenômeno por natureza escorre-gadio, infenso às defmições cortantes. Emaranhado nos vocábulos queelegeu, cada um dos quais poderia ser objeto de longa explanação, o fIlósofoacaba dando a impressão de exercitar a sua poderosa lucidez em falsossilogismos, que antes obscurecem que iluminam o fenômeno em pauta.Um exemplo basta-nos para ilustrar a esgrima dialética em que o brilhoparece ofuscar a verdade. Logo a seguir àquela noção de poesia e prosa,o fIlósofo assevera: "pode haver expressão sem conceito, mas não podeexistir este sem aquela", - o que é indiscutível. Entretanto, conclui que"há poesia sem prosa, mas não prosa sem poesia", propondo uma duali-dade que autoriza a supor 1) que "há poesia sem prosa", como assevera ofilósofo, mas 2) que também há poesia com prosa, uma vez que ~primeiradeclaração não afirma que invariavelmente a poesia significa ausênciada prosa, mas, sim, que há certo tipo de poesia no qual se observa ainexistência da prosa. Mais ainda: se "não há prosa sem poesia", comodistinguir prosa de poesia, visto que, segundo o pensador italiano, a prosacontém poesia? Teríamos de saber previamente que é prosa para depoisadmitir que nela haja poesia. Contudo, pelas premissas levantadas, temoso direito de inferir que tanto a poesia pode conter prosa, como esta encerrarpoesia, o que, decididamente, não esclarece a questão. E se o sentimentocomparece na prosa e na poesia - na medida em que a inteligênciapressupusesse o sentimento -, como distingui-los? Por fim, como pode

38 B. Croce, Estética, tr. espanhola, Madrid, Lib. de Francisco Beltrán, 1912,pp. 49, 50 e 73.

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o teórico excluir terminantemente a inteligência, ou conhecimento con.ceptual, do âmbito da poesia?

Não sendo o caso de rastrear todas as bases do pensamento croceano,atenhamo-nos aos pormenores relacionados com o fenômeno poético.Nos conceitos de Croce observa-se que um dos pólos é ocupado pelovocábulo ''linguagem'' ou "expressão", por sua vez considerado o primeirograu da relação entre Arte e Ciência, ou conhecimento intuitivo e conhe-cimento conceptual. Diga-se desde já que a proposta croceana, - pondoênfase na expressão do sentimento e da inteligência, isto é, assentandoque a poesia e a prosa sejam expressão de algo (sentimento e inteligência,no seu entender), - tem fundamento e será reavaliada mais tarde, dumaperspectiva estritamente lingüística, sobretudo por Hjelmslev.A dificuldade,porém, reside na idéia que Croce faz da expressão: identifica-a com alinguagem, o que parece correto, e com a intuição39, o que não procede.E no desdobramento do seu sistema estético acaba chegando a ilaçõescoerentes com o seu ponto de vista inicial, mas discutíveis e inadequadasse pretendermos empregá-Iascomo instrumento para ulteriores indagações.

Admitindo não haver diferenças formais entre os fenômenos estéticos,conclui que "não é possível uma classificação f1losóficadas expressões",pois "variam as impressões, os conteúdos; cada conteúdo é diferente deoutro, porque nada se repete na vida. À contínua variação dos conteúdossucede a variedade irredutível dos fenômenos expressivos, sínteses estéticasdas impressões"40. Sabemos que o pensamento croceano, ao repelir umatipologia das formas e das artes41, manifestava desapreço à teoria dosgêneros e à retórica, na medida em que esta, transformada em teoria doornato, propugnava uma "divisa'o das expressões em classes"42. Além deessas fobias nos parecerem atualmente despropositadas, ressaltemos queempobrecem a distinção original: se o termo "linguagem", ou "expressão",comparece no conceito de poesia e prosa, e se não há possibilidade declassificar as expressões, como admitir uma diferença entre a expressãoda poesia e a expressão da prosa? Assumida a divergênciaentre prosa epoesia como expressão, há de haver, necessariamente, uma classificação,a classificaçãoem dois grupos, a expressão própria da poesia e a expressão

39 Idem, ibidem, p. 73.

40 Idem, ibidem, p. 116.

41 Idem, ibidem, p. 166.

42 Idem, ibidem,pp. 117 e 166.

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