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1 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JATAÍ – CESUT ASSOCIAÇÃO JATAIENSE DE EDUCAÇÃO - AJE DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - DCJS FACULDADE DE DIREITO REVISTA JURÍDICA ANO 15 – VOLUME 2 – NÚMERO 19 JATAÍ - GO 2014

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JATAÍ – CESUT ASSOCIAÇÃO JATAIENSE DE EDUCAÇÃO - AJE

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - DCJS FACULDADE DE DIREITO

REVISTA JURÍDICA

ANO 15 – VOLUME 2 – NÚMERO 19

JATAÍ - GO 2014

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REVISTA JURÍDICA

CONSELHO EDITORIAL

01. Evaristo Anania de Paula 02. João Geraldo de Souza Braga 03. Patrícia Machione de Paula Maggioni 04. Sirlene Moreira Fidelis 05. Soraya de Carvalho Ferreira 06. Alessandra G. Heronville da Silva 07. Flávia Simôes de Araújo 08. Juverci Felício Vieira 09. Marcos José de Jesus Porto 10. Rubens Dias de Melo 11. Tiago Setti Xavier da Cruz

SECRETÁRIA EXECUTIVA Viviane Alves da Cunha

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – DCJS

DIRETOR João Geraldo de Souza Braga Esta “Revista Jurídica” é produzida pelo Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais – DGJS, do Centro de Ensino Superior de Jataí – CESUT, a partir da produção intelectual e temática de artigos, pesquisas, resenhas de livros e comunicações elaboradas pelos professores, alunos e outros colaboradores.

CONTATOS CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JATAÍ – CESUT DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – DCJS FACULDADE DE DIREITO Rua Santos Dummont, 1.200, Setor Samuel Grahan, CEP. 75800-000 Telefone: (064) 2102-1050. FAX: (064) 2102-1069 E-mail: [email protected] Jataí-Goiás

2014

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ISSN – 1519-9770

REVISTA JURÍDICA, Jataí-GO, CESUT, v. 1, nº 19, jan/jun, 2014

REVISTA JURÍDICA Periodicidade: Semestral

JATAÍ CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JATAÍ – CESUT

Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais – DCJS

2014

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JATAÍ – CESUT - 2014

“A reprodução total ou parcial dos artigos desta Revista Jurídica é

permitida desde que citada a fonte. Ainda: as ideias e os conceitos emitidos nesta publicação são de responsabilidade total dos autores.”

CESUT Rua Santos Dummont, nº 1.200, Setor Samuel Grahn. Cep. 75.800-000 = Jataí-GO Telefone: (064) 2102-1050 Fax: (064) 2102-1069 E-mail: [email protected] COMISSÃO EDITORIAL Presidente = José Carlos Ribeiro Membros.. = 01. Alessandra G. Heronville da Silva

02. Flávia Simões de Araújo 03. Juverci Felício Vieira 04. Marcos José de Jesus Porto 05. Sirlene Moreira Fidelis 06. Soraya de Carvalho Ferreira 07. Rubens Dias de Melo 08. Tiago Setti Xavier Cruz

Secretária Executiva = Viviane Alves da Cunha

Dados CIP = Biblioteca Central do CESUT, Jataí-GO _____________________________________________________________

REVISTA JURÍDICA, Jataí-GO; CESUT – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais, v.2, nº 19, jul./dez., 2014

Periodicidade semestral

I- CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – Periódico 2 - Título

_______________________________________________________________

Índice para catálogo sistemático = Direito

Produção, Projeto Gráfico e Editorial Eletrônico José Carlos Ribeiro

Revisão Ortográfica José Carlos Ribeiro

Normatização

José Carlos Ribeiro

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SUMÁRIO

01. Editorial ........................................................................................ pág. 06 02. As Provas e a Repercussão no Sistema Probatório Processual Penal Brasileiro de Acordo com a Lei ..................................................... pág. 07 03. O Princíoio da Estrita Legalidade Tributária ............................... pág. 39 04. O Ministério Público e a Investigação Criminal .......................... pág. 55 05. Auxílio-Reclusão: Justiça ou Injustiça ......................................... pág. 75 06. Adoção Internacional de Crianças Brasileiras por Estrangeiros não residentes no País ......................................................................... pág. 104 07. Mediação no Direito Brasileiro ................................................... pág. 145 08. A Responsabilidade Civil de Bancos, o Cheque sem Fundo e o Terceiro de Boa-Fé .......................................................................................... pág. 169 09. Ius Postulando no Direito do Trabalho ....................................... pág. 234 10. Júri Clássico e Escabinado: Estatística de Adoção de ambos os Sistemas de Julgamento na Atualidade ........................................................ pág. 277

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EDITORIAL

Um profissional do Direito motivado por sua profissão mostra-se inquieto por aprender, por reciclar-se e por superar possíveis dificuldades que esta atividade profissional possa oferecer.

Hoje, cada vez mais o profissional estará se aperfeiçoando e

reforçando a ideia de que a excelência na atitude e nas práticas profissionais passam pela boa formação acadêmica.

É imbuído dessa certeza que o Departamento de Ciências Jurídicas e

Sociais – DCJS, do Centro de Ensino Superior de Jataí – CESUT, elaborou e, agora, coloca à disposição da sociedade em geral a “Revista Jurídica” de número 19.

A seriedade, o reconhecimento técnico-científico, a objetividade, a obstinação, a ética, a motivação e o amor são ferramentas básicas de que o profissional do direito dispõe para alcançar sucesso.

Como sabemos, sobreviverão à solicitação do mercado os melhores

profissionais, aqueles mais preparados. Por essa razão, “Dar vida aos anos, vale muito mais a pena do que darmos anos à vida.”

É com satisfação que esperamos as sugestões e críticas dos mais

diversos leitores, para que esta obra possa aprimorar-se e tornar-se cada vez mais útil naquilo que é um objetivo comum: desenvolver em nossos leitores o gosto pela ciência jurídica e a eficiência nas práticas cotidianas.

Vale salientar que haverá, a partir da próxima edição, mudanças

radicais nesta “Revista”. Ela não mais será exclusiva da Faculdade de Direito, mas também da Faculdade de Administração do Cesut. Também mudará de nome, e o provisório é “CESUT EM REVISTA” até que surja um nome em definitivo, que será escolhido pelo colegiado dos docentes da instituição, ou que o nome acima seja ratificado.

Salientamos, ainda, que a nova revista já se encontra em processo de

Indexação junto à “CAPES”, o que brevemente será uma realidade, para a devida classificação no Qualis.

Jataí, 30 de novembro de 2014.

Professor: João Geraldo de Souza Braga.

Diretor Acadêmico

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AS PROVAS E A REPERCUSSÃO NO SISTEMA PROBATÓRIO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO DE ACORDO COM A LEI

Acadêmica = ANNA FLÁVIA DE RESENDE Docente = Dr. CLEBER ALBOY MONARO INÁCIO

RESUMO: Observa-se que, com a reforma do Código Penal brasileiro, à luz da Lei 11.690/2008 publicada em 10/06/2008 entrando em vigor em 09/08/2009, alhures a esta nova redação, as provas poderão ser produzidas na fase inquisitória policial e não conforme antigamente, onde era somente no curso da ação penal, não se admitindo mais de um perito oficial, e as testemunhas poderão ser ouvidas por videoconferência. A lei 11.690/2008 propicia ao jus postulante inovações com finalidades de melhorar, principalmente as causas relacionadas à fase probatória de investigações policiais. Palavras-Chave: Processo Penal, Lei 11.690/2008, reforma, provas. ABSTRACT It is observed that, the reform of the Brazilian Penal Code, in light of Law 11.690/2008 published on 10/06/2008 and came into force on 09/08/2009, elsewhere to this new wording, the evidence may be produced during inquisitorial police and not as formerly, which was only in the course of prosecution, not admitting more of an officer, and witnesses may be heard by videoconference. The law provides 11.690/2008 jus postulant innovations for purposes of improving, mainly related causes evidentiary phase of police investigations Keywords: Criminal Procedure, Law 11.690/2008, reform, evidence INTRODUÇÃO

O tema abordado tratará da Reforma do Código Penal Brasileiro a luz da Lei 11.690/2008, mais especificamente sobre as provas e a repercussão no sistema probatório processual penal brasileiro.

Portanto, o que motivará o referido estudo será a análise sob a ótica da legislação frente aos tópicos anteriormente mencionados. Contudo buscamos apresentar pontos importantes sob o prisma de vários juristas renomados.

Igualmente, não obsta mencionar alguns pontos relevantes, tais como a nova redação dada a Lei 11.690/2008, cuja faculta ao juiz de ofício, mesmo antes de iniciar as ações penais, ordenar a produção antecipada de provas desde que haja necessidade e urgência.

Desta feita, as Provas ilícitas a luz do art. 157 do CPP que violarem regra de Direito Material, constitucional ou legal, no momento de sua obtenção, será sempre fora do processo é, portanto, sempre extraprocessual.

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A mesma Lei alterou ainda o tratamento em alguns pontos relacionados, especialmente ás provas, constatando assim três deles:

disciplina geral das provas, tratando – se entre outros, das provas ilícitas, inclusive por derivação;

procedimento da prova pericial, com o intuito de agilizá-lo, de um lado e, de outro, assegurar o adequado contraditório e acompanhamento das provas perícias pelas partes;

procedimento de colheita de prova testemunhal, com a finalidade de agilizar a sua produção e assegurar maior fidelidade aos depoimentos.

Os capítulos mencionados tratarão do conceito, das provas propriamente ditas, bem como, do tema proposto, objeto do presente trabalho.

Para fins desse estudo, foram utilizadas pesquisas bibliográficas, sendo estas exploradas por meio de publicações, bem como na legislação pátria vigente, artigos publicados em periódicos e na Internet. A metodologia utilizada inclui ainda coletânea de parecer de juristas renomados e posicionamentos adotados acerca do tema. 1. CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DO PROCESSO PENAL

É de evidente relevância que há um considerável número de pessoas que conhecem os direitos e garantias fundamentais aludidos na Carta Magna Brasileira.

A história do direito processual penal brasileiro traz a tona um enredo de liberdade e de punição passando por diversas óticas nas questões penais onde o homem impera sempre como sujeito.

Essa história do poder punitivo é grosseira, destarte que é capaz de suprimir a liberdade e, em algumas situações, até mesmo a própria vida. Como a exemplo, a história de Tiradentes, Frei Caneca, dentre outros não menos mortais, porém mais anônimos.

O Direito Processual desavindo do direito penal preocupa-se em definir os crimes e atribuir-lhes pena, é aquele que regula o modo como é apresentada a verdade sobre o fato típico e, ainda da responsabilidade criminal. Ademais, o processo penal trata o modo pelo qual a decisão judicial deve resolver o conflito entre o interesse de punir e o interesse de liberdade que nasce com o crime. 1.1 NOÇÕES HISTÓRICAS SOB ANÁLISE DO PROCESSO PENAL

Com o novo Ordenamento Jurídico, à luz da promulgação da Constituição Federal de 1988, necessário faz-se uma nova interpretação do Código de Processo Penal, uma vez que o anterior estava já bastante defasado uma vez que sua origem é de 1940.

Na atualidade, processualistas e constitucionalistas priorizam ponderar as garantias fundamentais pertinentes a um Processo Penal democrático, favorável ao acusado bem como, a efetivação do processo em si, como meio de coibir a impunidade, em favor da sociedade,ou seja, vislumbrando a paz social.

É notório que os sistemas processuais possuem princípios e garantias. Se atentarmos para a história do direito, encontraremos três desses sistemas processuais, sendo:

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a ) Inquisitivo - muito utilizado na Idade Média, com enorme influência da Igreja Católica, expandiu-se por quase toda Europa no século XV, decaindo somente com a Revolução Francesa no Século XVIII. Este sistema adentra três fases: (1º) para informações; (2º) visava as instruções preparatória e (3º) finalizava com o julgamento. b) Sistema Misto - originou-se na Europa Continental no século XIX, possuindo duas fases: a princípio seria uma instrução inquisitiva, seguida de investigação preliminar e de uma instrução preparatória, tendo o juiz este cargo sem participação da defesa; segundo, encerrando o julgamento, admitindo o juízo contraditório. c) Acusatório - adotado pelo Brasil.

Na Grécia, foi o sistema mais garantista após a Revolução Francesa de 1789, atualmente vem destacando nos países americanos e na Europa. Vislumbra uma proteção à ampla defesa e ao contraditório e busca também, uma paridade entre a acusação e a defesa.

Adotado pelo nosso ordenamento jurídico, no qual o juiz age conforme o princípio da verdade real, afastado das partes e o processo inicia com a acusação. 1.2 ANÁLISE HISTÓRICA DA TEORIA DAS PROVAS

O Direito defrontou-se, ao longo da história, com o tema da construção da verdade, experimentando diversas formas e métodos jurídicos de obtenção desta verdade, alhures as ordálias e juízos de Deus ou dos Deuses, na Idade Média, onde o acusado submetia-se a determinada provação física ou suplício, cuja superação, quando vitorioso, reconhecia-lhe a veracidade de sua pretensão, até a introdução da racionalidade nos meios da prova.

A finalidade maior do Processo Penal é a de construir uma verdade judicial mais próxima possível da verdade real, sobre a qual, uma vez transitada em julgado a decisão final, incidirão nos efeitos da coisa julgada, com todas as suas consequências, legais e constitucionais.

2. CONCEITO DAS PROVAS 2.1 DEFINIÇÃO E ETIMOLOGIA:

De acordo com a etimologia, a palavra “Prova” vem do Latim “Evidentia”, originalmente “clareza, distinção”, de Evidens, “claro, óbvio, perceptível”, de Ex.-, “fora”, mais Videns, de Videre, “ver, enxergar”.

No Latim, “prova” vem do L. PROBARE, “testar, demonstrar que algo tem valor”, de PROBUS, “correto, de valor, virtuoso”. Probation -, que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, razão, aprovação ou confirmação. Dela deriva o verbo provar – probare, significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiências, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir alguém a alguma coisa, ou demonstrar. Em conformidade com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, prova significa “o que serve para estabelecer a verdade de um fato ou de asserção. Testemunha, indício, sinal. Ensaio, experiência, provação, transe, aperto, situação difícil. Ato de tomar uma

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pequena porção de um todo para avaliar o seu estado, segunda operação que faz ajuizar da exatidão da primeira, folha impressa na qual se indicam as correcções a fazer, Jurídico, Jurisprudência. Demonstração da verdade dos fatos alegados em juízo, Exemplar obtido por reprodução fotográfica”( Wikipédia.Compreende-se de três formas: a) O ato de provar: processo pelo qual se verifica exatidão ou verdade do fato alegado pela parte no processo. Um momento peculiar é na fase probatória; b) meio: trata-se de instrumento pelo qual demonstra verdade de algo, por exemplo, a prova testemunhal; c) resultado da ação de provar: produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato. Pode-se dizer neste último que “o juiz, ao chegar à sentença: “Fez-se prova de que o réu é autor do crime”. O resultado da Ação de Provar é o clímax do processo. (Conforme a Lei 11.690 de 09/06/08). Segundo GOMES FILHO (1997 p. 33-34), “os dois primeiros sentidos dizem respeito à ótica objetiva, enquanto o terceiro refere-se à ótica subjetiva, decorrente da atividade probatória desenvolvida”

Ao cuidarmos de provas, voltamo-nos para a busca da verdade, que, no processo penal, é denominada: material, real ou substancial, justamente para fazer contraste com a verdade formal ou instrumental do processo civil. Tratando da verdade, surge logicamente o interesse de defini-la.

Valemo-nos da lição de MALATESTA, para quem a verdade assim define; “A verdade é conformidade da noção ideológica coma realidade, enquanto certeza é a crença nessa conformidade, provocando um estado subjetivo do espírito ligado a um fato, ainda que essa crença não corresponda à verdade objetiva”. (1927, p. 22).

De outro lado aponta-nos CARRARA (1946, p. 291), “a certeza está em nós: a Verdade está nos fatos”.

Resumindo, prova é o conjunto de atos realizados pelas partes pelo juiz e por terceiros, que se afigura meio instrumental destinado a comprovar fatos, cuja finalidade convencer o julgador para a solução da causa. 2.2 DESTINATÁRIOS

De acordo com o texto legal, o destinatário imediato, principal ou direto da prova é o juiz, e os destinatários mediatos ou secundários ou indiretos da prova são as partes e a coletividade, uma vez que interessa a todos que o caso seja julgado de maneira justa e correta. 2.3 FATOS

Os fatos classificam-se assim: inicialmente, estão os que não precisam de provas, já os evidentes, ou seja, aqueles que se provam por si mesmo; em segundo lugar, estão os notórios, aqueles conhecidos por todos, por exemplo: “doze de outubro é feriado nacional”; em terceiro lugar, podemos citar os fatos que não são tão importantes, são aqueles que podem variar conforme o caso, mas de qualquer maneira são irrelevantes para o processo (varia caso a caso); em quarto lugar, estão os fatos com presunções legais absolutas – exemplo: o menor de 18 anos é inimputável, pois aplica o critério biológico.

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Agora, os fatos que necessitam de provas, são os relevantes e controversos; isto posto, ainda que não haja controversa do fato se esse for relevante também será provado, pois no processo penal vigora o princípio da verdade real. 2.4 MEIOS DE PROVA

São aqueles recursos classificados como diretos ou indiretamente, que serão utilizados para alcançar a verdade dos fatos no processo.

Podem ser produzidas no Processo Penal todas as provas que não contrariem o ordenamento jurídico, salvo as que tratarem, por expressa vedação do art. 155 do CPP, ao estado das provas casamento, menoridade, filiação, cidadania, entre outras.

Nestes casos, deve-se acatar o dispositivo na lei civil. Destarte que as restrições fixadas na lei civil não valem no processo penal. 2.5 OBJETO DA PROVA

Tem como objetivo encontrar a verdade material de um fato litigioso. “A verdade processual emerge durante o conflito de interesses, ou seja, a lide, podendo corresponder à realidade ou não, embora seja com base nela que o magistrado deve proferir sua decisão”. (SANTOS, 1971, p. 11).

Com base no ordenamento jurídico, o objeto da prova são os fatos que as partes desejam apresentar, melhor dizendo, que a parte deve fazer prova quanto à existência e conteúdo e um preceito legal, tratando-se de norma internacional, estadual ou municipal. 2.6 ÔNUS DA PROVA

O ônus da prova não é uma obrigação, da qual o não cumprimento acarreta uma sanção. O interesse que a parte alegatória do fato possui de produzir prova ao juiz, vislumbrando convencê-lo na sua argumentação, chamamos de Ônus de Provar.

Desta feita, MORAES; LOPES (1978, p.33), relatam: O ônus é a “subordinação de um interesse próprio a outro interesse próprio”, enquanto a obrigação significa a “subordinação de um interesse próprio a outro, alheio”.

No Processo Penal, o ônus da prova nada mais é que da acusação que é imputada em juízo através da denúncia ou da queixa crime, podendo o réu chamar a si o interesse de produzir prova, o que acontece quando alega, em seu favor, algum fato que propiciará a exclusão da ilicitude ou da culpabilidade, embora nunca o faça de maneira absoluta.

Desta, feita, é o encargo que a parte tem de demonstrar os fatos. O ônus da prova também existe no art. 333, CPC, ou seja, quem alega o fato é quem irá prová-lo. O CDC autoriza que o juiz, em alguns casos, inverta o ônus da prova, sendo esta uma exceção.

Insta salientar que sobredita exceção não é aplicável no processo penal, onde o ônus probatório já encontra-se devida e inalteravelmente distribuído.

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2.7 EXAME DE CORPO DE DELITO

O exame de corpo de delito trata-se de exame pericial obrigatório e especial destinado a comprovar a materialidade das infrações que deixam vestígios materiais, também denominados delitos não transeuntes.

Corpo de delito “é o conjunto de vestígios materiais deixados pelo crime aos órgãos do sentido, o exame procedido no conjunto de vestígios materiais, recebe o nome de corpo delito”, de acordo com o art. 158 do CPP. Existem duas espécies de exame de corpo delito (arts. 158 até 184 do CPP): a) exame de corpo de delito direto – aquele realizado nos vestígios principais, primários, são aqueles vestígios deixados pelo crime, ou seja, é o exame feito no próprio conjunto de vestígios materiais, ex. perícia realizada na vítima de lesão corporal; b) exame de corpo de delito indireto - é o realizado nos vestígios paralelos, secundários que registraram os principais, ex: no hospital faz ficha do paciente e a perícia é realizada nessa ficha. 2.8 PROVAS ILÍCITAS

A ilicitude de uma prova é aquela que fere norma de caráter material. A irregularidade ocorre quando se faz a colheita de uma prova desobedecendo à norma de caráter material, alguns exemplos que podemos citar são: confissão obtida com tortura, a prova obtida com violação domiciliar ou escuta telefônica não autorizada.

A prova ilegítima é a prova que infringe a norma de caráter processual, sendo que sua irregularidade ocorrerá na produção, quanto na introdução da mesma no processo. De outro lado, a prova ilícita por derivação é o efeito à distância ou a teoria adotada por vários juristas, quais sejam “a dos frutos da árvore envenenada”, ou seja, são aquelas que, embora colhidas legalmente, derivam de uma ilicitude anterior que a contamina.

Um exemplo é a apreensão de mercadoria que teve como base a escuta telefônica não autorizada, logo a apreensão da mercadoria é irregular e constitui prova ilícita por derivação.

Em regra, há inadmissibilidade da prova vedada ou proibida ou ilegal se dá em razão do art. 5, LVI, CF/88 – é inadmissível por conta do estado democrático de direito e do princípio da legalidade – logo, sempre deve-se buscar um processo penal ético e justo.

De sorte, admite-se o uso da prova ilícita a favor do réu embasado na teoria da exclusão da ilicitude. Se o réu utiliza-se de prova ilícita que prova a sua inocência estará agindo para salvaguardar direito fundamental que é o de liberdade, logo quando ele age assim, vale-se da legítima defesa para alguns autores e do estado de necessidade para outros autores, de qualquer forma será uma excludente de ilicitude.

A teoria da prova absolutamente independente significa que a prova que restou senão tem ligação com a prova desentranhada e se for apta por si só para condenar o réu será possível a obtenção da condenação.

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2.9 PROVA PERICIAL

Segundo o Dicionário Aurélio (2011), perícia origina-se do latim peritia, -ae s. f. que significa, sabedoria, prática, experiência, habilidade em alguma ciência ou arte, análise técnica ou exame por um perito ou especialista.

O art. 275 do CPP, defina perícia “como sendo a prova, o exame procedido por pessoa dotada de conhecimento específico a respeito de determinada matéria (técnico, teórico, prático, científico ou artístico) que, na condição de auxiliar da justiça”, auxilia o juiz na formação da sua convicção. A perícia é um meio de prova com valor relativo, ou seja, pode ser questionada.

No sistema vinculatório, a perícia vincula a decisão do juiz. Esse não é o nosso caso, uma vez que não é acolhido no Brasil, pois nós acolhemos o sistema liberatório no qual a perícia não vincula-se à decisão do juiz. Constata-se que o juiz não está vinculado a perícia, mas em regra ele deve fundamentar a valoração que fez na perícia. No júri, apesar de vigorar o sistema liberatório, a perícia não vincula a decisão dos jurados, esses não precisam fundamentar sua decisão.

2.10 PROVA TESTEMUNHAL

A Prova Testemunhal é a prova resultante da oitiva de pessoas que declaram o que sabem a respeito dos fatos tratados no processo. Qualquer pessoa tem capacidade para ser testemunha.

As características da prova testemunhal são: a) a judicialidade - entende - se que só é prova testemunhal a que é feita em juízo, pois tem o crivo do contraditório; b) oralidade - a prova testemunhal é oral para garantir a espontaneidade e será permitido que essa leia apontamentos.

Como exceções, temos as autoridades que podem prestar prova testemunhal por escrito: a) a objetividade - o juiz não há de permitir que a testemunha pronuncie a sua opinião pessoal, salvo quando não for possível separar esta opinião da narrativa dos fatos; b) a retrospectividade - a testemunha é de fato passado, logo ela não faz prognóstico, não prevê o futuro; c) imediação - uso dos sentidos da testemunha, o que viu, ouviu, etc.; d) individualidade no sentido de incomunicabilidade - uma testemunha não tem acesso ao depoimento da outra para garantir a espontaneidade.

As testemunhas têm como obrigação: 1. comparecimento - se a testemunha não comparecer sem justo motivo, cabe condução coercitiva essa arcar com a custa da diligência incide em crime de desobediência; 2. comunicar mudança de endereço para o juiz no prazo de um ano e, se não o fizer, responde pelas mesmas sanções do não comparecimento sem justo motivo; 3. Identificar-se - a recusa da testemunha a identificar-se incide no art. 68 da lei de contravenções penais ou crime de desobediência. Se a testemunha se identifica falsamente, incide em crime de falsidade ideológica, se tiver intenção de obter vantagem ou incidirá no art.68 da lei de contravenção penal; 4. prestar compromisso - o juiz não colhendo compromisso é mera irregularidade. A doutrina entende que por se tratar de irregularidade, mesmo assim, a testemunha não compromissada pode responder por crime de falso testemunho.Entretanto, a jurisprudência entende que se o juiz não colheu o compromisso da testemunha essa não poderá praticar crime de falso

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testemunho; 5. Contradita - é a oportunidade que as partes possuem de alegar antes do depoimento da testemunha algo que diminua o valor dessa prova em juízo. Exemplo: a testemunha já foi processada por falso testemunho, ela é amiga intima do réu, etc; a parte pode apresentar prova documental, ou até outras testemunhas para afirmar que a testemunha arrolada é contradita; 6. tomada do depoimento – a 11.690/08 deixou de aplicar o sistema presidencialista ou do exame judicial, pois agora os advogados fazem perguntas diretamente às testemunhas (sistema do exame direto ou “crossexamination”. Depois, reduz a termo e colhe assinatura. 2.11 PROVA DOCUMENTAL

Em conformidade com art. 232 do CPP, “consideram-se documentos todo material onde pode registrar ou provar um fato. Portanto, podendo hoje ser um documento, escrito, CD, foto, e-mail arquivado no computador, etc”. 2.12 PROVA EMPRESTADA

Prova emprestada é uma prova que se produz em um processo gerando efeitos e depois a mesma é transportada documentalmente para outro processo, para nestes gerar efeitos.

Entende-se também que a prova emprestada é um meio de prova inominada, porque não há previsão na lei. Na verdade, a sua forma é de uma prova documental. Ex: se, no primeiro processo, a prova é testemunhal, quando vai para outro processo será prova documental; se, no primeiro processo, a prova é pericial, quando vai para o outro processo será prova documental; se, no primeiro processo, a prova é documental, quando vai para o outro processo continua sendo prova documental.

A prova emprestada possui os requisitos: 1- Os processos devem ser entre as mesmas partes; 2- Observância das formalidades legais no processo originário; 3- Fato probando idêntico (é o fato que se quer provar deve ser o mesmo). 2.13 INTERROGATÓRIO

Alhures o texto legal, o Interrogatório nada mais é que o ato processual que permite ao réu dirigir-se diretamente ao juiz para querendo dar sua versão dos fatos e indicar provas. A Natureza jurídica do Interrogatório, não é mais meio de prova.

Atualmente, os tribunais entendem que a natureza é hibrida meio de prova e de defesa, mas a doutrina majoritária entende que é meio de defesa puro (autodefesa) podendo eventualmente ser meio de prova.

O interrogatório possui as características: é ato personalíssimo porque é o acusado pessoalmente que presta o interrogatório,

ninguém pode prestá-lo em seu lugar; deve ter publicidade, art. 792, §1.°, CPP. restrita pelo interesse público;

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deve ser oral, em casos de surdos e mudos o interrogatório será por escrito e, em caso de não se saber ler e escrever, poderá ter um intérprete;

é individual e cada interrogado será ouvido separado e não deverá ter conhecimento do interrogatório do outro interrogado. Se isso ocorrer, acarreta nulidade relativa, ou seja, deve provar o prejuízo;

pode ser feito a qualquer tempo, ou seja, tem a não preclusão. Nesse sentido, não há que se falar em preclusão;

Judicialidade, sendo um ato privativo do juiz. Muitas vezes, as partes poderão citar fatos para o juiz que ainda não foram questionados. Nesse sentido, há juiz que autoriza as partes fazerem perguntas e outros permitem que essas indiquem os fatos.

O acusado que comparecer perante o juiz será interrogado, ou seja, em qualquer momento do processo será feio o interrogatório. Diferentemente, o réu preso para ser interrogado deve ser requisitado à polícia para que compareça em juízo e faça o interrogatório.

As formas de interrogatório são: a) interrogatório comum; b) interrogatório por precatória; c) interrogatório no estabelecimento prisional; d) interrogatório por videoconferência ou online. 3. AS PROVAS E A REPERCUSSÃO NO SISTEMA PROBATÓRIO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO DE ACORDO COM A LEI 11.690/2008.

Tudo que anteriormente já vinha sendo diferenciada pela Doutrina e Jurisprudência, a Lei 11.690/2008 alterou no Código de Processo Penal, quais sejam os elementos de informação obtidos na investigação, o que não se confundem com as provas colhidas durante o curso da ação penal. Algumas questões necessitam ser melhores analisadas, por exemplo, a possibilidade de o magistrado criminal condenar um acusado ou absolvê-lo embasado exclusivamente nos elementos informativos do inquérito policial ou do procedimento administrativo investigatório que lhe faça às vezes. Vejamos. 3.1 ALTERAÇÕES DO ARTIGO 155 DA LEI 11.690/2008 - NOVA REDAÇÃO

Segundo BRASIL, 2009, p. 1012: “O Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório, judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.

Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.

Igualmente, o artigo 155 - Redação anterior “ No juízo penal somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições á prova estabelecida na lei civil”. Tal posicionamento evidencia que “No juízo penal, somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições á prova estabelecidas na lei civil”. (BRASIL, 2009, p. 1012).

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O artigo em epígrafe trata do sistema de valorização das provas. O mencionado posicionamento sustenta o princípio da persuasão racional como critério de apreciação das provas, a permitir que o magistrado possa dar a elas o valor que entender cabível. Todavia, é decorrente deste sistema que o magistrado somente atenha-se às provas existentes nos autos, uma vez que, “o que não está nos autos não está no mundo”. (MENDOÇA,2008. p 154).

Diferente limitação deste principia, em conformidade com o texto legal, está na necessidade de fundamentação de apoio constitucional (art.5º, inciso LCV e art.93, inciso X).

Conforme BRASIL, 2009, p. 981: de um lado, pode o magistrado valorar as provas sem critérios predeterminados pelo legislador, de outro, deve-se ater apenas ás provas constantes dos autos e fundamentar sua decisão. Conforme consta do item VII da Exposição de Motivos do Código de processo Penal, todas as provas são relativas; nenhuma delas terá ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente, maior prestigio que outra. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apura, através delas, a verdade material. O juiz criminal é assim restituído à sua própria consciência.

O novo texto legal também mantém a restrição a liberdade das provas em relação ao estado das pessoas, tema a que o magistrado penal está vinculando ao que dispõe a legislação civil.

Desta feita, o juiz não poderá provar o casamento com base em provas testemunhais, destarte que, a prova do casamento, segundo a legislação civil, faz-se mediante certidão de casamento. 3.1.1 Proibições da Condenação Baseada em Provas Produzidas Exclusivamente na Fase Inquisitiva.

A redação precedente não tratava do tema. Assim o artigo 155 do CPP sofreu alteração, no interesse de vedar o magistrado de condenar alguém embasado apenas nos elementos informativos produzidos durante o inquérito policial. Tal inclinação decorre do princípio do contraditório previsto no art.5º, inciso LV, da CF/88 o que já era amplamente aceita na doutrina e jurisprudência.

O inquérito policial é procedimento inquisitivo, não cabendo aplicação do princípio do contraditório, vez que, não se destina a aplicação de nenhuma pena. Sua finalidade é meramente informativa, visando coletar elementos para a formação opinio delicti do titular da ação penal, o que permite posterior exercício da persecução penal em juízo.

Simultaneamente ao princípio do contraditório, necessário que as provas produzidas no inquérito sejam repetidas em juízo. Observando-se o contraditório. Situação que alguns autores chamam de princípio da judicialização das provas.

A incipiente legislação deixou claro que o magistrado deve se guiar na fundamentação pela prova produzida em contraditório judicial. Ao contrário do que era a intenção inicial do anteprojeto, não vetando o legislador que o magistrado considere os elementos informativos produzidos durante o inquérito policial para condenação.

A restrição constante é que o magistrado considere exclusivamente os referidos elementos.

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O Juiz poderá considerar as provas produzidas no inquérito desde que em conjunto com provas produzidas “em contraditório judicial”. Entretanto, com reforma legal, não se pode concluir que todos os elementos produzidos no inquérito policial estejam descartados a priori, especialmente porque, na atualidade, o investigado não é mais visto como simples objeto de investigação, e sim como sujeito que possui seus direitos.

Conforme (BRASIL, 2005, p. 01). Assim por exemplo, o STF vem reiteradamente decidindo que não se pode

obstar o advogado do investigado a ter acesso aos autos do inquérito policial, especialmente quanto às provas já documentadas e incorporadas ao procedimento (Neste sentido, vide STF – 1º Turma- HC 90.232/AM - Rel.Min. Sepulveda Pertence – j.18.12.2006, Informativo 453. No mesmo sentido, vide, ainda HC 82.354/PR (DJU 30.06.2005), todos da Suprema Corte.

Do mesmo modo, o STJ mostrou ser necessária a observância da ampla defesa em determinados momentos do inquérito, especialmente nos casos que houver restrição aos direitos fundamentais.

A palavra expressa no artigo “exclusivamente” foi um motivo de controvérsia no Congresso Nacional durante a tramitação do projeto. O senado até propôs que a expressão fosse excluída alegando que esta formalidade daria poder ao magistrado a não considerar nenhum fato produzido no decorrer da Inquérito Policial, mas pelo fato de o magistrado ter que tomar todas as suas decisões judiciais com base em um fundamento contido no Inquérito, tendo até que explicar o que o levou a usar o tal fundamento, considera-se uma boa decisão a da Câmara. 3.1.2 Provas Cautelares, não Cautelares e Antecipadas.

Diante do contexto apresentado, outra inovação é que permite ao magistrado considerar em sua sentença as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, mesmo que produzidas durante o inquérito policial, sem que tal decisão configure violação ao princípio do contraditório.

O contraditório é formado pela ciência e a reação. Gomes Filho (1997, p. 138-139), tratando deste último aspecto leciona, no

seu segundo momento, “que o contraditório adquire um feição dinâmica, caracterizando-se pela possibilidade de participação ativa de seus protagonistas em todos os atos do procedimento, com o objetivo de influenciar positivamente o espírito do juiz e obter, assim, a tutela pretendida. Essa participação ativa dos interessados no provimento pode ocorrer de várias formas: preventivamente: quando se instaura o contraditório para debater a oportunidade de realizar determinado ato; concomitantemente: quando se manifesta através da atuação na própria pratica do ato. posteriormente: quando consiste em manifestação subsequente ao ato como por exemplo na discussão sobre um valor de uma prova já produzida.

De acordo com o novo ordenamento, o contraditório é realizado nas provas cautelares, ocorrendo o contraditório diferido, ou seja, em razão de determinadas situações particulares, exercita-se o contraditório após a produção da prova.

O conceito de “provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”: provas cautelares: são aquelas cujo as quais podem desaparecer conforme o transcurso do tempo (periculum in mora) e nas quais o contraditório é diferido. Ex: Em um exame de

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corpo de delito, para identificar a presença de sêmen na vagina da mulher que foi estuprada, pois caso não se efetue o exame logo após o crime, ainda na fase do inquérito policial e sem o contraditório prévio ou o concomitante, os vestígios desaparecerão, tornando impossível a sua realização em um próximo momento

Provas não repetível: são aquelas que não poderiam ser produzidas novamente no andamento processual, uma vez que já tenham sido colhidas extrajudicialmente.

Há de se observar a existência de um núcleo comum entre provas cautelares e provas não repetíveis, pois a prova cautelar, em regra, também não é repetível no curso da ação, justamente por ter desaparecido o seu objeto.

Exemplo da Prova não repetível seria uma testemunha ouvida durante um inquérito policial, mas que venha falecer antes que seja ouvida em juízo, no momento procedimental oportuno.

Provas antecipadas: assegura o texto legal que são aquelas produzidas anteriormente como o próprio nome já diz, ou seja, produzidas com a observância do contraditório real perante autoridade judicial, antes de seu momento processual oportuno e até mesmo antes de iniciado o processo, em razão da sua urgência e relevância. São aquelas que correm um risco de desaparecer com o transcorrer do tempo e que são realizadas perante o juízo, observando-se o contraditório real, mesmo antes de iniciada a ação penal. Ex: se verificar que a única testemunha presencial de crime está com a saúde debilitada, em virtude de doença incurável (HIV ou CÂNCER), havendo risco de falecer antes de iniciada a ação penal, seria possível a sua oitiva determinando-se a sua inquirição perante o juiz.

É possível assemelhar uma comunhão entre a prova cautelar e a prova antecipada, pois em ambas há fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e periculum in mora (perigo da demora).

Segundo o novo ordenamento, a diferença entre a prova cautelar e antecipada está em que a antecipada é produzida observando-se o contraditório real, ou seja, garante-se a ciência e a participação no momento da produção da prova, o que não se verifica nas provas cautelares. Enquanto na prova antecipada há o contraditório real, no mesmo momento da sua produção, na prova cautelar o contraditório é diferido.

Lembrando que a prova antecipada é sempre produzida perante a autoridade judicial e nem sempre ocorre essa modalidade com a prova cautelar. Ao interpretar o art. 155 do CPP, passa-se pela consideração teológica. O referido dispositivo busca preservar o contraditório, que deve guiar toda a produção das provas.

Contudo, sob a luz desta interpretação, o magistrado poderá reputar as provas cautelares e antecipadas para a condenação, inclusive podendo valer-se delas com exclusividade, pois é perfeitamente possível o contraditório nestas duas situações.

Ao contrario, é a hipótese da prova não repetível. Para esta, como não há contraditório, seja anterior ou posterior, impossível ao magistrado fundamentar-se exclusivamente nela para condenar.

Então, o magistrado poderá apenas considerá-la como elemento de reforço das provas coletadas em juízo, conforme dissemos em relação aos demais elementos de informação do inquérito policial. Jamais o magistrado poderá condenar com base exclusivamente em uma prova não repetível, colhida apenas no inquérito policial, sob pena de violação ao contraditório.

Esta última, cremos, a melhor interpretação para o dispositivo.

3.2 ALTERAÇÕES NO ARTIGO 156 – LEI 11.690/2008 Art. 156 – Lei 11.690/2008 - Nova Redação:

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A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porem, facultado ao juiz de ofício: I- ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II- determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligencias para dirimir duvida sobre ponto relevante. (BRASIL, 2009, p. 1013).

Artigo 156 - Redação Anterior: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença determinar, de ofício, diligencias para dirimir duvida sobre ponto relevante”. (BRASIL, 2009, p. 1013). 3.2.1 Ônus da Prova - Regra Geral

Das regras sobre a distribuição do ônus da prova, o legislador trata, no caput deste artigo, regra geral é que o encargo de provar incumbe impreterivelmente, a parte que alegar o fato, regra esta que permaneceu aparentemente igual na reforma. Impressão esta, porém, aparente. Verifica-se que o legislador tratou do ônus da prova em relação às causas que excluam o crime ou isentem o réu de pena no art.386, inc. VI do CPP. Parte da doutrina afirmava que o ônus da prova destas causas seria da defesa, pois como as alegou, deveria comprovar a sua efetiva ocorrência, nos termos do que dispõe o at. 156 do CPP.

A defesa deveria demonstrar inequivocamente os requisitos da legítima defesa, por exemplo, para que fosse possível a absolvição do acusado. O legislador, diante da questão, alterou o inc. VI do art.386 do CPP, para mostrar que o ônus da prova da defesa não é próprio em relação às causas que excluem o crime ou isentem de pena, pois, basta, para absolvição, que haja fundada dúvida sobre sua existência.

Não obstante o ônus da prova das partes, o magistrado poderá determinar de ofício, em razão dos interesses indisponíveis veiculados pelo processo, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. Tal regra, tratada no inc. II da nova redação do art. 156 do CPP, também permaneceu como antes. 3.2.2 Prova Antecipada – Requisitos

A renovação foi o fato em que permite que o magistrado determine, de ofício, a produção de provas antecipadas (art. 159, inc. I). É de verificar que o art. 255 já previa a possibilidade de o juiz antecipar a produção da prova testemunhal, nos seguintes termos:

Se caso alguma testemunha tiver que se ausentar ou, por estar enfermo ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não existia, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento.

Da mesma forma, os art. 92 e 366 já tratavam da produção antecipada de provas, em caso de suspensão do processo. A nova legislação, porém, foi além, ao permitir a

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produção antecipada inclusive antes do início da ação penal. Esta, realmente, foi a maior inovação. A legislação permitia a produção antecipada de provas, mas segundo lecionava a doutrina majoritária, apenas no curso do processo, nos termos do art. 225 do CPP. A inovação foi a permissão de produção antecipadas de provas antes mesmo do inicio da ação penal. Vale ressalvar, porem, que Carlos Frederico Coelho Nogueira já mencionava a possibilidade da produção antecipada de prova inclusive antes de iniciada a ação penal. (NOGUEIRA, 2002, p.251)

A realização da prova antecipada é possível antes ou após o início do processo. Sendo após o inicio do processo, o juiz antecipa o momento procedimental

oportuno para a produção da prova. Assim por exemplo, embora o feito ainda esteja na fase da resposta escrita, o juiz poderá determinar, em caso de urgência, a oitiva antecipada da testemunha, que somente seria ouvida, pelo rito normal, na audiência de instrução e julgamento. 3.2.3 Pressupostos necessários para que seja possível a produção de Provas Antecipadas.

Relevância (a relevância fumis boni iuris e urgência periculum in mora). Verifica-se, pela pertinência, ou seja, que a prova diga respeito aos fatos de eventual processo futuro no deslinde eventual da causa.

No caso de produção antecipada anterior ao processo, pede-se que deverá o magistrado analisar, ainda, outro requisito, qual seja a viabilidade de um processo futuro.

Devendo verificar se há fumaça de que houve um crime e, portanto, que haverá um provável processo futuro. Ex: se verificar que o fato é manifestadamente atípico ou que já está extinta a punibilidade, sequer haverá cabimento em falar em prova antecipada.

A análise da viabilidade será um processo de conhecimento superficial, não muito a fundo, como é típico das medidas de urgência. Se tiver dúvida sobre a tipicidade ou punibilidade, por exemplo, deve ser deferida a medida.

Urgência, então, caracterizada pelo risco de desaparecimento da prova, ou seja, pela presença do periculum in mora. Além do exemplo da testemunha enferma, seria possível a antecipação quando houvesse sério risco de vida a uma testemunha jurada de morte por determinada organização criminosa.

Para a análise dos requisitos (relevância e urgência), o magistrado deverá observar o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade. Possuindo este princípio três aspectos, conforme: Necessidade (no caso, a medida deve ser a menos gravosa entre as existentes. Exemplo, se houver risco de vida a uma testemunha, deve o magistrado sopesar se é necessária a antecipação do depoimento ou se a proteção policial será suficiente para resguardar a testemunha).

Adequação (a medida deve ser apta a alcançar a sua finalidade, ou seja, deve o magistrado verificar a pertinência da prova para o processo penal).

Proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens devem superar as desvantagens, ou seja, o magistrado deve contrabalançar se é melhor esperar o momento procedimental certo para produção da prova ou se deve antecipar sua produção).

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3.2.4 Legitimidade para a Antecipação de Prova

Afirma o art. 156 do CPP, “que o magistrado poderia determinar a antecipação de provas de ofício”. De um lado, em relação às provas antecipadas durante o curso do processo, não temos dúvida de que a nova lei melhorou bem, pois o juiz tem interesse em buscar a verdade real. Até, já havia no art. 225 do CPP, a previsão de que o juiz poderia determinar de ofício, a produção antecipada da prova testemunhal.

De outro, nitidamente inconstitucional a autorização conferida ao juiz para determinar, de ofício, a produção antecipada de provas antes do início da ação penal, nesta situação ainda não há sequer ação penal instaurada nem mesmo acusação formal veiculada.

Nesse sentido, não pode o magistrado violar a sua inércia, atuando como verdadeiro juiz inquisidor. Vale relembrar que o STF declarou na ADIn 1.570-2, inconstitucional o art. 3º da lei 9.034/1995, que permitia ao magistrado a realização de investigações pessoais. Na ementa da referida decisão constou: “Juiz de instrução. Realização de diligências pessoalmente.

Competência para investigar. Inobservância do devido processo legal. Imparcialidade do Magistrado. Ofensa. Funções de investigar e inquirir. Mitigação das atribuições do MP e das polícias Federal e Civil [...]”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. Plenário, Rel. Min. Mauricio Correia, j.12.04.2004. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 20 maio 2009).

Seguindo a mesma senda do art. 3º da lei 9.034/1995, a produção antecipada de provas, permite ao magistrado que se antecipe à formação do opinio delicti do titular da ação penal, atuando como verdadeiro juiz de instauração, cuja imparcialidade poderá ser maculada.

Entendemos diante de tais motivações que o magistrado somente pode determinar a rodução antecipada de provas no curso do processo. Ou seja, antes de iniciada a ação penal, não pode fazê-lo de ofício. Somente poderá agir a partir de requerimento do MP, ou do ofendido (na ação privada), do investigado (testemunha que é álibi do investigado e que está em risco de morte, por exemplo) ou, ainda, de representação da autoridade policial.

3.2.5 Procedimento de Antecipação de Provas A competência preliminarmente para medida de produção antecipada de provas,

no caso de ser anterior ao início do processo, será dos juízes que sejam potencialmente competentes para o feito, caso ainda não haja juízo prevento.

Observar-se-ão as regras de competência, especialmente a de foro, (juiz do local da consumação). Quando for ao curso do processo, não há dúvidas de que será o próprio juiz da causa.

Já determinado e encontrado o magistrado competente, a parte interessada em produzir antecipadamente a prova deverá justificar sumariamente a presença dos pressupostos da medida – relevância e urgência – e, especialmente, indicar com precisão os fatos sobre os quais há de recair a prova, bem como a sua relevância para os fatos investigados (art.848 CPC).

Dado o deferimento, a produção antecipada da prova poderá consistir em interrogatório, em inquirição de testemunha e em exame pericial. Caso o magistrado

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determine de ofício – apenas no curso do processo, como vimos acima – entendemos que deverá indicar, em despacho fundamentado, a presença dos pressupostos da medida.

Após a apresentação da petição, será instaurado procedimento cautelar autônomo de produção antecipada de prova, seja antes do início da ação penal (pois não há sequer ação penal), seja após o início da ação penal (para evitar tumulto procedimental).

Com as providências devidamente tomadas, deverá o magistrado determinar a realização da prova. Tratando-se de testemunha, deverá designar audiência a sua oitiva, em juízo. Após, serão os interessados intimados para tanto.

Tudo indica que, não é necessária, a citação do investigado, pois esta somente deve ocorrer quando houver acusação já formulada. Bastando, assim, a intimação do MP e do suposto investigado, que deverá comparecer necessariamente acompanhado de advogado, sob pena de ser-lhe nomeado um.

Sem dúvida nenhuma, o investigado e o indiciado devem ser intimados para comparecer à audiência, pois se, por um lado, a finalidade da antecipação é assegurar a prova, por outro é garantir o contraditório efetivo e real. O indiciado pode ser o réu de amanhã, daí a necessidade de ser-lhe a participação da prova oral antecipada. Caso não haja, ainda, suspeito, deve o juiz nomear defensor dativo.

Em caso de já produzida à prova antecipada, não há recurso ou oferecimento de defesa, vez que a finalidade da prova antecipada já se cumpriu, devendo os autos permanecerem em cartório ou ser apensados aos autos do inquérito policial. Ademais, o magistrado não deverá se pronunciar sobre o mérito da prova, limitando – se a verificar se foram observadas as formalidades legais. Como já decidiu o STJ, em relação à antecipação da prova civil, “A valoração da prova é auferida na causa principal e não na medida cautelar”. (BRASIL, 1995, p. 01).

Na redação do artigo 83 do CPP, determina-se que o juiz estará prevento quando praticar algum ato do processo ou medida a este relativa, ainda que a anterior o oferecimento da denúncia ou queixa. No caso, antecipa-se a própria prova que seria colhida durante o curso do processo, razão pela qual é inequívoco que o juiz já praticou medida relativa ao processo. Esta conclusão se reforça, ainda mais, ao se constatar que, no Processo Penal, passou a ser adotada a teoria da identidade física do juiz.

3.3. ALTERAÇÕES DO ARTIGO 157 – LEI 11.690/2008 Art.157 – Lei 11.690/2008 - Nova Redação:

São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas,

assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. 1º. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo

quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado ás partes acompanhar o incidente. (BRASIL, 2009, p. 1013).

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Artigo 157 – Redação anterior: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova”. (BRASIL, 2009, p. 1013).

Vedação das provas ilícitas A verdade processual não é um valor absoluto e, por isso, não tem de ser

investigada a qualquer preço, mormente quando esse “preço” é o sacrifício de direitos fundamentais. Nesta senda, embora o CPP fosse omisso, a Constituição Federal já pulara a limitação mais explícita á busca da verdade real, disciplinando, em seu art. 5º. inc. LVI, que “são inadmissíveis no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. (SILVA, 2008, P.122)

Observando tanto a doutrina e quanto a jurisprudência pátrias sempre demonstraram a divergências entre provas vedadas ou proibidas, provas ilícitas e provas ilegítimas sendo: prova vedada ou proibida é aquela que viola o ordenamento jurídico.

Provas ilícitas são aquelas que violam uma disposição de Direito Material (exemplo: confissão obtida mediante tortura) – e as provas ilegítimas são as provas produzidas em violação a uma disposição de caráter processual (exemplo: juntada de prova no procedimento do júri sem a observância do prazo de três dias úteis).

Afastou a reforma desta orientação ao firmar que não são admissíveis as provas ilícitas, “assim entendidas as ob tidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Ou seja, pela nova redação conferida ao art. 157 do CPP, é ilícita a prova que viole disposições materiais e processuais.

Para caracterizar uma norma como ilícita o que considera é a infringir de uma disposição constitucional ou legal. Assim, pela nova redação do art. 157, os dois exemplos acima citados cairiam na vala comum das provas ilícitas.

Houve modificação em face da nova disciplina legal no tratamento das provas ilegítimas, o renomado jurista GOMES, Luiz (2008), entende que: a CF, no art. 5º, LVI, somente seria aplicável ás provas ilícitas ou ilícitas e ilegítimas ao mesmo tempo, ou seja, não se aplicaria para as provas (exclusivamente) ilegítimas.

Para esta última valeria o sistema da nulidade, enquanto para as primeiras vigoraria o sistema da inadmissibilidade.

Em concordância com alguns juristas, ambas as provas (ilícitas ou ilegítimas), em principio, não valem (há exceções, vejamos), mas os sistemas seriam distintos. Quando o art. 157 do CPP, fala em violação a normas constitucionais ou legais, não distingue se a norma legal é material ou processual.

Qualquer que seja a violação ao devido processo legal, em síntese, acarrear à ilicitude da prova: “A obtenção de provas sem a observância das garantias previstas na ordem constitucional ou em contrariedade ao disposto em normas fundamentais de procedimento, configurará afronta ao princípio do devido processo legal”. (MENDES, 2007, p. 604-605).

Pode-se ressalvar dizendo que não é qualquer violação às normas processuais que transformará a prova em inadmissível. Unicamente, quando forem desrespeitadas as disposições processuais que possam refletir no devido processo legal é que se poderá falar em inadmissibilidade da prova.

Exemplo: Uma prova testemunhal obtida em juízo sem a presença do defensor deverá ser considerada inadmissível (ilícita), por violação à ampla defesa e, portanto, ao devido processo legal. No entanto, o desrespeito a uma disposição de caráter nitidamente procedimental, que não interfira em qualquer garantia relacionada ao devido processo legal, não pode ser reputada ilícita e, portanto, inadmissível (por exemplo, uma testemunha inquirida pelo sistema presidencialista e não diretamente pelas partes).

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Para as violações em que não houver lesão ao princípio do devido processo legal, o sistema deve continuar a ser o das nulidades. Caso contrário, ferindo-se o due process of law, a prova deve ser considerada inadmissível.

3.3.1 Provas Ilícitas e Teoria da Proporcionalidade A nova legislação não mostrou da teoria da proporcionalidade. Mas a omissão

não significa a sua vedação absoluta. Vale ressaltar que a doutrina majoritária entende admissível a prova ilícita pro reo, ou seja, para comprovar a inocência do acusado.

Se o fato de vedar foi estabelecido como uma garantia do indivíduo, não poderia ser utilizada em seu desfavor, quando necessária para comprovar a inocência. Outro fundamento invocado para a admissão da prova ilícita pro reo é que teria que haver, nesta situação, exclusão de ilicitude, em razão da caracterização do estado de necessidade.

3.3.2 Provas Ilícitas por Derivação A Prova ilícita por derivação é a prova que, em si, é uma prova lícita, mas a sua

origem se baseia em uma prova ilícita. Por exemplo: se apreende droga corretamente, mas cuja notícia se origina de uma interceptação telefônica clandestina. O STF adotou, por maioria, a teoria dos “frutos da árvore envenenada”, segundo a qual a prova lícita, derivada de uma ilícita, também é contaminada por esta.

De acordo com a nova redação, não há dúvida acerca da inadmissibilidade também das provas derivadas das ilícitas. Requer estabelecer, porém, quando uma nova prova é ou não derivada de uma prova ilícita. Neste sentido, a nova legislação trouxe, do direito norte-americano, limites à adoção da teoria das provas ilícitas por derivação. Vejamos separadamente.

3.3.3 Limites à Prova Ilícita por Derivação Nesse contexto, analisaremos quais os limites da prova ilícita por derivação,

ou seja, quando é possível afirmar que uma prova não é contaminada por outra. Alhures, os três limites: a) limitação da fonte independente (“independent source limitation”); b) limitação da descoberta inevitável (“inevitable discover limitation”); c) limitação da contaminação expurgada (“purged taint limitation”) ou d) conexão atenuada (“attenuated connection limitation”). Veremos em cada teoria a possibilidade de sua aplicação no Direito brasileiro. Limitação da fonte independente, a ilicitude da prova fica apartada se

demonstrar que a prova não é decorrente da prova ilícita, isto é, se comprovado que não há nexo de causa e efeito com a prova ilícita, deverá o magistrado verificar se a prova é originada ou não de fonte independente da prova ilícita.

Em análise, o art.157, 1º do CPP não deixa dúvidas de que a nova legislação adotou a limitação da fonte independente, ao afirmar que “são também inadmissíveis

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as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”.

Limitação da descoberta inevitável aplica-se caso demonstre que a prova seria produzida de qualquer maneira, independentemente da prova ilícita originária.

Como afirma FERNANDES (2007, p.22), a teoria da descoberta inevitável repele a ilicitude por derivação ou contaminação “quando o órgão jurisdicional se convence de que, fosse como fosse, se chegaria ‘inevitavelmente, nas circunstâncias, a obter a prova por meio legítimo”.

Tal limitação inevitável, também foi admitida pelo novo art. 157, em seu parágrafo 2º, com a seguinte redação: “Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”. (BRASIL, 2009, p. 2048).

Necessário, portanto, ter cautela em relação à definição legal, uma vez que não é possível valer-se da teoria da descoberta inevitável com base em meros elementos especulativos, sendo imprescindível a existência de dados concretos que demonstrem que a descoberta seria inevitável.

Enfim, a teoria da contaminação expurgada ou conexão atenuada aconteceria quando um ato posterior, totalmente independente, retirasse a ilicitude originária. De acordo com esta teoria, podemos entender que não restou clara a sua adoção pelo legislador, como já dito, há certo nexo – embora distante – entre a prova colhida e a ilícita.

É certo que o caso concreto e a jurisprudência poderão confrontar-se com situações em que o nexo seja tão distante entre a prova ilícita e a prova obtida que se poderia pensar em um afastamento (ao menos normativo) deste nexo. A depender do caso concreto, a teoria da contaminação expurgada poderia ser enquadrada na hipótese ampla do parágrafo 1º do art. 157. 3.4 .ALTERAÇÕES DO ARTIGO 159 LEI 11.690/2008 III – Art.159 Lei 11.690/2008 – nova redação

O exame de corpo delito e outras perícias serão realizados por perito oficial. Portador de diploma de curso superior .

Parágrafo 1º. Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 ( duas ) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área especifica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.

Parágrafo 2º. Os peritos não oficias prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.

Parágrafo 3º. Serão facultados ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico.

Parágrafo 4º. O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficias, sendo as partes intimadas desta decisão.

Parágrafo 5º. Durante o curso do processo judicial é permitido às partes, intimadas desta decisão:

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I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem as quesitos, desde de que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10( dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar; II – indiciar assistentes técnicos que poderá apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.

Parágrafo 6º. Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.

Parágrafo 7º. Tratando de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indiciar mais de um assistente técnico. (BRASIL, 2009, p. 1013). 3.4.1 Prova Pericial e sua Finalidade

Através de estudos, foram determinadas duas finalidades que guiaram as alterações referentes à prova pericial: a) simplificar a realização das perícias; b) melhor assegurar às partes a garantia do contraditório.

Relacionado ao contraditório, a necessidade se mostrava urgente, pois com o desenvolvimento científico e tecnológico, a perícia acabou por receber a importância colossal em relação às demais provas, chegando-se a ponto de afirmar, que a “perícia teria conquistado o reinado antes atribuído à confissão” e, justamente por isto, este mesmo autor adverte: mas, se de um lado esse grande manancial de informações pode servir a uma mais exata apuração da verdade, por outro também é maior o risco de que as eventuais distorções da realidade, nesse tipo de prova, não sejam percebidas pelo juiz, pelas partes, ou pelas partes, ou pela sociedade.(GOMES FILHO, 1997, p.155)

Diante desta advertência é que a reforma certificou-se uma maior possibilidade de as partes exercitarem o contraditório em relação à prova produzida pelo expert, sendo por meio de questionamentos em audiência ou por escrito, sendo por diante da possibilidade de nomeação de assistentes técnico. 3.4.2 Do Perito

Com relação ao artigo, no capítulo onde redige “Do exame do corpo de delito, e das perícias em geral”, trata dos peritos.

Para GRECO FILHO (1998, p. 258), perito é o auxiliar do juízo convocado “quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico”. O CPP deixa claro que há diferença entre o perito oficial do não oficial. O perito oficial é aquele acometido na função em razão de concurso público, integrando os quadros do Estado. Já o perito não oficial é aquele designado pelo magistrado, não fazendo parte dos quadros públicos.

Alega-se a nova legislação, que a perícia oficial seja elaborada por um perito oficial – e não mais por dois, como era a exigência da lei anterior.

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Na falta de um perito oficial, será possível a nomeação de duas pessoas idôneas para as funções de peritos não-oficiais também chamados de leigos ou louvados, que deverão prestar compromisso, conforme já ocorria na sistemática anterior. O bom é que a partir da nova lei, é que basta um único perito oficial, enquanto ainda são necessários dois peritos não oficiais.

Foi mantida a exigência de que as pessoas nomeadas para peritos louvados sejam portadoras de diploma de curso superior, ou seja, 3º grau completo, preferencialmente na área específica, entre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. Vale destacar que, em razão da alteração do número de peritos oficias, perdeu significativo valor o art.180 do CPP que falava sobre a divergência entre os peritos na elaboração do laudo. O artigo que se refere, continua aplicável, a partir da nova Lei, apenas aos peritos não-oficiais. 3.4.3 Oitiva dos Peritos em audiência e apresentação de quesitos

Uma das mais importantes alterações quanto às perícias foi a previsão, no parágrafo 5º inc.I, da possibilidades de as partes, durante o curso do processo judicial e após a elaboração da perícia, requererem a oitiva do perito em audiência. Assegurou-se, também neste mesmo inciso, a possibilidade de as partes apresentarem quesitos para serem respondidos pelo expert.

Tais medidas visam dar maior efetividade ao princípio do contraditório. A oitiva do perito em audiência enquadra-se no conceito maior de ampla defesa

e já era previsto, como lembram Fernandes (2007) e Gomes Filho (1997, p. 182), pelo art. 8º., 2f, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Decreto 678/1992), que assegura “o direito da defesa de inquirir as testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos”. (CASTANHO, 2009, p.182).

No entanto, para que possa fazer valer o seu direito de ouvir o perito, a parte interessada nos esclarecimentos deve enviar as perguntas ao juiz, sob forma de questões (ou quesitos).

A fim de permitir que o perito possa se preparar apropriadamente – especialmente porque os questionamentos devem envolver matéria técnica – o juiz deverá enviar o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas ao perito com antecedência mínima de dez dias da audiência de instrução e julgamento.

Se o perito não receber as questões com antecedência mínima necessária, entendemos aplicável o art. 435 do CPP, por analogia, ou seja, o perito não estará obrigado a prestar os esclarecimentos. Nada impede, porém, que o magistrado adie a audiência, se entender imprescindível a oitiva do perito. 3.4.4 Nomeação de Assistente Técnico

Uma grande inovação que veio junto à reforma foi o fato de se tornar possível a nomeação de assistente técnico pelas partes. Em razão da omissão da anterior redação, a doutrina e a jurisprudência entendiam que não existia a possibilidade de nomeação de assistentes técnicos pelas partes no Processo Penal.

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A nova redação do parágrafo 3°, do art. 159, porém, explicitamente previu a figura do assistente técnico, que é um auxiliar da parte na solução das questões técnicas relevantes para decisão da causa.

A função desse profissional é criticar as conclusões do perito, a fim de auxiliar a parte e também convencer o magistrado, pois este último não está vinculado ao laudo do perito (sistema liberatório, previsto no art. 182 do CPP). Além de apresentar seu laudo, o assistente técnico poderá ser ouvido na audiência.

O que fala no parágrafo 5°, apenas no curso do processo poderão as partes indicar assistentes técnicos.

A lei trouxe duas outras restrições à atividade dos assistentes técnicos. Uma delas determina que o assistente técnico somente possa atuar a partir da

sua admissão pelo juiz. Até também devem as partes ser intimadas desta decisão de admissão do assistente (para que outra parte, se assim entender, providencie a nomeação de assistente, em atenção ao princípio da paridade de armas).

A outra restrição é que a sua admissão somente ocorrerá após a elaboração do laudo pelo(s) perito(s).

O assistente com sua participação no Processo Penal consistirá na elaboração de parecer, no prazo a ser fixado pelo magistrado, ou, ainda, na possibilidade de ser inquirido em audiência, assim como os peritos, para prestar esclarecimentos.

Igualmente, permite o parágrafo 6° que os assistentes técnicos tenham contato pessoal com o material probatório que serviu de base à perícia. Para tanto, deve haver requerimento das partes ao juiz, que permitirá o acesso dos assistentes ao material utilizado.

O texto legal trouxe ainda mais duas restrições: que o contato seja realizado no ambiente do órgão oficial – o assistente não poderá levar o material para seu laboratório próprio – e sempre sob a supervisão do perito oficial, que deve estar presente.

Restrições estas que tendem acautelar eventual destruição ou perecimento do material probatório. Contudo, quando não for possível a conservação do material – por exemplo, no caso de material explosivo – haverá impossibilidade física deste contato do assistente técnico. 3.4.5 Acareação entre Perito e Assistente Técnico

A dúvida que se pode colocar na prática é sobre possibilidade de acareação entre perito e assistente técnico. A quem diga isso não é cabível.

O art.229 do CPP permite referido meio de prova quando houver divergência entre declarações “sobre fatos ou circunstâncias relevantes.” O perito e o assistente técnico não prestam declarações sobre fatos ou circunstâncias relacionadas à infração, mas apenas esclarecimentos técnicos, com base nos fatos constantes dos autos.

Com base no CPC, TABOSA esclarece: também não se prestam os depoimentos elucidativos a transportar para o palco da audiência verdadeiro debate entre o perito e os assistentes. É natural que, ao cabo da fase própria, apresentem esses profissionais manifestações discrepantes entre si, as quais deverão ser simplesmente interpretadas ao ensejo do julgamento, e sem que se possa extrair da mera dissonância a existência de duvida concreta. (2005, p. 1377)

Não teria sentido em contrapor as opiniões dos experts, pois estas devem ser interpretadas pelo magistrado para formação do seu convencimento.

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3.4.6 Perícias Complexas

O parágrafo 7º discorre sobre as chamadas perícias complexas, que são aquelas que tratam de mais de uma área do conhecimento. Então, em razão da especificidade da matéria, o magistrado poderá designar mais de um perito oficial e as partes indicar mais de um assistente técnico – o artigo em si, possui redação igual ao art.431-B do CPC .

Comentando este último artigo, DINAMARCO em lição totalmente pertinente ao processo penal, afirmou: que a nomeação de mais de um perito é absolutamente coerente com o sistema e às vezes já vinha sendo praticada pelos juízes, mesmo sem lei expressa que o autorizasse. Menos legítima é a escolha, pelo perito nomeado, de profissionais encarregados de realizar exames específicos, alheios ao seu conhecimento técnico, porque o perito é auxiliar da justiça e não dele, competindo ao juiz a escolha de profissional de sua própria confiança. (2006, p. 117). 3.5 ALTERAÇÕES DO ARTIGO 201 LEI 11.690/2008 Art. 201 Lei 11.690/2008 – Nova Redação

O intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade. § 2º. O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e á designação de data para audiência e a sentença e respectivo acórdãos que a mantenha ou modifiquem. § 3º. As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, ao uso de meio eletrônico. § 4º. Antes do inicio da audiência e durante a sua realização será reservado espaço separado para o ofendido. § 5º. Se o Juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado. § 6º. O juiz tomará as providencias necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação. (BRASIL, 2009, p. 1019-1020). Artigo 201 - Redação anterior.

Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.

Parágrafo único. Se intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade. (BRASIL, 2009, p. 1019-1020).

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3.5.1 Do Ofendido

A nova redação mostra maior preocupação com a vítima, que, no sistema do CPP e da legislação processual penal, sempre foi “marginalizada”, ou seja, deixada em segundo plano.

Neste sentido, FERNANDES (2007, p. 25) afirma que “É generalizada a tendência consistente em dar à vítima novo papel no processo criminal, tirando-a do ostracismo que lhe foi imposto nos últimos tempos.”

Esta pretensão de colocar brilho sobre a vítima pode ser verificada pela própria alteração do nome do Capítulo, que antes se chamava “Das perguntas ao ofendido” e agora passou a ser mais amplo, denominando-se “Do ofendido”. Isto demonstra que a vítima não é mais vista apenas como fonte da prova, preocupando-se o legislador em resguardar a sua integridade física, assim como os outros aspectos relacionados a prática delitiva. Também já teremos oportunidade de tratar da indenização mínima à vítima, que será fixada na sentença penal condenatória, demonstrando a mesma tendência. 3.5.2 Necessidade de Intimação do Ofendido

Na redação anterior do CPP, na ação pública, a vítima não precisaria ser intimada de nenhum ato processual relacionado ao processo, a não ser a data designada para a oitiva.

Nesse contexto, seria apenas intimada dos demais atos processuais se fosse habilitada como assistente da acusação.

Inovou a reforma ao prever a necessidade de intimação do ofendido, mesmo que não habilitado como assistente da acusação, trazendo-o para próximo do processo.

Assim explica a nova lei que o ofendido seja comunicado, ou seja, intimado, de diversos atos o processo, especialmente aqueles relacionados ao acusado. Veremos as hipóteses em que é necessária a intimação do ofendido.

Primeiramente, urge a intimação do ofendido sobre os atos processuais relativos ao ingresso e a saída do acusado da prisão, tais como a decretação da prisão preventiva, concessão de liberdade provisória revogação da prisão cautelar. Tal situação visa dar conhecimento ao ofendido sobre a manutenção da prisão e eventual soltura do acusado.

O novo dispositivo mostra-se ainda que o ofendido seja intimado sobre a data designada para a audiência de instrução e julgamento. Portanto, poderá não apenas acompanhar a produção probatória, como eventual sentença a ser proferida. Visa-se com isso, permitir que o ofendido acompanhe o processo, até porque tem interesse no valor da indenização civil mínima a ser fixada na sentença.

No final, deve o ofendido ser intimado da sentença e dos respectivos acórdãos que a “mantenham” ou a modifiquem. Tal providência fez-se em razão da possibilidade de a sentença fixar o valor da indenização civil mínima, segundo cremos, dando -se ciência ao ofendido do trânsito em julgado de eventual condenação.

Em primeiro lugar, a intimação do ofendido,será feita de maneira pessoal, pois, em razão de não estar habilitado como assistente da acusação, não terá advogado atuando nos autos. Segundo o § 3º, a referida comunicação deve ser feita no endereço por ele indicado.

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Contudo, a nova redação permitiu que o ofendido fizesse a opção de ser intimado por meio eletrônico, ou seja, por e-mail. Caso o ofendido não seja encontrado no endereço por ele indicado, tornar-se-á desnecessária a intimação, pois esta não ocorreu em virtude de sua desídia em não comunicar ao juízo o seu novo endereço, demonstrando desinteresse no acompanhamento do processo.

Não haveria qualquer sanção processual em caso de descumprimento destes mandamentos para intimação do ofendido, as duas primeiras situações, intimação do ofendido sobre atos processuais relativos ao ingresso e saída do acusado da prisão e sobre a data designada para audiência de instrução e julgamento. Seria mera irregularidade.

Agora quanto à necessidade de intimação do ofendido acerca do teor da sentença prolatada, pode vir a trazer muitos questionamentos. Em causa da importância que adquire a intimação da sentença para fins de indenização (como o Ministério Público não pode recorrer, em regra, da questão patrimonial, caberá ao ofendido apelar para discutir o direito à indenização e o quantum desta), em uma primeira leitura, o capítulo da sentença que trata do aspecto civil não transitará em julgado enquanto não for o ofendido intimado.

Com a necessidade de o ofendido ser intimado da sentença, pode-se questionar se ainda dure a diversidade de prazos para a apelação do assistente habilitado e do ofendido não habilitado.

A doutrina, acompanhada pelo STF, entende que o prazo para apelar é de cinco dias no caso de assistente habilitado e de quinze dias em caso de ofendido não habilitado.

Em virtude da necessidade de ser o ofendido intimado da sentença, não houve alteração deste prazo, ainda há razão para existirem prazos diversos. Embora o ofendido não habilitado seja intimado para acompanhar alguns atos do processo, ele ainda encontra-se em situação de desvantagem em relação ao Ministério Público e ao assistente habilitado, principalmente por não possuir advogado que esteja acompanhado os autos.

Se entendesse que o prazo passaria a ser de cinco dias também para o ofendido não habilitado, o lapso temporal seria muito curto para contratar um advogado, este ter acesso aos autos e, ainda interpor o recurso.

E, ainda insiste a redação do art. 598, parágrafo único, do CPP, que determina que o prazo seja de 15 dias. Enfim, a interpretação teleológica nos conduz a essa solução, pois a necessidade de intimação do ofendido foi instituída para beneficiá-lo.

No interesse de preservar a integridade física do ofendido e, também, evitar que se submeta a constrangimentos, o § 4º estabelece que fique em espaço separado das testemunhas e, especialmente, do acusado, enquanto aguarde para participar da audiência. 3.6 ALTERAÇÕES DO ARTIGO ART. 210 LEI 11.690/2008 Art. 210 Lei 11.690/2008 - Nova Redação:

As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas não saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juízo adverti-las das penas cominadas ao falso testemunho.

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Parágrafo único. Antes do início da audiência e durante a sua realização, serão reservados espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das testemunhas. (BRASIL, 2009, p. 1021).

IV - Artigo 210 - Redação anterior: “As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas não saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juízo advertirem-nas das penas cominadas ao falso testemunho”. (BRASIL, 2009, p. 1021). 3.6.1 Incomunicabilidade entre as testemunhas

O artigo descrito acima sustenta a necessidade de incomunicabilidade entre as testemunhas, propondo evitar que conversem entre si e, eventualmente, combinem seus depoimentos. Para certificar a incomunicabilidade, devem permanecer em espaços separados, seja antes, durante ou depois do depoimento prestado.

De outro lado, com a instituição de audiência una de instrução e julgamento, resguarda-se, ainda mais, a incomunicabilidade, pois todas as testemunhas serão inquiridas, em princípio, na mesma data. Relembre-se que o legislador também determina que as testemunhas fiquem em espaço diverso do ofendido.

3.7 ALTERAÇÕES DO ARTIGO 212 LEI 11.690/2008 Art. 212 Lei 11.690/2008 – Nova redação

As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aqueles que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. (BRASIL, 2009, p. 1021).

Artigo 212 - Redação anterior Segundo BRASIL (2009, p. 1021), “As perguntas das partes serão requeridas ao

juiz, que as formulará a testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem na repetição de outra já respondida”. 3.7.1 Sistema da inquirição direta (cross-examination)

Antes da nova redação, a inquirição, das testemunhas era presidencialista onde as perguntas das partes eram dirigidas ao juiz, que depois as formularia à testemunha.

A reforma adotou o sistema de inquirição direta, também chamada cross-examination, de origem norte-americana. Nos Estados Unidos, este sistema consiste-se no adversary system, em que o magistrado situa-se em posição secundária na produção das provas, relegando-se às partes a atividade principal na produção da prova.

O objetivo maior do legislador, ao adotar o novo sistema, foi de agilizar a colheita da prova oral. Além deste fator, a sistemática anterior muitas vezes prejudicial à busca da verdade real, pois o magistrado, ao refazer a pergunta formulada

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pela parte, poderia alterá-la, mesmo involuntariamente e algum aspecto substancial para a defesa ou acusação.

Como ensina NUCCI ao criticar a sistemática anterior: “Se o intuito é de proteger a testemunha e a própria colheita da prova de

questões irrelevantes ou impertinentes, tal finalidade pode ser garantida pela presença fiscalizatória do juiz e da parte contrária”. (2008, p. 434)

Com a nova redação, adotou-se o sistema direto de inquirição, já utilizado nos Estados Unidos, como dito anteriormente.

Como ensina MOREIRA naquele país as testemunhas não são inquiridas pelo juiz: “Disso se incumbem o prosecutor e o advogado do réu; e o momento culminante consiste em regra na chamada cross-examination, em que o acusador ou o defensor reinquire a testemunha apresentada pelo adversário”. (2006, p. 5).

Todavia o sistema direto de inquirição não está infectado de críticas. Mais uma vez, MOREIRA leciona: semelhante procedimento, louvado por alguns como métodos eficaz para a revelação da verdade, tem sido algo de críticas candentes por parte de muitos, no próprio universo anglo-saxônico. Alega-se que a maneira de conduzir a inquirição, de ambos os lados e menos apta a lançar luz sobre os fatos que a submeter a constrangimentos e humilhações os depoentes hostis, no afã de desacreditá-los aos olhos do júri. (2006, p.5).

De acordo com a nova disciplina, responsabilizam-se as partes perguntar diretamente às testemunhas sobre as questões que entenderem relevantes. O magistrado exercerá importante fundação fiscalizatória, indeferindo nas perguntas: a) que possam induzir a determinada resposta; b) que não tiverem relação com a causa; e c) que importarem repetição de outra já respondida. A primeira restrição constitui inovação, especialmente adotada em razão do sistema direto.

Anteriormente, como era o magistrado quem formulava as perguntas feitas pelas partes, caso verificasse que a questão poderia induzir determinada resposta, já a formularia de forma a afastar esta mácula.

Atualmente, como o sistema é direto, deve o magistrado indeferir aquelas perguntas que possam induzir a testemunha a uma resposta determinada.

Continua em vigência o artigo 213 onde rege que o magistrado não permitirá que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato.

Com base novamente na sistemática norte-americana, foi alterada a ordem de inquirição da testemunha. Pela reforma, era o magistrado quem questionava em primeiro lugar.

Somente depois se abria às partes, primeiro para quem arrolou a testemunha e, depois, para a parte contrária, a possibilidade de perguntas.

Diante da nova sistemática, determina que seja as partes quem primeiro fazem as perguntas. o magistrado apenas ao final formulará perguntas, contemplando a inquirição sobre os pontos não esclarecidos pela testemunha.

Conforme leciona MOREIRA, o acréscimo trazido pelo parágrafo único foi importante, pois, elimina “qualquer suspeita de que se tenha a intenção de reduzir o juiz, nesse momento importante da atividade instrutória, a um ‘convidado de pedra”. (2006, p. 6).

Embora sejam as partes que inquirem diretamente à testemunha, é o magistrado que irá transpor o depoimento para o termo. Permanece sendo o magistrado quem ditará, naqueles lugares em que não há estenotipia ou gravação das audiências, ao

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escrevente a redação a ser dada ao depoimento. Neste sentido, o art.215 do CPP continua em vigor.

Finalmente, permanece o sistema presidencialista em relação ao interrogatório, salvo em plenário do Júri. No Júri, também há uma particularidade em relação à oitiva de testemunhas, pois é o juiz que formula primeiro as perguntas, diversamente do que ocorre, como vimos, nos demais procedimentos.

Há certa assimetria entre o procedimento ordinário e o júri. Veremos: a) interrogatório no júri; sistema presidencialista; b) interrogatório no procedimento comum: sistema presidencialista; c) testemunha no procedimento comum: sistema direto com perguntas do juiz ao final; d) testemunha no procedimento do júri: sistema direto com perguntas do juiz antes das partes. 3.8 ALTERAÇÕES DO ARTIGO 217 LEI 11.690/2008 Art. 217 Lei 11.690/2008 – Nova redação

Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por vídeo-conferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença d seu defensor.

Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram. (BRASIL, 2009, p. 1021).

Artigo 217 - Redação anterior se o juiz verificar que a presença do réu, pela sua atitude, poderá influir no ânimo da testemunha, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará retirá-lo, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Neste caso deverão constar do termo a ocorrência e os motivos que a determinaram. (BRASIL, 2009, p. 1021). 3.8.1 Inquirição por videoconferência e retirada do réu da sala de audiências

O artigo em questão trata da chance de que magistrado possa retirar o réu da sala de audiência em situações excepcionais. O direito à ampla defesa divide-se em direito à sala técnica-indisponível e exercida por advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil e direito à autodefesa disponível e exercida pelo próprio acusado.

O direito à autodefesa se baseia em direito de audiência, que é a possibilidade de, tendo contato direto como magistrado, explicar sua versão, e direito de presença, que é o direito de participar e acompanhar pessoalmente a produção da prova.

A regra é que se participa o acusado da produção da prova, tornando-se presente em audiência e possivelmente auxiliando seu causídico na defesa da causa. Acontece que tal direito não é absoluto e em situações devidamente justificadas o magistrado poderá impedir que o réu mantenha-se na sala de audiências, visando assegurar a busca da verdade real. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A jurisprudência do STJ e STF admite a retirada da sala do acusado, 2000 p, 117).

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Se o magistrado compreende que a presença do réu é prejudicial à busca da verdade real, deve utilizar-se, em primeiro lugar, do sistema de videoconferência. Nesta condição, o réu poderá acompanhar a inquirição da testemunha ou do ofendido por intermédio de sistema de áudio-vídeo especialmente designado para tal fim, sem estar presente fisicamente na sala de audiências.

Esta é a única condição prevista nos dias atuais na legislação para o uso da videoconferência. O STJ e o STF entende que é inadmissível o interrogatório por videoconferência, sob o argumento de falta de previsão legal e violação ao princípio da ampla defesa.

Exclusivamente, em caso de não ser possível a utilização do sistema de videoconferência é que será admitida a retirada do réu da sala de audiências. A condição é, portanto, subsidiária. Por si só, a presença “virtual” do acusado, já tornará possível um fator de mácula à busca da verdade real. Se a testemunha ou o ofendido pedir ao magistrado que o acusado não acompanhe seu depoimento, sequer por videoconferência, pela letra da lei, o magistrado não poderia impedi-lo de acompanhar o ato por videoconferência.

Não podemos distanciar que a integridade física da testemunha e do ofendido deve ser preservada acima de tudo, assim como a busca da verdade real. Desta maneira, em situações excepcionais, devidamente justificadas, o magistrado também poderá indeferir inclusive o acompanhamento, pelo acusado, do depoimento por videoconferência.

Se for preciso a retirada do réu da sala de audiência, são necessárias duas tomadas.

Sendo uma a que o causídico do acusado permaneça na sala, pois jamais o ato processual poderia ser realizado sem a presença da defesa técnica.

A outra é que deve conter do termo de audiência a ocorrência de qualquer uma das situações excepcionais – videoconferência ou retirada da sala – bem como, especialmente, os motivos que a determinaram. Se não houver o cumprimento de qualquer uma destas providências ocorrerá a nulidade do ato, especialmente por violação à ampla defesa.

Propriamente dizendo a videoconferência não foi regulamentada para as demais situações. Apenas foi regulamentado pelo legislador, para a presente hipótese excepcional e, mesmo assim, em favor do acusado, o que nos faz crer que não será possível sua aplicação para a oitiva de testemunhas ou para a realização de interrogatórios via videoconferência.

Entretanto, prevista para situação em análise, prossegue sem previsão legal a hipótese de oitavas de testemunhas ou interrogatórios pelo sistema de videoconferência, o que deve manter o entendimento majoritário no STF e STJ sobre impossibilidade de sua aplicação. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei 11.690/2008, com a sua reforma em especial os artigos relacionados às “provas”, em primeiro lugar segundo as alterações do artigo 155, onde relata que com a prova colhida posteriormente a ação penal, melhora os tramites do julgamento.

Assim sendo, as provas colhidas no inquérito e na instrução judicial continuam valendo, mas a da instrução judicial terá um maior valor, pois a sentença funda-se na prova colhida na instrução judicial.

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Observando a forma em que ficou regido o artigo poderia parecer que o juiz estaria livre para condenar exclusivamente com base nas referidas (provas cautelares, não receptíveis e antecipadas), sem a necessidade de serem complementas por outras produzidas em juízo, porém, esta última impressão não é totalmente correta. O sigilo é importante para os bons resultados da investigação e para assegurar a ampla defesa. O artigo 155 busca preservar o princípio do contraditório.

No novo artigo 156, de acordo com a necessidade, com a adequação e proporcionalidade da medida, é exigida a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes. Tanto as provas requeridas pelo acusador como as requeridas pelo acusado deveram guardar de igual conformidade a razoabilidade.

Relatando sobre o artigo 157, diante da nova redação da Lei 11.690/2008, dispõe que a prova ilícita, também é aquela obtida por meio ilícito, derivada de meios ilícitos e que possui materiais colhidos ilicitamente, e não somente como relata (o artigo 5º, inc LVI da Constituição Federal), “são inadmissíveis no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. (BRASIL, 2009, p. 20).

A prova pericial inovou com a nova redação da Lei 11.690/2008, onde se admite que seja feita a perícia com apenas um perito oficial e não dois peritos como anteriormente, mas continua valorando as regras para os locais onde não houver peritos oficiais, quais sejam, exames realizados por duas pessoas idôneas, contendo o diploma de curso superior na respectiva área, e os peritos não oficiais terem que ser fielmente no compromisso assumido.

Quando se tratar de uma perícia mais complexa, poderá aceitar atuação de mais de um perito oficial e a parte indicar mais um assistente técnico.

A Lei 11.690/2008, com relação às testemunhas mostra que serão reservados espaços separados para a mesma nas audiências, garantindo assim a incomunicabilidade delas.

As perguntas serão feitas pelas partes diretamente às testemunhas podendo o juiz inferir, caso a pergunta não tiver nenhuma relação com o julgamento em si, ou quando a pergunta se repetir.

O juiz admitirá e fará a inquirição por videoconferência nos casos onde perceber que a presença do réu poderá causar temor ou humilhação à testemunha, ou ao ofendido, podendo assim prejudicar a verdade do depoimento. E se caso não houver possibilidade dessa videoconferência poderá o juiz pedir a retirada do réu, prosseguindo somente com o defensor.

Diante do exposto, a lei 11.690/2008, com a nova reforma na fase de provas, veio com o intuito de melhorar o nosso sistema processual penal, na forma de organização, agilidade e precisão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 01. BRASIL. Constituição Federal; Código Civil; Código de Processo Civil; Código Penal; Código de Processo Penal; Código Tributário Nacional; Código Comercial; CLT; Legislação Selecionada e Súmulas do STF, STJ e TST. VADE MECUM. São Paulo: RT, 2009. 02. ________. Supremo Tribunal Federal. A jurisprudência do STJ e STF admite a retirada da sala do acusado. Neste sentido: STF- 1Turma – HC 74.931/sp – Rel. Min Ilmar Galvão – DJU 09.05.1997: STF – 2 Turma – HC 73.879/sp- Rel. Min.

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Francisco Rezek – DJU 11.04.1997; stj- 5 Turma – HC 11.550/SP- Rel. Min. Gilson Dipp – DJU 25.09.2000, p. 117. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 16 mar. 2009. 03. _________. Supremo Tribunal Federal. STF – 1º Turma - HC 90.232/AM- Rel.Min. Sepulveda Pertence – j.18.12.2006,Informativo 453.No mesmo sentido, vide, ainda HC 82.354/PR (DJU 30.06.2005), todos da Suprema Corte. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 16 mar. 2009. 04. __________. Supremo Tribunal Federal – STF. Plenário, Rel. Min. Mauricio Correia, j.12.04.2004. Disponíve l em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 maio 2009. 05. _________. Superior Tribunal de Justiça - STJ. Ac.UN. da 1ª T.do STJ no Resp 53.767-3/SP, Rel.Min. Garcia Vieira; DJ 14.11.1994; adv 04.06.1995, n. 69548. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 20 maio 2009. 06. CARRARA, Francesco. Programa del curso de derecho criminal dictado en la real universidad de Pisa: parte especial. Buenos Aires: Depalma, 1946. v. 3. 07. CASTANHO, Lucio Santorio de. Nulidades no processo penal. São Paulo: Serie de Concursos, 2009, p. 182. 08. DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros, 2006. 09. FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 10. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. 11. GOMES, Luiz Flávio. A Prova no Processo Penal. São Paulo: Premier Máxima, 2008. 12. GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1998. 13. MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. Tradução José Alves de Sá. São Paulo: Livraria Clássica, 1927. v. 1. 14. MENDONÇA, Andrey Borges de, Nova Reforma do Código Penal, comentada artigo por artigo, São Paulo, Método, 2008. 15. MENDES, Gilmar Ferreira et all. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva: 2007. 16. MORAES, Paulo Heber de; LOPES, João Batista Lopes. Da prova penal. São Paulo: Julex Livros, 1978.

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17. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Processo Penal Norte – Americano e sua influencia, Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. São Paulo: Síntese, 2006. 18. NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho. Comentários ao Código de Processo Penal. São Paulo: Edipro, 2002. 19. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal. 8. ed. Rev. Atual. Amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 20. SILVA, Germano Marques. Curso de Processo Penal. [S.L.: s.n], 2008. 21. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. vol. I. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1987. p. 277. 22. SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. São Paulo: Max Limonad, 1971 v. 1. 23. TABOSA, Fábio. Código de Processo civil Interpretado. Recife: Atlas, 2005.

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O PRINCÍPIO DA ESTRITA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

Acadêmica = DAIANE TIBOLA Docente = LEONARDO MELO DO AMARAL

RESUMO: O presente trabalho versa sobre o princípio da estrita legalidade tributária, o qual é essencial no campo tributário. O princípio, em sua generalidade, traz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, se não em virtude de lei. Já o princípio, em sua forma específica, da estrita legalidade, disciplina que nenhum tributo pode ser exigido ou aumentado sem que seja por lei. Ambos estão descritos em nossa Carta Magna. Versa ainda sobre a possibilidade de a administração instituir decretos regulamentares, atos normativos, portarias, circulares e outros atos, ou seja, as normas infra legais, para apenas disciplinar o que a lei já prescreveu, não podendo inovar de forma alguma. Palavras-chave: princípio da estrita legalidade tributária, tributo, lei. INTRODUÇÃO

A pesquisa deste trabalho visa abordar o princípio da legalidade no direito brasileiro, o seu alcance na Constituição Federal, as origens históricas e sua inserção no direito tributário nacional, as normas infra legais e o seu papel enquanto instrumento normativo de aplicação das leis. Pretende-se, também, trazer os conceitos da doutrina do direito sobre princípios, princípio da legalidade e da estrita legalidade tributária.

O princípio da legalidade figura dentre as mais importantes limitações constitucionais do poder de tributar, sendo vista como a origem de diversas outras garantias hoje expressamente asseguradas ao contribuinte sob diferentes títulos, por isso é fundamental demonstrá-lo neste trabalho. 1. PRINCÍPIOS

Para se analisar, com satisfatoriedade, o conceito de princípio no Direito, cumpre, inicialmente, expor as significações de princípio fora do âmbito do saber jurídico para depois adentrar-se nesta área.

A palavra princípio, segundo o Dicionário Aurélio (apud FERREIRA, 1999, p. 1639), seria Princípio: 1. Momento ou local ou trecho em que algo tem origem [...] 2. Causa primária. 3. Elemento predominante na Constituição de um corpo orgânico. 4. Preceito, regra, lei. 5. P. ext. Base; germe [...]. 6. Filos. Fonte ou causa de uma ação. 7. Filos. Proposição que se põe no início de uma dedução, e que não é deduzida de nenhuma outra dentro do sistema considerado, sendo admitida, provisoriamente, como inquestionável. São princípios os axiomas, os postulados, os teoremas etc.

O termo princípio indica o começo, a origem, início de alguma coisa, a base ou o fundamento, porém, em termos jurídicos, o seu significado é muito mais amplo. Na

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doutrina jurídica,variados são os conceitos de princípio e inúmeras são as classificações que lhes são atribuídas.

Silva, Plácido (1989, p. 447), em seu Vocabulário Jurídico, preceitua que princípio é “Derivado do latim principium (origem, começo), em sentido vulgar quer exprimir o começo de vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começam a existir”.

Diz ainda que princípios “No sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa”.

Para Diniz (2005, p.830) princípio “Nas linguagens jurídica e comum, pode significar: a) preceito; norma de conduta; b) máxima; c) opinião; maneira de ver; d) parecer [...].”

Pode-se afirmar que os princípios constituem verdadeiras proposições lógicas, sendo embasamentos do sistema jurídico.

Em relação ao papel dos princípios, Bastos nos traz a seguinte lição: [...] nos momentos revolucionários, resulta saliente a função ordenadora dos princípios; [...] outras vezes, os princípios desempenham uma ação imediata, na Medida em que tenham condições para serem auto-executáveis. Exercem, ainda, uma ação tanto no plano integrativo e construtivo como no essencialmente prospectivo; [...] finalmente, uma função importante dos princípios é a de servir de critério de interpretação para as normas. Se houver uma pluralidade de significações possíveis para a norma, deve-se escolher aquela que a coloca em consonância com o princípio, porque, embora este perca em determinação, em concreção, ganha em abrangência. (2000, p. 55-6) 2. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu artigo 4º, diz que: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Os princípios gerais do direito não só servem de orientação ao juiz, no instante de proferir a sua decisão, como também constituem um limite ao seu arbítrio, assegurando que a decisão do magistrado não fique em desacordo com o ordenamento jurídico.

Roque (2004, p.135) considera que, “[...] os princípios gerais de direito como os fundamentos mais elevados do direito, estabelecidos na antiga Roma e expressos nos brocardos, máximas, aforismos que nos legou o direito romano”.

Bandeira entende que: [...] violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. (1991, p.300)

Os princípios são referências que sempre devem ser observadas, eles ensejam fundamentos, estruturas. As normas jurídicas, por sua vez, devem obedecer aos princípios, têm hierarquia inferior e muitas vezes destes derivam com o intuito de complementá-los. A norma é tida como inconstitucional quando fere um princípio.

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Não resta dúvida que o papel dos princípios é de fundamental importância, sendo estes os responsáveis pela solidez e coesão do sistema jurídico.

Também ensina Bastos que: os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que estes não objetivam regulares situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico. Alcançam os princípios esta meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão de conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha como força. (1995, p.45)

Assim, os Princípios Gerais do Direito seriam as ideias basilares são fundamentais do Direito, que lhe dão apoio e coerência, respaldados pelo ideal de Justiça. Seriam ideias fundamentais de caráter geral dentro de cada área de atuação do Direito.

Por fim Venosa (2004, p. 162) afirma que “por meio dos princípios, o intérprete investiga o pensamento mais elevado da cultura jurídica universal, buscando orientação geral do pensamento jurídico”. 2.1 PRINCÍPIOS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Brasileira possui em seu arcabouço inúmeros princípios. O ordenamento máximo do Estado está contido na Constituição Federal e nela

estão os princípios que traçam diretrizes a serem seguidas nos diversos campos do direito.

Podemos encontrar princípios que estão explícitos na Carta Magna e outros que estão implícitos ali. Para estes implícitos, necessário se faz um esforço maior para verificá-los, mas, quanto a sua aplicação, têm igual importância em relação àqueles. Pelo simples fato de não estar escrito, não há que se falar em supremacia entre um e outro. A exemplo de princípios implícitos, citamos os Princípios da Justiça, o Princípio da Certeza do Direito e o Princípio da Segurança Jurídica.

O princípio da legalidade está expresso de forma genérica na Magna Carta, em seu artigo 5º, item II: art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. (MECUM, 2010, p.7)

Nos princípios constitucionais, condensam-se bens e valores considerados fundamentos de validade de todo o sistema jurídico.

Destacam-se também os ensinamentos de Barroso: [...] os princípios constitucionais são, precisamente, a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. A Constituição [...] não é um simples agrupamento de regras que se justapõem ou que se superpõem. A ideia de sistema funda-se na de harmonia, de partes que convivem sem atritos. Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que ‘costuram’ suas diferentes partes.

Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos. (1996, p. 142-143).

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Um princípio está sempre relacionado com outros princípios e normas, que lhes dão equilíbrio e reafirmam sua importância.

Canotilho insere na Constituição um sistema aberto de regras e princípios: salienta-se na moderna constitucionalística que à riqueza de formas da constituição corresponde a multifuncionalidade das normas constitucionais. Ao mesmo tempo, aponta-se para necessidade dogmática de uma classificação tipológica da estrutura normativa. (1991, p.171-2).

Alguns autores classificam princípios constitucionais, utilizando alguns critérios. Silva, José resume as classificações dos princípios fundamentais em, Político

Constitucionais e Jurídicos-Constitucionais, assim: princípios político-constitucionais – constituem-se daquelas decisões políticas fundamentais concretizadoras em normas conformadoras do sistema constitucional positivo, [...]. Manifestam-se como princípios constitucionais fundamentais, positivados em normas-princípio[...]. São esses princípios fundamentais que constituem a matéria dos arts. 1º a 4º do Título I da Constituição.

Princípios jurídicos constitucionais - são princípios constitucionais gerais informadores da ordem jurídica nacional. (2007, p. 93). 3. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE 3.1 ESBOÇO HISTÓRICO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O feudalismo, regime de governo em que todo o poder baseava-se na propriedade da terra, era muito forte na Inglaterra, porém, por volta do ano 1154, o Conde de Anjou, Henrique II, assume o poder e se torna um rei com grande força, ele tentou reduzir o poder dos senhores feudais. Este poder real se fortaleceu bastante até o início do século XIII. A grande crise se iniciou quando João Sem Terra, filho de Henrique II, subiu ao trono e tentou fortalecer ainda mais o poder real, desrespeitando os direitos dos senhores feudais. Apoderou-se de terras de seus vassalos, impôs multas e contribuições excessivas, ameaçando, desta forma, os direitos não só dos senhores feudais como também dos cidadãos livres. Tentou também limitar o poder da igreja e aumentar os impostos das cidades.

[...] À época, a nobreza e a plebe, reunindo esforços e se insurgindo contra o poder unipessoal de tributar, impuseram ao príncipe João um estatuto, visando inibir a atividade tributária esmagadora do governo. Em outras palavras, objetivavam impor a necessidade de aprovação prévia dos súditos para a cobrança dos tributos [...]. (SABBAG, 2013, p. 63)

Pela Magna Carta, o rei comprometia-se a não exigir dos barões e dos cavaleiros pagamentos maiores do que os estabelecidos pelo costume. Se o rei necessitasse de mais impostos, deveria obter autorização do conselho Geral do Reino. Este Conselho consistia num congresso de todos os senhores feudais. João Sem Terra não cumpriu a Magna Carta e nem seu sucessor. Data de 1264 a grande derrota das forças do rei e o início do Parlamentarismo na Inglaterra.

Sabbag ainda cita que, [...] o intento marcou a história do constitucionalismo inglês: tal estatuto foi a primeira constituição inglesa, chamada Magna ChartaLibertatum, exsurgindo a partir do desejo popular de rechaçar a tributação tradutora de desapropriação e de chancelar a ideia de que a invasão patrimonial

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pressupõe o consentimento popular. Nascia, assim, o ideal de que, na esteira da legalidade, corre tão somente o tributo consentido. (2013, p. 63).

O que se vê aqui é que o Princípio da Legalidade existiu no papel elevou tempo para ganhar aplicabilidade nas relações entre Estado x indivíduo. O objetivo instituidor desse princípio era dar segurança aos senhores feudais, nobres e burgueses de que não seriam lesados em suas rendas ao bel prazer do rei. Fica evidenciado que a legalidade foi instituída como forma de oposição ao poder absoluto do rei ou governante, especialmente de natureza patrimonial, no que se refere a tributos. 3.2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O Princípio da Legalidade de forma genérica faz parte do capítulo previsto para os direitos e garantias fundamentais para os indivíduos na atual Constituição Federal (art. 5º, II) e dispõe que “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. (MECUM, 2010, p.7)

Nem sempre os princípios estão inscritos nas leis, mas servem de base ao Direito, tidos dessa forma, como preceitos fundamentais para o exercício e a sua garantia.

Segundo Moraes (2007, p. 36): [...] o princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional

do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificadamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei .

O princípio da legalidade representa uma garantia para os administrados, pois, qualquer ato da Administração Pública somente terá validade se respaldado em lei, em sua acepção ampla. Representa um limite para a atuação do Estado, visando à proteção do administrado em relação ao abuso de poder.

Chimenti (2006, p.67) ensina que “Apenas a lei em sentido formal pode impor às pessoas um dever de abstenção ou de prestação. Normas infra legais, ainda que veiculadas de regras gerais, impessoais e abstratas, não atendem à exigência constitucional”.

Como vimos, o ente político tributante só pode criar e aumentar um tributo através de um lei. Isso porque a lei é o produto da vontade popular, desta forma seria “o povo tributando a si mesmo”. Cada princípio tem um valor que conduziu à sua criação. A segurança jurídica é o valor que está ligado ao princípio estudado, o da legalidade tributária. A lei é feita pelos representantes do povo, que são eleitos pelo próprio povo. Logo, existe o trinômio: lei, povo e tributo, pois a lei é produto da vontade do povo e como tal irradia o tributo.

Muitos doutrinadores conceituados entendem que o Princípio da Legalidade está mais para uma garantia constitucional do que um direito individual. Não falamos aqui especificamente de uma proteção ao sujeito, mas de uma forma de repelir aquilo que lhe for imposto sem que esteja expressamente previsto em lei.

Para Carvalho, trata-se de uma máxima de absoluta preponderância. E funde sua influência por todas as províncias do direito positivo brasileiro, não

sendo possível pensar no surgimento de direitos subjetivos e de deveres correlatos sem que a lei o estipule. Como objetivo primordial do direito é normar a conduta, e ele o faz criando direitos e deveres correlativos, a relevância desse cânone transcende qualquer argumentação que pretenda enaltecê-lo. A diretriz da legalidade está naquela segunda

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acepção, isto é, a de norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos. (2000, p. 149).

O Princípio da Legalidade pode ser visto sob dois aspectos que são o da legalidade formal e o da legalidade material.

Segundo Baleeiro: ora, os arts. 150, I e 5º, II, da Constituição vigente, referem-se à legalidade, como princípio necessário à instituição e majoração de tributos, tanto do ponto de vista formal – ato próprio, emanado do poder legislativo – como do ponto de vista material, determinação conceitual específica, dada pela lei aos aspectos substanciais dos tributos, como hipótese material, espacial e temporal, consequências obrigacionais, como sujeição passiva e quantificação do dever tributário (alíquotas e base de cálculo), além das sanções pecuniárias, dos deveres acessórios, da suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário. (1999, p.47).

Vejamos Coêlho, que com propriedade nos esclarece: é preciso dizer que enquanto a legalidade formal diz respeito ao veículo (lei), a tipicidade entronca com o conteúdo da lei (norma). O princípio da tipicidade é tema normativo, pois diz respeito ao conteúdo da lei. O princípio da legalidade originariamente cingia-se a requerer lei em sentido formal, continente de prescrição jurídica abstrata. Exigências ligadas aos princípios éticos da certeza e segurança do Direito, como vimos de ver, passaram a requerer que o fato gerador e o dever tributário passassem a ser rigorosamente previstos e descritos pelo legislador, daí a necessidade de tipificar a relação jurídico-tributária. (2001, p. 199).

Tipicidade tributária ou Princípio da reserva legal, portanto, é a obrigação imposta ao legislador ordinário de que a lei instituidora do tributo seja taxativa e completa, definindo as situações tributárias ou tipos cuja ocorrência sejam suficientes para o nascimento da obrigação tributária, estabelecendo bases de cálculos, alíquotas, prevendo sujeitos ativos e passivos. É de suma importância que a lei seja completa e exaustiva quanto ao fato tributável, não havendo espaço e nem permissão para que normas infra legais possam fazê-lo.

Sabbag (2013, p.69-70) completa, “Pretende-se, sim, que a lei tributária proponha-se a definir in abstracto todos os aspectos relevantes da fisiologia do tributo, para que se possa,in concreto, identificar o quanto se pagará, por que se pagará, a quem se pagará [...]”.

E ainda diz que: desse modo, a lei tributária deverá fixar, com hialina clareza, por exemplo, a alíquota, a base de cálculo, o sujeito passivo do tributo, a multa e o fato gerador, sendo-lhe vedadas as indicações genéricas no texto legal de tais rudimentos numerus clausus da tipologia cerrada. (2013, p. 70).

Existe uma grande discussão acerca do tema. Discute-se se é possível a alteração da data do pagamento do tributo por um ato normativo infra legal, ou seja, se o prazo para pagamento do tributo é ou não componente da reserva legal. O STF entende que o Poder Executivo detém competência para expedir ato infra legal, estipulando o prazo de pagamento do tributo “ao fundamento de que a fixação de prazo para recolhimento das exações tributárias não é matéria reservada à lei”. (SABBAG, 2013, p. 70).

É nesse sentido a lição de Carrazza: o princípio da legalidade teve sua intensidade reforçada, no campo tributário, pelo art. 150,I, da CF. Graças a este dispositivo, a lei – e só ela – deve definir, de forma absolutamente minuciosa, os tipos tributários. Sem esta precisa tipificação de nada valem regulamentos, portarias, atos administrativos e outros atos normativos infra legais: por si sós, não têm a propriedade de criar ônus ou gravames para os contribuintes. (2002, p.215).

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3.3 EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA LEGALIGALIDADE

O princípio em estudo é tido como uma das principais limitações constitucionais ao poder de tributar, porém, podemos visualizar no bojo da Constituição algumas exceções importantes. Segundo a doutrina, o que justifica tais exceções é o fato de se tratarem especificamente de tributos que não têm finalidades apenas fiscais, mas também extra fiscais.

A função fiscal dos tributos é a de arrecadar recursos financeiros aos cofres das entidades de direito público. Com eles, a estrutura Administrativa tem condições de prestar os serviços inatos ao Estado, como educação, saúde, segurança, transporte e outros. Porém, os tributos também são utilizados como indutores diretos de benefícios sociais, ambientais e de desenvolvimento. Quando os tributos se prestam a esses objetivos, estão desempenhando sua função extra fiscal.

Podemos citar como função extra fiscal quando um Governo Estadual ou Municipal, a fim de aumentar seu desenvolvimento empresarial, gerando assim mais recursos financeiros e empregabilidade, lança mão de anistias, isenções, remissões, ampliações de prazos de pagamentos e outros incentivos fiscais, a fim de atrair novos empreendimentos ou mesmo para manter os que já se encontram presentes.

Outro exemplo atual, desta função extra fiscal dos tributos, foi a isenção de produtos industrializados, o IPI, que o Governo Federal concedeu recentemente para a população nacional.

Em contrapartida, os tributos também são usados como inibidores de determinadas atividades, visando ao interesse da saúde da população, da proteção à economia ou mesmo em benefício do meio ambiente. Por isso existe a alta tributação dos cigarros e de determinadas bebidas alcoólicas. Esses produtos são prejudiciais à saúde dos seus usuários, e as doenças causadas pelos mesmos geram mais gastos com hospitais, remédios etc.

Outro tipo de exceção aos tributos são aquelas previstas no art. 153, § 1º da Constituição Federal que é facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos sobre importação, exportação, produtos industrializados – IPI e operações financeiras – IOF.

Na acepção de Amaro: a Constituição atual previu exceção para o imposto de importação, o imposto de exportação, o imposto sobre produtos industrializados e o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguros, ou relativos a títulos e valores mobiliários; nesses casos, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, foi facultado ao Poder Executivo alterar as alíquotas dos mencionados impostos (art. 155, §1º). O § 4º, I, b, do art. 177 da Constituição (acrescido pela EC n. 33/2001) define exceção, aplicável à contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível, ao facultar que sua alíquota seja reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo. (2005, p.116)

Devemos observar que a exceção alcança apenas a alteração das alíquotas, não dispensando a legalidade material quanto à criação do tributo. Nesse sentido, é necessário que haja a lei e nela sejam estabelecidos os limites máximos e mínimos que ao Poder Executivo é facultado variá-las.

Sabbag (2013, p. 76), discorre sobre o tema, “[...] isso não significa que o Poder Executivo desfrutará de poder para fixar a alíquota a seu bel-prazer, mas de mera

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autorização para flexibilizá-la, segundo os parâmetros legais (máximo e mínimo, teto e piso)[...]”.

Mesmo nos tributos cujas alíquotas podem ser alteradas sem lei formal, é necessário que sua criação dependa, em todos os seus aspectos, de definição em lei (formal), mesmo quanto às alíquotas. Cabe ao Executivo, nos casos excepcionais, alterar a alíquota fixada pela lei.

A Constituição não dá à lei o poder de delegar ao Executivo a livre fixação da alíquota. Em relação aos impostos excepcionados, também não lhe permite que autorize o Executivo a modificar as alíquotas quando ele julgue conveniente, ou de acordo com as diretrizes ou razões que ele próprio venha a traçar, uma vez que a atuação do Executivo se submete ao cumprimento das condições especificadas pela lei, a par de observar os limites nela fixados. (AMARO, 2005, p. 117).

Sabbag finaliza o tema afirmando que: [...] o princípio da legalidade tributária poderá ser mitigado, em situação excepcional de extra fiscalidade, permitindo-se ao Poder Executivo a flexibilização no manejo de alíquotas de certos gravamos regulatórios. Daí, “a luz das disposições em vigor da Constituição Federal, não ser possível afirmar que qualquer tributo só pode ter suas alíquotas aumentadas por lei”. (2013,p. 77). 3.4 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E RESERVA LEGAL

O princípio da legalidade é de abrangência mais ampla do que o princípio da reserva legal. Muitas vezes a doutrina não distingue suficiente ou confunde o princípio da legalidade e o da reserva legal. Deparamo-nos com o princípio da reserva legal quando a Constituição reserva conteúdo específico, caso a caso, e encontramos o princípio da legalidade quando a Constituição outorga poder amplo e geral sobre qualquer espécie de relação.

O princípio da reserva legal é decorrente do princípio da legalidade. Por isso, não é errado afirmar que o princípio da legalidade possui uma abrangência mais ampla do que o princípio da reserva legal, este é um aprofundamento daquele.

O princípio da reserva legal é rotulado por uma maior severidade no intento de preservar as garantias individuais e limitar o poder do Estado sobre o cidadão, diz-se isso porque se trata de um princípio de suma importância, especialmente no direito Penal e no Direito Tributário, ramos em que assume a sua força extrema, o da tipicidade.

Moraes cita que pelo princípio da legalidade: [...] fica certo que qualquer comando jurídico impondo comportamentos forçados há de provir de uma das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional. Por outro lado, encontramos o principio da reserva legal. Este opera de maneira mais restritiva e diversa. Ele não é genérico e abstrato, mas concreto. Ele incide tão-somente sobre os campos materiais especificados pela Constituição. Se todos os comportamentos humanos estão sujeitos ao principio da legalidade, somente alguns estão submetidos ao da reserva da lei.

Este é, portanto, de menor abrangência, mas de maior densidade ou contudo, visto exigir o tratamento de matéria exclusivamente pelo Legislativo, sem participação normativa do Executivo. (2007, p.37).

Temos duas espécies de reserva legal, a reserva legal absoluta e a relativa.

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Enquanto na reserva legal absoluta o preceito constitucional exige para sua integral regulamentação a edição de lei formal, já reserva legal relativa permite que a Constituição Federal fixe tão-somente parâmetros de atuação para o órgão administrativo, que poderá complementá-la por ato infra legal, porém, sempre respeitando os requisitos instalados pela legislação.

4. PRINCÍPIO DA ESTRITA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

O princípio da legalidade tributária vem disposto no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, e prescreve que apenas as situações descritas em lei são tributáveis, ou seja, nenhum tributo pode ser exigido ou aumentado sem que seja por lei.

A lei deve ser editada pela pessoa política competente. Assim, a União é competente para a edição de leis tributárias federais, instituindo, assim, tributos federais; aos Estados competem instituir tributos estaduais; aos Municípios, tributos municipais; e, ao Distrito Federal cabe a edição de leis tributárias distritais.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, Estados, aos Municípios e ao Distrito federal: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. (apud SABBAG, 2013, p. 64).

As expressões “exigir ou aumentar” são explícitas em tal inciso, porém possuem uma interpretação maior. A lei tributária deve servir de parâmetro para criar, extinguir, aumentar e reduzir o tributo.

O Código Tributário Nacional, no capítulo referente à legislação tributária, exprime o princípio da legalidade no Art. 97, ao detalhar o campo reservado à lei. A lei que instituir um tributo deve conter elementos obrigatórios, conforme o art. 97 CTN.

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. (apud SABBAG, 2013, p.68)

Observa-se que fica exclusivamente reservado à lei o poder de instituir; suspender, extinguir ou excluir crédito tributário; majorar ou reduzir; definir o fato gerador; fixar alíquota ou base de cálculo; e cominar penalidades.

Essa lei exigida pela Carta Magna para instituir e aumentar os tributos, é como regra, a lei ordinária. Todavia existem casos que a Constituição requer a lei complementar, como por exemplo, os impostos que podem ser criados pela União no exercício da chamada competência residual. “Com efeito, no Brasil, é juridicamente possível a instituição de determinados tributos por meio de leis complementares” (SABBAG, 2013, p. 66).

Segundo a literalidade do texto constitucional, são eles: 1. imposto sobre Grandes Fortunas (art. 153, VII, CF);

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2. empréstimo Compulsório (art. 148, I e II, CF); 3. impostos residuais (art. 154, I, CF); 4. contribuições social-previdenciárias residuais (art. 195, §4º, CF c/c art. 154, I, CF, apud SABBAG, 2013, p. 66).

Sabbag (2013, p. 67) ao concluir afirma, “Por fim, registra-se que, segundo o art. 62 § 1º, III, CF, inserto pela Emenda Constitucional n. 32/2001, as matérias cabentes à lei complementar não poderão ser objeto de medida provisória”. Desta forma, seria inconstitucional, por exemplo, um empréstimo compulsório instituído por medida provisória. 4.1 MAJORAÇÃO MONETÁRIA DO TRIBUTO

Ainda se faz no art. 97 do Código Tributário Nacional em seu § 1º, a equiparação à majoração do tributo a modificação da base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso. A atualização monetária será inequívoca quando obedecer a índices oficiais de correção de dado período.

Não configura majoração de tributos (e, portanto, não requer lei) a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo (art. 97, § 2º). Tal se dá, por exemplo, com os tributos que incidam sobre a propriedade imobiliária [...], não se requer a edição de lei para atualizar o valor monetário do bem que é a base de cálculo do tributo [...]. (AMARO, 2005, p. 114).

Nesse sentido, é valido citar a Súmula n. 160 STJ, segundo a qual “É defeso, ao Município, atualiza o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice de correção monetária”.

4.2 ESTIPULAÇÃO DE OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS

O art. 113, §2º do Código Tributário Nacional, dita sobre as obrigações acessórias.

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória [...]: §2º. A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela prevista no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. (MECUM, 2010, p.717).

Como ensina art. 114 do CTN, apud Sabbag, 2013, p. 72: [...] as obrigações tributárias acessórias, consistentes nas prestações positivas ou negativas, de interesse da arrecadação e fiscalização dos tributos, podem ser previstas em ato infra legais (portarias, circulares, instruções normativas, entre outros), e não necessariamente em lei – esta, sim, necessária à veiculação dos deveres patrimoniais, ínsitos à obrigação tributária principal.

Uma obrigação acessória no campo tributário consiste em informações a serem apresentadas, documentos, livros a serem emitidos, dentre outras. Estas obrigações não necessariamente devem ser instituídas por lei, como também por atos infra legais, portarias, instruções normativas etc.

Carvalho cita mais alguns exemplos de obrigações acessórias na ceara tributária. Esses deveres são, entre muitos, o de escriturar livros, prestar

informações, expedir notas fiscais, fazer declarações, promover levantamento físicos,

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econômicos ou financeiros, manter dados e documentos à disposição das autoridades administrativas, aceitar a fiscalização periódica de suas atividades, tudo com o objetivo de propiciar ao ente que tributa a verificação do adequado cumprimento da obrigação tributária. (2000, p.285-6).

O STJ dispõe de alguns entendimentos sobre o assunto, qual seja um deles: [...] A Lei Complementar n° 87/96, que dispõe sobre o ICMS, da mesma forma, dita que 'o direito de crédito para efeito de compensação com débito do imposto, reconhecido ao estabelecimento que tenha recebido as mercadorias ou para o qual tenham sido prestados os serviços, está condicionado à idoneidade da documentação e, se for o caso, à escrituração nos prazos e condições estabelecidos na legislação' (art. 23). Como se vê a legislação federal prevê limitações e autoriza a criação de mecanismos para combater a sonegação fiscal. Assim, as condições para o controle do ICMS impostas pela norma mato-grossense não comportam vícios de legalidade [...]. A portaria estadual não está criando ou majorando a alíquota do ICMS, mas está instituindo obrigação acessória a este tributo: 'o fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal (CTN, art. 115). Nos termos do Código Tributário Nacional esse fato gerador pode ser definido pela legislação e não apenas pela lei'. Não há, pois, o malferimento do citado princípio constitucional porque o Código Tributário Nacional, em seu art. 113, § 2°, possibilita a instituição desta espécie de obrigação tributária por legislação de forma ampla [...].

De fato, a exigência de preenchimento, pelo contribuinte, de formulários de pedidos de autorização e utilização de créditos do ICMS é legal. Pode o Estado criar obrigação acessória, com o fim de exercer suas funções de controle e fiscalização, ainda que por mero ato administrativo, como é a portaria,já que o CTN se refere à "legislação tributária", e não à lei. [...]. Nesse sentido esta Corte tem precedentes, dos quais destaco: ROMS 8.254/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 29.11.99; e REsp 89.967/RJ, Rel. Min. Ari Pargendler, DJU de 18.05.98. (RMS 17.940/MT, 2ª Turma, em 10-08-2004). (apud SABBAG, 2013, p.) 4.3 INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O Estado, na sua pretensão de arrecadar, acaba cometendo inúmeras arbitrariedades. Os direitos dos contribuintes são desrespeitados e sobre estes crescem as exigências quanto ao cumprimento de obrigações de interesse do fisco, as quais, se descumpridas, são convertidas em infrações administrativas, penalizando-os.

Como vimos, as normas infra legais destinam-se a padronizar procedimentos e lhes é defeso inovar no ordenamento jurídico. Tais normas não devem criar obrigações, pois estariam de tal forma, ferindo o princípio da legalidade; porém, é um instrumento necessário e até certo ponto imprescindível para que a administração possa desempenhar suas tarefas e, como tal, abusam destas, impondo deveres aos contribuintes.

Podemos observar que o Estado, enquanto administrador, não tem observado o princípio da “reserva absoluta de lei” que é basilar no Direito Tributário. É este princípio que nos leva a concluir que todas as situações que ensejam penalidades aos administrados devem estar previstas em lei. O descumprimento de uma obrigação prevista em um ato infra legal não é capaz de ser convertido em pena pecuniária.

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É deste modo o ensinamento de Carrazza: e nossa certeza de que só a lei pode criar deveres instrumentais cresce de ponto na medida em que notamos que seu descumprimento resolve-se em sanções das mais diversas espécies, inclusive pecuniárias. Repugna ao senso jurídico que uma pessoa possa ser compelida a pagar multa com base no não acatamento de um dever criado por uma norma infra legal. (2002, 304-5).

A Lei 8.137/90 elenca como crime contra a ordem tributária o descumprimento, por parte dos contribuintes, de deveres instrumentais tributários, o que reforça o entendimento de que somente o desrespeito àquilo que estivesse legalmente previsto poderia impor-lhes sanções penais.

As sanções aplicadas aos contribuintes tendo em vista a prática de infrações administrativas decorrentes do descumprimento dos deveres jurídicos estabelecidos nas leis fiscais são de diversas naturezas, quais sejam: multas punitivas, indenizações civis e limitações de direitos. Constitui tais infrações a falta de recolhimento do tributo devidamente lançado; o lançamento de créditos irregulares; a falta de entrega de documentos de informação; a falta de inscrição no cadastro de contribuintes etc. 4.5 SEGURO ACIDENTE DO TRABALHO E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Um grande tema atual é a discussão sobre a inconstitucionalidade do Seguro Acidente do Trabalho.

A Constituição Federal, no art. 7º XXVIII, dispõem sobre o Seguro Acidente do Trabalho (SAT): art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social: [...] XXVIII – seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; (MECUM, 2010, p. 12)

Com esta autorização, a Lei 8.212/1991 em seu art. 22, II, criou a contribuição ao Seguro Acidente do Trabalho que prevê a incidência de alíquotas variáveis entre 1% e 3%.

Em 2003, com a edição da lei 10. 666, foi estabelecido que a alíquota da contribuição SAT poderia ser reduzida em até 50% ou majorada em até 100%, conforme dispuser regulamento a ser editado pelo Poder Executivo, por delegação, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica.

Ocorre que essas mudanças legislativas implicaram em aumento da alíquota efetiva do tributo, Seguro Acidente do Trabalho, fato que contraria o Princípio da Legalidade Tributária. 5. AS NORMAS INFRA LEGAIS

Por normas infra legais, entende-se que são aquelas que estão abaixo das leis ou instrumentos a estas equiparados na hierarquia da constituição.

Dentre o rol destas normas infra legais ou secundárias, poderíamos citar como exemplo o decreto regulamentar, as instruções normativas, portarias, circulares, ordens de serviço e outros atos expedidos pelo Poder Executivo no exercício de sua função administrativa.

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É notável que de todas estas normas infra legais, a mais relevante é o Decreto Regulamentar. Pois bem, nem aos regulamentos e nem a qualquer outra norma infra legal é permitido inovar no ordenamento jurídico, sob pena de ferir o Princípio da Legalidade. A estes cabe exclusivamente disciplinar o que a lei prescreveu.

Vejamos o que Carvalho expõe acerca do tema: por estar adstrito ao conteúdo de lei determinada, o decreto regulamentar não poderá ampliá-la, ou reduzi-la, modificando de qualquer forma o conteúdo dos comandos que regulamenta. Não lhe é dado, por conseguinte, inovar a ordem jurídica, fazendo surgir novos direitos e obrigações. Daí sua condição de instrumento secundário de introdução de regras tributárias. (2000, p. 74).

“O regulamento, dentro da pirâmide jurídica está abaixo da lei. Logo, não pode nem ab-rogar, nem modificar. Deve, sim, submeter-se às disposições legais, inspirando-se em suas diretivas, sem as contrariar. Se infringir ou extrapolar será nulo”. (CARRAZZA, 2002, p. 323)

Regulamentos são permitidos em matéria tributária no sentido de melhor instruir as autoridades administrativas e os contribuintes quando as leis a que se referem não são auto aplicáveis. Se auto aplicáveis, dispensada é a regulamentação.

Vejamos o art. 99 do CTN: “O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei”. (MECUM, 2010, p.726)

O art. 84, IV, da CF, também prevê que “Compete privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”. (MECUM, 2010, p.35)

Por oportuno, vale salientar que, estando a Administração Pública inteiramente subordinada ao princípio da legalidade, não havendo nenhuma margem de discricionariedade ao seu alcance, o que significaria abuso de poder, se o decreto dispor além da lei a que regulamenta, ou contrariar normas hierarquicamente superiores, é inválido.

Vale analisar ainda a lição de Bastos: diante de tão inequívocos parâmetros, é perfeitamente lícito afirmar-se o caráter de execução dos nossos regulamentos, emanados em desenvolvimento da lei.

Podem, entretanto, agregar elementos à norma legal,para tornar suas obrigações de mais fácil aplicação. São insuscetíveis, entretanto, de criar obrigações novas, sendo apenas aptos a desenvolver as existentes em lei. Eis porque serão sempre secundum legem sob pena de extravasamento ilegal de sua esfera de competência. (2000, p. 337).

Dentre as normas infra legais, existem as portarias, circulares, instruções, enfim, diversos atos que têm o condão de orientar os servidores públicos quanto ao seu dever e somente a estes vinculam. Agindo um contribuinte de acordo com um ato expedido por autoridade administrativa e resultando em não pagamento de tributo ou, ainda, pagamento parcial, tal erro não lhe aproveita, sendo devido o pagamento complementar, porém, a salvo das penalidades.

Vale ressaltar que o alcance das instruções, no âmbito da administração, é bem maior que as circulares. Enquanto àqueles se subordinam toda a administração, no sentido de uniformizar procedimentos, as circulares são mais restritas e têm o condão de orientar determinados servidores imbuídos em atividades típicas ou especiais, mas no mesmo sentido de uniformizar procedimentos, sempre voltadas ao comando das leis ou regulamentos a que se subordinam. Já as portarias que servem apenas para designar servidores para funções especiais, abrir sindicâncias ou inaugurar procedimentos administrativos, são amplamente utilizadas como instrução normativa ou circular.

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Carazza (2002, p. 331), assim leciona: “A respeito da portaria – cada vez mais utilizada pelas autoridades fazendárias para impor deveres aos contribuintes – temos a dizer que é ato inter orgânico e, como tal, não diz respeito ao administrado”.

Não é raro, no entanto, verificarmos a administração criando exigências além do que está previsto na lei, atribuindo a si a função de legislador, editando circulares, portarias, instruções absurdas, o que, conforme vimos, é totalmente ilegal. Tais atos, no entanto, não vinculam e nem podem vincular aos contribuintes, aos contadores, aos magistrados, mas apenas aos funcionários subalternos.

Na verdade, as portarias, as instruções, as circulares etc. não são, em si mesmas, meios de criação ou produção do direito positivo, mas meras manifestações da chamada atividade administrativa interna. Encerram simples ordens que os hierarquicamente superiores dão aos seus subordinados,indicando-lhes o melhor modo de aplicarem as leis e os regulamentos tributários.Não tem efeitos vinculantes fora da Administração, isto é, no ordenamento jurídico geral. (CARRAZZA 2002, p. 331). 6. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 33/2001

A Emenda Constitucional n. 33/2001 trouxe mais duas hipóteses de exceção ou ressalvas ao Princípio da Legalidade, abrindo espaço para a alteração de alíquotas por ato do Poder Executivo. São elas: CIDE-Combustível e ICMS-Combustível.

A CIDE-Combustível significa Contribuição de Intervenção no domínio Econômico, é um tributo federal, instituído pela EC n. 33/2001. Conforme a Emenda,“o Poder Executivo Federal poderá reduzir e restabelecer as alíquotas do tributo por meio de ato próprio, no caso decreto presidencial”.

Portanto, de acordo com Sabbag (2013, p. 78): [...] vale dizer que esta mitigação da legalidade tributária consiste apenas na

possibilidade de o Poder Executivo reduzir a alíquota e restabelecê-la ao limite máximo fixado inicialmente pela lei. A majoração, em si, da alíquota da CIDE-Combustível deve avocar a presença da lei [...].

Já no ICMS-Combustível, a exceção não se refere ao ICMS em si, mas a um tipo particular deste imposto. É a única ressalva de tributo não federal, as outras quatro exceções ao Princípio da Legalidade são ressalvas federais.

Conforme a Carta Magna, a lei complementar federal vai definir os combustíveis e lubrificantes sobre ao quais incidiram o imposto. Contudo, as alíquotas do ICMS sobre esses combustíveis serão definidas por deliberação dos Estados e Distrito Federal, que, mediante convênios interestaduais celebrados no âmbito do CONFAZ (Conselho de Política Fazendária) definiram as alíquotas do ICMS.

“Frisa-se que o convênio – e não um “decreto estadual” – pode definir e modificar sem a necessidade de lei, o que torna essa ressalva bem mais abrangente do que aquela outra, adstrita à CIDE-Combustível. [...]”. (SABBAG, 2013, p. 79).

Assim, para melhor esclarecimento, cabe recordar as seis ressalvas ao Princípio da Legalidade Tributária: Impostos sobre Importação; Impostos sobre a Exportação; Imposto sobre Produtos Industrializados; Impostos sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros; CIDE-Combustível e ICMS-Combustível.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tudo que foi exposto nesta pesquisa, temos que a Constituição Federal em vigor está fundada em princípios que são os responsáveis pela solidez e coesão do nosso sistema jurídico. Temos princípios implícitos e explícitos, todos de grande relevância e que devem ser observados sempre.

O princípio da legalidade genérica é um princípio constitucional geral e está expresso na Magna Carta, no Art. 5º, II e determina que “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. (MECUM, 2013, p. 7)

Já o princípio da estrita legalidade, previsto no Capítulo do Sistema Tributário Nacional (art. 150, I, CF), é um princípio específico desse sistema.

A lei é tão importante no campo tributário que não lhe resta apenas criar o tributo, mas é necessário desvendá-lo totalmente, fazendo todas as previsões necessárias para defini-lo (fato gerador, base de cálculo, alíquotas e sujeitos), sem deixar espaço para as normas infra legais. É aqui chamado como princípio da estrita legalidade ou tipicidade tributária.

A administração possui forte instrumento em suas mãos, é a faculdade de instituir decretos regulamentares, atos normativos, portarias, circulares e outros atos. São as chamadas normas infra legais

Tais veículos não podem ir além da lei, destinam-se apenas a disciplinar o que esta prescreveu, padronizando procedimentos. Muitas vezes há excessos nas normatizações praticadas pelo Executivo.

Por fim, entendemos ser necessário ter uma lei justa e que em todos seus aspectos sejam obedientes aos preceitos constitucionais, permitindo ao fisco e contribuinte uma relação tributária em que se desenvolva um respeito de cooperação entre eles. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 01. Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc33.htm>. Acesso em: 03 abr. 2013, às 21h 00min. 92. Decreto - Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942.Disponível em: <http://www .planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 12 fev. 2013, às 23h 30min 03. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro.11 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 04. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais aos poder de tributar.7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. Atualizado por MizabelDerzi. 05. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Elementos de Direito Administrativo. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. 06. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva,1996.

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07. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional.São Paulo: Saraiva, 1995. 08. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 09. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Livraria Almedina. 1991. 10. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 18 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. 11. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 12. CHIMENTI, Ricardo Cunha; CAPEZ, Fernando; ELIAS RODA, Marcio F.;SANTOS, Marisa F.Curso de Direito Constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 13. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. 14. DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2 ed. São Paulo: Saraiva. 2005. v. 3. 15. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI.Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 16. MECUM, Vade. Constituição da República Federativa do Brasil. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 17. MECUM, Vade. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.9 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 18. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2007. 19. ROQUE, Sebastião José. Introdução ao estudo do Direito. 2 ed. São Paulo: Ícone, 2004. 20. SABBAG, Eduardo. Direito tributário. 5ª ed.São Paulo: Saraiva, 2013. 21. SILVA, de Plácido e. Vocabulário Jurídico. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989, v.3. 22. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. 23. VENOSA, Silvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito.São Paulo: Atlas, 2004.

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O MINISTÉRIO PÚBLICO E A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

Acadêmico = FREDERICO GREGÓRIO DE LIMA Docente = Drª. GEISLA PRADO LIMA

RESUMO: O Ministério Público surgiu há mais de quatro mil anos na Antiguidade Clássica e exercia um papel de castigar os rebeldes. No Brasil, a origem teve como precursor o Direito Francês com as principais ordenações: as Afonsinas, Manuelinas e as Filipinas. Teve seu pontapé, no ano de 1609, com o Tribunal de Relação do Brasil e se estendeu até os dias de hoje com a Constituição Federal de 1988. O Ministério Público em outros países se destacou principalmente na Alemanha, Espanha, Portugal, França e Estados Unidos. As funções institucionais do Ministério Público são: princípio da Obrigatoriedade e a Privatividade da ação penal pública; atribuição de expedir notificações nos procedimentos administrativos; exercício do controle externo da atividade; requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policiais; vedações de exercer outras funções incompatíveis com a sua finalidade. São princípios constitucionais do Processo Penal e relativos à investigação criminal: o devido processo legal, o contraditório, promotor natural, ônus da prova, publicidade e a inadmissibilidade de provas. Os tipos de Sistemas Processuais Penais que existem são: o misto ou também chamado de formal, o inquisitivo e o acusatório. O Brasil adotou o sistema misto. Todavia, a investigação criminal do Ministério Público tem que atender aos anseios constitucionais, bem como as normas infraconstitucionais e se há afronta a alguma garantia constitucional. Existem doutrinas que são favoráveis à investigação pelo Ministério Público, enquanto outras doutrinas entendem desfavoráveis. O debate disso tudo está na PEC (Projeto de Emenda Constitucional) n° 37/2011, que foi criada no intuito de estabelecer o § 10 no artigo 144 da Constituição Federal, passando a tornar expresso que as funções dos §§1° e 4° são de competência da polícia civil e federal. Recentemente a Câmara dos Deputados voltou atrás quanto ao poder do Ministério Público, com isso será feita uma nova proposta de texto da PEC n° 37/2011. Palavras - chaves: Investigação Criminal e Ministério Público. ABSTRACT: The prosecution arose more than four thousand years in classical antiquity and played a role in punishing the rebels. In Brazil the origin has its precursor, the French law with major offenses: the Alfonsine, Manueline and the Philippines. Had its kick in the year 1609 with the Court of Appeal of Brazil and continued until the present day with the 1988 Constitution. The prosecution in other countries stood out mainly in Germany, Spain, Portugal,France and. Institutional functions of the prosecution are: principle of compulsory and Privatividade public criminal action; Assigning issue notifications in administrative procedures, exercise external control activity; Order investigatory and prosecution of police investigations; seals perform other functions incompatible with its purpose. Are constitutional principles of criminal procedure and criminal investigation relating to: due process, the contradictory, natural promoter, burden of proof, publicity and inadmissible evidence. Types of Criminal Procedural Systems that exist are: mixed or also called formal, the inquisitive and accusatory. Brazil adopted the mixed

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system. However, the criminal prosecutors have to meet the needs constitutional and infra-constitutional norms and if there is any affront to constitutional guarantee. There are doctrines that are favorable to the investigation by prosecutors, while other doctrines unfavorable understand. The debate that everything is in the PEC (Constitutional Amendment Bill) No 37/2011, which was created in order to establish the § 10 of Article 144 of the Constitution, going to make express that the functions of § § 1 and 4° are the responsibility of civilian police and federal. Recently the House of Representatives reversed as to the power of the prosecution, it will be a new draft text of PEC No. 37/2011. Key - Words: criminal investigation and prosecution INTRODUÇÃO

O tema a ser tratado tem grande importância para o nosso Ordenamento Jurídico, pois o que se fala nos dias de hoje é acerca do debate sobre a investigação criminal direta pelo Ministério Público.

Todavia, o presente trabalho vem para discutir, inclusive, sobre a aplicabilidade de preceitos e garantias constitucionais, se realmente o Ministério Público está apto a realizar diretamente investigação criminal, e se existe alguma afronta às garantias constitucionais.

No primeiro capítulo, falaremos da origem histórica, o Ministério Público surgiu no período da Antiguidade Clássica, ou seja, há mais de quatro mil anos e exercia o papel de castigar os rebeldes. No Brasil, a origem teve como precursor o Direito Francês com as principais ordenações: as Afonsinas, Manuelinas e as Filipinas. Teve início de suas atividades no ano de 1609 com o Tribunal de Relação do Brasil, e evoluiu com as Constituições que foram surgindo durante todo período histórico até os dias de hoje com a nossa Constituição Federal de 1988.

O segundo capítulo vai abordar sobre as funções institucionais penais, são estas funções que o Ministério Público tem que obedecer, tais como: Princípio da obrigatoriedade da ação penal, em que toda conduta lesiva é punida nos limites da lei a fim de chegar num Processo Penal mais justo; atribuir notificações em Procedimentos

Administrativos,tem como função expedi-las em procedimentos da competência do Ministério Público; exercício do controle externo da atividade policial, disposto no artigo 129, VII da Constituição Federal; requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policiais e por fim as vedações incompatíveis coma sua finalidade, é vedado à figura do Promotor ad hoc, bem como a propositura da ação penal pública por qualquer outra pessoa, sendo exclusiva do Ministério Público com exceção da ação penal pública de iniciativa privada subsidiária.

Já no terceiro capítulo, temos os princípios constitucionais do Ministério Público e os tipos de sistemas processuais penais, neste abordaremos o Princípio do Devido Processo Legal, que estabelece que ninguém será processado senão por virtude de lei; Princípio da Publicidade, em regra os atos são públicos e de amplo acesso a qualquer do povo, salvo processos sigilosos; Princípio do ônus da prova, cabe à acusação o ônus de provar a existência de um fato considerado ilícito; Princípio do Promotor Natural, compete ao Órgão imparcial do Estado fazer acusações; Princípio do contraditório, é direito da parte adversária de se manifestar, de se defender a fim de obter um equilíbrio na relação processual; e o Princípio da inadmissibilidade das

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provas, estabelece que são vedadas as provas obtidas por meios ilícitos. Além dos princípios, pode-se destacar neste capitulo, ainda, os tipos de sistemas processuais penais que são: misto ou formal, inquisitivo, e acusatório, bem como a opção que o Brasil adotou, que no caso, foi o sistema misto.

No quarto e último capítulo, mostra-se que a Investigação Criminal do Ministério Público deve atender aos anseios constitucionais, bem como as normas infraconstitucionais, e se há afronta às garantias constitucionais. Existem posicionamentos que são favoráveis à investigação pelo Ministério Público, por entender que os poderes de investigar não são exclusivos da Polícia Judiciária, enquanto outros doutrinadores são desfavoráveis, por entender que o Ministério Público não é um órgão capacitado para realizar investigações diretas. Cabe destacar, que o debate acerca do tema está por conta da PEC (Projeto de Emenda Constitucional) nº 37/2011, que foi criada no intuito de estabelecer o §10º no artigo 144 da Constituição Federal, passando a tornar expresso que as funções dos §§ 1º e 4º são de competência da polícia civil e federal.

Recentemente, a Câmara dos Deputados voltou atrás com relação a PEC nº 37/2011, alegando que nova proposta será feita por um grupo de trabalho, a fim de alterar o texto do Projeto de Emenda Constitucional. 1. ORIGEM DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Há quem diz que o Ministério Público surgiu há mais de quatro mil anos, época em que ficou conhecido pela figura do funcionário real do Egito conhecido como magiaí, pois este era “língua e os olhos do rei”. Magiaí era conhecido pela língua e olhos do rei, pois exercia um papel de castigar os rebeldes, reprimir os violentos, proteger os cidadãos pacíficos, acolhia os pedidos do homem justo e verdadeiro, perseguindo o malvado mentiroso; era o marido da viúva e o pai do órfão; fazia ouvir as palavras da acusação, indicando as disposições legais que se aplicavam ao caso e tomava parte das instruções para descobrir a verdade. (RANGEL, 2009).

Hoje o papel que é exercido pelo Ministério Público, naquela época era exercido pelo comandante da cidade, que exercia o papel de acusador público. Entretanto, há outros autores que acreditam que o Ministério Público surgiu na Antiguidade Clássica, com os éforos de Esparta, os Tesmótetas gregos etc. A partir daí temos que a origem mais precisa da instituição está no direito francês, na figura dos chamados “procuradores do rei”, nascendo e formulando-se no judiciário francês. (RANGEL, 2009).

Este foi um período que era vedado aos procuradores do rei patrocinar quaisquer outros interesses que não os da coroa, devendo prestar o mesmo juramento dos juízes. E o primeiro diploma legal a se tratar destes procuradores do rei foi o texto de 1302 de Felipe IV, também conhecido como o Belo Rei da França. Através deste diploma os reis demonstravam através de seus atos, a independência que o Ministério Público tinha em relação aos juízes, constituindo-se em verdadeira magistratura diversa da dos julgadores. (RANGEL, 2009).

Falando ainda de independência do Ministério Público, temos que ela tem raiz histórica desde 1879, com a Corte de Cassação Criminal que tinha como principal objetivo declarar de uma maneira definitiva que os membros do Ministério Público eram totalmente independentes entre si, sem depender da Corte e dos Tribunais.

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O Ministério Público deu um grande passo na sua independência com o advento da Revolução Francesa em 1789, ano que deu uma maior estrutura a esta instituição. (RANGEL, 2009). 1.1 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL

A origem do Ministério Público no Brasil teve como precursor o Direito Francês, foi o Direito Francês que deu uma base para a nossa estrutura normativa. E não podemos nos esquecer das principais Ordenações daquela época que foram: Ordenações Afonsinas (1446), Manuelinas (1521) e Filipinas (1603). (RANGEL, 2009).

A primeira delas a se destacar foi a Ordenação Afonsina, foi nela que se formou a primeira codificação portuguesa, realizada por Dom Afonso que teve grande influência para o nascimento da ordem jurídica brasileira.

A segunda foi às Ordenações Manuelinas, criada em 1521, e fazem referência ao Promotor de Justiça. No Brasil, foram as Ordenações Manuelinas que deram impulso na delimitação funcional do Ministério Público. Sendo que antes disso, os crimes de ordem pública e a formação de acusação competia aos escrivães dos juízos criminais.

E na falta de acusadores particulares, esta função era exercida pelos Promotores Públicos.

Seguindo a ordem, em terceiro temos a Ordenação Filipina, onde o Promotor de Justiça era nomeado pelo Rei e chamava-se “Promotor de Justiça da Casa de Suplicação”.

O desenvolvimento histórico do Brasil teve o seu pontapé também, com o primeiro texto legislativo nacional, o diploma de 09 de janeiro de 1609, disposto do Tribunal de Relação do Brasil. Este Tribunal tinha sede no Estado da Bahia, era composto por 10(dez) desembargadores e os principais oponentes deste Tribunal também chamado de corte era o Procurador da Coroa e o Promotor de Justiça. (RANGEL, 2009).

A partir de 1822, o Brasil se tornou um país independente e, principalmente, sob o influxo das doutrinas iluministas do século XVIII, começam a aparecer modificações de grande importância no sistema jurídico penal. A independência do Brasil, neste período, teve grande influência para a promulgação da primeira Constituição Brasileira a de 1824.

Esta Constituição tinha caráter extremamente liberal, com vedações à tortura, à marca de ferro e todas as demais formas de penas cruéis, sem contar a proibição de alguém ser preso sem prévia culpa formada, tinham fruto de poder imperial, tendo sido decretada pelo Imperador e não aprovada pela Assembléia Constituinte como deveria ser, surge aí a necessidade de um Código Penal, o que só aconteceu no ano de 1830, com o Código Criminal do Império. (RANGEL, 2009).

O Código Criminal do Império ficou conhecido por consagrar o princípio da reserva legal e por reformular o nosso sistema penal. Mas para que houvesse uma reforma no nosso sistema penal, também era necessária uma reforma no sistema processual penal. Surge, então, em 1832, o Código de Processo Criminal. Nesse Código, estabelecia que os Promotores seriam aqueles que fossem jurados ou aqueles que também tivessem conhecimento de leis e normas do país.(RANGEL, 2009).

Segundo Rangel (2009), no ano de 1889, o Brasil deixou de ser um Estado unitário gerado por uma Monarquia Parlamentarista para se tornar uma República

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Federativa Presidencialista, no dia 11 de novembro de 1889, civis e militares, como Rui Barbosa, Benjamim Constant, Aristides Lobo e Quintino Bocaiúva convenceram Deodoro da Fonseca a liderar um movimento contra o regime imperial, resultando no dia 15 de novembro do mesmo ano. O episódio da Proclamação da República resultou da iniciativa quase exclusiva do exército, que empurrou a monarquia para o abismo e fez a família real procurar o exílio, e com esta mudança de Estado surge uma nova Constituição que foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891, esta Constituição era inspirada no modelo norte-americano e perdurou um bom tempo, até a revolução de 1930. Nesse período, houve o rompimento da ordem constitucional vigente, surgindo assim, uma nova Constituição Brasileira na data de 14 de julho de 1934.

O Processo político entre 1930 e 1934 teve dois pontos importantes para que pudéssemos chegar à necessidade de estabelecer uma nova ordem jurídico-constitucional: o movimento tenentista e a luta entre o poder central e os grupos regionais. O movimento tenentista apoiava a ditadura de Vargas e a elaboração de uma Constituição que estabelecesse a representação por classe. Esse movimento foi se desestruturando como movimento político, fracassando na tentativa de obter uma base social sólida, também perdeu forças no interior do exército, pois ameaçava a hierarquia e a disciplina. Enquanto que a luta entre o poder central e os grupos regionais estavam ligados com as oligarquias estaduais e se destacava nas regiões de São Paulo e na região nordeste. (RANGEL, 2009).

Neste ano, como já foi dito, surge a terceira Constituição Brasileira com intuito de estabelecer um capítulo especialmente para a entidade do Ministério Público. Com o término desta, destacamos a quarta Constituição Brasileira de 1937, a qual tinha por finalidade a supressão das liberdades individuais, baseando que foi um longo período do novo regime democrático, época esta que estabelecia a livre nomeação para os cargos de Procurador Geral da República e permitia também ao Ministro do STF demitir o Presidente da República. (RANGEL, 2009).

No ano de 1946, é promulgada a quinta Constituição Brasileira. Teve fim com o início do golpe militar de 1964. O regime militar, porém, precisava de uma Constituição que atendesse aos anseios básicos do órgão do Ministério Público, foi então que surgiu a sexta Constituição Brasileira que trouxe o Ministério Público para dentro do Poder Judiciário, ou seja, o Ministério Público era subordinado a certas obrigações perante a justiça. Assim, com o advento do ato institucional de 1968 houve a suspensão da sexta Constituição Brasileira dando totais poderes ao Presidente da República. (RANGEL, 2009).

Após uma extensa fase do regime militar, encerrou-se este período, com o início dos movimentos chamado “diretas já”, assim sendo com a promulgação da nova Constituição da República, a de 1988, esta que perdura até hoje, consagra a instituição do Ministério Público como um órgão permanente do Estado. 1.2 A INFLUÊNCIA DE OUTROS PAÍSES

É importante ressaltar a grande importância da influência de outros países dentro deste instituto no nosso ordenamento jurídico brasileiro, países estes como: Espanha, Itália, França, Portugal, Alemanha e Estados Unidos.

Em Portugal e na Alemanha, os membros do Ministério Público são denominados como Juízes de Direito, ou seja, são aptos a praticar todos os atos e

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assegurar os meios de provas existentes no nosso ordenamento, de uma visão geral nestes países o Ministério Público é considerado como um órgão oficial e competente para fazer as devidas investigações criminais. (RANGEL, 2009).

Na Espanha, o Ministério Público atua como Ministério Fiscal da estrita legalidade, atua como custus legis, zelando assim das garantias fundamentais que a toda vítima é assegurada. Sendo assim, as autoridades policiais da Espanha atuam como investigativa e como um sub órgão do Ministério Público de maneira auxiliar.

Em outros países, essas investigações são feitas diretamente tanto pela polícia quanto pelo Ministério Público, mas sempre como órgãos secundários, tendo em vista, que existe um controle específico de Juízes para esta fase, que é a da investigação. Isto acontece na Itália, neste caso a polícia deve passar aos membros do Ministério Público em um prazo determinado em até 48 horas, uma espécie de noticia ou também chamada de informação por meio de um boletim com todas as informações possíveis para que o órgão do Ministério Público possa continuar a dar andamento nas investigações.

Já na França, o Ministério Público além de atuar como fiscal da lei como acontece em outros países supramencionados, pode ser também o titular da ação penal pública. E aqui as autoridades policiais atuam como acompanhantes das investigações, ou seja, eles são subordinados ao Ministério Público.

Encerrando esta fase do direito comparado temos os Estado Unidos, em que o Ministério Público atua como um negociante do direito, a ele cabe tentar acordo com os criminosos para que haja o extremo sigilo nas investigações e também estabelecer a ampla segurança para a sociedade, extinguindo, assim, a alta criminalidade do país. 2. FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO 2.1 O PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE E A PRIVATIVIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA

Este princípio traz que toda conduta lesiva seja punida de acordo com os limites estabelecidos por lei, a fim de chegar ao Estado democrático de direito, ou seja, em um processo penal mais justo. A obrigatoriedade e a privatividade da ação penal pública está ligada ao primado da justiça e da ordem, trazendo, assim, a exigibilidade de uma atuação mais eficiente do nosso Direito Penal. Podemos dizer também, que é, a atividade fim com o dever de o Ministério Público exigir do Estado a prestação jurisdicional, para a obtenção de êxito no sistema acusatório, é um múnus público derivado do poder originário constitucional estabelecido pelo Ministério Público. (RANGEL, 2009).

Quanto à ação penal, sob o aspecto subjetivo, há que se distinguir o princípio da obrigatoriedade com proposição da ação penal, visto que, a obrigatoriedade se refere a um fato típico, ilícito e culpável, não tendo o Ministério Público o poder discricionário de oferecer denúncia. A obrigatoriedade aqui está se referindo também à segurança pessoal, tarefa esta de exclusividade do Estado; o Estado tem o dever de exigir tal conduta, impedindo a prática de crimes, delitos etc., o Estado determina, impõe a segurança à população através do poder de policia. Enquanto que a propositura da ação penal pública é privativa do Ministério Público, somente ele tem o direito de propor, ou iniciar uma ação penal pública não cabendo ao juiz afastado da

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persecução penal iniciar a ação. E as demais autoridades, como os policiais, também não resguardam este poder de propor ação penal, tendo a função de somente investigar os fatos através dos indícios de autoria e da prova da materialidade. (RANGEL, 2009).

Mas como toda regra tem uma exceção, sabemos que neste caso a regra é que o MP tem a legitimidade de iniciar a ação penal, sendo excepcional, quando o MP for inerte, cabendo então ao ofendido legal ser o seu substituto processual. Conforme artigos 129, I c/c 5°, LIX da Constituição Federal, bem como o artigo 24 do Código de Processo Penal.

A trajetória do processo penal ficou marcada, por se tratar de um processo rígido e individualista. Portanto, há que se destacar que originalmente qualquer pessoa do povo ou ofendido podia acusar quem cometesse crime ou uma infração penal, por isto, naquela época a acusação era considerada privada. E foi com muito suor e árduo trabalho do Ministério Público, em que o nosso sistema processual penal se modernizou. A partir desta época que o Ministério Público passou a exercer a função do Estado de modo definitivo, ganhando a titularidade da persecutio criminis in judicio. (RANGEL, 2009).

Para a instauração do Processo Penal, admitem-se as seguintes peças fundamentais: as peças de informações e o Inquérito Policial. As peças de informações são consideradas como gênero, aquelas informações em que o Ministério Público adquire por meio da notitia criminis, ou pelo fato delituoso. Enquanto o inquérito policial é considerado uma peça informativa e dispensável para o oferecimento da denúncia, desde que tenha o Ministério Público elementos de convicção que viabilizem o exercício da ação penal, e que tem a finalidade de apurar algum fato que configure crime, e para que estes elementos possam servir de base para as providências cautelares e a propositura da ação penal. Neste caso, caberá ao Ministério Público, diante o princípio da obrigatoriedade, promover a ação penal pública, colocando em prática os seus métodos investigativos para apurar as infrações penais, mediante os princípios do contraditório e da ampla defesa, assumindo o posto de provar quem é culpado e, por fim, diligenciar para a colheita de provas, que serão de grande importância ao processo, seja estas provas a favor do réu ou não. (RANGEL, 2009).

Com isso, quando se fala em Ministério Público diante do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública é porque estamos falando de sua Privatividade e Admissibilidade frente à Constituição Federal. É admissível sim a investigação direta do Ministério Público para a Constituição, desde que, o princípio da obrigatoriedade esteja nos argumentos do Ministério Público. (RANGEL, 2009) 2.2 ATRIBUIÇÕES DE EXPEDIR NOTIFICAÇÕES NOS PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS

A função de expedir notificações nos procedimentos administrativos tem como intuito a possibilidade do próprio Ministério Público expedi-las nos procedimentos de sua competência.

Neste é que se requisitam as principais informações e documentos para instruí-los, foi através da Constituição da República que o Ministério Público ganhou força para a realização de procedimentos investigatórios próprios. As notificações podem ser feitas conforme abaixo transcrito por Rangel, (2009. p. 173):

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Tanto no âmbito civil quanto no âmbito penal, pois, quando o legislador constituinte diz nos procedimentos administrativos de sua competência, deixa bem claro que são todos aqueles inerentes as suas funções, sejam elas cíveis ou penais.

Há que se estabelecer um parâmetro do artigo 129, VI da CF/88 que trata dos procedimentos administrativos do Ministério Público. Neste artigo, fala-se das investigações destinadas ao conjunto de elementos de convicção para a formação da opinio delictis.

Também estabelece, nesse artigo, a questão sobre o inquérito civil que é um procedimento administrativo de atribuição ministerial. Contudo, o poder de diligências não está subordinado apenas à área cível, também está destinada à área criminal.

É importante ressaltar o foro de prerrogativa de função baseado nos tribunais em que os magistrados e o Ministério Público são julgados quando da prática de infrações, incorrendo em processos disciplinares ou administrativos. Neste caso, tanto o Ministério Público quanto os juízes são processados e julgados criminalmente perante o Tribunal de Justiça de seu Estado de origem. Conforme é estabelecido no artigo 96, III da Constituição Federal. (RANGEL, 2009).

Em observância à obra de Paulo Rangel, Conselho de Magistratura não cabe julgar criminalmente os próprios magistrados face ao nosso sistema acusatório, e sim, cabe à corregedoria processar e representar contra os juízes. O Conselho da Magistratura tem a função de aplicar a sanção administrativa para a correção disciplinar dos magistrados.

Portanto, qualquer informação da prática de crime deve ser enviada à instituição do Ministério Público, para que estabeleça as devidas investigações e para que este possa formar a sua opinião de convencimento. É o que estabelece no artigo 41, parágrafo único da lei Orgânica Nacional do Ministério Público, e dispõe:

Parágrafo único – quando no curso de investigação, houver indicio da pratica de infração penal por parte do membro do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou militar remeterá imediatamente sob pena de responsabilidade, os respectivos autos ao Procurador Geral de Justiça, a quem competirá dar prosseguimento à apuração.” (apud RANGEL, 2009, p.175). 2.3 ATRIBUIÇÕES DE EXERCER O CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL

Segundo o entendimento de Rangel (2009): a nossa Constituição Federal colocou a instituição Ministério Público em reconhecimento como instituição essencial à função jurisdicional. Com isto, existem novidades importantes que a Constituição adota, e uma dessas novidades é o controle externo da atividade policial exercida pelo Ministério Público.

A partir destas informações, é que se pode definir o que seria este controle. O controle é o ato de dirigir qualquer serviço, fiscalizando-o e orientando-o do modo mais conveniente, significa também dizer fiscalização e domínio.

Ainda seguindo os ensinamentos Rangel,vejamos: a fiscalização e o domínio são exercidos pelo Ministério Público sobre a atividade fim da policia, qual seja: a investigação policial com o escopo de apurar a pratica de uma infração penal. O destinatário final das investigações policiais é o Ministério Público e, por isso, tem ele que exercer controle sobre as diligencias que serão desempenhadas pela policia no

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sentido de determinar as que são imprescindíveis para a formação de sua opinio delicti. (2009, p. 176).

O controle externo da atividade policial é estabelecido no artigo 129, VII do texto constitucional, bem como no artigo 128, §5° da lei complementar que abaixo segue: Art.128 [...] § 5° Leis complementares da união e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos procuradores gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas relativamente a seus membros. (apud RANGEL, 2009, p.177).

Assim como o capítulo III, do artigo 9°, da Lei Complementar n°75/1993, também dispõe sobre o controle externo da atividade policial perante o órgão Ministério Público da União e nele dispõe que: art. 9° O MP da união exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais, podendo: I – ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais; II – ter acesso a quaisquer documentos relativos a atividade fim policial; III – representar à autoridade competente pela adoção de providencias para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder; IV – requisitar a autoridade competente a instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial; V – promover a ação penal por abuso de poder. (apud RANGEL, 2009, p.177).

O artigo 80 da Lei Orgânica do Ministério Público da União aplica-se subsidiariamente aos Estados que não possuem lei orgânica. Por isso, dispõe: art.80 aplicam-se aos Ministérios Públicos dos Estados, subsidiariamente, as normas da lei orgânica do Ministério Público da União.” Assim sendo, aquele Estado que ainda não possui lei orgânica estadual admite-se a aplicação da lei orgânica do Ministério Público da união. A partir daí então temos as chamadas de promotorias de investigação penal ou (PIP) e estas promotorias são órgãos de execução feita por lei complementar e não por resolução do Procurador Geral de Justiça ou da República. (apud RANGEL, 2009 p.177/178).

Quanto ao âmbito federal, o controle também é exercido pelo Ministério Público Federal, sobre atividades da polícia federal. Sempre ressaltando que as atividades são voltadas à investigação de autoridades policiais que cometem ilícitos penais. (RANGEL, 2009). 2.4 ATRIBUIÇÕES DE REQUISITAR DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS E A INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITOS POLICIAIS

Requisição é uma exigência que deve ser aceita com base na lei. Porém não devemos confundir requisição com requerimento. Na requisição, a Constituição legitima o Ministério Público a requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial.

Já o requerimento se trata de uma solicitação passível de indeferimento, razão pela qual não tem a mesma força de uma requisição. Os requerimentos quando são indeferidos podem ser passíveis de recurso.

Não podemos esquecer que os nobres magistrados também possuíam o direito de requisitar diligências investigatórias à autoridade policial em face dos artigos 5°, II c/c artigo 13, II do Código de Processo Penal, hoje revogados pelo artigo 129, VIII da Constituição Federal. Com isto, o que ocorre é que, os magistrados são afastados da

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fase pré-processual, ou seja, os juízes vão ter apenas o direito garantista e o de proteger a sociedade dos atos que atinjam a integridade física. (RANGEL, 2009)

Diante de tais circunstâncias, faz se necessária a presença do controle externo do Ministério Público nas diligências à autoridade policial, tendo em vista que o Ministério Público é o destinatário final, e sendo este, assim, de sua exclusividade garantir as provas necessárias para a propositura da ação penal pública.

Há que se destacar também o direito à representação e sobre este assunto podemos ver abaixo o conceito pela visão de Nucci (2008, p. 154), é a exposição de um fato ou ocorrência, sugerindo ou solicitando providencias, conforme o caso. Trata-se do ato da autoridade policial como regra, explicando ao juiz a necessidade de ser decretada uma prisão preventiva ou mesmo de ser realizada uma busca e apreensão.

Podemos tratar a representação como sendo formal, escrita e expressa. Pode ser informal também quando da manifestação da vontade do ofendido de ver o investigado processado.

Outra diligência que o Ministério Público pode realizar no âmbito da representação é quando se trata da Violência Doméstica, em que a mulher representa contra o marido por ter sido agredida fisicamente, assim sendo cabe ao promotor analisar o caso e requerer as chamadas medidas protetivas de urgência à mulher no prazo de 30 dias. (FERNANDO CAPEZ, 2009). 2.5 VEDAÇÕES DE EXERCER OUTRAS FUNÇÕES INCOMPATÍVEIS COM SUA FINALIDADE

Quanto a esta função é de que se admite a vedação quanto ao promotor ad hoc, pois com o advento da Constituição de 1988, as funções do Ministério Público passaram a serem exercidas por integrantes de carreira, ou seja, aqueles que passaram mediante concurso público de provas e títulos. Sendo assim, vedados os atos praticados por pessoas estranhas ao quadro de carreira, conforme estabelece no artigo 25 da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.

Ocorre que não é mais admissível a propositura de ação penal pública por qualquer órgão ou pessoa, sendo exclusiva esta atividade do Ministério Público. Mas, existe exceção dessa regra quando se refere à ação penal pública de iniciativa privada subsidiária, e que qualquer pessoa do povo poderá propô-la.

Todavia, não existe mais a figura do promotor ad hoc no nosso ordenamento jurídico e nem o procedimento sumário, elencados nos artigos 531 e SS. do Código de Processo Penal. Visto que as funções inerentes ao exercício da ação penal pública somente são praticadas por pessoas integrantes do quadro de carreira (concurso público de provas e títulos), tirando assim, a exclusividade do juiz e das autoridades policiais de proporem a ação penal. (RANGEL, 2009).

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL RELATIVOS À INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E OS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

Segundo os doutrinadores Nucci (2008) e Rangel (2009), os princípios constitucionais do Processo Penal são os seguintes: devido Processo Legal,

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contraditório, promotor natural, ônus da prova na Ação Penal Condenatória, publicidade dos atos processuais e o Princípio da Inadmissibilidade das Provas Obtidas por Meios Ilícitos. 3.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Este princípio está disposto no artigo 5°, LIV, da Constituição Federal e é considerado um dos princípios norteadores do Estado Democrático de Direito, fazendo valer os direitos e garantias constitucionais. Assim sendo, não existirá um devido processo legal se as provas colhidas forem obtidas através de meios ilícitos, também poderá não ocorrer este princípio quando não for concedida ao réu a indispensável ampla defesa, se houver segredo de justiça injustificadamente.

Este princípio merece ser destacado ante dois aspectos: sendo o material e o processual. O material está ligado ao significado de que ninguém será processado senão por crime previsto em lei. Já o aspecto processual está ligado com a possibilidade de o réu produzir provas, apresentar alegações e provar a sua inocência diante do juiz. 3.2 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

O Princípio do Contraditório tem haver com a relação processual, sendo que na apresentação de provas no processo, de qualquer uma das partes, é total direito da parte adversária de se manifestar, de se defender a fim de obter um equilíbrio na relação entre a pretensão punitiva do Estado e o direito à liberdade de se manifestar e de manter a inocência do acusado. 3.3 PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL

Este princípio é considerado de competência do Órgão Imparcial do Estado fazer acusações, desde que este órgão seja designado por lei, sendo, assim, proibida em alguns casos específicos a indicação de um acusador. É um princípio que ainda não está expressamente previsto no Texto Constitucional, mas que pode encontrar um suporte na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8625/93). O promotor é dotado de certas garantias tais como: a vitaliciedade, a irredutibilidade de subsídio e a inamovibilidade, esta última prevista no artigo 128 § 5°, I, b da Constituição Federal e sendo a garantia que dá o sustento a um acusador imparcial, visto não ser possível alterar o órgão acusatório, de acordo com os interesses particulares. 3.4 PRINCÍPIO DO ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO PENAL CONDENATÓRIA

Cabe ao ônus da parte de provar o que alega e a quem compete esse ônus. A palavra ônus vem do latim ônus, oneris, que significa carga, peso, fardo,

encargo, aquilo que sobrecarrega. Sob o ponto de vista jurídico processual, podemos

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dizer que ônus é o encargo que as partes têm de provar as alegações que fizeram em suas postulações. Trata-se de uma obrigação para consigo mesmo que, se não for cumprida, ninguém, a não ser o encarregado, sairá prejudicado [...] etc.(RANGEL, 2009, p.83).

Podemos falar, então, que sobre o ônus da prova cabe à acusação o ônus de provar a existência de um fato considerado ilícito, bem como provar a culpa stricto sensu; e compete à defesa demonstrar a inexistência de dolo, das causas de excludentes da antijuridicidade, causas extintivas da punibilidade. De maneira resumida, temos que, em regra, ao autor compete a prova dos fatos constitutivos e ao réu competem provar os fatos extintivos, impeditivos, modificativos do Direito, e ao juiz determinar de ofício, as diligências probatórias que entender necessárias para apurar a verdade dos fatos. (RANGEL, 2009) 3.5 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS Este princípio se encontra com previsão constitucional nos artigos 5°, LX, XXXIII e 93, IX, ambos da Constituição Federal. Em regra, os atos são públicos e de amplo acesso a qualquer do povo, devem ser realizados publicamente, à vista de quem queira acompanhá-los, sem o sigilo processual. Mas, a exceção é que o acesso aos autos é restrito somente às partes envolvidas no processo, entendendo como parte, o Ministério Público, o Advogado e o Assistente de Acusação se houver. Ocorre que com o advento da Emenda Constitucional 45/2004, a publicidade passou a ser a regra e o sigilo a exceção, o sigilo justamente veio para preservar o direito à intimidade de alguém sem que haja uma interferência no interesse público à informação. 3.6 PRINCÍPIO DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS

Intitulado pelo autor Nucci (2008), como o Princípio da Vedação das Provas Ilícitas, disposto no artigo 5° LVI da Constituição Federal e no artigo 155 do Código de Processo Penal.

Há que se falar que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos. No Processo Penal, este princípio serve de base para que a matéria gire em torno apenas de provas legais e legítimas, vedado, assim, qualquer outro tipo de prova que não esteja de acordo com a lei.

“O conceito de ilícito advém do latim illicitus, possuindo dois sentidos: a) sob o significado restrito, quer dizer o proibido por lei; b) sob o prisma amplo, tem o sentido de ser contrário à moral, aos bons costumes e aos princípios gerais de Direito.

Constitucionalmente, preferimos o entendimento amplo do termo ilícito, vedando-se a prova ilegal e a ilegítima. (NUCCI, 2008, p.81).

Existem duas óticas quanto às provas ilícitas, podendo elas serem materialmente ilícitas e formalmente ilícitas. Quando se fala em provas materialmente ilícitas, estamos falando da forma de obtenção da prova que é considerada proibida por lei, já quando nós falamos de formalmente ilícitas estamos referindo à forma de introdução da prova dentro do processo e que é vedada por lei.

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No que diz respeito à aceitação das provas ilícitas, existem duas teorias explicativas, tais como: a) prova ilícita por derivação; e b) teoria da proporcionalidade.

Na prova ilícita por derivação, quando uma prova for produzida por mecanismos ilícitos não se admitirão tais provas, temos como exemplo disto a escuta telefônica ilegalmente realizada, é através dela que a Polícia consegue alguns dados para rastrear, localizar objetos que são furtados. Assim sendo, o veneno aqui está ligado com a prova primária, ou seja, nos casos em que a escuta foi indevidamente operada, enquanto que a prova secundária tem como finalidade de condenar o réu através das provas obtidas por meios ilícitos. A teoria da proporcionalidade, também considerada como a da razoabilidade, ou teoria do interesse predominante, tem como função precípua manter o equilíbrio entre os direitos que cada indivíduo possui com os interesses da sociedade, sempre não esquecendo que é preciso fazer certas ponderações quanto aos interesses em jogo, tendo em vista a violação de um bem ou garantia qualquer.

Quanto ao nosso Sistema de Processo Penal, temos que destacar o conceito da palavra sistema.

Sistema significa o conjunto de princípios verdadeiros ou falsos, donde se deduzem conclusões coordenadas entre si, sobre as quais se estabelece uma doutrina, opinião ou teoria. Corpo de normas ou regras, entrelaçadas numa concatenação lógica e, pelo menos, verossímil, formando um todo harmônico [...] etc.( RANGEL, 2009, p.183).

No entanto, passamos a definir o sistema processual penal como sendo um conjunto de princípios ligados ao Processo Penal e também à Constituição Federal, estabelecendo normas aplicáveis a um caso concreto. Neste caso, cabe ao Estado assegurar a aplicação de suas regras e de seus preceitos.

A partir daí, podemos destacar três sistemas do processo penal, são eles: Sistema acusatório; Sistema inquisitivo; Sistema misto ou formal. 3.6.1 O Sistema Acusatório

Surgiu para separar o órgão acusado do órgão julgador, ficou conhecido também por predominar o Direito de defesa do cidadão, bem como a igualdade de partes no processo.

Neste sistema, ainda, há que se falar que os atos devem seguir a sua publicidade, podendo a parte alegar o contraditório. Por fim, haja vista todo o procedimento do sistema acusatório e a possibilidade de recusa do julgador, podem destacar que neste sistema exige-se a livre apreciação de provas, predominando maior participação na população na justiça. (NUCCI, 2008).

São características do Sistema Acusatório a divisão de funções da persecução penal entre os órgãos que atuam nela como: autor, juiz e réu; órgão jurisdicionado com competência para julgar de forma imparcial os casos previstos em lei; a existência de outro órgão diferente do apontado acima para iniciar a persecução; o princípio do contraditório estabelecido no artigo 5°, LV da CF/88; o princípio da publicidade dos atos processuais, a fim de dar segurança e garantia à sociedade diante dos direitos e garantias fundamentais; outra característica que pode ser apontada é a do princípio do livre convencimento, em que o juiz utiliza-se dos meios de provas para garantir a sua opinião de convencimento e não podendo se afastar destes meios de provas. O livre convencimento também é considerado como sendo a segurança que tem o cidadão de

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que não haverá abuso de poder, e toda a decisão do juiz deve ser fundamentada sob pena de nulidade. Conforme artigo 93, IX da Constituição Federal. (apud RANGEL, 2009). 3.6.2 O Sistema Inquisitivo

É aquele sistema que se refere a um só órgão julgador, que é o juiz, é este que tem a função predominante de acusar, defender e julgar.

É caracterizado pela concentração de poder nas mãos do julgador, que exerce também, a função de acusador; a confissão do réu é considerada a rainha das provas; não há debates orais, predominando procedimentos exclusivamente escritos; os julgadores não estão sujeitos à recusa. O procedimento é sigiloso, há ausência do contraditório e a defesa e meramente decorativa. (NUCCI, 2010, p.116).

São características do Sistema Inquisitivo o poder de concentração de acusar e julgar são do juiz; o réu é submetido a tratamentos desiguais, para que se atinja a verdade real dos fatos, sendo ele considerado como não sujeito de direito; o procedimento é secreto e sem publicidade, ou seja, meramente sigiloso; o sistema de provas adotado é o das regras legais, também considerado como sistema da certeza legal, onde existem várias condições para que possa provar o fato criminoso conforme todos os meios de justiça. Sendo que a lei estabelece certas condições sejam elas positivas ou negativas para que se possa provar um fato, pelo meio de prova chamada confissão, visto que naquela época as provas tinham seu valor individualmente. (RANGEL, 2009).

O Sistema Inquisitivo hoje é muito importante para o chamado efeito devolutivo dos recursos, “devolutivo”, pois quem tinha o dever de julgar naquela época eram os monarcas. 3.6.5 Sistema Misto ou Formal

Teve grandes influências do sistema acusatório privado de Roma e do posterior sistema inquisitivo, sendo assim, surge após a Revolução Francesa. Este é composto por duas fases: 1ª fase – instrução: nesta fase o juiz colhe todas as informações necessárias e os meios de provas cabíveis para, assim, poder entrar no mérito da acusação; 2ª fase – julgamento: aqui é onde ocorre a acusação, fase que desdobra diante dos debates orais, feita por órgão distinto que não seja o juiz, sendo, assim, como regra, o Ministério Público como principal órgão para fazer o julgamento. (RANGEL, 2009).

São características do Sistema Misto ou Formal: na fase preliminar de instrução, a investigação, como regra, é feita pelos juízes e com auxílio das autoridades policiais. Em outros países, esta fase é considerada como juizado de instrução; o procedimento na fase preliminar é sigiloso, escrito e o autor do fato é considerado um mero objeto de investigação; na fase judicial a acusação penal é feita em regra pelo Ministério Público; o acusado, na fase judicial, é um sujeito do direito, incumbindo ao órgão acusador mostrar quem é culpado, mediante o Princípio do Devido Processo Legal; o procedimento da fase judicial é o contraditório, porque é assegurado ao acusado o direito à ampla defesa e também há a garantia de todos os

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atos processuais no princípio da concentração, e todos estes atos são realizados em audiência. (RANGEL, 2009).

Todos estes sistemas explanados nos dão a entender que a melhor opção é o Sistema Acusatório Público, em que o juiz é afastado de toda a persecução penal para haver uma privação de liberdade, levando-se em conta os direitos resguardados na Constituição.

Mas existem outros doutrinadores que discordam que a melhor opção adotada seria a do acusatório público, como esclarece a seguir: o sistema adotado no Brasil, embora não oficialmente, é o misto. Registremos desde logo que há dois enfoques: o constitucional e o processual. Em outras palavras, se fôssemos seguir exclusivamente o disposto na Constituição Federal, poderíamos até dizer que nosso sistema é acusatório. [...] etc. (NUCCI, 2010, p.117).

A partir disso, temos muitos doutrinadores que apoiam o sistema acusatório, como muitos outros adotam o sistema misto ou formal. Portanto, com o processo penal moderno, temos que o nosso sistema é considerado “inquisitivo garantista”, ou seja, também misto.

Então defender a tese de que o nosso sistema tem que ser o de acusar alguém (acusatório) é fazer uma omissão em relação ao juiz no aspecto de produção de provas de ofício. (NUCCI, 2008).

Diante do moderno processo penal, o nosso sistema pode ser considerado um sistema inquisitório e formal, também podendo ser inquisitivo garantista ou misto. Assim sendo, observando o estatuto jurídico dos sujeitos processuais não restam dúvidas de que prevalece no Brasil a teoria da aparência acusatória. (NUCCI, 2008). 4. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

A Investigação Criminal do Ministério Público deve ser entendida à luz das posições doutrinárias, dos preceitos constitucionais e infraconstitucionais da atualidade.

Exemplo disso é a PEC n° 37/2011, que é um projeto que está em discussão no STF, e que será o tema de discussão final deste capítulo.

Existem doutrinas favoráveis à investigação direta pelo Ministério Público, mas há doutrinas que são contrárias. Diante disso, cabe perguntar se o Ministério Público está preparado para realizar atos investigatórios, requisitar diligências independentemente da polícia judiciária, bem como produzir provas diretamente, como, por exemplo: documental, pericial e a oral. (RANGEL, 2009).

A investigação criminal deve ser orientada de acordo com os preceitos legais, constitucionais da atualidade, bem como os preceitos infraconstitucionais, e se existem realmente afronta às garantias fundamentais asseguradas ao imputado. Há que se estabelecer as funções essenciais do Ministério Público, bem como também as funções da polícia.

As funções essenciais do Ministério Público estão reguladas no Capítulo IV, da Seção I, que fala sobre as funções essenciais à justiça, dentro do Título IV (“Da organização dos Poderes”) da Constituição Federal. Portanto, o Ministério Público tem como função essencial, ser uma instituição de caráter permanente, garantindo a ordem do Estado Democrático de Direito e a defesa dos interesses sociais e indisponíveis, atuando como órgão imparcial. Esta função está disposta no artigo 127,

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caput da Constituição Federal. Entretanto, o Ministério Público não está especificado apenas no artigo supramencionado, pode destacar também o artigo 129, I, VI VII e VIII, que dispõe sobre as funções institucionais do Ministério Público. (TUCCI, 2004).

O artigo 144 da Constituição Federal traz à baila as funções da autoridade policial que está inserta no Capítulo III (“Da segurança pública”), do Título V (“Da defesa do Estado e das instituições democráticas”). As funções da Polícia no geral estão ligadas com o direito de resguardar a segurança pública dos cidadãos e a preservação da Ordem Pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Além destas funções, podem se destacar outras que estão elencadas na competência das polícias federais e civis, são elas: prevenir e apurar infrações penais, sendo vedado apurar infrações de competência militar, exercer as funções como polícia judiciária. (TUCCI, 2004).

Particularmente, alguns artigos e leis tratam do órgão ministerial podem ser estabelecidos no plano infraconstitucional. A Lei Complementar n° 75/1993 é um exemplo disto. O objeto de estudo desta lei é o Ministério Público da União, assim, em seu artigo 7°, dispõe:

“[...] sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais: I- instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos; II- requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas; III- requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar, podendo acompanhá-los e produzir provas”. (TUCCI, 2004, p.76).

A nossa Constituição estabeleceu que o Ministério Público pode instaurar inquérito, tanto no âmbito civil, quanto no militar, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n°8625/1993) restringe a atuação do Ministério Público apenas para a instauração de inquéritos civis, podendo também realizar outras medidas elencadas no artigo 7° da Constituição Federal, como por exemplo: o procedimento administrativo.

Além desse campo de atuação, a referida lei traz também que o Ministério Público pode expedir notificações, com a finalidade de obter as provas pretendidas, determinar a condução coercitiva, bem como promover inspeções e diligências. (TUCCI, 2004).

Outro artigo que dá ênfase às normas infraconstitucionais é o artigo 10, IX, alíneas d, e da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que dispõe: compete ao Procurador Geral de Justiça: (...) IX- designar membros do Ministério público para: (...) d) oferecer denúncia ou propor ação civil pública nas hipóteses de não confirmação de arquivamento de inquérito policial ou civil, bem como de quaisquer peças de informação; e) acompanhar inquérito policial ou diligência investigatória, devendo recair a escolha sobre o membro do Ministério Público com atribuição para em tese, oficiar no feito, segundo as regras ordinárias de distribuição de serviço(...). (TUCCI, 2004, p.77).

Segundo o entendimento do autor Tucci (2004), existem dois planos de atuação, ou seja, o constitucional e o infraconstitucional, fazendo uma distinção entre as funções do Ministério Público no campo penal e campo extra penal. Contudo, conferiu-se ao Ministério Público o direito de realizar investigações no Sistema Inquisitivo, podendo colher s provas e os elementos de convicção, que são indispensáveis para a propositura da ação.

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Seguindo ainda esse entendimento, a Polícia Judiciária é o único órgão capaz de colher os dados necessários para à elucidação dos fatos, por tratar-se de uma instituição com capacitação para todo os tipos de investigação.Não poderia assim o Ministério Público que tem suas funções resguardadas pela Constituição Federal estabelecer os mesmos tipos de técnicas e valores que as autoridades policiais utilizam em suas investigações. Provocando o desequilíbrio entre as partes na persecução penal, ferindo o direito à igualdade e à liberdade.

A investigação criminal não pode estar submetida a qualquer instituição, só por que possui super poderes no Ordenamento Jurídico, deve haver uma fiscalização e vigilância referente a quem está investigando. Acima de tudo, é importante analisar se a investigação direta pelo Ministério Público não afronta aos direitos e garantias constitucionais do investigado. (TUCCI, 2004).

Alguns autores, como Rangel (2009), defende o ponto de vista que: o Ministério Público pode investigar, bem como reconhece que os atos inerentes à investigação não são exclusivos da Polícia Judiciária, já que no próprio artigo 4° do Código de Processo Penal está expresso o poder de outros órgãos poderem realizar investigações, como ocorre, por exemplo, nas Comissões Parlamentares de Inquérito, em que as investigações por elas efetuadas são encaminhadas para o Ministério Público, a fim de que sejam apurados os fatos e instaurada a ação penal.

Nesse ponto, é gratificante ressaltar que muitos outros doutrinadores batem na tese de que o Ministério Público pode investigar sim, desde que respeitados as normas legais.

Assim seria um retrocesso para toda a persecução penal, a inafastabilidade do poder do Ministério Público de investigar diretamente.

A partir deste cenário de grandes discussões acerca da possibilidade do Ministério Público investigar foi que surgiu a PEC n° 37/2011, apresentada à Câmara dos Deputados, no dia 08 de junho do ano de 2011, pelo Deputado Lourival Mendes e outros 206 senhores Deputados. Entretanto a proposição do projeto foi inicialmente apreciada na CCJC, no dia 27 de junho de 2011, a referida Comissão aprovou, em 13 de dezembro de 2012, o parecer do nobre Deputado Arnaldo Faria de Sá, manifestando-se, por maioria, no sentido da admissibilidade da PEC n°37/2011, por atender aos aspectos de constitucionalidade, legalidade, juridicidade, regimentalidade e técnica legislativa. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013).

A finalidade desse Projeto de Emenda Constitucional é incluir o § 10 no artigo 144 da Constituição Federal e tornar expresso que as funções dos §§ 1° e 4° deste artigo são de competência privativa das polícias federais e civis dos Estados e Distrito Federal. A PEC n° 37/2011 ainda justifica que as demais atribuições e competências definidas na nossa Constituição, como as investigações feitas por Comissões Parlamentares de Inquérito, não serão afetadas, visto o princípio que não existe revogação tácita de dispositivos constitucionais e que ela veio também para suprir a falta de regras quanto ao assunto sobre a segurança pública. Este é um grande problema que está sendo discutido e questionado perante os Tribunais Superiores. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013).

Houve assim, o intenso trabalho da Comissão Especial para aprovar requerimentos em audiências públicas, para uma melhor instrução e debate sobre a matéria, durante todo processo foram ouvidos vários representantes das demais classes.

A seguir destacamos os principais posicionamentos de Promotores, Advogados, Delegados, bem como o voto do Relator acerca do assunto.

Para o Doutor Emerson Garcia, Promotor de Justiça, representante da CONAMP, de forma concisa, aponta inconvenientes da PEC, considerando equivocada

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a premissa de que o inquérito policial é indispensável à imparcialidade na realização da justiça material e para a garantia do cidadão. O Ministério Público não pode ficar impedido de realizar a investigação criminal; entende também que, se a PEC for aprovada, teremos uma restrição de todas as atividades de estruturas orgânicas de natureza administrativa que colaboram para a persecução penal, que não mais poderão fazê-lo, como o COAF e o BACEN, pode-se observar que impedir o Ministério Público de investigar enfraquecerá o direito fundamental à segurança pública, pois é ele quem garante a fiscalização do Estado Social Democrático de Direito, entregando total confiança à população no que se refere à segurança pública, contudo o Projeto de Emenda Constitucional deve ser reanalisado sob estes aspectos. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013)

A lição do Doutor Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, Presidente da ADPF, aborda que a recente PEC se atém ao art. 144 da Constituição Federal, que trata dos órgãos de segurança pública, da polícia judiciária e, em nenhum momento, analisa o art. 129 da Constituição Federal, sobre a competência do Ministério Público. Acrescenta ainda que a PEC vem explicitar o óbvio, e seria desnecessária, se tivéssemos uma interpretação conforme a Constituição. Nos termos da Carta Maior e no Estado Democrático de Direito, estabeleceu-se que a polícia judiciária investiga sob a fiscalização do Ministério Público, que é o órgão acusatório. A polícia judiciária trabalha com o Ministério Público na fase investigatória, não trabalha para o órgão ministerial, é quem protege o cidadão. Para o referido Presidente da associação dos Delegados de Polícia Federal, o Ministério Público exerce sua atividade incidental de requisitar diligências investigatórias e o controle externo da atividade policial.

Afirma também que a instituição Ministério Público criou uma construção doutrinária e assim algumas decisões judiciais de turmas, levantando a tese dos poderes implícitos de natureza constitucional, de que quem pode o mais, pode o menos. Enfatiza que cada órgão tem que ser imparcial e que o próprio Ministério Público, quando vai exercer seu poder investigatório, sempre se utiliza de um organismo policial, que nem sempre é a polícia judiciária. É bom notarmos, ainda, que a competência privativa, prevista na PEC, é genérica; as competências das CPIs, das polícias legislativas e de outros órgãos são específicas e da mesma hierarquia, não sendo alcançadas pela PEC, porque esta não revoga a Constituição. Finaliza objetando que não se pode retirar do Ministério Público o que não lhe foi dado pela Constituição de 1988. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013)

A opinião do Doutor Edson Alfredo Smaniotto, representante da OAB, é a favor da entidade no sentido da aprovação da PEC por entender que a investigação policial produzida a latere pelo Ministério Público, numa persecução penal sem regras estabelecidas por lei, significa uma grave preocupação pela ofensa aos direitos individuais. Dispõe que o Ministério Público pode investigar incidentalmente, no inquérito policial presidido pela autoridade policial, porque a atuação direta daria ao Ministério Público, como parte acusadora no futuro, a possibilidade de criar a verdade material que mais interessaria à estratégia da acusação, em detrimento do princípio do contraditório e das garantias individuais elencadas no Texto Constitucional.(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013).

Ante a existência de confronto de teses e tendo a CCJC estipulado o momento em audiência pública para que representantes da OAB, Delegados, Promotores de Justiça, Procuradores da República e membros das Associações Nacionais do Ministério Público pudessem expor suas opiniões, baseado nestas, e também na nossa

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realidade fática, o Relator deste Projeto o Deputado Fábio Trad pugnou pela aprovação da PEC n° 37/2011. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013).

Acima foram destacadas algumas opiniões e correntes acerca do tema, com isto conclui-se que no meio jurídico leva a crer, que o Ministério Público pode investigar desde que respeitados as suas funções constitucionais, as normas legais, os princípios do Direito, tais como: o do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da igualdade, da legalidade e o da liberdade individual de cada um e outros. Contudo, retirar o poder investigatório do Ministério Público é fazer um retrocesso da persecução penal, bem como trazer a impunidade para a sociedade, baseando-se na ideia de que um ajudando o outro melhor seria a nossa Justiça, Pois, o que se quer não é só uma justiça eficaz, como também a segurança pública.

Por entender que o Ministério Público pode cumular funções de investigador, que a PEC nº37/2011 caminha para aprovar essas atribuições, com algumas ressalvas. A Câmara dos Deputados voltou atrás, e pode mudar a proposta que tira o poder de investigar do Ministério Público, com isto, representantes das Polícias, do Ministério Público, do Congresso Nacional, presidente da Câmara dos Deputados e Ministro da Justiça resolveram criar um grupo de trabalho para discutir mudanças do texto. O grupo estipulou que a primeira reunião vai acontecer no dia 07 de maio de 2013, e que até o final do mês de maio será feita uma nova proposta para definir realmente quais os papeis dos procuradores e da polícia nas investigações, e em junho será votada pelo presidente da Câmara essa nova proposta. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Ministério Público é uma instituição permanente que tem a função de reparar toda a lesão a direito e proteger a ordem jurídica vigente, tendo como objetivo fiscalizar cada caso concreto e dar a segurança à sociedade. A sociedade é estruturada através do Poder Constituinte e a Constituição protege os direitos de cada cidadão, formando um Estado Constitucional Democrático de Direito.

Ao órgão ministerial são estipuladas algumas funções que devem ser obedecidas, estas funções foram objetos de estudo no segundo capítulo, cabe analisar, que na falta de uma das funções o Ministério Público deixaria de estar promovendo a sua investigação, contrariando as normas legais.

Todavia, há que se destacarem também os direitos à liberdade de locomoção referente à dignidade da pessoa humana, sendo vedado o cerceamento sem aplicar o princípio do devido processo legal, matéria que ganhou destaque no terceiro capítulo quando abordou os princípios constitucionais do Direito, a limitação de cada indivíduo perante as regras constitucionais, não podendo abranger os direitos dos outros. O Ministério Público ganhou força também não só no Brasil, mas também em outros países como: Alemanha, Itália, Dinamarca e Portugal que traz fortes tendências para que o Ministério Público fique a cargo das investigações criminais, colocando a Polícia Judiciária como seu auxiliar.

Portanto, o Ministério Público tem o dever de oferecer denúncia, com base na colheita de provas, dispensando se for o caso o Inquérito Policial a respeito dos princípios e garantias fundamentais da Constituição Federal, pois a ela é dada a titularidade da Ação Penal Pública. O órgão ministerial também pode oferecer denúncia com base em peças de informações que são formadas através de diligências realizadas de forma pessoal e de maneira direta.

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Atualmente vem despontando na Ordem Jurídica um Projeto de Emenda Constitucional acerca deste tema, é a PEC n° 37/2011, que tem como escopo acrescentar um. Parágrafo no artigo 144 da Constituição Federal, falando que ambos os § 1° e 4° são de competência privativa das Polícias Federais e Civis do Estado e que as demais funções e poderes do Ministério Público não serão afetados em virtude de ser uma afronta aos princípios basilares da Constituição.

Igualmente, essa PEC nº 37/2011 está sendo objeto de estudo na Câmara dos Deputados, por entender que não se deve retirar o poder do Ministério Público de investigar.

A Câmara dos Deputados entende que o texto do referido Projeto de Emenda Constitucional deve ser alterado, e por isso está sendo criado um grupo de trabalho para a criação de uma nova proposta, para ser votada no mês de junho.

Pode-se concluir que o objeto deste trabalho foi mostrar a possibilidade do Ministério Público realizar investigação criminal, diretamente no Direito brasileiro, com base em debates pelo Projeto de Emenda Constitucional n° 37/2011, e posições doutrinárias sobre o assunto. Considerando assim, que o tema “Ministério Público e a Investigação Criminal” é uma garantia constitucional de a sociedade exigir ao Estado às medidas cabíveis para reduzir o número de condutas lesivas que vem acontecendo a cada dia em nosso país. REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS 01. Comissão Especial destinada a proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição n°37, Brasília, 2011. Disponível em: <http://www.camara.gov.br /proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1001565&filename=SBT+1+PEC03711+%3 D%3E+PEC+37/2011> Acessado em: 26 abr 2013, 15:25. 02. BRASIL, Câmara dos Deputados, Disponível em: <http://g1.globo.com/bom-diabrasil/noticia/2013/05/camara-volta-atras-e-pode-mudar-proposta-que-tira-poder-domp.html> Acessado em: 02 mai 2013, 19:00. 03. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 16 ed., São Paulo: saraiva, 2009. 04. NUCCI, Guilherme Souza. Código de Processo Penal Comentado, 8 ed, rev., atual. e amp. São Paulo: revista dos tribunais, 2008. 05. NUCCI, Guilherme Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, 3 e 4 ed., rev. e amp., São Paulo: revista dos tribunais, 2007/2008. 07. RANGEL,Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público, 3 ed., rev. e amp.,atual., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. 08. TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e Investigação Criminal. São Paulo: revista dos tribunais, 2004.

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AUXÍLIO-RECLUSÃO: JUSTIÇA OU INJUSTIÇA?

Acadêmico = JAIRO LUIS DA SILVA Docente e Mestra = Drª. SIRLENE M. FIDELES

RESUMO: Este trabalho faz uma menção à origem da Seguridade Social como aspecto primordial para existência da proteção ao trabalhador, idosos e demais necessitados, bem como uma análise da Previdência Social com seus principais regimes, formas de proteção e seus principais benefícios. Retrata como cerne da pesquisa, a abordagem conceitual do auxílio-reclusão, citando sua origem, seu conceito, Previsão em normas constitucionais e infraconstitucionais, bem como os aspectos legais para sua concessão, beneficiários e dependentes, períodos de graça e carência, e como foco principal a Análise no escopo jurídico e social do auxílio-reclusão quanto a sua existência, bem como se a concessão deste benefício aos dependentes do recluso ou detento constitui medida de justiça ou injustiça. Para a elaboração deste trabalho foi utilizada a pesquisa bibliográfica, que consistiu no exame de obras de vários autores das áreas de direito previdenciário e constitucional, bem como buscar meios alternativos como artigos jurídicos, revistas jurídicas, jurisprudência, normas constitucionais e infraconstitucionais e pesquisas na Internet, que atualmente é um grande e mais utilizado meio de consulta, que por sua vez, foi o método de procedimento específico do trabalho em questão. Palavras-chave: seguridade social, previdência social, benefício, auxílio-reclusão, Família, justiça, injustiça. ABSTRACT: This work makes a mention of the origin of Social security as primordial aspect for existence of the worker protection, the elderly and other needy, as well as an analysis of the Social security schemes, with its main forms of protection and its key benefits. Portrays as core of research, conceptual approach of aid-seclusion, citing its origin, its concept, forecasting in constitutional rules and infra-constitutional, as well as the legal aspects for their granting, beneficiaries and dependents, grace periods and lack, and as its main focus the analysis on the legal and social scope of aid-seclusion as its existence, as well as whether to grant this benefit to dependents of the inmate or detainee constitutes a measure of Justice or injustice. For the preparation of this work was used to bibliographical research, which consisted in the examination of works of several authors of the pension law and constitutional areas, as well as seek alternative means as legal articles, legal journals, jurisprudence, constitutional requirements and infra-constitutional and Internet searches, which currently is a great and most used means of query, which in turn was the specific procedure of the work in question. Keywords: social security, benefit, aid-seclusion, family, justice, injustice.

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INTRODUÇÃO

Neste estudo será abordado um tema tanto quanto polêmico no Brasil, o chamado Auxílio-Reclusão. Há uma discussão muito grande que envolve a concessão deste benefício, como sendo justiça ou injustiça social. Pois além de cometer um crime, o delinquente ainda receberá uma quantia significativa do governo, quantia esta superior ao salário de diversos trabalhadores do Brasil.

Neste diapasão, esta é realmente uma questão intrigante e que desperta certa indignação na sociedade, ao pensar que tal fato realmente existe e que o legislador ainda previu tal situação na Constituição Federal e ainda em diversas normas infra-legais.

O que pouco se sabe é que este valor não é repassado ao preso propriamente dito, mas sim a sua família, ou seja, seus dependentes, para que seja garantido o mínimo necessário para que se tenha uma vida digna, dignidade esta que é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Antes de entrar no tema em questão, foi realizado de forma sucinta um estudo sobre a Origem da Proteção Social, não deixando de lado a Previdência Social como fonte originária de diversos benefícios, principalmente o auxílio-reclusão.

Ressalta-se que serão, também, explicados os requisitos para a concessão desse benefício, sua previsão legal e infra-legal, a figura do segurado bem como seus dependentes, o período de carência e graça para a concessão, vigência, cessação e extinção do benefício, valor e cálculo, a limitação imposta pela lei à percepção do auxílio-reclusão e algumas outras especificidades do benefício.

Para realizar este trabalho foi utilizada pesquisa bibliográfica doutrinária, legislativa e jurisprudencial. Faz-se necessário informar que as obras previdenciárias nacionais, em sua grande maioria, tratam brevemente do auxílio-reclusão, encontrando poucas específicas sobre o assunto, neste contexto, foi realizado pesquisas em meios auxiliares de busca como a Internet com o objetivo de complementação do trabalho exposto. 1 PROTEÇÃO SOCIAL – ORIGEM

Desde os tempos mais antigos, a humanidade tem se preocupado com infortúnios da vida, tentando reduzir as adversidades como a fome,doenças, velhice e etc. Pode-se dizer que este é um comportamento instintivo, pois até mesmo os animais têm o hábito de guardar alimentos para dias difíceis.

(...) o primeiro sistema de proteção conhecido foi o assistencialismo, que já existia na Antiguidade. Desde o Código de Hamurabi (Babilônia), do Código de Manu (Índia) e da Lei das Doze Tábuas, passando pela era contemporânea, por meio das famosas Poor Laws, inspiradas nas reflexões de Thomas More, na Inglaterra, em 1601. (TSUTIYA, 2010, p. 30).

Alguns doutrinadores como Fabio Zambite Ibraim (2011) e Augusto Massayuki Tsutiya (2011) afirmam que a proteção social é oriunda da família, pois antigamente todos viviam em grandes aglomerados de família, em que a preocupação e respeito com os mais velhos, doentes e necessitados era maior que nos dias atuais. Porém nem todas as pessoas eram dotadas de proteção, deixando a desejar em diversos casos.

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Destarte, surgiu a necessidade de auxílio externo, de natureza voluntária de terceiros, que na maioria das vezes era incentivado pela igreja. Nessa época, a ajuda aos pobres não tinha ideia de justiça e sim de caridade, era chamada de auxílio-voluntário.

Além do auxílio-voluntário, ou seja, assistência espontânea surgiram grupos de origem livre, desvinculados de qualquer intervenção estatal, que recolhia uma pequena quantia de dinheiro de pessoas com interesse comum para resguardo de todos, caso ocorresse algo inesperado.

Com o passar do tempo, o Estado assumiu uma parcela de responsabilidade pela assistência aos desprovidos de renda, até o surgimento de um sistema de Seguridade, criado pelo Estado, coletivo e compulsório.

O surgimento dessa proteção social foi fortemente propiciado pela sociedade industrial, pois a classe trabalhadora era massacrada pelos acidentes de trabalho, a vulnerabilidade da mão-de-obra infantil e etc. A única segurança que o trabalhador tinha era seu salário. Sendo assim, como ficaria a situação do trabalhador caso ele sofresse um acidente que reduzisse sua capacidade laborativa, ou a situação de sua família se este viesse a falecer em um acidente de trabalho?

Com base nessa ideia, observou-se a importância da participação estatal, através de meios e instrumentos legais, para minimizar estas desigualdades sociais, em outras palavras, o Estado não poderia aceitar a desgraça alheia como resultado de sua inércia e omissão, daí o surgimento dos mecanismos de segurança social de forma obrigatória.

Assim, por meios de conceitos sociais democratas, criou-se a chamada Welfare State – Estado do Bem-Estar Social, que visa atender diversas demandas da sociedade, como a Previdência Social. Estas ações estatais não se limitam apenas à previdência, mas também a outros setores, como saúde e atenção a pessoas carentes. Com isso, observa-se a seguridade social como grau máximo de proteção social.

No Brasil, essa evolução seguiu a mesma lógica internacional, com cada vez maior a intervenção do Estado. O Brasil adotou esse sistema na Constituição da República de 1988, por sua vez, foi bastante minuciosa no tratamento da questão da seguridade social.

Assim, a proteção social brasileira é prioritariamente obrigação do Estado, o qual impõe condições obrigatórias a todos os trabalhadores.

“Atualmente, no Brasil, entende-se por seguridade social o conjunto de ações do Estado, no sentido de atender as necessidades básicas de seu povo nas áreas de Previdência Social, Assistência Social e Saúde”. (IBRAIN, 2011,p. 4).

A Previdência Social, a Saúde e a Assistência Social são classificadas como direito social pela Constituição Federal, que usualmente são enquadradas com direitos fundamentais de 2ª geração, devido a sua natureza coletiva e à proteção individual que traz aos beneficiários, atendendo as condições mínimas de igualdade. 1.1 PREVIDÊNCIA SOCIAL

A Previdência Social é técnica protetiva mais evoluída que os antigos seguros sociais. É definida como seguro “sui generis”, pois é de filiação compulsória para os regimes básicos, conhecida por ser de caráter coletivo, contributivo e de organização estatal, pois ampara seus beneficiários contra riscos sociais.

Os riscos sociais, a que se refere a cobertura dos regimes protetivos, são as adversidades da vida, em que, qualquer pessoa pode se sujeitar um dia, como

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por exemplo uma doença grave, acidente, desemprego, idade avançada, prisão, abrange também situações estranhas a infortuitas como maternidade.

Com isso, muitos doutrinadores criticam o termo “risco social”, sugerindo adotar o termo necessidade social. Destarte, o termo “risco social” deve ser entendido como todo evento coberto pelo sistema protetivo, com o objetivo de fornecer ao beneficiário-segurado algum rendimento substituidor de sua remuneração. (IBRAIN, 2011, p. 28).

No Brasil, podemos dizer que foi a Lei Eloy Chaves, através do Decreto Legislativo nº 4.682, de 1923, a primeira norma a instituir a Previdência Social concretamente, é considerada por diversos doutrinadores como o “ponta pé inicial” da Previdência Social brasileira, que teve como marco principal a criação das Caixas de Aposentadoria e Pensão - CAP, que na época abrangia apenas trabalhadores ferroviários.

A Previdência Brasileira comporta dois regimes básicos: Regime Geral de Previdência Social – RGPS e o Regime Próprio de Previdência Social – RPPS.

O RGPS é privado e de natureza voluntária, possui como finalidade ampliar rendimentos principalmente no que se refere a aposentadoria. Estes regimes não visam manter o poder de compra do beneficiário, somente o suficiente para o seu sustento e de seus dependentes.

O RPPS é para servidores ocupantes de cargos efetivos e militares, é de ingresso voluntário, e pode fixar teto idêntico ao RGPS para seus beneficiários.

A natureza dos regimes básicos previdenciários é institucional ou estatutária, pois o Estado, por meio de leis, utiliza o seu poder de império e cria vinculação automática ao sistema previdenciário, mesmo que não haja vontade do beneficiário.

O seguro social atua por meio de prestações previdenciárias, que podem ser por meio de benefícios de natureza pecuniária ou serviços. Com isso, o sistema previdenciário deve ser auto-sustentável, ou seja, deve se financiar a partir de contribuições dos beneficiários.

No caso do RGPS, podemos observar que seu regime é mais amplo devido a ser responsável pela grande massa de trabalhadores brasileiros. Para tanto, é organizado e administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, que por sua vez é uma autarquia vinculada ao Ministério da Previdência Social.

Os Regimes Próprios são mantidos pela União, pelos Estados e por alguns Municípios em favor de servidores públicos e militares, como já foi mencionado.

Segundo Ibraim, “seria correto falar-se em regime previdenciário dos militares, pois estes simplesmente seguem a inatividade remunerada, custeada integralmente pelo tesouro nacional, sem perder a condição de militar”. (2011,p. 33). Segundo Kertzman (2011, p. 30): a organização da Previdência Social é constituída primordialmente por dois princípios básicos, qual sejam á compulsoriedade e contributividade. O primeiro é o que obriga a filiação a regime de Previdência Social aos trabalhadores que trabalham. O segundo significa que, para ter direito a qualquer benefício da Previdência Social, é necessário enquadrar-se na condição de segurado, devendo contribuir para manutenção do sistema previdenciário.

Outra situação de suma relevância na Previdência Social é o fato de ser perfeitamente possível a vinculação de uma pessoa às duas espécies de regime previdenciário, qual sejam o RGPS e o RPPS, desde que este exerça mais de uma atividade remunerada, assim se vinculando aos dois regimes, podendo inclusive ser aposentado pelos dois regimes.

Assim, podemos dizer de forma sucinta, que Previdência é aquela que prevê um indivíduo prudente, ou seja, é o ato pelo qual se prevê ou se antecipa determinado fato, no sentido de evitar-lhe as consequências, danos ou males futuros.

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Em outras palavras, é a maneira de antecipar-se, precaver-se contra um futuro que poderá trazer, a cada um de nós, resultados não desejados.

Podemos ainda dizer que a Previdência Social, sob uma ótica particular de seu escopo, pode ser concebida como a técnica de proteção social propiciadora dos meios indispensáveis à manutenção da pessoa humana, quando esta não pode adquiri-los ou não é socialmente desejável auferi-los pessoalmente por meio do trabalho, seja por motivo de maternidade, nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de contribuição ou morte, mediante contribuição compulsória distinta, oriundas da sociedade e dos seus participantes.

O seguro previdenciário garante uma forma de substituição de salário para quem adota, com antecedência, a medida de contribuir para o sistema. Isso mantém o cidadão com capacidade de consumo ao longo da vida, mesmo que ocorram problemas que o impeçam de trabalhar, tal como invalidez, desemprego involuntário, prisão e etc.

A Previdência Social organizada sob a forma de regime geral, como já mencionado anteriormente, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, nos termos do art. 201 da CF/88 atenderá: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependente. (BRASIL, 1988).

Destarte, podemos observar que é amplo o leque de situações que a Constituição Federal de 1988 buscou alcançar e para atender a estes princípios a Lei 8.213/91 instituiu os seguintes benefícios previdenciários: • aposentadoria por invalidez; • aposentadoria por idade; • aposentadoria por tempo de contribuição; • aposentadoria especial; • salário maternidade; • salário-família; • auxílio-doença; • auxílio-acidente; • pensão por morte; • auxílio-reclusão.

O auxílio-reclusão como cerne da pesquisa a ser apresentada é o benefício devido aos dependentes do segurado. Representa um benefício previdenciário social, destinado a garantir a subsistência digna dos dependentes do segurado de baixa renda, que, por sua vez, foi recolhido à prisão, e assim encontra-se impossibilitado de prover o atendimento das necessidades básicas e essenciais de sua família.

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2 AUXÍLIO-RECLUSÃO 2.1 CONCEITO

O auxílio-reclusão, ao contrário do que muitos pensam, não é um benefício previdenciário novo, pois foi instituído há mais de 50 anos pelo extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM) e posteriormente pelo também extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB), depois foi incluído na Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS (Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960). E por fim esse benefício para dependentes de presos de baixa renda foi mantido na Constituição Federal de 1988, não se tem notícia da existência em outro país de benefício equivalente ao auxílio reclusão.

Atualmente, importa dizer, como principal e mais simples conceito, que o auxílio reclusão é um benefício devido aos dependentes do segurado recolhido à prisão, durante o período em que estiver preso sob-regime fechado ou semi-aberto. Não há que se falar em concessão de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado que estiver em livramento condicional ou cumprindo pena em regime aberto, da mesma forma àquele que esteja cumprindo sua pena em casa de albergado ou em outro estabelecimento adequado.

O motivo pelo qual só é permitida a concessão do benefício de auxílio-reclusão ao preso em regime fechado ou semi-aberto, é porque o regime aberto permite que o segurado procure obter emprego, e com isso, consequentemente, a percepção de meios para subsistência de sua família, o que determina a não concessão ou o cancelamento do auxílio reclusão. Em outras palavras, no regime aberto, o condenado convive em nosso meio social durante o período em que estiver exercendo uma profissão, recolhendo-se à Casa do Albergado apenas no período de repouso.

O auxílio-reclusão, como benefício Previdenciário, foi originalmente instituído pela Lei n. 3.807, de 26 de agosto de 1960, como já afirmado anteriormente. Esta Lei asseverou a concessão de auxílio-reclusão aos beneficiários do segurado, que se encontrasse detento ou recluso, que não percebesse qualquer espécie de remuneração da empresa e que houver realizado no mínimo 12 (doze) contribuições mensais conforme previsão do art. 43 da supracitada Lei.

Por sua vez, a Consolidação das Leis da Previdência Social aprovada pelo Decreto n.77.077, de 24 de janeiro de 1976, com a mesma linha de raciocínio, dispôs que o auxílio reclusão será devido, após 12 (doze) contribuições mensais e nas condições dos artigos 56 a 59, aos dependentes do segurado detento ou recluso, que não perceba qualquer espécie de remuneração da empresa, conforme elencado no art. 63 do mesmo dispositivo legal. Com o passar dos anos, uma redação semelhante foi mantida no art. 45 da nova edição da Consolidação das Leis da Previdência Social, expedida pelo Decreto n. 89.312, de 23 de janeiro de 1984.

Observa-se que as três normas, pacificamente, previam que o requerimento do benefício deveria ser instruído com certidão do despacho da prisão preventiva ou da sentença condenatória do segurado, e que o pagamento seria mantido durante a sua detenção ou reclusão, e deveria ser comprovada por meio de atestado trimestral de autoridade competente.

Seriam ainda aproveitadas no que coubesse as regras da regulamentação da pensão por morte, visto que ambos os benefícios tinham como característica principal beneficiarem os dependentes do segurado.

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Agora, partindo para esfera constitucional, tem-se que a primeira Constituição a tratar do auxílio-reclusão foi a Constituição da República de 1988, cuja redação original tinha o seguinte teor em seu art. 201: art. 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e reclusão; II – ajuda à manutenção dos dependentes dos segurados de baixa renda; III – proteção à maternidade, especialmente à gestante; IV – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; V – pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 5º e no art. 202. (BRASIL. 1988, p. 116).

Observando o preconizado na Carta Magna, foi editada em 24 de julho de 1991 a Lei n. 8.213, em que, trouxe maior regulamentação ao benefício em seu art. 80, dispondo sobre os planos de benefícios da previdência social, expressa referência ao auxílio-reclusão, estes termos: art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.

Parágrafo único. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário. (BRASIL. 1991, p. 22).

Com o advento desta norma, ocorreram diversas inovações, mesmo mantendo a tradição normativa sobre o tema, relacionou esta espécie de benefício dentre aquelas devidas aos dependentes do segurado, ao lado da pensão por morte, sendo que excluíram os benefícios de pecúlio e auxílio-funeral, direcionados aos dependentes pelas normas anteriores e alterou, também, a regra de carência, que tinha a necessidade de recolhimento de doze contribuições mensais, retirando este requisito para a concessão do auxílio-reclusão.

Não podemos esquecer da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, que por sua vez trouxe significativa mudança nas regras de concessão do auxílio reclusão no art. 201 da CF/88, limitando-a aos dependentes dos segurados de baixa renda, como se vê: art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. (BRASIL. 1988, p. 116).

No âmbito infra-legal, a regulamentação está a cargo do Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, que aprovou o Regulamento da Previdência Social – RPS, alterado pelo Decreto n. 4.729, de 9 de junho de 2003. Dispõe o Regulamento: art. 116. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência

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em serviço, desde que o seu último salário de contribuição seja inferior ou igual a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais). § 1º É devido auxílio-reclusão aos dependentes do segurado quando não houver salário de contribuição na data do seu efetivo recolhimento à prisão, desde que mantida a qualidade de segurado. § 2º O pedido de auxílio-reclusão deve ser instruído com certidão do efetivo recolhimento do segurado à prisão, firmada pela autoridade competente. § 3º Aplicam-se ao auxílio-reclusão as normas referentes à pensão por morte, sendo necessária, no caso de qualificação de dependentes após a reclusão ou detenção do segurado, a preexistência da dependência econômica. § 4º A data de início do benefício será fixada na data do efetivo recolhimento do segurado à prisão, se requerido até trinta dias depois desta, ou na data do requerimento, se posterior, observado, no que couber, o disposto no inciso I do art.105. § 5º O auxílio-reclusão é devido, apenas, durante o período em que o segurado estiver recolhido à prisão sob regime fechado ou semi-aberto. § 6º O exercício de atividade remunerada pelo segurado recluso em cumprimento de pena em regime fechado ou semi-aberto que contribuir na condição de segurado de que trata a alínea “o” do inciso V do art. 9º ou do inciso IX do § 1º do art. 11 não acarreta perda do direito ao recebimento do auxílio-reclusão pelos seus dependentes.

Art. 117. O auxílio-reclusão será mantido enquanto o segurado permanecer detento ou recluso. §1º O beneficiário deverá apresentar trimestralmente atestado de que o segurado continua detido ou recluso, firmado pela autoridade competente. § 2º No caso de fuga, o benefício será suspenso e, se houver recaptura do segurado, será restabelecido a contar da data em que esta ocorrer, desde que esteja ainda mantida a qualidade de segurado. § 3º Se houver exercício de atividade dentro do período de fuga, o mesmo será considerado para a verificação da perda ou não da qualidade de segurado. Art. 118. Falecendo o segurado detido ou recluso, o auxílio-reclusão que estiver sendo pago será automaticamente convertido em pensão por morte. Parágrafo único. Não havendo concessão de auxílio-reclusão, em razão de salário de contribuição superior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), será devida pensão por morte aos dependentes se o óbito do segurado tiver ocorrido dentro do prazo previsto no inciso IV do art. 13.

Art.119. É vedada a concessão do auxílio-reclusão após a soltura do segurado. (BRASIL. 1999, p. 54). 3 ASPECTOS GERAIS DO AUXÍLIO-RECLUSÃO 3.1 CONDIÇÕES DE RECEBIMENTO

Não é outro o entendimento de diversos doutrinadores, que o auxílio-reclusão é devido, nas mesmas condições da pensão de morte, conforme aduz o art. 80, da Lei 8.213/91, aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão, que por sua vez não recebe nenhuma remuneração da empresa que trabalhava, e tampouco se encontra em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço, situação que ocorre sem exigir sequer o trânsito em julgado da decisão

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condenatória que levou o segurado ao cárcere: art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.

Parágrafo único. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário. (BRASIL. 1991, p. 22).

Em reforço ao mencionado no final do parágrafo único do artigo anterior, de acordo com a Lei de benefícios previdenciários, não é necessário que haja trânsito em julgado da Ação Penal para a concessão do auxílio-reclusão, sendo que qualquer sentença judicial que restrinja a liberdade do segurado é suficiente para ensejar o direito a este benefício.

Neste sentido, o segurado-recluso, ainda que contribua como contribuinte individual ou facultativo, não faz jus aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria, durante a percepção, pelos seus dependentes, do auxílio-reclusão.

Não poderá ainda cumular o benefício com: Renda Mensal Vitalícia; Benefício Assistencial ao Idoso e ao Portador de Deficiência; Aposentadoria do recluso; Abono de Permanência em Serviço do recluso; Pensão Mensal Vitalícia de Seringueiro; Auxílio-Doença do Segurado. O segurado pode escolher qual benefício receber, desde que manifestada, também, pelos dependentes, pelo benefício mais vantajoso.

Destarte, cai por terra a ilusão do acúmulo de benefícios previdenciários ao preso, doente e aposentado.

O segurado ainda poderá contar com o seu trabalho na prisão, pois o exercício de atividade remunerada pelo segurado recluso, em cumprimento de pena em regime fechado ou semi-aberto, que venha a contribuir na condição de contribuinte individual ou facultativo, não acarreta perda do direito ao recebimento do auxílio reclusão pelos seus dependentes. (KERTZMAN, 2011, p. 435).

Segundo o doutrinador Kertzman “equipara-se a condição de recolhido a prisão a situação do maior de 16 e menor de 18 anos de idade que se encontre internado em estabelecimento educacional ou congênere, sob custodia do juizado da Infância e da Juventude”. (2011, p. 435).

Importa dizer que esta prisão pode ser prisão decorrente de pronúncia, prisão provisória, prisão preventiva, prisão temporária, prisão em flagrante, prisão resultante de sentença penal condenatória, prisão penal, detenção, prisão simples e prisão administrativa.

Segundo Ibrahim que qualquer decisão que determine a prisão do segurado, ainda que temporária, dará direito ao benefício. Assevera ainda o autor que: somente restaria excluída do evento determinante deste benefício a prisão civil do inadimplente voluntário e inescusável de obrigação alimentícia (art. 5, LXVII, CRFB/88), pois esta previsão não se traduz em sanção penal, mas mero meio de coerção para o pagamento dos valores devidos. (2008, p. 599). 3.2 SOLICITAÇÃO DO BENEFICIO

Para os dependentes ou até mesmo o segurado realizar o pedido de auxílio-reclusão, tal requerimento deve ser instruído com certidão do efetivo recolhimento do segurado à prisão, firmada pela autoridade competente. Por sua vez, o benefício

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será mantido enquanto o segurado permanecer detento ou recluso. Porém, como medida de controle sobre a situação do beneficio, os dependentes deverão apresentar trimestralmente um atestado para comprovar que o segurado continua detido ou recluso, devendo ser firmado pela autoridade competente, como já mencionado.

Essa medida tem por finalidade evitar qualquer espécie de fraude previdenciária relativa ao auxílio-reclusão. Assim que o segurado for posto em liberdade, o dependente ou responsável deverá apresentar imediatamente o alvará de soltura.

O início do benefício será na data do efetivo recolhimento do segurado à prisão, se requerido até 30 dias depois desta, ou a contar da data do requerimento se for posterior a 30 dias, de acordo com o art. 80, caput, c/c art. 74, I e II, LBPS, e art. 116, § 4º, RPS.

Caso o detento fuja, o beneficio será suspenso, e sendo ele posteriormente recapturado, será restabelecido, a contar da data em que este ocorrer, desde que, mesmo com a fuga e o decurso do tempo, ele ainda mantenha a qualidade de segurado. Se o preso trabalhar dentro do período em que esteve foragido, este tempo trabalhado será considerado para a verificação da perda ou não da qualidade de segurado.

Ainda em se tratando de fuga, o dependente deve procurar Agência da Previdência Social para solicitar cessação imediatamente do benefício. Após a recaptura do segurado, o dependente deverá apresentar o atestado de recolhimento à prisão para que se verifique se ainda possui qualidade de segurado.

O auxílio-reclusão, a exemplo dos demais benefícios da Previdência Social, pode ser solicitado com agendamento prévio, pelo portal da Previdência Social e pela central 135. 3.3 BAIXA RENDA

Quando falamos que o auxílio-reclusão é um benefício para os dependentes de preso de baixa renda, precisamos ter uma definição do que vem a ser esta baixa renda, pois se trata de uma condição especial para o recebimento do benefício. Segurado de baixa renda “é aquele com renda familiar mensal per capita (renda familiar per capita é a razão entre a renda familiar mensal e o total de indivíduos na família)de até meio salário mínimo ou a que possua renda familiar mensal de até três salários mínimos”, nos termos do Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007.

Cabe salientar que para calcular a renda familiar mensal não são incluídos no cálculo os seguintes programas: a) Programa de Erradicação do Trabalho Infantil; b) Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano; c) Programa Bolsa Família e os programas remanescentes nele unificados; d) Programa Nacional de Inclusão do Jovem-Pró-Jovem; e) Auxílio Emergencial Financeiro e outros programas de transferência de renda destinados à população atingida por desastres, residente em Municípios em estado de calamidade pública ou situação de emergência; e f) demais programas de transferência condicionada de renda implementados por Estados, Distrito Federal ou Municípios;

No caso em questão, a baixa renda a ser considerada para a concessão do benefício do auxílio-reclusão, de acordo com o art. 201, IV, da Constituição, é relativa tão somente à remuneração do segurado; desse modo, observa-se que é inconstitucional

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a restrição da concessão do benefício aos dependentes de baixa renda do segurado, em razão da aplicação do princípio da isonomia, in verbis: Art.201 – (...) IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (BRASIL. 1988, p. 116).

Para que não haja ponderação, o entendimento é que para a concessão do benefício, deve ser analisada a renda dos dependentes do segurado, e não dele próprio, haja vista que a redação do art. 116 do Decreto nº 3.048/99, trazer mudança significativa à redação prevista nos arts. 1º e 13 da Emenda Constitucional nº 20/98, vez que esta poderia ferir o princípio da legalidade, valendo a transcrição: art. 116. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço, desde que o seu último salário de contribuição seja inferior ou igual a R$ 360,00(trezentos e sessenta reais). (BRASIL. 1999, p. 54)

Art. 13 - Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00(trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social. (Grifo nosso) (BRASIL. 1998, p. 9).

Observa-se que o primeiro dispositivo legal, qual seja o art. 116 do Decreto nº 3.048/99, determina que o auxílio seja para os dependentes do segurado recolhido à prisão, que tivesse renda igual ou inferior a R$ 360,00, e o art. 13 da Emenda Constitucional nº 20/98 traz interpretação diversa a esta situação, estabelecendo que o benefício será pago ao segurado e seus dependentes, que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00.Sendo assim, fica evidente que não é a renda bruta mensal do segurado e seus dependentes, mas sim seu último salário de contribuição.

Cabe ressaltar que o valor estabelecido e atualizado anualmente pelo INSS é a partir de janeiro de 2013, o valor para verificação de baixa renda para a percepção do auxílio é de R$ 971,78. Destarte, o benefício tem a finalidade de atender ao risco social da perda da fonte de renda familiar, em razão da prisão do segurado, e com isso tem por destinatários os dependentes do recluso e não o recluso propriamente dito. 3.4 INCONSTITUCIONALIDADE DA LIMITAÇÃO DO ART. 13º DA EC Nº 20/98

“Os direitos fundamentais devem ser tidos, na realidade, como fundamentais, com todas as conseqüências daí oriundas, isto é, ate mesmo para efeitos da impossibilidade de sua supressão por meio de Emenda Constitucional”. (CORREIA; CORREIA, 2012, p. 352).

Primeiramente, tem-se que o legislador não foi feliz ao limitar a concessão do auxílio-reclusão. Pois esta é uma evidente restrição inconstitucional, face não apenas aos princípios já citados (proteção à família, diminuição dos efeitos reflexos da pena, erradicação da pobreza e solidariedade social), mas também ao princípio da isonomia.

Segundo o doutrinador Marcos Orione Gonçalves Correia “A limitação imposta jamais poderia dirigir-se à renda auferida pelo próprio segurado, já que não será este o seu beneficiário”. (2012, p. 353). Ainda porque a emenda em análise criou

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distinção entre segurados da previdência, sem explicitar os fundamentos para tal procedimento.

Ora, para a família do recluso, torna-se indiferente a renda familiar anterior ao recolhimento do segurado à prisão. Não importa quanto este recebesse a título de salário, certo é que, uma vez preso, deixará de receber qualquer quantia. Não há fundamento, portanto, para a diferenciação realizada pelo legislador.

Como se observa no art. 80 da Lei de Benefícios, o auxílio-reclusão terá tratamento semelhante à pensão por morte. Isto porque se trata de um benefício devido aos dependentes do segurado. Não obstante, ao considerar a renda do segurado e não a renda do dependente, para fins de limitação do benefício, a Constituição conspirou contra a própria finalidade do instituto, qual seja a proteção à família e à dignidade da pessoa humana. (2012, p. 353).

Além disso, insta asseverar que, se tal distinção pudesse ser admitida, teria de ser fundada em dados objetivos. Entretanto, a emenda nº 20/98 traz em seu bojo um valor aleatório, fixado de forma arbitrária.

No mesmo escopo, a remessa da aferição da baixa renda familiar ao valor do último salário de contribuição pode não demonstrar a real situação de penúria que a família do segurado se encontra, pois o segurado pode manter sua filiação ao regime da Previdência Social, mesmo quando desempregado. Assim sendo, como bem tem interpretado a jurisprudência, deve ser analisada a renda familiar quando da detenção do segurado, e não quando do percebimento de sua última remuneração, conforme a decisão do Relator Juiz Carlos de Castro Lugon em destaque na obra do doutrinador Ibrahim (2008, p. 304): o auxílio reclusão tem por objetivo atender às necessidades dos dependentes que, em face do inculpamento do segurado por ato criminoso, se vêem desassistidos materialmente. Assim, pouco importa se o segurado percebia mais ou menos do que o valor estabelecido na regra transitória, pois o recolhimento do segurado empregado à prisão suprimiu toda a renda destinada ao custeio da subsistência dos dependentes; tanto os dependentes do segurado que percebia salário mínimo, como daquele que auferia vultuoso salário, ficam, pela eliminação da fonte de custeio de suas necessidades, ao desamparo. (TRF-4ª, 6ª T., AgI 2000.04.01.077754-4, Rel. Juiz Carlos de Castro Lugon, DOU, 19-6-2001).

Há ainda que mencionar o art. 84, IV, da Carta Magna, que, determina que somente para cumprir dispositivos legais pode o Executivo expedir regulamentos. Com isso, fica claro que somente por lei é possível fazer alguma restrição aos direitos de propriedade e liberdade.

O regulamento não pode contrariar a lei, estando subordinado a ela, sob pena de ferir-se o princípio da legalidade elencados nos arts. 5.º, IIe 37, I, ambos da CF. 3.5 DEPENDENTES

Com relação aos dependentes, observa-se que é perfeitamente aplicável ao auxílio reclusão a disposição do artigo 16 da Lei nº 8.213/91, que diz: art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

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II - os pais; III - o irmão não emancipado, de qualquer condição,menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995) IV - (Revogada pela Lei nº 9.032, de 1995) § 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes. § 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de1997) § 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal. § 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada. (BRASIL. 1991, p.7).

Conforme o preconizado no artigo supra, podemos observar que a dependência econômica do cônjuge, da companheira e dos filhos menores ou inválidos é presumida, cabendo aos demais a comprovação da dependência para fazer jus ao benefício.

A luz do parágrafo segundo, do mesmo dispositivo legal, o enteado e o menor tutelado assim declarado pelo segurado e desde que comprovada a dependência econômica, equipara-se a filho. Porém, se possuírem bens suficientes para o seu próprio sustento, o benefício não será devido.

Caso o segurado tenha um filho nascido durante o seu recolhimento à prisão, terá direito ao benefício a partir do seu nascimento. Na existência de mais de um dependente, o benefício será dividido entre todos em partes iguais. Em se tratando de casamento, se o segurado contrair matrimônio durante o seu recolhimento à prisão, o auxílio-reclusão não será devido, tendo em vista a dependência posterior ao fato gerador.

Não obstante, a concessão do auxílio-reclusão não será adiada pela falta de habilitação de outro possível dependente. Em caso de habilitação tardia de outro dependente, este somente terá direito ao rateio a partir de sua inclusão como dependente.

Os dependentes do segurado, para fins previdenciários são agrupados e divididos em três classes distintas: I - são considerados dependentes de 1ª Classe: o cônjuge, companheiro (a), filhos menores de 21 anos (não emancipados) ou inválidos (de qualquer idade); II – na categoria de 2ª Classe entram os pais do segurado; III – como 3ª Classe estão incluídos o irmão menor de 21 anos (não emancipado) ou inválido (de qualquer idade). (Disponível em: <http://wwwprevidencia. gov.br/informaes-2/dependentes/>. Acesso em: 15 mai. 2013.

Se existindo dependente da 1ª classe, estes automaticamente excluirão os das classes subsequentes, ou seja, 2ª e 3ª, bem como havendo dependentes somente da 2ª, estes excluem os da 3ª.

No que tange a separação, a dependência dos cônjuges separados, judicialmente ou de fato, ou divorciados somente persistirá se o segurado vinha pagando pensão alimentícia ao seu ex-consorte. Caso contrário, se não houver pagamento de pensão, a presunção de dependência cessará.

Com a atual evolução da sociedade, no que se refere a companheirismo decorrente de relações homoafetivas, exige demonstração de vida em comum e a união estável deverá ser igualmente comprovada para que haja direito à percepção do benefício.

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3.6 COMPROVAÇÃO DE DEPENDÊNCIA

Para a concessão do benefício auxílio-reclusão, não basta somente ser dependente, é necessário que se comprove esta condição. Esta comprovação poderá ser feita por uma série de documentos, que por sua vez são exigidos de acordo com o tipo de dependente bem como sua classe de dependente.

Em outras palavras, existe para cada dependente, seja ele esposa (o), companheiro (a), filhos (as), enteado (a) ou menor tutelado, pais, e irmãos, bem como para cada tipo de contribuinte seja ele individual ou facultativo (a), segurado(a) empregado(a)/desempregado(a), empregado(a) doméstico(a) e segurado(a) especial - Trabalhador(a) Rural, uma série de documentos que deverão/poderão ser apresentados com a finalidade de comprovar a condição de dependente ou condição de segurado. Vejamos: Esposo (a) / Companheiro (a): 1) número de identificação do trabalhador – NIT (PIS/PASEP) ou número de inscrição do contribuinte individual/doméstico/facultativo/trabalhador rural, se possuir; 2) documento de identificação; 3) cadastro de pessoa física – CPF; 4) certidão de casamento civil, se esposo (a); 5) certidão de sentença que assegure direito à pensão alimentícia, se divorciado (a) ou separado (a) judicialmente; 6) prova de união estável, se companheiro (a), mediante apresentação de, no mínimo, três dos seguintes documentos (art. 22, § 3º do DC nº 3.048/99): a. declaração de imposto de renda do segurado, em que conste o interessado como seu dependente; b. disposições testamentárias; c. declaração especial feita perante Tabelião (escritura pública declaratória de dependência econômica); d. prova de mesmo domicílio; e. certidão de nascimento filho havido em comum; f. certidão de casamento religioso; g. prova de encargos domésticos evidentes e existência de sociedade ou comunhão nos atos de vida civil; h. procuração ou fiança reciprocamente outorgada; i. conta bancária conjunta; j. registro em associação de qualquer natureza onde conste o interessado como dependente do segurado; k. apólice de seguro na qual conste o segurado como instituidor do seguro e a pessoa interessada como sua beneficiária; l. ficha de tratamento em instituição de assistência médica da qual conste o segurado como responsável; m. escritura de compra e venda de imóvel pelo segurado em nome do dependente; n. quaisquer outros documentos que possam levar à convicção do fato a comprovar. Filhos (as): 1) certidão de nascimento;

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2) comprovação de invalidez atestada por exame médico-pericial a cargo do INSS, para os maiores de 21 (vinte e um) anos de idade (observar os demais requisitos a serem preenchidos pelo maior inválido) ; 3) documento de identificação, caso seja o requerente ou maior de 21 anos; 4) cadastro de pessoa física - CPF, caso seja o requerente; 5) declaração do requerente na qual conste que o dependente menor de 21 (vinte e um) anos de idade não é emancipado (a emancipação aqui referida não inclui aquela decorrente de colação de grau em ensino superior); 6) número de identificação do trabalhador – NIT (PIS/PASEP) ou número de inscrição do contribuinte individual/doméstico/facultativo/trabalhador rural, se possuir. Enteado (a) / Menor Tutelado (Filhos Equiparados) 7) número de identificação do trabalhador – NIT (PIS/PASEP) ou número de inscrição do contribuinte individual/doméstico/facultativo/trabalhador rural, se possuir; 8) cadastro de pessoa física – CPF; 9) enteado: certidão de casamento civil do(a) segurado(a) com o pai ou mãe do menor ou prova de união estável entre o(a) segurado(a) e o(a) pai ou mãe do menor (veja comprovação exigida para companheiro/união estável); 10) tutelado: certidão de tutela expedida pelo juiz competente em que conste o segurado como tutor e o dependente como tutelado; 11) certidão de nascimento do dependente e documento de identidade, se possuir (no caso do maior inválido, a apresentação de documento de identidade é obrigatória); 12) declaração de não emancipação do dependente menor de vinte e um anos, se for o caso (a emancipação aqui referida não inclui aquela decorrente de colação de grau em ensino superior); 13) comprovação de invalidez atestada por meio de exame médico-pericial a cargo do INSS, para os maiores de vinte e um anos de idade (observar os demais requisitos a serem preenchidos pelo maior inválido) ; 14) prova de dependência econômica do dependente para com o segurado, mediante apresentação de, no mínimo, três dos seguintes documentos: a. declaração de imposto de renda do segurado, em que conste o interessado como seu dependente; b. disposições testamentárias; c. declaração especial feita perante Tabelião (escritura pública declaratória de dependência econômica); d. prova de mesmo domicílio; e. anotação constante de ficha ou livro de registro de empregados; f. prova de encargos domésticos evidentes e existência de sociedade ou comunhão nos atos de vida civil; g. procuração ou fiança reciprocamente outorgada; h. conta bancária conjunta; i. registro em associação de qualquer natureza onde conste o interessado como dependente do segurado; j. apólice de seguro na qual conste o segurado como instituidor do seguro e a pessoa interessada como sua beneficiária; k. ficha de tratamento em instituição de assistência médica da qual conste o segurado como responsável; l. escritura de compra e venda de imóvel pelo segurado em nome do dependente; m. declaração de não emancipação do dependente menor de vinte e um anos; n. quaisquer outros documentos que possam levar à convicção do fato a comprovar. Pais:

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1) declaração de inexistência de dependentes preferenciais, firmada perante o INSS; 2) certidão de nascimento do(a) segurado(a) 3) documento de identificação do dependente; 4) número de identificação do trabalhador – NIT (PIS/PASEP) ou número de inscrição do Contribuinte Individual/Doméstico/Facultativo/Trabalhador Rural, se possuir; 5) cadastro de pessoa física – CPF; 6) prova de dependência econômica do dependente para com o segurado, mediante apresentação de, no mínimo, três dos seguintes documentos: a. declaração de imposto de renda do segurado, em que conste o interessado como seu dependente; b. disposições testamentárias; c. declaração especial feita perante Tabelião (escritura pública declaratória de dependência econômica); d. prova de mesmo domicílio; e. prova de encargos domésticos evidentes e existência de sociedade ou comunhão nos atos de vida civil; f. procuração ou fiança reciprocamente outorgada; g. conta bancária conjunta; h. registro em associação de qualquer natureza onde conste o interessado como dependente do segurado; i. apólice de seguro na qual conste o segurado como instituidor do seguro e a pessoa interessada como sua beneficiária; j. ficha de tratamento em instituição de assistência médica da qual conste o segurado como responsável; k. escritura de compra e venda de imóvel pelo segurado em nome do dependente; l. declaração de não emancipação do dependente menor de vinte e um anos; m. quaisquer outros documentos que possam levar à convicção do fato a comprovar. Irmãos (ãs): 1) declaração de inexistência de dependentes preferenciais; 2) certidão de nascimento do(a) segurado(a) e do dependente; 3) documento de identificação do dependente; 4) número de identificação do trabalhador – NIT (PIS/PASEP) ou número de inscrição do contribuinte individual/doméstico/facultativo/trabalhador rural, se possuir; 5) cadastro de pessoa física – CPF; 6) declaração de não emancipação para o menor de vinte e um anos de idade, se for o caso (a emancipação aqui referida não inclui aquela decorrente de colação de grau em ensino superior); 7) comprovante de invalidez atestada por meio de exame médico-pericial a cargo do INSS, para os maiores de vinte e um anos de idade; 8) prova de dependência econômica do dependente para com o segurado, mediante apresentação de, no mínimo, três dos seguintes documentos: a. declaração de imposto de renda do segurado, em que conste o interessado como seu dependente; b. disposições testamentárias; c. declaração especial feita perante Tabelião (escritura pública declaratória de dependência econômica); d. prova de mesmo domicílio; e. prova de encargos domésticos evidentes e existência de sociedade ou comunhão nos atos de vida civil;

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f. procuração ou fiança reciprocamente outorgada; g. conta bancária conjunta; h. registro em associação de qualquer natureza onde conste o interessado como dependente do segurado; i. apólice de seguro na qual conste o segurado como instituidor do seguro e a pessoa interessada como sua beneficiária; j. ficha de tratamento em instituição de assistência médica da qual conste o segurado como responsável; k. escritura de compra e venda de imóvel pelo segurado em nome do dependente; l. declaração de não emancipação do dependente menor de vinte e um anos; m. quaisquer outros documentos que possam levar à convicção do fato a comprovar. Contribuinte Individual e Facultativo(a): 1) número de identificação do trabalhador –NIT (PIS/PASEP) ou número de inscrição do contribuinte individual/facultativo; 2) documento de identificação (Carteira de Identidade, Carteira de Trabalho e Previdência Social ou outro); 3) documento que comprove o efetivo recolhimento à prisão, emitido por autoridade competente e que deverá ser renovado a cada trimestre; 4) menor recluso: certidão do despacho de internação e atestado de efetivo recolhimento a órgão subordinado ao Juiz da Infância e da Juventude; 5) cadastro de pessoa física – CPF. Segurado(a) Empregado(a)/Desempregado(a): 1) número de identificação do trabalhador – NIT (PIS/PASEP); 2) documento que comprove o efetivo recolhimento à prisão, emitido por autoridade competente, que deverá ser renovado a cada trimestre; 3) menor recluso: certidão do despacho de internação e atestado de efetivo recolhimento a órgão subordinado ao Juiz da Infância e da Juventude; 4) documento de identificação (Carteira de Identidade, Carteira de Trabalho e Previdência Social, entre outros); 5) cadastro de pessoa física – CPF; 6) declaração da empresa a qual o segurado estiver vinculado (se empregado) que comprove que o segurado não está recebendo remuneração da mesma. Empregado(a) Doméstico(a): 1) número de identificação do trabalhador –NIT (PIS/PASEP) ou número de inscrição do contribuinte individual/empregado-doméstico; 2) documento de Identificação (Carteira de Identidade, Carteira de Trabalho e Previdência Social, entre outros); 3) documento que comprove o efetivo recolhimento à prisão, emitido por autoridade competente, que deverá ser renovado a cada trimestre; 4) menor recluso: certidão do despacho de internação e atestado de efetivo recolhimento a órgão subordinado ao Juiz da Infância e da Juventude; 5) cadastro de pessoa física - CPF; Documentos complementares, quando necessários para a regularização dos dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais –CNIS: 6) todos os comprovantes de recolhimento à Previdência Social (guias e carnês de recolhimento); Segurado(a) Especial - Trabalhador(a) Rural: 1) número de identificação do trabalhador –NIT (PIS/PASEP) ou número de inscrição do contribuinte individual/Segurado Especial-Trabalhador Rural;

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2) documento de Identificação (Carteira de Identidade, Carteira de Trabalho e Previdência Social, entre outros); 3) documento que comprove o efetivo recolhimento à prisão, emitido por autoridade competente, que deverá ser renovado a cada trimestre; 4) menor recluso: certidão do despacho de internação e atestado de efetivo recolhimento a órgão subordinado ao Juiz da Infância e da Juventude; 5) cadastro de pessoa física – CPF. (Disponível em: <http://www .previdencia.gov.br/informaes-2/dependentes/>. Acesso em: 15 mai. 2013). 3.7 VALOR MENSAL DO BENEFÍCIO

Atualmente, terão direito os dependentes dos segurado que tenha renda familiar igual ou inferior a R$ 971,78, valor este fixado a partir de 1º de janeiro de 2013, pela Portaria nº 15, de 10/01/2013. Esta portaria em seu artigo primeiro determinou que os benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) serão reajustados, a partir de 1º de janeiro de 2013, em 6, 20% (seis inteiros e vinte décimos por cento). Mais adiante, no artigo terceiro, a referida portaria estabelece que a partir de 1º de janeiro de 2013, não terão valores inferiores a R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais), os benefícios de prestação continuada, pagos pelo INSS correspondentes a aposentadorias, auxílio-doença, auxílio-reclusão (valor global) e pensão por morte (valor global).

Com isso, o artigo quinto da referida portaria trouxe de forma especifica e taxativa o valor a ser considerado para percepção do auxílio pelos beneficiários do segurado preso para o ano de 2013, in verbis:

Art. 5º O auxílio-reclusão, a partir de 1º de janeiro de 2013, será devido aos dependentes do segurado cujo salário de contribuição seja igual ou inferior a R$ 971,78 (novecentos e setenta e um reais e setenta e oito centavos), independentemente da quantidade de contratos e de atividades exercidas. § 1º Se o segurado, embora mantendo essa qualidade,não estiver em atividade no mês da reclusão, ou nos meses anteriores, será considerado como remuneração o seu último salário de contribuição. § 2º Para fins do disposto no § 1º, o limite máximo do valor da remuneração para verificação do direito ao benefício será o vigente no mês a que corresponder o salário de contribuição considerado. (BRASIL. 2013,p. 2).

A tabela a seguir demonstra de forma clara a evolução do valor para verificação do auxílio-reclusão para dependentes do segurado preso, a partir de 2004: PERÍODO;SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO TOMADO EM SEU VALOR MENSAL A partir de 1º/01/2013 R$ 971,78 – Portaria nº 15, de 10/01/2013 A partir de 1º/01/2012 R$ 915,05 – Portaria nº 02, de 06/01/2012 A partir de 15/07/2011 R$ 862,60 – Portaria nº 407,de 14/07/2011 A partir de 1º/01/2011 R$ 862,11 – Portaria nº 568,de 31/12/2010 A partir de 1º/01/2010 R$ 810,18 – Portaria nº 333,de 29/06/2010 A partir de 1º/01/2010 R$ 798,30 – Portaria nº 350,de 30/12/2009 De 1º/2/2009 a 31/12/2009 R$ 752,12 – Portaria nº 48, de 12/2/2009 De 1º/3/2008 a 31/1/2009 R$ 710,08 – Portaria nº 77, de 11/3/2008 De 1º/4/2007 a 29/2/2008 R$ 676,27 – Portaria nº 142, de 11/4/2007 De 1º/4/2006 a 31/3/2007 R$ 654,61 – Portaria nº 119, de 18/4/2006

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De 1º/5/2005 a 31/3/2006 R$ 623,44 – Portaria nº 822, de 11/5/2005 De 1º/5/2004 a 30/4/2005 R$ 586,19 – Portaria nº 479, de 7/5/2004 De 1º/6/2003 a 31/4/2004 R$ 560,81 – Portaria nº 727, de 30/5/2003 Fonte: Disponível em: <http://www.epresario.com.b/legislacao/edicoes/2013/2702_pagamento_auxil io.h tml>, Acesso em: 21 mai 2013.

Muitos confundem o valor para definição de baixa renda com o valor máximo a ser devido ao auxílio-reclusão, o valor de R$ 971,78 é apenas o valor utilizado como critério definidor da baixa renda e não o valor do benefício. 3.8 CESSAÇÃO E SUSPENSÃO DO AUXÍLIO-RECLUSÃO

Existem diversas situações nas quais o pagamento do auxílio-reclusão será suspenso.

Os casos de cessação e suspensão mais conhecidos se dão com a liberdade do recluso ou progressão de pena para o regime aberto e com a fuga do presídio, situação esta em que o pagamento será suspenso.

Contudo podemos citar várias outras possibilidades em que o benefício poderá ser cessado ou suspenso. 3.8.1 Cessação do benefício a) com a extinção da última cota individual; b) se o segurado, ainda que privado de sua liberdade ou recluso passar a receber aposentadoria; c) pela morte do detento. Neste caso, o benefício será substituído pela pensão por morte; d) pela soltura do segurado; e) pela emancipação do dependente ou quando completar 21 anos de idade, salvo se inválido, no caso de filho, equiparado ou irmão, de ambos os sexos, ou seja, pela perda da qualidade de dependente;

No caso de perda da qualidade de dependente, caso haja mais de um beneficiário do auxílio-reclusão, o valor da respectiva cota-parte será revertida em favor dos demais. f) em se tratando de dependente inválido, pela cessação da invalidez, verificada em exame médico pericial a cargo do INSS. 3.8.2 Suspensão do benefício a) no caso de fuga do segurado; b) se o segurado, ainda que privado de liberdade passar a receber auxílio-doença; c) quando o dependente deixar de apresentar atestado trimestral, firmado pela autoridade competente, para prova de que o segurado permanece recolhido à prisão; d) quando o segurado deixar a prisão por livramento condicional ou progressão para o regime aberto (art. 300, IN 118/05).

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No caso de fuga, se houver recaptura do segurado, o benefício é restabelecido a contar da data em que esta ocorrer, sem efeito retroativo, desde que esteja ainda mantida a qualidade de segurado. Se for capturado após o período de graça que é de 12 meses, conforme veremos adiante, o benefício somente será concedido novamente aos seus dependentes se o detento tiver exercido atividade remunerada durante o período de fuga, dada a condição de segurado obrigatório, ou, se tiver contribuído como segurado facultativo. 3.8.3 Perda da qualidade de dependente 1) pelo óbito; 2) pela emancipação ou implemento de 21 anos de idade, salvo se inválido; 3) pela cessação da invalidez, constatada por médico-perito do INSS, em caso de dependente inválido.

O auxílio-reclusão será extinto quando o último dependente perder essa qualidade.

Não obstante, o segurado recluso que contribuir como contribuinte individual ou facultativo venha a falecer, o valor da pensão por morte devida a seus dependentes será obtido mediante a realização de cálculo, com base nos novos salários de contribuição correspondentes.

Nestes cálculos já estarão incluídas as contribuições feitas pelo segurado enquanto estava recluso, pois os pagamentos efetuados pelo segurado serão levados em consideração para o cálculo da pensão por morte. Porém fica facultado aos dependentes a opção pelo valor do auxílio-reclusão, caso esse seja superior ao benefício da pensão, conforme previsão do art. 2º, § 2º, Lei 10.666/03. 3.9 CARÊNCIA DO AUXÍLIO-RECLUSÃO

“Por carência, podemos dizer que é o número mínimo de contribuição indispensável que o trabalhador precisa comprovar para fazer jus a um benefício previdenciário”. (TSUTIYA, 2010, p. 242).

Cada benefício, bem como cada qualidade de beneficiário, deve ter certa quantidade de contribuições para receber o benefício solicitado, bem como existe diversos benefícios que independem de carência.

Sabemos que existem diversos tipos de contribuintes, quais sejam: os empregados, trabalhador rural, avulso, autônomo, individual, doméstica e facultativo. E em cada situação de contribuinte bem como para cada beneficio existe ou inexiste período de carência.

A Lei 8.213/91, mais especificamente em seu art. 24, nos traz uma definição legal do que é período de carência, qual seja: o tempo correspondente ao número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, in verbis: art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências. (BRASIL. 1991, p. 11).

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No benefício de auxílio-reclusão, sabemos que não é devido ao segurado, mas sim aos seus dependentes. Com isso, há de se dizer inicialmente que a concessão do benefício de auxílio-reclusão independe do período de carência, ou seja, não há tempo mínimo de contribuição para o direito à concessão do benefício, sendo necessária somente a comprovação da condição de segurado pelo Recluso/detido e o preenchimento dos requisitos básicos à concessão.

Ora, a finalidade do auxílio-reclusão é garantir condições mínimas de sobrevivência aos dependentes do segurado preso ou recluso. Caso esse houvesse um período de carência, mesmo que mínimo, e o segurado fosse preso antes de completar a carência exigida para percepção do benefício, sua família restaria desamparada, não atendendo desta forma o objetivo social do benefício.

Em outras palavras, seria mais lógico e razoável que não haja período de carência para este tipo de benefício. 3.10 PERÍODO DE GRAÇA

Graça é o período que o segurado se mantém na condição de segurado, por determinado tempo, mesmo sem realizar nenhuma contribuição. Isto significa que, relativamente ao auxílio-reclusão, caso o segurado esteja desempregado ao tempo de sua prisão, este permanecerá tendo direito ao auxílio-reclusão, desde que a prisão aconteça no período de graça, conforme estabelece o art. 15, II da Lei 8.213/91: art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições: II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração; III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação,o segurado acometido de doença de segregação compulsória; IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso; V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar; VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo. (BRASIL, 1991, p. 7)

Com relação ao auxílio-reclusão, o último salário de contribuição do segurado será o critério para que se verifique sua condição de baixa renda ou não.

Os prazos do período de graça, em que o segurado mantém sua qualidade como tal, que podem ser de três, seis, doze, vinte e quatro ou trinta e seis meses, de acordo com o esboçado pelo art. 15 da Lei n. 8.213/91 e observando-se as especificidades de cada caso.

A prorrogação do período de graça pode ocorrer em duas hipóteses, quais sejam: quando o segurado contar com mais de 120 contribuições ininterruptas à Previdência Social e quando o segurado estiver desempregado. Em ambos os casos, a prorrogação do período de graça é de doze meses, podendo ser cumulada no caso em que o segurado estiver desempregado e contar com mais de 120 contribuições ininterruptas à Previdência Social, hipótese em que o segurado gozará de um período de graça de 36 meses.

Tal afirmação encontra amparo nos §§ 1º e 2º do art. 15 da Lei n. 8.213/91, sendo: art. 15 (...) § 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro)

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meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. § 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social. (BRASIL.1991, p. 7).

Assim, podemos dizer que no que se refere ao período de graça, temos vários prazos de graça e variam de acordo com o beneficio e com aqualidade de contribuinte do segurado.

Além dos prazos citados acima, o contribuinte individual se mantém segurado sem limite de prazo quem está em gozo de benefício, por até 03 meses após o licenciamento, quando incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar e até 12 meses após o livramento, quando tiver sido preso.

Já no caso do segurado-facultativo esses prazos são reduzidos, uma vez que se mantém segurado por: • até 6 meses depois que deixa de contribuir para a Previdência Social; • até 12 meses depois da cessação de qualquer benefício por incapacidade; • até 03 meses após o licenciamento, quando incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar; • até 12 meses após o livramento, quando tiver sido preso.

No caso de fuga, como visto anteriormente, o tempo em que o segurado permanecer foragido, sem efetuar nenhuma contribuição, será deduzido do seu período de graça.

O § 4º do dispositivo legal acima transcrito, traz uma situação peculiar, referente à perda da qualidade de segurado com o término do respectivo período de graça, in verbis: art. 15 (...) § 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos. (BRASIL, 1991, p. 7).

Isto quer dizer que, ao terminar o período de graça, o segurado, independente de sua qualidade, terá 45 dias para realizar nova contribuição e assim não perder a qualidade de segurado. 3.11 CÁLCULO DO AUXÍLIO-RECLUSÃO

Como já mencionado anteriormente, o valor do auxílio-reclusão corresponde a 100% o salário de benefício. O salário de benefício de acordo com o art. 29 da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 9.876/99, corresponderá à média dos 80% maiores salários de contribuição do período contributivo, a contar de julho de 1994.

É sabido que o salário de benefício (SB) e o salário de contribuição (SC) são as bases de cálculo dos benefícios e das contribuições do INSS. O que ainda não foi mencionado é a forma pela qual é realizado o cálculo para saber o valor do SB, bem como o que vem a ser SC.

O salário de contribuição é necessariamente o salário do trabalhador, desde que observado o teto previdenciário de R$ 4.159,05. Já o salário de benefício é a média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo período contributivo.

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Exemplificando, o que foi mencionado acima, no cálculo do SB em contribuição de 180 meses (por exemplo), aproveitaremos as 144 maiores contribuições mensais, que equivalem a 80%, somaremos seus valores e o resultado obtido será dividido por 144.

Sobre o SC pode ser aplicada uma alíquota que pode ser de 8, 9 ou 11 por cento, em alguns benefícios e assim se obtém a contribuição mensal do empregado.

Caso o salário de contribuição seja de R$ 4.200,00 mensais, fato este não se encaixaria na condição de baixa renda; contudo se o último salário de contribuição, antes do recolhimento à prisão, for de R$ 800,00 este entraria perfeitamente no rol de baixa renda e assim galgaria o direito ao benefício. Destarte ao realizar o SB com a média dos 80% dos maiores salários, o valor do benefício alcançaria perfeitamente o teto da previdência.

A verdade é que o valor de R$ 971,78, limite estabelecido no art. 5º da Portaria nº 15, de 10/01/2013, não é o teto do benefício auxílio-reclusão, esse teto somente serve para apurar o reconhecimento do direito ao benefício. Uma vez reconhecido, o valor pago será a média dos salários e, se antes o recluso recebia valores altos, a média vai ser alta, porém deve respeitar o teto máximo pago nos demais benefício (hoje, em torno de R$ 4.159,08). Em outras palavras, o valor pago será o mesmo que o segurado receberia se fosse o benefício de aposentadoria. 4 AUXÍLIO-RECLUSÃO – JUSTIÇA OU INJUSTIÇA?

Quando falamos que o segurado preso não recebe qualquer benefício, pois este é pago para seus dependentes legais, cujo objetivo principal é garantir a sobrevivência do núcleo familiar, diante da ausência temporária do provedor do seu sustento, fica evidente uma situação nobre, visando em foco primordial à proteção da família do preso, pois, em tese, esta em nada contribuiu para o delito do segurado.

Contudo, tal situação enseja uma série de indignações e frustrações por parte da sociedade, que por sua vez desconhece o conceito do benefício, acreditando que se o segurado tiver uma família com quatro dependentes, o que é comum nas famílias carentes, receberia como auxílio uma quantia maior que o salário da maioria dos trabalhadores do país.

Partindo desta premissa, seria extremamente vantajoso para um cidadão chefe de uma família numerosa, que por sua vez possui uma baixa renda laboral para mantê-la, cometer um crime e ir para a prisão, pois assim poderia sustentar sua família através de um salário consideravelmente bom, salário este que, de outro modo, jamais receberia trabalhando de forma honesta.

Existem diversos e-mails que dão conta do absurdo, na maioria dos casos com a seguinte redação: “o Brasil dá uma bolsa-marginal ao criminoso preso que tiver filhos.

Bandido com cinco filhos, além de comer e beber nas costas de quem trabalha, e comandar o crime de dentro das prisões, ainda recebe auxílio de R$ 3.763,55”, (informa o texto vigente na época). (GAZETA DO POVO, 2011, p. 1). Quase na velocidade da luz, os boatos se espalharam pelo mundo cibernético e não tardou para que as críticas aparecessem.

Com isso, surgiram diversas campanhas difamatórias do auxílio-reclusão. No final da década de 2000, a legitimidade do benefício foi contestada na internet por uma corrente de e-mails que foi amplamente difundida. Em tom odioso e exaltado, a

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mensagem conclamava a população a se rebelar contra o pagamento do auxílio, utilizando como base de suas argumentações diversas falácias. O e-mail dava a entender que o benefício seria pago diretamente a qualquer preso, informando erroneamente que seu valor é multiplicado conforme o número de filhos deste, podendo alcançar somas que chegariam a 4.000 reais. 4.1 AUXÍLIO-RECLUSÃO – INJUSTIÇA SOCIAL

Há doutrinadores que são totalmente contra este famigerado benefício. A título de exemplo, podemos citar o doutrinador Sérgio Pinto Martins, que se mostrou totalmente contra o beneficio: eis um benefício que deveria ser extinto, pois não é possível que a pessoa fique presa e ainda a sociedade como um todo tenha de pagar um benefício à família do preso, como se este tivesse falecido. De certa forma, o preso é que deveria pagar por se encontrar nesta condição, principalmente por roubo, furto, tráfico, homicídio etc. (2005, p. 414).

Ainda hoje existem diversas dúvidas da população com relação a este tema, pois muitos acham se tratar de uma questão de patente injustiça social.

Pensamentos desta natureza levaram o Senador Alfredo Nascimento (PR-AM) a propor, no início deste mês de junho de 2013, o fim do auxílio-reclusão. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2013 retira o auxílio-reclusão dos benefícios previdenciários elencados no art. 201 da Constituição. A PEC aguarda designação de relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

Em junho deste ano, a extinção do auxílio-reclusão foi mencionada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, como ponto que deveria constar da pauta prioritária definida em acordo com líderes partidários.

Nas redes sociais, o assunto gera polêmica, com o auxílio sendo chamado de “bolsa reclusão” e “bolsa-bandido” e tratado como uma “indenização ao criminoso” - como se fosse pago a todos que cometeram crimes. Sendo esta uma visão distorcida do que realmente vem a ser a real finalidade social do benefício.

Na justificativa do projeto, Alfredo Nascimento (2013, p. 1) cita “protestos enfurecidos” de brasileiros e afirma que, para a sociedade, é difícil aceitar a concessão do benefício a quem cometeu um crime. Para ele, acabar com o benefício pode “desonerar a Previdência Social de um encargo que se mostra, pela conjuntura atual, indevido e injusto”.

Dados estes que foram publicados no dia 25 de julho de 2013, no site do Senado. Na verdade, o fato mais intrigante é que o contribuinte para aposentar-se

tem que contribuir por longos 35 anos e ainda ter idade mínima. Como o auxílio-reclusão não possui carência, o segurado pode contribuir um só mês, praticar um homicídio qualificado e em decorrência disso ser condenado por 20 anos, e assim seus dependentes recebem o auxílio por 20 anos, mesmo que só tenha contribuído um mês e esteja no período de graça.

Outra situação que enseja revolta é o caso do trabalhador rural, que mesmo não contribuindo facultativamente também tem direito ao ovacionado auxílio, no valor equivalente a um salário mínimo.

Há pessoas que acreditam que isso se trata de uma apologia ao crime, uma vez que ganha mais um preso do que um trabalhador de bem, assalariado com um salário mínimo. Não devemos nos esquecer das despesas do arcabouço penitenciário, onde o detento tem casa, comida e banhos de sol.

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4.2 AUXÍLIO-RECLUSÃO – JUSTIÇA SOCIAL

Podemos de forma sucinta dizer que este benefício tem por principal finalidade o princípio da proteção à família, pois se o segurado está preso, impedido de trabalhar, a família tem o direito de receber o benefício para o qual ele contribuiu, pois está dentro da relação de benefícios oferecidos pela Previdência no ato da sua inscrição no sistema. Portanto, o benefício é regido pelo direito que a família tem sobre as contribuições do segurado feitas ao Regime Geral da Previdência Social.

A grande questão que se verifica, no que tange à justiça ou à injustiça social, não está no fato da existência em si do benefício, mas sim nas condições em que é devido aos dependentes.

A verdadeira injustiça está no critério baixa renda, pois como já mencionado em capítulos anteriores, mesmo que o segurado perceba um salário vultuoso ao ser recolhido à prisão e deixar de receber, será realizado o cálculo sobre o seu último salário de contribuição, para desta forma verificar se seus dependentes se encaixam na condição de baixa ou não.

O que não foi observado pelo legislador, daí então a justificativa primordial para a inconstitucionalidade do art. 13 da EC 20/98, é que após o recolhimento, a família do segurado será em diversos casos ceifada da sua única fonte de subsistência, podendo consequentemente ficar em situações piores que a família de um segurado de baixa renda que recebe o auxílio-reclusão, mesmo sendo de valor mínimo previdenciário, ou seja, um salário mínimo.

Não obstante, ficaria em situação similar o trabalhador que recebia baixa remuneração, enquadrando seus dependentes perfeitamente na condição de baixa renda, e que por ocasião de uma eventual reclusão em um mês que recebesse férias ou 13º salário, seus dependentes não farão mais jus ao benefício, devido a sua contribuição daquele mês ser superior ao considerado “baixa renda”.

Há ainda de se falar naqueles segurados que seu salário de contribuição excede o limite previsto para a classificação de baixa renda, que é de R$ 971,78, por questão de dezenas de reais e com isso perdem o direito ao benefício.

Destarte, conclui-se a questão da injustiça aplicada à baixa renda com o pensamento nobre de Hélio Gustavo Alves que: se extinto ou reduzido este benefício previdenciário pela baixa renda, ocorrerá um retrocesso social. O auxílio reclusão é uma prestação previdenciária de fundamental importância nas relações sociais, pois sua concessão faz com que se evite um caos tanto para a família do segurado quanto para o País, pois se suprimido esse importante benefício, muitos dependentes teriam que partir, seja de qual forma for, legal ou ilegal, para trazer o que comer, e sabemos que a hipótese mais provável é, infelizmente, o aumento da criminalidade pelo fato da genitora ter que trabalhar e os menores ficarem sem a devida base educacional, ficando à mercê do mundo. (2007, p. 118).

Ainda há que se mencionar que o instituto em tela atende ao comando do art. 226 da CF, o qual prevê “especial proteção” à família por parte do Estado. Na seara previdenciária, a família é protegida por meio dos benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão. Em ambos, o risco social atendido é a perda da fonte de subsistência do núcleo familiar. Na primeira hipótese, em razão do óbito do segurado e na segunda, por ocasião de sua detenção prisional. Sendo assim, o auxílio-reclusão é prestação

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pecuniária, de caráter substitutivo, destinado a suprir, ou pelo menos minimizar, a falta do provedor às necessidades econômicas dos dependentes.

Não obstante, além de proteger a instituição familiar, o benefício em análise está também amparado pelo art. 5º, XLV, da Constituição Federal, o qual traz a seguinte redação: Art. 5º (...) XLV - Nenhuma pena passará da pessoa condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido. (BRASIL, 1988, p. 4).

É sabido que o condenado deve arcar com as consequências de seu delito. No entanto, esta responsabilidade não pode de forma alguma se estender aos seus familiares, pois não bastasse o sofrimento da família em ser privada do convívio do recluso, em razão de evento para o qual não concorreu, a prisão do segurado pode gerar toda uma série de consequências econômicas para seus dependentes.

Há de se dizer ainda que tal instituto também encontra consonância com o princípio da dignidade humana, prevista no art. 1º, inciso III, como o compromisso de erradicação da pobreza, elencado no art. 3º e no princípio da solidariedade social.

Dessa forma, podemos dizer que o benefício de auxílio-reclusão, não observado apenas sua previsão legal, há de se valer no amparo e sustentação nos princípios da proteção à família, individualização da pena, solidariedade social, dignidade humana e erradicação da pobreza. CONCLUSÃO

Diante do que vimos ao longo desta pesquisa, podemos de forma clara e consciente concluir que o auxílio-reclusão é devido nas mesmas condições da pensão de morte, encontra amparo nos princípios da proteção à família, individualização da pena, solidariedade social, dignidade humana e erradicação da pobreza. É considerado medida de realização de justiça social, porque impede que a pena imposta ao condenado e com isso, visa atender ao risco social da perda da fonte de renda familiar, em razão da prisão do segurado, e tem por destinatários os dependentes do recluso.

Observamos as três classes de segurados e os documentos necessários para a comprovação da condição de dependente, bem como a solicitação do benefício. Para os dependentes ou até mesmo para o segurado, ao realizar o pedido de auxílio-reclusão, é necessário apresentar certidão do efetivo recolhimento do segurado a prisão. O beneficio será mantido enquanto o segurado permanecer detento ou recluso, devendo como medida de controle apresentar trimestralmente um atestado para comprovar que o segurado continua detido ou recluso.

É também sabido que o auxílio-reclusão tem por escopo substituir a renda do segurado recolhido à prisão, e que seu valor corresponderá a 100% do salário de benefício, para dependentes dos segurados que tenham renda mensal igual ou inferior a R$ 971,78.

Os casos de cessação e suspensão mais conhecidos se dão com a liberdade do recluso ou progressão de pena para o regime aberto, com a morte do segurado, com a fuga do presídio ou perda da qualidade de dependente.

Observamos ainda que é inconstitucional a restrição da concessão do benefício aos dependentes de baixa renda do segurado, em razão da aplicação do princípio da isonomia.

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Fator este que denota a real injustiça com relação às condições de recebimento do benefício.Por conta da importância social de referida prestação previdenciária é que o limite instituído pela baixa renda não deve prevalecer, por restringir o recebimento do benefício e delimitar seu campo de abrangência.

Como foi demonstrada, a jurisprudência tem concedido o benefício adotando como critério para auferir a baixa renda os valores referentes ao dependente do segurado, e não do segurado propriamente dito, aumentando assim o campo de abrangência do auxílio-reclusão.

Contudo, é necessária a existência do auxílio-reclusão como um direito constitucionalmente devido aos dependentes do segurado recluso, em razão de seu importante papel como medida de realização de justiça social, valendo-se no amparo e sustentação dos princípios da proteção à família, individualização da pena, solidariedade social, dignidade humana e erradicação da pobreza.

Destarte, este não é um benefício injusto e nem inconstitucional, como muitos leigos consideram, pois foi criado de forma legal e com finalidade de atender, Além daqueles, um dos princípios constitucionais fundamentais, o princípio da dignidade da pessoa humana e também a construção de uma sociedade justa e solidária. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 01. ALVARENGA, Rúbia Zanotelli. Auxílio-Reclusão: Um direito humano e fundamental dos dependentes do segurado recolhido a prisão. Disponível em: <http://www.jurisite.com.br/doutrinas/Previdenciaria/doutprevid19.html>. Acesso em: 24 out. 2013. 02. ALVES, Hélio Gustavo. Auxílio-Reclusão. Direitos dos presos e de seus familiares. São Paulo: LTr, 2007. 03. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 08 set. 2013. 04. BRASIL. Decreto n. 4.729, de 9 de junho de 2003. Altera dispositivos do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4729.htm>. Acesso em: 11 nov. 2013. 05. BRASIL. Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999. Regulamento da Previdência Social. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm>. Acesso em: nov. 2013. 06. BRASIL. Emenda Constitucional nº 20 de 15 de dezembro de 1998. Modifica o sistema de previdência social, estabelece normas de transição e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc20.htm>. Acesso em: out. 2013.

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ADOÇÃO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS BRASILEIRAS POR ESTRANJEIROS NÃO RESIDENTES NO PAÌS

Acadêmuca = JANE MARIA SILVA ASSUNÇÃO

Docente = ALESSANDRO ROGÉRIO GOBBI RESUMO: A pesquisa discorre o instituto de adoção no internacional destacando que embora exista no Brasil um grande número de crianças a espera da adoção e de casais querendo adotá-las, o índice de crianças sem família ainda é gigantesco devido ao processo burocrático que os casais têm que enfrentar a fim de se adequar ao perfil exigido pela legislação brasileira. O instituto da adoção tem por finalidade dar filhos àqueles que não puderam tê-los naturalmente; ou dar pais àqueles que estão desamparados. No estudo da espécie, os doutrinadores relatam que foram introduzidas modificações no regime jurídico, levando à duplicação do instituto do parentesco civil, dividido em adoção propriamente dita ou simples e a legitimação adotiva ou adoção plena. Nesses termos existe também a adoção internacional sendo que esta tem sido estudada sob pontos de vista divergentes entre aqueles que concordam e os que não concordam com a adoção de uma criança por um casal de estrangeiro, já que dentro do Brasil também existe uma longa lista de casais que também aguardam pela oportunidade de adotar uma criança. O estudo em questão traz ao centro de discussões tema de grande relevância, já que urge a necessidade de se encontrar famílias para crianças destituídas de carinho e apoio. É uma pesquisa de caráter bibliográfico cujo aporte teórico são obras, artigos e legislações referentes ao tema proposto. Palavras-chave: instituto da adoção, legislação brasileira, família substituta. ABSTRACT: The research discusses the institute of international adoption in highlighting that although there is in Brazil a large number of children awaiting adoption and couples wanting to adopt them, the rate of children without family still is huge due to the bureaucratic process that couples have to address in order to fit the profile required by Brazilian law. The institute aims at adopting those children who could not have them naturally, or give parents those who are helpless. In the study of the species, the scholars report that changes were introduced in the legal system, leading to duplication of the Institute of Civil kinship, adoption itself divided into simple or adoptive legitimation or adoption and full. In these terms there is also international adoption and this has been studied from different points of view between those who agree and those who disagree with the adoption of a child by a foreign couple, since within Brazil there is also a long list of couples who await the opportunity to adopt a child . This study brings the center of discussion topic of great relevance, since there is an urgent need to find families for children deprived of affection and support. It is a bibliographic research which are theoretical works, articles and legislation concerning the proposed topic. Keywords: adoption institute, brazilian legislation, surrogate family

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INTRODUÇÃO

O processo de adoção no Brasil se finda com uma sentença constitutiva emanada do Poder Judiciário, e não com a simples homologação do concurso de vontades das partes envolvidas, não sendo puramente um ato jurídico. Por haver forte participação do Estado no procedimento, pode-se classificar a adoção como instituição de Direito de Família. A natureza do instituto é híbrida, pois embora haja a manifestação de vontade das partes, estas não têm liberdade para regularizar seus efeitos, ficando estes pré-determinados pela lei. No momento de formação do ato adotivo dá-se um contrato de Direito de Família; quando intervém o juiz, revela-se a face institucional da adoção, constituída por sentença, que lhe dá solenidade, estrutura e projeta seus efeitos.

À luz da realidade brasileira, pode-se dizer que as adoções reguladas pelo

Código Civil têm uma natureza contratual, em razão de sua solenidade e a bilateralidade na manifestação da vontade das partes. Já a adoção disciplinada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, por primar pela participação do Estado, adquire um caráter de instituição pública, afastando-se totalmente de uma ótica privatista. Ademais, a deliberada manifestação das partes contratantes submete-se ao Estado, imbuído de poder para indeferir ou conceder a adoção.

O processo de adoção de crianças no Brasil já foi muito complexo, demorado

e burocrático. Atualmente, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente e com o pleno funcionamento do Juizado da Infância e da Juventude, principalmente nas capitais e nas grandes comarcas, tudo ficou mais simples, mais rápido e funcionando com especiais medidas de segurança para todas as partes envolvidas.

Os Juizados da Infância e da Juventude possuem uma Seção de Colocação

em Família Substituta cuja função é prestar informações para as pessoas que desejarem conhecer, em maior profundidade, todos os passos para a adoção de crianças. No entanto, sabe-se que os programas oficiais de auxílio referidos no Estatuto da Criança e do Adolescente - art. 23 até hoje não saíram do papel. Crianças abandonadas e filhas de famílias carentes são internadas em abrigos e casas-lares e, em geral, lá permanecem por muito tempo ou, até mesmo, indefinidamente. Entretanto, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, o objetivo dessas instituições seria o de acolher as crianças e adolescentes que estão passando por uma situação de risco apenas momentaneamente, enquanto tentar-se-ia resgatar o vínculo desse menor com sua família.

Para adotar uma criança institucionalizada, é necessário que os pais sejam

destituídos de pátrio-poder. Contudo, esses têm direito de defesa e podem se negar a entregar seu filho para adoção, uma vez que não se trata de menor abandonado, mas sim, de menor carente. Os pais, muitas vezes, não concordam com a colocação do filho em família substituta e costumam alegar que ele só está internado no abrigo ou casa-lar por questões financeiras.

A adoção de nascituro era permitida na vigência do Código Civil de 1916, posto

que possível fosse a adoção por meio de escritura pública. Prescrevia o mencionado Diploma: art. 372: “Não se pode adotar sem o consentimento do adotado ou de seu representante legal, se for incapaz ou nascituro”.

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Ante à revogação de tal Dispositivo Legal, surgiu a polêmica ante à possibilidade ou não da adoção do nascituro, uma vez que as normas que tratam de adoção na atualidade nada expressam acerca do nascituro como adotando.

O art. 2º do Código Civil vigente expressa que “a personalidade civil da pessoa

começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Entendeu o legislador que aquele que ainda não saiu do ventre materno com vida não é sujeito de direito, possuindo mera expectativa de direito.

Contraposto a isso, assegura a lei o direito à vida, à filiação, à integridade

física, a alimentos e, caso haja conflito de interesses entre os genitores e o nascituro, ou estejam aqueles impedidos de exercer o poder familiar, o direito a curador, denominado de curador especial.

O instituto da adoção é de suma importância porque dá filhos àqueles que

não puderam tê-los naturalmente; ou dar pais àqueles que estão desamparados. No estudo da espécie, os doutrinadores relatam que foram introduzidas modificações no regime jurídico, levando à duplicação do instituto do parentesco civil, dividido em adoção propriamente dita ou simples e a legitimação adotiva ou adoção plena.

Portanto, a realidade mostra que um dos maiores problemas sociais brasileiros

diz respeito ao menor, já que existem muitos menores desamparados, esquecidos em abrigos ou orfanatos e/ou vagando pelas ruas em busca de sua sobrevivência. Por outro lado, há famílias que esperam há anos pela oportunidade legal de adotar uma criança, sendo este um processo moroso em nosso país.

Para conhecer este contexto, esta pesquisa propõe estudo bibliográfico, visando

elucidar não somente os requisitos da adoção brasileira, mas da adoção internacional, ressaltando que do exemplo da primeira, casais estrangeiros que desejam adotar uma criança também enfrentam os mesmos obstáculos.

O estudo está dividido em três capítulos. No primeiro, discute-se o instituto

da adoção no Brasil no qual se apresenta um breve histórico da legislação. No segundo, aborda-se a adoção internacional e por último discorre-se as dificuldades enfrentadas por casais estrangeiros que desejam adotar uma criança no Brasil. 1 ADOÇÃO NO BRASIL 1.1 CONCEITO DE ADOÇÃO

Atualmente, a adoção tem sido o tema-alvo das preocupações de muitos que, por razão de sua exigência profissional (juízes, promotores de justiça, advogados, assistentes sociais, psicólogos e educadores) ou por gesto de solidariedade, “voltam-se para a causa das crianças e dos adolescentes brasileiros em situação de abandono, conflito com a lei e/ou de institucionalização”. (PINHEIIRO, 2003 p. 72).

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Em termos legais, a adoção constitui-se em uma das formas de colocação de crianças e/ou adolescentes em uma família substituta. Assim, a adoção consiste na perda do poder familiar pelos pais biológicos e a aquisição de um novo vínculo de filiação pela criança, o que não ocorre na guarda, na tutela que não são regulamentadas pela lei.

De acordo com Freire (1994): (...) a adoção é um processo de inserção no

ambiente familiar, de forma definitiva, de uma criança cujos pais morreram, são desconhecidos, não podem ou não querem assumir o desempenho das suas funções ou foram considerados inaptos pela autoridade competente.

Camargo (2005, p. 45) afirma que: a temática da adoção faz-se presente na

história da humanidade desde os mais primórdios tempos. Uma investigação acerca da história das civilizações e, de modo específico, acerca da história da instituição familiar, ou mesmo analisando o legado da mitologia e da tragédia greco-romana e as tradições religiosas de diferentes culturas, é possível perceber que o gesto de adotar e/ou de colocar crianças e adolescentes em famílias, que não a sua de origem biológica, define um traço típico nos paradigmas de paternidade, maternidade e filiação, pois representa a possibilidade da construção do vínculo afetivo que, enquanto tal, assemelha-se à qualidade do vínculo biológico e suas ressonâncias (apego, afeto, sentido de pertença à família etc.).

O Brasil é um dos países do mundo que ainda traz um grande número de

crianças abandonadas e que estão à espera de um lar. Assim, de acordo com Justo (2007): (...) o destino das crianças rejeitadas e abandonadas porseus pais biológicos segue uma ordem cruel: boa parte cresce e se "educa" nos limites da instituição, quase sempre mantida e dirigida pelo Estado ou por associações não governamentais e religiosas. 1.2 PROCESSO HISTÓRICO DA ADOÇÃO

Certamente a adoção surgiu para assegurar a continuidade da família, no caso de pessoas sem filhos. Seria em termos legais um recurso utilizado para perpetuar o culto familiar, já que aquele cuja família se extingue não terá quem lhe cultue a memória e a de seus antepassados. Segundo Morais (2008), (...) a religião que impunha o divórcio, em caso de esterilidade, e que substituía o marido impotente, no leito conjugal, por um seu parente capaz de ter filhos, vinha oferecer, por meio da adoção, um último recurso, para evitar a morte sem descendentes.

No direito romano, a adoção tem essa característica, que é proporcionar prole

civil aos que não a têm consanguínea, buscando-se, por meio dela, imitar a natureza. As Institutas dispunham que o mais jovem não pode adotar o mais velho. Seria, portanto, inadmissível um pai mais novo do que o filho.

No direito brasileiro anterior a 1916, o instituto não se apresentava

sistematizado e havia, portanto, muitas referências à adoção, sendo assim permitida. Posteriormente, o Código Civil disciplinou ordenadamente este instituto.

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Segundo Decreto Lei n. 3.071/01/1916, o Código Civil de 1916 disciplinou a adoção como instituição destinada a dar filhos, ficticiamente, àqueles a quem a natureza havia negado. Naquele regime a adoção só era possível aos maiores de cinquenta anos, sem prole legítima ou legitimada. Entendia-se que, nessa idade, já seria impossível ao casal procriar. E só então surgia a oportunidade da adoção, a fim de suprir uma falta que a natureza criara (BRASIL, 2001 p. 123).

O documento supramencionado cita que a primeira modificação, no campo

da adoção, ocorreu com a Lei nº 3.133, de 8 de maio de 1957, que reestruturou o instituto, trazendo transformações tão profundas à matéria que se pode dizer que o próprio conceito de adoção ficou alterado. Antes, o objetivo da adoção era atender ao interesse do adotante, trazendo para sua família, na condição de filho, uma pessoa estranha. Com a Lei de 1957, a adoção passou a ter uma finalidade assistencial, ou seja, passou a ser um meio de melhorar a condição do adotado. Tal lei permitiu a adoção por pessoas de 30 anos, tendo ou não prole natural, o que facilitou as adoções, permitindo que mais pessoas fossem adotadas e que, assim sendo, experimentassem melhoria em sua condição moral e material.

A Lei 3.133/57 aboliu o requisito da inexistência de prole para a adoção,

mas determinou que, quando o adotante tivesse filhos naturais, a relação de adoção não envolvia a de sucessão hereditária. Tal preceito vigeu até a Constituição de 1988, quando se equiparou, para quaisquer efeitos, os filhos de qualquer natureza, incluídos os adotivos.

A segunda grande inovação no campo da adoção foi a criação, pela Lei nº 4.655,

de 2 de junho de 1965, da legitimação adotiva. O instituto tirava algo da adoção e algo da legitimação, pois, como naquela, estabelecia um grau de parentesco de primeiro grau, em linha reta, entre adotante e adotado, e, como na legitimação, esse parentesco era igual ao que liga o pai ao filho consanguíneo.

O Código de menores Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979 substituiu a

legitimação adotiva pela adoção plena. Assim sendo, tivemos durante algum tempo, até o novo Estatuto da Criança e do Adolescente, duas diversas adoções, a simples e a plena, que muito mais abrangia do que aquela.

A adoção simples criava um parentesco civil entre adotante e adotado,

parentesco este que se circunscrevia a essas duas pessoas, não se apagando jamais os indícios de como esse parentesco se constituíra. Era revogável pela vontade concordante das partes e não extinguia os direitos e deveres resultantes do parentesco natural.

A adoção plena apagava todos os sinais do parentesco natural do adotado.

Este entrava na família do adotante como filho de sangue. Sua certidão de nascimento era alterada e os nomes dos pais e avós paternos substituídos. Aquele parentesco passava a ser o único existente.

A modificação trazida pelo Código do Estatuto da Criança e do Adolescente foi

a de que, nas adoções de menores de 18 anos, passou a não existir adoção simples ou adoção plena, já que todas passaram a ser plenas. Pela adoção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, o adotado é considerado filho, como senatural fosse,

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passando ele a integrar em sua plenitude a família do adotante, inclusive para efeitos sucessórios. Acrescenta a segunda parte do artigo 1.628, onde “As relações de parentesco se estabelecem não só entre o adotando e o adotado, como também entre aquele e todos os parentes do adotante”. O adotado passa a assinar o sobrenome do adotante.

Para se aplicarem as regras próprias da adoção da criança e do adolescente, que

não forem contrárias ao novo Código Civil, o adotante deve contar com, no máximo, 18 anos à época do pedido, salvo se já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes.

1.3 A NATUREZA JURÍDICA DA ADOÇÃO NA ATUALIDADE

Sob o entendimento de Pedroso (2010), (...) existem divergências doutrinárias sobre a natureza jurídica da adoção, sendo que alguns autores a denominam como contrato. Outros, a consideram ato solene, ou, ainda, filiação criada mediante a lei e/ou instituto de ordem pública. Segundo o autor, há ainda os que a consideram figura híbrida, um misto de contrato e de instituição ou instituto de ordem pública.

Segundo Diniz (2008), “a adoção é uma ficção legal que possibilita que se

constitua entre o adotante e o adotado um laço de parentesco de 1º grau na linha reta”. Rodrigues (2008) cita que a “adoção trata-se de negócio unilateral e solene,

muito embora a unilateralidade seja discutível, uma vez que a lei reclama o consentimento dos pais ou do representante legal do adotado”.

Na visão de Nader (2006, p. 75) na legislação há o entendimento de que a

“adoção é negócio jurídico bilateral, sendo, portanto, um ato complexo, que exige a declaração de vontade do adotante e do adotado, ou por seu representante legal, mediante homologação pelo juiz”.

Gonçalves (2006) advoga que “no Código Civil de 1916 era nítido o

caráter contratual do instituto, uma vez que se tratava de negócio jurídico bilateral e solene, podendo ser realizado por escritura pública, desde que houvesse consentimento das duas partes”. De acordo com o autor, se o adotado era maior e capaz, deveria comparecer ele próprio, caso fosse incapaz, deveria ser representado pelo pai, ou tutor, ou curador.

Lotufo, apud Pedroso (2010, p. 1) afirma que “a adoção apresenta-se como

figura de natureza híbrida, ou seja, um misto de contrato e de instituição, onde a vontade das partes, bem como o exercício de seus direitos estão regulamentados pelos princípios de ordem pública”.

Viana, apud Pedroso (2010 p. 2), acrescenta dizendo que: assim, em que pesem

as divergências, adotamos a concepção daqueles que vêem no instituto um ato complexo, que se desenvolve em duas etapas, sendo que, na primeira, temos uma emissão volitiva, que não é bastante, e que se concretiza na segunda, quando, após processo regular, a pretensão é acolhida e o Juiz exara sentença constitutiva.

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Verifica-se, a partir dos diferentes conceitos apontados, que existe um misto do caráter contratual e de instituição de ordem pública do instituto. 1.4 TIPOS DE ADOÇÃO

Atualmente, existem no Brasil duas modalidades de adoção: a adoção simples ou restrita regida pelo Código Civil de 1916 e a adoção plena regulada pela Lei n. 8;069/90, arts. 39 a 52. para a adoção de maiores de 18 anos “A segunda modalidade é a mais utilizada, pois, abrange a adoção de crianças e adolescentes” (CAMARGO, 2005 p. 123).

De acordo com Diniz (2008, p. 123), a adoção simples, ou restrita, era a

concernente ao vínculo de filiação que se estabelece entre adotante e o adotado, que pode ser pessoa maior ou menor entre 18 e 21 anos (Lei n. 8.069?90, art. 2º, parágrafo único), mas tal posição de filho não era definitiva ou irrevogável. Era regida pela Lei nº 3.133/57, que havia atualizado sua regulamentação pelo Código Civil de 1916.

A adoção plena, estatutária ou legitimante foi a denominação introduzida, em

nosso país, pela Lei n. 6.697/79, para designar a legitimação adotiva, criada pela Lei n. 4;655/65, sem alterar, basicamente, tal instituto.

Para Venosa (2009), “considerando-se as duas modalidades de adoção, de

acordo com o Código Civil de 1916 e de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, cada uma delas tem natureza jurídica própria”.

Assim, Venosa (2009, p. 179) expõe o seguinte: havendo duas modalidades

distintas de adoção no Direito brasileiro, de acordo com o Código Civil de 1916 e de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, cada uma delas apresenta nitidamente natureza jurídica própria. A adoção do Código Civil de 1916 realçava a natureza negocial do instituto, como contrato de Direito de Família, tendo em vista a singela solenidade da escritura pública que a lei exigia (art. 375). Por outro lado, na adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente, não podemos considerar somente a existência de simples bilateralidade na manifestação de vontade, porque o Estado participa necessária e ativamente do ato, exigindo-se uma sentença judicial, tal como também faz o Código Civil de 2002. Sem esta, não haverá adoção. A adoção moderna, da forma na qual nossa legislação não foge à regra, é direcionada primordialmente aos menores de 18 anos, não estando mais circunscrita a mero ajuste de vontades, mas subordinada à inafastável intervenção do Estado. Desse modo, na adoção estatutária há ato jurídico com marcante interesse público que afasta a noção contratual. Ademais, a ação de adoção é ação de estado, de caráter constitutivo, conferindo a posição de filho ao adotado.

As mudanças introduzidas pelo Estatuto da Criança e Adolescente - ECA

colocam a sociedade brasileira diante de um novo paradigma em relação à ótica e aos modos de ação quando se trata de Infância e Juventude, “A Carta Constitucional, tanto como o Estatuto, traz avanços fundamentais quando passa a considerar a criança e o adolescente 1) sujeitos de direito; 2) pessoas em condições peculiares de desenvolvimento; e 3) de prioridade absoluta” (PINHEIRO, 2003).

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1.4.1 Requisito para a adoção: quem pode e quem não pode adotar De acordo com o art 39 do ECA a adoção é ato pessoal do adotante, já que a lei

a veda por procuração. Segundo o art. 1.618 do CC, todas as pessoas maiores de 18 anos, independente

do estado civil, têm capacidade e legitimação para adotar. Se a adoção for promovida por casal, basta que um deles tenha completado a idade mínima e que seja demonstrada a estabilidade da família.

No que se refere à legitimidade, surgiram algumas inovações. Dentre elas,

destaca-se a possibilidade de a pessoa casada ou que viva em união estável adotar o filho do seu consorte, ou companheiro, sem afetar o liame de parentesco e, portanto, o poder familiar de seus ascendentes consanguíneos.

Assim, a adoção do menor pelo companheiro, ou pelo marido de sua mãe, ao

mesmo tempo que estabelece o parentesco civil entre adotante e adotado, mantém o vínculo da filiação entre este e sua mãe natural, que conservam poder familiar.

Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, a menos que sejam marido e

mulher ou vivam em união estável. Desse modo, iniciado o estágio de convivência, na constância da união, a efetivação da adoção poderá dar-se até mesmo se já dissolvida a entidade familiar, desde que acordem sobre a guarda e o regime de visitas.

Conforme afirma o art.1.622 do CC, a Lei nº. 8.069/90 afirma em seu art.

42/ECA proíbe o ascendente de adotar seu descendente e quem quer que seja de adotar um irmão. Ainda não se descobriu a fonte de tal proibição. A proibição de se adotar um neto talvez se justifique pelo fato de que o ato poderá afetar a legítima de herdeiro necessário mais próximo, tal como o filho.

Como o neto assumirá a posição de filho, concorrerá com seu próprio pai na

sucessão do avô. Não se vê outra razão para a proibição de se adotar um descendente. Art.39 - A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto

nesta Lei. Parágrafo único - É vedada a adoção por procuração. Art. 1.618 - Só a pessoa maior de dezoito anos pode adotar. Parágrafo único - A adoção por ambos os cônjuges ou companheiros poderá ser

formalizada, desde que um deles tenha completado dezoito anos de idade, comprovada a estabilidade da família.

Art. 1.622. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e

mulher, ou se viverem em união estável. Art. 42 - Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de

estado civil.

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§ 1º - Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando. Seguindo tradição antiga averiguada nos artigos 1.620/CC e 44/ECA, o

tutor ou o curador não podem adotar o pupilo ou curatelado enquanto não derem conta de sua administração e saldarem o seu alcance.

O primeiro requisito para a adoção diz respeito à idade das partes envolvidas

nesse ato jurídico. O adotante deve ter pelo menos 18 anos e ser pelo menos 16 anos mais velho que o adotando, conforme determina os arts. 1.618 e 1.619 do CC.

A regra é explicada pela ideia de que a adoção procura imitar a natureza e,

assim, se torna necessário estabelecer, entre as partes que vão assumir as posições de pai e filho, uma diferença que as situe em gerações diversas. Outro requisito para a adoção é a concordância por parte do adotando, de seus pais ou representante legal. O consentimento do adotando é requerido se ele contar com mais de 12 anos.

Segundo o art. 1.621, parágrafo 1 do CC e o art. 45, parágrafo 1º do ECA,

o consentimento dos pais é sempre requerido, a menos que eles tenham sido destituídos do poder familiar ou sejam desconhecidos.

Como pode ser observado, o instituto de adoção passou por muitas

transformações, o longo de sua existência, tendo como objetivo viabilizar a constituição de uma família substituta para os milhares de crianças que esperam por pais e irmãos para crescer de forma saudável e com equidade.

Art.1.620. Enquanto não der contas de sua administração e não saldar o débito, não poderá o tutorou, o curador adotar o pupilo ou o curatelado.

Art. 44. Enquanto não der conta de sua administração e saldar o seu alcance,

não pode o tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado. Art. 1.619. Adotante há de ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o

adotado. Art. 1.621. A adoção depende de consentimento dos pais ou dos representantes

legais, de quem se deseja adotar, e da concordância deste, se contar mais de doze anos. § 1º O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar. Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pai sou do representante legal do adotando. § 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio poder. 2 INSTITUTO DA ADOÇÃO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL DE 2002E ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – LEI N. 8.067 2.1 EFEITOS JURÍDICOS DA ADOÇÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

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A Constituição Federal, em seu art. 227, parágrafo 6º, instituiu a igualdade de direitos e qualificações entre os filhos havidos ou não da relação do casamento ou por adoção, proibindo, ainda, quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, ficando instituído segundo Oliveira (2009, p. 2) que: a partir da sua vigência firmou-se entendimento no sentido de que os direitos sucessórios seriam os mesmos entre os filhos de sangue e, aqueles havidos por adoção, desde que o óbito tivesse ocorrido em data posterior à vigência do Texto Maior.

De acordo com Prado (2006) “o Novo Código Civil, Lei nº 10.406, de janeiro de

2002, abrange a matéria de direito à convivência familiar e direitos relativos à criança

e adolescente, como o direito da adoção, contido no Direito de Família, que advém do Direito Civil“.

Também consta no Novo Código a diminuição do limite etário da capacidade

civil que, passou a ser de, artigo 5º, vinte e um anos a dezoito anos. Esta mudança de

faixa etária para a aquisição da capacidade civil se refletiu também na mudança na idade mínima do adotante para 18 anos, art. 1,618.

Nota-se assim que em conformidade com o Novo Código, qualquer pessoa

pode adotar, isoladamente, incluindo-se nesse grupo ascendente e irmão do adotando,

e ainda, os cônjuges ou companheiros com família estabilizada, desde que pelo menos um seja maior de 18 anos, sendo esta a idade mínima para ser adotante, além da exigência de que haja diferença de 16 anos em relação ao adotado “O tutor ou o curador também pode adotar o pupilo ou o curatelado, desde que tenha prestado contas de sua administração e saldado eventual débito pendente” (BONIZZONI, 2009, p. 18)

No artigo 1.625, consta também a regra de que somente será admitida a adoção

que constituir efetivo benefício para o adotado, requisito este que segundo Prado (2009, p. 15) “é de natureza subjetiva do instituto, caracterizado pelo fato de que a adoção deve trazer reais vantagens para o adotado, tais como: a aplicação do direito à saúde, à educação, ao lazer, ao bem-estar, à formação sócio-cultural, dentre outros”.

Ao analisar este dispositivo legal, Bonizzoni (2009, p. 332) comenta que a

exemplo das legislações anteriores, esta também exige a presença do núcleo familiar. Além da união familiar fundada no casamento civil ou no casamento religioso

com efeitos civis, há que se considerar a existência de outra união afim à família, à qual a lei reconhece a categoria de entidade familiar, alinhando-a como ente equiparado à família tradicional, reconhecida e regulada pela ordem jurídica.

Segundo a autora, estão elencados nesta categoria a “união estável” resultante

da união entre homem e mulher, sem impedimentos para o casamento, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, conforme o artigo 226, parágrafos 3º e 4º da Constituição Federal, que expressamente denomina “entidade familiar”.

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A existência de uma família como exigência da legislação pátria pode ser

justificada pela importância da criança estabelecer-se dentro de um núcleo familiar já constituído, sendo que este relacionamento implicará em sua formação ao longo da vida.

Considerando a relevância da família, Bonizzoni (2009, p. 334) critica a decisão

do legislador quanto à redução da faixa etária para adotar. Parecem-nos impróprios os critérios do novo Código, pois o ato de adoção

requer uma vida já estabilizada, uma experiência familiar, estabilidade econômica e, em nossa realidade social, uma pessoa com 18 anos está quase sempre vivendo com os pais, cursando uma universidade ou se casou recentemente, ainda dependendo dos pais econômica e financeiramente.

Art. 1.625, a adoção obedecerá a processo judicial,observando os requisitos

estabelecidos neste Código. Parágrafo único - A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá,

igualmente, da assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva. Artigo 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o

homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Deve ser ressaltado que, na família, é fundamental a possibilidade de realização

de um projeto de construção no qual seus membros reconheçam seus papéis e de funções, visando um ideal comum. Ribeiro (2002, p. 3) cita que:

No Código Civil de 2002, não se cogita mais de adoção simples ou plena, posto

revogadas as disposições substantivas do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Civil de 1916, salvante a adoção por estrangeiro, que permanecerá regulada pela lei especial – que figura mais no estudo adjetivo que de direito material. No mais, agora existe apenas uma figura: a adoção irrestrita; que obedece essencialmente aos contornos da anteriormente tratada como adoção plena, inclusive sendo possível constituí-la apenas em processo judicial (e não mais por escritura pública, como antes previa o Código Civil de 1916), seja qual for a idade do adotando (quando maior, regido pelo Código Civil, a adoção não era feita judicialmente).

No tocante à adoção irrestrita, a legislação segue o preceito constitucional de

1988 ao incorporar o adotado à família do adotante, como seu filho natural. Nesse sentido, procurou-se evitar o máximo possível o registro da consanguinidade do adotando.

De acordo com o Novo Código Civil, art. 1.621. Nesse sentido este

requisito é necessário para a adoção. No entanto, também consta neste mesmo artigo

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que se o menor tiver mais de doze anos de idade, seu próprio consentimento será requisito essencial para a validade da adoção.

Um dos aspectos relativamente positivos no novo instituto de adoção é

que este atribuirá a situação de filho como se naturalmente o fosse, desligando-se o adotado de qualquer vínculo com os pais e parentes consanguíneos, com exceção dos impedimentos para o casamento, que se preservam até mesmo por razões genéticas e biológicas.

2.2 DISPOSITIVOS LEGAIS DA ADOÇÃO NO ESTATUTO DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O Estatuto da Criança e do Adolescente respaldado no princípio da proteção

integral à criança e ao adolescente considera seus destinatários como sujeitos de direito. Este conceito se mostra contrário às demais legislações anteriores, como o

Código de Menores que os considerava como objetos de direito. Sendo assim, os diversos direitos dispostos na Lei n.º 8.069/90 institui que a

criança ou adolescente tem o direito fundamental de ser criado no seio de uma família, seja esta natural ou substituta. No respectivo documento e demais legislações pátrias que consideram a modalidade “família substituta”, encontra-se a adoção, medida esta de caráter excepcional, sendo irrevogável e que atribui a condição de filho ao adotado, impondo-lhe todos os direitos e deveres inerentes à filiação.

De acordo com o Art. 42, § 5º do ECA: serão colocadas em adoção todas as

crianças e adolescentes cujos pais biológicos (ou adotivos, uma vez que não há limite para que uma pessoa seja adotada) ou representante legal concordem com a medida, ou se os pais estiverem destituídos do poder familiar ou ainda, se estiverem falecidos, porem, só será efetivamente deferida, sempre que manifestar reais vantagens para o aditando e fundar-se em motivos legítimos.

Os artigos 39 a 52 desta Lei versam sobre a adoção das pessoas amparadas.

Nos artigos 39 a 50, é determinado todo o procedimento para a adoção de crianças brasileiras, seja por nacionais ou estrangeiros domiciliados e residentes em território nacional, considerando se que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5.◦, assegura a todos os que aqui residem a igualdade perante a lei. De acordo com Valiko (2005) “ainda, que o brasileiro domiciliado e residente no exterior, terá os mesmos direitos que o nacional que se encontra em solo pátrio”.

Ao analisar o referido diploma, Oliveira (2009, p. 18) cita que, para os

doutrinadores, a Lei n.º 8.069/90, como microssistema jurídico regente dos direitos e garantias das crianças e dos adolescentes, não foi revogada pelo novo ordenamento jurídico que se impõe, devendo esta ser aplicada em tudo o que não conflitar com o Novo Código Civil. Podemos citar como exemplo prático, a maioridade que se atinge ao completar 18 anos estando-se apto a todos os atos da vida civil. Dessa forma, salvo para o ato infracional e seus efeitos, cujo fundamento é diverso, tudo o que se

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referir a capacidade civile suas consequências, não mais observaremos a regra do Estatuto da Criança e do Adolescente que faz menção aos 21 anos de idade.

Conforme mencionado anteriormente, a redução da maioridade para adoção

antes prevista no ECA aos 21 anos passa agora para 18 anos, apesar de ser esta uma responsabilidade passível de críticas de alguns doutrinadores.

Nessa perspectiva, o Código Civil de 2002 deverá ser analisado no tocante à

capacidade para adotar (art. 1.618) que reduz a idade do requerente de 30 anos para 18 anos, conservando-se, no entanto, a diferença etária entre adotante e adotado em 16 anos, sendo este dispositivo também adotado pelo ECA.

Em relação à família do adotante, o ECA segue o instituído na Constituição

Federal de 1988, que trata da família nos parágrafos do seu artigo 226, sendo que a Lei n.º 10 possibilita que o casal formado por homem e mulher,independente do vínculo matrimonial que adote, bastando apenas que um dos consortes tenha preenchido os requisitos exigidos pela lei.

O atual ordenamento jurídico permite que ocorra adoção unilateral, em que o

cônjuge ou o companheiro adote o filho do outro, sem que o pai ou mãe seja destituído do poder familiar “na verdade, a madrasta ou o padrasto alçarão a categoria de pais” (VALIKO, 2005 p. 19).

Uma novidade trazida pelo Código Civil, mas que sempre foi utilizada pelo

ECA, trata-se da necessidade do contraditório na Adoção,com sentença judicial, tornando-a, após o trânsito em julgado, em regra, irrevogável. Assim, elimina-se definitivamente o procedimento previsto no Código de 1916 que permitia a adoção por meio de escritura pública e, por um breve lapso temporal, após o adotado atingir a maioridade “Rompe-se, ainda, o vínculo familiar com a família de origem, salvo os impedimentos matrimoniais. O adotado pelo atual Código Civil terá todos os direitos alimentícios e sucessórios, assim como os deveres” (VALIKO, 2009 p. 21).

No art. 19 do ECA, fica estabelecido que toda criança ou adolescente que

estiver inserido no programa de acolhimento familiar, ou institucional, no máximo a cada seis meses, terá sua situação reavaliada por equipe interprofissional ou multidisciplinar que, através de relatório, informará a autoridade judiciária da situação do menor, devendo aquela, de forma fundamentada, decidir, colocando-o em família substituta ou reintegração familiar.

Outra exigência prevista no ECA, art. 28, §§ 1º. e 2º, refere-se à adoção do

menor cuja idade seja acima de 12 anos. De acordo com este artigo, o menor, mediante consentimento colhido numa audiência, terá sua opinião considerada com relação à sua adoção.

Outro ponto a destacar é que o § 4º. do art. 28, ECA, prevê que os irmãos

levados à guarda, tutela ou adoção, não poderão ser separados, devendo os mesmos permanecerem juntamente com a família acolhedora, com a ressalva de comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique o rompimento definitivo dos vínculos fraternais.

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2.3 COMPATIBILIZAÇÃO DO NOVO CÓDIGO COM O ESTATUTO DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Conforme abordado anteriormente, uma das alterações fundamentais do Código

Civil é a redução da idade para o exercício dos atos da vida civil, fixando no artigo 5º a idade de 18 anos para a capacidade absoluta e estabelecendo no artigo 4º a incapacidade relativa para os maiores de 16 anos e menores de 18 anos.

O Código Civil estabeleceu que “só pessoa maior de 18 anos pode adotar”.

Assim, temos nova idade-referência para questões básicas relativas à adoção: o adotante poderá ter 18 anos e o adotando deverá ser menor desta idade.

O art.1.619 do Código Civil manteve, porém, a mesma diferença de 16 anos

entre adotante e adotando, assumida, originalmente, pela lei civil e presente no parágrafo 3º do art. 42, § 3º do ECA.

O art. 1.621 acolheu a regra do art. 44 do ECA ao exigir do tutor ou

curador a prestação de contas de sua administração para adotar o pupilo ou curatelado. O art.1.621 corresponde ao art. 45 do ECA, ao determinar o consentimento dos

pais ou representante legal do adotando, menores de 18 anos. A dispensa do consentimento está vinculada às duas condições previstas no parágrafo 1º: “sejam os pais desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar”, exigindo o art. 24 do ECA procedimento contraditório.

As pessoas casadas ou que estiverem vivendo em união estável estão autorizadas

a adotar, segundo o art. 1.622. O parágrafo único acrescenta a possibilidade “dos divorciados e os judicialmente separados poderem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado dentro da sociedade conjugal”.

Art. 4º. São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer”: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência

mental, tenham o discernimento reduzido; III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV – os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. Art. 5ºA menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica

habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante

instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completo;

II – elo do casamento; IV – pela colação de grau em curso de ensino superior;

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V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

Art 42 (...) § 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o

adotando. Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente,

em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos

menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

O art. 1.623 do Código Civil determinou que a adoção “obedecerá a

processo judicial, observados os requisitos estabelecidos neste Código”. Diferentemente do Estatuto, que estabelece procedimentos comuns (arts.

165/170, ECA) para todas as formas de colocação familiar – guarda, tutela e adoção. Destaca-se a impropriedade do art. 10 do Código Civil, ao prever a averbação

em registro público os “atos extrajudiciais de adoção”, uma vez que o novo diploma legal passou a exigir procedimento judicial para a adoção de menores e maiores de idade.

Desde 1990, o Estatuto modificou a orientação quanto às instituições de

abrigo, determinando sua provisoriedade e indicando, expressamente, no art. 92, II, do Estatuto da Criança e do Adolescente, como princípio, “a integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção (das crianças e adolescentes) na família de origem. O que se observa, no entanto, é a cultura do acolhimento em “creches e orfanatos”, com milhares de crianças sem contato com a família de origem, no mais completo abandono.

O Código Civil não repetiu a regra do art. 49 do ECA, que diz que “a morte

dos adotantes não restabelece o poder familiar dos pais naturais”. Isso significa que, na hipótese de estes últimos pretenderem resgatar a relação familiar com o adotando, poderão fazê-lo como família substituta, restritamente por meio da guarda ou tutela “art. 49. “A morte dos adotantes não restabelece o pátrio poder dos pais naturais”. É possível dizer que o novo Código Civil manteve, em linhas gerais, a orientação do Estatuto, o qual já se incorporou à nossa cultura do atendimento à criança e ao adolescente, devendo ser preservado, em sua íntegra, com vista àproteção dos menores de 18 anos.

Art. 165. São requisitos para a concessão de pedidos de colocação em família

substituta:

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I – qualificação completa do requerente e de seu eventual cônjuge, ou companheiro, com expressa anuência deste;

II – indicação de eventual parentesco do requerente e de seu cônjuge, ou companheiro, com a criança ou adolescente, especificando se tem ou não parente vivo;

III – qualificação completa da criança ou adolescente e de seus pais, se conhecidos;

IV – indicação do cartório onde foi inscrito nascimento, anexando, se possível, uma cópia da respectiva certidão;

V – declaração sobre a existência de bens, direitos ou rendimentos relativos à criança ou ao adolescente.

Parágrafo único. Em se tratando de adoção, observar-se-ão também os requisitos

específicos”. Art. 170. Concedida a guarda ou a tutela, observar-se-á o disposto no art. 32, e,

quanto à adoção, o contido no art. 47. Art. 10. Far-se-á averbação em registro público: I - das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o

divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal; II - dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a

filiação; III - dos atos judiciais ou extrajudiciais de adoção. 2.4 INEXISTÊNCIA, NULIDADE E ANULABILIDADE DA ADOÇÃO Existe o desligamento do adotado de qualquer vínculo com os pais de sangue,

salvo os impedimentos para o casamento (CF, art. 227, § §5º e 6º), criando verdadeiros laços de parentesco entre o adotado e a família do adotante (CC, art. 1.626).

De acordo com Diniz (2005) a adoção deixa de existir quanto falta o

consentimento do adotante e do adotado (caso seja maior de doze anos), na ausência de elemento objetivo, como por exemplo, a ausência de poder familiar do adotante sobre o adotado e no caso de ausência de processo judicial com intervenção do Ministério Público.

Bonizonni (2009, p. 336) afirma que: a adoção pode ser anulada judicialmente,

desde que se comprove terem sido violadas as determinações legais. Entretanto, por ser uma liberalidade, não há rigor em relação ao exame de suas formalidades. Dessa forma, pode-se decretar nula a adoção em que o adotante não tenha mais de dezoito anos ou não haja a diferença de idade entre adotante e adotado de dezesseis anos; duas pessoas que não sejam cônjuges ou conviventes adotarem a mesma pessoa, ainda que estejam separados ou divorciados; ausência de prestação de contas do tutor ou curador; comprovação de simulação ou fraude à lei.

A ação de nulidade da adoção é meramente declaratória, uma vez que não há

como dissolver vínculo de filiação ineficaz, dispensando-se assim o processo especial.

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Outra possibilidade de anulabilidade da adoção é quando se verifica a falta de assistência do representante legal do adotando, caso este seja relativamente incapaz e/ou quando não houve anuência daquele que detém a guarda do adotado; “se houve vício de consentimento, seja por erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo ou fraude contra credores e, finalmente, na falta de consentimento do cônjuge ou convivente do adotante” (DINIZ, 2005).

Em razão deste parâmetro, versar sobre o estado de pessoa, é exigida a

intervenção do Ministério Público e o prazo prescricional para a proposição da ação de nulidade é de dez anos, sendo que o reconhecimento judicial do adotado pelo seu pai biológico constitui-se causa de extinção da adoção e não da anulabilidade.

Conforme exposto, tanto o Código Civil, quanto o Estatuto da Criança e

do Adolescente trazem inovações favoráveis à adoção, devendo tais mudanças serem consideradas, já que o maior intuito destas duas legislações é viabilizar o processo de adoção e resolver a angústia tanto por parte do casal que deseja adotar, quanto das crianças que estão à espera de uma família substituta. 3 ADOÇÃO INTERNACIONAL

A adoção internacional caracteriza-se pela deslocação de uma criança, do seu país de residência habitual, para outro país, em consequência da sua adoção, ou com vista a ser adotada por pessoas aí residentes “Implica sempre um processo de cooperação entre dois Estados: o Estado de origem e o Estado que recebe acriança”. (OLIVEIRA; RIBEIRO, 2004)

A adoção por casais estrangeiros está prevista no Estatuto da Criança e do

Adolescente que estabelece, em seus artigos 51 e 52 , a adoção formulada por estrangeiro residente ou domiciliado fora do País.

Embora a adoção internacional seja reconhecida pelo ECA, casais, estrangeiros

enfrentam muitas dificuldades para adotar uma criança brasileira. Tais dificuldades são recorrentes de práticas ilícitas, como o tráfico internacional que exigiu uma legislação mais severa.

Segundo Aldrovandi; Zaccaron (2010, p. 3): no passado, escândalos e

denúncias surgidas nos meios de comunicação relacionando a adoção internacional com o tráfico internacional de crianças e adolescentes chamaram a atenção para a necessidade de regras mais rigorosas e fiscalização nos processos de adoção, para garantir maior segurança as crianças e adolescentes enviados ao exterior. Assim foi feito,pois, nos anos seguintes, diversas convenções internacionais foram aprovadas com o objetivo de garantir os direitos das crianças e adolescentes e inibir adoções internacionais fraudulentas e o tráfico de menores. A legislação brasileira incorporou as medidas e princípios estabelecidos

Art. 51. Considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou casal

postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil, conforme previsto no artigo 2 da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993,

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Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção

Internacional, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto nº 3.087, de 21 de junho de 1999. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)

§ 1º A adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro ou domiciliado no Brasil somente terá lugar quando restar comprovado: (Redação dada pela Lei nº12.010, de 2009)

I - que a colocação em família substituta é a solução adequada ao caso concreto; (Incluída pela Lei nº12.010, de 2009)

II - que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família substituta brasileira, após consulta aos cadastros mencionados no art. 50 desta Lei; (Incluída pela Lei nº 12.010, de 2009)

III - que, em se tratando de adoção de adolescente,este foi consultado, por meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe interprofissional, observado o disposto nos §§ 1º e2º do art. 28 desta Lei. (Incluída pela Lei nº 12.010, de 2009)

§ 2º Os brasileiros residentes no exterior terão preferência aos estrangeiros, nos casos de adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)

§ 3º A adoção internacional pressupõe a intervenção das Autoridades Centrais Estaduais e Federal em matéria de adoção internacional. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009).

Nas convenções ratificadas, proporcionando, assim, segurança e credibilidade

a adoção internacional, antes fragilizada pelas constantes notícias que denegriam a imagem desse instituto.

Nesse sentido, já nas décadas de 1980 e 1990 foram realizadas três

Convenções sobre este tema: a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança - 1989, a Convenção de Haia de 1993 e a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores, de 1994.

A primeira, de acordo com Aldrovandi; Zaccaron (2010, p. 36) “surgiu

diante da necessidade de se reconhecer a dignidade da criança e a prioridade de seus interesses“. A mesma foi aprovada na Assembléia Geral das Nações Unidas, na data de 20 de novembro de 1989, e posteriormente ratificada no Brasil, pelo Decreto n° 99.710, de 21 de outubro de 1990.

Para Fermiano; Campos (2011), (...) em relação à adoção internacional, a

Convenção de Haia realizada no dia 29 de maio de 1993 em Haia, na Holanda, é a mais importante sendo também a que melhor abordou a questão. Anteriormente, o Brasil subscreveu com a França uma convenção relacionada à guarda de menores, abrangendo o direito de visita e a obrigação de prestar alimentos, que passou a vigorar em 1985, através do Decreto nº 91.207, restringindo-se, porém, à prestação de alimentos e não tendo sido mencionado a adoção.

De acordo com o Decreto n. 3413/2000, a Convenção de Haia tem como

objetivo proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas e estabelecer procedimentos que

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garantam o retorno imediato da criança ao Estado de sua residência habitual, bem como assegurar a proteção do direito de visita, conforme prevê seu artigo 1º

O capítulo II desta Convenção, trata dos requisitos para a adoção

internacional, conforme exposto em seu artigo 5º Art. 5º. As adoções abrangidas por esta Convenção só poderão ocorrer quando as

autoridades competentes do Estado de acolhida: a) tiverem verificado que os futuros pais adotivos encontram-se habilitados e

aptos para adotar; b) tiverem-se assegurado de que os futuros pais adotivos foram

convenientemente orientados; c) tiverem verificado que a criança foi ou será autorizada a entrar e a

residir permanentemente no Estado de acolhida. Desse modo, caso estes requisitos não sejam cumpridos, visando um bom

relacionamento entre o adotante e o adotado, o processo não se consumará. O art. 8º da Convenção de Haia estabelece que, “As Autoridades Centrais

tomarão, diretamente ou com cooperação de autoridades públicas, todas as medidas apropriadas para prevenir benefícios materiais induzidos por ocasião de uma adoção e para impedir qualquer prática contrária aos objetivos da Convenção”. Um dos principais objetivos deste dispositivo é impedir que pessoas sejam favorecidas ou que a adoção venha a se tornar um comércio.

O capítulo IV desta Convenção apresenta os “Requisitos Processuais” e

informações acerca do procedimento das autoridades, tanto do país do adotando, quanto daqueles que pretendem realizar a adoção. De acordo com este dispositivo, cabe ao país de origem da criança organizar um relatório contendo informações acerca da identidade, da capacidade jurídica e da adequação dos solicitantes para adotar no qual deve conter “sua situação pessoal, familiar e médica, seu meio social, os motivos que os animam, sua aptidão para assumir uma adoção internacional, assim como sobre as crianças de que eles estariam em condições de tomar a seu cargo”. (FERMIANO; CAMPOS, 2011, p. 5)

As autoras ressaltam ainda que a Autoridade Central do Estado de origem

deve considerar que a criança é adotável, organizando um relatório contendo informações sobre a identidade da criança, seu meio social, sua evolução pessoal e familiar, seu histórico médico, assim como quaisquer necessidades particulares da criança; levando em conta suas condições de educação, bem como sua origem étnica e cultural; assegurando-se de que os consentimentos tenham sido obtidos conforme disposto no artigo 4º e verificar, baseando-se especialmente nos relatórios relativos à criança e aos futuros pais adotivos, se a colocação prevista atende ao interesse superior da criança.

Do exposto, nota-se que tanto o país de origem, quanto o país de destino do

adotado precisam participar e colaborar com o processo, desempenhando corretamente todos os requisitos necessários a fim de evitar consequências para o menor.

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O Capítulo V da Convenção de Haia trata do reconhecimento e efeitos da adoção, o qual estabelece que existindo o trâmite processual corrido regularmente, a adoção deverá ser

reconhecida pelos demais Estados que ratificaram a Convenção, só podendo ser rejeitada em um Estado membro se contraria a sua ordem pública. De acordo com Fermiano; Campo (2011, p. 7) “Tal capítulo enfatiza ainda que, reconhecida a adoção, ao adotado deve-se dar tratamento equiparado ao filho legítimo”.

Complementando os dispositivos desta Convenção, em 1994 foi

apresentada a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores, cujo objetivo foi regular os efeitos civis e penais do tráfico de menores. Esta Convenção, de acordo com Aldrovandi; Zaccaron (2010, p. 1) “estabeleceu mecanismos para proteger toda a criança e adolescente vítima do tráfico, criando medidas de prevenção e punição para as possíveis vítimas dos traficantes”.

Estas três Convenções vieram trazer proteção à criança da possibilidade de saída

do país de maneira ilícita, evitando-se também a construção de um mercado negro com crianças raptadas de seus pais ainda na maternidade e/ou em qualquer outra idade que desperte interesse nestes tipos de traficantes.

Nesse sentido, Sznick (1993, p. 63) apud Oliveira; Ribeiro (2004, p. 4), afirma

que, a adoção internacional, ou seja, à procura de crianças brasileiras por estrangeiros vem crescendo muito nos últimos anos. Daí surgirem. Ao lado dos interessados diretos, várias intermediações, quer individuais quer até de pessoas jurídicas, através de agências de intermediação; como, especialmente por parte dos adotantes, há os bens intencionados nos que fazem a intermediação; em regra, muitos não só são mal intencionados (visando lucro e vantagens pessoais com a adoção), mas até formando verdadeiras quadrilhas para o cometimento de crimes já que os lucros são grandes e em moeda estrangeira como sequestro de recém nascidos na maioria das vezes, nas próprias maternidades, ou, então, em locais públicos; outros crimes ainda não são praticados como estelionatos enganando as mães com possíveis internações ou, ainda, quando adoções escondendo que as crianças são destinadas ao exterior; falsificação de documentos, especialmente do menor.

As Convenções apresentam um conjunto de medidas e procedimentos que

foram incorporados com a sua ratificação ou adesão na legislação dos Estados brasileiros. Elas garantem ao adotado por estrangeiros não residentes direitos e garantias iguais ou semelhantes às que encontrariam em seu país de origem.

A legislação brasileira que trata da adoção internacional é a Lei n.12.010,

promulgada em 2009. A Nova Lei Nacional de Adoção foi apresentada em sua forma inicial por um Projeto de Lei que continha setenta e cinco artigos, sendo finalmente sancionada após seis anos em tramitação.

Em seu art. 1º, esta Lei dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista

para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente.

Os arts. 19 e 25 da referida Lei expressam o seguinte:

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§ 1º Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei.

Esta decisão de reavaliação a cada seis meses veio diminuir o tempo de espera

por parte dos interessados em adoção, já que a lei anterior instituía um prazo de dois anos de permanência da criança em instituições.

§ 2º A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária.

§ 3º A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos Ia IV do caput do art. 129 desta Lei.” (NR). Este dispositivo é importante, tendo em vista que a permanência da criança em instituições por longo período muitas vezes dificulta o contato com sua família novamente, sendo necessária uma reorientação antes que esse processo ocorra.

Art. 25. Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que

se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.

Essa Lei trouxe inúmeras inovações ao instituto, uma vez que a partir de agora

até pessoas solteiras podem adotar, conquanto que sejam mais velhas no mínimo 16 anos do que o adotado e se proponha a passar por uma avaliação da justiça para provar que pode dar educação, um lar e toda a assistência necessária. Esta nova legislação criou um cadastro nacional que visa impedir a prática de adoção direta, no qual a pessoa já aparece com uma criança pretendida.

De acordo com Cornélio (2010, p. 2): a nova lei cria, ainda, um maior

controle dos abrigos, agora chamados de acolhimento institucional. O conselheiro tutelar fica proibido de levar a criança diretamente ao abrigo, é o juiz quem determina a medida. A Lei deixa claro que a permanência da criança no acolhimento deve ser algo excepcional e breve. Outro ponto importante na nova Lei é a prioridade dos parentes mais próximos em adotar e a não prioridade de adoção por estrangeiros.

Com exceção da hipótese de morte do adotante durante a marcha processual, em

que os efeitos da adoção tendem a retroagir conforme a data do óbito, a adoção torna-se eficaz a partir do trânsito em julgado da sentença que a decretar, produzindo, com isso, efeitos de cunho pessoal nos quais se incluem parentesco, poder familiar e nome. Além destes, também se incluem efeitos patrimoniais como, por exemplo, aqueles relacionados a alimentos e direito sucessório. O artigo 52 do ECA, introduzido pela Lei 12.010 de 2009, prevê de maneira detalhada todas as etapas que se iniciam com o cadastramento e se encerram com a aprovação da adoção pelas autoridade brasileiras.Weber (2008, p. 146), apud Aldrovandi; Zaccaron (2010, p.

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6) esclarece o procedimento de cadastro de candidatos estrangeiros através de uma Agência de Adoção Internacional: o candidato estrangeiro pode realizar sua adoção por intermédio de uma Agência de Adoção Internacional e só comparecer ao Brasil no momento em que é providenciado o encontro com a criança. Entretanto, não é obrigatória a intermediação das associações para a adoção, basta que o candidato esteja habilitado junto ao órgão oficial de adoção no seu país ou no estrangeiro.

Ainda de acordo com a autora supramencionada, a fase de habilitação dos

adotantes junto ao órgão responsável é necessária a preparação dos candidatos para o encontro com o adotando, e vice-versa, sendo que esse encontro é pessoal, não se admitindo a adoção por procuração (art.39, §2°, ECA). Para isto, existe um grupo interdisciplinar preparado para acompanhar e orientar os envolvidos.

Acerca deste assunto, Venosa (2009, p. 195) complementa dizendo que o “envio

de crianças brasileiras para o exterior somente é permitido quando houver autorização judicial”.

Desse modo, na adoção por estrangeiro residente ou domiciliado fora do país,

aspecto que traz a maior esfera de problemas nessa matéria, nunca será dispensado o estágio, que será cumprido no território nacional, com duração mínimade 15 dias para as crianças com até dois anos de idade, e de no mínimo 30 dias quando se tratar de adotando acima de dois anos, tudo de acordo com o art. 46, § 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Em relação ao trato do Código Civil com a adoção internacional, Dias (2005, p.

434) expõe que: o Código Civil brasileiro de 2002, parece ter aberto mão de regulamentar a adoção internacional, deixando claro no que diz respeito a “adoção por estrangeiro residente ou domiciliado fora do Brasil”, que deverão ser observadas as condições previstas no ECA, remetendo a responsabilidade à aplicação da lei para a “lei especial”, não somente no caso do ECA, como as normas hoje existentes na Lei de Introdução ao Código Civil e na Convenção de Haia de 1993 (Decreto nº 3.087/99).

Esclarece o art 1.629: Art. 1.629. A adoção por estrangeiro obedecerá aos casos

e condições que forem estabelecidos em lei. Sob o entendimento desta autora, o Código Civil estabelece adoção por

pessoas estrangeiras à lei especial (1.629), que ainda não foi editada. Desse modo, o Ministério da Justiça passou a ficar responsável pelas adoções internacionais “Ao admitir a adoção somente por meio das agências, e ao proibir os advogados de atuarem, tais exigências geram sérios obstáculos à operacionalização da medida de colocação familiar” (DIAS, 2005 p. 434)

Considerando os dispositivos existentes no ECA, o Código Civil possui

caráter subsidiário diante das normas desse Estatuto pelo ECA, até que a legislação do sistema jurídico pátrio apresente matéria específica para este caso. 3.1 REQUISITOS PARA A ADOÇÃO INTERNACIONAL

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Segundo Silveira (2010) a “inscrição é a primeira etapa para o processo de adoção, pois é durante esse processo que a família efetivará o interesse em adotar uma criança”. E ainda afirma que, para as famílias que têm interesse em adotar crianças brasileiras, mas não residem no Brasil, uma das formas de realizar sua inscrição é procurar em seu país agências ou instituições internacionais que estejam aptas, ou melhor, que tenham permissão do Ministério da Justiça, ou do Ministério das Relações Exteriores, ou ainda, de um órgão do governo para funcionamento.

As referidas instituições contam com uma equipe multiprofissional composta

por assistentes sociais, psicólogos, médicos, profissionais responsáveis pelo preparo das famílias interessadas. Além disso, o papel destas instituições é, entre outros, facilitar o trabalho da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional (CEJAI), localizadas em alguns estados brasileiros, cuja função é atuar como intermediárias no processo de adoção.

Nos estados onde opera a Comissão, os candidatos deverão elaborar uma

petição, endereçada ao presidente da Comissão, com a qualificação dos requerentes, fundamentação (legislação que embasa a adoção internacional), o pedido de inscrição e habilitação à adoção e, por fim, a data e a assinatura do requerente. Essa petição ou requerimento deverá ser acompanhada dos seguintes documentos dos interessados: a) certidão de casamento ou certidão de nascimento; b) passaporte; c) atestado de sanidade física e mental expedido pelo órgão ou vigilância de saúde do país de origem; c) comprovação de esterilidade ou infertilidade de um dos cônjuges, se for o caso; d) atestado de antecedentes criminais; e) estudo psicossocial elaborado por agência especializada e credenciada no país de origem; f) comprovante de habilitação para adoção de criança estrangeira, expedido pela autoridade competente do seu domicílio; g) fotografia do requerente e do lugar onde habita; h) declaração de rendimentos; i) declaração de que concorda com os termos da adoção e de que o seu processamento é gratuito; j) a legislação sobre a adoção do país de origem acompanhada de declaração consular de sua vigência; l) declaração quanto à expectativa do interessado em relação às características e faixa etária da criança (SILVEIRA, 2010 p. 7)

Como se observa a fase de inscrição, é muito criteriosa e pode mesmo

ser eliminatória, para aquelas famílias que não conseguiram atender as exigências impostas.

Em caso de documentação incompleta, muitas famílias poderão ser descartadas

da probabilidade de adoção, assim como do banco de cadastro. No ato do cadastro, as famílias interessadas precisam ainda atender aos

seguintes requisitos: limite de idade, família constituída e disponibilidade dos adotados. 3.1.1 Limite de idade

Segundo Firmiano; Campos (2011), as pessoas que demonstram interesse em adotar uma criança pelo meio transnacional devem apresentar algumas características especiais, como “condições que comprovem estarem preparadas para receber, cuidar, e educar menores oriundos de outros países, de outras raças “.

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Em relação a isso, Mônaco (2002), apud Firmiano; Campos (2011),

comenta que “nosso legislador de Direito Internacional entendeu que a capacidade de direito e a capacidade de fato devem ser reguladas pela lei sob cujo império resida(m) o (s) adotante(s)”. Para este autor, a referida lei é “alienígena”, exigindo que o juiz de Direito nacional se atenha para verificar se o (s) pretendente (s) preenche(m) os requisitos que lhe (s) atribuem à capacidade.

Além dos requisitos elencados por Silveira (2010), também é exigida a

capacidade jurídica, somente podendo adotar os maiores de 18 anos. 3.1.2 Família constituída

A exigência de família constituída está prevista no art. 1.622 do Código Civil de 2002.

Esta exigência no Código Civil se justifica em razão de que cada vez mais

casais optam apenas por viverem juntos, não oficializando o casamento, já que a Carta Magna brasileira em seu art. 226, §3º, reconhece a união estável.

O Código Civil além de nortear suas decisões na Constituição Federal

também comunga com o Estatuto da Criança e do Adolescente dando oportunidade das pessoas “avulsas”, solteira ou viúva também se realizarem como pais ou mães.

Como se vê, a adoção não adota uma regra quanto a estado civil dos adotantes,

já que a lei abriu oportunidades às pessoas diversas, sendo esta uma regra válida tanto para as adoções nacionais, quanto para os estrangeiros que pretendam adotar crianças brasileiras. 3.1.3 Disponibilidade dos adotados

Além das exigências mencionadas, é preciso também considerar as condições que o menor apresenta, sendo esta uma condição para que a adoção aconteça.

Gatelli (2003), apud Silveira (2010), considera sujeito da adoção, na modalidade

plena ou legítima adotiva, “aquele que, na condição de adotando, se encontra em desenvolvimento, abandonado e preenche o requisito da idade previsto em lei”.

De acordo com o autor supracitado, o doutrinador quis enfatizar o “estado da

criança, tais como: estado de abandono, cuidados inapropriados em relação à saúde, alimentação, escola e outros, cuja condição esteja dificultando seu desenvolvimento físico, psicológico ou emocional”.

Fica evidente que a institucionalização é considerada uma saída de emergência,

que por certo período ameniza os problemas. Contudo, não de maneira definitiva. Sendo assim, caso seja comprovado que a família não tenha condições de criar o filho ou

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mesmo, não está disposto mais a vê-lo, a criança tem assim disponibilidade para a adoção. 3.2 SENTENÇA DEFINITIVA

Uma vez tendo seguido os requisitos e atendido todas as exigências, a adoção passa então à sentença definitiva.

Silveira (2010) ressalta que: (...) a sentença definitiva só será prolatada pelo juiz

após a análise dos documentos entregues pelo pretenso adotante e, ainda, após o contraditório (caso necessário) o término do estágio de convivência e a apreciação realizada pelo membro do Ministério Público quanto à regularidade do processo.

Liberati (1995, p. 159) conceitua: sentença definitiva como sendo, aquela que

decide o mérito, que resolve a contenda colocada perante o juiz para o exercício da prestação jurisdicional. É aquela que define o juízo, concluindo-o e exaurindo-o na instância ou grau de jurisdição em que foi proferida. Ela é, portanto, a sentença final de primeiro grau que resolve o litígio.

A sentença definitiva é, então, o momento em que se concretiza a adoção. A

partir desta sentença estabelece-se o vínculo entre adotante e adotado. A partir dela, o casal precisa tomar algumas providências como: o registro de nascimento, sabendo-se que o juiz, via mandado, indicará a inscrição da sentença no registro civil, possibilitando a inscrição de um novo registro, que se configura como uma nova qualificação, atendendo ao artigo 47 do ECA.

Uma vez se consolidando o processo de adoção, a criança passa a ter uma nova

família, tendo a oportunidade de desenvolver-se plenamente, sendo a adoção internacional uma via de tornar-se um cidadão naturalizado no país de origem dos adotantes. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo enfatizou o processo de adoção internacional à luz da legislação brasileira. Trata-se de um assunto complexo quando se considera que centenas de crianças estão à espera de uma família substituta e, por outro lado, existem casais que estão em filas de espera aguardando um resultado favorável. No direito brasileiro, o instituto de adoção somente veio a se sistematizar após a promulgação do Código de 1916, quando o instituto não se apresentava sistematizado, mas era permitido em alguns casos. Com a promulgação do primeiro Código Civil, esta prática viabilizou a constituição de uma família substituta por meio da adoção. Mesmo com o advento da legislação, o processo de adoção por muitos anos foi marcado por diversas dificuldades com destaque do processo de adaptação no qual o

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casal, após ter adquirido afeição pela criança durante este período, se via diante do impedimento no processo final, tornando o processo mais doloroso ainda. Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, muitas mudanças aconteceram, pois este Estatuto considera a criança como um ser de direito. Baseado nesse princípio, o ECA regulou também a adoção plena para aqueles com idade superior a 18 anos e, segundo este modelo, podem ser adotadas crianças e adolescentes, o que de certa forma veio ampliar as oportunidades para aqueles que esperam por adoção. A Lei n. 12.010/2009 veio alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente e também o Código Civil. Seus princípios legais visam ampliar e facilitar este processo, com destaque na redução do tempo de permanência da criança em instituições especializadas para este fim. Um tipo de adoção que tem sido amplamente discutido na sociedade a internacional baseada em três Convenções: a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança - 1989, a Convenção de Haia de 1993 e a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores, de 1994, sendo que todas elas trazem dispositivos legais voltados para a adoção de crianças brasileiras por casais estrangeiros, tendo como principal objetivo coibir o tráfico de crianças para outros países. A adoção internacional, apesar de não ser um processo que se estende no tempo como a adoção nacional, requer também empenho e paciência dos casais que têm interesse em adotar, já que a lei estabelece além de documentos,exames e acompanhamentos médicos, o deslocamento do interessado em efetivar a adoção, de seu país de origem, ao país onde se encontra a criança. A organização destes documentos gera ônus de R$1.200,00 (Mil e Duzentos Reais) para a tradução dos documentos por um tradutor público e o casal interessado deve procurar uma agência credenciada, conforme mencionado no capítulo 3, para participar de reuniões e receber acompanhamento dos profissionais da equipe multidisciplinar até que se consume ou não a adoção, sendo exigido que os adotantes se desloquem se seu país de origem para cumprir o estágio de convivência, incidindo em mais gastos. Nesse sentido, ressalta-se que para adotar uma criança que se encontra em outro país, é necessário tempo e dinheiro, o que poderia motivar estrangeiros a se arriscar em participar de atos ilícitos para conseguir certidões falsas e assim retirar a criança de maneira ilegal. Desse modo, é importante que os casais estrangeiros interessados em adotar obedeçam às exigências legais a fim de que, ao ser adotada, a criança consiga conviver harmoniosamente com sua nova família e assim participar de maneira saudável e segura. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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MEDIAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA

KATHYWCE MARTINS MORAES Orientadora: Alessandra G. Heronville da Silva

RESUMO: O presente trabalho tem como propósito apresentar, de maneira clara e atual o Instituto da Mediação no tangente ao Direito de Família, demonstrando a maneira de como foi inserido no direito brasileiro, suas fontes inspiradoras, enfim, sua caminhada até os dias de hoje. O objetivo da pesquisa foi o de avaliar mais a fundo a coerência do tema, suas relações com as diversas áreas participantes da interdisciplinariedade da mediação, sua funcionalidade em relação ao cumprimento dos acordos e sua verdadeira interface com a justiça convencional. A metodologia utilizada foi a de pesquisas e análises bibliográficas em diversos trabalhos de autores diferentes, a fim de comparar as opiniões e divergências do assunto. Palavras-chave: mediação familiar, interdisciplinariedade, direito. ABSTRACT: This paper aims to present, in a clear and current Institute of Mediation in Family Law tangent to demonstrating the way it was inserted in the Brazilian law, their sources of inspiration, finally, his walk up to the present day. The research objective was to evaluate more thoroughly the consistency of theme, its relations with the various participants in the interdisciplinary areas of mediation, their functionality with respect to compliance with the agreements and their true interface conventional justice. The methodology used was the literature research and analysis in many works of different authors, in order to compare the differences of opinions and subject. Keywords: family mediation, interdisciplinarity, right. INTRODUÇÃO

Ao pensarmos no sistema judiciário logo associamos a ele alguns aspectos como: demora, insatisfação, possíveis injustiças, dentre outros vários pequenos problemas que um sistema abarrotado de processos nos oferece e que são inevitáveis. É certo que o sistema deveria ser célere e proporcionar aos seus usuários segurança jurisdicional e tranquilidade, mas a maneira de condução do judiciário nos apresenta fatos contrários a esse princípio.

Assim sendo, quando imaginamos um sistema judiciário ético e justo, e

principalmente sem sobrecargas, podemos prever que o mais próximo disso que podemos chegar é um caminho alternativo à justiça, ou seja, uma outra maneira justa e legal de resolução de conflitos, que garanta segurança às partes, bem como sigilo, celeridade e justiça.

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A esfera judicial é imparcial, o que, sem dúvida, gera o contentamento de uma parte e o descontentamento de outra, uma vez que, para que uma parte ganhe, a outra tem que perder.

Interessante ressaltar que noutros tempos, onde não haviam tantos

processos, os profissionais do direito até conseguiam uma melhor resolução para os litígios, já que havia a capacidade de dialogar acerca do caso, procurando estabelecer entre as partes um resultado que fosse favorável pra ambas as partes, o que atualmente, com as tradicionais estruturas disponibilizadas ao judiciário e o alto índice de conflitos existentes, dialogar acerca de qualquer processo com calma é tarefa impossível para os julgadores, que estão sempre com mais carga de processos para análise do que suportam, além da burocracia, formalismos e entraves que a própria legislação impõe.

Tudo isso gera uma morosidade absurda, além de uma enorme crise de

funcionalidade do sistema. Nesse sentido, oportuno se faz citar Bavaresco (2006, p. 8) acerca do fenômeno da funcionalidade do judiciário: [...] o fenômeno é tão evidente e tão grave que em muitos casos é o próprio legislador estatal quem prevê estas alternativas, com a esperança de que muitas controvérsias se resolverão fora do processo, reduzindo em alguma medida as dimensões da crise de funcionalidade da justiça ordinária.

Contudo, muito embora admita ser impossível prescindir dos instrumentos

das ADR, adverte: 1) o crescimento das ADR não é um fator positivo, senão um sinal evidente da crise da justiça ordinária, é um sinal de patologia, não de saúde do sistema processual; 2) nem tudo é bom no ânimos das ADR, pois há inconvenientes, injustiças, degenerações e desigualdades no funcionamento de muitos instrumentos alternativos, sendo absurdo depositar neles uma confiança indiscriminada.

Destarte, talvez o grande aumento de litígios que tem decorrido de tempos para

cá seja pelo fato da população ter mais entendimento acerca de seus direitos, e com isso, não hesitar quando sentem necessidade de procurarem o poder judiciário. Vale lembrar que esse problema do judiciário não é exclusivo do Brasil, ele ocorre em todas as partes do mundo, e com isso, movimentos favoráveis à revitalização do sistema começaram a ganhar força, surgindo alternativas como a composição, a mediação, a conciliação e a arbitragem, permitindo um melhor acesso à justiça.

Segundo Oliveira, in Bavaresco (2006, p. 9): [...] a consciência da dimensão

social do processo, que foi denominada por Mauro Cappelletti de Revolução Copérnica, porque rompe com a impostação tradicional, deixando o processualista de concentrar sua atenção sobre o direito como norma, para atentar para sua efetividade no mundo real e passar a examiná-lo pelo ângulo visual dos usuários dos serviços processuais.

Notadamente que a característica da jurisdição é a de pacificação de

conflitos, eliminação de litígios, assim sendo, os meios alternativos apresentam propostas como barateamento do custeio processual que podem ser mais atrativas ao litigante, além da rápida resolução dos conflitos, por assim ser, fica claro a vantagem que todos retiram da “justiça alternativa”.

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A partir disso, mostra-se claro que o Estado deve propiciar uma maneira de agilizar e desabarrotar o judiciário, sendo uma destas a mediação no âmbito do direito de Família.

Este, por sua vez, é considerado um método preventivo no que se refere a

intervenção social, por atender àquelas famílias que estão em crise, e por consequência, enfrentando uma separação, como uma forma amigável e com menos conflitos para ambas as partes. 1 HISTÓRICO E CONCEITUAÇÃO DA MEDIAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA 1.1 ESCORÇO HISTÓRICO 1.1.1 Direito de família

De acordo com Engels (1995, p. 61), a origem da palavra família deriva-se de famalus, que quer dizer escravo doméstico, sendo, portanto, o conjunto de escravos pertencentes ao mesmo homem. Tanto que na antiga Roma o homem, chefe de família tinha direito de vida e morte sobre os membros de sua família.

Já para a socióloga Della Torre (1972, p. 188), família significa conjunto de

pessoas unidas por vínculos de parentescos e possuindo agregados. Ainda de acordo com Torre, a família é normalmente o primeiro grupo social a que pertencemos, e entre todas as instituições sociais é aquela com a qual mantemos contatos mais íntimos.

Interessante ressaltar que foi por volta de 1871 que apareceu o estudioso,

Lewis Henry Morgan, que apresentou novas ideias para a conceituação de família, ampliando o campo dos entendimentos até então difundidos, demonstrando um novo meio de parentesco, que se dá pela consanguinidade e afinidade, deixando de lado a antiga visão do poder unicamente patriarcal.

É certo que podemos observar que a família, ou os agrupamentos humanos,

precedem a vários outros temas, o que deve ser visto e entendido sob diferentes prismas.

Desde sempre se pode observar através da história que o ser humano sempre

teve a necessidade de conviver em grupos na sociedade, construindo seu próprio grupo ao lado de um par. Talvez por isso a base do modelo de família tradicional ainda seja aquela composta por pais e prole. E o Direito, por sua vez, sempre buscou amparar essas relações familiares, acompanhando a evolução do Instituto, que por sua vez, inicialmente se baseava nos moldes conservadores, totalmente voltados ao matrimônio e ao modo patriarcal de gerenciamento dessa família, o que foi modificado ao longo dos anos, admitindo novos valores e formas de constituição. Uma etapa importante dessa época da história é a Revolução Industrial, que tirou as mulheres de dentro de seus lares, onde trabalhavam apenas para seus maridos, levando-as a ingressar na rotina de trabalho fora de casa, auxiliando o marido no provimento do lar, elevando a

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família a um modelo nuclear, modificando sua estrutura, deixando de enxergar somente o homem como provedor, descentralizando seu poder familiar e valorizando mais as relações afetivas.

Desse modo, a família deixou de ser patrimonialista para ser solidarista, onde

seus membros não mais se reúnem somente para a perpetuação de seus descendentes, mas sim exclusivamente pelo laço afetivo, evoluindo junto com a sociedade como um todo, e o direito sempre a seu lado.

No que se refere à legislação do direito de família, as primeiras leis

surgiram no direito Canônico, com o Cristianismo. Ao depois, no Código Civil de 1916 não havia referências acerca da definição do instituto da família, sendo apenas legitimado o casamento civil, o qual fazia uma alusão abstrata à família: C.C 1916 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm): Art. 229: criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos.

Assim sendo, podemos observar que o efeito dessa norma era o de

legitimar a família, que antes do mencionado diploma legal sua única forma de constituição familiar era pelo casamento, além de não ser aceitável a dissolução do mesmo, posto que, como aludido anteriormente, o instituto era tão somente patrimonialista, e com a sua dissolução, era temerário que os bens ou o patrimônio adquirido na constância desse casamento fosse parar na mão de outrem que não os nubentes. Tanto que as uniões entre duas pessoas, hoje conhecida como união estável, não era aceita nem legitimada pelo código em comento, e os filhos advindos desse tipo de união não eram nem reconhecidos como legítimos, isso para retirar desses, a sucessão ou direitos patrimoniais.

Mas com o passar do tempo foi ocorrendo também a evolução do direito,

vagaroso e ainda preconceituoso no começo, como o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62), que também teve sua evolução ativada, com a modificação de alguns artigos trazendo mais benefício às mulheres, como a plena capacidade, o resguardo dos bens materiais e a propriedade. Mas ainda não havia a existência do divórcio, que só figurou em nossa legislação após o ano de 1977, tendo os casais que queriam se separar que se contentarem com o desquite, instituto que não punha fim ao casamento e impedia um novo matrimônio. Assim, a CF-Constituição Federal de 1988 (Vade Mecum, 2011, p 126) inovou: art. 229: criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos.

Art. 226: a família, base da sociedade, tem, especial proteção do Estado. [...];§3º:

para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento; §4º: entende-se, também, como entidade família a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes; §5º: os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher; §6º: o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio [...].

Assim, podemos observar que a CF/88 lineou novos rumos ao direito de

família, fazendo com que o CC de 1916 deixasse de ser importante para tal ramo, fazendo com que o Direito Civil, após a promulgação do código de 2002 se constitucionalizasse e deixasse de ser tão patrimonialista. Em face de tantas

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mudanças foi inevitável a família ganhar novos conceitos, assumindo o posto de base emocional dos seus integrantes, rompendo as fronteiras legais para englobar em seu seio todas as relações que envolvem afeto, sentimento familiar, deixando de lado a antiga visão de que família se constituía apenas com o instituto do casamento, deixando de ser uma sociedade patrimonialista para ser uma sociedade sócioafetiva, com agrupamentos amplos de sólidas bases afetivas e éticas.

De qualquer forma, é certo que a família, ou melhor, o direito de família é um

dos ramos jurídicos que aufere maior aplicabilidade e incidência prática, já que podemos afirmar que raramente se encontra uma pessoa que não vive-se ou procede de uma família, desse modo, esse direito familiar é bastante conhecido e difundido entre as pessoas, que acabam por se acostumarem com as regras. Da mesma forma, podemos observar que a família pode ser considerada como um dos principais institutos sociais, merecendo a proteção do Estado, tanto que em grande parte dos litígios que envolvem o direito de família é obrigatória a intervenção do Ministério Público, o que, de certa forma, integra essa questão ao direito público. 1.1.2 Mediação familiar

O termo mediação adveio do verbo latino mediare, que por sua vez, designa intervir, medir. A mediação, por si só, é tão antiga quanto a própria sociedade, como na época de Confúcio, onde era praticado um ideal de comportamento dentre os homens, e caso isso não ocorresse, era evitado qualquer tipo de litígio, uma vez que o litígio era considerado desonroso, assim sendo, procurava-se a mediação como forma de resolução do conflito. Já nos Estados Unidos a mediação começou a aparecer na segunda metade do século XX, quando o judiciário percebeu que necessitava de uma arma para desafogar o judiciário, o que, segundo Andrade (2009) originou o Meio Alternativo de Solução de Conflitos, ou ARD (Alternative Dispute Resolution).

A partir daí passou-se a estudar com mais ênfase a mediação, tanto nos EUA

como nos demais países, passando a ser largamente utilizada em diversos lugares do mundo.

No ano de 1974 se tornou comum valer-se da mediação para a resolução

das questões de divórcio, assim como passou a ser o instituto reconhecido em casos que envolviam questões familiares, como os litígios referentes à visita e guarda de filhos.

Aqui no Brasil, a Câmara dos Deputados, no ano de 1998, apresentou um

Projeto de Lei, por sua vez, o de nº 4.827/98 que tratava da mediação como resolução extrajudicial de conflitos, que fora aprovado somente quatro anos depois com seu texto original, recebendo o nome de PCL 94 de 2002. A questão agora era que o Instituto Brasileiro de Direito Processual, o IBDP, desde o ano de 1999, havia designado uma comissão para que fosse elaborado um Anteprojeto de Lei acerca da mediação no processo civil, que após debates e discussões se transformou num projeto final que foi devidamente apresentado para o governo federal, que também já possuía um projeto de lei que já havia sido inclusive provado na Câmara dos Deputados, o

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que gerou audiências e discussões entre a então deputada Zulaiê e o IBDP, assim como todas as organizações que estavam envolvidas no projeto da mediação.

Novamente quatro anos mais tarde, em 2006, depois de muitas discussões e

reuniões acerca do tema, foi aprovado pelo Senado e Comissão de Constituição e Justiça um novo texto, elaborado pela IBDP, aumentando os sete artigos originais para quarenta e sete, com o intuito de regulamentar todas as questões da mediação, tanto na esfera judicial quanto na extrajudicial, apresentando de forma definitiva a mediação ao sistema judiciário brasileiro como uma forma de auxílio de descompressão do próprio sistema judiciário na área civil. 1.2 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DA MEDIAÇÃO

Literalmente, podemos entender, a priori, que a mediação é a existência de uma terceira pessoa dentro de um contexto litigioso, a fim de ajudar na resolução do mesmo.

De acordo com Serpa (1999, p. 365), esse termo significa a maneira pacífica e

não adversa de resolução de disputas. Também podemos citar Neto (2007, p. 85), onde preleciona que a expressão mediar significa, em sentido amplo da palavra, atender a pessoas, e não a casos.

Ou seja, o mediador é uma pessoa imparcial, estranha ao conflito que se propõe

a ajudar as partes em litígio a desenvolver uma boa comunicação entre si e chegar a um possível acordo, e lembrando que esse método é diferente da arbitragem, já que aqui são as partes que tomam a decisão final, cabendo ao mediador aconselhar e instruir estas, conduzindo-as a um acordo, demonstrando os reais interesses de cada uma delas, que por sua vez devem confiar no mediador.

Interessante, da mesma forma, ressaltar que a mediação busca preservar as

relações posteriores ao ato, mantendo os relacionamentos vindouros. Nesse sentido, Schimitt in Bavaresco (2006, p. 15) esclarece não se limita a mediação simplesmente à gestão dos conflitos, ela se inscreve por mais, em uma visão maior de recomposição dos relacionamentos sociais, de novas relações entre os indivíduos.

Morais in Bavaresco (2006, p. 15), por sua vez, classifica a mediação como

espécie do gênero justiça consensual, define mediação como um mecanismo para solução de conflitos através da gestão dos mesmos pelas próprias partes. E isso é realmente válido se observarmos do ponto de vista da reconstrução rápida e satisfatória que ladeia os envolvidos no conflito, uma vez que estes tiveram a oportunidade de confrontar e expor todos os seus pontos de vista, e muitas vezes reconhecendo o seu erro.

Bacellar (2004, pp.173-174), em dispositivo da Lei 3.071/16 C.C, assim

conceitua a mediação: art. 229: Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos.

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Art. 226: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]; §3º: para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem relações (no mínimo sem qualquer desgaste ou com o menor desgaste possível), preservando os laços de confiança e os compromissos recíprocos que as vinculam [...] a mediação pode ser definida como latu senso, que se destina a aproximar pessoas interessadas na resolução de um conflito e induzi-las a encontrar, por meio de uma conversa, soluções criativas, com ganhos mútuos e que preservem o relacionamento entre elas. (Bacellar, Roberto Portugal. Juizados Especiais - A nova mediação paraprocessual. Ed. Revista dos Tribunais, 2005).

Então, a mediação é uma forma não adversa na resolução dos litígios. No

que se refere à sua classificação poderá haver diferenças, já que os processos são diferentes uns dos outros em relação ao objeto e espécie.

De acordo com Bavaresco (2006), o projeto de Lei 4.827/1998 traz duas

hipóteses de mediação, sendo a paraprocessual e a extrajudicial, ao qual traduz na exposição de motivos do seu anteprojeto de lei: (...) o projeto investe em duas modalidades de mediação: a primeira, denominada mediação prévia (que será sempre facultativa), permite ao litigante, antes mesmo de ajuizar demanda, procurar o auxílio de um mediador para resolver o conflito de interesses; a segunda, incidental (e cuja tentativa é obrigatória), terá lugar sempre que for distribuída demanda (excepcionadas as causas arroladas no art. 5º da lei), sem prévia tentativa de mediação, de sorte que, obtido o acordo, se extinguirá o processo sem a necessidade de intervenção do juiz estatal. (Cadernos IBDP- Série Propostas Legislativas, v.3, agosto de 2003, in Bavaresco 2006. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/13178. Ufrgs- repositório digital.lume.Acesso em 22 de fev. 2013).

Por outro lado, oportuno fazer referência à classificação de mediação do

parisiense Michèle Guillaume Hofnung, que no ano de 1995 publicou uma obra referindo-se a duas importantes e grandes formas de mediação, a mediação de diferenças e a mediação de desavenças. Segundo Hofnung in Bavaresco (2006, p. 18): a mediação de diferenças é aquela que ocorre no dia a dia, fruto das diferenças que compõe a base de toda construção social. Esta mediação se produz quotidianamente sem que seja percebida- uma vez que a vida social não descarta o conflito- criando novos laços ou grupos (mediação criadora), ou fortalecendo laços já existentes (mediação renovadora). De outro lado, a mediação de desavenças surge sob o domínio do conflito na tentativa de evitá-lo (mediação preventiva), ou solucioná-lo (mediação reparadora). [...] assim sendo, a mediação pode ser definida como um modo de construção e de gestão da vida social por meio da intromissão de um terceiro, neutro e independente, cuja missão fundamental é restabelecer a comunicação entre as partes. (Hofnung, Michèle Guillaume. Lá mediatíon, p. 71 a 74, in Bavaresco, 2006, p. 18-19. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/13178. Ufrgs- repositório digital.lume. Acesso em 22 de fev 2013).

Cumpre informar que a mediação é diferente de outros métodos de

resolução de conflitos como, por exemplo, a arbitragem, instituto em que são as próprias partes que resolvem os conflitos, e não um terceiro imparcial, requisito imprescindível no instituto da mediação, que, por sua vez, preocupa-se com o porvir

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dos relacionamentos, ou seja, com a manutenção destes após a resolução dos conflitos, se envergando para o lado positivo do conflito.

Embora no nosso país o instituto da mediação ainda não possua uma

legislação específica de uma forma geral, o direito do trabalho pátrio é o único ramo desta ciência que possui uma normatização para o tema, com possibilidades de mediação pública e privada.

Para amparar os demais ramos do direito, o projeto de lei nº 4.827/98

ampara duas modalidades de mediação, sendo estas a paraprocessual e a extrajudicial. Então, definitivamente podemos entender a mediação como a solução dos

conflitos das pessoas buscando a satisfação entre as partes envolvidas, tanto direta quanto indiretamente, almejando uma solução integradora da questão em pauta.

Para tanto, é necessário que se procure resolver o problema de uma forma

integral, isto significa dizer que resolve-se tanto a questão processual quanto a social. A esse respeito, John W. Cooley, in Bavaresco (2006, p. 20) esclarece: nos

termos da regra do jogo da mediação, as posições jurídicas das partes são secundárias e, às vezes, irrelevantes. Se chegarem a ser tratadas, as posições jurídicas das partes participantes são discutidas em termos de sua validade potencial, normalmente sujeita a ampla especulação. Contrariamente ao jogo do julgamento, no jogo da mediação, as partes participantes estão preocupadas com suas posições negociadoras, e não com suas posições jurídicas. As posições negociadoras são definidas pelas questões de negociação das partes participantes que, por sua vez são formadas a partir das necessidades e dos interesses básicos dos participantes ou por suas esperanças e seus receios conscientes ou inconscientes ligados à proteção daquelas necessidades e daqueles interesses. Enquanto as posições jurídicas raramente mudam, as posições negociadoras podem mudar a qualquer momento.

Seu objetivo geral no jogo da mediação não é, como no jogo do julgamento, ver

as posições jurídicas de seu participante, declaradas válidas ou inválidas por um participante desinteressado. Antes, seu objetivo geral é chegar a um acordo que ratifique tantas das posições negociantes finais de seu participante quanto possível – para satisfazer a tantas das necessidades e a tantos dos interesses daquele participante quanto possível.

Ainda podemos citar Bacellar (2004, p. 186), quando ele preceitua que: a

mediação procura valorizar os laços fundamentais do relacionamento, incentivar o respeito à vontade dos interessados, ressaltando os pontos positivos de cada um dos envolvidos na solução da lide, para ao final, extrair, como consequência natural do processo, os verdadeiros interesses em conflito.

Enfim, nesse instituto, não se pode falar em vencedores e vencidos, uma vez que

a decisão é resultante de negociação realizada entre as próprias partes, e esta é uma estratégia bastante eficaz para que essas partes continuem a ter um bom relacionamento posterior, além de ser um bom incentivo para que as partes não hesitem em cumprir os atos ali acordados, já que foram elas próprias que assim quiseram.

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1.2.1 Princípios da mediação

Como todos os assuntos decorrentes do direito, a mediação também possui seus princípios, que norteiam e sustentam todo o instituto, haja vista que aqui a atuação é que as partes não sejam adversárias, tampouco que seus problemas sejam resolvidos por terceiros, no caso um juiz de direito. Aqui, o interesse é que as próprias partes resolvam seus conflitos, recebendo apenas conselhos e informações, um auxílio de terceiro, nesse caso, o mediador, que por sua vez não tem a incumbência nem a função de decidir quem está com a razão, mas sim de ser um facilitador da decisão entre as partes, ajudando estas a identificar quais são realmente seus direitos, seus interesses e suas necessidades dentro do caso concreto, além de tentar manter um controle para que as emoções não se alterem.

Nesse contexto, citando Vezzulla in Bavaresco (2006, p. 30): [...] na condição

de terceiro neutro, o mediador conduz, sem decidir. É neutral em tudo o que seja esperado como intervenção na decisão. E ele, nesta condição, deve fazer com que as partes envolvidas participem ativamente na busca das melhores soluções que se ajustem a seus interesses, pois ninguém sabe mais do que as próprias partes para decidir sobre si mesmas.

Isto posto, entendemos que as partes são livres para buscarem a melhor solução

para seus conflitos, o que não significa dizer que a escolha pela resolução destes conflitos na modalidade mediação também o seja, pois existem casos em que a justiça determina a mediação, muito embora a partir do momento em que as partes estão participando do instituto, estas podem desistir a qualquer momento, com ou sem a resolução do conflito. Nesse diapasão entra o princípio da imparcialidade.

Princípio da imparcialidade: este representa a peculiaridade da ética de um

processo, ou seja, é a garantia de que o processo possui uma ética, e é sob sua égide que o instituto da mediação traz o conceito de que é um instrumento sério a serviço da condução de um acordo entre pessoas que trazem consigo um conflito. Em verdade, de acordo com tal princípio, as partes possuem o direito de entrar num instituto que lhes sejam justo e equitativo, além de terem a certeza de que o mediador não favorecerá nenhuma das partes.

Sales (2004, p.48) afirma que a imparcialidade deve ser inerente ao mediador,

em razão de ser sua função ajudar as partes a reconhecerem os reais conflitos existentes, produzindo as diferenças com o outro e não contra o outro, criando assim novos vínculos entre elas; a) princípio da competência do mediador: este está diretamente relacionado ao princípio da imparcialidade, ao que preleciona Sales (2004, p. 50) ao afirmar que entende-se por competência a qualificação necessária para satisfazer as expectativas das partes, aí compreendida a capacidade de mediar, em seu sentido técnico (capacitação e experiência) e subjetivo (imparcialidade); b) princípio da informalidade: este é considerado o oposto do processo judicial, que, como o próprio nome diz, é essencialmente informal, haja vista ser totalmente pacificado, comunicativo e interativo. E sem dúvida, uma das maiores características em mediação é a flexibilidade, posto ser um verdadeiro processo de negociação entre as

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partes, e estas, por sua vez, podem suprimir ou voltar a algumas etapas, de acordo com o rumo que as negociações tomem, pois a mediação não é um procedimento estrito; c) princípio da confidencialidade: este nada mais é que um princípio que diz respeito às confidências do conflito, em outras palavras, o que for ouvido deve ficar restrito ao processo da mediação. De acordo com Sales (2004, p. 49), é um princípio que as partes podem dispor a seu favor, sendo obrigatória em relação ao mediador, que em nenhuma hipótese pode revelar fatos dos quais tenha sido informado pelas partes, durante sua atividade. Este é considerado um dos mais importantes princípios da mediação, uma vez que, sem saber a realidade dos fatos, o mediador ficaria impossibilitado de ajudar, e em contrapartida, é obrigado a silenciar daquilo que é de confidência dos envolvidos. Contudo, há controvérsias, Morais e Espengler (2008, p. 147) ressaltam que há casos em que esse princípio possa ser desconsiderado, ao preceituarem que em casos onde o interesse público sobreponha-se ao das partes, ou seja, quando a quebra da privacidade for determinada por decisão legal ou judicial, ou ainda por uma atitude de política pública.; d) princípio da reaproximação das partes: este visa o não rompimento das relações entre as partes envolvidas no conflito, ou seja, não há êxito total na mediação se as partes apenas assinarem termos de concordâncias sem conseguirem se entender depois. Isto demonstra que a mediação também se baseia em atos de comunicação e cooperação, buscando não só a solução do conflito, mas também a recuperação da harmonia perdida entre as partes.

Não obstante e em conjunto aos princípios, certo é que a mediação deve ser considerada um processo, já que seus atos lógicos e cronológicos constituem a composição de um conflito. Isto posto, há autores que demonstram em suas obras alguns perfis para o processo da mediação. Schimitt in Bavaresco (2006, p. 102) enumera quatro fases para a mediação:

A primeira fase consiste na fase da pré-mediação, momento no qual é

determinado o objeto do conflito submetido à mediação, bem como as regras que regerão o processo [...] a conclusão desta etapa geralmente dá -se com a assinatura [...] do protocolo de mediação. A segunda fase corresponde ao diálogo que deverá ocorrer entre as partes sobre o objeto de litígio. Esse diálogo pode se dar por meio de encontro das partes em reuniões (mediação direta), ou por meio de vias indiretas como telefonemas, por escrito ou por reuniões unilaterais (mediação indireta). A próxima fase do processo é a procura de um acordo, na qual será de fundamental importância o trabalho estratégico do mediador [...] a última fase equivale à execução do acordo, ou seja, os mediadores devem verificar se as partes cumpriram as obrigações firmadas. Diferentemente da ação judicial, o papel do mediador não termina com a assinatura do acordo, estendendo -se até sua execução.

Já sob a ótica de Vezzulla in Bavaresco (2006, p. 105), a mediação é um

procedimento, e como tal, se constitui de uma sequência de atos em uma certa direção. Embora não seja um procedimento inflexível, ela se faz cumprindo, em geral, seis etapas. São elas: a) - a apresentação do mediador e das regras da mediação;. b)- exposição do problema; c)-ordenamento dos problemas; d)-descoberta dos interesses ocultos; e) - elaboração de acordos parciais; f)-elaboração do acordo final.

Diante dessas premissas, podemos perceber que a mediação é objeto de

infindáveis estudos e discussões.

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1.2.2 O mediador

De acordo com Morais in Bavaresco (2006, p. 120), o mediador é o terceiro neutro que intermedia as relações entre as partes envolvidas. Ainda nessa linha de raciocínio, (ibid), sua função primordial é a de um facilitador, eis que deve proporcionar às partes as condições necessárias para que alcancem a melhor solução para seu conflito.

O mediador é uma parte neutra no processo, aceita pelas partes, que não

apresenta solução para os conflitos, ele apenas ouve as partes e apresenta uma sugestão para o conflito.

E diante desta sugestão, ele apresenta as vantagens e desvantagens para cada

uma das partes, buscando uma solução que agrade ambas as partes. Nesse sentido, Maria Figueiredo (mmfigueiredo.wordpress.com), dispõe que mediar é, assim, optar por recorrer à ajuda de um profissional especializado, o Mediador Familiar, que irá conduzir sessões face a face entre as partes em conflito, promovendo entre estas, uma comunicação, até então inexistente ou perturbada.

Assim sendo, podemos entender que o mediador é figura de extrema

importância para as partes, visto que as ajudarão a enxergar os pontos do conflito, os reais interesses de cada um, assim como uma estratégia de solução que agrade e seja justa para as partes, sem deixar se perder a harmonia entre as mesmas. Deixará que cada parte exponha seus pontos de vista, exprimindo seus interesses, de forma a esclarecer os pontos conflituosos. Dessa forma, este mediador promoverá uma negociação, um acordo regulador do inconveniente às necessidades de cada um.

Muito embora esse mediador possua um poder de decisão, esse não se assemelha

ao de um juiz. Isto quer dizer que o mediador é investido de coordenar o bom andamento da discussão, dando a ela um rumo moral e justo, afim de que se chegue a uma decisão respeitados os princípios da mediação.

Neste diapasão, o mediador deve se preocupar em preservar a credibilidade da

mediação, observando seus atos, e se portando de acordo com a imparcialidade do instituto, procurando observar a realidade de cada um dos envolvidos no conflito sob sua guarda, deixando de lado seus valores ou preconceitos para se atentar somente àquele caso concreto.

Da mesma forma, deve agir com independência, se atentando para que as

partes não desconfiem de sua conduta no decorrer do processo, assim como agir com competência, aceitando coordenar o processo somente quando tiver a certeza de que possui os requisitos necessários para tal. Outro fator importante e indispensável para o mediador é agir dentro da confidencialidade, tanto o mediador quanto os mediados, mantendo o sigilo acerca dos acontecimentos do processo. E por fim, o mediador deve ser diligente no que se refere aos cuidados e qualidade com o processo, assegurando que este será realizado dentro de todos os seus princípios básicos.

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Para desempenhar o papel de mediador, a pessoa deve possuir capacidade para tal, conduta ilibada, além da formação técnica ou experiência na prática da natureza do conflito, podendo estes ser judiciais ou extrajudiciais. Deste modo, os mediadores judiciais podem ser aqueles advogados com três anos de atividades jurídicas exercidas, que sejam capacitados para tal, além de devidamente inscritos no Registro de Mediadores, que terão suas atuações controladas e fiscalizadas pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), de cada subseção. No que se refere aos mediadores extrajudiciais, aqui denominados independentes, são pessoas da mesma forma capacitadas para a função designadas, sendo profissionais de outras áreas, como psicólogos, assistentes sociais, conselheiros tutelares, dentre outros, que também serão selecionados e devidamente inscritos no Registro de Mediadores, e todos estes são considerados auxiliares da justiça.

Para Garcez in Bavaresco (2006, p. 123), no que se refere à formação dos

mediadores: [...] alguns consideram que se trata de uma prática, ou uma série de habilidades que devem agregar-se através da contínua instrução sobre uma base profissional existente com a advocacia, a psicologia, consultoria e administração.

Outros acham que o mediador não necessita ter uma formação profissional e que

a mediação pode ser praticada através de pessoal não profissional, com vínculos, porém, com o tema e o ambiente da controvérsia. (...) já outros creem que a mediação é uma nova profissão, que exige um currículo de pessoas graduadas com aprovação e pré-requisitos acadêmicos para nela ingressar.

Assim podemos entender que a questão da mediação é de interdisciplinariedade,

e o treinamento eficaz é mais eficiente que qualquer tipo de formação, uma vez aliado à prática e experiência que vão sendo adquiridas pelo mediador ao longo do tempo. Em anexo, segue o Código de Ética dos Mediadores, a fim de esclarecer quaisquer dúvidas.

A “profissão” de mediador é algo novo, que está sendo exercida por

profissionais de diversas áreas, como psicólogos, advogados e assistentes sociais. Embora ainda não se possa falar em qual profissional seja o melhor mediador, é certo que, para ser um bom mediador deve apresentar capacidade para adentrar as questões de família, envolvendo os aspectos emocionais de todos.

Nesse contexto, Cezar-Ferreira (2007, p. 169) preceitua que, em casos de

separação, espera-se que o mediador tenha o seguinte perfil: Quadro 1- Perfil do mediador Nível superior Capacitação básica em mediação Noções de direito de família Experiência no emprego de técnicas de resolução de conflitos relacionais Credibilidade das partes Imparcialidade. (Fonte: CEZAR-FERREIRA - 2007, p. 169)

E ainda seja. Quadro 2- Postura do mediador Favorecedor de cooperação Facilitador da comunicação entre os pais Facilitador de entendimento dos pais em prol dos filhos

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Facilitador do contato entre pais e filhos Equilibrador na disputa de poder Facilitador da troca de informações necessárias ao acordo Fonte: CEZAR-FERREIRA (2007, p. 169)

Tais características podem ser desenvolvidas nos cursos de capacitação de mediação, que ensinará técnicas de resolução de conflitos e de escuta. Muito embora ainda não exista uma regulamentação acerca da “profissão” de mediador, existe o CONIMA - Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem- que ensina diversas questões acerca da mediação, como ética e recomendação de cursos.

Não obstante, de acordo com o Projeto de Lei da Câmara nº 94/2002, os

mediadores podem ser excluídos do Registro de Mediadores para os casos de condutas inadequadas, que pode ser a violação dos princípios da imparcialidade e da confidencialidade, e se funcionar em casos quando está impedido de mediar. Esta exclusão se dará através de processo administrativo, com início de ofício ou mediante representação, da mesma forma, o mediador pode, sem qualquer justificativa, solicitar, por vontade própria, sua exclusão dos quadros de mediadores.

Em última análise, o mediador pode ser visto como um facilitador na

comunicação das partes conflitantes, uma vez que os ajuda a discriminar, de maneira mais sábia, seus pontos de vista e interesses, além de ser preparado para evitar possíveis brigas na sua presença. 2 A FAMÍLIA, A SEPARAÇÃO E A MEDIAÇÃO

A priori, devemos considerar que a família é um sistema vivo, o que, de fato, a torna vulnerável a situações que podem ou não ser previsíveis. Ademais, importante é que se ressalte que todas as famílias estabelecem entre si, mesmo que sem perceber, um padrão de comportamento e regras de convivência, que são seus pilares, haja vista que possuem ligações afetivas e de lealdade.

Quando surgem situações de crise, estes pilares estruturais da família se

abalam, afetando os sentimentos de todos os seus membros. No caso de uma separação, cada membro da família pode apresentar uma reação diferente do outro, enquanto uns reagem com tranquilidade, outros podem apresentar sintomas de depressão ou raiva.

Quando há filhos, as crises de uma separação são ainda mais difíceis de serem

superadas, uma vez que, se estes filhos estão em tenra idade, dependem de seus pais para se desenvolverem, em todos os aspectos, como o social, o psíquico e biológico, e quando são adolescentes podem enfrentar crises de revoltas. Nesse contexto, Cezar-Ferreira (2007, p. 65) preceitua que: experiências e estudos vêm cada vez mais confirmando que as relações familiares, particularmente entre pais e filhos, são fundamentais na estruturação do psiquismo destes, pela transmissão de crenças, mitos e valores. Os fenômenos psíquicos como constructos hipotéticos reconhecidos somente por seus efeitos, na clínica psicológica, hoje podem ser entendidos como produções interpsíquicas.

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A partir disso, não podemos considerar que a separação seja questão meramente legal, ela envolve muito mais que legislação, uma vez que dissolver uma família legalmente não é questão das mais difíceis. Pior que isso é dissolver laços afetivos, comprometimentos com uma estrutura até então respeitada, que sem dúvida, deixará rastros de prejuízos emocionais. O que, de fato, concretiza os dizeres de Cezar-Ferreira (2007, p. 65): daí pensar se na interdisciplinariedade entre Direito e Psicologia, como ciências a serviço da família, nakJustiça.

Nesse contexto, ressalta-se que é de extrema importância que os pais participem

do desenvolvimento emocional dos filhos, já que é correto dizer que do bem-estar dos pais é determinado e depende o bem estar dos filhos. Para Falicov (in Cezar-Ferreira 2007, p. 67): a família é tudo, menos estática; no caso ideal, proporciona uma variedade de experiências que fomentam o crescimento. Isto posto, é necessário que se entenda que a separação entre casais é algo imprevisível, que embora não seja um fenômeno isolado, faz parte das transformações decorrentes na sociedade.

E esta fomentação de crescimento pode ser entendida como uma maneira de

ajudar os membros das famílias a se desenvolverem para a vida, já que todas as etapas que as famílias passam são importantes, e no contexto por ora apresentado, o divórcio e novas núpcias são fatores geradores de grandes emoções para os familiares, elevando-os então, a um crescimento forçado, posto que, de alguma maneira, a separação afetará a todos que deverão se adaptar às novas situações, o que poderá estabilizar suas emoções.

Por sua vez, a mediação familiar é uma “esperança” no que se refere a minimizar

os efeitos impactantes de uma separação. Tanto que já é possível observar, no nosso país, um aumento dos profissionais do ramo jurídico em aprender acerca da ciência psicológica dos seres humanos, posto que, da mesma forma, também é crescente as discussões no que tange a medição familiar. Assim sendo, fica claro que as causas de família necessitam de interdisciplinariedade, haja vista as formas de conflitos enfrentados, e de consequência, as necessidades geradas por estes.

Sem dúvida a crise gerada numa separação conjugal ou união estável traz algum

tipo de problema aos filhos, posto que afeta diretamente a relação até então estabelecida entre o pai e os filhos, assim como a mãe e os filhos. E não há como falar em separação sem geração de crise, o próprio ato da separação por si só já é uma crise estabelecida.

Os pais se afastam, e um destes pais sai do convívio diário com os filhos, a

mulher assume mais responsabilidade, enfim, são vários fatores geradores de mais crise. O que deixa a frase do ex-juiz de Família, Eduardo Cárdenas (in Cezar-Ferreira, 2007, p. 85), por hora pertinente: cada processo em uma Vara de Família constitui a manifestação de uma crise... E também o que a família necessita do sistema judicial é uma resposta estruturante frente ao desafio da crise.

De fato, o lado emocional das partes envolvidas numa separação talvez seja uma

das maiores dificuldades enfrentadas no processo de mediação. No que tange aos filhos, há um imenso prejuízo acerca da guarda e visitas, que na maioria das vezes, acaba por “representar” o poder de um genitor e a fragilidade do outro. Pensamento totalmente equivocado, mas que acontece, posto que, pela nossa cultura, o homem ainda é o

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principal arrimo da família, provedor do lar, que sai para trabalhar enquanto a mãe cuida do lar e filhos.

Nesse sentido, Peluso (1983, p. 16) dispõe: a guarda, enquanto manifestação

operativa do pátrio poder compreende, em princípio, a convivência no mesmo local, desdobrando-se nas faculdades de autorização para sair de casa, se comunicar com o menor e sua regulamentação (direito de visitas), de vigilância, o qual, em tema de responsabilidade civil, tem sérias implicações, consistindo na necessidade de evitar que os filhos estejam sujeitos a perigo de ordem pessoal e que ofereçam perigo a terceiros.

Diante de tal ensinamento podemos entender, de forma clara, que a guarda não é

e nunca será sinônimo de poder para um dos genitores, esta existe para que a criança tenha domicílio definido e o nome de quem os representará em seus compromissos diuturnos, enquanto que o outro pode desempenhar a função de observar se os cuidados estão sendo tomados com a criança, em aspectos tanto moral como educacional. O importante para a criança com pais separados é sentir que ela pertence às duas famílias, se sentindo amparadas por ambas. 2.1 SOLUÇÃO NÃO ADVERSA DE CONFLITOS – MEDIAÇÃO COMO FATOR RESOLUTIVO

Atualmente é inegável a violência registrada no nosso país, e isto tem levado a justiça cada vez mais a optar por uma forma mais branda de resolução dos conflitos, uma tentativa de modificar a cultura do litígio para a pacificação.

Tem-se observado que a disfunção na comunicação entre as pessoas é um

causador, uma fonte inexorável de surgimento de conflitos ou situações assim denominadas. Mas o diálogo sem uma condição apropriada para o mesmo de nada adianta, pelo contrário, pode gerar ainda mais confusão.

Em tese, as pessoas, ou pelo menos a maioria delas, não são autodidatas

suficientes para solucionarem ou administrarem seus próprios conflitos. Assim sendo, o diálogo precisa ser cercado de elementos que o justifique, os interlocutores precisam valorizar a mesma importância para o tema, enfim, para dar certo, é necessário que haja a ajuda de outrem, a fim de mudar a postura mental das partes, funcionando como filtros na comunicação, retirando da conversa aquilo que não lhe é necessário, pois só assim o diálogo terá capacidade de funcionar.

Ademais, podemos parafrasear que a vida, em termos, é nada mais que

uma constante negociação, em diversos aspectos e o tempo todo, independente se existe ou não conflitos. A esse respeito a Universidade de Harvard apresenta um Projeto de Negociação, em busca de resultados que sejam eficientes e sensatos, fundando esta negociação em quatro elementos básicos, Cezar-Ferreira (2007, p. 154).

1) Os problemas devem ser separados das pessoas - não se negocia sobre as pessoas com problemas, mas trabalha-se sobre o problema que elas tem.-Essa forma de ver pressupõe que as pessoas têm aspectos emocionais que vão influenciar sua

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percepção e suas decisões. Nesse caso, a negociação pretende que as pessoas em litígio ataquem o problema, e não uma a outra...

2) A negociação deve concentrar-se nos interesses e não nas posições. - Fixar-se numa determinada posição obscurece os verdadeiros interesses que ela encobre. As pessoas têm interesses e necessidades humanas, e é a essas que elas buscam satisfazer. Assim, na negociação, deve-se procurar levantar os interesses e as necessidades dos litigantes...

3) Deve-se criar um leque de opções de solução, antes de se chegar a qualquer decisão. - Quando se busca um acordo, é muito difícil encontrar uma única solução que seja correta. É difícil também, decidir na presença do adversário e ser criativo na busca de uma solução [...] as opções são colocadas na mesa, indiscriminadamente, sem qualquer compromisso ou julgamento, para uma a uma serem descartadas pelas partes, ficando, num primeiro momento, aquelas alternativas que fizerem sentido para todos e, num segundo momento, as que trouxerem benefícios mútuos.

4) Deve-se estabelecer algum critério “objetivo”. – muitas vezes os negociadores firmam-se em sua posição, por teimosia, e até por ignorância da matéria, o que não lhes permite ter clareza para pensar. Caso lhes seja mostrado que há critérios que devem ser obedecidos para satisfazerem seus interesses e para a consecução do acordo, eles poderão perceber que não estão fazendo concessões e terão mais probabilidade de chegar a um acordo justo para ambos.

Este método faz dos negociadores solucionadores dos conflitos, e não

partes conflitantes propriamente ditas, posto que estão cada qual defendendo seus interesses. E como na maioria das vezes há a necessidade de haver algum tipo de convivência após o acordo, esta negociação deverá propiciar esta condição, preparando as partes para a relação.

O poder comunicacional da mediação proporcionou uma série de transformações

em diversos setores, como nos comportamento e na resolução de conflitos, levando o Instituto a ser incluído nas metodologias para a Resolução Alternativa de Disputas, a RAD., que, de acordo com Fried (1999, p. 19), podem ser definidas como práticas emergentes que operam entre o existente e o possível.

Oportuno ressaltar que o mediador de conflitos não é um advogado, que orienta,

não é um juiz, que decide, e nem um terapeuta, que trata. O mediador é um terceiro neutro que trabalha favorecendo a flexibilidade, promovendo a aproximação das partes e favorecendo a realização do acordo. Da mesma forma, a mediação é algo que num futuro próximo será uma profissão, com técnicas, habilidades e padrões próprios.

A medição tem a função de evitar o litígio, em outras palavras, uma

guerra desnecessária entre as partes. Embora não se possa evitar que o caso seja levado a justiça, a mediação ajuda o casal a pactuar um acordo justo, evitando impasses, ou pelo menos, os tendo de maneira menor possível. Ademais, o Instituto por hora analisado demonstra várias vantagens em relação ao litígio. Como ensina Cezar-Ferreira (2007, p. 164): a mediação é menos dispendiosa e menos desgastante, emocionalmente [...] na mediação, as pessoas são levadas a agir cooperativamente, diante de opções realistas, e não a fazer acusações desmedidas ou pleitos baseados unicamente em seu posicionamento pessoal [...] a mediação favorece a flexibilidade e a criatividade.

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Além disso, é efetivamente privada, de modo que o casal não precisa levar aos autos do processo os problemas do casamento. Só leva as soluções.

Podemos entender, então, que a mediação é ato eficaz na tentativa de evitar

aqueles confrontos e brigas intermináveis entre casais. Ademais, possui limites, e quando as partes já possuem advogados, mesmo na esfera extrajudicial, cabe a este informar seus clientes de todas as possibilidades e aspectos legais dos termos. Vale lembrar que existem casos em que não é possível se valer da mediação, como quando há ou já houve violência conjugal. Da mesma forma para aquelas pessoas que são acostumadas a terem todos os seus desejos atendidos, ou que são violentas e sem controle emocional.

Pessoas que apresentam um quadro de defasagem emocional para com seu ex-

parceiro também não devem ser mediadas, assim como aquelas que estão ou são, por algum motivo, incapazes de tomar alguma decisão. Por fim, pessoas que não querem ser submetidas ao instituto da medição também não poderão ser mediadas, haja vista que não haverá um consenso, caso que deve ser encaminhada as vias litigiosas tradicionais. 2.2 O PROCESSO DA MEDIAÇÃO

Este é um processo que, na sua interação, prima pela informalidade, posto que este clima é mais propício para que se formem vínculos com mais rapidez. Mas vale lembrar que informalidade não é sinônimo de intimidade.

Quando as pessoas procuram a mediação, pode ser tanto por recomendação

quanto por iniciativa livre. O primeiro encontro das partes com o mediador denomina-se pré-mediação, e é onde o mediador passará, a saber, os dados das partes e perguntará aos mesmos qual o motivo da consulta. Como resposta, tomará o cuidado de fazer com que cada uma das partes relate seus motivos liberalmente, sem a interrupção do outro. Ao passo que, após ouvir os dois relatos, o mediador explanará sobre o processo de mediação, ressaltando que este é sigiloso e que respeita a autonomia das vontades.

Da mesma forma, deixa claro que é um facilitador de comunicação entre as

partes, assim como sua função ali dentro, além de explicar que o processo visa trabalhar as questões controversas, e por fim, firma os honorários.

Tomé (2010, p. 118) discorre: os diversos modelos de mediação podem ser

agrupados em três formas básicas de intervenção, como a intervenção mínima, onde o mediador é uma pessoa neutra, estimula o duplo fluxo de informações, estabelece e mantém contato entre as partes e dispõe de um espaço próprio para as partes se encontrarem; na intervenção dirigida, o mediador obtém e dá informações sobre as partes e seus conflitos, identificando e avaliando, com as partes, as opções existentes, tentando persuadi -las a chegarem ao acordo que o próprio mediador considera mais conveniente para as particulares circunstâncias da situação mediada e, a intervenção terapêutica, onde o mediador observa e avalia a relação existente entre as partes, procedendo em uma intervenção que corrija as disfuncionalidades do

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relacionamento, procurando uma decisão conjunta a partir das mudanças obtidas, com a ajuda de técnicas terapêuticas.

Embora existam alguns modelos de mediação, não há aquele que deve ser

seguido, se assim fosse a mediação perderia seu caráter de flexibilidade em relação às necessidades das partes. Estas, por sua vez, participam ativa e diretamente na solução do seu conflito, haja vista que é pelas partes a apresentação da proposta de solução.

Ao adentrar na mediação, será definido o problema, e lhes mostrado que este não

é o pior do mundo e que existe possibilidade de resolvê-lo através de um acordo. Cezar-Ferreira (2007, p. 171) preceitua que: o mediador deve estabelecer um

plano de trabalho, começando por identificar com os mediados suas áreas de concordância, passando, a seguir, para a identificação das áreas conflitivas, partindo das menos contundentes para as de maior atrito. Isto permite que vá havendo um aquecimento no trabalho, que os resultados dele possam aparecer e que os mediados percebam sua capacidade de acordar, o que os prepara para enfrentar momentos mais delicados e difíceis. Nas entrevistas seguintes, o mediador vai identificar pontos discordantes, obter informações, ajudar as partes a encontrar alternativas (opções), propiciando -lhes uma mudança de olhar sobre o problema que favoreça a tomada de decisões.

Estes são os pontos principais, e questões como guarda, visitas, partilha

de bens e alimentos serão discutidos pouco a pouco, de modo a não gerar ainda mais conflitos.

Neste ponto deve-se tomar muito cuidado, haja vista que alguma mágoa de

qualquer das partes entra em ação neste momento, e o mediador, por sua vez, deve ser cauteloso, e fazer com que os mediados percebam que os sentimentos devem ser colocados em seu lugar, não atrapalhando as negociações.

Uma das questões que mais gera desavenças é quando se refere ao

dinheiro, além deste ser responsável por diversos casos de separação. Interessante é que isto ocorre em riquezas de qualquer tamanho, independe de cultura, estágio social ou nível de instrução. E gera discussões de grandes intensidades, uma vez que, sem dúvida, o dinheiro tem um simbolismo particular em cada indivíduo, necessitando o mediador, de redobrar as atenções.

As informações obtidas pelo mediador devem ser necessárias ao acordo e

verídicas, a fim de poder esclarecer o rol de bens e despesas, para que a partilha seja realizada.

Os mediados podem consultar especialistas para avaliação dos bens, como

corretores de imóveis, para o caso. O acordo será realizado por partes, e em cada ponto acordado, o mediador o levará a termo e os mediados assinarão, e poderão consultar um advogado para que defira sua opinião, e assim que tudo estiver devidamente acordado, o mediador redigirá, de forma simples e clara, o documento final em três vias, para que os mediados leiam e deem seu aval para que todos ali assinem, para que em seguida, seja levado o termo ao advogado para este transformar

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em termos jurídicos o que ali está escrito, para, finalmente, ser levado à homologação judicial. 3 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A MEDIAÇÃO

Na Lei maior do nosso país, a CF- Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do nosso Estado, que é democrático. Tanto que está disposto no art. 1º desta Lei (Vade Mecum, 2011, p.59):

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ...III- a dignidade da pessoa humana.

Assim sendo, esta tutela cabe a todos os cidadãos, haja vista que as pessoas são os pilares da própria existência do Estado, além de possuir extensões em mais alguns textos normativos, em especial o Direito de Família. As pessoas, a seu turno, possuem a garantia de construir uma família, sob os princípios da isonomia, da autonomia da vontade, da solidariedade e até mesmo da liberdade.

Aqui, no Direito de Família, a dimensão da dignidade é expressada, segundo

Tomé (2010, p.47): [...] no pleno desenvolvimento de cada pessoa, de maneira singular, no desenrolar de seu potencial individual e, no Direito de Família, afirma -se na liberdade de um em constituir sua família conforme seu desejo, com intervenção mínima do Estado, desenvolvendo seu potencial e decidindo o seu destino, com responsabilidade e autonomia de vontade.

Diante disso, podemos perceber que o respeito deve existir sempre em relação à

vida e integridade das pessoas, além de imperar nas questões que envolvem a dor de uma separação conjugal, uma vez que esta dignidade compõe o direito positivo pátrio, como adverte Castoriadis (1983, p. 33) ao dizer que: uma sociedade justa não é uma sociedade que adotou leis justas para sempre. Uma sociedade justa é uma sociedade onde a questão da justiça permanece constantemente aberta.

Ademais, a dignidade das pessoas demonstra que estas possuem razão, por

conseguinte, manifestam suas escolhas e livre arbítrio, não podendo, de maneira nenhuma, ser visto ou tratado com mero objeto que interesse ao Estado ou à própria sociedade. Este Estado, por sua vez, como protetor das pessoas que é, é responsável por fazer funcionar políticas públicas de proteção e coibição a danos que possam ser sofridos no ambiente familiar.

A dignidade é algo que se constrói através das escolhas que as pessoas

fazem, respeitando-se uns aos outros, no caso das discussões na mediação. É ser respeitado pelo ex-parceiro em suas opiniões, diferenças e qualidades, com a garantia de poder expressar seus motivos sem ser agredido ou ofendido. Nesse contexto, podemos falar acerca da isonomia que deve ser reconhecida dentro do ambiente familiar, levando os integrantes da família a ter os mesmos diretos e deveres. Isso se torna de grande

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importância principalmente para a mulher, que por muito tempo foi discriminada e inferiorizada pela sociedade e pela legislação em geral. 3.1 O INSTRUMENTO DA MEDIAÇÃO NA DIGNIDADE DAS PESSOAS

É inegável que existam conflitos nos relacionamentos humanos. É algo inerente da natureza dos homens. E uma pessoa envolvida num conflito traz consigo cargas de desarmonia, discordância e competição, embora haja conflitos em que as pessoas saem fortalecidas, redimensionando determinadas questões para patamares satisfatórios. Segundo Tomé (2010, p.111): não há como negar a existência de sentimentos contraditórios nos conflitos, como amor e ódio, desejo e frustração, poder e submissão, mas não pode ser esquecida a autonomia de vontade presente nas escolhas do ser humano, da liberdade inerente a cada um de dirigir sua vida de forma consciente e responsável, enquanto plenamente capazes de determinar seus atos e escolhas[...] a intervenção de uma terceira pessoa na solução dos conflitos é, na maioria das vezes, desejada para evitar o confronto direto e todos os sentimentos angustiantes que envolvem aqueles que buscam a solução para o impasse.

Para os conflitos que são levados diretamente para o judiciário, não há como o

juiz ouvir os anseios, aflições e angústias das partes como na mediação, ele apenas verifica os autos e decide o processo, com o propósito de findar de uma vez por todas a lide. Mas isso não ocorre por maldade ou ignorância do juiz, mas porque não há espaço nem tempo para oferecer a atenção que as partes necessitam para expor suas carências emocionais, abrindo uma grande lacuna entre o desejo e o conflito por hora enfrentado, já que as sentenças judiciais são incapazes de alcançar as emoções das partes.

De mais a mais, quando se impõe soluções que não são adequadas às partes ou

não atendem aos seus interesses, a tendência é que estas soluções sejam descumpridas, haja vista que cada pessoa possui uma regra própria de comportamento, o que gera novas demandas e conflitos intermináveis. Quando a solução do conflito é fruto da própria vontade dos interessados, a probabilidade da solução ser cumprida corretamente e de haver um relacionamento harmonioso entre ambas no futuro é dobrada. Interessante ressaltar que, quando se insere um terceiro neutro para solucionar o conflito, as partes se sentem com mais liberdade para expor a situação, e com isso, ganham tempo para que se acalmem, aprendem a ouvir o outro, melhoram a comunicação, enfim, é tudo mais harmonioso. Ademais, a mediação proporciona o exercício da autonomia individual, já que os mediados são que chegam a um acordo.

A confiança depositada pelas partes na figura do mediador também é um ponto

importante para que os mediados se sintam seguros e de certa forma protegidos, levando -os a expor seus problemas de maneira mais clara, precisa e natural. 3.2 A INTERDISCIPLINARIEDADE NA MEDIAÇÃO

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A priori, ressalta-se que os conflitos como parte da vida das pessoas podem se apresentar de forma subjetiva (intrapessoal) ou intersubjetiva (interpessoal), e podem ser vistos pela parte que os enfrenta como uma fraqueza, levando estas pessoas ao desejo de eliminá-los, não apresentando a opção de tentar entender o motivo do conflito, para que, com isso, este seja transformado em oportunidade de crescimento individual e social. A tendência de uma pessoa que está passando por uma situação conflituosa, de acordo com Muszkat et AL (2008, p. 16) é a seguinte: Quadro 3- Mecanismos de respostas de pessoas em conflito 1- Negação: “não tenho conflitos” 2- Racionalização: “estou acima disso” 3- Acomodação: “deixa pra lá, isso passa” 4- Evitamento: “prefiro não mexer com isso” 5- Rompimento total: “nunca mais quero vê-lo (a)” 6- Retaliação: “vou me vingar dele (a)” 7- Diálogo:“quando você faz isso, eu me sinto assim” Fonte: Muszkat et al (2008, p. 16)

Estes pensamentos e atitudes variam de acordo com as pessoas. E há até aquelas que não tomam nenhum tipo de atitude frente a um conflito, deixam a situação correr. Já aquelas pessoas que possuem outros tipos de apresentação moral, como cooperação, alteridade e solidariedade, por exemplo, são mais suscetíveis para resolverem seus conflitos de forma mais amena.

O Instituto da Mediação, a seu turno, cada vez mais ganha contornos

específicos, haja vista que começa a assimilar as diferenças existentes entre cada cultura e cada natureza conflituosa, o que enriquece seu conteúdo didático e humanitário. Interessante mencionar que a família tradicional ou nuclear, possui lugares específicos para cada membro, ou seja, cabe ao pai o provimento do lar, à mãe os cuidados com a casa e filhos, enfim, uma relação totalmente hierarquizada. Mas atualmente, não se pode mais achar e querer que os filhos sejam iguais aos pais, e nem que as mulheres sejam submissas aos homens. E para famílias muito tradicionais, quando há essa ruptura de paradigmas e afastamento desse modelo tradicional, ocorre uma desestruturação, gerando uma série de conflitos. Não que todos os conflitos sejam gerados por esta natureza, esse é apenas um dos aspectos conflituosos.

Ademais, aquela visão romantizada das famílias só existe no imaginário, na vida

real o que existe é uma disputa por espaço, afeto, reconhecimento e proteção, em outras palavras, não podemos, de maneira nenhuma, negar que o ambiente familiar é carregado de conflitos, de todas as ordens.

Nesse diapasão, resta claro que os desafios da interdisciplinaridade no

âmbito do direito familiar são de grande escala. Ao interpretar as leis, cada operador usa, mesmo que subjetivamente, seus paradigmas, crenças e princípios morais, isto, devido a cultura de cada um. E a lei, por sua vez, enfrenta limites, posto as diferenças nas etnias, religiões e classes sociais. E para que um trabalho interdisciplinar surja efeitos positivos, é necessário que determinadas coisas sejam suspensas, como pontos de vista e regras, uma vez que estas não conseguem acompanhar a evolução da sociedade.

Assim sendo, a mediação familiar transdisciplinar deve se adaptar à realidade

da cada cultura onde será aplicada.

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Idealmente, a equipe de mediação deve ser formada com profissionais que

se complementam, integralizando a assistência, com representantes do Direito, da Psicologia, das Ciências Sociais e do Serviço Social, que tenham capacitação em mediação. Muszkat et outros (2008, p. 49) preceitua que o papel da transdisciplinariedade é justamente constituir um conhecimento em rede, que permita a integração de diferentes paradigmas para atender necessidades diversas. Isso demonstra a importância da integração disciplinar de profissionais na resolução de conflitos. CONCLUSÃO

O sistema judiciário brasileiro, assim como a família, está sempre buscando melhores formas de relacionamentos. Assim sendo, a justiça providencia mecanismos que desafoguem seu sistema, proporcionando mais agilidade aos usuários. E a mediação familiar é um método que vem dando certo ao longo do tempo, haja vista sua maneira pacífica, rápida e mais barata de por fim a um conflito. Não obstante, a ruptura de uma relação conjugal não envolve apenas bens materiais, ela engloba muito mais que isso, interfere nos sentimentos, no psicológico, além de desencadear frustrações, sofrimentos e ressentimentos em grandes escalas.

A mediação trabalha justamente nestes pontos, proporcionando aos

participantes o estabelecimento de diálogo, exposição de pontos de vistas, e com isso, proporciona uma relação harmoniosa entre as partes após o processo. Talvez isso se deva pelo fato do Instituto proporcionar a autonomia de vontade das partes, retirando estas do posto de vítimas e as elevando a protagonistas. Lembrando que as disputas enfrentadas na mediação nem sempre podem ser adversárias, estas também podem ser comuns, ao que a mediação oferece solução sem determinar um vencedor e um perdedor. Fato que é de extrema importância, uma vez que as pessoas são e possuem entendimentos diferentes, encaram a separação cada qual a sua maneira, verificado seu amadurecimento em relação à causa e sua maneira de enfrentamento de crises.

Da mesma forma, o Instituto propicia um maior êxito no cumprimento dos

acordos ali selados, pois foram as próprias partes que o sugeriram, o que facilita o comprometimento das mesmas. Podemos dizer que a mediação introduz nos mediados princípios inerentes à sua dignidade, como o princípio da autonomia de vontade nas relações familiares, isonomia, pluralidade, solidariedade, liberdade, dentre outros, fazendo com que a pessoa se sinta valorizada e respeitada durante a mediação, as capacitando para praticar sua personalidade, atribuindo a cada uma das partes sua responsabilidade no conflito, dignificando as atitudes corretas ali apresentadas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 01. BRAGA NETO, Adolfo. Revista de Arbitragem e Mediação: aspectos relevantes sobre mediação de conflitos. Ano 4, Nº 15, Revista dos Tribunais, out/dez, 2007.

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02. ANDRADE, Gustavo Henrique Baptista. Sobre a mediação familiar. Disponível em: http://www.faminasbh.edu.br/revistaeletronica/download/Volume5/art6.pdf. Acesso em: 20 fev. 2013. A mediação de conflitos: mudança de paradigmas. Disponível em: www.mediacaobrasil.org.br/artigos_pdf/4.pdf. Acesso em: 22 de fev. 2013. 03. BACELLAR, Roberto Portugal. Juizados Especiais: a nova mediação paraprocessual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 04. BAVARESCO, Andrea Serra. Mediação: uma alternativa à jurisdição? Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade do Direito. Programa de Pós-graduação. Porto Alegre, 2006. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/13178. Ufrgsrepositório digital.lume. Acesso em: 22 de fev. 2013. 05. CASTORIADIS, Cornelius. Socialismo ou Barbárie. Brasília: Brasiliense, 1983. 06. CEZAR-FERREIRA, Verônica A. da Motta. Família, separação e mediação: uma visão psicojurídica. São Paulo: Ed. Método, 2007. 07. Código de ética de conciliadores e mediadores judiciais. Disponível em: http://www.tjpe.jus.br/concilia/codmediadores.pdf. Acesso em 26 de mar. 2013. 08. ENGELS, Friederich. A origem da Família, da propriedade privada e do Estado. Tradução: Leandro Kender. 13ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. 09. Evolução do Direito de Família e a Mudança de Paradigma das Entidades Familiares. http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=1006. Acesso em: 21 fev. 2013. 10. FIGUEIREDO, Maria Manuel. A Mediação Familiar Como Opção. Disponível em: <http://mmfigueiredo.wordpress.com/>. Acesso em: 15 abr. 2011. 11. FRIED, Dora Schnitmam. Novos paradigmas na resolução de conflitos. Novos paradigmas em Mediação. Porto Alegre: Artmed, 1999. 12. Mediação, uma Evolução que vem das Matas Josmilton Barbosa de Pinho . In: http://www.fa7.edu.br/recursos/imagens/File/direito/ic/v_encontro/mediacao_umaevolucaoquevemdasmatas.pdf. Acesso em: 21 fev. 2013. 13. MUSZKAT, Malvina E. et al. Mediação familiar transdisciplinar. Uma metodologia de trabalho em situações de conflito de gênero. São Paulo: Summus Editorial, 2008. 14. PELUSO, Antônio C. A culpa na separação e no divórcio. Direito de Família e Ciências Humanas. Caderno 2, São Paulo, Jurídica Brasileira, 1998. 15. SERPA, Maria de Nazareth. Mediação e novas técnicas de dirimir conflitos. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.) Repensando o Direito de Família: anais do

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I congresso brasileiro de direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 3555-3594. 16. TOMÉ, Liane Maria Busnello. Dignidade da pessoa humana e mediação familiar. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2010. 17. TORRES, M. B. L. Della. O Homem e a Sociedade: uma introdução à sociologia. São Paulo: Ed. Nacional, 1972.

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A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS BANCOS, O CHEQUE SEM FUNDO E O TERCEIRO DE BOA-FÉ

PAULO HENRIQUE FERREIRA PINHEIRO Orientador: Professor Tiago Setti Xavier da Cruz

RESUMO: Com a evidência da globalização, as instituições financeiras têm se mostrado firmes em proporcionar melhorias de vida à sociedade, de forma que prestam variados tipos de serviços com fim lucrativo. Nesta vertente, sabe-se que todo mercado que se expande traz benefícios à população, mas junto com os benefícios sobrevém as atividades que prejudicam os consumidores, seja pela má prestação de serviços ou pela exposição de produtos defeituosos no mercado. Sendo assim, este trabalho tem o fim precípuo de, através do estudo do instituto da responsabilidade civil em todas as suas bases, expor, de maneira rica, os ditames norteadores da atividade consumerista, em específico, as que envolvem as entidades bancárias, os consumidores e os terceiros equiparados. Nesta vertente, elencar-se-á a hipótese das instituições financeiras serem ou não responsabilizadas pelo fornecimento de talonários de cheque a clientes que estejam com limite estourado em conta, o que de fato acarretará prejuízo aos terceiros de boa-fé que se tornarem beneficiários destes títulos que não possuem suficiente provisão de fundos. Para tanto, no intuito de desvendar esta problemática a cerca da responsabilidade civil, neste caso concreto, é necessário abordar alguns assuntos de grande relevância. Sendo assim, na primeira seção trabalhar-se-á no foco das bases da responsabilidade civil, levando em consideração seu conceito, suas espécies, seus pressupostos, seu campo de atuação de forma a dar evidência ao modo de sua aplicabilidade. De outra banda, a segunda seção, tratar-se-á da responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor, evidenciando as instituições financeiras como fornecedoras. Na terceira e última seção, será abordado o estudo pormenorizado do cheque e da responsabilidade civil das instituições financeiras no caso específico deste trabalho. PALAVRAS-CHAVE. responsabilidade civil, cheque sem fundos, terceiro de boa-fé. ABSTRAT: With evidence of globalization, financial institutions have shown steadfast in providing life improvements to society, so they provide different types of services for profit. In this respect, it is known that every market it expands brings benefits to the population, but along with the benefits come upon activities that harm consumers, either by poor service delivery or by exposure of defective products on the market. Thus, this work has the primary purpose of, through the study institute of civil liability in all their bases, exposed, in a rich way, guiding the dictates of consumerist activity, in particular, those involving banks, consumers and treated others. In this respect, to list up-to the hypothesis of financial institutions whether they are accountable for supplying checkbooks check the clients that are with regard burst limit, which in fact will cause damage to third parties in good faith to become beneficiaries of securities that do not have sufficient provision of funds. To do so, in order to unravel this issue about civil liability, in this case, it is necessary to address some issues of great relevance. Thus, in the first section, the work is focused on the foundations of iability, taking into account its concept, its species, its assumptions, its field of action to give evidence to the mode of their applicability.

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Another band, the second section, treat yourself-to civil liability in the Code of Consumer Protection, with the financial institutions as suppliers. The third and final section, the detailed study of the check and the liability of financial institutions in the specific case of this work will be addressed. KEYWORDS. Liability. bounced check, third party in good faith. INTRODUÇÃO

Em corrida para se alcançar o ápice da modernidade e da eficiência, os bancos desempenham importante papel na melhoria das condições de vida de toda a sociedade. É nesse complexo que será abordado o estudo da ética das instituições bancárias. Pautar-se-á este trabalho em estabelecer um equilíbrio entre a ordem econômica e a ordem social, com intuito de exteriorizar as diretrizes dos direitos fundamentais. Neste ínterim, este estudo será focado no trilho da responsabilidade civil, de maneira que será evidenciada a aplicação deste instituto nas relações consumeristas, envolvendo as instituições financeiras, os consumidores e terceiros equiparados.

Sabe-se que o bom Direito deve impedir a mercantilização da sociedade,

devendo ainda resguardar as relações existenciais. Neste foco, o Direito tem o condão de proporcionar a melhoria de vida de cada um dos integrantes das relações comerciais.

Fazendo isso, estará corroborando com o que se pensa ser o ideal social. de

grande importância constatar que os bancos exercem importante papel na sociedade, uma vez que proporcionam melhores condições à população. Nesta vertente, entra em jogo a responsabilidade civil bancária. Este instituto revela o dever de equacionar e harmonizar o mercado e os direitos fundamentais inerentes a cada cidadão exposto às práticas comerciais.

Neste liame, procurou-se estabelecer parâmetros a cerca do campo da

atuação da responsabilidade civil junto às instituições financeiras.

Ora, o cerne da questão no presente trabalho consiste em verificar, de maneira lógica e concisa, a responsabilidade das instituições financeiras que, na prática da atividade comercial, disponibiliza talonário de cheque ao correntista que se encontra com a conta bancária no vermelho, ou seja, com limite estourado. O incidente é que quem se tornar beneficiário deste titulo de crédito, que não possui suficiente provisão de fundos, terá direito de ser indenizado pela instituição sacada que disponibilizou os títulos?

Nesta linha, abordar-se-á na primeira seção deste trabalho, as bases da

responsabilidade civil. Hodiernamente, existe uma renovada importância de se estudar a

responsabilidade civil. Nessa linha, a estrutura da norma da responsabilidade civil põe fim ao dano.

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Neste joeirado, a responsabilidade civil tem o condão de transferir as conseqüências do dano suportado pela vítima àquele que deu causa, de modo que seja obedecido os ditames do Direito.

Os bancos estão hoje no centro da atividade comercial. Neste ínterim, há

grande necessidade de se fixar as circunstâncias entre as quais poderão ser ou não responsabilizados por suas condutas dentro de suas atividades diária.

Sendo assim, a responsabilidade civil torna-se a garantia despendida àqueles que

se expõe às práticas comerciais. Neste ínterim, como no dia-a-dia, cada vez mais está se tornando imprescindível a contratação dos bancos, necessário é que seja reforçada as normas reguladoras destas relações comerciais.

Por oportuno, será elencado dentro da primeira seção, o conceito deste instituto

da responsabilidade civil, os elementos imprescindíveis que lhe caracterizam, seus pressupostos, suas espécies e seu campo de atuação de maneira que, pormenorizadamente, ficará resplandecida sua regência no atual campo jurídico.

Em ato contínuo, ao se adentrar na segunda seção deste trabalho, será

trilhado o estudo da responsabilidade civil no direito do consumidor, evidenciando as instituições financeiras como fornecedoras.

Como se verifica nos dias atuais, a cada minuto mais e mais relações de

consumo de concretizam. É neste foco que o estudo da responsabilidade civil dos bancos junto ao CDC tem o condão de esclarecer ao leitor sobre seus direitos.

Nesta seção, verificar-se-á, o conceito de fornecedor e consumidor à luz do

CDC; os serviços de natureza bancária e sua vinculação ao Código de Defesa do Consumidor; as teorias da responsabilidade objetiva e subjetiva no CDC e; a reparação de danos no atual Código de Defesa do Consumidor; após a análise sistemática de cada item mencionado anteriormente, de forma lógica e concisa, verificar-se-á, na terceira seção deste trabalho, o paradigma de responsabilizar ou não as instituições financeiras que, na prática comercial, fornecem talonários de cheques a clientes detentores de contas bancárias no vermelho, ou seja, que estão com limite estourado, implicando, assim, a ocorrência de dano aos terceiros que tornarem beneficiários destes títulos de crédito desprovidos de fundos.

Como já vergastado, a atividade bancária é imprescindível para que se haja

um sistema produtivo eficiente. Neste prisma, percebe-se que há uma relação direta entre a melhoria de vida da população e a crescente do mercado.

Para tanto, o instituto da responsabilidade civil tem a diretriz de proporcionar, ao

causador de quem proporcionou o dano, o dever de reparar o lesado. Neste caso, até mesmo as instituições financeiras, que porventura implicar dano, prejuízo a alguém, deverão reparar na proporção dos danos causados.

Nesta triagem, para a averiguação da responsabilidade dos bancos no caso

tratado neste trabalho, abordar-se-á o estudo do cheque como título de crédito; o conceito de cheque e os sujeitos da relação cambial; a cartularidade do cheque; o cheque como ordem de pagamento à vista e quem é ordenado a pagá-lo; a devolução de

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cheque sem fundos, alíneas e crime de estelionato; a responsabilidade civil do fornecedor no direito do consumidor frente a terceiros; a responsabilidade pela circulação de produtos e serviços no Código Civil; sem perder o foco do estudo, verificar-se-á, ainda, a responsabilidade pela circulação de produtos e serviços no Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade das instituições financeiras por danos causados a terceiros; o CDC como diploma inovador na proteção de terceiros equiparados; o princípio da boa-fé como sustentáculo do terceiro lesado; normas do BACEN sobre a entrega de talonários.

Finalizando esta seção e consequentemente o estudo, invocar-se-á doutrina e

jurisprudência sobre a obrigação das instituições financeiras em tirar de circulação talonários de cheques cuja conta bancária respectiva esteja encerrada; a orientação tradicional pela irresponsabilidade das instituições financeiras ante o cheque sem fundo e; o dever de segurança, perspectiva constitucional à eficácia horizontal dos direitos fundamentais e precedentes jurisprudenciais.

Nesta linha, sabemos que é direito de todos os cidadãos a proteção de seus

direitos fundamentais, sendo este assunto devidamente abordado neste trabalho com o intuito de esclarecer, a cada leitor, o resguardo de seus interesses.

Ora, este trabalho terá sua justificativa firmada na falta de um

posicionamento uníssono a respeito da responsabilização das instituições bancárias no caso concreto deste estudo.

Foi procurado por todos os esforços, trazer à baila, ensinamentos que

melhor se adequarão à regência da responsabilidade civil atuante na prática comercial das instituições financeiras.

Nesta urbe, este trabalho terá por objetivo proporcionar, a todos que

estiverem expostos às práticas comerciais, o equilíbrio nas relações de consumo, sem que, de forma alguma, sejam desrespeitados os preceitos legais e constitucionais que regem a cadeia consumerista.

Neste trabalho, buscou-se agregar conhecimentos no estudo de doutrinas,

jurisprudências, normas e princípios para a melhor satisfação do ego dos leitores quanto ao instituto da responsabilidade civil aplicável às instituições bancárias junto ao CDC, no que concerne aos terceiros lesados pela relação de consumo.

Para tanto, deu-se neste estudo o uso de um aglomerado de etapas,

dispostas de forma ordenada, para a investigação da verdade, o que ocorreu em consonância com os métodos científicos, para que fosse alcançado o fim pretendido nele.

Neste sentido, abordou-se o método dedutivo de pesquisa, que é aquele

que se aproveita da racionalização ou da combinação de ideias para se caminhar do raciocínio geral para o particular.

Não obstante, fora também observado o método de experimentação, uma vez

que, se procurou controlar as circunstâncias e as variáveis capazes de estabelecer novos ares à relação causa/efeito estudada.

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Neste viés, este estudo proporcionará aos seus leitores novos pensamentos

acerca do trilho da responsabilidade civil aplicável às instituições bancárias. Destarte, será preciso refletir com a profundidade que a ciência do Direito exige, para se chegar ao conclusivo posicionamento deste trabalho. 1 BASES DA RESPONSABILIDADE CIVIL: CONCEITUAÇÃO E ELEMENTOS. 1.1 O que é a Responsabilidade Civil?

Para começar a falar deste instituto, nada mais coerente do que conceituá-lo.

Assemelhando os pensamentos de vários ilustres e renomados juristas

brasileiros, e condensando tais pensamentos em um único, tem-se a responsabilidade civil conceituada da seguinte forma (AMARAL; ALBERTO BITTAR; DINIZ apud STOCCO, 2007, p.112): é a aplicação de medidas que obriguem a alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato ou de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva). Elenca-se que, essa definição guarda em sua estrutura a idéia da culpa quando se cogita da existência de ilícito e do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa.

Neste prisma, a responsabilidade civil verifica-se pela imposição de

normas que obriga uma pessoa, física ou jurídica, a reparar um dano proporcionado a terceiro, seja ele de ordem moral ou patrimonial, exteriorizado pela prática de ato ilícito, pelo fato do agente responder por qualquer coisa que esteja sob sua guarda, vigilância, por algo que lhe pertença ou pela simples determinação de lei.

Entende-se que a responsabilidade civil é um instituto que assegura os

direitos existentes inerentes a cada indivíduo, sendo, assim, uma medida de segurança onde se agarram os não-contentes, os inconformados e os que se acham no prejuízo devido a comportamento de terceiros. (STOCCO, 2007, p. 112).

Para Rui Stocco (2007, p. 112), sempre que alguém, por meio de outrem, for

vítima de qualquer sofrimento, físico ou moral, que não tiver seus direitos resguardados, que não obtiver o montante do que contratou, certamente fará uso do instituto da responsabilidade civil para se ver ressarcido em seu direito. A responsabilidade civil repara o dano sofrido, agindo diretamente contra o conflito existente, para que este não venha ser praticado novamente.

Para Sérgio Cavalieri Filho (apud STOCO, 2007, p. 112): responsabilidade civil

é uma espécie de estuário onde deságuam todos os rios do Direito: público e privado, material e processual; é uma abóboda que enfeixa todas as áreas jurídicas, uma vez que tudo acaba em responsabilidade. Por essa razão, como enfatiza esse autor, ‘tudo

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acaba em responsabilidade’ e ‘nisso reside a impossibilidade de se concentrar todas as regras da responsabilidade em um só título, em uma só parte do Código.

Bem, percebe-se a evidência de que toda atividade que acarreta dano,

insatisfação ou prejuízo a alguém traz à tona o dever de indenização pelo instituto da responsabilidade civil.

Ora, claro se mostra a imensa importância da responsabilidade civil nos

dias hodiernos. Pode-se assim analisar que a responsabilidade civil constitui-se em uma sanção

civil, por ser ela proveniente de norma de direito privado, que tem por alvo principal o interesse particular, sendo, ainda, de ordem compensatória, pois indeniza e repara o dano proveniente de ato ilícito, sendo este de natureza contratual ou extracontratual. (DINIZ, 2002, p. 7-8).

Maria Helena Diniz (2002, p. 8) expõe que a responsabilidade civil tem uma

função essencialmente indenizatória, ressarcitória ou reparadora. Portanto, dupla é a sua função: a) garantir o direito do lesado à segurança; b) Servir como sanção civil, de natureza compensatória, mediante a reparação do dano causado a vítima.

Não obstante todo o arrazoado, o Código Civil evidencia o instituto da

responsabilidade civil, no artigo 186, que diz: “Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (BRASIL, 2013).

Como vergastado, quem praticar ato ilícito e proporcionar dano a outrem

fica obrigado a reparar o dano causado, e é neste exato momento que acontece o nascimento da obrigação de reparar um dano, exteriorizando-se a responsabilidade civil, a qual surge para proteger quem fora lesado. 1.2 DO ATO OU FATO – CONDUTA DANOSA DO AGENTE

Ato jurídico é a conduta emanada da vontade humana, ou seja, não há que se falar em ato jurídico se este não decorrer prioritariamente do desejo do agir humano (STOCO, 2007, p. 119).

Na visão de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2013, p. 73),

pelas condutas ilícitas ou os danos causados a alguém, somente o homem e a pessoa jurídica poderão ser civilmente responsabilizados.

Na maioria dos casos, a conduta do agente, que causa um dano a outrem, nasce

com a prática de um ato ilícito. (STOCO, 2007, p.120). Para a ilustre doutrinadora Maria Helena Diniz (2002, p. 39): ato ilícito é o

praticado culposamente em desacordo com a norma jurídica, destinada a proteger interesses alheios; é o que viola direito subjetivo individual, causando prejuízo a

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outrem, criando o dever de reparar tal lesão. Para que se configure o ilícito será imprescindível um dano oriundo de atividade culposa.

A prática de ato ilícito, infringindo preceito normativo de tutela de interesse

privado, produzindo dano a um bem jurídico, lesando direitos pessoais ou reais, dá origem ao ressarcimento do prejuízo. É de ordem pública o princípio que obriga o autor do ato ilícito a se responsabilizar pelo prejuízo que causou, indenizando-o. Os bens do responsável pelo ato ilícito ficarão sujeitos à reparação do dano causado, e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Insta salientar que a conduta do agente que causa dano a outra pessoa

pode ser omissiva ou comissiva. (GAGLIANO; STOLZE, 2013, p. 75). A conduta comissiva é aquela praticada por um comportamento ativo, ou

seja, o sujeito pratica um ato positivo gerando uma situação, a exemplo do dano causado pelo agente que, dirigindo um veículo, não respeita a faixa de pedestre e atropela uma pessoa. (GAGLIANO; STOLZE, 2013, p. 75).

Conforme o entendimento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho

(2013, p. 75), quanto à conduta omissiva, é aquela praticada por um comportamento negativo.

O agente não faz o que tinha que fazer, não cumpre uma obrigação,

esquiva de uma responsabilidade, causando dano a alguém. A título de exemplo, é o caso do advogado que, por dolo ou desídia, perde o prazo para recorrer de determinada decisão quando havia entendimento jurisprudencial favorável ao caso, o que acarreta ao cliente maior prejuízo.

Em se tratando de fato jurídico, percebe-se ser este um termo utilizado

constantemente por nosso ordenamento jurídico, para fazer referência a tudo que se origina naturalmente ou pela conduta humana, capaz de preservar, criar ou até mesmo extinguir um direito ou estabelecer qualquer obrigação em proteção a determinado objeto.

Nesta vertente, entende-se que fato é qualquer evento oriundo da natureza ou de

um ato emanado da conduta humana, capaz de produzir consequências jurídicas. Feitas essas considerações, expõe Silvio Rodrigues que a ação ou omissão do

agente que gera um dever de indenizar, ou seja, de reparar um dano, na maioria dos casos advém da inobservância de um dever legal, contratual ou social. (apud GONÇALVES, 2013, p.59).

Para a configuração da responsabilidade por omissão, sempre será necessário

a existência de um dever jurídico de praticar determinada conduta, e que se o agente tivesse cumprido o seu dever, certamente o dano não teria acontecido. (GONÇALVES, 2013, p. 59).

Na visão de Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 59), o dever jurídico de agir, de

se tomar uma atitude, pode ser imposto pela lei, resultar de convenção ou até mesmo de qualquer situação que propague perigo.

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Deste modo, o agente que não agir quando tinha o dever de agir, que

deixar de praticar um ato que lhe competia por força de determinação legal, contratual ou em face de alguma situação de força maior que cause risco a algo ou alguém, arcará com os prejuízos causados, reparando todos os danos, se por sua pessoa pudesse ter evitado a situação.

Dentro dessa realidade, o agente que age contrariamente a uma determinação

legal, contratual, convencional, por meio de um ato positivo, praticando determinada conduta, determinado ato, certamente também terá a responsabilidade de reparar o mal causado. 1.3 DANO

Nas palavras dos doutrinadores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2013, p. 81), dano é considerado o centro do instituto da responsabilidade civil. Não há que se falar em dever de indenizar e, por conseguinte, em responsabilidade, se não existir dano.

Na visão do Dr. Arnaldo Rizzardo, “não haverá ato punível, para os efeitos

da responsabilidade civil, sem o dano causado”. (2013, p. 15,). Assim, a responsabilidade civil sempre depende da existência do dano para

se configurar no ordenamento jurídico. Neste diapasão, nada mais nos resta do que trazer à baila o conceito de

dano (AVALIERI FILHO apud GAGLIANO, 2013, p. 82): o dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano.

Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade

sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento - risco profissional, risco proveito, risco criado etc.--, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa.

Neste ínterim, o dano exterioriza-se com a ação ou omissão do agente

que causa lesão a alguém, infringindo a um interesse jurídico protegido, entendimento dos doutrinadores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2013, p. 82).

Para Carlos Roberto Gonçalves,no ordenamento jurídico atual, observa-se

a existência de dois tipos de danos, quais sejam, patrimonial e moral (2013, p. 364). Dano patrimonial decorre da lesão concreta, econômica sofridas pelo possuidor

de bens e direitos econômicos. Deste modo, a título de exemplo, acontece quando somos vítima de dano em nosso prédio comercial, em nossa residência ou em um veículo de nossa propriedade. (DINIZ, 2002, p. 62).

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Em relação ao dano moral, que não produz qualquer efeito patrimonial, há o sofrimento da alma, a psique da vítima fica abalada, sendo que este foge do aspecto de lesionar o patrimônio. (RIZZARDO, 2007, p. 18).

Salienta-se que o dano moral sempre visa ressarcir a vítima que sofrera

qualquer atentado aos direitos de sua personalidade, o qual acata o direito à vida, à integridade física, psíquica e moral, sendo em sua totalidade importantíssimo e imprescindível no nosso direito existente. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p. 94).

Por todo o arrazoado neste tópico, verbera que somente se concretiza um dever

de reparação ou a imputação de responsabilidade a alguém, quando houver um dano existente. 1.4 NEXO DE CAUSALIDADE

Não pode persistir a responsabilidade civil sem a relação causal entre o dano propriamente dito e a consequência que ele ensejou. Esta ligação, existente entre a consequência danosa e o ato praticado, dá origem ao que nós chamamos de nexo de causalidade. (GONÇALVES, 2013, p. 355).

Para Arnaldo Rizzardo, “três palavras resume o nexo causal: o dano, a

antijuridicidade e a imputação”. (2007, p. 71). Neste prisma, o nexo de causalidade verifica-se da existência do fato, do dano

sofrido ou prejuízo e do agente causador da lesão . (RIZZARDO, 2007, p. 71) Para a configuração da responsabilidade civil, tema central deste capítulo,

é necessário que haja o nexo causal, de maneira que há a necessidade de individualizar o fato praticado de forma omissiva ou comissivamente, o dano sofrido, e, por último, a individualização do seu jeito provocador da situação danosa.

O nexo causal é elemento indispensável ao ordenamento jurídico, pois é

ele que detecta quem foi que deu causa ao dano. (VENOSA, 2011, p. 56). Neste ínterim, a responsabilidade não admite apenas que o agente erre em

sua conduta, não admite apenas que a vítima seja lesada, que é o ápice do dever de indenizar, tendo em vista que, se não houver prejuízo, o agir contrário às normas jurídicas não gerará dever de indenização. (STOCO, 2007, p. 151).

Além dos dois requisitos apontados anteriormente, quais sejam, erro de conduta

do agente e a vitima tenha sofrido lesão, para se responsabilizar alguém, é necessário, ainda, a verificação de que se o agente tivesse deixado de ensejar o fato, o dano não teria acontecido.

Sendo assim, é imprescindível que o dano tenha sido proveniente única e

exclusivamente da conduta do agente para a exteriorização do nexo causal, elemento indispensável do instituto da responsabilidade civil (STOCO, 2007, p. 151).

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Neste raciocínio, Rui Stocco adverte “antes mesmo de verificar se o agente do

fato sob análise agiu com culpa, tem-se, como antecedente lógico, que examinar se foi ele quem deu causa ao resultado” (2007, p. 151).

Neste viés, adverte Caio Mário Junior que o nexo de causalidade é (apud

STOCO, 2007, p. 151): o mais delicado dos elementos da responsabilidade civil e o mais difícil de ser determinado. Aliás, sempre que um problema jurídico vai ter na indagação ou na pesquisa da causa, desponta a sua complexidade maior. Mesmo que haja culpa e dano, não existe obrigação de reparar, se entre ambos não se estabelecer a relação causal. Como explica Genéviève Viney, ‘cabe ao jurista verificar se entre os dois fatos conhecidos (o fato danoso e o próprio dano) existe um vínculo de causalidade suficientemente caracterizado.

Dentro da vertente do nexo de causalidade, muitas vezes há acontecimentos

que geram dúvidas sobre quem deve ser responsabilizado pelo dano causado. Por isso, sugiram no mundo teorias para dirimir tais dúvidas, nascendo então as teorias da equivalência das condições, da causalidade necessária e da causalidade adequada (RIZZARDO, 2007, p. 74).

Para Arnaldo Rizzardo (2007, p. 74), a teoria mais utilizada é a da equivalência

das condições, também chamada de condictio sine qua non, que estabelece como causa do dano todos os eventos posteriores a seu acontecimento. Exterioriza-se esse entendimento quando um acontecimento se origina devido a um dano praticado

Sendo assim, quem deu causa ao dano ficará responsável a todos os

acontecimentos que dele provierem. 1.5 CULPA LATO SENSU

Para Silvio de Salvo Venosa, culpa em sentido amplo “é a inobservância de um dever que o agente devia conhecer e observar” (2011, p. 26). Ressalta ainda o entendimento do grande professor José de Aguiar Dias, expondo que: a culpa é a falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais de sua atitude.

Neste ínterim, destaca-se que culpa é a não observância de um dever

normatizado, que, por consequência, provoca resultado não esperado pelo agente. O renomado doutrinador Pablo Stolze Gagliano traz que a culpa em sentido

amplo compõe-se de três elementos (2013, p. 179-180), a saber: voluntariedade do comportamento do agente, ou seja, a atuação do sujeito causador do dano deve ser voluntária, para que se possa reconhecer a culpabilidade. (...); Previsibilidade - só se pode apontar a culpa se o prejuízo causado, vedado pelo direito, era previsível. Escapando se do campo da previsibilidade, ingressamos na seara do fortuito que, inclusive, pode interferir no nexo de causalidade, eximindo o agente da obrigação de

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indenizar; Violação de um dever de cuidado - a culpa implica a violação de um dever de cuidado. Se esta inobservância é intencional, como visto, temos o dolo. (grifos no original).

Em todo o prisma verberado, culpa, em sentido amplo, nasce quando o agente

não se atenta a determinado dever de conduta, este delegado por normas jurídicas, que visa proteger os direitos da sociedade. Verificando que o agente violou direito de outrem ou que tenha praticado algum dano, de forma proposital, sua ação deriva de dolo; agindo ele negligentemente, imprudentemente ou com imperícia sua conduta é somente culposa, em sentido estritu sensu. 1.5.1 Culpa Strito Sensu

Silvio de Salvo Venosa, expondo a visão de Sérgio Cavalieri Filho, relata que imposto pelo Direito, com a “Culpa em sentido estrito é como uma conduta voluntária, contrária ao dever de cuidado rodução de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível”. (2011, p. 27) (grifos no original).

A culpa em seu sentido amplo abarca não apenas o ato praticado ou a

conduta dolosa, que é aquela praticada de forma intencional, mas também os atos e as condutas que contém negligência, imprudência ou imperícia, que é a culpa em sentido estrito. (VENOSA, 2011, p. 27).

A diferenciação entre culpa e dolo teve início no Direito Romano, que

estabeleceu que agindo o agente com negligência, imprudência ou imperícia sua conduta era considerada quase um delito. Ao passo que agindo o agente sem observação dos preceitos legais, e assumindo todo risco, sua conduta era considerada um delito e não apenas um quase delito. (VENOSA, 2011, p. 27).

Essa diferenciação, exposta no parágrafo anterior, não possui grande importância

nos dias hodiernos para o instituto da responsabilidade civil. Para os fins de imputar alguém ao dever de indenizar outrem, cabe verificar se a ação derivou de culpa em sentido lato, pois, de regra, a proporção do dolo ou da culpa não deve majorar ou diminuir o montante a ser indenizado. O montante a indenizar deve ser sempre baseado no prejuízo sofrido, entendimento do ilustre doutrinador Silvio de Salvo Venosa (2011, p. 27).

O atual Código Civil resgata que os graus de culpa, quais sejam, culpa grave,

leve e levíssima, são imprescindíveis para mensurar a obrigação de indenizar decorrente da responsabilidade civil.

Pelo Código Civil de 2002, verifica-se que a extensão do prejuízo não é o único

meio de se constatar o quantum indenizatório a ser pago por quem deu causa ao dano, tendo em vista que pode o juiz, ao verificar a grande desproporção entre a culpa e o dano propriamente dito, reduzir o montante da indenização devida. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2013, p. 180)

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Não se pode deixar de explanar neste trabalho que a culpa em sentido estrito manifesta-se de três formas, senão vejamos a visão de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2013, p.182):

Negligência – é a falta de observância do dever de cuidado, por omissão. Tal ocorre, por exemplo, quando o motorista causa grave acidente por não

haver consertado a sua lanterna traseira, por desídia; Imprudência – esta se caracteriza quando o agente culpado resolve enfrentar desnecessariamente o perigo. O sujeito, pois, atua contra as regras básicas de cautela. Caso do indivíduo que manda o seu filho menor alimentar um cão de guarda, expondo-o ao perigo; Imperícia – esta forma de exteriorização da culpa decorre da falta de aptidão ou habilidade específica para a realização de uma atividade técnica ou científica. É o que acontece quando há erro médico em uma cirurgia em que não se empregou corretamente a técnica de incisão ou quando o advogado deixa de interpor um recurso que possibilitaria, segundo jurisprudência dominante, acolhimento da pretensão do seu cliente.

Para Arnaldo Rizzardo (2007, p. 7): a na observância dos requisitos para o

exercício da função. negligência traz tonalidades de imprevisão. A imprudência envolve desprezo pela diligência.

Imperícia e negligência se confundem, em vários pontos, pois o incapaz de

dirigir é insensato sendo assim, por estas formas que se manifesta a culpa em sentido estrito, conclui-se que o resultado será considerado se a parte não evidenciar com rigor a modalidade de culpa, pela qual agiu o praticante da conduta danosa. 1.5.2 Dolo

Pelo entendimento de Rui Stoco (2007, p. 133), o dolo é a vontade do agente em praticar um ato que cause dano ou séria lesão a alguém.

A intenção malévola de provocar prejuízo, dano, lesão a alguém é justamente o

que chamamos de dolo. O agente causador dos males, eivado de dolo, sempre age premeditadamente.

José de Aguiar Dias expôs a visão de Giovanni Salemi de que “ O dolo

é uma relação direta entre a psiche individual e o fato ofensivo do interesse de outrem”. (2006, p. 139,).

Fazendo uma breve distinção entre dolo e culpa, tem-se que no dolo, a vontade

do agente está em causar efeito nocivo, derivado do ato por ele praticado, enquanto que na culpa, a vontade respeita o limite do ato praticado, mas dá-se a inobservância de suas consequências (DIAS, 2006, p. 139). 1.6 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA.

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Analisando a responsabilidade civil em seu fundamento, pode esta ser objetiva ou subjetiva. Partindo da visão da teoria clássica, o norte para responsabilizar alguém pela prática de algum ato ilícito é verificar se o agente agiu com culpa ou não. Sendo essa teoria também conhecida por teoria “subjetiva” ou teoria da culpa. Neste diapasão, constatando-se que o agente que deu causa ao dano não agiu com dolo ou culpa, não poderá ele ser responsabilizado. (GONÇALVES, 2013, p. 48) Insta salientar que, em determinados casos em detrimento de determinação legal, algumas pessoas serão responsabilizadas por suas condutas causadoras de dano, mesmo não tendo agido com culpa; neste caso, estaremos diante da responsabilidade civil “objetiva” ou legal. Nesta responsabilidade civil objetiva, não é necessário verificar se o praticante do ato ilícito agiu com culpa, bastando apenas verificar a concretização do dano e o nexo de causalidade. (GONÇALVES, 2013, p. 48). A teoria objetiva ou do risco, como é também conhecida pela doutrina, elenca que todo dano praticado é passível de indenização, devendo o agente, que a ele tem ligação pelo nexo de causalidade, promover a reparação, mesmo que não tenha incorrido em culpa. Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 48) ressalta que, nos casos de responsabilidade civil objetiva, o agente que causou o dano deve repará-lo independentemente de ter agido com dolo ou culpa. Em determinadas condutas, a culpa será presumida em virtude de imposição legal e, em outras, será de toda prescindível. Expõe ainda. (2013, p. 51): responsabilidade subjetiva ou responsabilidade objetiva? Não há que fazer essa alternativa. Na realidade, as duas formas de responsabilidade se conjugam e se dinamizam. Deve ser reconhecida, penso eu, a responsabilidade subjetiva como norma, pois o indivíduo deve ser responsabilizado, em princípio, por sua ação ou omissão, culposa ou dolosa. Mas isto não exclui que, atendendo à estrutura dos negócios, se leve em conta a responsabilidade objetiva. Este é um ponto fundamental. Por todo o arrazoado, não há ilicitude que deva ficar impune, devendo o agente causador do ilícito, praticar a devida reparação, fazendo com que a vítima se restabeleça ao estado anterior ao delito. 2. RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DO CONSUMIDOR E AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS COMO FORNECEDORAS 2.1 CONCEITO DE CONSUMIDOR E FORNECEDOR À LUZ DO CD

No presente capítulo, tratar-se-á da responsabilidade civil das instituições financeiras junto ao atual Código de Defesa do Consumidor, evidenciando-as como

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fornecedoras de bens e serviços e, ainda, trazer à baila as pessoas que são consumidoras e fornecedoras de bens e serviços em nosso sistema jurídico atual. 2.1.1 Consumidor

Por oportuno, faz-se necessário elencar o conceito de consumidor. Do ponto de vista econômico, para José Geraldo de Brito Filomeno, consumidor

“é todo indivíduo que se faz destinatário da produção de bens, seja ele ou não adquirente, e seja ou não, a seu turno, também produtor de outros bens”. Tal conceito, abarca não só a pessoa que adquire para fazer uso próprio, ou seja, como destinatário final, mas também aquele que adquire na forma de intermediário, passando para outros fornecedores. (FILOMENO, 1987, p. 12 apud ALMEIDA, 2010, p. 57).

Para o professor Waldirio Bulgarelli apud Almeida, 2010, p. 57), o conceito de

consumidor deve ser entendido da seguinte forma: é aquele que se encontra numa situação de usar ou consumir, estabelecendo-se, por isso, uma relação atual ou potencial, fática sem dúvida, porém a que se deve dar uma valorização jurídica, a fim de protegê-lo, quer evitando quer reparando os danos sofridos.

Nosso conceito de consumidor vem bem detalhado no texto da Lei

8.078/90 (BRASIL, 2013) que se expressa da seguinte forma: art. 2º. É toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se à consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Nesta vertente, consumidor não é quem consome, mas sim quem adquire ou faz

uso de produtos ou serviços como destinatário final. Considera-se esse conceito estabelecido no artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor como uma interpretação autêntica, sendo insuficiente, inútil buscar outra interpretação para a norma, entendimento de nosso renomado doutrinador Sérgio Cavalieri Filho (apud GUERRA; BENACCHIO, 2012, p. 82), que ainda expõe: utilizar, por sua vez, não significa apenas gastar, extinguir, destruir, consumir, mas também usar, fruir, sem implicar em necessária destruição da própria substância do bem. Importa então dizer que haverá relação de consumo não só quando produtos são consumidos, mas também quando deles usufrui o consumidor como destinatário final; não só quando o consumidor compra gêneros alimentícios e medicamentos para si e sua família, mas também quando adquire livros, eletrodomésticos, móveis, veículos, imóveis e outros bens duráveis como destinatário final. O mesmo ocorre com os serviços em geral. Embora não comemos serviços bancários, deles utilizamos como destinatários finais, e é quanto basta para configurar a relação de consumo. (Grifo no original).

Já Rizzatto Nunes (2013, p. 121) expõe de forma mais abrangente, uma vez que

para ele a conceituação de consumidor começa de forma individual, mais concreta, pela explanação do artigo 2º do CDC e finda-se, de forma geral, mais abstrata, de acordo com a redação do artigo 29 do mesmo diploma legal. Sendo assim, racionalmente falando, o artigo 2º do CDC, necessariamente, incide para aquele consumidor que adquire de maneira concreta um produto ou um serviço, ao passo que o artigo

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29 expõe o consumidor do tipo ideal, um ente abstrato, sendo, assim, considerado um conceito difuso, na proporção em que a norma fala da potencialidade, do consumidor que presumivelmente exista, ainda que esse não possa ser determinado.

É de bom grado observar os artigos 17 e 29 do Código de Defesa do Consumidor

(BRASIL, 2013): artigo 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam se aos consumidores todas as vítimas do evento.

Artigo 29. Para fins deste apítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores

todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. É coerente elencar que o parágrafo único do artigo 2º e os artigos 17 e 29, ambos

do Código de Defesa do Consumidor, estabelecem uma ampliação ao conceito de consumidor.

Marcelo Benacchio (2012, p. 66) estabelece que equiparam-se a consumidores

todas as pessoas que, mesmo não podendo ser identificadas, participaram de alguma forma da relação de consumo.

O artigo 17 do CDC, equipara a consumidor todas as vítimas do evento

decorrente de acidente de consumo, trata-se nesse caso da figura do bystander, ou seja, aquele que, apesar de não estar envolvido diretamente no fornecimento de produtos e serviços, sofre dano em decorrência de acidente de consumo, como acontece com pessoas cujos documentos são utilizados, mediante fraude perpetrada por terceiros, na celebração de contratos bancários e, em razão disso, tem o nome indevidamente incluído em cadastros de inadimplentes.

A norma contida no parágrafo único, do artigo 2º do CDC tem o condão

de garantir o direito das pessoas que de alguma forma participarão da relação de consumo.

É possível frisar que a completa definição de consumidor tem seu viés inicial no

artigo 2º, passando por seu parágrafo único, seguindo até o artigo 17, findando no artigo 29, ambos do Código de Defesa do Consumidor, entendimento do ilustre doutrinador Rizzatto Nunes (2013, p. 133).

A exposição da norma contida no artigo 17, do CDC, deixa clarividente a

equiparação do consumidor às vítimas do acidente de consumo que, mesmo não atuando diretamente na relação de consumo, são atingidas pelo evento danoso.

Neste diapasão, a título de exemplo, o acidente onde um trem bala sai

dos trilhos, todos os seus passageiros são atingidos pelo evento danoso (acidente de consumo) originado no fato do serviço da prestação do transporte ferroviário. Se o mesmo trem sai dos trilhos em área urbana e atinge a integridade física ou patrimonial de outras pessoas, pessoas estas que não haviam participado da relação de consumo, serão indubitavelmente equiparadas a consumidoras, podendo receber todas as garantias fornecidas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Extrai-se do artigo 29, do CDC, que são equiparados a consumidores todas as

pessoas que de alguma forma estão expostas a qualquer prática comercial.

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Neste viés, existindo qualquer tipo de atividade comercial, todas as pessoas

estarão expostas a ela, mesmo que em nenhum momento possa-se individualizar um único consumidor real que pretenda ir de encontro a tal atividade (NUNES, 2013, p. 134).

Portanto, claro se mostra que consumidor são todas as pessoas que, de alguma

forma, estão expostas a toda e qualquer prática comercial. 2.1.2 Fornecedor

Ao invés de fazer uso de termos como “industrial”, “comerciante”, “banqueiro”, “segurador”, “importador”, ou o termo amplo de “empresário”, optou o elaborador do CDC pela expressão “fornecedor”, para tal desiderato (FILOMENO, 2007, p. 47).

Para José Geraldo Brito Filomeno, fornecedor é “o protagonista das sobreditas

“relações de consumo” responsável pela colocação de produtos e serviços à disposição do consumidor” (2007, p. 47).

O legislador do CDC, logo após ter elaborado o conceito de consumidor, o qual

está exposto no artigo 2º, achou por bem definir quem são as pessoas fornecedoras de bens ou serviços, conceituando-as no artigo 3º do referido diploma.

Artigo 3º do CDC. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou

privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição de produtos ou prestação de serviços. (BRASIL, 2013).

Uma leitura simples deste artigo já nos relata a dimensão de quem são as

pessoas, físicas ou jurídicas, enumeradas como fornecedoras. Para Rizzatto Nunes (2013, p. 135), “Fornecedoras, na realidade, são todas

pessoas capazes, físicas ou jurídicas, além dos entes desprovidos de personalidade”, e segue: não há exclusão alguma do tipo de pessoa jurídica, já que o CDC é genérico e busca atingir todo e qualquer modelo. São fornecedores as pessoas jurídicas públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, com sede ou não no País, as sociedades anônimas, as por quotas de responsabilidade limitada, as sociedades civis, com ou sem fins lucrativos, as fundações, as sociedades de economia mista, as empresas públicas, as autarquias, os órgãos da Administração direta etc.

Toda pessoa que exerce atividade de venda de bens ou prestação de serviços é

considerada fornecedora, mesmo que tais atividades sejam em caráter eventual, ou seja, de tempos em tempos.

Importa trazer à baila que, para fins do Código de Defesa do Consumidor,

produto, ou melhor, bens, que foi o termo utilizado na versão original da Comissão Especial do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça,

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“é qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente, como destinatário final” (FILOMENO, 2007, p. 52) (Grifos no original).

É de bom alvitre elencar também a definição de “serviço”, definição esta

fornecida pelo Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, no § 2º do artigo 3º, que assim expõe: serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (BRASIL, 2013).

Clarividente que as atividades exercidas pelas instituições financeiras, sejam na

prestação de serviços aos seus clientes, sejam na concessão de mútuos ou financiamentos para a aquisição de bens, perfeitamente encaixam-se no amplo conceito de serviços. (FILOMENO, 2007, p. 54).

Antigamente se havia muita discussão em considerar ou não matéria de

regulação pelo Código de Defesa do Consumidor os serviços bancários, financeiros, de crédito, securitário etc.

Destarte, para não pairar dúvidas sobre o caso pertinente, em 2004 foi editada a

Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça que apresenta a seguinte redação: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras” (BRASIL, 2013).

Os bens colocados no mercado pelas instituições financeiras são o dinheiro e o

crédito, bem jurídico consumível, além de prestarem também serviços, que são aqueles despendidos em relação à movimentação de contas, serviços de caixa e vários outros.

Grande é o ensinamento do doutrinador Arnaldo Rizzardo (1997, apud

OLIVEIRA, 2003, p. 77), veja-se: a atividade principal dos Bancos se desenvolve nas chamadas operações bancárias, consistentes em conceder empréstimos, receber valores em depósito, descontar e redescontar títulos, abrir créditos, enfim, na realização da série de atos próprios para a consecução de sua finalidade econômica.

Deste modo, verifica-se que as instituições financeiras, pelas atividades que

desenvolvem, também são consideradas fornecedoras de bens e serviços no Código de Defesa do Consumidor e, ainda, na vasta doutrina. 2.2 SERVIÇOS DE NATUREZA BANCÁRIA E SUA VINCULAÇÃO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

A atividade bancária é o alicerce de todo o desenvolvimento econômico e social de qualquer país, uma vez que fornece a todo o sistema capitalista de produção os meios necessários para a atividade produtiva, bem como o crédito destinado ao consumo.

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Sendo assim, é de suma importância na vida de todas as pessoas a existência da atividade bancária.

A atividade bancária consiste na celebração de contratos, exposição de

instalações físicas, de caixas de auto-atendimento, realização de serviços como cobrança, disponibilização de cofres de segurança, cartão de crédito, empréstimos, recebimento de valores em depósito, concessão de crédito, fornecimento de talonários de cheques, abertura de contas, desconto de títulos de crédito e vários outros, todos para prestar o melhor atendimento econômico à sociedade (RIZZARDO, 1997 apud OLIVEIRA, 2003, p. 77).

Celso Marcelo de Oliveira (2003, p. 154) traz à baila quais seriam efetivamente

os principais serviços bancários, utilizando-se da descrição feita pelo Conselho Nacional do Consumidor Britânico (The National Consumer Council of the United Kingdom), quais sejam: a) depósitos e poupança, Provisão de uma conta corrente e de talonário de cheques, máquinas automáticas para saques, depósitos e pagamentos, contas de poupança e recebimento de depósitos e cartão magnético de conta-corrente e da conta poupança; b) circulação de moeda, cheques, transferência de créditos, débitos diretos em conta-corrente e Concessão de empréstimos via cheque especial; c) empréstimos, concessão de crédito em conta-corrente com cheque especial, empréstimos pessoais, financiamento habitacional e cartões de crédito; d) viagens e câmbio de moedas, moeda estrangeira, travellers’ cheques, transferências e remessas internacionais de dinheiro; e) investimento, trust and impostos, seguros diversos (saúde, vida, residência, automóvel, incêndio), planos de previdência privada, planejamento fiscal e fundo de investimentos; f) serviço especializado, informações e serviços e informações específicas sobre mercado financeiro, acionário etc.

De outra banda, tem-se no Direito Brasileiro de Defesa do Consumidor o seguinte enunciado, “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração”, que evidencia, claramente, que os entes financeiros, bancos, cooperativas de crédito, caixas e instituições financeiras estão nos limites abrangidos pelo enunciado citado no CDC, pois são fornecedores, haja vista exporem, no mercado, serviços mediante remuneração de cobrança de juros, taxas e outros, tendo totalmente a dependência do consumidor que adquire crédito ou qualquer outro tipo de serviço. (OLIVEIRA, 2003, p. 156).

Hodiernamente pode-se elencar que a atividade bancária é expressamente

matéria de regulação pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o corpo da Lei 8.078/90, no § 2º do artigo 3º, última parte elenca que Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (BRASIL, 2013).

Clarividente está que o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor é

efetivamente aplicado nas relações que envolvam prestação de serviços bancários, mas apesar dessa transparência, os vários entendimentos de que não se aplicava o CDC

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nas atividades bancárias só caíram por terra, ou melhor, não prosperaram, a partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal decidiu a Adin nº 2.591-DF, julgando-a improcedente e pelo entendimento firmado na Súmula nº 381 do Superior Tribunal de Justiça que expôs “O código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras” (BRASIL, 2013).

A citada Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.591-1 – DF, julgada pelo

Supremo Tribunal Federal, trazia o querer da Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF de ver declarada a inconstitucionalidade da expressão “inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária” presente no artigo 3º, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor, no sentido de expurgar a efetiva aplicação da norma consumerista às relações de natureza bancária, quais sejam, as cadernetas de poupança, depósitos bancários, contratos de mútuos, cartões de credito, contratos de seguro, abertura de crédito e todas as operações bancárias, ativas e passivas.

A Confederação Nacional do Sistema Financeiro - CONSIF alegou, na

mencionada ADIN, que o vício de inconstitucionalidade estaria na ofensa do artigo 192 da Carta Magna, pois a regulação do Sistema Financeiro Nacional seria matéria de Lei Complementar, e não do CDC, uma lei ordinária (BRASIL, 2013).

De mais a mais, os advogados entenderam que havia ofensa ao princípio da

razoabilidade, visto que as instituições financeiras não poderiam ser confundidas como fornecedoras de produtos ou serviços, porque não poderiam garantir a boa qualidade de sua mercadoria, que é o dinheiro ou moeda, produzida e garantida pelo Estado.

Desta feita, fincado na Constituição da República, no Código de Defesa

do Consumidor e nos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, o Supremo Tribunal Federal, nossa Suprema Corte, julgou totalmente improcedente a citada Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.591, reconhecendo a predominância da legislação legal e consequente incidência da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a toda e qualquer atividade de natureza bancária (BENACCHIO, 2012, p. 63).

Nesse sentido, afirma Bruno Miragem (2010, p. 110): esta decisão do STF, ao

mesmo tempo em que ressalta o status constitucional da proteção do consumidor no direito brasileiro, reafirma a indicação de serviços bancários, financeiros e de crédito como objeto de relação de consumo e, deste modo, sob incidência das normas do CDC e sua disciplina relativa aos contratos de consumo, responsabilidade civil, práticas comerciais abusivas e o regime de nulidade das cláusulas abusivas. Decide o STF, nesse sentido, na mesma linha do entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, inclusive com edição, em 2004, da Súmula 297, afirmando que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Neste prisma, evidente está a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a

todas as atividades exercidas pelas instituições financeiras.

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2.3 TEORIAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Os bancos são peças insubstituíveis para o exercício da atividade empresarial, para todo o mercado de consumo e até para a atividade do Estado. As variadas necessidades da sociedade capitalista utilizam-se da atividade bancária na aproximação entre os que dependem de dinheiro e aqueles que possuem os excedentes econômicos.

Os bancos têm-se tornado os protagonistas de toda circulação econômica

existente na atualidade e, com isso, assumem o posto de responsáveis ideais para a responsabilidade civil (ROUTIER apud BENACCHIO, 2012, p. 52, que no mesmo prisma, enfatiza): por meio da celebração de vários contratos, utilizações de suas instalações físicas, caixas e auto-atendimento, realização de diversos serviços (cobrança, cofres de segurança, cartão de crédito etc.) e utilização de tecnologia de ponta, os bancos constantemente estão sujeitos a ações de responsabilidade civil, porquanto ainda não foi possível excluir a ocorrência de danos em decorrência da atividade bancária, nesse prisma – o dano é uma certeza, daí a importância da compreensão e discussão da responsabilidade aplicada aos bancos.

Para Marcelo Benacchio, as normas de responsabilidade civil impostas no

exercício bancário são medidas para que os bancos possam ser responsabilizados pela gama dos danos causados às pessoas com quem estabelecem relações jurídicas.

Quanto mais rigoroso o sistema de responsabilidade civil imposto aos

bancos, maior será o custeio do exercício de suas atividades econômicas; em contrapartida, quanto mais branda for a aplicação desta responsabilidade, menor serão os gastos para a mantença de sua atividade principal, qual seja, o exercício econômico. (2012, p. 53).

No ordenamento jurídico atual, são duas as espécies de responsabilidade civil, a

saber: responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva. Na responsabilidade civil subjetiva, tem-se que o sujeito passivo pratica

ato ilícito e, por isto, será responsabilizado. Na responsabilidade civil objetiva, o sujeito passivo apenas pratica ato ou atos

lícitos, mas lhe é imputado o fato jurídico que a lei lhe impõe como causador da responsabilidade.

Para Fabio Ulhoa Coelho (2012, p.167), a pessoa que pratica ato que não deveria

ter praticado é quem incorrerá na responsabilidade subjetiva, ao passo que quem apenas praticou ato que deveria realmente ter praticado é quem responderá objetivamente.

Neste sentido, a licitude ou ilicitude da conduta praticada pelo sujeito a

quem se imputa a responsabilidade civil é que define, de forma respectiva, a espécie subjetiva ou objetiva da responsabilidade.

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Para melhor elucidar a diferenciação entre responsabilidade civil subjetiva e objetiva, vejamos os seguintes exemplos expostos por Fabio Ulhoa Coelho (2012, p. 167): quando um motorista desobediente às leis de trânsito é obrigado a indenizar os danos do acidente que provocou, sua responsabilidade é subjetiva.

Se imprimiu velocidade ao veículo superior à permitida no local, ultrapassou o

semáforo fechado, negou preferência, se descumpriu, enfim, o Código de Trânsito Brasileiro, ele não agiu como deveria ter agido; incorreu em ilícito.

Desta sua falta surge a obrigação de ressarcir os prejuízos sofridos pelas

vítimas do acidente. Por outro lado, quando o fabricante de refrigerantes é obrigado a ressarcir os

danos causados pela quebra de garrafa em que se havia concentrado maior quantidade de gás que a suportável, a responsabilidade é objetiva. O fornecedor agiu exatamente como deveria ter agido: empregou os mais desenvolvidos equipamentos e processos de produção, bem assim os mais aprimorados controles de qualidade, treinou adequadamente seus funcionários e fez todos os investimentos para evitar que produtos defeituosos fossem oferecidos ao mercado. Em razão da falibilidade humana, porém, algumas garrafas com defeito acabaram provocando lesões nos consumidores. Não houve nenhum ilícito imputável ao fabricante; ao contrário, é plenamente lícito oferecer bebidas refrigerantes ao mercado. Mesmo assim, ele é responsável civilmente pelos prejuízos. Sua responsabilidade se origina do simples fato jurídico de vender produtos no mercado.

Para cada tipo de responsabilidade civil existem diferentes pressupostos. Para a caracterização da responsabilidade civil subjetiva do agente, é necessária

a averiguação de três pressupostos, a saber: a) culpa do devedor da indenização; b) prejuízo do patrimônio ou extrapatrimonial infligido ao credor; c) nexo causal entre conduta culposa do devedor e o dano do credor. (COELHO, 2012, p.166).

De outra monta, Fabio Ulhoa Coelho, ainda na vertente dos pressupostos, elenca

que bastam apenas dois, para caracterizar a responsabilidade objetiva do agente, senão vejamos: a) prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial suportado pelo credor; b) nexo causal entre o ato praticado do devedor tipificado em lei e o dano do credor. (2012, p.167).

Ao passo que no âmbito da responsabilidade subjetiva, a culpa do devedor é

elemento indispensável à constituição da obrigação de reparar o dano na responsabilidade objetiva; esta obrigação se concretiza independentemente da culpa do agente.

Havendo um dano causado em decorrência da venda de um produto ou da

prestação de um serviço, o agente que forneceu o produto ou que prestou o serviço é quem será responsável em reparar o dano, independentemente de ter ele agido com culpa ou não, em se tratando da responsabilidade civil objetiva.

Quanto às espécies de responsabilidade civil, aduz Fábio Ulhoa Coelho (2012,

p.169): como regra geral, a responsabilidade é subjetiva; em princípio, ninguém

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responde por danos que não tenham sido causados por ato ilícito, ou seja, por sua conduta culposa ou dolosa (CC, art. 927, caput). Como regra especial, a responsabilidade é objetiva sempre que a lei expressamente o estabelece ou quando o devedor da obrigação de indenizar ocupa posição econômica que lhe permite socializar os custos da atividade que explora entre os beneficiários desta (CC, art. 927, parágrafo único).

Falando-se em responsabilidade civil objetiva, tem-se que, indubitavelmente,

falar sobre a teoria do risco. Baseado na teoria do risco, o artigo 927, do nosso Código Civil, dispõe que:

aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de

culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor o dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL, 2013).

Silvio Rodrigues (2002, p. 10) entende que, por esta teoria, o agente, que através

de sua atividade profissional, cria risco de provocar algum dano para terceiros, deve ser obrigado a reparar o prejuízo, mesmo que sua atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta deve ser ressarcida por quem praticou a conduta danosa.

Como se pôde observar alhures, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável

às atividades bancárias, quando prestam serviços de natureza onerosa. Neste prisma, é de bom alvitre ressalta: art. 3º, § 2º do CDC. Serviço é

qualquer atividade fornecida no Mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e secundária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (BRASIL, 2013).

Neste viés, constatando a atividade bancária como serviço, são os bancos

diretamente responsáveis pelos danos que causarem aos clientes, consumidores, mesmo que não hajam incorrido em culpa, conforme entendimento do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. (SCAFF, 2012, p. 351).

Vejamos o teor do artigo 14 do CDC: o fornecedor de serviços responde,

independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua função e riscos. (BRASIL, 2013).

Por esta exposição, verifica-se a existência da teoria do risco, fincada no

requisito de que os bancos assumem todos os riscos pelos prejuízos que proporcionarem a terceiros, quando praticam suas atividades econômicas. Nesta vertente, existindo o nexo de causalidade entre a conduta ou a omissão e o dano sofrido pela vítima, nasce o dever de indenizar das instituições bancárias (SCAFF, apud GUERRA; BENACCHIO, 2012, p. 350).

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Com base no risco evidenciado, aduz Vilson Rodrigues Alves (2005, p. 88):

implica riscos para os direitos alheios não apenas a atividade perigosa, mas toda e qualquer atividade que, em sendo exercida, possa gerar situação fática de dano potencial àquele exposto à sua prática, como se as operações bancárias que se efetivem, ou os serviços bancários que se prestem, o sejam defeituosamente, de modo lesivo ao interesse alheio. Os estabelecimentos bancários, ao se dedicarem-se as atividades financeiras em seu funcionamento, hão de responder civilmente pelos eventos danosos que no exercício de tais atividades gerarem para clientes, independentemente de serem eles irradiados de conduta positiva ou negativa culposa, ou não, de seus agentes.

Por toda exposição até aqui despendida, verifica-se que às instituições bancárias

se aplicam o instituto da responsabilidade civil objetiva, uma vez que, ao dedicarem-se às atividades financeiras no seu funcionamento, terão que responder civilmente por todos os eventos danosos que no exercício de tais atividades gerarem para seus clientes ou terceiros, sendo que só não serão responsabilizadas se comprovarem uma das cláusulas excludentes de responsabilidade, quais sejam, que o dano causado advém de caso fortuito ou de força maior, conforme entendimento do doutrinador Ricardo Felício Scaff (apud GUERRA; BENACCHIO, 2012, p. 356-357).

De outro prumo, é de grande valia ressaltar que as instituições bancárias não se

confundem com o conceito de profissionais liberais. A título de exemplo, profissional liberal é o advogado, o médico, o dentista, o

contador, o psicólogo etc. (NUNES, 2013, p. 412). Ensina-nos Rizzatto Nunes (2013, p. 412): as características do profissional

liberal são: autonomia profissional, com decisões tomadas por conta própria, sem subordinação; prestação do serviço feita pessoalmente, pelo menos nos seus aspectos mais relevantes e principais; feitura se suas próprias regras de atendimento profissional, o que ele repassa ao seu cliente, tudo dentro do permitido pelas leis e em especial da legislação de sua categoria profissional.

Profissional liberal difere das instituições bancárias, haja vista que estas não são

autônomas, pois são regidas pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF, ou seja, são subordinadas, devendo suas decisões serem sempre aprovadas por um colegiado.

Celso Marcelo de Oliveira (2003, p. 78-79) relata que o banco “não pode

funcionar sem a Carta Patente obtida da autoridade competente, permanecendo seu funcionamento subordinado à fiscalização e controle de órgãos próprios do Poder Público”.

Por ser assim, não se aplica a norma contida no parágrafo 4º, art. 14 da

lei 8.078/90 às instituições bancárias, pois não se tratam de profissionais liberais . Insta salientar a norma contida no § 4º do artigo 14 do CDC que diz “a

responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.

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Nesta linha, não resta dúvida que, independentemente da existência de culpa, ou

não, as instituições financeiras devem indenizar todos aqueles que, por meio do fornecimento de suas atividades econômicas, houverem sofrido qualquer tipo de dano.

2.4 DA REPARAÇÃO DE DANOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Conforme estudou-se ao longo desse trabalho de conclusão de curso, viu-se que o Código de Defesa do Consumidor regula o mercado consumerista, tanto nas atividades de fornecimento de produtos, quanto nas de fornecimento de serviços.

Neste sentido, o CDC estabelece que, constatando-se que o consumidor foi

lesado em decorrência da prestação de um serviço, ou ainda, pela aquisição de um produto defeituoso, terá ele o direito de ser ressarcido na equivalência de seu prejuízo.

Pelos princípios e direitos básicos do consumidor, a lei 8.078/90 garante

ao consumidor a reparação integral de todos os danos por ele sofrido, seja na esfera moral, seja na material, conforme estabelece o artigo 6º, VI, do referido diploma, senão vejamos: art. 6º. São direitos básicos do consumidor: “(...); VI- A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. (BRASIL, 2013)

Quando se refere em prevenção de danos, primordialmente nos atentamos para o

dever dos agentes fornecedores de produtos e serviços em agir de modo a não propiciarem qualquer tipo de dano ao consumidor ou a terceiros.

José Geraldo de Brito Filomeno (2007, p. 149) assinala que o “Código de Defesa

do Consumidor tem seu principal foco na proteção do consumidor que, da maneira mais organizada, lhe faculta instrumentos eficazes e modernos de ordem processual para a reparação e prevenção dos danos sofridos”.

Nosso CDC traz, dentre várias benesses ao consumidor, o direito de ter sua

defesa facilitada, é o que preconiza o art. 6º, VIII que assim estabelece: art. 6º. São direitos básicos do consumidor: (...) VIII- a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. (BRASIL, 2013).

A inversão do ônus da prova vincula-se ao que chamamos de “culpa objetiva”,

ou seja, não tem necessidade de provar-se dolo ou culpa, entendendo que apenas o ato de colocar um produto defeituoso no mercado ou a simples prestação de serviços que acarrete ou possa vir a acarretar dano a alguém, já enseja o dever de indenizar, ou dá direito a instaurar procedimento de ordem cautelar para evitar prejuízos, independentemente de se perguntar quem foi negligente ou imperito (FILOMENO, 2007, p. 150), que continua:

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É evidente, entretanto, que não será em qualquer caso que tal se dará, advertindo o mencionado dispositivo, como se verifica de seu teor, que isso dependerá, a critério do juiz, da verossimilhança da alegação da vitima e segundo as regras ordinárias de experiência.

Melhor explicando e socorrendo-nos mais uma vez de exemplos: se acontece

um acidente de um carro que é posto à venda com defeito de fabricação na roda e se verifica não por imprudência do motorista ou por um buraco na pista, fatores tais que também pode causar a quebra da roda, é evidente que se pressupõe desde logo que o acidente se deu pela má qualidade de fundição da respectiva roda, cabendo ao fabricante ou então ao montador do veiculo, aí sim, provar que não colocou o veículo no mercado, ou então que a culpa foi de terceiro, e assim por diante.

De acordo com os ensinamentos da promotora de justiça Cecília Matos em sua

dissertação de mestrado (MATOS, 1994, ps. 236 e 237 apud FILOMENO, 2007, p. 151), assim temos: a prova destina-se a formar a convicção do julgador, que pode estabelecer com o objeto do conhecimento uma relação de certeza ou de dúvida.

Diante das dificuldades próprias de reconstrução histórica, contenta-se o

magistrado em alcançar não a verdade absoluta, mas a probabilidade máxima; a dúvida conduziria o julgador ao estado de non liquet, caso não fosse elaborada uma teoria de distribuição do ônus da prova. Conceituado como risco que recai sobre a parte por não apresentar a prova que lhe favorece, as normas de distribuição do ônus da prova são regras de julgamento utilizadas para afastar a dúvida. Neste enfoque, a Lei nº 8.078/90 prevê a facilitação da defesa do consumidor através da inversão do ônus da prova, adequando-se o processo à universalidade da jurisdição, na medida em que o modelo tradicional mostrou-se inadequado às sociedades de massa, obstando o acesso à ordem jurídica efetiva e justa. Fortaleceu sua posição através da associação de grupos, possibilitando a defesa coletiva de seus interesses, alem de sistematizar a responsabilidade objetiva e reformular os conceitos de legitimação para agir e conferir efeitos à coisa julgada secundum eventum litis. A inversão do ônus da prova é direito de facilitação da defesa e não pode ser determinada senão após o oferecimento e valoração da prova, se e quando o julgador estiver em dúvida. É indispensável caso forme sua convicção, nada impedindo que o juiz alerte, na decisão saneadora que, uma vez em duvida, se utilizara das regras de experiência a favor do consumidor.

Cada parte deverá nortear sua atividade probatória de acordo com o interesse

em oferecer as provas que embasam seu direito. Se não agir assim, assumirá o risco de sofrer desvantagem de sua própria inércia, com a incidência das regras de experiência a favor do consumidor (grifos do autor).

Sendo aparentemente verdade as alegações do consumidor lesado, o magistrado

deferirá a inversão do ônus da prova, firmando-se na verossimilhança da alegação, proporcionando a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, fazendo isso em consonância às regras ordinárias de experiências.

Salienta José Geraldo Brito Filomeno (2007, p. 155), que: (...) a inversão do

ônus da prova, com base na verossimilhança, consiste no fato do consumidor assumir posição de vulnerabilidade em relação ao fornecedor, tendo em vista que este detém maior capacidade econômica, técnica e maior grau de informação sobre os

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produtos e serviços ofertados no mercado que, com certeza, o consumidor não detém.

Em síntese, verifica-se ainda que poderá o consumidor ter facilitada sua defesa,

inclusive com inversão do ônus da prova, quando for este hipossuficiente, ou seja, quando não puder arcar com as custas do processo civil e/ou com o pagamento de honorários de perito, caso houver necessidade de prova pericial, é o que dispõe a parte final do artigo 6º, VIII do CDC em consonância com o conceito de hipossuficiência, que, por sua vez, elenca Filomeno (2007, p. 155), “é a conotação de pobreza econômica ou falta de meios, sobretudo em termos de acesso a conhecimentos técnicos ou periciais em dado conflito nascido de relações de consumo”.

Reporta o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor que, havendo culpa ou

não, o fornecedor será obrigado a reparar os danos causados a todos os consumidores em razão de serviços defeituosos prestados, bem como quando os serviços não forem devidamente informados sobre o modo de uso ou tais informações forem insuficientes

(BRASIL, 2013). Neste prisma, Zelmo Denari (2000, p. 203) elenca o teor contido no § 1º

do referido art. 14º do CDC, que traz critérios para se medir o vício de qualidade do serviço prestado pelos fornecedores, uma vez que tem sempre que priorizar a segurança do consumidor. Os critérios dispostos nos incisos do parágrafo primeiro são: a) o modo de fornecimento do produto; b) os riscos da fruição (uso); e c) a época em que foi prestado o serviço. Continua Denari: o serviço presume – se defeituoso quando é mal apresentado ao consumidor (inciso I), quando sua fruição é capaz de suscitar os riscos acima do nível de razoável expectativa (inciso II), bem como quando, em razão do decurso do tempo, desde sua prestação, é de se supor que não ostente sinais de envelhecimento (inciso III).

Ficando caracterizado que o consumidor sofreu dano em decorrência de

aquisição de produto defeituoso exposto no mercado, mesmo não tendo o fornecedor do serviço agido com culpa, terá este que reparar o prejuízo causado, conforme preconiza nosso Código de Defesa do Consumidor.

Ainda quanto aos danos provocados pela má prestação de serviços, é de bom

alvitre expor comentários a respeito do artigo 20, caput, incisos e parágrafo 2º do CDC que assim se exterioriza: art.20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I- a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II- a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III- o abatimento proporcional do preço (...) §2º. São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade. (BRASIL, 2013)

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O presente artigo faz menção à responsabilidade do fornecedor, por vícios de qualidade e quantidade dos serviços.

Há vícios de qualidade quando os serviços são impróprios para o consumo, ou

melhor, quando não condizem com o fim a que eram determinados ou não atendem às normas regulamentares de prestabilidade, conforme parágrafo 2º do artigo 20 do CDC.

Zelmo Denari (2000, p. 222) afirma que “o índice de defectibilidade dos

serviços prestados na sociedade de consumo é muito mais elevado que o dos produtos fornecidos”. Sendo assim, cita ele alguns dos serviços contidos no mercado atual, quais sejam, “os serviços profissionais, de todo gênero; os serviços de construção civil; agenciamento; diversões públicas; armazenamento e guarda de bens móveis; serviços de seguros; bancários, de crédito etc”.

Na realidade atual, constata-se que são nas prestações de serviços que se

verificam com mais habitualidade, os danos que ferem a moral dos consumidores. É notório que os danos morais são, hoje, o maior acalento buscado,

judicialmente, pelos consumidores prejudicados em descontento com a atuação relapsa dos fornecedores no mercado.

Com toda certeza, a sociedade agradeceria se os magistrados fixassem

danos morais em maiores patamares, analisando cada caso com justeza, inibindo os fornecedores de reiterarem nas condutas prejudiciais aos consumidores.

Ainda quanto à responsabilização dos fornecedores de serviços no CDC, a

ignorância sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não exime o fornecedor de sua efetiva responsabilidade, conforme entendimento do artigo 23.

Tal dispositivo adere à já mencionada Teoria do Risco, que desconsidera a

conduta do fornecedor no âmbito subjetivo. (DENARI, 2007, p. 229). O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2013) diz que a

garantia legal de adequação do produto e do serviço disponibilizado no mercado, não depende de termo expresso, sendo em todo e qualquer caso vedada a exoneração contratual do fornecedor, conforme artigo 24.

É sabido que o fornecedor deve expor no mercado de consumo apenas produtos

e serviços com a devida garantia de qualidade, ou seja, produtos e serviços sem defeitos, sem vícios.

Sendo assim, o presente artigo estabelece que não é necessário haver

termo expresso para responsabilizar o fornecedor que expõe no mercado produto ou serviço defeituoso, uma vez que a lei já lhe imputa tal responsabilidade.

Prevê o artigo 25 do CDC que “é proibida a estipulação nos contratos da

cláusula que impossibilita, exonere ou atenua o dever de indenização”. (BRASIL, 2013).

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Todas as cláusulas que desvincula o responsável pelo dano no dever de ressarcir o prejudicado são nulas de pleno direito.

A título de exemplo de cláusula que se pode considerar não escritas são as que

os hotéis dizem não se responsabilizarem por furtos de bens e valores não confiados à direção do hotel, para fins de depósito. Para Zelmo Denari (2000, p. 231), os consumidores de serviços devem desconsiderar tais cláusulas.

Por fim, resta evidenciar que os fornecedores de produtos ou serviços devem ser

solidariamente responsáveis pelos atos praticados por seus representantes autônomos ou prepostos, inteligência do artigo 34 do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2013).

Tal dispositivo é de suma importância no que diz respeito à reparação de danos

em nosso sistema consumerista. Para Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (2007, p. 291), (...) há

diversos casos em que o consumidor lesado fica sem possibilidade de acionar o fornecedor para reparar o dano, fornecedor este que esquiva da responsabilidade dos atos praticados por seus vendedores, representantes e prepostos, com o argumento de que tais não estavam sob sua autoridade na hora da ocorrência do dano.

Neste viés, quanto à isenção Contratual, ensina Antônio Herman de

Vasconcellos e Benjamin (2007, p. 291). Nestas hipóteses, portanto, não terá qualquer valor jurídico documento assinado

pelo representante “autônomo” e o fornecedor, isentando este de responsabilidade civil por eventuais prejuízos causados aos consumidores.

Sendo assim, conforme todo entendimento relatado, qualquer dano provocado

aos consumidores pelo fornecedor, por seus prepostos ou por seus representantes autônomos, seja na prestação de serviços ou no fornecimento de produtos, mesmo que não haja culpa, gerará o dever de indenização nas proporções do prejuízo obtido. 3 RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS FORNECEDORAS DE TALONÁRIOS DE CHEQUE A CLIENTE QUE POSSUI CONTA DEVEDORA, QUE COM ESSA PRÁTICA PROPORCIONA PREJUÍZO AO TERCEIRO QUE SE TORNAR BENEFICIÁRIO DO TÍTULO SEM PROVISÃO DE FUNDOS. 3.1 O CHEQUE COMO TÍTULO DE CRÉDITO

Cesare Vivante elenca o conceito de título de crédito, sendo tal conceito o adotado pela doutrina comercialista majoritária, senão vejamos: “título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado” (apud COELHO, 2013, p. 443).

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Fabio Ulhoa Coelho reporta que, (...) o título de crédito comprova a

existência de uma determinada relação jurídica, mais precisamente, uma relação de crédito, uma vez que o título de crédito prova que uma pessoa é credora de outra, ou que duas ou mais pessoas são credoras de uma ou de várias pessoas. (2013, p. 444).

Pode-se frisar que o título de crédito é o direito que se adquire de uma prestação

futura, fincada de forma essencial na confiança e no prazo. O tempo para o cumprimento da obrigação e a boa-fé são elementos presentes na relação creditícia.

Para Waldo Fazzio Júnior (2003, p. 370), não é preciso se preocupar com uma

conceituação legal de título de crédito, basta externar suas características primordiais, quais sejam: a) é um documento (cártula); b) estipula sempre uma ou mais obrigações literais e autônomas; c) dá ao seu portador condições concretas de receber o crédito mencionado em face dos signatários; d) representa valores e substitui-os, sendo que pode ser negociados; e) porta executividade.

Parte da doutrina comercialista preconiza que cheque é título de crédito impróprio, melhor verificado como meio de pagamento ao invés de instrumento de circulação de crédito. Esse é o entendimento de Fran Martins, que enfatiza a necessidade de haver fundos na conta do emitente perante o sacado, descaracterizando o crédito em abstrato. Na mesma vertente, entende Pontes de Miranda que o cheque não é considerado título de crédito, pois se trata de instrumento de apresentação e de resgate (apud COELHO, 2013, p. 508).

A doutrina dominante comercialista entende que o cheque é título de

crédito, uma vez que está incorporado na Segunda Parte do Código Civil, dedicada aos “Títulos de Crédito”. Neste ínterim, é adotada a visão do Professor Waldemar Ferreira (apud REQUIÃO, 2013, p. 582) que assim expõe: sobre ser simples instrumento de pagamento, poderá o cheque se revestir da natureza de título de crédito, quando, endossado, penetre no mercado de valores. Tem o endosso virtude de engajar nele a responsabilidade do próprio sacador, quando saca em benefício de terceiro; ou quando este, por via de endosso, em branco ou em preto, o transfere a terceiro. Entrando por tal forma, na circulação econômica, o instrumento de retirada de dinheiro depositado em conta corrente bancária se convola em título de crédito, de natureza mercantil inconfundível. A fim de que valha muito mais como título de crédito do que simples ordem de pagamento.

Para Fábio Ulhoa Coelho (2013, p. 508), essa discussão, de ser ou não

ser o cheque considerado título de crédito, não propaga circunstâncias de relevo, tendo em vista que a lei que disciplina o cheque é satisfatoriamente detalhada, qual seja, LC nº 7.357/85, e expõe ainda: “Se a lei fosse lacunosa, aí sim poderiam existir dúvidas sobre a constituição e circulação do documento – se cambial ou civil -, cabendo, então, o aprofundamento da discussão sobre a sua natureza, como modo de solucioná-las”.

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Waldírio Bulgarelli, analisando diversas teorias, dentre elas, cessão de crédito, estipulação em favor de terceiro, mandato, autorização e delegação, reconhece que não é fácil deixar de considerar o cheque como título de crédito (apud FAZZIO JÚNIOR, 2003, p. 427) momento em que afirma: perante a atual disciplina legal, vê-se que o cheque embora possa seguir sendo considerado título de crédito, tomou novas roupagens, afastando-se do formalismo rígido das cambiais, podendo sob tal aspecto ser qualificado com título específico (como a duplicata, por exemplo) com regime jurídico próprio, autônomo.

Rubens Requião (2013, p. 577) afirma que “o cheque é, sem nenhuma dúvida,

instrumento de pagamento, isso em sua forma mais simplificada”. Ocorre que também adere feição de título de crédito, tendo em vista quando se apresenta com endosso e aval, quando colocado em circulação perante terceiros. Desta feita, assume-se como verdadeiro título de crédito, com os institutos da cambial aplicáveis a ele, pois tem natureza cambial.

O cheque exerce grande função econômica, uma vez que divide espaço, no meio

comercial e social, com a moeda corrente. Sendo assim, para o doutrinador Rubens Requião (2013, p. 584), o cheque tem

como principal função o meio de pagamento, sendo que, quando é compensado, exterioriza o meio de liquidação de débitos e créditos. Circulando pelo endosso, o cheque opera como título de crédito.

Em síntese final, Waldo Fazzio Júnior (2003, p. 427) estabelece que: o cheque –

que não é título de crédito em sentido estrito – é mesmo um instrumento de pagamento que se exaure com o recebimento do seu valor, mas contém diversos elementos peculiares aos títulos de crédito tradicionais, como, por exemplo, a literalidade e a abstratividade. De outra parte, é inegável que o sacado não tem nenhuma obrigação cambial, não garante o pagamento, não aceita (art. 6º), não endossa (art. 18, § 1º) e não avaliza (art. 29) o título.

Também é discutível sua circularidade. Deve ser contemplado, realmente, um

título de crédito sui generis. (Grifos no original). Neste prisma, na visão dos doutrinadores aqui citados, os quais,

consequentemente, adotam a doutrina unânime, verifica-se que o cheque é considerado título de crédito, tendo em vista que, é tido por documento, gera sempre obrigação literal e autônoma a alguém, dá ao seu portador o direito de receber o crédito nele contido em face do signatário, pode ser executado, dentre outras peculiaridades. 3.1.1 Conceito e sujeitos da relação cambial

Fábio Ulhoa Coelho (2013, p. 508) conceitua cheque da seguinte forma: “É ordem de pagamento à vista, emitida contra um banco, em razão de provisão que o emitente possui junto ao sacado, proveniente essa de contrato de depósito bancário ou de abertura de crédito”.

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Na visão de Waldo Fazzio Júnior (2003, p. 421), cheque é um instrumento que ao ser usado neutraliza a moeda bancária, expondo ainda que: o cheque é uma ordem de pagamento à vista, sobre quantia determinada, emitida contra um banco, com base em provisão de fundos depositados pelo emitente ou, oriundos de abertura de crédito.

Nessa linha conceitual, o cheque pressupõe: a) emissão contra banco ou ente financeiro assimilado; e b) existência de saldo credor do emitente (correntista), em conta fundada em contrato de depósito bancário ou abertura de Crédito.

No entendimento de J. X. Carvalho Mendonça, o cheque contém em seu

bojo aspecto de câmbio em todas as suas fases, desde sua forma e conteúdo até em sua execução judicial. O cheque detém requisitos que por si só o individualizam; todas as obrigações que dele advém devem ser expostas de forma expressa, persistindo por si, não dependendo de sua causa originária. Todos os sujeitos que vier nele figurar, sendo o emissor, os avalistas ou os endossantes, adquirem para com quem o possuí ou porta obrigação cambial (apud REQUIÃO, 2013, p. 576).

Salienta Julliot de La Morandière que o cheque nos dias hodiernos apresenta-se

como ordem estabelecida ao banco para pagar de forma à vista, certa quantia em proveito de seu beneficiário. Os cheques são confeccionados pelos bancos e distribuídos aos clientes em feixes de talonários, sendo dever dos clientes guardá-los. Os bancos cobram determinada quantia por esses talonários (apud REQUIÃO, p. 576).

São intervenientes essenciais do cheque: o sacador, aquele que emite o cheque,

que dá ou passa a ordem de pagamento, assinado-a; o beneficiário ou portador, também chamado tomador, que é a pessoa em favor da qual é emitido o cheque; o sacado, ou seja, o estabelecimento bancário em poder do qual se acham os fundos, e que deve efetuar o pagamento (Grifo Nosso). (FAZZIO JÚNIOR, 2003, p. 434).

Waldo Fazzio Júnior (2003, p. 435) ainda relata que o endossante e o avalista

podem ser considerados intervenientes acidentais ou eventuais. Ressalta-se, então, que quem dá, emite, passa ou saca determinada ordem

chama-se emitente, conhecido ainda por sacador ou tomador; aquele que recebe a ordem de pagamento é denominado sacado que é a pessoa, o banqueiro; e, por fim, a pessoa que se beneficia do sacado é denominada de tomador, beneficiário ou portador (REQUIÃO, 2013, p. 577). 3.1.2 Cartularidade do cheque

O cheque especificamente monta-se em uma cártula, ou seja, em uma folha de papel ou documento. Sem a exibição material desse papel, dessa cártula, não há falar que o credor pode perquirir o direito que se firma no título de crédito, sendo esse o entendimento do grande Cesare Vivante (apud REQUIÃO, 2013, p. 458).

A cláusula “à ordem”, de maneira implícita, está inserida no cheque. Por conter

essa cláusula, significa dizer que pode ser transmitido normalmente por meio de endosso.

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Quem endossa, certamente, passa a ser co-devedor do cheque e fica sujeito

à execução caso o título for devolvido pelo banco sacado sem a devida provisão de fundos em conta.

O cheque endossado admite a cláusula “sem garantia”, sendo que por esta,

aquele que endossou, não assume perante o título relação cambial. (COELHO, 2013, p.511).

Quem emite cheque, pode nele incluir a cláusula “não à ordem”, sendo que esta

impede a transmissibilidade do título por endosso, passando a circulação do título a ser regida pelo Código Civil.

Nosso Código Civil traz a seguinte redação no artigo 896: “O título de crédito

não pode ser reivindicado do portador que o adquiriu de boa-fé e na conformidade das normas que disciplinam a sua circulação”. (BRASIL, 2013).

O presente artigo preservou o teor do projeto original. Disposições semelhantes eram elencadas no artigo 16 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto nº

57.663/65) referente à letra de câmbio, e ainda no artigo 24 da Lei nº 7.357/85, que rege o cheque.

Ricardo Fiuzza e Newton de Lucca (apud TAVARES DA SILVA, 2012, p. 863)

expõem que, antes da nova redação exposta no artigo em comento, em se tratando de direito cambial, a Lei Uniforme estabelecera em seu artigo 16, na alínea segunda que: se uma pessoa foi por qualquer maneira desapossada de uma letra, o portador dela, desde que justifique o seu direito pela maneira indicada na alínea precedente [que estabelece, em sua primeira parte, que o detentor de uma letra, desde que justifique o seu direito por uma série ininterrupta de endossos, é considerado o seu portador legítimo, ainda que o último endosso tenha sido passado em branco], não é obrigado a restituí-la, salvo se adquiriu de má-fé ou se, adquirindo-a, cometeu uma falta grave.

A redação contida no texto do Anteprojeto fazia menção ao portador do título de

crédito não poder ser privado do mesmo (FIUZZA; DE LUCCA apud TAVARES SILVA, 2012, p. 864).

Ricardo Fiuzza e Newton De Lucca dizem que, pelo artigo 896 de nosso atual

Código Civil Brasileiro, a expressão de que o portador não poderia ser privado do título ficou suprimida, pois na Visão de Mercado Jr. quem porta título de crédito, tendo-o adquirido de boa-fé e consoante a sua lei de circulação, pode sim ser privado do mesmo quando este tiver sido, por exemplo, penhorado e, por final, arrematado ou adjudicado, ou ainda, se, em decorrência de furto ou extravio, for parar em mãos de outro possuidor que detenha boa-fé. (apud TAVARES DA SILVA, 2012, p. 864).

Na visão do professor Tullio Ascarelli, quanto à regra segundo a qual a posse de

boa-fé vale título, extrai-se um dos princípios fundamentais pertencentes aos títulos de crédito, qual seja, o da autonomia da cartularidade. Nas palavras de Tullio Ascarelli, dois são os sentidos deste princípio, senão vejamos. (apud TAVARES DA SILVA, 2012, p.864):

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Segundo um significado, ao falar em autonomia quer-se afirmar que não podem

ser opostas ao subseqüente titular do direito cartular as exceções oponíveis ao portador anterior, decorrentes de convenções extracartulares, inclusive, nos títulos abstratos, as causais...; segundo um outro significado, ao falar em autonomia, quer-se afirmar que não pode ser oposta ao terceiro possuidor do título a falta de titularidade de quem lho transferiu (...).

Para Cervantes Ahumada (apud TAVARES DA SILVA, 2012, p. 864),

não é certo estabelecer que o título de crédito é autônomo, sendo que expõe: não é exato dizer que o título de crédito é autônomo, nem que seja autônomo o direito incorporado no título: o que se deve dizer que é autônomo (no ponto de vista ativo) é o direito que cada titular sucessivo vai adquirindo sobre o título e sobre os direitos nele incorporados, e a expressão autonomia indica que o direito do titular é um direito independente, no sentido de que cada pessoa que vai adquirindo o documento adquire um direito próprio, distinto do direito que tinha ou podia ter quem transmitiu o título. Pode dar-se o caso, por exemplo, de quem transmita o título não seja um possuidor legítimo e portanto não tenha direito para transmiti-lo; sem embargo, o que adquire o documento de boa-fé, adquire um direito que será independentemente, autônomo, diverso do direito que tinha a pessoa que o transmitiu.

Para Ricardo Fiuzza e Newton de Lucca, o exemplo fornecido por

Cevantes Ahumada corresponde ao segundo dos sentidos estabelecidos por Tullio Ascarelli. Para estes doutrinadores, a consideração de que o direito cartular difere do direito derivado da relação fundamental serve, totalmente, para explicar que as exceções extracartulares não vinculam os subsequentes titulares do direito cartular (apud TAVARES DA SILVA, 2012, p. 865).

De outra monta, Ricardo Fiuzza e Newton de Lucca (apud TAVARES DA

SILVA, 2012, p. 865) posicionam-se no sentido de que somente os ensinamentos de Tullio Ascarelli são capazes de apresentar, de forma transparente, a imprescindibilidade dos dois sentidos do princípio da autonomia da cartularidade elencados acima, senão vejamos: com efeito, é fácil observar que, admitida a autonomia somente no último sentido, ele não poderia restringir as exceções atinentes ao direito mencionado no título; com efeito antecessor), mas seria sempre aquele direito, por isso sujeito sempre àquelas exceções (grifos no original)., tal direito, seu titular teria autonomamente, sim, (isto é, independentemente da titularidade do próprio

Pelo aqui discorrido, pela visão dos doutrinadores citados, a norma contida no

artigo 896 do Código Civil consagra um dos princípios fundamentais contidos no título de crédito, qual seja, o principio da autonomia da cartularidade, sendo que deve ser de todo entendido no seu alcance.

Ainda em relação à cartularidade do cheque, sendo que este é considerado título

de crédito, conforme já fora espojado neste trabalho, é pertinente trazer à baila a redação do artigo 905 do CC que assim se exterioriza: o possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada, mediante a sua simples apresentação ao devedor.

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Parágrafo único. A prestação é devida ainda que o título tenha entrado em circulação contra a vontade do emitente. (BRASIL 2013).

Para Newton de Lucca e Ricardo Fiuzza (apud TAVARES DA SILVA, 2012, p.

885), pode ocorrer que estando devidamente legitimado o portador de boa-fé a exercer o direito constante do título, pode ele não ser o titular do direito. Neste diapasão, o portador de boa-fé indubitavelmente não teria direito à prestação, mas permaneceria com legitimidade para receber a obrigação contida no título. Para esses doutrinadores, o dispositivo anunciado acima deveria ser lido e entendido da seguinte maneira “o possuidor do título ao portador é legitimado para o exercício do direito mencionado no título, mediante a apresentação ao devedor”. Por ser assim, finalizam: “A leitura do texto legal, destarte, deve ser feita da maneira acima indicada a fim de que não se tolha o exercício de direitos que são inerentes aos títulos ao portador”.

Quanto ao estipulado no parágrafo único, trata-se da consagração da teoria

da criação, sendo que tal teoria na visão de Newton de Lucca e Ricardo Fiuzza (apud TAVARES DA SILVA, 2012, p. 887) estabelece uma obrigação cartular constituída a partir da simples criação do título de crédito. Acrescentam ainda ao entendimento que: sua mais importante conseqüência é a de que os vícios da relação de emissão, porventura existentes, não são oponíveis ao terceiro portador de boa fé. As exceções de erro, dolo e violência – que dizem respeito, evidentemente, à relação de emissão – não podem ser opostas ao terceiro portador de boa-fé. É de perceptibilidade imediata justificar o porquê da inoponibilidade das exceções decorrentes dos vícios do negócio de emissão a quem não tenha dele participado, conforme já tivemos a oportunidade de assinalar: sendo o adquirente um estranho à relação de emissão – e, portanto, inteiramente ignaro das eventuais exceções que poderiam ser opostas -, como poderia ele defender-se eficazmente destas últimas?

Por ser assim, verifica-se a correta exatidão do contexto estabelecido no

parágrafo único do artigo 905 do Código Civil. 3.1.3 O cheque como ordem de pagamento à vista. Quem é ordenado a pagar?

O cheque assemelha-se à letra de câmbio por ser ordem de pagamento, diferindo quanto a sua forma de pagamento, sendo pagável à vista. (REQUIÃO, 2013, p. 576).

Importante é novamente expor a visão de Fábio Ulhoa Coelho (2013, p.

508) uma vez que o cheque é ordem de pagamento à vista, sendo que esta ordem sempre é emitida contra um banco, em razão de o emitente ter fundos junto a este banco/sacado, sendo que tais fundos são advindos de contratos de depósitos bancários ou d e aberturas de crédito. Assevera ainda esse doutrinador (2013, p. 509) que “cheque é a ordem de pagamento à vista, emitida contra um banco, em razão de fundos que o emitente possui junto ao sacado” (grifos do autor).

Os cheques são emitidos contra os bancos ou entidades financeiras, os quais

arcam com o compromisso de pagarem o título, inteligência do artigo 1º, III, da Lei 7.357/1985, senão vejamos: aRT. 1º. O cheque contém: “[...]. III – o nome do banco ou da instituição financeira que deve pagar (sacado ); [...].(BRASIL, 2013).

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Neste mesmo prisma, o artigo 3º do mesmo diploma legal ensina que “O cheque

é emitido contra banco, ou instituição financeira que lhe seja equiparada, sob pena de não valer como cheque”. (BRASIL, 2013).

Waldo Fazzio Júnior (2003, p. 421-422) corrobora tal entendimento dizendo que

“o cheque deve ser emitido contra banco, ou instituição financeira que lhe seja equiparada, sob pena de não valer como cheque. Contra tais entidades são emitidos os cheques”.

Tem-se por entidades financeiras equiparadas a bancos, conforme a lei de

Reforma Bancária (Lei nº 4.595/64) artigos 17 e 18, as sociedades de crédito, financiamento e investimento, caixas econômicas e cooperativas de crédito. (FAZZIO JÚNIOR, 2003, p. 422).

Desde os primórdios, os bancos dedicavam-se em manter sob seus cuidados as

riquezas de seus clientes, sendo que a qualquer momento seriam mobilizados por ordens de pagamento relativas aos depositantes. Esses bancos faziam expedir certificados que davam aos clientes o direito de desfazer do dinheiro depositado, podendo dispor em favor de terceiros ou de si próprio. (REQUIÃO, 2013, p. 578).

O atual sistema inglês, que é seguido pelos norte-americanos, defendia e ainda

defende que “cheque é uma letra de câmbio à vista sacada sobre um banqueiro”. (REQUIÃO, 2013, p. 579).

Destarte, expor a visão de Rubens Requião (2013, p. 579) que distingue letra de

câmbio de cheque é necessariamente importante, uma vez que afirma ser o cheque uma ordem de pagamento à vista e que quem deve fazer o pagamento do título é o banco sacado, senão vejamos: enquanto a letra de câmbio é um título de emissão livre, sacada tanto contra comerciantes como contra não comerciantes, o cheque somente é utilizável, por uns e por outros, tendo como sacado uma “instituição financeira”. Mesmo quando nossa antiga Lei 2.591 permitia o cheque contra comerciante, não se vulgarizou essa prática; a letra de câmbio não requer provisão de fundos em poder do sacado, mas no cheque essa provisão é imprescindível, sem o que constitui um ilícito penal (pela Lei nº 7.357/85, essa distinção é relativa, pois o artigo 4º, §1º, dispõe que a provisão é verificada no momento da apresentação); o cheque é sempre emitido para pagamento à vista, ao passo que a letra de câmbio, além disso, pode sê-lo a prazo. Sendo uma ordem de pagamento à vista o cheque não comporta aceite, que a Lei expressamente veda, considerando quando ocorrer, como cláusula não escrita (art. 6º).

Neste ínterim, pelo verberado, o cheque é ordem de pagamento à vista e

ao banco cabe pagar o cheque emitido por aquele com quem contratou abertura de conta ou fornecimento de crédito. 3.1.4 Devolução de cheques sem fundos, alíneas e crime de estelionato

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O cheque firma-se na circunstância do emitente possuir fundos disponíveis junto ao sacado.

Não havendo fundos junto ao sacado, o cheque é considerado sem provisão, ou

seja, sem fundos. (REQUIÃO, 2013, p. 598). Enfatiza Fábio Ulhoa Coelho (2013, p. 521) que “se o banco sacado verificar

que o emitente do cheque não possui fundos no dia da compensação do título, poderá devolvê-lo a quem lhe apresentou, fazendo para tanto a devida declaração correspondente”.

Todas as devoluções de cheques feitas pelos bancos devem ser

especificadas. Para isso, o Banco Central editou o Regulamento anexo à Resolução nº 1.631 de

24 de agosto de 1989 que determina a lista de todas as causas de devolução de cheques existentes em nosso País.

Como verberado, na citada Resolução, o Banco Central expõe as

chamadas “alíneas” para individualizar o motivo da devolução de cada cheque. (BRASIL, 2013).

As alíneas bancárias são, no entanto, as hipóteses alegadas pelos bancos sacados

para promoverem a devolução dos cheques, seja por falta de provisão de fundos na conta, seja quando detectada alguma contra-ordem ou irregularidade no título. As alíneas individualizam-se por algarismos (p. exp. 11, 12, 13), sendo que são apostas pelo banco sacado no verso do cheque por meio de carimbo.

Como está sendo tratado neste ponto de devolução de cheques sem fundos, de

grande valia é expor as alíneas de devolução bancária por falta de proventos elencadas na Resolução nº 001682 que dá nova redação ao regulamento anexo à Resolução nº 1.631 de 24 de agosto de 1989 (BRASIL, 2013): art.6º. O cheque poderá ser devolvido por um dos motivos a seguir qualificados: cheque sem provisão de fundos (alínea 11); cheque sem fundos – 1ª apresentação; cheque sem fundos (alínea 12) – 2ª apresentação; conta encerrada (alínea 13); prática espúria (alínea 14).

Nesta vertente, quando se tem em mãos um cheque devolvido pelo banco,

necessariamente o cheque conterá em seu verso um carimbo do sacado, exteriorizando o motivo da devolução.

Por norma estabelecida pelo Banco Central, um mesmo cheque pode ser

apresentado para liquidação apenas duas vezes, não ficando o credor obrigado a realizar as duas apresentações. Isto é, sendo o cheque devolvido apenas uma vez por

insuficiência de fundos, o credor já está apto a promover sua cobrança judicialmente (COELHO, 2013, p. 521).

A lei 7.357/85, que dispõe sobre o cheque e dá outras providências, estabelece

em seu artigo 4º, §1º, que a existência de fundos em conta do emitente verifica-se no momento em que o cheque é apresentado ao sacado para pagamento. Em ato contínuo, estabelece o §2º do referido artigo que fundos disponíveis são: a) os créditos

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que constam na conta-corrente bancária do emitente, desde que não estejam subordinados a nenhum termo; b) todos os saldos que se exigem de conta-corrente contratual; e c) o montante que advém de abertura de crédito”. (BRASIL, 2013).

Na visão de Rubens Requião (2013, p. 599), a provisão do cheque deveria existir

desde o momento em que ele foi assinado por seu emitente. Para corroborar com esse seu entendimento, explana o pensamento De Semo, senão vejamos: “escrevendo que a disponibilidade dos fundos deve existir até o momento da emissão do cheque, porque só a esperança e o propósito de fornecer os necessários fundos ao sacado multiplicariam as possibilidades concretas de transgressão” (grifos do autor).

Para nossa legislação vigente, emitir cheque sem fundos configura crime

de estelionato, conforme artigo 171, §2º, inciso VI, do Código Penal Brasileiro. (BRASIL, 2013).

Quem emite cheque sem suficiente provisão de fundos, junto ao sacado, incorre

na pena do caput do artigo 171 do CP, que assim expõe: “Obter para si ou para outrem vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa”. (BRASIL, 2013).

Prevê a Súmula 246 do Supremo Tribunal Federal que, “Comprovado não

ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheques sem fundos” (BRASIL, 2013). neste ínterim, não havendo fraude, não há crime de estelionato.

Waldo Fazzio Júnior (2003, p. 461) elenca que, na proporção que o prazo

de apresentação do cheque na praça de emissão é de 30 dias ou 60 dias quando em outra praça, dado o desconto fora desses prazos, toma-se a presunção relativa de que o título foi emitido por mera promessa de pagamento, sendo que descaracteriza o título co mo cheque e consequentemente, o delito. Expõe ainda que o crime de estelionato não existe quando: a) dá-se a apresentação do cheque anteriormente à data de sua emissão;

b) o cheque for emitido apenas como simples garantia de dívida; c) o cheque for emitido com intuito de pagamento de dívida de jogo; e d) o cheque substitui diferente título de crédito ou débito anterior, vez

que não causa novo prejuízo. A legislação vigente estabelece que ocorrendo emissão de cheque sem

fundos por culpa do emitente, este não incorrerá em crime de estelionato ou qualquer outro, desde que, antes do recebimento da denúncia, promova o pagamento do título, sendo que com isso obsta o prosseguimento da ação penal cabível.

Neste viés, é o entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal, na súmula

nº 554, que diz “o pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal” (BRASIL, 2013).

Preocupando-se com falhas na repressão penal, as autoridades

administrativas visaram resolver possíveis questões referentes aos crimes desencadeados pela emissão de cheques sem fundos.

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Neste prisma, em se tratando de repressão de cheques sem fundos no âmbito administrativo, cabe ao Banco Central disciplinar essas condutas.

Fábio Ulhoa Coelho (2013, p. 526) verbera que: a sistemática vigente prevê em

suma, duas sanções: a inscrição do CCF (Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos) e o pagamento da taxa do Serviço de Compensação de Cheques e Outros Papéis. A primeira é aplicável na segunda devolução do mesmo cheque, e dela decorre rescisão do contrato de depósito bancário e a proibição para novos contratos desse gênero, com qualquer banco (exceto se a conta se destina a recebimento de salário, a ser movimentada unicamente por cheques avulsos). A segunda sanção se aplica a cada devolução do cheque sem fundos. Ela é conhecida, na praxe bancária, como “multa”, mas, em termos precisos e jurídicos, representa a perda da gratuidade do serviço de compensação. [...] A tarifação da compensação frustrada por falta de provisão é expressamente autorizada pelo Banco Central, como medida repressora dos cheques sem fundos (Res. 1.682/90). Note-se que a taxa do serviço de compensação pode ser cobrada tanto do emitente do cheque, como do apresentante, que preferiu se utilizar dos serviços prestados pelo seu banco a se deslocar até a agência pagadora do banco sacado, ganhando com isso tempo e segurança na operação. Voltando à esfera do judiciário, Rubens Requião (2013, p. 602) cita julgado do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, em relação aos cheques sem fundos que tiveram grandes destaques na obra do Prof. Waldemar Ferreira, que assim expôs: a nossa lei não exige, afirmavam os juízes portugueses, normalmente, o dolo específico: basta a intenção de praticar o ato que constitui o crime, e que o agente saiba que esse fato é proibido por lei. Desta sorte, a simples emissão do cheque, com conhecimento da falta de provisão, denuncia a ilicitude do emitente, uma vez que sabe ser fato proibido por lei, e não obstante quer praticar esse fato. Existe, assim, o dolo genérico, porquanto do fato pode resultar dano para o beneficiário, revelado com a recusa do pagamento. Deste modo, ainda que não haja o ânimo de defraudar, pratica-se intencionalmente um ato que a lei reprova e que contraria o fim para que o cheque é passado. Ao punir-se a emissão de cheque sem provisão, não se tem em vista proteger somente interesses particulares, mas também os interesses gerais, assegurando ao cheque a confiança que deve merecer, atenta a necessidade de difundir o seu uso como meio de pagamento. De grande interesse é torná-lo um dos principais títulos de crédito. Como é óbvio, a aceitação do cheque pelo credor, como meio de pagamento, está dependente da confiança que ele merecer. Daí a necessidade de punir aqueles que emitam cheques sem a indispensável provisão. Para Rubens Requião (2013, p. 602), o “Código Penal vigente prevê o delito de fraude no pagamento por meio de cheque, no art. 171, §2º, VI, enquadrando -o como uma das formas de estelionato”. Pela redação do artigo 160 do Código Penal, verifica-se ainda a possibilidade de p,rática de crime contra o patrimônio, uma vez que, sendo o cheque usado indevidamente, pode ocorrer o crime de extorsão indireta.

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3.2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORECEDOR NO DIREITO DO CONSUMIDOR FRENTE A TERCEIROS

Conforme já detalhado neste trabalho, o conceito de fornecedor vem especificadamente exposto no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor Brasileiro que assim se exterioriza: fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição de produtos ou prestação d2e serviços. (BRASIL, 2013).

Pela norma contida no artigo 3º do CDC, extraiu-se que fornecedores são todas

as pessoas que praticam atividades de fornecimento de produtos ou prestação de serviços no mercado, mesmo que se verifique o caráter eventual destas atividades.

Explicando o caráter eventual das atividades de relação de consumo, bom

é expor o exemplo dado pelo professor Rizatto Nunes (2013, p. 135): Um estudante que, para pagar seus estudos, compra e depois revende lingerie entre seus colegas exerce atividade que a põe como fornecedora para o CDC. 0Se essa compra e venda for apenas em determinada e específica época, por exemplo, no período de festas natalinas, ainda assim ela é fornecedora, porque, apesar de eventual, trata-se de atividade comercial. (grifos do autor).

Feitas essas considerações, passa-se a falar neste ponto sobre a responsabilidade

civil dos fornecedores de produtos ou serviços frente a terceiros. É de bom alvitre enaltecer o teor disposto no artigo 17, da Lei 8.078/90, que

assim dispõe: “para os efeitos desta Seção, equiparam se aos consumidores todas as vítimas do evento”. (BRASIL, 2013)

Através da criação do consumidor equiparado pelo CDC, não há mais dúvida

quanto ao sistema jurídico aplicável aos acidentes de consumo que vinculam pessoas diversas do consumidor propriamente interessado (NUNES, 2013, p. 227) e segue: “Em outros termos, ocorrendo acidente de consumo, o consumidor diretamente afetado tem direito à ampla indenização pelos danos ocasionados. Todas as outras pessoas que foram atingidas pelo evento têm o mesmo direito”.

Quando o legislador traz a expressão “todas as vitimas do evento” no referido

artigo 17 do CDC, quis ele fazer menção àquelas pessoas que, mesmo não estando ligadas diretamente na relação de consumo, se envolvem de alguma forma, tendo por consequência o dano.

Percebe-se que com enorme frequência, os danos advindos de toda relação

consumerista, seja no fornecimento de produtos, seja no fornecimento de serviços, apenas não afetam somente o consumidor, mas sim, terceiros, sendo estes, pessoas estranhas à relação jurídica de consumo . (DENARI, 2000, p. 175).

Neste diapasão, com o fim de propiciar proteção erga omnes, o legislador optou

por responsabilizar o fornecedor que expõe no mercado produtos e serviços com vício

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de qualidade, mesmo que a pessoa atingida pela prática danosa não esteja diretamente ligada à relação de consumo. (CALIXTO apud GUERRA; BENACHIO, 2012, p. 126).

Neste contexto, a Carta Magna de 1988 faz alusão à proteção do consumidor,

vejamos: art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à prioridade, nos termos seguinte:

[...] XXXII- o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

[...].(BRASIL, 2013). Neste sentido, como todas as vítimas do evento equiparam-se a consumidores, os

terceiros lesados pela relação de consumo devem ser reparados pelos danos sofridos, devendo o Estado prestar a tutela jurisdicional em cada caso.

Ainda em relação à proteção do consumidor, estabelece o artigo 170, V

da CR/88: art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V- defesa do consumidor; [...].(BRASIL, 2013).

Neste prisma, Zelmo Denari (2000, p. 175) destaca: entre os exemplos mais

sugestivos de propagação dos danos materiais ou pessoais, lembramos as hipóteses de acidentes de trânsito, de uso de agrotóxicos ou fertilizantes, com a conseqüente contaminação dos rios, ou da construção, quando há comprometimento dos prédios vizinhos. Em todos esses casos, o Código assegura o ressarcimento dos danos causados a terceiros que, para todos os efeitos legais, se equiparam aos consumidores.

Como se destaca, em duas oportunidades distintas o Código se preocupa

com “terceiros”, nas relações de consumo: no inciso III, §3º, do artigo 12, quando alude à culpa de terceiros, como causa de excludente da responsabilidade do fornecedor, e nesta passagem, para disciplinamento da responsabilidade perante terceiros, protegendo os denominados bystanders, vale dizer, aquelas pessoas estranhas à relação de consumo, mas que sofreram prejuízo em razão de defeitos intrínsicos ou extrínsecos do produto ou serviço.

Pelo exposto em conformidade com os preceitos expostos pelo atual Código de

Defesa do Consumidor, o fornecedor que disponibilizar no mercado de consumo qualquer produto ou serviço susceptível de causar dano ao consumidor e ao terceiro que equipara a consumidor, sendo esse dano concretizado, o fornecedor deve arcar com a responsabilidade de reparar o prejuízo sofrido pela vítima. 3.2.1 Responsabilidade pela circulação de produtos e serviços no Código Civil

O atual Código Civil estabelece a responsabilidade dos empresários individuais e das empresas acerca da circulação de produtos, senão vejamos: “Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas

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respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação”. (BRASIL, 2013).

Nas palavras de Arnaldo Rizzardo (2007, p. 401), aquele que fabrica

produto que será colocado em circulação deve proceder com honestidade às orientações de que os produtos devem atender o seu fim determinado, não propiciando ao adquirente nenhum tipo de risco, isto é, o produto colocado em circulação não pode ofertar riscos à saúde de quem os utiliza. Deve sempre ser obedecido o estatuído em relação à circulação de bens, respeitando que o bem seja útil e seguro ao adquirente.

No Código Civil, a responsabilidade pela circulação de bens e serviços advém

do risco da atividade ou da coisa. Inúmeras são as atividades e os bens que, causando danos a alguém, estabelece o dever de indenizar. Neste prisma, exterioriza-se a teoria do risco encabeçada pelo Código Civil. Se a responsabilidade aqui verberada fosse apenas de cunho contratual, “os usuários dos bens por pessoas que não figuram como adquirentes não ficariam obrigados pelos males ou prejuízos que suportaram” (RIZZARDO, 2007, 401-402).

Para Arnaldo Rizzardo (2007, p. 402), a imputação da responsabilidade objetiva

é o sistema mais adequado hodiernamente, tendo em vista que oferece segurança àqueles que adquirem ou usam produtos e serviços e “apresenta o fabricante garantias de ressarcimento, e constitui quem realmente possui condições no controle e na segurança dos produtos”.

Insta salientar a norma contida no parágrafo único do artigo 927 do Código

Civil que trata da responsabilidade civil no aspecto geral, mas ligada aos danos causados pelo exercício de atividades, abrangendo, ainda, a utilização de coisas que assim dispõe: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. (BRASIL, 2013).

Desta feita, aquele que expõe produto ou serviço no mercado, e que de

tal exposição advenha dano ao adquirente, deve o causador do dano promover a reparação civil do prejuízo sofrido pela vítima.

É de bom agrado expor a redação do artigo 932, III do CC: art. 932. São também

responsáveis pela reparação civil: [...] III- o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; [...].(BRASIL, 2013).

Regina Beatriz Tavares da Silva (2012, p. 939) diz que “o ato ilícito pode ser

praticado pelo próprio imputado ou a ação ofensiva pode ser praticada por terceiro que esteja sob sua esfera jurídica”. Sendo o ato praticado pelo próprio imputado, a responsabilidade civil é direta. Sendo praticado pelo terceiro, estando este ligado ao imputado, a responsabilidade é indireta, devendo para tanto a ligação estar constatada em lei.

Expõe ainda Regina Beatriz Tavares da Silva (2012, p. 939-940): tal

responsabilidade existe porque a antijuridicidade da conduta por si só, ou seja, a

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responsabilidade direta, não satisfaz o anseio de justiça – dar a cada um o que é seu. Há vezes em que para haver justiça faz-se necessário ir além da pessoa causadora do dano e alcançar outra pessoa, aquém o próprio agente esteja vinculado por uma relação jurídica.

Assim, há responsabilidade indireta quando alguém é chamado pela lei para

responder pelas conseqüências de fato de terceiro, expressão que também se utiliza na responsabilidade pelo fato provocado por animal ou coisa, com o qual o responsável está ligado juridicamente.

Quanto à prática de ato lesivo por pessoa jurídica extraí-se que (TAVARES DA

SILVA, 2013, p. 940). Se o ato lesivo é praticado por pessoa jurídica, deve-se distinguir se o foi por

meio de representante (legal ou estatutário) ou de empregado (pessoa ao seu serviço). No primeiro caso, a empresa responde, sem que se tenha de fazer qualquer outra indagação. No segundo caso, para que a pessoa jurídica seja responsabilizada é preciso que o agente tenha praticado o ato ilícito no exercício de suas funções, na conformidade do inciso III deste dispositivo, cabendo sempre o direito de regresso contra o efetivo causador do dano (v. Carlos Alberto Bittar, Responsabilidade civil: teoria e prática, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1989, p. 10). Desse modo, tratando-se de pessoa jurídica, deve-se primeiro verificar, concretamente, a espécie da empresa e a qualificação do agente, isto é, se age em nome da entidade ou a seu serviço.

Frisa-se, pela norma contida no artigo 932, III do CC, que deve promover

a reparação civil o empregador ou comitente que, por meio da conduta de seus subordinados, sendo eles, os empregados, serviçais e prepostos no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele, causar dano a alguém.

Na mesma vertente, o artigo 933 do CC estabelece: “As pessoas indicadas nos

incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”. (BRASIL, 2013).

Neste viés, o empregador que por meio da conduta de seus empregados causar

dano a alguém, em decorrência da circulação de produtos ou serviços, responderá objetivamente pelo ilícito praticado, ou seja, mesmo que não haja culpa, incorrerá no dever de reparar o prejuízo sofrido pela vítima do evento. 3.2.2 Responsabilidade pela circulação de produtos e serviços no Código de Defesa do Consumidor

Nosso Código de Defesa do Consumidor impôs aos fornecedores de produtos e serviços a responsabilidade objetiva (especialmente elencada nos artigos 12, 13 e 14) pelos danos que causarem aos consumidores no exercício da prática comercial. (RIZZATO NUNES, 2013, p. 216).

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Como já bem estudado neste trabalho, responsabilidade civil objetiva é aquela que, independente de ter o fornecedor agido com culpa, o dano causado ao consumidor por sua atividade comercial deverá ser reparado.

O CDC preconiza que todos os produtos e serviços expostos no mercado devem

ser adequados, atender a finalidade a que se destinam, não podendo trazer qualquer risco à saúde do consumidor e, ainda, devem ser duráveis e seguros.

Neste viés, o Código de Defesa do Consumidor tem a incumbência de controlar

todos os produtos e serviços que circulam no mercado, prezando sempre pelo bem estar do consumidor e, mais, garantindo a eles o ressarcimento dos prejuízos sofridos ante a relação de consumo (RIZZATO NUNES, 2013, p. 219).

Estabelece o artigo 23 do Código de Defesa do Consumidor que “A ignorância

do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade”. (BRASIL, 2013).

Nesta ótica, mesmo que o fornecedor relate que não tinha conhecimento sobre os

vícios de qualidade constantes nos produtos e serviços por ele ofertados, não se eximirá do dever de ressarcir o consumidor prejudicado.

Nas palavras de Zelmo Denari (2000, p. 193), o teor contido no art. 23 em

comento é “consectário lógico do acolhimento da teoria do risco que, desconsidera os aspectos subjetivos da conduta do fornecedor”. 3.3 RESPONSABILIDADE DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS POR DANOS CAUSADOS A TERCEIROS

Os bancos exercem relevante função, mobilizando o crédito em benefício do desenvolvimento econômico da sociedade.

Mesmo com toda a atual modernidade, com o auxílio de todo o sistema

de informatização em suas agências, os bancos ainda acabam cometendo inúmeras falhas, causando prejuízos aos seus clientes ou terceiros que, por consequência, acarretam milhares de demandas com o propósito de reparação dos danos materiais e morais. Por esse entendimento, Sergio Cavalieri Filho diz que “hoje é possível dizer que os bancos estão no banco dos réus” (apud BENACHIO; GUERRA, 2012, p. 80).

Vislumbra-se que a responsabilidade civil dos bancos perante seus correntistas e

usuários finca-se na responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, elencada no artigo 14 do CDC que assim expõe:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa,

pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (BRASIL, 2013).

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Na visão de Sergio Cavalieri Filho (apud BENACHIO; GUERRA, 2012, p. 84) Fato do serviço é sinônimo de acidente de consumo; é o acontecimento externo, ocorrido no mundo físico, que causa dano material ou moral ao consumidor, mas que decorre de um defeito do serviço. Por ele responde o fornecedor objetivamente, isto é, independentemente de culpa.

A responsabilidade das instituições bancárias está em não fornecer serviços com

a qualidade de segurança que deles se esperam. Neste caso, o fornecimento de serviço que acarrete dano a um cliente ou terceiro faz nascer o dever de indenização. Mesmo que o banco não haja com culpa, bastando somente haver nexo de causalidade entre o serviço prestado e o dano, deverá promover a reparação do prejuízo sofrido pela vítima (CAVALIERI FILHO, apud GUERRA; BENACHIO, 2012, p. 85). 3.3.1 O CDC como diploma inovador na proteção de terceiros equiparados

No artigo 29 do CDC, o legislador equiparou a consumidor todas aquelas pessoas que estiverem expostas às práticas comerciais, mesmo que elas não sejam identificadas.

Vejamos o que estabelece o artigo 29 do CDC: “Para os fins deste Capítulo e do

seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. (BRASIL, 2013).

Nesta vertente, o doutrinador Rizzato Nunes (2013, p. 134) esclarece que: a

leitura adequada do artigo 29 permite, inclusive, uma afirmação muito simples e clara: não se trata de equiparação eventual a consumidor das pessoas que foram expostas às práticas. É mais do que isso. O que a lei diz é que, uma vez existindo qualquer prática comercial, toda a coletividade de pessoas está exposta a ela, ainda que em nenhum momento se possa identificar um único consumidor real que pretenda insurgir-se contra tal prática (grifos do autor).

Pela norma contida no artigo 29 do CDC, basta que a pessoa esteja exposta às

práticas comerciais para poder ser alcançada pela proteção do Código de Defesa do Consumidor, não havendo necessidade de efetivamente estar diretamente ligada às práticas comerciais (BENJAMIM, 2007, p. 223).

Como forma de complemento ao teor do referido artigo 29, é de bom

grado expor a norma contida no artigo 17 do diploma consumerista que diz “Para efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento” (BRASIL, 2013).

Claudia Lima Marques (FRANZOLIN; TOSTA apud BENACCHIO; GUERRA,

2013, p. 458) expõe que: o ponto de vista desta extensão do campo de aplicação do CDC é a observação de que muitas pessoas, mesmo não sendo consumidores stricto sensu, podem ser atingidas ou prejudicadas pelas atividades dos fornecedores no mercado. Estas pessoas, grupos e mesmo profissionais podem intervir nas relações de consumo de outra forma a ocupar uma posição de vulnerabilidade.

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Mesmo não preenchendo as características de um consumidor stricto sensu, a posição preponderante (machtposition) do fornecedor e a posição de vulnerabilidade destas pessoas sensibilizaram o legislador e, agora, os aplicadores da lei (grifos no original).

Neste viés, não há dúvidas que o CDC se aplica não somente às pessoas que

estão diretamente ligadas à relação de consumo, mas também àquelas que de alguma forma foram atingidas pelo evento proveniente da prática comercial. 3.3.2 O princípio da boa-fé como sustentáculo do terceiro lesado

Pelo já exposto neste trabalho, pode-se com toda certeza dizer que aquele que não tendo participado diretamente da relação de consumo, mas que por algum motivo sofreu dano, será considerado consumidor equiparado, tendo em vista que foi exposto à relação consumerista.

Nesta vertente, o terceiro lesado da relação de consumo tem seus direitos

garantidos pelo CDC, conforme se verifica da norma contida no artigo 17 e outros até aqui já estudados.

O princípio da boa-fé está estampado no texto do artigo 4º, III do CDC, senão

vejamos: art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendido os seguintes princípios: [...] III- harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. (BRASIL, 2013).

O presente artigo de lei traz em sua norma o princípio da boa-fé objetiva, que

nas palavras de Rizzato Nunes (2013, p. 181) “Pode ser definido, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo”.

Pode-se verificar também que a cláusula geral da boa-fé objetiva presente

no Código Civil exterioriza-se pela redação dos artigos 113 e 422, mas no CDC está por todo lado, uma vez que pode ser encontrada no já referido art. 4º, III e mais, artigos 6º, II,III e IV e 51, IV (JORGE JÚNIOR apud BENACHIO; GUERRA, 2013, p. 103).

Nas palavras de Alberto Gosson Jorge Junior “poderíamos afirmar

genericamente que a boa-fé é o princípio máximo orientador do CDC” (grifo do autor).

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Acentua Claudia Lima Marques (BENACHIO; GUERRA, 2013, p. 103) que: repita-se, pois, que, em face da finalidade de proteção especial das normas do CDC, a interpretação dos contratos que envolvem consumidores e fornecedores deve guiar-se por seus princípios, em especial o principio da boa fé, da transparência, da proteção da confiança e das expectativas legítimas dos consumidores.

Nesta vertente, o princípio da boa-fé objetiva traz o dever das partes em priorizar

o comportamento sem mácula, fiel, harmonioso, leal, respeitando o direito de cada um, sem oferecer prejuízo nenhum aos contratantes.

Sendo assim, diz Rizzato Nunes (2013, p. 184): a boa-fé objetiva é, assim, uma

espécie de pré-condição abstrata de uma relação ideal (justa), disposta como um tipo ao qual o caso concreto deve se amoldar. Ela aponta, pois, para um comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes, a fim de garantir o respeito ao direito de outra. Ela é um modelo principio lógico que visa garantir a ação e/ou conduta sem qualquer abuso ou nenhum tipo de obstrução ou, ainda, lesão à outra parte ou partes envolvidas na relação, tudo de modo a gerar uma atitude cooperativa que seja capaz de realizar o intento da relação jurídica legitimamente estabelecida.

Por esta exposição, o terceiro que fora prejudicado por uma relação de consumo,

da qual não fizera parte, pode firmar-se no princípio da boa-fé objetiva para garantia de seus direitos quando houver sofrido algum dano, tendo em vista que é equiparado a consumidor. 3.4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, TALONÁRIOS DE CHEQUES ENTREGUES À CLIENTE BANCÁRIO SEM PROVISÃO DE FUNDO E TERCEIRO RECEBEDOR DO CHEQUE PROVENIENTE.

No primeiro capítulo deste trabalho, estudou-se a responsabilidade civil em seu aspecto geral.

Tratou-se de expor no segundo capítulo que o Código de Defesa do Consumidor

é aplicável às instituições financeiras, uma vez que são consideradas fornecedoras de produtos e prestadoras de serviços.

Neste terceiro capítulo, adentrar-se-á na análise da entrega de talonários de

cheques pelos bancos a clientes que estão com limite de saldo estourado em sua conta bancária.

Neste viés, verificar-se-á a responsabilidade das instituições financeiras frente a

terceiros prejudicados, pelo fato de entregarem talonários de cheques a clientes que já possuíam limite de conta bancária estourado na data da entrega dos respectivos talões de cheques. 3.4.1 Normas do BACEN (Banco Central) sobre a entrega de talonários

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Waldo Fazzio Júnior (2003, p. 423) diz que: o banco só deverá fornecer

talonário de cheques para movimentação da conta após a realização de sindicância destinada a comprovar a idoneidade do depositante, o que se fará a vista das informações integrantes da ficha-proposta e de consulta às fontes referenciais nela indicadas e outras que a instituição financeira entender por bem convenientes.

Essa ficha-proposta nos termos da Circular nº 559/80 deve conter alguns

requisitos a serem preenchidos pelo correntista, quais sejam: nome e qualificação, com CPF, se pessoa física ou CGC, se pessoa jurídica; data da abertura da conta e seu respectivo número; assinatura do depositante; fontes de referência; advertência sobre as sanções para o uso indevido do cheque (inclusão no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo); advertência sobre a necessidade de comunicar mudanças de endereço; e autorização para abertura de conta para despacho do administrador bancário (FAZZIO JÚNIOR, 2003, p. 423).

Neste prisma, regulando o fornecimento de talonário de cheque, o Banco Central

do Brasil, no artigo 2º do Regulamento Anexo À Resolução Nº 1.631, de 24 de agosto de 1989, estabelece que: art. 2º. No fornecimento de talonário de cheque, deve-se observar: a) é vedada a entrega se o correntista ou o seu procurador figurar no cadastro de emitentes de cheques sem fundos (CCF) de que trata o Capítulo III deste regulamento; b) o estabelecimento bancário poderá, a seu critério, suspender a entrega quando o correntista ou o seu procurador tiverem restrição cadastral; c) o primeiro talonário somente poderá ser entregue mediante expressa autorização da administração da agência. (BRASIL, 2013). 3.4.2 Doutrina e jurisprudência sobre a obrigação das instituições financeiras em tirar de circulação, talonários de cheque cuja conta bancária respectiva esteja encerrada.

Muitos são os casos percebidos na sociedade onde pessoas, que estando sem saldo em conta bancária, emitem cheques na praça ocasionando lesão a terceiros.

Como já arguido em linhas pretéritas, a prática de emissão de cheques

sem fundos de forma dolosa é considerada crime de estelionato. (COELHO, 2013, p. 525).

Fabio Ulhoa Coelho (2013, p. 525) expõe que “a emissão de cheque sem fundos

é punida, no Brasil, como crime. Além disso, o emitente está sujeito a sanções de natureza administrativa”. No prisma da sanção administrativa, continua o doutrinador. (2013, p. 526).

No âmbito administrativo, cabe ao Banco Central disciplinar a repressão ao

uso do cheque sem fundos. A sistemática vigente prevê, em suma, duas sanções: a inscrição no CCF (Cadastro de Emitentes de Cheques Sem Fundos) e o pagamento da taxa do Serviço de Compensação de Cheques e Outros Papéis. A primeira é aplicável na segunda devolução do mesmo cheque, e dela decorre a rescisão

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do contrato de depósito bancário e a proibição para novos contratos desse gênero, com qualquer banco (exceto se a conta se destina ao recebimento de salário, a ser movimentada unicamente por cheques avulsos (Grifo Nosso).

A segunda sanção se aplica a cada devolução do cheque sem fundos. Ela

é conhecida, na praxe bancária, como “multa”, mas, em termos precisos e jurídicos, representa a perda da gratuidade do serviço de compensação.

Indubitavelmente essa prática de emissão de cheque sem fundos no

mercado deve ser abolida, tendo em vista que, além de ocasionar dano a terceiros que se tornarão credores destes títulos, o mercado financeiro fica exposto ao revés econômico.

Como forma de abolição desta prática de se emitir cheques sem fundos,

deve haver responsabilização de quem concorrer para esse ato ilícito. Nesta vertente, o renomado doutrinador Rui Stocco imputa responsabilidade

para a instituição financeira que, sabendo que o correntista encontra com sua conta encerrada, não toma as cautelas exigidas de recolhimento das folhas de cheques em seu poderio.

Veja-se o teor do julgado do TAPR – 3ª C. Ap. – Rel. Celso Guimarães

– j. 25.02.97 – RT 741/405, citado por Rui Stocco (2007, p. 683-684): Conta encerrada pelo Bacen – Omissão do Banco no recolhimento do talonário – Emissão de cheque sem fundos caracteriza-se responsabilidade por omissão quando o agente não atende ao dever jurídico de praticar determinado ato com o qual o dano poderia ter sido, ainda que em tese, evitado. Assim, deve o banco indenizar o detentor de cheque devolvido por estar encerrada a conta do emitente, pagando-lhe o valor do mesmo, se deixou de tomar as providencias destinadas a recolher os cheques que permaneciam com o emitente, quando do encerramento da conta, às quais está obrigado por resolução do Banco Central, a cuja normatização está subordinado. No caso, há nexo causal entre a omissão do banco e o prejuízo do detentor do cheque, já que as providências omitidas, ainda que mínimas, poderiam em tese, evitar a emissão do cheque. Essa omissão erige-se, assim, também em causa que contribuiu para a existência do dano.

Conforme exposto neste tópico, pelo entendimento do doutrinador Fabio Ulhoa

Coelho, havendo a devolução do cheque pela segunda vez, por não possuir fundos suficientes para a compensação, deve o contrato de depósito ser rescindido e, ainda, fica proibida a realização desses mesmos contratos com outros bancos, exceto quando a conta for manejada apenas para recebimento de salários, movimentada apenas com cheques avulsos. (2013, p. 526).

Ora, sendo assim, havendo o encerramento da conta por insuficiência de fundos

ou por outro motivo a que o correntista tiver dado causa, o banco, que não recolher os cheques que estiverem sob o poderio do correntista, deverá reparar o dano sofrido por aquele que se tornou credor do cheque emitido.

Em outro entendimento, sendo este do Tribunal de Justiça do Estado de

São Paulo – 5ª C. – Ap. – Rel. Silveira Neto – j. 29.10.92 – JTJ –LEX 142/ 104, exposto também por Rui Stocco (2007, p. 688), tem-se que: restrição ao cliente de obter

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talonário de cheques Indenização. Responsabilidade Civil. Estabelecimento bancário. Cliente que emite cheque sem fundos. Impedimento, tão só, de acesso ao talonário de cheques. Liberdade para promover operações de mercado financeiro.

Ausência de prejuízo material. Sentença confirmada – “Inexiste prejuízo

material quando correntista de banco fica impedido de acesso ao talonário de cheques, pois não significa proibição de movimentar sua conta bancária (Grifos no Original).

Nesta vertente, o banco, que constatar a emissão de cheque sem fundos por seus

clientes correntistas, pode privá-los de obterem talonários de cheques, sendo que, com esta conduta, estará prevenindo terceiros de sofrerem prejuízos. 3.5 ORIENTAÇÃO TRADICIONAL PELA IRRESPONSABILIDADE DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS ANTE O CHEQUE SEM FUNDOS

O cheque ainda é um instrumento de pagamento muito utilizado nos dias hodiernos.

Tendo em vista que o cheque diminuiu a circulação da moeda nacional, o Estado

obrigou-se a controlar o uso deste título, promovendo a fiscalização e supervisão das instituições financeiras sacadas, fazendo ainda com que normas delimitassem a responsabilidade pelos danos decorridos de sua emissão. Para essa fiscalização, houve necessidade do Banco Central do Brasil regular o funcionamento de cada instituição financeira, de o Código Penal Brasileiro tipificar a emissão de cheque sem fundos como delito de estelionato e de o Código de Defesa do Consumidor ser aplicável aos bancos, uma vez que são considerados fornecedores. (SACRAMONE apud GUERRA; BENACCHIO, 2012, p. 469).

Dentre os instrumentos estatais de controle, a jurisprudência pátria vem se

controvertendo, sobre a responsabilidade bancária, no prisma da emissão de cheque sem fundos por seus correntistas.

A primeira corrente considerada é a corrente jurisprudencial tradicional,

que analisa a responsabilidade da instituição financeira sob o norte da estrutura cambial do título de crédito emitido.

Por título de crédito impróprio, o cheque apresenta-se como ordem de

pagamento à vista do sacador ou de quem o emite ao sacado para pagar o valor constante do título emitido perante o tomador ou perante o beneficiário.

Para Fram Martins “entende-se por cheque uma ordem de pagamento, à

vista, dada a um banco ou instituição assemelhada, por alguém que tem fundos disponíveis no mesmo, em favor próprio ou de terceiro”. (SACRAMONE apud GUERRA; BENACCHIO, 2012, p. 470).

Através de uma relação entre emissor do título de crédito e o banco, dá-se

a abertura de conta na instituição financeira para que ocorra o depósito de provisão

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do sacador, para que se dê a abertura de crédito em favor do emitente e, consequentemente, seja dada a provisão por meio do cheque. (SACRAMONE apud GUERRA; BENACCHIO, 2012, p. 470).

Marcelo Barbosa Sacramone estabelece que o emitente do cheque deve ter

a suficiente provisão de fundos em poder do banco sacado decorrentes do montante que se exigiu para a abertura de crédito ou para a mantença do saldo que é exigível na conta corrente contratada. (apud GUERRA; BENACCHIO, 2012, p. 470).

Neste prisma, ainda expõe Marcelo Barbosa Sacramone. (apud GUERRA;

ENACCHIO, 2012, p. 470): a exigência de tais fundos descaracteriza o cheque como título de crédito próprio. Embora se beneficie, em sua circulação, dos princípios cambiais, como a circulação por endosso e a garantia pelo aval, não há, propriamente, um crédito abstrato a ser satisfeito pelo sacado. O banco, na realidade, satisfaz a ordem de pagamento com as importâncias que mantinha em depósito e pertencentes ao próprio emitente.

Por conta dessa exigência é que o banco sacado deve ser,obrigatoriamente,

um banco ou instituição financeira que lhe seja equiparada. Nos termos do artigo 17 da Lei 4.595/1964, consideram-se instituições

financeiras as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. A restrição às instituições financeiras, além de garantir o controle estatal pela exigência de autorização prévia de funcionamento pelo Banco Central do Brasil ou por decreto do Poder executivo, limita os sacados aos guardiões de recursos financeiros de terceiros.

O banco sacado não garante a obrigação total de pagar o cheque, uma vez que

sua obrigação decorre apenas do montante de fundos que houver disponível na conta do correntista. Tal conclusão advém da Resolução nº 1.631 do BACEN, em seu art. 6º, que determina que o banco sacado pode recusar a efetuar o pagamento do cheque se não houver fundos disponíveis na conta. Todavia, tal recusa deve fundar se somente quando não houver provisão nenhuma de fundos, ao passo que, tendo qualquer quantia em conta, o banco deve efetuar o pagamento mesmo que tal importância não cubra por completo a obrigação constante no título, entendimento do artigo 38, parágrafo único da lei7.357/1985. (SACRAMONE apud GUERRA; BENACCHIO, 2012, p. 471).

Sendo assim, com relação ao posicionamento da corrente tradicional,

finaliza Marcelo Barbosa Sacramone (apud GUERRA, BENACCHIO, 2012, p. 471) “Sob essa perspectiva cambial, portanto, o banco sacado é mero prestador de serviços de administração de conta, com responsabilidade limitada à guarda dos valores depositados”.

Nesta vertente, o banco não deve ser responsabilizado pela prática de emissão de

cheque sem fundos de seus clientes, haja vista apenas exercerem a função de guardião dos importes de seus correntistas.

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De outra banda, a corrente jurisprudencial que vai de encontro à corrente tradicional, sustenta que a análise cambial é de toda insuficiente para averiguar a responsabilidade do banco perante a emissão de cheque sem fundos por seus clientes correntistas.

Aqui, deve-se exigir uma abordagem constitucional fincada nos princípios

da proteção ao consumidor e na garantia ao desenvolvimento nacional para a averiguação desta responsabilidade em foco.

Marcelo Barbosa Sacramone (apud GUERRA; BENACCHIO, 2012, p.

472) expõe as palavras dos defensores desta teoria, senão vejamos: se o banco é remunerado pela atividade de manutenção de conta corrente com fornecimento de cheques, produzindo lucro com a devolução destes cheques, tanto quem os emite quanto quem suporta o infortúnio, deve ser responsabilizado como um verdadeiro risco da atividade, na medida em que é o próprio banco quem autoriza a emissão de tais títulos ao entregar o talão ao correntista.

Sendo assim, esta corrente sustenta que o beneficiário do cheque deve ser

considerado vítima da relação de consumo na prestação do serviço oferecido pelo banco.

Neste viés, na sua atividade, o banco deve ter controle na liberação de

talonários de cheque aos seus clientes, uma vez que, não havendo tal diligência, será responsabilizado pelo fato do serviço quando ocorrer o não pagamento dos cheques emitidos por falta de provisão de fundos. (SACRAMONE apud GUERRA; BENACCHIO, 2012, p. 472). 3.6 DEVER DE SEGURANÇA, PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL À EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.

A responsabilidade pelo fato do serviço vem expressamente elencada na norma contida no art. 4 do Código de Defesa do Consumidor, onde expõe que o fornecedor de serviços reponde, mesmo quando não tenha incorrido em culpa, pela reparação dos prejuízos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços. Os serviços defeituosos estão elencados no parágrafo 1º do referido artigo, que são aqueles que não fornecem a segurança que deles se esperam, levando-se em consideração a maneira de como foram fornecidos, o resultado e os riscos que deles se esperam e o momento em que foram expostos no mercado consumerista. (BRASIL, 2013).

O dever de segurança aludido pelo artigo retro mencionado está vinculado à não

prestação de serviços que acarrete aos consumidores qualquer prejuízo, seja na ordem moral ou material.

O foco do presente trabalho está estabelecido em averiguar se o banco deve ser

responsabilizado pela entrega de talonário de cheque ao cliente que possui conta com limite estourado, o que, consequentemente, ocasionaria perigo de dano ao beneficiário do título.

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Pela visão da teoria tradicional estudada no tópico anterior, o banco não deve ser

responsabilizado quando emite talão de cheque a cliente que não possui saldo em conta, uma vez que é mero guardião dos valores depositados pelo correntista.

Nota-se que há grande diferença entre não possuir saldo em conta e conta com

limite estourado . No primeiro caso, o correntista apenas não possui em depósito valores em poder do sacado, já no segundo, que é o foco deste trabalho, o correntista além de não possuir valores em poder do sacado fez uso do limite ofertado pelo banco, passando agora a ser devedor da instituição bancária.

Neste prisma, seria coerente que mesmo o banco sendo credor do correntista em

virtude do limite usado em conta, forneça-lhe talonário de cheque? Optando pela teoria jurisprudencial que vai de encontro à teoria tradicional,

parece não ser nada coerente. Neste estudo, prefere-se então a doutrina oposta à orientação tradicional, tendo

em vista o pensamento de seus defensores, o qual é de bom grado ressaltar: se o banco é remunerado pela atividade de manutenção de conta corrente com fornecimento de cheques, produzindo lucro com a devolução destes cheques, tanto quem os emite quanto quem suporta o infortúnio, deve ser responsabilizado como um verdadeiro risco da atividade, na medida em que é o próprio banco quem autoriza a emissão de tais títulos ao entregar o talão ao correntista. (SACRAMONE apud GUERRA; BENACCHIO, 2012, p. 472).

A Carta Magna, por direito fundamental, garantiu a todos a proteção estatal

daquele que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final, inteligência do artigo 5º, XXXII. Garantiu, ainda, que a ordem econômica deve ter por finalidade propiciar a todos uma existência digna, de acordo com as normas da justiça social, devendo, ainda, serem observados os princípios da função social da propriedade e da defesa do consumidor. (SACRAMONE apud GUERRE; BENACCHIO, 2012, p. 473).

Além dos valores sociais, o artigo 1º da nossa Carta Magna, estabelece que: a

República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (BRASIL, 2013)

Neste sentido, estabelece o artigo 3º do mesmo diploma legal, “Constituem

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I- construir uma sociedade livre, justa e solidária”. (BRASIL, 2013).

Para Rizzato Nunes (2013, p. 67), em relação ao consumidor, a liberdade que o

texto da lei lhe oferece é objetivo da República. Nesse sentido, em todo o meio social, em qualquer ação possível, a da pessoa escolhida como consumidora deve ser de forma livre.

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Quanto ao princípio da livre iniciativa em relação ao consumidor, diz Rizzato Nunes (2013, p. 68): acontece que, em larga medida, é impróprio falar que o consumidor age com “liberdade de escolha”. Isso porque, como ele não tem acesso aos meios de produção, não é ele quem determina o quê nem como algo será produzido e levado ao mercado. As chamadas “escolhas” do consumidor, por isso, estão limitadas àquilo que é oferecido. São restritíssimas as chances de ele optar: pode, quando muito, escolher o preço mais barato, condições de pagamento melhores etc., mas a restrição é dada pela própria condição material do mercado.

Neste contexto, pelo princípio da livre iniciativa, a pessoa do consumidor é livre

para adquirir bens os quais consideram essenciais para sua vivência, devendo o Estado intervir na produção de produtos e serviços para garantir essa liberdade (NUNES, 2013,

p. 67). Em Embargos Declaratórios recentemente julgados pelo Superior Tribunal de

Justiça, pode-se verificar a responsabilização do banco que, não tomando as cautelas de praxe, liberou crédito a determinada empresa que, por essa ocasião, fez emissão de cheques sem fundos, prejudicando em grande proporção o recorrente/beneficiário do título.

Sendo assim, necessário é expor trechos do entendimento do julgado do Superior Tribunal de Justiça: trata-se de recurso especial interposto por LUIZ EDUARDO SOARES DE CAMARGO com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, desafiando acórdão ementado nos seguintes termos: "Responsabilidade Civil - Ato ilícito - Abertura de conta corrente com o fornecimento imediato de talonários de cheques a clientes que praticam em seguida conduta ilícita de estelionato – Verificação superficial da autenticidade dos dados cadastrais e dos documentos de identidade apresentados - Equiparação de terceiro lesado a consumidor - Impossibilidade - CDC - Inaplicabilidade - Responsabilidade da casa bancária em tese determinada pelo CC - ausência de prova de culpa atribuível ao banco, capaz de repercutir na produção do dano - Recurso de Apelação não provido." (fls. 190)

Nas razões do recurso especial, o recorrente alega violação ao art. 29, VIII, do CDC. Narra que vendeu fitas de vídeo e equipamentos de som e correlatos à empresa Vídeo North Comércio e Distribuição Ltda., e, no entanto, não recebeu o valor acordado como pagamento em virtude da emissão de cheques sem provisão de fundos pela referida empresa. O recorrente pretende, assim, a responsabilização objetiva do Banco recorrido pelo ilícito, ao argumento de que aplica-se o Código de do Consumidor à hipótese em apreço, pois, embora não mantenha relação direta com a instituição financeira, deve ser considerado consumidor por equiparação. Argumenta que foi prejudicado pela má prestação dos serviços do recorrido, que não agiu com a cautela necessária no fornecimento de crédito à empresa Vídeo North Comércio e Distribuição Ltda, causadora dos prejuízos sofridos pelo recorrente. É o relatório. Decido.A irresignação merece amparo.[...]

Neste aspecto, o autor ora apelante não logrou sucesso em acostar aos autos a prova de que necessitava, para tornar cristalina a causa expendida em prol de seu pedido indenizatório (fls. 192/193). Todavia, ao assim concluir, o Colendo Tribunal a quo dissentiu da jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. Com efeito, decidiu recentemente a colenda Segunda Seção desta

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eg. Corte, quando do julgamento do REsp nº 1.199.782/PR, da relatoria do e. Ministro Luis Felipe Salomão, processado sob o rito de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), que, mesmo na hipótese em que a vítima não seja correntista da instituição bancária, sofrendo apenas os danos reflexos da falha na prestação dos serviços bancários, remanesce a responsabilidade objetiva da instituição financeira, verificada à luz das normas de direito do consumidor. Nesses casos, a vítima do evento é considerada consumidor por equiparação, aplicando-se o disposto no art.17 do CDC, verbis: "Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento". [...] Diante do exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, dou provimento ao recurso especial para declarar que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável à hipótese em apreço, sendo objetiva responsabilidade da instituição financeira. Determino, portanto, o retorno dos autos à origem para que julgue a controvérsia à luz da jurisprudência do STJ. Publique -se. Brasília (DF), 09 de novembro de 2012. MINISTRO RAUL ARAÚJO Relator (grifei).

Por este entendimento do Superior Tribunal de Justiça, percebe-se que aos bancos se aplica o CDC, ao passo que, pelas suas atividades danosas que causam prejuízos a terceiros, deve haver reparação, tendo em vista que são estes equiparados a consumidores.

Pela exposição contida no julgado do STJ acima mencionado, o banco deve ser responsabilizado quando fornece crédito a seus correntistas sem verificar os cuidados que essa prática exige.

A teoria oposta à teoria tradicional preconiza que os bancos devem ser

responsabilizados pelo serviço defeituoso que por ventura decorra de suas práticas comerciais. Neste prisma, o fornecimento de cheque a correntistas que não possui saldo em conta bancária é considerado serviço defeituoso, haja vista que poderá lesionar consumidores equiparados.

Como mão à luva ao presente trabalho, insta elencar a ementa do Tribunal

de Justiça do Estado de Santa Catarina de relatoria do Desembargador Carlos Prudêncio, o qual é um dos defensores da teoria oposta à tradicional (inteiro teor em anexo) veja-se: Apelação Cível n. 2013.008930-5, da Capital Relator Designado: Des. Carlos Prudêncio APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS C/C DANOS MORAIS. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. AUTOR ALEGA QUE O BANCO RÉU É PARTE LEGÍTIMA PARA RESPONDER O PEDIDO POIS POR FORTUITO INTERNO ENTREGOU EXPRESSIVO NÚMERO DE CHEQUES À EMPRESA THS FOMENTO MERCANTIL LTDA – DEVEDORA DO APELANTE. REQUER A APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA E DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. PROCEDÊNCIA. PRESENÇA DA PERTINÊNCIA SUBJETIVA. BANCO RÉU TEM LEGITIMIDADE PASSIVA ANTE A POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE SERVIÇO DEFEITUOSO QUE LESIONOU A TERCEIROS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DEFESA DO CONSUMIDOR. SUPOSTA VIOLAÇÃO DE INTERESSE INDIVIDUAL HOMOGÊNEO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 297 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA CASSADA. NECESSÁRIO RETORNO DOS AUTOS À

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ORIGEM. (Apelação Cível n. 2013008930-5-Sc, Relator Carlos Prudêncio. Disponível em:<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000O0Y5000uerocessoMv=null&tipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=5726213&pdf=true>. Acesso em: 18 nov 2013).

Como se vê, a ementa vergastada pelo Desembargador Carlos Prudêncio abraça o tema esposado neste trabalho.

Às instituições financeiras se aplicam as normas contidas no Código de Defesa

do Consumidor pela redação da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça que diz assim: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras” (BRASIL, 2013).

Outro ponto, verifica-se, que mesmo aquele que não contratando diretamente

com a instituição financeira vier a sofrer qualquer tipo de lesão em decorrência de serviço ou produto por ela exposto no mercado, poderá ser ressarcido no montante do seu prejuízo, pelo fato do Código de Defesa do Consumidor lhe considerar consumidor equiparado, neste sentido a título de exemplo, no julgado que gerou a ementa acima exposta, o Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina Dr. Carlos Prudêncio expõe: o beneficiário de cheque devolvido por falta de provisão de fundos qualifica-se de sua vez, como consumidor – mediante a conhecida técnica de equiparação conceitual presente no art. 17 da lei 8.078/90 – pois vítima das inrtercorrências defluentes do fato do produto ou serviço. (TJ-SC. Apelação Cível n.013008930-5-Sc <http://app6.tjsc.jus.br/cposg/ser vlet/ServletArquivo? cdProcesso= 0Y50000&nuSeqProcessoMv=null&tipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento= 5726213&pdf=true>. Acesso em: 18 nov 2013).

Pela relevância da ementa acima relatada, frisa-se as palavras valiosas, que de

muito enriquece esse trabalho, do Desembargador Eládio Torret Rocha que foram mencionadas pelo Dr. Carlos Prudêncio no contexto de seu voto, a saber: as instituições financeiras – fornecedoras de serviços que são – estão irrecusavelmente sujeitas à incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo esta, ademais, a única abordagem capaz de promover a adequada proteção constitucional do consumidor (arts. 5º, XXXII e 170, V da CF) quando em jogo pretensão indenizatória por devolução de cheques sem suficiente provisão de fundos. (...)

Assim, exurge do próprio delineamento de um sistema jurídico calcado na

responsabilidade social e na efetiva reparação de danos – sobretudo face ao fenômeno da constitucionalização e repersonalização do direito privado, o qual implica a revisita dos institutos jurídicos, dentre eles, o da responsabilidade civil – a possibilidade de os sacados virem a responder, assegurado o manejo da ação de regresso, pela emissão de cheques sem provisão de fundos realizada pelos sacadores dos títulos, especialmente porque a esse fato incide, à toda evidência, o art. 14 do CDC, o qual dispõe acerca do defeito na prestação dos serviços.

Sendo assim, para o Douto Desembargador Eládio Torret Rocha (AC

n.2005.038361-7, DJ de 25-5-2006) pela cláusula da responsabilidade objetiva, no que concerne aos princípios da eticidade e da socialidade, o banco sacado é responsável pelos prejuízos suportados pelos portadores de cheques que foram devolvidos por falta

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de provisão de fundos, tendo em vista que, o fornecimento de talonário a quem não possui capacidade econômica, fere de frente o dever de segurança da prestação do serviço.

Neste ínterim, fornecendo o banco talonário de cheque a quem já esteja com o

limite da conta estourado, estará dando crédito a quem já perdeu a capacidade econômica, momento em que incorre no dever de indenizar o terceiro que se tornar beneficiário do cheque devolvido por falta de provisão de fundos. (TJSC. Apelação Cível n. 013008930-5-Sc <http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo? cdProcesso=0Y50000&nuSeqProcessoMv=null&tipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&n u Documento= 5726213&pdf=true>.Acesso em: 18 nov 2013). CONCLUSÃO

A população vive em tempos que a globalização tornou-se algo inevitável. O mercado, hodiernamente, toma proporções de grande expressão. Neste prisma, pelos esforços despendidos neste singelo trabalho de conclusão de curso, buscou-se trazer à baila todo um desvendamento jurídico capaz de elucidar desde o ponto menos controverso até aquele da mais alta divergência, sobre a perspectiva das instituições financeiras, que fornecem talonários de cheque a clientes com contas estouradas, poderem ser responsabilizadas pelos danos causados a terceiros que, a cada dia, tornam-se uma constante.

Neste ínterim, estudou-se a responsabilidade civil das instituições bancárias no

seu dia a dia, haja vista fornecerem produtos e serviços em sua prática comercial. A par da responsabilidade, fora evidenciado a conduta destas instituições, quando fornecem talões de cheque aos clientes correntistas que, no momento da entrega dos títulos, não possuem suficiente provisão de fundos em conta. Sendo assim, para chegar ao ponto crucial de dizer se são responsáveis ou não pela prática desta conduta, árduo foi o trabalho, mas, de todo, prazeroso.

No problema adotado neste estudo, foi elencado a possibilidade das

instituições financeiras arcarem com os prejuízos sofridos por terceiros pelo fato de entregarem talões de cheque a clientes que se encontravam com a conta bancária no “vermelho”, ou seja, sem provisão de fundos, na data da respectiva entrega dos talonários.

Por ser assim, deu-se um estudo pormenorizado sobre as bases da

responsabilidade civil, sobre a responsabilidade civil das instituições bancárias junto ao Código de Defesa do Consumidor e, ainda, a responsabilidade civil das instituições que, pela má prestação de serviços, causam lesão a terceiros equiparados consumidores, em específico aos que se tornam credores de cheques obtidos por clientes bancários que se encontravam com a conta no vermelho à data em que o banco fornecera tais títulos.

Por oportuno, entende-se que a responsabilidade civil é o instituto jurídico que

impõe uma sanção reparatória, seja na esfera moral ou patrimonial, àquela pessoa

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que, de alguma forma, causou dano a alguém, seja pela prática de algum ato ilícito, pela não observância de algum dever, ou por uma imposição legal.

A responsabilidade civil decorre da prática de um ato ilícito oriundo da

conduta humana. Entende-se por ato ilícito aquele que viola uma norma jurídica, capaz de proporcionar lesão, dano a alguém. Pela prática de ato ilícito, o agente praticante incorre no dever de indenizar o lesado.

É de bom alvitre salientar que o ato ilícito pode originar-se tanto pela conduta

omissiva, quanto pela conduta comissiva do agente. O ilícito origina-se da conduta omissiva, quando o agente tinha o dever de

praticar certa conduta, mas assim não o fez, dando ensejo ao ato ilícito. A exemplo, expõem-se a situação em que o motorista deveria fazer a revisão dos freios de seu veículo, mas furtou-se de sua obrigação, provocando acidente em local de cruzamento, onde deveria respeitar o sinal de PARE, momento em que acionando o pedal do freio, o veículo não correspondeu ao seu comando.

Quanto ao ato ilícito que se origina de forma comissiva, tem-se o agir do agente

de forma ativa, ou seja, através de um ato positivo, o agente causa dano a alguém. A título de exemplo, traça-se o caso do motorista que, não respeita o limite de velocidade permitido na via, perde o controle do carro, invade a pista contrária e colide com um automóvel que trafegava em sentido contrário.

Para a verificação da responsabilidade civil, observa-se no presente trabalho que

não basta haver a ocorrência do ato ilícito para se responsabilizar alguém, no entanto, deve esse ato provocar dano, lesão ao direito de outrem.

Quanto ao dano, acredita-se que este pode ser moral e patrimonial. Moral,

quando traz más consequências à psique da pessoa, abala sua honra, o seu interior, ferindo seus sentimentos. Por dano patrimonial, entende-se ser aquele que traz prejuízo pecuniário, prejuízo econômico à vítima.

Não obstante, percebe-se que deve haver uma ligação entre o ato ilícito

praticado pelo agente e o dano propriamente experimentado pela vítima. Existindo tal ligação, diz-se que há o nexo de causalidade, pressuposto indispensável para configurar o dever de responsabilizar alguém por uma conduta danosa. Não havendo o nexo causal, não há que se falar em responsabilidade civil.

De bom grado, ressalta-se que a culpa do agente causador do dano é de

muito analisada em cada caso concreto. Verificou -se a existência das culpas lato sensu e strito sensu.

Neste prumo, acredita-se ser a culpa lato sensu a falta de diligência do agente

em não observar o imposto pela norma de conduta. Por essa não observância da norma, o agente é surpreendido pelas consequências que por certo, não esperava. Em se tratando de culpa stricto sensu, acredita-se verificar esta de acordo em que o agente vier a agir com negligência, imprudência ou imperícia.

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Verificou-se ainda quanto à culpa, que o magistrado pode mensurar a proporção do valor da indenização que deverá ser paga à vítima, tomando por base o grau de culpabilidade do agente, se este tem culpa leve, grave ou gravíssima em relação ao dano ocorrido.

Pelos estudos delineados as bases da responsabilidade civil, tem-se que a

apresentação do dolo é o querer do agente em causar dano a alguém. O agente, de forma premeditada, pensante, toma atitude de causar dano, prejuízo a determinada ou indeterminada pessoa.

Visualiza-se que responsabilidade civil verifica-se de duas formas, quais

sejam: objetiva e subjetiva. Dizem que para que o agente seja obrigado a reparar alguém por meio do

instituto da responsabilidade civil, deve ser analisada se sua conduta verificou-se de culpa ou não.

Partindo deste entendimento, está se diante do instituto da responsabilidade civil

subjetiva, que preza que se a conduta do agente não decorrer de culpa ou dolo, não deverá ele ser responsabilizado pelo ato praticado.

De outra monta, o instituto da responsabilidade civil objetiva, ou do risco,

como também é conhecida, preconiza que o agente que deu causa ao dano, independentemente de ter ele agido com culpa, deverá, sim, ser responsabilizado pelo dano provocado. Ou seja, não há necessidade da existência de culpa para que o agente causador do dano seja obrigado a indenizar quem fora lesado.

Neste diapasão, tem-se que àquele que provocou dano ou qualquer lesão a

alguém deve ser resabilizado a restituir a vítima, reparando o prejuízo por ela experimentado, em virtude da existência do instituto da responsabilidade civil.

Na segunda Seção deste trabalho, abordou-se a temática do Código de

Defesa do Consumidor e as instituições financeiras como fornecedoras. Neste viés, foi trazido à baila o entendimento que consumidor é toda pessoa que

de alguma forma fica exposta às práticas comerciais existentes. Quanto aos fornecedores, tem-se que são aqueles que disponibilizam produtos e serviços no mercado consumerista.

Por ser assim, verifica-se pelas atividades praticadas pelas instituições

financeiras, como por exemplo, disponibilização de créditos, descontos de títulos, concessão de cartões de crédito, disponibilização de cofres e vários outros serviços e produtos disponibilizados no mercado, são elas enquadradas no conceito de fornecedores elencado no Código de Defesa do Consumidor.

A respeito das responsabilidades objetiva e subjetiva à luz do Código de Defesa

do Consumidor, tendo em vista que para a subjetiva deve ser levada em conta a culpa do agente, e na objetiva o agente vai ser responsabilizado pelo dano independentemente de ter ele agido com culpa, aos bancos se aplicam o instituto desta última, uma vez

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que são considerados fornecedores de produtos e serviços, pois assumem o risco da atividade comercial.

Por esta linha de raciocínio, os bancos devem reparar os danos causados aos

consumidores que adquirirem produtos ou serviços, mesmo que não tenham agido com culpa, em virtude da teoria do risco.

Em última síntese, na terceira seção deste trabalho, fez-se um apanhado geral de

todo o estudo até aqui despendido para se chegar a uma conclusão lógica se deve ou não ser responsabilizadas as instituições financeiras que, na prática comercial, fornecem talonários de cheques a clientes cujas contas bancárias estão estouradas, que com este ato propicia lesão a terceiros, visto que estes tornarão beneficiários de títulos de crédito sem provisão de fundos.

Ora, visualiza-se que o cheque é um título de crédito, uma vez que, dentre

tantas outras características, é ele um documento, e porta executividade, ou seja, dá o direito ao seu portador de receber a importância nele contida por meio do instituto da execução.

Percebe-se que o cheque é uma ordem de pagamento à vista, sobre determinado

valor que esteja contido em sua cártula, o qual é emitido em desfavor de um banco, em razão de seu emitente ter suficiente saldo junto à instituição financeira sacada.

Neste viés, relata-se que são sujeitos da relação cambial o sacador, que é aquele

que emite o cheque, dando-o de pronto pagamento, e assinando-o; o beneficiário, que é a pessoa titular do crédito originado pelo título, ou seja, quem recebe; e por fim, o sacado, que é quem detém a guarda da provisão de fundos do emitente e quem deve pagar o importe descrito na cártula.

O cheque firma-se na provisão de fundos que seu emitente possui junta ao

banco sacado. Não havendo a respectiva provisão, a instituição financeira, quando do momento da compensação do cheque, promoverá sua devolução firmada nas alíneas 11 e 12 do Banco Central. Sendo que a alínea 11 refere-se a 1ª devolução e a alínea 12, à segunda devolução.

Teceu-se, ainda, que a prática de emissão de cheques sem fundos no

mercado brasileiro, quando eivado de dolo, caracteriza crime de estelionato tipificado por norma contida no atual Código Penal.

Em relação à responsabilidade civil dos fornecedores estabelecidos pelo Código

de Defesa do Consumidor, ficou evidenciado que estes devem reparar os danos sofridos pelos consumidores que, mesmo não estando diretamente ligados à relação de consumo, foram afetados por ela, sendo estes os chamados consumidores equiparados no CDC.

A Carta Magna, em suas normas, prioriza que o Estado deve promover, na forma

da lei, a defesa do consumidor, neste caso, como todas as pessoas que estão expostas às práticas comerciais são equiparadas a consumidores, seus direitos, mesmo que não participem diretamente da relação de consumo, devem ser resguardados.

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Na mesma vertente, o Código Civil expõe que até mesmo o empregador poderá ser responsabilizado pela má-prestação de um serviço ou pelo fornecimento de um produto que, não alcançando seu fim, proporciona prejuízo a alguém. Neste diapasão, o empregador, ou quem é que seja que tenha exposto o serviço ou a mercadoria, deve responder objetivamente pelo dano causado, ou seja, mesmo que não haja culpa da sua parte.

Elencou-se que, na atividade comercial cotidiana, os bancos fornecem

produtos e serviços. Neste prisma, sabe-se que, mesmo valendo-se da tecnologia atual, falhas na prestação de serviços e disponibilização de produtos são do dia-a-dia destas instituições. Com isso, além de lesarem seus clientes, acabam por prejudicarem terceiros que, não participando diretamente da relação, restam lesionados.

Sendo assim, as instituições financeiras devem reparar os danos sofridos não só

por seus consumidores diretos, quais sejam, os clientes, mas também aqueles que pela extensão da relação de consumo ficaram no prejuízo, sendo estes conhecidos por terceiros equiparados, que são todas as pessoas expostas às práticas comerciais.

Ora, visualiza-se que o CDC inovou no conceito de consumidor, ao passo que,

não só quem participa diretamente da relação consumerista tem essa definição, mas também aqueles que de alguma forma são alcançados pela relação de consumo, como é o caso do consumidor equiparado, que, de muito, fora estudado neste trabalho. Sendo assim, nunca sendo demais ressaltar, aquele que fora lesado em decorrência de relação de consumo, mesmo que não esteja diretamente ligado a ela, tem o direito de ser indenizado no importe de seu prejuízo, pois considerado é consumidor, na forma equiparada.

Restou evidenciado no presente trabalho que o Código de Defesa do

Consumidor está amparado pelo princípio da boa-fé objetiva. Tal princípio preconiza que as relações consumeristas devem calcar-se num comportamento sem maldade, harmonioso e fiel.

Voltando ao cerne da questão, verificando as normas do BACEN, que

regem as instituições financeiras quanto à entrega de talonários de cheques aos clientes, percebe-se que o banco deve, com toda cautela, verificar a situação de seus correntistas antes de fornecer crédito via talonário de cheque.

Uma vez constatado que o correntista figura no rol dos emitentes de

cheques sem fundos, à instituição financeira é vedado liberar novos talonários a este cliente.

Neste trabalho, verificou-se a possibilidade da instituição financeira ser

responsabilizada quando, tomando ciência do encerramento da conta do correntista, não toma a cautela de recolher as folhas de cheque que, ainda, estiverem no poder do respectivo cliente.

Neste caso, conta encerrada não pode compensar cheque emitido, daí a

necessidade de responsabilizar a instituição que não diligenciou em recolher os cheques em poder do cliente.

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Pois bem, neste diapasão, dois são os posicionamentos acerca da responsabilização da instituição financeira que fornece talonário de cheque a cliente que possui conta devedora na data do recebimento do talonário, que, por pensamento lógico, acarretará dano ao terceiro que se tornará credor deste título sem provisão de fundos.

A corrente tradicional estabelece que, por ser o banco apenas guardião do

patrimônio do correntista, não tem ele o dever de indenizar o terceiro prejudicado que receber o cheque sem fundos, quando entregou o talonário de cheque ao cliente em momento que este já não mais possuía qualquer saldo bancário.

Em contrapartida, a teoria que vai de encontro à teoria tradicional estabelece que

o banco tem o dever de indenizar o terceiro prejudicado, haja vista, que forneceu serviço defeituoso no mercado, pois, no momento em que forneceu o talonário de cheque, tinha total consciência de que o correntista não possuía saldo em sua conta bancária, o que de certo traria risco ao direito dos terceiros equiparados quando tornassem credores desses títulos.

Ora, preconiza o CDC que ocorrendo fato do serviço, quem forneceu o

serviço defeituoso deve repará-lo, independentemente de ter havido culpa na prestação.

Desta maneira, o banco deveria responsabilizar o terceiro beneficiário do título

sem provisão de fundos, uma vez que, não tomando as cautelas de praxe, disponibilizou talonário a quem possuía conta bancária sem saldo.

Por todo o verberado, este estudo pende-se para o posicionamento de que a

teoria que vai de encontro à teoria tradicional é que deve ser considerada, pois, ao se evidenciar que as instituições financeiras são fornecedoras de produtos e serviços, deve-se então considerar que, quando emitem talonários de cheques a clientes que possuem contas com limites estourados, estão prestando serviço defeituoso no mercado, tendo em vista que colocam em risco terceiros de boa-fé, consumidores equiparados.

Tem-se que serviços defeituosos são todos aqueles que não fornecem a

segurança que deles se esperam. Neste joeirado, não há possibilidades de se considerar que o fornecimento de talonário de cheque a quem não possui limite em conta, seja serviço sem defeito, pois, de fato, contraria a boa-fé, sendo que, a partir do momento da emissão destes títulos no mercado, terceiros começam a sofrer danos.

Neste plano, a responsabilização das instituições financeiras, neste caso

concreto, merece guarida, tendo em vista que a população vivencia os tempos da globalização. Ao passo que, dia após dia, o mercado cresce de forma gigantesca.

Para o mundo do Direito, obstar essa prática, que lesa o direito dos

consumidores equiparados, seria de fato uma maneira de reduzir o número de ações contra as entidades financeiras que por certo abarrotam o poder judiciário a cada dia.

Na verdade, o banco encontra-se no banco dos réus, haja vista inúmeras

demandas que são propostas em seu desfavor a cada minuto. Neste ínterim, apelando

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por normas que inibem as instituições financeiras a não fornecerem talonários de cheques a clientes que possuem conta estourada, menos consumidores equiparados seriam lesados, importando que menos ações adentrariam as portas do judiciário, o que de fato propiciaria uma celeridade maior aos outros processos.

Nesta urbe, por todo o arrazoado, verifica-se que o presente estudo teve o

objetivo de trazer à tona o dever de responsabilidade que os fornecedores de serviços e produtos à luz do CDC tem que ter perante os consumidores que, de alguma forma, restam lesados pela relação de consumo.

Neste diapasão, por serem as instituições bancárias consideradas fornecedoras

de produtos e serviços no mercado devem ser elas responsáveis por qualquer dano que se origina pela sua prática comercial.

Não obstante, as instituições financeiras devem arcar com o prejuízo de terceiros

equiparados a consumidores, quando na sua prática comercial fornecem talonário de cheque a cliente que está com a conta bancária no vermelho, ou seja, com limite estourado. Tal prática dá margem à emissão de cheques sem fundos, o que, inegavelmente, trará sérias consequências a quem se beneficiar do título, tendo em vista que não haverá provisão de fundos na hora da compensação do cheque.

No presente trabalho de conclusão de curso, buscou-se o alargamento dos

conhecimentos em várias doutrinas, jurisprudências, normas e princípios para que se pudesse formar uma linha de raciocínio coerente com os padrões seguidos por diversos doutrinadores deste país. Buscou-se, ainda, o bom grado da leitura da lei seca com intuito de manter o foco de seguir a mesma trilha, sem se desviar, ao longo do estudo, do raciocínio lógico da ideia de serem as instituições bancárias responsáveis por suas práticas comerciais abusivas e defeituosas.

Adotou-se, aqui, o método dedutivo-hipotético para resolver a questão posta em

foco neste trabalho. Neste ínterim, foram verificadas a racionalização e a combinação de ideias

no sentido interpretativo, tendo em vista que esta técnica possui mais valor do que a experimentação caso a caso. Neste foco, percebe-se que pela dedução o raciocínio tende a caminhar do geral para o particular. Verificam-se ainda, métodos de experimentação que agem como um conjunto de procedimentos que se estabelecem para verificar as hipóteses decorrentes do estudo elaborado que, de muito, contribui para o estudo.

Neste viés, todo esforço dedicado ao longo deste trabalho propiciou uma

gama de conhecimentos que servirá a todos os leitores ao longo de suas vidas. Viu-se, aqui, que os consumidores devem ser respeitados não só pela hipossuficiência diante do fornecedor, mas também pelo fato de ter o direito ao respeito, que o princípio da dignidade da pessoa humana lhes oferece. Não se pode deixar a força da globalização soterrar os direitos da sociedade. Por isso, o combate foi combatido com o propósito de resguardar o direito dos fragilizados, de maneira que os bancos devem agir sob a égide do princípio da boa-fé, não ostentando somente o lucro, mas, sim, o bem estar da sociedade, que não deve ficar lançada aos prejuízos que decorrem de suas práticas comerciais abusivas e defeteituosas.

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IUS POSTULANDI NO DIREITO DO TRABALHO:

SILVANA DE ARAÚJO SILVA Orientadora: Prof. Dra. Sirlene Moreira Fideles

RESUMO: O presente trabalho, de forma sucinta, visa tratar do tema ius postulandino direito do trabalho: acesso ou obstáculo à justiça. A prerrogativa do ius postulandi pressupõe a oportunidade dada às partes, consubstanciada no artigo 791 da Consolidação das Leis do Trabalho, de ajuizar uma demanda trabalhista sem a presença de um profissional habilitado para tal, ou seja, de advogado.A partir da previsãodesse princípio na seara trabalhista, buscarse-á realizar uma análise global sobre este instituto, abarcando as bases em que o mesmo se assenta no palco da Justiça do Trabalho, tendo em vista as inúmeras leis que se debateram frontalmente com este instituto, acirrando o debate doutrinário acerca dessa temática tão importante para a seara trabalhista, formando-se variadas correntes de pensamento, que ora propugnavam pela sua retirada do mundo jurídico, ora o defendendo veementemente. Na verdade, este instituto se mostra deveras pertinente e atual a sua discussão uma vez que ele ainda está presente no mundo jurídico, embora passível de uma análise sobre a sua real importância nos dias de hoje, frente às alterações legais, bem como as mudanças ocorridas de forma ampla na sociedade, alterando as ciências de uma forma geral e, sobretudo, influenciando o desenvolvimento do Direito enquanto ciência jurídica. Antes de adentrar na discussão da temática abordada, lançando as luzes necessárias sobre o tema, é preciso volver o olhar para o contexto histórico do surgimento do Direito do Trabalho nos outros países, bem como no Brasil, a fim de entender quais os ideais que nortearam essa ciência e o desabrochar do Ius Postulandi na justiça brasileira. Sem esquecer que a mola mestra do Direito do Trabalho é a garantia dos direitos do trabalhador, pois o trabalho, por si só, já constitui um direito social de relevância indiscutível, na medida em que é por meio do trabalho que o homem se transforma em sujeito. Além disso, realizará um breve apontamento de princípios peculiares ao direito processual e ao direito processual trabalhista, como o Ius Postulandi, no qual se centrará a discussão em torno desse princípio, objeto deste trabalho. Sem dúvida, há pertinência na temática escolhida uma vez que no mundo atual demanda o conhecimento científico cada vez mais elaborado e profissionais muito mais aperfeiçoados no seu ofício.Isso, sem sombra de dúvida, relaciona-se sobremaneira com o objeto de nosso estudo, tendo em vista que o instituto do ius postulandi pressupõe a não utilização de profissional devidamente habilitado no ajuizamento de ação trabalhista.Essa possibilidade implica estudar a importância do advogado na lide trabalhista, bem como averiguar até que ponto este instituto está sendo ferramenta de acesso ou obstáculo à Justiça. Palavras-chave: ius Postulandi, leis, princípios, papel do advogado, acesso à Justiça. INTRODUÇÃO

Sabe-se que um dos fundamentos do Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador, pois este não tem as mesmas condições que o empregador para demandar em juízo. Em função disso, é pertinente analisar o instituto do Ius Postulandi, uma

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vez que o mesmo surgiu com base nessa preocupação. É preciso examiná-lo, portanto, com a acuidade que se faz necessária, sobretudo os aspectos históricos que permearam esse princípio, tendo como pressuposto o olhar voltado para o Direito do Trabalho.

Antes de adentrar mais profundamente no objeto, ou seja, na viabilidade da

utilização do princípio do Ius Postulandina Justiça do Trabalho nos dias atuais, embora se tenha como legal e patente sua existência, seja no mundo jurídico como na doutrina, questionando se este tem servido como instrumento de acesso ou obstáculo á Justiça, far-se-á um exame sucinto de vários pormenores estreitamente relacionados com a temática em estudo. Embora haja um projeto de lei que caminha no Congresso no sentido de sua extinção da seara trabalhista, a discussão acerca dessa temática ainda se faz pertinente tendo em vista seus efeitos nesse campo do saber.

Num primeiro momento, pretende-se discorrer a respeito dos aspectos históricos

mais relevantes que permearam o surgimento e o desenrolar da Justiça do Trabalho, seja em outros países, seja no Brasil e a questão da consecução dos direitos sociais.

Além disso, num momento subsequente, faz-se mister focar o olhar sobre alguns

princípios provenientes do Direito Processual e outros peculiares ao Direito Processual Trabalhista, que diretamente se relacionam com o princípio em debate neste trabalho, pois é a partir deles que é possível compreender as bases em que se assenta o Ius Postulandi. E, por conseguinte, far-se-á apontamentos sobre a definição do Ius Postulandi com base na legislação pertinente e à luz de diversos doutrinadores que volveram seus olhares sobre este tema, bem como perscrutar os pressupostos configuradores desse instituto.

Após a conceituação da temática abordada, far-se-á uma análise sobre o papel

das partes e a importância do advogado para o Direito, demonstrando o papel fundamental e indispensável do advogado para a concretização da justiça.

Mostra-se pertinente, a posteriori,estudar este princípio tendo como instrumento

maior a legislação vigente em suas mais diversas expressões, correlacionando-o com os dispositivos legais apontados neste trabalho.

Por fim, aborda-se sobre a eficácia e a efetividade desse princípio na Justiça do

Trabalho tendo em vista o contexto atual. 1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA 1.1 O DIREITO DO TRABALHO NO EXTERIOR

A palavra trabalho foi, desde os primórdios da humanidade, ganhando conotações diferentes conforme o período histórico correspondente e os muitos olhares dos pensadores e filósofos de cada época.

Há seu sentido usual, bem como o seu conceito no decorrer do desenvolvimento

histórico da sociedade.

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Quanto ao seu significado atual, Plácido e Silva (2008, p. 1415) orienta que: de

trabalhar, genericamente, entende-se a ação de trabalhar, sendo, assim de significação equivalente à obra, ocupação, tarefa, função, ofício, serviço, mister, emprego, missão, cargo, encargo, faina etc. Trabalho então, entender-se-á todo esforço físico, ou mesmo intelectual, na intenção de realizar ou fazer qualquer coisa.

O conceito de trabalho nem sempre foi o usual, ou seja, o de esforço para

executar uma tarefa ou um oficio. Veja o desenvolvimento deste conceito no decorrer da história.

Barros (1993, p.30) faz um breve apanhado histórico da palavra trabalho: a

palavra trabalho provém do neutro latino “tripalium”, designativo do instrumento de três paus aguçador, algumas vezes até munidos de pontas de ferro, no qual os agricultores batiam as espigas de trigo ou milho e também o linho, para debulhar as espigas, rasgar ou esfiar o linho. “Tripalium” era, ainda, instrumento de tortura constituído de cavalete de pau (três “três mais palu “pau”) destinado, por exemplo, a sujeitar cavalos que não se deixavam ferrar.Depois, ganhou sentido moral de sofrimento, encargo, e, daí o de trabalhar, labutar, esforçar-se. De “tripalium”, que segundo admitem alguns, teria variado, posteriormente, para “trepalium”, é possível que se tenha desenvolvido, em latim vulgar, o infinitivo “tripaliare”, depois “trapaliare”, superando, em uso, “labore e operare”.

É importante ressaltar que a palavra “trabalho” não adveio com o início da

prestação de serviços, pois, somente por volta do século XI, é que passou a ser assim denominado o oferecimento da força pessoal de uma pessoa em favor de outra. A palavra “trabalho” tem uma conotação negativa ou depreciativa, significando, nos primórdios dos tempos, a dificuldade em viver ou mesmo de sobreviver, pois tudo o que é difícil de ser alcançado é denominado de “trabalhoso”. No início, o termo “trabalho” era usado para indicar as obras e tarefas humildes dos homens e mulheres que daí retiravam qualquer proveito (DELFINO, 2008, p. 1).

Na Grécia, o trabalho lembrava a força física. As atividades mais nobres cabiam

aos homens de outras áreas como a política. Em detrimento disso, os trabalhos pesados serviam aos escravos, pois os trabalhos manuais eram considerados labor indigno.

Na Antiguidade clássica, em se falando um pouco mais a respeito do mundo

Greco- romano, o trabalho era sinônimo de coisa, de atividade vil, com a conotação de fardo, atividade penosa, e os escravos se incumbiam dos trabalhos manuais uma vez que eram tidos como incapazes em relação àqueles que eram considerados detentores das virtudes humanas porque se dedicavam ao ócio.

Barros (2009, p. 54) assevera que: “A escravidão explica-se pelas particulares

condições econômicas da época e pela falta de um conceito autêntico de liberdade”. Em Roma, o trabalho era executado pelos escravos, que eram vistos como

coisas, posto que, na verdade, a escravidão durou até o século XIX e o escravo era considerado não um ser humano, mas um objeto.

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Na Grécia, havia duas concepções a respeito do trabalho: uma o considerava indigno e, a outra, acentuava tal atividade como algo de fundamental importância para o homem.

Martins (2009, p. 54) faz interessante explicação sobre a primeira forma de

trabalho: “A primeira forma de trabalho foi a escravidão, em que o escravo era considerado apenas uma coisa, não tendo qualquer direito, muito menos trabalhista. O escravo, portanto, não era considerado sujeito de direito, pois era propriedade do dominus”.

Nessa época, os escravos não possuíam nenhum tipo de direitos, porque não

eram considerados sujeitos para a sociedade, mas uma coisa. Aristóteles, qualificando como vis as atividades que demandassem esforço não

intelectual, considerava natural e lógica a existência de escravos, aos quais, como sub-homens, estariam destinadas todas as tarefas indignas, imprescindíveis à sobrevivência social (TEIXEIRA apud ALMEIDA, 2009, p. 03).

Embora não fossem sujeitos, tinham importante papel social, pois realizavam

funções que outros elementos sociais não executavam, desempenhando atividades relevantes na economia.

Posteriormente, com o desabrochar do feudalismo, o regime de servidão que

ocorria com base na troca, prospera conforme orienta Martins (2009, p. 04), vejamos: num segundo momento, há a servidão. Era a época do feudalismo, em que os senhores feudais davam proteção militar e política aos servos, que não eram livres, mas, ao contrário, tinham de prestar serviços na terra do senhor feudal. Os servos tinham de entregar parte da produção rural aos senhores feudais em troca de proteção que recebiam e do uso da terra.

Com o desenrolar do feudalismo, emerge a servidão onde havia uma relação

entre senhores feudais e servos na qual estes executavam serviços àqueles em troca da proteção destes. Nessa época, o trabalho era considerado castigo. Veja o que expõe em sua obra Dorneles (2002, p. 18): “Nesse contexto, o trabalho subordinado nas sociedades antigas e feudais não se mostrava relevante sobre o ponto de vista social e econômico a ponto de impulsionar a estruturação normativa do Direito do Trabalho”.

Outro marco para a história é a Revolução Industrial, que propiciou conflitos

entre empregados e empregadores, dando ensejo ao nascimento do regime assalariado, e servindo como instrumento regulamentador das normas trabalhistas.

A Revolução Industrial provocou mudanças significativas no âmbito da

sociedade porque fez com que se alterasse sobremaneira o setor produtivo, com vistas ao desenvolvimento colossal da indústria, o que, por outro lado, fez emergir a classe operária e, com ela, trouxe à tona conflitos entre o coletivo e o individual, o que fez com que nascessem teorias de pensadores, como, por exemplo, Karl Marx, que defendia as classes operárias, preconizava a extinção da propriedade privada e a expropriação dos meios de produção sob a égide dos capitalistas. Seu engajamento com a causadas classes operárias e seus ideais em favor dela, leva-o à publicação do

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Manifesto Comunista em co-autoria com Engels. Por outro lado, a Igreja, no intuito de humanizar as condições em que se pautava o sistema produtivo, pregava o Cristianismo social, que enfatizava a relevância da questão moral em consonância com esse ideal, o que dá ensejo para o surgimento, em 1891, da Encíclica Rerum Novarum (Coisas Novas), de Leão XIII, o qual defendia o salário justo.

Alguns autores, dentre eles, Gomes e Gottschalk (2007, p. 4-5) separam em

quatro etapas o desenrolar histórico do surgimento do Direito do Trabalho: o primeiro período vai de fins do século XVIII até o Manifesto Comunista, de Marx e Engels (1848), é assinalado por escassa atividade regulamentar do Estado liberal. O segundo se inicia com a publicação do famoso Manifesto Comunista seguido da teoria do materialismo histórico; a Revolução Francesa de 1848, instituindo um Direito do Trabalho de contornos imprecisos; dentre outros dados singulares. O terceiro tem seu marco original na primeira das Encíclicas papais, na de Rerum Novarum (1891), acontecimento de suma importância para a doutrina social da igreja e de larga repercussão histórica, bem como outros fatores secundários.O quarto período começa com o fim da Primeira Grande Guerra e com o Tratado de Versalhes, nos quais este preconizava nove princípios gerais relativos à regulamentação do trabalho, que se recomendavam à adoção pelos países que o firmaram.Nesse período inicia-se, propriamente, a atividade legislativa dos Estados em favor dos trabalhadores, obediente àqueles nove princípios.Caracteriza-se, sobretudo, pela incorporação de medidas de caráter social aos textos das Constituições em todos os países democráticos, e pela intensificação da legislação ordinária em todas as nações civilizadas, abrangendo todos os aspectos da regulamentação do trabalho.

Houve, também, a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em

1919, em consonância com outros organismos internacionais que contribuíram para a disseminação do Direito do Trabalho em outros países.

Para Leite (2007, p. 111): é, pois, com a Revolução Industrial que aparecem os

conflitos de interesses entre os proprietários das fábricas e os operários, os quais, em virtude da ideologia do Estado Liberal que era abstencionista e alheio a tais conflitos, geraram os movimentos de paralisação (autodefesa) pelos trabalhadores, geralmente com depredações do patrimônio das empresas. Esse clima hostil levou o Estado, primeiramente, a normatizar as relações de direito material e, em seguida, buscar fórmulas de solução ordenada dos interesses em choque, deslocando-se do campo primitivo da autodefesa para o mais moderado da auto-composição, nascendo, assim, as primeiras normas de conciliação, que propiciaram a utilização de uma técnica de solução dos conflitos por meio de uma negociação direta entre os atores sociais.

A Revolução Industrial foi um marco histórico não apenas para os setores

econômico, social e político assim como para impulsionar a história do desenvolvimento do direito do trabalho. Em termos econômicos, porque o modo de produção capitalista deu nova fisionomia à produção de bens e serviços. Quanto à questão social, houve reestruturação do núcleo familiar devido à utilização da mão de obra de mulheres e crianças. E, em relação à política, permitiu o desenrolar de novas vertentes de pensamento a respeito do papel do Estado frente à infra-estrutura que se apresentava na sociedade e com relação às novas formas de produção.

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Martins Filho (2009, p. 18) demonstra que: com o fim da Revolução Industrial, surge a figura do proletário e, com ele a indignidade do trabalhador uma vez que este era explorado com excessivas jornadas de trabalho, assim como as mulheres e as crianças, tendo como base as ideias do liberalismo econômico onde as forças do mercado é que deveriam ditar as regras entre empresários e trabalhadores, predominando a ideia do individualismo. O liberalismo econômico exacerbado degenerou em capitalismo selvagem (exploração do trabalho pelo capital, com jornadas de 14 horas de trabalho, nas piores condições, em busca do aumento de lucro das empresas), cujos rebentos foram o movimento sindicalista (associação dos trabalhadores como meio principal de defesa de seus direitos) e o movimento comunista (coletivização dos meios de produção e dirigismo estatal da economia).

Nesse período, floresceram graus exacerbados de exploração do trabalhador, fato

que propiciou o surgimento de várias correntes de pensamento partindo da igreja e de pensadores desvinculados dessa no sentido de se pensar esse período histórico e, ao mesmo tempo, minimizar as enormes desigualdades sociais.

Cassar (2011, p. 15) faz interessante observação sobre o surgimento do Direito

do Trabalho, vejamos: “O Direito do Trabalho nasce como reação às Revoluções Francesa e Industrial e à crescente exploração desumana do trabalho. É um produto da reação ocorrida no século XIX contra a utilização sem limites do trabalho humano”.

Sem dúvida que a exploração exacerbada nesse período da força humana iria

impulsionar o desenvolvimento das ciências de uma forma geral, que deveriam adequar-se à nova realidade social, bem como do Direito do Trabalho, que tem como uma de suas preocupações fundamentais a proteção do trabalhador.

Barros (2009, p. 67) assevera que: o Direito do Trabalho surge no século XIX,

na Europa, em um mundo marcado pela desigualdade econômica e social, fenômeno que tornou necessária a intervenção do Estado por meio de uma legislação predominantemente imperativa, de força cogente, insuscetível de renúncia pelas partes.

O Estado, que até então estava inerte, passou a intervir na estrutura social tendo

em vista os grandes níveis de exploração do sistema capitalista. Delgado (2008, p. 86) delineia alguns aspectos que contribuíram para que o

Direito do Trabalho despontasse no século XIX: o Direito do Trabalho é, pois, produto cultural do século XIX e das transformações econômico-sociais e políticas ali vivenciadas. Transformações todas que colocam a relação de trabalho subordinado como núcleo motor do processo produtivo característico daquela sociedade. Em fins do século XVIII e durante o curso do século XIX é que se maturam, na Europa e nos Estados Unidos, todas as condições fundamentais de formação do trabalho livre, mas subordinado e de concentração proletária, que propiciaram a emergência do Direito do Trabalho.

Nesse período crítico, a revolução tecnológica desencadeou a redução de postos

de trabalho em vários campos, a reestruturação das relações de trabalho e, também acirrou a política de desregulamentação do estado de bem estar social.

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Morais Filho (2009, apud Barros, p. 69) aborda, de forma sintética, as principais causas do aparecimento do Direito do Trabalho no contexto mundial: os vícios e as consequências da liberdade econômica e do liberalismo político; o maquinismo; a concentração de massas humanas e de capitais; as lutas de classes, com as consequentes rebeliões sociais com destaques para os ludistas ou cartistas na Inglaterra; as Revoluções de 1848 e 1871, na França, e de 1848, na Alemanha; livres acordos entre grupos econômicos e profissionais regulando as relações entre patrões e operários, mais tarde reconhecidos pelo Estado como lei; a Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII; a guerra (1914-1918), cujo fim (1919) conferiu ao Direito do Trabalho posição definitiva nos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais.

A questão política, econômica, os movimentos de maior expressão intelectual e

as guerras foram a força motriz do desenvolvimento do direito do trabalho em âmbito nacional e internacional.

Barros (2009, p. 54) faz interessante assertiva sobre a questão do trabalho:

Encarado sobre o prisma da concepção humana, o trabalho tem um caráter pessoal, constituindo um ato da vontade livre do homem; tem um caráter singular, na medida em que traduz uma expressão do valor e da personalidade de quem o executa.O trabalho atua como meio de subsistência, de acesso à propriedade, e cumpre um conjunto de funções sociais. Em consequência, ele representa um ponto de reflexão singularmente característico pela sua transcendência social.

Essa concepção de trabalho, na época do Renascimento, modificou-se

substancialmente das concepções suscitadas nos momentos históricos anteriores, focando-se na essência humana.

Kumar e Cacciamali (1997, apud CATTANI, p. 273) fazem importante

observação sobre o papel que o conceito de trabalho ganha na sociedade atual: decorridos três séculos de predomínio da sociedade industrial, o trabalho passa a assumir um conteúdo crescentemente intelectual, em contraposição ao conceito de trabalho físico, manual. Aumenta a importância da informação, do trabalho imaterial, em contraposição ao conceito convencional de trabalho, centrado na ideia de transformação da natureza.

O conceito de trabalho não pode ser visto apenas como categoria abstrata,

mas como elemento de reprodução da vida na sua dimensão individual e social. Segundo a concepção de Lukács (apud DORNELES, 2002, p. 16): o trabalho

provoca pelo menos uma importante transformação no ser humano. Com o trabalho, os objetos e forças da natureza são transformados em meios, instrumentos, matérias-primas. Em consequência, aquele que trabalha transforma-se pelo seu trabalho, pois atua sobre a natureza de forma a subordinar as forças desta ao seu próprio poder.

Essa concepção de trabalho vem corroborar a ideia de que o trabalho não

constitui uma figura isolada do aspecto individual, pois o indivíduo se transforma quando o realiza e do aspecto social porque ao atuar sobre a natureza provoca sua modificação.

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Segundo Marx, em O Capital(1867/1968 apud CATTANI, 1997, p. 181): o trabalho é um processo no qual os seres humanos atuam sobre as forças da natureza, submetendo-as ao seu controle e transformando os recursos naturais em formas úteis à sua vida. Ao modificar a natureza, o trabalhador coloca em ação suas energias físico-musculares e mentais. No processo de intercâmbio com as forças naturais, ele transforma a si mesmo, ao imprimir, no material sobre o qual opera um projeto que já houvera idealizado anteriormente, atribuindo um significado ao seu próprio trabalho.

O conceito de trabalho ganhou contornos distintos conforme o período histórico

correspondente e de acordo com a concepção teórica abraçada por cada doutrinador que promoveu estudos neste campo do conhecimento.

Cesarino Jr. (apud ALMEIDA, 2008, p. 25) assim define o Direito do Trabalho:

“O complexo dos princípios e leis imperativas, cujo objetivo imediato é, tendo em vista o bem comum, auxiliar a satisfazer convencionalmente as necessidades vitais próprias e de suas famílias, às pessoas físicas para tanto dependentes do produto do seu trabalho”. Esse conceito tem seu olhar voltado para a perspectiva subjetiva na qual tem seu foco nos destinatários da relação de emprego, centrando-se apenas num aspecto do Direito do Trabalho.

Com base em Magano (2003, p. 10), expõe sua concepção a respeito do Direito

do Trabalho: “O Direito do Trabalho define-se como o conjunto de princípios, normas e instituições aplicáveis à relação de trabalho e às situações equiparáveis.

Tendo em vista a melhoria da condição social do trabalhador”. Essa perspectiva,

diferente da anterior, que se volta apenas para a categoria sujeito, priorizou a concepção mista do direito do trabalho, valorizando o sujeito e a matéria-prima do direito,ou seja, a lei. Assim, mostra-se mais ampla porque abarca dois elementos fundamentais no Direito do Trabalho: o sujeito e a legislação.

Ainda, na perspectiva de Cassar (2011, p. 12), na qual retrata um importante

ponto a ser observado no que diz respeito ao Direito do Trabalho, temos: nasce o Direito do Trabalho com função tutelar, econômica, política, coordenadora e social. Tutelar, porque visa proteger e reger o contrato mínimo de trabalho, econômico, em face da sua necessidade de realizar valores, de injetar capital no mercado e democratizar o acesso às riquezas, de abalar a economia do país. Coordenadora ou pacificadora, porque visa harmonizar os naturais conflitos entre capital e trabalho. Política, porque toda medida estatal coletiva atinge a toda a população e tem interesse público.Social, porque visa à melhoria da condição social do trabalhador, da sociedade como um todo.

O modo como ocorreu a transformação histórica do Direito do Trabalho, ao

longo do tempo, propiciou com que este servisse de fundamento e, ao mesmo tempo, impulsionasse vários aspectos importantes na sociedade.

Gomes e Gottschalk (2007, p. 03) descrevem os vários fatores que interferiram

de forma marcante no surgimento do Direito do Trabalho como um direito de caráter social: a Revolução Francesa; a ação direta do proletariado e, como fatores concorrentes para a concretização deste instituto o desabrochar de várias correntes de pensamento, ora com certa familiaridade, ora diametralmente antagônicas, como as

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doutrinas sociais da Igreja, o socialismo moderado e o radical, assim como o utópico, as grandes guerras e a influência das legislações de Estados totalitários, o Tratado de Versalhes, a OIT e da ONU.

Ainda conforme Gomes e Gottschalk, que expressam como o Direito do

Trabalho, em seu desabrochar, tornou-se um Direito de caráter social: se todos esses fatores coadjuvantes no processo do Direito do Trabalho fizeram com que cobrasse a expansão, que hoje revela, em todo o mundo, não se pode obscurecer o fato histórico de que ele surgiu como um direito de caráter social na sua acepção técnica, influenciando, ulteriormente, todas as áreas do pensamento social, político, jurídico e econômico. (2007, p. 4).

O Direito do Trabalho revelou-se como um direito de caráter eminentemente

social uma vez que o trabalho é a ferramenta principal do trabalhador para a sua sobrevivência e na construção de sua dignidade.

Assim, percebe-se que o Direito do Trabalho emergiu da necessidade de

reconhecimento da dignidade do trabalho, na busca pela estruturação e melhoria do trabalho humano, delineando novos contornos a essa relação e na busca da valorização desse tipo de trabalho que por muitas décadas foi tratado com desprezo e sem um mínimo de regulamentação por ser considerado atividade de caráter secundário na sociedade.

Tem-se que através das lutas e conquistas dos trabalhadores é que se alcançou

hoje o direito e o processo do trabalho atual. 1.2 MATERIALIZAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

Na verdade, ao se falar especificamente em Direito do Trabalho, é preciso entender que o mesmo surgiu em consonância com a Justiça do Trabalho, bem como com os conflitos oriundos das relações de trabalho, dando surgimento aos métodos de soluções dos conflitos de trabalho (autodefesa, auto-composição e hetero-composição) não sendo possível precisar de forma certa quando ocorreu o nascimento dos órgãos da Justiça Trabalhista.

Como bem expressa Nascimento (apud SCHIAVI, 2011, p. 142): é possível

dizer que nos primórdios das estruturas decisórias sobre questões trabalhistas combinaram-se técnicas auto-defensivas, auto-compositivas e órgãos de conciliação, de que se valiam empregados e empregadores na época em que o Estado se omitia diante da questão trabalhista: o início da história do direito processual trabalhista identifica-se, de algum modo, com o período no qual o Estado corporativo instituiu uma magistratura trabalhista:desvinculou-se, em outros países, dessas origens, tendo motivações próprias.

Na verdade, o Direito material, em dadas situações, necessita do Direito

Processual para se materializar. O Direito do Trabalho, por exemplo, efetiva-se por meio do Direito Processual do Trabalho. Assim, só se pode falar no surgimento do Direito Processual Trabalhista após o nascimento do Direito do Trabalho enquanto tal.

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No que diz respeito ao seu conceito, Pasco (apud SCHIAVI, 2011, p. 97) assim o define: o Direito Processual do Trabalho é, por definição objetiva, um direito instrumental; sua finalidade é de atuar, na prática, tornando efetivo e real o Direito Substantivo do Trabalho. Para esse fim, o processo deve guardar adequação com a natureza dos direitos que nele se controvertem; e se as controvérsias e conflitos trabalhistas são intrinsecamente distintos das controvérsias comuns, é indispensável a existência de um direito processual que, atento a essa finalidade, seja adequado à natureza e caracteres daqueles.

O Direito Processual Trabalhista é um direito distinto e de crucial importância

porque lida com conflitos do cotidiano, sendo assim é fundamentalmente relevante para a concretização do direito substantivo, ou seja, do direito do trabalho.

Mostra-se interessante a concepção de Morgado e Gravatá (2007, p. 02): o

Direito Processual do Trabalho é o ramo do direito processual que tem por objetivo disciplinar a atividade dos órgãos judiciários trabalhistas na solução dos dissídios individuais e coletivos do trabalho, e de outras lides integrantes da competência da Justiça do Trabalho.

Sobre o nascimento do Direito Processual do Trabalho, Leite (2011, p. 120)

assim se expressa: “De tal modo que, se o Direito do Trabalho somente surge com o regime do assalariado, implantado pela revolução industrial, é a partir desse momento que se pode conjeturar da história do Direito Processual do Trabalho”.

A revolução industrial apresentou-se como marco decisivo para a história do

surgimento do Direito do Trabalho e, em decorrência, do direito processual do trabalho. A história do direito processual do trabalho, sobretudo da jurisdição trabalhista,

surgiu em momentos distintos em diversos locais como, por exemplo: França, Espanha, Itália, Alemanha, entre outros países, com peculiaridades próprias.

Na França, em 1806, nasceu o primeiro órgão judicial trabalhista denominado de

conseils de prud´homens na qual possuíam funções extrajudiciárias e judiciárias. O mesmo era composto de homens de imenso potencial e com condições de

julgar conflitos de trabalho concernentes à indústria e ao comércio. Este órgão foi extinto em 1776 devido a questões de cunho liberal para, depois, em 1806, retornar ao cenário da França devido a sua imprescindibilidade na resolução de conflitos por meio da conciliação, bem como na possibilidade de julgar as reclamações de forma definitiva.

Em 1932, esse conselho ampliou sua competência para os conflitos

provenientes das relações de trabalho no âmbito da agricultura. Sendo que só em 1848 é que se passou a admitir a representação paritária de trabalhadores, ou seja, de empregados e empregadores.

Nascimento (2009, p. 45) faz importante elucidação a respeito do sistema de

procedimento trabalhista na França: na França, o procedimento adotado é o do Código do Trabalho, que tem um capítulo sobre o procedimento dos dissídios individuais perante os conseils de prud´homens (art. L. 511-1) e que dispõe sobre as

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atribuições dos conselhos; organização e funcionamento destes; eleição dos conselheiros; estatuto dos conselheiros; sessões do conselho, câmaras, órgãos de conciliação e de julgamento (art. 516). Da decisão cabe recurso para os tribunais comuns. Os conflitos coletivos são dirimidos por meio de negociação coletiva, mediação e arbitragem.

Em 1908, surgiram os Tribunais Industriais da Espanha. Depois, deixou de

ser aplicada a lei que os criou para, só em 1912, ganhar vida novamente. Paralelamente a esses tribunais existiram outros órgãos especializados na resolução de conflitos, tais como os comitês paritários e as comissões mistas. Esses órgãos contribuíram para consolidar o surgimento da jurisdição trabalhista na Espanha. Sendo que em 1940 se instituiu, verdadeiramente, a magistratura do trabalho nesse país.

Nada melhor do que a lição oportuna de Pedreira (2011, apud LEITE, p.

121) tecendo explicações sobre como desabrochou a jurisdição do trabalho na Espanha: a jurisdição do trabalho é uma jurisdição especializada desde 1940 e integra o Poder Judiciário, sendo independente, de modo que nem o Poder Legislativo nem o Executivo podem interferir em seus poderes. Depende ela do Conselho Geral do Poder Judiciário. O órgão de primeira instância é o juiz (ou tribunal) do trabalho (“juizado social”). Compõe-sede um único juiz, profissional, pois na Justiça do Trabalho da Espanha não há juiz classista em qualquer dos seus níveis. O juiz do trabalho conhece em primeira e única instância dos processos relativos ao direito do trabalho, tanto no que concerne aos conflitos individuais como aos conflitos coletivos jurídicos ou às reclamações em matéria de seguridade social, ou, ainda, contra o Estado se a legislação do trabalho lhe atribuir essa competência. O tribunal supremo, com sede em Madri, conhece do recurso de cassação, revisão ou qualquer outro recurso extraordinário previsto pela lei, em matéria de competência entre jurisdição que não tenha outro órgão superior hierárquico comum. A competência recursal é da 4ª câmara do mesmo tribunal supremo especializado em direito do trabalho.

Houve, na Itália, a partir de 1800, com o sistema dos probivirique se subdividia

em dois órgãos: a comissão de conciliação e o tribunal, sistema este semelhante ao implantado na França com o fito de resolver controvérsias pertinentes ao campo da indústria para, depois, ampliar-se para outras esferas de atuação. A lei n. 563, de 03 de abril de 1926, instituiu a Carta Del Lavoro, ou seja, a magistratura do trabalho.

Leite (2011, p. 121) tece alguns comentários interessantes sobre a implantação

da magistratura do trabalho na Itália: a Carta del Lavoro instituiu a magistratura do trabalho como órgão estatal encarregado de regular as controvérsias trabalhistas, “sejam as referentes à observância dos acordos ou outras normas existentes, sejam as que versem sobre a determinação de novas condições de trabalho(...).

A partir de 1928, a magistratura especial do trabalho foi abolida por lei que

transferiu as suas funções para a magistratura ordinária. A magistratura do trabalho foi extremamente importante para dirimir os conflitos entre o capital e o trabalho, pois além de representar a intervenção do Estado na ordem econômica e trabalhista, decidia os litígios com imparcialidade, técnica e equidade.

Ao se falar na Justiça do Trabalho na Alemanha, esta já possuía desde 1808

tribunais industriais, que eram órgãos especializados, nos quais se realizavam a

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conciliação e outras decisões judiciais de caráter trabalhista. A estes competia resolver conflitos individuais e coletivos provenientes das relações trabalhistas onde as questões resolvidas pelas primeiras tinham força de lei e, quanto à segunda, se dava por meio da conciliação exercida pelos tribunais. Entretanto, a materialização de uma justiça do trabalho propriamente dita só ocorreu a partir de 1934 com o nascimento dos tribunais do trabalho.

Nascimento (apud LEITE, 2011, p. 122) faz a seguinte preleção acerca da

constituição da Justiça do Trabalho: a partir de 1923, o Ministro do trabalho do Reich passou a regulamentar o procedimento nos tribunais industriais. Com a Carta do Trabalho do III Reich e, mais precisamente, com a edição de uma lei de 1934,foram criados os Tribunais de Trabalho, que apresentavam estrutura muito semelhante à nossa Justiça do Trabalho, com três instâncias: tribunais do trabalho de primeira instância, tribunais do trabalho de apelação e tribunais do Trabalho do Reich.

Foi nesse período que se deu a criação da Justiça do Trabalho nos moldes em

que se vê nos dias atuais. 1.3 O DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

Quanto à história sobre a evolução do direito do trabalho no Brasil, ela é bastante expressiva e com aspectos históricos interessantes e interligados com a história de seu nascimento no mundo.

Nascimento (2009, p. 47-56), por sua vez, descreve que a estruturação do direito

processual no Brasil passou por inúmeras etapas, quais sejam: o período de institucionalização, que vai de 1907 a1932 e se desmembra na criação de vários órgãos de papel essencial para a estruturação desta, tais como os Tribunais Rurais (1922), as juntas e as comissões (1932), dentre outros; o período da constitucionalização, permeado pelas constituições de 34 e 37, bem como pela organização de 1941, reconhecendo-se a função jurisdicional da Justiça do Trabalho; a Justiça do trabalho como órgão do poder judiciário, em 1946; e a fase contemporânea que se circunscreve aos dias atuais.

Essas etapas foram fundamentais para a efetivação e a formatação do direito do

trabalho na forma como ele se encontra atualmente. Barros (2009, p. 69) apresenta três momentos históricos marcantes para a

efetivação do Direito do Trabalho no Brasil: de 1500 até 1888, na qual em 1830 havia uma lei que regulou o contrato sobre prestação de serviços destinada a brasileiros e estrangeiros. Em 1837, há uma normativa sobre contratos de prestação de serviços entre colonos e, em 1850, é o Código Comercial, contendo preceitos alusivos ao aviso prévio. De 1888 à Revolução de 1930. Em 1903 e 1907 surgiram leis sobre sindicalização. No primeiro momento de sindicalização dos profissionais da agricultura e de sindicalização dos trabalhadores urbanos. Tem-se, em 1919, lei sobre acidente do trabalho; em 1923 a lei Elói Chaves, abordando a estabilidade no que compete aos ferroviários;e, em 1930, cria-se o Ministério do Trabalho.Em 1943 com a CLT, o principal diploma deste área.

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Essas leis permitiram com que se formasse, gradativamente, uma

preocupação mais substancial com a proteção das relações de trabalho, culminando, assim, com a 22 Consolidação das Leis Trabalhistas, que se mostra a ferramenta mais ampla de leis que visa proteger e efetivar as garantias fundamentais do trabalhador.

Nascimento (2009, p. 47-51) faz elucidativa explicação acerca da história do

direito processual do trabalho no Brasil, explicando que houve o período de institucionalização o qual culminou com o surgimento de dois órgãos: os Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem, que foram previstos em lei, mas não implantados efetivamente e as Juntas de Conciliação e Julgamento, os Tribunais Regionais do Trabalho e o Conselho Nacional do Trabalho, em 1907; posteriormente surgiram os Tribunais Rurais de São Paulo, em 1922, que objetivavam resolver demandas trabalhistas, que ganharam essa designação em função de que, em São Paulo, a economia baseava-se no café, sendo, portanto, preponderantemente rural.

O período de institucionalização da jurisdição trabalhista no Brasil ocorreu de

forma lenta, pois as instituições passaram de não estatais a administrativas. E, posteriormente, de administrativas tornaram-se órgãos vinculados ao Poder Judiciário.

Ferreira (apudCHIAVI, 2011, p.143) assevera que a experiência dos Tribunais

Rurais fracassou: “A razão do fracasso da ideia foi que praticamente a decisão seria do Juiz de Direito, uma vez que cada um dos árbitros iria, naturalmente, decidir em prol de quem o indicara, receando ser tido por traidor”.

Os tribunais rurais tinham sua razão de ser no período de institucionalização do

direito processual do trabalho no Brasil, pois julgavam demandas voltadas às questões relacionadas ao campo. Nesse sentido, tiveram relevância histórica no período porque foram os primeiros tribunais voltados aos conflitos de caráter trabalhista.

Nesse sentido manifesta-se Nascimento (apud SCHIAVI, 2011, p. 142): no

Brasil, a primeira experiência de instituição de um órgão especializado para dirimir litígios trabalhistas surgiu no Estado de São Paulo, em 1922, com a constituição de tribunais rurais compostos pelo Juiz de Direito da Comarca, um representante dos trabalhadores e outro dos fazendeiros.

Em 1930, no governo de Getúlio Vargas, nasceu o Ministério do Trabalho,

Indústria e Comércio. Schiavi (2011, p. 143) orienta sobre importantes órgãos nascidos nesse período, trazendo alterações no bojo das relações trabalhistas: após a Revolução de 1930 e o início da industrialização brasileira, ocorreram várias mudanças nas relações de trabalho; em 1932, foram criadas as juntas de Conciliação e Julgamento e as Comissões Mistas de Conciliação e Julgamento, sendo órgãos administrativos vinculados ao poder executivo.

Quanto às juntas e às comissões, as primeiras eram responsáveis pelos dissídios

individuais e, as segundas, pelos dissídios coletivos do trabalho. Esses órgãos foram tão importantes porque serviram de alicerce para a formação, posterior, da Justiça do Trabalho.

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O período de institucionalização teve papel relevante para o desenvolvimento da história do direito processual do trabalho no Brasil porque propiciou o surgimento dos primeiros organismos empenhados na resolução de demandas trabalhistas e de órgãos que se voltaram para conciliar e julgar dissídios individuais e coletivos.

Ainda segundo Nascimento (2009, p. 51), acrescenta: posteriormente, surgiu o

período de constitucionalização, na qual houve expressa previsão legal da Justiça do Trabalho como órgão permanente nas Constituições de 1934 e 1937, mas só na Constituição de 1941é que se reconheceu sua função jurisdicional embora ainda não incluída no Poder Judiciário organizada em três níveis de órgãos: as Juntas de Conciliação e Julgamento ou juízes de direito; os Conselhos Regionais do Trabalho (equivalentes aos hoje denominados Tribunais Regionais do Trabalho); e o Conselho Nacional do Trabalho (correspondendo ao atual Tribunal Superior do Trabalho). E a justiça do trabalho só se efetivou como órgão do Poder Judiciário pelo Decreto-Lei n.9.777,de 9 de setembro de 1946.

Com o advento do referido decreto, a Justiça do trabalho no Brasil se amolda

com base nos seguintes órgãos: Tribunal Superior do Trabalho; Tribunais Regionais do Trabalho; e Juntas ou Juízes de Conciliação e Julgamento.

Saraiva (2011, p. 24) descreve um dado que se apresenta bastante expressivo

com relação ao tema em debate: dois fatores contribuíram, de forma decisiva, na institucionalização da Justiça do Trabalho no Brasil, quais sejam: o surgimento das convenções coletivas de trabalho e a influência da doutrina da Itália, visto que nosso sistema acabou por copiar, em vários aspectos, o sistema italiano da Carta del Lavoro, de 1927, de Mussolini.

Antes de se implantar efetivamente a Justiça do Trabalho no Brasil, alguns

doutrinadores, como Waldemar Ferreira (1938) e Oliveira Viana (1938), organizaram um projeto de estruturação dela que foi debatido em plenário, cada um apresentando pontos de vista diametralmente opostos. Esse debate tornou-se um marco porque contribuiu para se delinear aspectos importantes na estruturação da Justiça do Trabalho no Brasil.

Leite (2011, p. 124) faz alguns apontamentos interessantes acerca desse

debate teórico entre Waldemar Ferreira e Oliveira Viana nesse período: é nessa fase que houve o memorável debate entre Waldemar Ferreira e Oliveira Viana a respeito do Poder Normativo da Justiça do Trabalho. Para Waldemar Ferreira, a atribuição aos juízes do trabalho para criar normas e condições nos dissídios coletivos contrariava os princípios constitucionais, mormente o princípio da separação dos Poderes, já que somente ao Legislativo competia criar normas gerais e abstratas destinadas a pessoas não identificadas. Contestando tal posição, Oliveira Viana sustentava a competência normativa da Justiça do Trabalho, arrimando-se, sobretudo, na escola sociológica do direito e no jus-realismo estadunidense, no sentido de que o juiz teria função criativa e de colaborador na construção de normas jurídicas, não se limitando a ser mero intérprete gramatical dos textos legais.

Em momento subsequente, emerge a fase contemporânea, que se relaciona com

o período atual da Justiça do Trabalho.

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É importante notar o papel relevante dos classistas para a Justiça do Trabalho. Schiavi (2011, p. 144) faz algumas inquirições sobre a importância dos juízes classistas, também chamados de “vogais” no âmbito da Justiça do Trabalho, pois desde a sua origem ela teve seu auxílio: os juízes classistas atuavam majoritariamente na fase de conciliação e votavam nos julgamentos, uma vez que conheciam a fundo a realidade das categorias profissional e econômica que representavam. Havia um representante classista dos empregados e outro dos empregadores nas Juntas de Conciliação e Julgamento. Nos Tribunais Regionais do Trabalho e no Tribunal Superior do Trabalho, os classistas compunham as turmas, sendo em igualdade os representantes dos empregados e dos empregadores.

Entretanto, com o aprimoramento da Justiça do Trabalho, passou a ser

desnecessária a representação dos classistas e, com a Emenda Constitucional n. 24/99, os mesmos foram extintos.

Outro documento extremamente importante é a Consolidação das Leis

Trabalhistas (CLT), que entrou em vigência em 10 de outubro de 1943, material este que uniu em um só documento leis que consubstanciam e regem grande parte das relações trabalhistas.

Com magnitude, Carrion (2010, p. 29) manifesta sua opinião acerca dessa

consolidação: “A CLT constitui o texto legislativo básico do Direito do Trabalho do Brasil, enriquecido pela legislação complementar e pela Constituição Federal”.

De forma subsequente, surgiu a Constituição Federal de 1988, apresentando

princípios gerais que vão nortear as relações sociais de uma forma indireta através, por exemplo, do princípio da dignidade da pessoa humana e de tantos outros elencados no seu texto, bem como uma lista de direitos dos trabalhadores dispostas no capítulo dos direitos sociais, e, dentre eles, o direito ao trabalho.

Em momento posterior, emergiu uma Emenda Constitucional de forma a ampliar

a competência da Justiça do Trabalho para outras esferas que não apenas as oriundas das relações entre empregados e empregadores.

Nesse contexto é preciso não deixar de lado os direitos sociais do

trabalhador, pois é por meio deles que se efetiva a garantia de direitos mínimos da pessoa humana.

Ao falar sobre o mínimo existencial, assim se expressa Fachin (apud CASSAR,

2011, p. 29): a existência de uma garantia patrimonial mínima inerente a toda pessoa humana, integrante da respectiva esfera jurídica individual ao lado dos atributos pertinentes à própria condição humana. Trata-se de um patrimônio mínimo indispensável a uma vida digna do qual, em hipótese alguma, pode ser desapossada, cuja proteção está acima dos interesses dos credores.

Sem dúvida que o Direito do Trabalho tem como um de seus fundamentos a

preocupação com o trabalhador para que este não seja privado de garantias mínimas, de forma a proteger o mais desassistido na relação processual trabalhista.

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Cassar (2011, p. 05) ainda explica que: a maior característica do Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador, seja através da regulamentação legal das condições mínimas da relação de emprego, seja através de medidas sociais adotadas e implantadas pelo governo e sociedade.

Logo seu principal conteúdo é o empregado e o empregador.Sob o aspecto do

direito coletivo do trabalho, sua maior característica está na busca de soluções e na pacificação de conflitos coletivos de trabalho, bem como na forma de representação pelos sindicatos.

E, Cassar (2011, p. 06), conclui: que houve uma ampliação substancial da justiça

do trabalho, no aspecto subjetivo, uma vez que ampliou seu leque de atuação a um número cada vez maior de destinatários, bem como ampliou-se, também, no campo objetivo, pois estendeu direitos e vantagens aos trabalhadores, ampliações essas assentadas, sobretudo no texto constitucional.

A ampliação da Justiça do trabalho, sem dúvida, implica a possibilidade cada

vez maior de efetivação dos direitos fundamentais da pessoa humana. Assim, a busca pela concretização de um mínimo de dignidade ao trabalhador,

perpassa pela análise dos direitos sociais e, de certa forma se relaciona com o princípio do Ius Postulandi, uma vez que este surgiu com a finalidade de igualar empregados e empregadores, possibilitando que o hipossuficiente não fique ainda mais enfraquecido nessa relação, mas sirva de meio de efetivação da justiça. Entretanto,embora seja esse seu nobre objetivo, faz-se pertinente discutir até que ponto, nos dias atuais, ele tem servido a esse intento, ou se, na verdade, tem sido obstáculo à Justiça. 2 DEITANDO O OLHAR SOBRE ALGUNS PRINCÍPIOS E O PRINCÍPIO DO IUS POSTULANDI

Ao se voltar para o tema, objeto deste estudo, vamos adentrar primeiro sobre o que sejam os princípios, para, posteriormente, volver o olhar sobre o princípio do Ius Postulandi propriamente dito. Embora se saiba que existe uma gama de princípios que orientam o direito processual comum e que também podem ser utilizados pela Justiça do Trabalho, de forma subsidiária, nos casos em que a CLT for omissa e desde que não contradiga os postulados desta, conforme dispõe o artigo 769, da CLT e também demonstrado no artigo 8º , em seu parágrafo único, do mesmo diploma legal.

Ressalta-se, também, que não existe uniformidade no estudo dos princípios

e, além disso, alguns doutrinadores apontam este ou aquele princípio como orientador do direito do trabalho, ora propugnando ser essa ciência autônoma, ora afirmando que a mesma encontra-se atrelada ao direito processual de uma forma geral. Essa discussão mostra-se interessante, pois o direito processual do trabalho surgiu de uma ramificação do direito processual civil.

Saraiva (2011, p. 30) tratando da questão da uniformidade dos princípios, faz um

apontamento bastante interessante: “A identificação dos princípios do direito

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processual do trabalho não encontra unanimidade na doutrina, sendo ponto de discórdia entre os autores, cada um arrolando princípios próprios, havendo pequena coincidência entre eles”.

Quando se pensa em princípios, infere-se sobre algo que está por se iniciar,

aquilo que dá origem a alguma coisa. Explica De Plácido e Silva (2008, p. 1096) a respeito da etimologia dessa

palavra: “Derivado do latim principium. Princípio é também a expressão que designa a espécie de norma jurídica cujo conteúdo é genérico, contrapondo-se à regra ou do preceito, que é norma mais individualizada”.

Os princípios têm papel relevante no direito do trabalho, propiciando o

equilíbrio entre os direitos do empregado e do empregador e que não haja mitigação dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Na acepção de Cretella Júnior (apud DI PIETRO 2007, p. 57): “Princípios de

uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturas subsequentes. Princípios, neste sentido, são os alicerces da ciência”.

É oportuno lembrar que os princípios devem estar em harmonia com os preceitos

contidos na Constituição Federal. Esse fenômeno é designado pela doutrina de constitucionalização do direito processual ou Constitucionalização do Processo.

Sussekind (2003, p. 141-142) sustenta que: “Princípios são enunciados

genéricos, explicitados ou deduzidos do ordenamento jurídico pertinente, destinados a iluminar tanto o legislador, ao elaborar as leis dos respectivos sistemas, como o intérprete, ao aplicar as normas ou sanar omissões”.

Em se tratando dos princípios na seara trabalhista,pode-se dizer que estes podem

ser aplicados tanto nos conflitos individuais como nos dissídios coletivos de trabalho porque visam proteger o trabalhador nas várias situações que este apresenta na relação processual trabalhista. É, assim dizendo, a linha diretriz dessa relação.

No dizer de Miguel Reale (apud Martins, 2010, p. 37) a respeito dos princípios:

são ‘verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis’.

Os princípios, nesse sentido, são o ponto de partida para dar início a

qualquer relação trabalhista. Além do que Martins Filho (2009, p. 36) explica que os princípios

desempenham três funções básicas, quais sejam: função informadora, contribuindo para direcionar a elaboração das leis e de fundamento para essas mesmas leis quando estas são positivadas; função normativa tendo em vista o fato de servirem de subsídio nas situações de omissão e lacuna da lei; e função interpretativa, pois servem como meio de interpretação das normas jurídicas.

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Existem princípios pertencentes ao direito processual de maneira geral, bem como princípios que são peculiares ao direito processual trabalhista. Entretanto, há discussão acirrada na doutrina a respeito do direito do trabalho ter princípios próprios ou não, se seus princípios são aqueles utilizados no direito processual comum.

Martins (2010, p. 38), refutando as teses de outros doutrinadores, afirma: Que

certos princípios contidos no processo do trabalho, tais como: o da oralidade, a informalidade, a celeridade, a economia processual e até mesmo o Ius Postulandi, não são princípios do processo do trabalho, mas da ciência processual, pois existem em outras esferas, como, por exemplo, o já citado princípio da oralidade, este está presente no processo civil onde a contestação pode ser feita oralmente, no processo penal as razões finais são feitas oralmente. Na verdade, acredita que estes sejam princípios do Direito Processual Comum e, quando no direito Processual do Trabalho, funcionariam como particularidades ou peculiaridades.

Embora o Direito Processual do trabalho tenha sido proveniente de um segmento

do Direito Processual, faz-se pertinente esclarecer que o princípio Ius Postulandinão é um princípio peculiar do processo civil, pois só existem algumas situações, nessa área, em que o mesmo pode ser buscado, ou seja, no habeas corpus e nos juizados cível e na Justiça federal, em dadas circunstâncias específicas.

Nesse sentido, Schiavi (2011, p. 104) argumenta: embora o processo do

trabalho esteja sujeito aos princípios constitucionais do processo e também acompanhe os princípios do Direito Processual Civil, no nosso sentir, alguns princípios são típicos do Direito Processual do Trabalho, que lhe dão autonomia e razão de existência.

Examina-se a questão dos princípios constitucionais no direito brasileiro,

que seriam aqueles princípios do direito processual do trabalho presentes na Constituição Federal.

Como sustenta Didier Júnior (apud SCHIAVI, 2011, p. 80): encarados os

princípios constitucionais processuais como garantidores de verdadeiros direitos fundamentais processuais e tendo em vista a dimensão objetiva já mencionada, tiram-se as seguintes consequências: a) o magistrado deve interpretar esses direitos como se interpretam os direitos fundamentais, ou seja, de modo a dar-lhes o máximo de eficácia; b) o magistrado poderá afastar, aplicado o princípio da proporcionalidade, qualquer regra que se coloque como obstáculo razoável/desproporcional à efetivação de todo direito fundamental; c) o magistrado deve levar em consideração, na realização de um direito fundamental, eventuais restrições a este impostas pelo respeito a outros direitos fundamentais.

Além disso, interessante é o ponto de vista de Deveali (apud DORNELES, 2002,

p. 61), quando afirma que o Direito do Trabalho é: “Um direito especial, que se distingue do direito comum, especialmente porque, enquanto [este] supõe a igualdade das partes, o [Direito do Trabalho] pressupõe uma situação de desigualdade que ele tenta corrigir com outras desigualdades”.

Existe uma série de princípios fundamentais para o Direito do Trabalho,

entretanto, alguns são de tal relevância que não se pode deixar de expô-los de forma

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sucinta, demonstrando a sua imprescindibilidade como elemento norteador dos procedimentos na Justiça do Trabalho. 2.1 PRINCÍPIO DA ORALIDADE

Esse princípio funda-se na ideia da consecução de atos processuais de forma oral quando em audiência, visando abreviar o procedimento, tendo em vista a celeridade da jurisdição.

Nesse mesmo sentido caminha Saraiva (2011, p. 33), com a seguinte

conceituação deste princípio: “O princípio da oralidade consubstancia-se na realização de atos processuais pelas partes e pelo próprio magistrado na própria audiência, de forma verbal, oral”.

Na verdade, esse princípio está presente não apenas no ramo do direito

processual civil, como também no direito processual trabalhista. O princípio da oralidade é próprio do Direito Processual Civil, embora no

Processo do Trabalho ele tenha maior destaque em razão de ser o Processo do Trabalho, nitidamente, um procedimento de audiência e de partes (SCHIAVI, 2011, p. 94).

Um ponto importante nesse princípio diz respeito ao fato de estar estreitamente

correlacionado com a celeridade dos procedimentos processuais e de contribuir para uma jurisdição mais eficaz.

Almeida (2009, p. 66) aduz a esse respeito que: “Em razão do princípio da

oralidade, o processo se desenvolve principalmente na audiência, assegurando um contato mais estreito das partes com o magistrado, fator fundamental para a imediatidade da decisão”.

O princípio da oralidade, embora não disponha de nenhuma previsão legal

falando especificamente sobre o mesmo na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), muito menos na Constituição Federal é muito importante na medida em que na maioria dos processos da Justiça do Trabalho a oralidade predomina. É o que se pode perceber no momento de se realizar as duas tentativas de conciliação, na apresentação da contestação que é oral, os debates são procedidos de forma verbal, a oitiva de testemunhas, as razões finais ocorrem oralmente em audiência, entre outros atos.

Sem dúvida existe um dispositivo previsto na CLT que trata da importância

desse princípio de forma indireta, ou seja, o artigo 840,parágrafo segundo, o qual prevê a hipótese de reclamação trabalhista oral, também designada de atermação, mas que, posteriormente, será reduzida a termo. Além desse dispositivo, existem inúmeros artigos que tratam desse tema, quais sejam os arts. 846, 847, o caput do art. 848, bem como outras previsões previstas na Consolidação das Leis Trabalhistas. 2.2 PRINCÍPIO DA CONCILIAÇÃO

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A natureza conciliatória dentro da dinâmica trabalhista é algo irrefutável uma

vez que esse é o principal objetivo da lide trabalhista, tal como ocorre em Processo Civil. Assim, a legislação trabalhista prevê a conciliação não só nos dissídios individuais como também nos dissídios coletivos.

Almeida (2009, p.73) esclarece sobre o significado desta palavra: “Conciliação,

etimologicamente, significa acordo, composição entre pessoas que mantenham qualquer divergência. No sentido jurídico, é a composição (solução) da lide pelas partes, por força da mediação do magistrado”.

Não há previsão legal desse princípio na Constituição Federal, mas na CLT, em

vários artigos, bem como no próprio Código de Processo Civil. Assim, recorre-se à transcrição do art. 764 (Legislação Selecionada para a OAB

e Concursos, 2012, p. 749) da CLT, que trata desse princípio em questão: os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação. Para os efeitos deste artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos. Não havendo acordo, o juízo conciliatório converter-se-á obrigatoriamente em arbitral, proferindo decisão na forma prescrita neste Título. É lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o juízo conciliatório.

É bom ressaltar em termos de história da Justiça do Trabalho que a mesma

sempre foi uma justiça que buscava a conciliação entre as partes uma vez que até mesmo os primeiros órgãos que se constituíram historicamente foram órgãos que almejavam esse intento.

Ao se definir o que é esse princípio, vale-se da expressão precisa de Horcáio

(2008, p. 30), sintetizando o mesmo: a conciliação é a justa composição da lide pelas partes, alcançada pela intervenção do juiz. Enquanto a decisão é uma conciliação imposta às partes, a conciliação é uma decisão aceita por elas. Distingue-se da mediação, que tem em vista um acordo de vontade qualquer, enquanto a conciliação busca a justa composição.

Esse princípio é muito importante na seara do direito do trabalho na medida em

que a conciliação deve ser buscada pelo juiz na audiência, visando à solução pacífica da demanda pelas partes interessadas na solução desta de forma mais ágil.

Assim se pronuncia Schiavi (2011, p. 107) sobre o tema: “Sem dúvida, a

conciliação é a melhor forma de resolução do conflito trabalhista, pois é a solução oriunda das próprias partes que sabem a real dimensão do conflito, suas necessidades e possibilidades para melhor solução”.

O princípio em discussão está previsto em alguns dispositivos legais, tais como

nos artigos 764, 850, 852 “e”, dentre outros da CLT. Entretanto, sabe-se que o mesmo provém da seara do direito processual civil, mas, notadamente ganhou relevância singular na Justiça do Trabalho uma vez que grande parte de seus procedimentos são executados oralmente, dando maior celeridade e economia processual a seus atos.

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Saraiva (2011, p. 37) argumenta que: no procedimento comum (ordinário), em

dois momentos a proposta conciliatória é obrigatória: após a abertura da audiência (art.864 da CLT). Já no procedimento sumaríssimo, estabelece o art. 852-E da CLT que ‘aberta a sessão, o juiz esclarecerá as partes presentes sobre as vantagens da conciliação e usará os meios adequados de persuasão para a solução conciliatória do litígio, em qualquer fase da audiência’.

A legislação processual trabalhista prevê que a conciliação deve ser tentada pelo

juiz, ao dar início à audiência e ao término desta,antes de proferir a sentença, deverá renovar a proposta de conciliação se a mesma não foi admitida no primeiro momento em que foi proposta em audiência. Se houver subtração desta no primeiro momento, pode ser feita no segundo a fim de que não torne a audiência nula, mas deve, necessariamente ser feita ao término da instrução sob pena de a mesma não ser válida tal a sua importância para o direito do trabalho. 2.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O princípio da dignidade da pessoa humana serviu como um dos aspectos fundamentais da doutrina social cristã e a Igreja Católica se pautava por este e outros pontos uma vez que em dados momentos históricos esteve atenta aos problemas sociais que afligiam os trabalhadores e as classes sociais mais oprimidas.

O próprio desabrochar da Encíclica Rerum Novarum se deu em face dessas

preocupações nas quais a igreja se assentava. Na verdade, constitui em um de seus primados básicos este princípio que vem assim apregoado com base em Martins Filho (2009, p. 23) no tocante à esfera do trabalho: a pessoa humana tem uma dignidade essencial, por ser criada à imagem e semelhança de Deus, em igualdade natural entre homem e mulher, estando acima de qualquer outra criatura material, razão pela qual não pode ser tratada como objeto ou mercadoria. Constitui o fim último da sociedade, que a ela está ordenada: não pode ser instrumentalizada para projetos econômicos, sociais ou políticos. Com a evolução da sociedade e a divisão do trabalho em diferentes espécies de atividades, as relações entre aqueles que gerenciam o trabalho e aqueles que são gerenciados podem ser de conflituosidade (luta de classes), mas de concórdia, pois todos são filhos de Deus e gozam da mesma dignidade.

O princípio da dignidade da pessoa humana ganhou uma conotação

constitucional após a Segunda Guerra Mundial e hoje corresponde a um dos princípios basilares ou fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988.

Barros faz uma interessante advertência acerca desse princípio fundamental

(2009, p. 190): “Embora não seja peculiar ao Direito do Trabalho, alguns autores acrescentam a dignidade humana entre os seus princípios. Outros lhe atribuem a natureza de valor universal compatível com certas limitações, e há ainda quem a inclua no rol dos direitos fundamentais”.

O princípio da dignidade é tão essencial no direito que é caracterizado, por

alguns doutrinadores, como o “princípio dos princípios”.

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Nascimento (2010, p. 454) descreve sobre a importância do princípio da

dignidade: “A proibição de toda ofensa à dignidade da pessoa é questão de respeito ao ser humano, o que leva o direito positivo a protegê-la,a garanti-la e a vedar atos que podem de algum modo levar à sua violação, inclusive na esfera dos direitos sociais”.

Hoje, ganha uma conotação bastante importante na medida em que

permeia o direito de uma forma geral tal a sua imprescindibilidade. O princípio da dignidade da pessoa humana está insculpido na Carta Magna em

seu art.1º: “A República tem como fundamento a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político”. Além do que todos os outros princípios devem se assentar neste devido a sua importância, bem como compõe um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Além disso, está presente em vários documentos, tais como: a Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como em outras constituições de outros países como: Alemanha, Espanha, Portugal, Itália, Bélgica.

Acerca deste princípio, Furtado (apud CESÁRIO, 2007, p. 49) escreve: a

dignidade humana residiria, dentre outras, no fato de ele homem, por conta dessa dignidade especial, não poder servir de meio para os outros, mas ao contrário, é fim em si mesmo. (...) Deduz-se, portanto, que devendo o indivíduo agir de tal forma que sua ação venha a ser usada, tanto em relação à pessoa como agente como de qualquer outro, sempre como fim e nunca tão somente como meio.

Com excelência, expõem acerca do princípio da dignidade Morgado e

Gravatá (2007, p. 03): o Direito é apenas um meio para a consecução de um valor. Esse valor é a Justiça. Por sua vez, o direito processual visa apenas a instrumentar a atividade do estado tendente ao cumprimento coativo de norma de direito material supostamente violada. O epicentro de toda a ordem jurídica é a dignidade da pessoa humana, em sua mais ampla acepção. Em torno desse valor supremo, todo o direito gravita, sendo mesmo sua razão de ser.

Nesse sentido, apresentam-se interessantes o estudo e a análise desse

princípio uma vez que o mesmo se mostra orientador de todos os outros princípios, servindo de alicerce para o direito. 2.4 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

Esse princípio encontra guarida no art. 14, II, do CPC. E ele se refere ao fato de que é dever da parte e dos que estão envolvidos na lide o uso de boa-fé no proceder.

Martins Filho (2009, p. 49) orienta que: “A boa-fé é a intenção moralmente reta

no agir, que se supõe na conduta normal da pessoa”. O princípio em análise não pertence apenas ao Direito do Trabalho, mas envolve

todos os outros ramos científicos e está presente no Código Civil em várias situações.

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O princípio da boa-fé está previsto no art.113 do Código Civil (Legislação

Selecionada para a OAB e Concursos, 2012, p. 256), que assim vem transcrito: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.

O princípio da boa fé também encontra-se no Direito Processual Civil em seu

art.14, incisos I a IV, o qual prevê: proceder com lealdade e boa-fé, expor os fatos conforme a verdade, não formular pretensões nem defesa cientes de que estão destituídas de fundamento e não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito (Legislação Selecionada para a OAB e Concursos, 2012, p. 408).

Ele norteia as relações individuais de trabalho como as coletivas e pode estar não

apenas na fase pré-contratual como pode existir na fase pós-contrato, dependendo das cláusulas inseridas no mesmo.

Assim nos esclarece Barros (2009, p. 188): desde a fase das negociações pré-

contratuais, a boa-fé deverá presidir o comportamento das partes. Mesmo antes de o contrato ter sido concluído, as partes devem agir com retidão, conforme os valores éticos e sociais juridicamente protegidos e implícitos nas relações trabalhistas.

Por se tratar o contrato de trabalho de uma espécie de contrato, deve obedecer ao

princípio da boa-fé que é o princípio basilar em qualquer espécie contratual. Como bem expõe Cairo Júnior (2009, p. 106) acerca de sua importância: o

princípio da boa fé (bona fides) tem como pressuposto a existência de uma obrigação e de um direito correlatos, dentro de uma relação jurídica, e deriva da máxima romana neminem laedere, ou seja, da intenção de não lesar ninguém.

O Direito é composto essencialmente por princípios porque servem de

fundamento para toda e qualquer ciência. E este princípio deve servir de norte a todo profissional que atua na área jurídica. 2.5 PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE

Esse princípio se pauta na ideia de que as partes envolvidas na lide devem se basear em suas condutas em atitudes razoáveis, ou seja, que sejam justificáveis. Além disso, pressupõe também a noção de uma conduta que deva ser adequada ao objetivo que se pretende alcançar e, em caso de promover gravame ao destinatário, se faz necessário pôr em pauta até que ponto a mesma é importante e se não haveria outra possibilidade menos gravosa a ser utilizada.

Alexandrino orienta que esse princípio caminha em conjunto com a ideia de

adequação e de necessidade, pois os meios usados devem estar em consonância com os fins desejados e as medidas adotadas sejam verdadeiramente necessárias (1992, p. 34).

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Esse princípio ganha ensejo e relevância quando transportado para situações do cotidiano da lide trabalhista onde empregado e empregadores atuam como sujeitos e, não raras vezes, dessa relação advém conflitos na aplicação, por exemplo, de penalidades que sejam razoáveis e de acordo com a falta cometida.

Como bem esclarece Martins Filho (2009, p. 45): “A conduta das partes deve

fundar-se em motivos racionais e não arbitrários ou carentes de uma justificação razoável.

Corresponde ao uso moderado dos meios na legitima defesa (Direito Penal) e ao

agir do bônus pater famílias (Direito Civil)”. O princípio em debate também é conceituado na doutrina de princípio da

proporcionalidade ou da adequação dos meios aos fins. Não está contido expressamente na Constituição Federal. 2.6 PRINCÍPIO DO IUS POSTULANDI

O princípio em questão é de suma relevância para o direito do trabalho e está pautado no artigo 791, da CLT, no qual prevê a possibilidade das partes, empregado ou empregador estarem em juízo sem a presença de advogado. Não existe dispositivo semelhante na Constituição Federal. Ele tanto pode ser chamado de Ius Postulandicomo Jus Postulandi.

Martins (2010, p. 823), em breves palavras, conceitua o Ius Postulandi:

“O ius postulandié o direito que a parte tem de ingressar em juízo,praticando pessoalmente todos os atos autorizados para o exercício do direito de ação”.

Com base na concepção de Calamandrei (apud SANTOS, p. 380): “é o poder de

tratar diretamente com o juiz, de expor-lhe diretamente os pedidos e as deduções das partes”.

Embora não exista disposição expressa deste princípio na Constituição Federal,

o CPC possui previsão nesse sentido. Uma das previsões desse princípio está contida no art. 36, do Código de Processo Civil (Legislação Selecionada para a OAB e Concursos, 2010, p.392) que vem assim expresso: “A parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado. Ser-lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver”.

Esse princípio, no entanto, assenta-se, sobretudo, na Consolidação das Leis

Trabalhistas e é com base no artigo 791, desse diploma legal, que partem as discussões a respeito do mesmo.

O artigo 791 (Legislação Selecionada para a OAB e Concursos, 2012, p. 897),

em seu parágrafo primeiro, dispõe a respeito do Ius Postulandi: “Nos dissídios individuais, os empregados e empregadores poderão fazer-se representar por

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intermédio do sindicato, advogado, solicitador, ou provisionado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil”.

Interessante ressaltar que esse artigo coloca a possibilidade do Ius postulandi

como uma faculdade da parte e não como uma obrigatoriedade dos empregados ou empregadores ajuizarem uma demanda sem a presença de advogado, até porque ambos podem optar por ter a representação de advogado.

Assim, entende-se que parte desse artigo não mais se adapta à realidade da

Justiça do Trabalho, uma vez que os solicitadores não existem mais e os provisionados estão quase em extinção e o que existe atualmente é a figura do estagiário.

Ademais, Almeida (2009, p. 69) faz nobre esclarecimento sobre o parágrafo

único do artigo 791, no que compete às figuras do solicitador e do provisionado: “A atuação do solicitador, hoje denominado estagiário, e do provisionado, atualmente quase extinto, está sujeita às restrições previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil”.

Faz-se necessário indagar quem seriam os titulares da prerrogativa de postular

em juízo, caso não se faça necessário à utilização do Ius Postulandi. Em nosso sistema brasileiro, caberia tal prerrogativa ao advogado, pois esse é o seu ofício por excelência. E, a respeito dos estagiários, podem fazê-lo desde que “em conjunto com advogado ou sob responsabilidade deste”, conforme discriminado no Estatuto da Advocacia (apud. Legislação Selecionada para a OAB e Concursos, 2012, p. 1038).

É bom reforçar que este princípio tem guarida na Justiça do Trabalho, uma vez

que sua função pauta-se na ideia de facilitar a prestação jurisdicional ao trabalhador, sendo este hipossuficiente em relação ao empregador, sendo permitido, também a ele tal possibilidade, a fim de que seus direitos sociais não sejam mitigados em função do desnível existente na relação empregado/empregador. Na verdade, essa é uma faculdade dada às partes, empregado e empregador, para postularem em juízo sem outorga de mandato ao advogado e, não um ato imposto e obrigatório pela lei.

É bom mencionar a respeito da preocupação do legislador em adequar a atuação

do juiz frente à falta de aptidão técnica das partes quando em juízo. A questão do impulso oficial do juiz foi vislumbrada pela lei nº 5584, de 1970,

que trata dos dissídios de alçada e dá outras providências, especificamente em seu artigo 40, que assim vem transcrito: “Nos dissídios de alçada exclusiva das juntas e naqueles em que os empregados ou empregadores reclamarem pessoalmente,o processo poderá ser impulsionado de ofício pelo Juiz” (Legislação Selecionada para a OAB e Concursos, 2010, p. 1256).

A prerrogativa do Ius Postulandi permite, de certa forma, que o juiz tenha maior

liberdade para atuar no processo, quando uma ou ambas as partes envolvidas na lide se encontrem destituídas de advogado.

Quanto ao aspecto histórico de sua origem, Jorge filho (2009, p. 7) se manifesta

demonstrando aspectos essenciais do surgimento deste princípio: o "jus postulandi" surge através no Decreto nº 1.237 baixado pelo então Presidente Getúlio Vargas, em

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2 de maio de 1939, que organizou a Justiça do Trabalho. O artigo 42 previa que: "O reclamante e o reclamado deverão comparecer pessoalmente à audiência, sem prejuízo do patrocínio de sindicato ou de advogado, provisionado ou solicitador, inscritos na Ordem dos Advogados." Depois houve o Decreto Lei nº 6.596, de 12 de dezembro de 1940, que regulamentou a Justiça do Trabalho, que confirmou essa livre capacidade postulatória das partes, afirmando no seu artigo 90 que: "Os empregados e empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final." Por último, o Decreto Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, que estabeleceu a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que nos seus artigos 791 e 839 que acolheu a linha adotada anteriormente sobre o "jus postulandi", e o manteve na legislação atual e vigente.

O princípio do Ius Postulandi pode ser utilizado somente na instância ordinária,

no âmbito das Varas e dos Tribunais Regionais do Trabalho. Entretanto, se o recurso for encaminhado ao TST, torna-se indispensável e imprescindível a presença de advogado.

O TST manifestou-se a respeito do alcance do Ius Postulandi na Justiça

do Trabalho por meio da súmula nº 425 (Legislação Selecionada para a OAB e Concursos, 2012, p. 2050): “O ius postulandi das partes, estabelecido no artigo 791 da CLT, limita-se às varas do trabalho e aos TRTs, não alcançando a ação rescisória, as cautelares, o mandado de segurança e os recursos para o TST”.

Entretanto, certos doutrinadores, como por exemplo, Sergio Pinto Martins,

manifesta-se defendendo que o Ius Postulandi pode ser ajuizado até o TST. Concepção esta que não ganhou corpo pela maioria dos doutrinadores(2010).

Mostra-se elucidativa a explicação de Saraiva (2011, p. 39) sobre como proceder

na hipótese de recurso para o STF ou STJ: em caso de eventual recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, ou mesmo recurso encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça (para examinar, por exemplo, conflito de competência), também deve ele ser subscrito por advogado, sob pena de o apelo não ser conhecido.

Quanto às pessoas que podem usufruir da prerrogativa do Ius postulandi, pode-

se dizer que só podem postular quem tiver a qualidade de empregado ou empregador. Mais uma vez a lei pecou porque, com a Emenda Constitucional45, de 2004, houve um alargamento da competência trabalhista em função de que uma série de outros tipos de trabalhadores podem ajuizar suas reclamações no âmbito da justiça trabalhista e não apenas os empregados ou empregadores. 3. O PAPEL DAS PARTES E A IMPORTÂNCIA DO ADVOGADO

Sabe-se que o processo desenvolve-se por meio de uma relação de três partes, quais sejam: autor, réu e juiz. Todas as partes têm sua importância dentro do processo cada uma com suas especificidades. Há sempre a parte aciona o aparelho judiciário e a que se submete a tutela jurisdicional. No direito processual do trabalho considera-se parte todas as pessoas que de uma forma ou de outra interagem no

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processo, tais como: os serventuários da justiça, o perito, dentre outros. Esses são importantes para o desenrolar do processo, no entanto, as partes autor e réu/reclamante ou reclamado, como são chamados na Justiça do Trabalho, são a peça fundamental da lide porque o processo só dá início pela atuação de uma parte no chamamento da Justiça quando há lesão ao direito de uma parte ou de ambas partes presentes no processo.

Santos (2012, p. 148) explica sobre os sujeitos processuais: os sujeitos

processuais podem ser imparciais (peritos, escrivão, juiz e Ministério Público, quando atua como custos legais) ou parciais (autor, réu e terceiros intervenientes), porquanto interessados no desfecho da demanda.

Ao se falar sobre a capacidade das partes, é preciso salientar que no direito

processual existe a capacidade processual e a capacidade de direito. A capacidade processual é a possibilidade que o indivíduo tem de ingressar em juízo. A capacidade de direito é a habilidade que uma dada pessoa tem de fazer com que seus direitos sejam respeitados.

No âmbito do Direito Processual, não raro acontece de haver harmonia

entre a capacidade processual e a capacidade de executar os atos da vida civil preconizados no Código Civil.

Além dessas, há a capacidade postulatória. Postulação é no dizer de De Plácido e

Silva, do latim postulatio, que significa a ação de postular e pressupõe o ato de acessar a prestação jurisdicional do Estado (2008, p. 1069). A capacidade postulatória quer significar a aptidão para executar os atos processuais. Essa capacidade é privativa, ou seja, reservada ao advogado. Ao advogado é dada a faculdade da assistência e da representação das partes. E aquele que não tiver habilitação para realizar atos que cabem especificamente ao advogado só os pode realizar em conjunto com advogado ou sob a supervisão deste. Esclarecendo sobre as diferenciações entre a capacidade postulatória em Direito processual Civil e em Direito do Trabalho, merece menção o seguinte esclarecimento de Romar (2008, p. 72-73): em relação à capacidade postulatória o Processo Civil e o Processo do Trabalho adotam princípios legais antagônicos:o primeiro reserva a capacidade postulatória ao advogado(CPC, art.36), enquanto o último, embora permita a representação processual por meio de advogado, confere a capacidade postulatória a empregado e a empregador, caracterizando o jus postulandi (CLT, 791).

Assim, em processo civil a capacidade postulatória restringe-se aos advogados

devidamente inscritos na OAB e, em Direito do Trabalho, esse conceito toma diferentes dimensões uma vez que a CLT permite que empregados e empregadores acompanhem o processo sem a presença de advogado, que é o caso do jus postulandi, objeto de nosso estudo.

Ainda conforme Romar (2008, p. 74), que faz interessante colocação sobre a

capacidade postulatória: importante ressaltar que a faculdade atribuída pelo art.791 da CLT é restrita às partes (empregado e empregador), o que equivale a dizer que terceiros que ingressarem no processo não têm capacidade postulatória.

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Entretanto, como retrata o estudo em questão nessa obra, há a possibilidade do jus postulandi na Justiça do Trabalho, ou seja, a condição de postular sem a presença de uma pessoa com qualificação técnica, no caso, a de advogado. É sabido que existem situações onde prescinde a presença desse profissional habilitado. É o caso dos juizados especiais civis, abarcados pela Lei 9.099/95, que regulamentou o art. 98, I, da Constituição Federal, nas causas compreendendo até 20 salários mínimos. Além do caso, em especial, do habeas corpus onde não se faz necessário o ajuizamento dessa ação por meio de advogado. Há também a previsão do ius postulandi na Justiça Federal, regido pela lei 10.259/2001 na qual é dispensável a presença de advogado nas causas de até 60 salários mínimos.

É o que expõe Lôbo (2013, p. 32) em seu parecer acerca da ausência de defensor

na Justiça Federal nas ações de natureza civil: perante os juizados especiais federais, em processos de natureza cível, as partes podem comparecer pessoalmente em juízo ou designar representante, advogado ou não, desde que a causa não ultrapasse o valor de sessenta salários mínimos (art. 3º da Lei 10.259/2001) e sem prejuízo da aplicação subsidiária integral dos parágrafos do art.9º da Lei 10.259/2001).

A importância do advogado é cabal dentro do processo, seja nas ações civis, seja

no âmbito da Justiça do Trabalho onde a exigência se mostra essencial uma vez que envolve com direitos fundamentais da pessoa humana. Na verdade, lidar com os trâmites processuais nessa área não é nada fácil porque é preciso ter conhecimento não apenas jurídico, mas também técnico porque nesse campo são, hoje, o ajuizamento das ações e os encaminhamentos dos processos realizados por meio eletrônico devido à informatização da Justiça do Trabalho.

Nascimento (apud JORGE FILHO, 2009, p. 12) faz interessante observação

acerca dessa problemática questão da dispensabilidade do advogado na Justiça do Trabalho: o processo é uma unidade complexa de caráter técnico e de difícil domínio, daí porque o seu trato é reservado, via de regra, a profissionais que tenham conhecimentos especializados e estejam em condições de praticar os atos múltiplos que ocorrem durante o seu desenvolvimento. A redação de petições, a inquirição de testemunhas, a elaboração de defesas, o despacho com o juiz. O modo de colocação dos problemas exige pessoa habilitada, sem o que muitas seriam as dificuldades a advir, perturbando o normal andamento do processo. Em consequência, as manifestações das partes no processo, desde tempos remotos, são confiadas a profissionais denominadas procuradores, ou defensores, ou advogados, além de seus auxiliares, que são os estagiários, antigamente denominados solicitadores.

Ao se abordar sobre o Ius Postuland, nos vem à mente a questão da importância

do advogado dentro da seara jurídica, sobretudo no âmbito do Direito Trabalhista. Esse é um profissional liberal que tem no seu ofício o papel de adequar uma situação ao caso concreto, por meio de seus conhecimentos jurídicos. Além de ser um múnus público a profissão do advogado.

LUZ esclarece sobre a missão do advogado (2003, p. 21): a palavra advogado

deriva do latim ad-vocatus, que é o chamado em defesa. Assim, com fundamento na história e na própria etimologia, é possível definir o advogado como aquele que é chamado para defender uma causa ou uma pessoa, buscando mais a realização da justiça do que os honorários, embora estes lhe sejam legalmente devidos.

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Na verdade, o advogado é considerado como ferramenta principal e

indispensável para a concretização da justiça devido à previsão contida no texto constitucional, em seu artigo 133, bem como pelo estatuto da advocacia que também reforça essa tese da imprescindibilidade desse profissional na lide processual. Em casos especiais, como no Ius Postulandi, admite-se postular em juízo sem a representação desse profissional.

Neste instante, remeto-me ao glorioso trecho da obra: Luta pelo Direito(2000, p.

55) a fim de clarear sobre a importância do advogado, no qual vem assim transcrito: a profissão de advogado é uma luta permanente: luta para defender uma pessoa ou um direito, luta para fazer respeitar um princípio, luta para obstar a um arbítrio, luta para desmascarar uma impostura, luta, por vezes, para atacar um potentado que abusa de seu poderio.

Silveira aborda acerca da difícil compreensão do papel do advogado na

sociedade atual e da complexa interação deste com os funcionários do Poder judiciário de uma forma geral. Além desses aspectos, fala sobre a missão do advogado assim se pronunciando sobre o tema (1999, p. 27-28):

A missão do advogado é das mais nobres.Exige competência, dignidade,

honradez e bravura moral da parte de quem se propõe a desempenhá-la. Às vezes toca às raias do sublime essa missão, quando visa à defesa dos fracos, quando é exercida gratuitamente em prol do direito de pessoas miseráveis, quando traduz a irrestrita dedicação à causa da liberdade e da democracia.Como quer que seja, é sempre nobre essa profissão, cujo exercício outra coisa não visa senão a fazer triunfar o direito, a verdade e a justiça.

Assim, diante do exposto, percebe-se o quanto o advogado se mostra

imprescindível para acionar o aparelho judiciário e no seu andamento, sobretudo no que compete à Justiça do Trabalho e na possibilidade inócua do Ius Postulandi nesse campo do conhecimento. 4 ALGUNS PONTOS IMPORTANTES SOBRE O IUS POSTULANDI

A problemática do surgimento constante de novas leis e do conflito que existe entre algumas leis que são postas no ordenamento jurídico é o caso típico do Princípio do Ius Postulandi, que se confronta com a Carta Magna e com outras leis infraconstitucionais.

Esse princípio tem sido objeto de debates e conflitos na doutrina e

jurisprudência, sendo questionada a sua existência no mundo jurídico, principalmente depois da constituição de 1988 na qual previu a indispensabilidade do advogado, em seu artigo 133, confrontando-se com o princípio em questão: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (BRASIL, 2007, p. 81).

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Sem dúvida que o art. 133 da Carta Magna, de certa forma, veio corroborar a questão da indispensabilidade da figura do advogado às lides trabalhistas. Entretanto, essa previsão constitucional ensejou conflito sobre a pertinência do Ius Postulandi na Justiça do Trabalho.

O Ministro Orlando Teixeira da Costa discorre sobre como se mostra delicada a

posição do advogado: “[...] o art.133 da Constituição de 1988 deve ser interpretado no sentido de que a expressão – ‘o advogado é indispensável à administração da Justiça’ – reserva a esses profissionais uma condição de servidor da Justiça e não de monopólio para que se tenha acesso a ela” (apud PINTO, 1988, p. 193).

Ademais, com o advento da Lei nº 8.906, de 1994, ou seja, do novo Estatuto da

Ordem dos Advogados do Brasil, a doutrina pugna pela inexistência e ineficácia desse princípio na justiça do trabalho na qual prevê a possibilidade de postulação a qualquer órgão do poder judiciário e aos juizados especiais como atividade privativa de advocacia. A única exceção à regra é o caso do habeas corpus.

Em função das acirradas discussões que o Estatuto da OAB projetou, por prever

em seu art.1º, I, que: a presença do advogado seria necessária “a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais”, acabou trazendo debates sobre várias partes dessa lei sobretudo no tocante ao Ius postulandi devido as incongruências trazidas no bojo dessa lei a respeito deste tema (Legislação Selecionada para a OAB e Concursos, 2010, p. 1079).

A discussão maior que se trava em torno do tema não se refere a sua vigência no

mundo jurídico, mas ao fato de sua pertinência e eficácia nos dias atuais. Rebatendo o parecer dado pelo STF, Saad (2010, p. 1045) assim perquiriu: dizer

que esse profissional deve estar presente em todos os órgãos do Poder Judiciário, acusando ou defendendo e, ao mesmo tempo, dizer que ele é prescindível nos feitos de competência dos Juizados das Pequenas Causas e da Justiça do Trabalho – não é cultivar os princípios basilares da lógica jurídica.

Nesse contexto, o STF suspendeu vários dispositivos regulados pelo Estatuto da

Advocacia, dentre eles, vale ressaltar a previsão da obrigatoriedade da presença de advogado nas lides envolvendo família, nas pequenas causas e no que diz respeito às demandas trabalhistas.

Oliveira (2000, p. 630) faz importante comentário acerca do tema, apontando

que o problema da permanência ou não do Ius postulandi na seara trabalhista é: “(...) perseguido de forma ferrenha pelos advogados que veem na justiça do trabalho uma ilha de evasão de verba honorária”.

Entretanto, outro tanto de doutrinadores propugnam pela presença do Ius

postulandi na Justiça do Trabalho, como Valentin Carrion, Orlando Teixeira da Costa, Floreano Correa Vaz da Silva, José Augusto Rodrigues Pinto, dentre outros, encabeçaram tal tese.

Valentim Carrion apontou que a dimensão do texto constitucional objeto

de conflito com o princípio do Ius Postulandi não merece ser analisado em

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dimensão tão profunda a ponto de revogar esse princípio. E Teixeira da Costa defendeu que: a expressão ‘indispensável à administração da justiça’, não assegura aos advogados nenhum monopólio e nenhum cerceio a qualquer pedido de prestação jurisdicional da própria parte, assegurado, por exceções legais à regra geral publicista, de que o Ius postulandi compete ao advogado...elevado à dignidade de ‘servidor da justiça (apud. ALMEIDA, 2009, p. 70).

No mesmo sentido de não extinção do ius postulandi, caminhou a jurisprudência

com a publicação da ADI 1.125 e com a edição da súmula 425 do TST. Além disso, a jurisprudência manifestou-se através da Súmula nº 329,

confirmando a presença do Ius Postulandi no seio da Justiça do Trabalho uma vez que não se faz necessária a condenação em honorários sucumbenciais só na situação da parte estar representada por sindicato.

Outrossim, Carrion (2010, p. 664) faz nobre dissertação acerca da viabilidade

deste instituto, objeto de nosso estudo, no âmbito da Justiça do Trabalho: sempre foi da tradição do Direito Processual do Trabalho poderem, empregado e empregador, postular e defender pessoalmente seus direitos, independentemente da assistência dos profissionais do Direito, devendo ser destacado que, mesmo antes da atual Constituição prescrever a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça (art.133), idêntica norma já existia na legislação infraconstitucional(art.62 da Lei n.4.215, de 27.4.63 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), e nem por isso entendeu-se que fora revogada a norma consolidada (art.791).

Por isso mesmo, ao elevar ao nível constitucional o princípio que consagra a

indispensabilidade do advogado à administração da justiça, o constituinte não pretendeu, por certo, extinguir o ius postulandi das partes no Judiciário Trabalhista, visto que condicionou sua aplicação “aos limites da lei” (art.113 parte final), o que autoriza a conclusão de que, enquanto não sobreviver norma federal dispondo em sentido contrário, a subsistência do art.791 da CLT, que é federal, revela-se compatível com a nova ordem constitucional (TST, RR 478.885/98.4, Milton de Moura França, Ac.4a T.).

Diante do exposto, mostra-se evidente a existência deste princípio na seara

laboral trabalhista e se faz interessante analisar as inúmeras questões que envolvem o Ius Postulandi, dentre elas, saber até que ponto esse instituto, se assim podemos caracterizar, tem sido instrumento ensejador de Justiça, em consonância com a essência primeira de seu surgimento ou se, ao contrário de seu objetivo maior, tem dificultado o acesso justo em igual nível de oportunidades na relação entre empregado versus empregador.

Além dessa discussão teórica, também se assenta uma questão bastante delicada,

que é consoante à Emenda Constitucional nº 45/2004, regulamentada pelo artigo 114, da Constituição Federal, na qual alargou a atuação da justiça do trabalho sobremaneira, de forma a afetar a eficácia do Ius Postulandi atualmente.

A partir do momento em que se aumenta a abrangência do campo de atuação do

Direito do Trabalho não mais apenas a relação empregado e empregador, mas a outros

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tipos de trabalhadores, muito se deve discutir sobre a viabilidade desse instituto nos dias de hoje.

Na verdade, não se sabe ao certo até aonde vai a competência material da Justiça

do Trabalho no que diz respeito ao art. 114 da Constituição Federal, uma vez que, em seu próprio texto, pressupõe que a justiça do trabalho tem competência para os feitos e até mesmo de outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, sem especificar quais sejam elas.

Assim, quem não se enquadra na relação empregado ou empregador não é

permitido postular desacompanhado de advogado uma vez que a CLT regulamentou esse tema dessa forma e a Emenda contrapôs-se à medida que aumentou a competência da Justiça do Trabalho, ampliando, desse modo, o leque dos que podem ajuizar ação representados por advogado.

Godeguesi (2009, p. 42), esclareceu que, embora haja pensamentos defendendo

não ter havido mudança com o advento da emenda, só no que toca à terminologia, outros já agasalham a ideia diametralmente oposta a essa e, após, sintetiza interessante argumento: “(...) a doutrina e a jurisprudência majoritárias apontam no sentido de que houve, de fato, alargamento da competência e consequente diversificação dos tipos de assunto que esse ramo do Judiciário passou a discutir”.

É de se ressaltar, ainda, na especificidade e a especialização cada vez

mais crescente que esse campo de conhecimento tem adquirido. Aponta Oliveira (2000, p. 630) a seguinte assertiva: o Direito do Trabalho

constitui hoje, seguramente, um dos mais, senão o mais dinâmico ramo do Direito e a presença do advogado especializado já se faz necessária. Exigir-se de leigos que penetrem nos meandros do processo, que peticionem que narrem fatos sem transformar a lide em desabafo pessoal, que cumpram prazos, que recorram corretamente, são exigências que não mais se afinam com a complexidade processual, onde o próprio especialista, por vezes, tem dúvidas quanto à medida cabível em determinados momentos.

Outra problemática é no que diz respeito aos honorários sucumbenciais na seara

trabalhista na situação da prerrogativa do Ius Postulandi. A respeito dos honorários sucumbenciais, orienta De Plácido e Silva (2008,

p. 1345) que: “consiste em atribuir à parte vencida na causa a responsabilidade por todos os gastos do processo. Assenta-se na ideia fundamental de que o processo não deve redundar em prejuízo da parte que tenha razão”.

É interessante frisar que houve época em que os honorários da parte

vencida ficavam para a parte vencedora, mas hoje essa situação se transformou em função do Estatuto, tornando-se direito indisponível.

A respeito do Estatuto da Advocacia, Lôbo (2002, p. 134) procede a seguinte

orientação: o Estatuto inverteu radicalmente a titularidade desses específicos honorários, a saber, da parte vencedora para seu advogado. Com efeito, mudou o fundamento e a natureza dessa condenação, deixando de ser indenização das despesas despendidas

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pela parte vencedora para consistir em parte da remuneração de seu advogado, cujo ônus é imputado à parte vencida.

Os honorários da sucumbência, à luz da Lei n. 8.906/94 (arts. 22 e 23), já

não mais constituem despesa processual que ao vencido incumbe ressarcir ao vencedor da ação.

Coerente com esse pressuposto básico, aplicável aos advogados em geral,

disposição especial do Estatuto assegura que “os honorários da sucumbência são devidos aos advogados empregados” (art. 21) nos processos em que é parte seu empregador (...). (SUSSEKIND, et al., 1995, p. 938).

Entretanto, na Justiça do Trabalho, os honorários sucumbenciais são

condicionados por dois fatores determinantes, como menciona Jorge Filho (2009, p. 14): os honorários de sucumbência na Justiça do trabalho, não resultam da sucumbência, mas sim em razão da parte ter sido assistida por sindicato e receber salário inferior a duas vezes o mínimo legal ou estar sem condições financeiras de requerer em juízo, pois caso o faça, este comprometerá a sua sobrevivência ou de sua família.

As partes têm liberdade de negociação a respeito da divisão dos

honorários sucumbenciais, mas é preciso que seja realizado com base nas estipulações postas pelo sindicato da categoria.

Tendo em vista que os honorários sucumbenciais nem sempre resultam,

para o derrotado na lide, o pagamento de todas as despesas processuais ao vitorioso, inclusive o pagamento de advogado, pois está condicionado a outros fatores. Diante disso, Jorge Filho (2009, p. 14) esclarece sobre a inviabilidade desse instituto: todo esse acontecimento tem influência no final do processo, tendo em vista que a sucumbência não implica no pagamento dos honorários à parte vencedora. Isso é terrível quando se pensa que o reclamante, ao ganhar a lide, ainda é obrigado a retirar uma parte do que lhe é legítimo para pagar os honorários advocatícios do seu patrono.Tudo isso quer dizer que o reclamante(vencedor) é duas vezes prejudicado, porque teve o que lhe era devido após uma disputa judicial, e mesmo assim não houve uma reparação íntegra, sendo que arca com custos de uma lide que não deu motivo.Caracterizando-se assim uma verdadeira afronta aos direitos do reclamante, demonstrando assim a inviabilidade do “jus postulandi”.

A questão da sucumbência tem previsão legal no artigo 20 do Código de

Processo Civil e implica o pagamento do vencido das despesas processuais ao vencedor da demanda judicial. Entretanto, na seara trabalhista ganha contornos distintos daquela.Na verdade, esse princípio da sucumbência está estreitamente ligado ao Ius Postulandi porque implica que o vencedor nem sempre irá receber pela vitória conquistada na lide.Pode ocorrer, não raro, de a parte vencedora ter que dividir com a outra parte o que lhe é de direito.Entretanto, tramita no Congresso o Projeto de Lei nº 3392/2004, proposto pela deputada Dra. Clair, o qual estende os honorários sucumbenciais aos advogados que militam na Justiça do Trabalho, modifica alguns artigos da CLT, bem como propõe a imprescindibilidade desse profissional e estabelece algumas regras para se implantar efetivamente os honorários advocatícios na seara trabalhista.

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Ao se tocar no papel do advogado, remetemo-nos a alguns pontos relevantes

para este estudo. Sabe-se quão o advogado é peça fundamental na administração da justiça,

uma vez que sua relevância se mostra visível não só no Estatuto como no Código de ética da OAB, assim como preconiza a nossa Carta Magna em seu artigo 133. Daí se inferir que não sem razão de ser decorre desse fato o princípio da indispensabilidade do advogado em grande parte dos feitos na seara trabalhista.

Em se tratando da assistência judiciária, que deve ser organizada e mantida

pelos Estados, com previsão legal consagrada no texto Constitucional, em seu artigo 5º, inciso LXXIV (Legislação Selecionada para a OAB e Concursos, 2010, p. 10), assim redigido: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Essa tem a finalidade de fazer com que todas as pessoas pudessem ter acesso ao judiciário, sem distinção”.

Segundo Pierre (2008, p. 11): a assistência judiciária envolve o patrocínio

gratuito da causa por advogado. É, pois um múnus público, consistente na defesa do assistido, em juízo, que deve ser oferecido pelo Estado, mas que pode ser desempenhado por entidades não estatais, conveniadas ou não com o poder público.

Está presente também na lei 5.584/70, no artigo 14 e parágrafos seguintes, em

que trata mais especificamente da assistência judiciária na Justiça do Trabalho. Essa lei orienta que esse serviço será executado pelo sindicato do empregado e será oferecido para quem recebe igual ou abaixo de dois salários mínimos ou a todo aquele que, mesmo recebendo valor superior, não tem condições de arcar com tal responsabilidade sem afetar suas mínimas condições de sobrevivência por meio do sustento seu ou de sua família.

Além disso, a lei 1060/50 também veio esclarecer sobre a assistência judiciária,

embora no seu texto trate especificamente não da assistência judiciária, mas da justiça gratuita. Além de conter uma previsão na CLT, em seu artigo 790, parágrafo terceiro (2010, p. 953), o qual prevê: é facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho, de qualquer instância, conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.

Diante disso, se faz imprescindível compreender que o Ius postulandi está

presente no mundo jurídico embora tenha ensejado sérias discussões teóricas a esse respeito, bem como caminha o projeto de lei nº 3392/2004 propugnando pela extinção do Ius postulandi e defendendo a aplicação da sucumbência na justiça do trabalho sem as restrições outrora já expostas para a aplicação efetiva do mesmo. 5 A PROBLEMÁTICA DO IUS POSTULANDI

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Sabe-se que, com o desenvolvimento da ciência de uma forma geral, demanda maior grau de estudo e conhecimentos mais específicos. Assim também acontece com o Direito, pois cada vez mais se exige uma formação mais especializada em áreas específicas desse campo de conhecimento, como acontece, também,com o Direito do Trabalho.

Até mesmo para se debater sobre um princípio, no caso em epígrafe o Ius

Postulandi, muito se levanta sobre correntes de pensamento distintas, bem como o papel da jurisprudência e os julgados dos tribunais que também fazem ciência.

Nesse sentido, o fato de a prerrogativa do Ius Postulandi ter sido inserida

no ordenamento jurídico na década de 1940, era perfeitamente cabível naquele contexto histórico, uma vez que muito dos procedimentos processuais eram mais simples e de fácil manuseio pelo leigo, servindo efetivamente como real instrumento para a efetivação da justiça, buscando igualar as condições entre empregado e empregador nos pretórios trabalhistas. Atualmente, o Direito do Trabalho ganhou uma nova roupagem, com contornos bastante distintos daquela época e tem suscitado, pelo dinamismo com que caminham muitos problemas e questões mais complexas a serem analisadas pelos estudiosos e pelos tribunais.

Além disso, o Direito do Trabalho não se assenta apenas na CLT ou na

Constituição, mas em inúmeras leis esparsas, bem como Instruções Normativas, Regulamentos, Acordos ou Convenções Coletivas que ora dão uma nova versão a determinados assuntos conflituosos do Direito, sendo que não prevalece a CLT se a lei posterior, devidamente regulamentada, propiciar melhores condições ao trabalhador.

Outro ponto a ser analisado é que assim como muitas outras áreas sofreram

profundas transformações materiais e procedimentais, o mesmo aconteceu com o Direito do Trabalho exigindo-se mais conhecimento e mais técnica para se engendrar a lide trabalhista.

Hoje não é fácil manusear processos, compreender termos que fazem parte da

linguagem técnica do Direito, lidar com prazos, engendrar recursos e outros tantas possibilidades, que até mesmo mostra-se, algumas vezes, difícil para o advogado descobrir o caminho adequado a ser percorrido, a fim de não acarretar lesão ao direito de outrem. Até mesmo porque se lida com o salário do trabalhador, que é fundamental elemento de sua subsistência, instrumento de sua dignidade.

Assim, pode-se dizer que a prerrogativa do Ius Postulandi se mostra em

desacordo com os novos tempos e implica uma situação injusta para quem busca esse desiderato por uma serie de fatores a seguir expostos.

O primeiro, em função de que não tem contribuído na atual conjuntura para

a efetivação dos direitos sociais, uma vez que pleitear, na seara trabalhista, sem o intermédio do advogado é o mesmo que buscar um objetivo irrealizável. Além disso, o próprio dispositivo que prevê essa possibilidade de postulação, sem a presença de advogado, está sendo discutido no Senado a sua extinção em função da imprescindibilidade do advogado na seara trabalhista.

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Segundo, porque o Ius Postulandi tem seu foco voltado para a relação empregado / empregador, que era peculiar a competência da Justiça do Trabalho, mas, hoje, em função do alargamento da competência da Justiça do Trabalho para outras relações que não apenas esta, o referido princípio se mostra em desacordo com as novas alterações legislativas, que vão sendo reelaboradas de acordo com os anseios da sociedade.

Terceiro ponto, os honorários sucumbenciais não são aplicados na justiça do

trabalho e espera-se que o mesmo seja implantado o mais rápido possível, estendendo aos advogados trabalhistas os mesmos direitos contidos em outras áreas, pois o Ius Postulandi embora contendo acirradas discussões acerca de sua viabilidade ainda vigora em nosso ordenamento.

O quarto aspecto diz respeito à importância fundamental do advogado, sobretudo

no Direito do Trabalho, uma vez que os direitos sociais do empregado, que é o mais desprotegido da relação, em razão da desigualdade financeira e social deste em relação ao empregador, não podem ser mitigados pela ausência deste profissional na lide. E, diante disso, não se mostra consoante à Justiça, mas obstáculo a ela permitir que o empregado faça o papel deste e sofra lesões nos direitos que lhe compete, uma vez que o papel central do advogado volta-se para a concretização da Justiça. 5.1 O IUS POSTULANDI: SUA EFICÁCIA E EFETIVIDADE NOS DIAS ATUAIS

O instituto do Ius postulandi surgiu com o objetivo de minimizar as desigualdades dos empregados em relação aos empregadores, face aos grandes níveis de exploração do trabalhador economicamente mais fragilizado na relação trabalhista. Embora se saiba que esse instituto permite a postulação tanto do empregado como do empregador aos pretórios trabalhistas sem a constituição de procurador devidamente constituído. Isso implica a possibilidade dada às partes (reclamante e reclamado) envolvidas na lide de praticarem todos os atos processuais sem a presença de advogado.

É fato que a própria constituição federal tenha previsto a indispensabilidade

desse profissional em seu art. 133, embora se saiba que existem situações nas quais não se faz necessária a outorga do mesmo, como na impetração do habeas corpus e no caso do Juizado de Pequenas Causas Civil e no Juizado especial federal, nas ações de caráter civil, bem como na possibilidade do Ius Postulandi, que se encontra arribado no art. 791 da CLT e também disposto no art. 839 desse mesmo diploma legal.

Ao se abordar sob sua efetividade, ou seja, se o mesmo está realmente embutido

na lei, pode-se dizer que o mesmo está efetivamente fazendo parte da seara trabalhista porque ainda está em vigência no ordenamento jurídico mesmo diante de vários debates teóricos a esse respeito. Apesar de tramitar no Congresso o Projeto de Lei n 33/2004, que trata da sucumbência e estabelece os honorários sucumbenciais na Justiça do Trabalho e ainda prevê a indispensabilidade da figura do advogado.

Mesmo diante dessas discussões e do projeto de lei nº 33/2004, mostra-se

interessante o parecer de Mildenberger (2008, p. 01): o referido princípio é um dos

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temas em voga dentro da Justiça do Trabalho, e um dos mais controvertidos, principalmente com relação à posição do advogado em um processo onde se tenha levado em conta o referido princípio, bem como o andamento e a conclusão do mesmo, sendo sua extinção uma reivindicação da classe dos advogados e uma proposta possível na Reforma do Poder Judiciário.

Diante dessa possibilidade, vem-nos à mente a seguinte indagação: o Ius

Postulandi, na Justiça do Trabalho, tem contribuído para o acesso à Justiça? Essa indagação se mostra atual uma vez que os moldes em que esse instituto se

assenta nos dias atuais ganhou novos contornos, que diz respeito não só a permitir ao litigante desconstituído de procurador consiga ter acesso aos pretórios trabalhistas, mas também no que diz respeito a sua eficácia no mundo jurídico.

Dinamarco (apud GHODEGUESI, 2009, p. 69) faz apontamentos acerca do que

realmente seja o significado de acesso à justiça: acesso à justiça não equivale a mero ingresso em juízo.A própria garantia constitucional da ação seria algo inoperante e muito pobre se se resumisse a assegurar que as pretensões das pessoas cheguem ao processo, sem garantir-lhes também um tratamento adequado.É preciso que as pretensões apresentadas aos juízes cheguem efetivamente ao julgamento de fundo,sem a exacerbação de fatores capazes de truncar o prosseguimento do processo, mas também o próprio sistema processual seria estéril e inoperante enquanto se resolvesse numa técnica de atendimento ao direito de ação, sem preocupações com os resultados exteriores.

O fato de o desassistido atuar e demandar sem conhecimento de causa e sem

representação, pressupõe mitigar uma série de direitos que o leigo não consegue instrumentalizar pela falta de habilidade técnica e conhecimento. O primeiro desses direitos a ser mitigado numa relação ímpar, por exemplo, é o devido processo legal porque não raro a pessoa que pretende engendrar uma ação desconhece os procedimentos processuais necessários e pode perder uma ação por não saber manusear o processo diante dos inúmeros procedimentos indispensáveis dentro do processo. Outro princípio é o da dignidade da pessoa humana, por permitir o Ius postulandi que, a pessoa que está sem mandatário constituído e sem o conhecimento da lei para manuseá-la possa ver seus direitos serem perdidos.

Arnaldo Sussekind (apud GHODEGUESI, 2009, p. 71) manifesta-se no sentido

de que o Ius Postulandi teria plena razão de ser, se não houvesse tido tantas transformações no Direito do Trabalho como as atuais, mas tal possibilidade resulta em profunda desigualdade entre aquele que se encontra sem o auxílio de advogado.

A possibilidade de utilização do Ius Postulandi tem seus aspectos positivos

e negativos. Quanto aos aspectos positivos, primeiro ponto diz respeito ao fato de que esse

surgiu com nobre intento, pois a preocupação central desse instituto pauta-se na ideia de permitir uma igualdade substancial na relação processual entre empregado e empregador, tendo em vista a hipossuficiência econômica do trabalhador em face do empregador.

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Outra questão diz respeito ao fato de que a utilização desse princípio nos pretórios trabalhistas é a concretização do princípio da norma mais favorável ao trabalhador porque este, sem dúvida, tem menos condições de arcar com as despesas de um profissional habilitado.

Entretanto, ao se focar nos pontos negativos da questão, muito se tem a discorrer

a respeito. O fato de esse instituto propiciar maior liberdade ao juiz para dar impulso

ao processo estando a parte desacompanhada de advogado não parece boa ideia, porque ao juiz não cabe litigar interferindo no andamento do processo em favor dessa ou daquela parte.

É fato que a CLT surgiu em 1943 e, dessa data até hoje, muitas leis surgiram

contrapondo-se a esse instituto, tais como o Código Civil, o Estatuto da OAB e a Constituição Federal como anteriormente explanou-se acerca desses pontos. A Constituição Federal de 1988 previu no art. 133 a indispensabilidade do profissional da advocacia para a consecução da Justiça. Embora não seja a regra absoluta uma vez que condicionou essa possibilidade “aos limites da lei”. E, com ele, assentou-se severa discussão sobre a inconstitucionalidade do dispositivo no qual se baseia o Ius Postulandi e, com ela, a sua permanência na Justiça do Trabalho. Entretanto, hoje se mostra pacífica a opinião de sua existência no mundo jurídico, ele existe efetivamente porque ainda não foi revogado, embora a sua eficácia esteja comprometida em função de uma série de fatores abaixo arrolados.

Na verdade, esse princípio fere o contraditório, a ampla defesa e o devido

processo legal, uma vez que essa se mostra pela possibilidade de interagir-se no processo, participando, defendendo-se com base nos instrumentos processuais disponíveis, bem como no uso adequado desses meios. Como atuar na prática trabalhista e se defender se não se tem o conhecimento jurídico material e nem processual para tal.

Embora o princípio em estudo corrobore a noção de que não existe

obrigatoriedade plena de postular com a presença obrigatória do advogado, pois existem situações de exceção à regra, bem como momentos como o desse instituto, no qual se pode utilizar dessa prerrogativa, como o próprio STF admitiu e a lei possibilita tal intento. Isso não significa contradizer os postulados constitucionais, mas buscar muitos deles no decorrer do caso concreto.

Além disso, a norma em debate se mostra em descompasso com a Emenda

Constitucional nº 45 de 2004, pois o ius postulandi abarca apenas empregados e empregadores, mas a referida emenda ampliou a competência da Justiça do Trabalho para outros sujeitos processuais, mostrando o quanto esse instituto encontra-se desatualizado frente às alterações legislativas.

A questão crucial desse instituto pauta-se na consecução do acesso à justiça e

isso implica dizer que o sistema deve ser, necessariamente, um meio que permita o acesso de todos, sem discriminação. E, também, refere-se ao fato de propiciar consequências justas para todos os envolvidos na relação processual, pois a questão da

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justiça social implica pensar não apenas o acesso à justiça mas que os envolvidos possam ter garantidos direitos constitucionais basilares.

Quanto à questão do acesso à justiça, Coelho (apud MILDENBERGER, 2008,

p. 54) elabora a seguinte crítica: o Jus Postulandi é a maneira mais sórdida de se negar acesso à justiça, principalmente na Justiça Laboral, onde apesar da crença popular, os direitos não são tão conhecidos e os meandros processuais são completamente ignorados pela grande massa da população.Será mesmo que um trabalhador da construção civil tem condições reais de impugnar documentos, se é que este entende o sentido da palavra impugnar.As diferenças socioculturais são um divisor de águas entre empregados e empregadores, imagine então a diferença entre advogado trabalhista experiente e empregador!O legislador da CLT e até mesmo Getúlio Vargas nunca imaginaram que a Justiça do Trabalho chegaria à complexidade e ao volume de processos que hoje encontramos, e como alguns historiadores críticos apontam o próprio Getúlio teria concebido a Justiça do Trabalho para não funcionar, seria uma espécie de jogo meramente populista.

E de certa forma deu certo, porque se do lado normativo o trabalhador

encontra-se de todas as formas possíveis e imagináveis protegido, do lado processual foi abatido pelas pernas, impossibilitado de caminhar.As políticas públicas jamais manifestaram qualquer intenção em educar o cidadão de seus direitos sociais (especialmente trabalhistas), nem mesmo tenho conhecimento de Organizações Não governamentais que tenham este objetivo, se combate tudo neste país, menos a desinformação em relação aos direitos trabalhistas, basta afirmar que ainda temos escravidão no Brasil (minas de carvão, corte de cana etc.).

Não podemos insistir em modelos falidos e nem por preciosismo ideológico

manter uma estrutura que não satisfaz o ideal de uma sociedade justa e igualitária, porque do contrário estaremos contribuindo para o ‘direito de papel’, de Ferdinand Lassale, ser a marca da nossa democracia recém-nascida.Neste contexto podemos afirmar serem dois os interessados na manutenção do jus postulandi:o grande capital e empresariado e os governos comprometidos com este capital, quer por financiamento em campanha eleitoral, quer por compactuar ideologicamente com a exploração do trabalhador a despeito das normas trabalhistas. Precisamos pensar a que custo o Brasil atrairá o capital estrangeiro e que tipo de emprego e de empregador queremos abraçar em nossa sociedade. Fica a reflexão.

Outro ponto é que o Direito do Trabalho, como toda e qualquer ciência,

se desenvolveu e criou outras leis e esse princípio ganhou nova configuração, tornando-se cada vez mais dinâmico e complexo atuar nessa área, demandando a presença de advogado com formação cada vez mais especifica e aperfeiçoada. Além disso, com a informatização dos processos, ficou ainda mais complicado demandar na Justiça do Trabalho.

Sem dúvida, a falta da presença de um advogado habilitado na seara trabalhista

causa enorme prejuízo ao empregado, tendo em vista que este é o que mais se utiliza desse instrumento. E fere a questão da cidadania, pois não havendo paridade de meios técnicos, onde uma parte é assessorada por advogado e a outra é desconstituída desse profissional, sem dúvida, que ocorre lesão ao direito do mais hipossuficiente, uma vez que este será prejudicado dentro do processo por desconhecimento teórico e material da

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prática trabalhista. Embora o objetivo seja facilitar o acesso ao judiciário, bem como permitir a consecução dos direitos, na prática, tem ocorrido o inverso.

Com certeza, diante do exposto neste trabalho, percebe-se que esse instituto

se mostra arcaico nos dias atuais porque seus pressupostos não acompanharam o desenvolvimento da ciência jurídica e se mostra cada vez mais inócua a sua utilização na Justiça do Trabalho, fazendo-se necessário a sua reformulação. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe-se que o direito do trabalho é um direito social de fundamental importância na medida em que afeta diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana, pois lida com a capacidade de auto sustentação que é a principal ferramenta do indivíduo, ou seja, o seu trabalho, pois dele advém a sua indisponibilidade.

Embora seja certa a permanência da prerrogativa do Ius Postulandi no sistema

processual trabalhista, consoante as inúmeras discussões na doutrina e na jurisprudência, bem como do Projeto de lei que tramita no Senado visando, dentre outros pontos, a sua extinção, muitas indagações pertinentes devem ser postas a esse respeito.

Quanto à sua eficácia, embora alguns tribunais ainda persistam em defender a

sua vigência, na prática, ele bem pouco tem sido utilizado, uma vez que, com o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 2002, exacerbou-se o campo de atuação do direito do trabalho, de forma a tornar cada vez mais complexa a atuação nesse campo do saber sem o domínio das formas e procedimentos básicos peculiares a ele.

Em relação a sua finalidade, se o legislador entendeu por bem instituir esse

princípio, é porque ele se fazia necessário para efetivar o acesso dos desassistidos ao Judiciário, permitindo que todos pudessem ter igual direito de acesso à Justiça.

Entretanto, nos dias atuais, em que a Justiça do Trabalho, assim como outros

campos do saber caminham para um profundo aperfeiçoamento de seus conteúdos e de suas ferramentas de atuação em termos materiais e processuais, fica cada vez mais incongruente a utilização desse princípio como instrumento de acesso à justiça, porque na verdade, tem sido mais utilizado como obstáculo à sua concretização. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA 01. ALEXANDRINO, Marcelo et al. Direito do Trabalho: teoria, jurisprudência e 850 questões. São Paulo: LTR, 1992. 02. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso Prático de Processo do Trabalho. 20. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009.

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JÚRI CLÁSSICO E ESCABINADO: ESTATÍSTICA DA ADOÇÃO DE AMBOS OS SISTEMAS DE JULGAMENTO NA ATUALIDADE

Mestra em Direito – Drª FLÁVIA SIMÕES DE ARAÚJO

RESUMO: O presente trabalho visa demonstrar a participação popular na administração da justiça penal, por intermédio do estudo de dois sistemas de julgamento, quais sejam: o júri clássico e o escabinado. Apesar de ser adotado, no Brasil, historicamente, o júri tradicional, tendo o mesmo surgido antes da proclamação da independência, inúmeras críticas repousam sobre a instituição. Entretanto, existem aqueles que se posicionam favoravelmente a mesma. Considerando a crescente evolução social, torna-se necessário empreender uma análise acerca das formas pelas quais o povo participa diretamente dos julgamentos delimitados na esfera jurídico-penal, desde o seu surgimento até a atualidade, tendo no direito interno, quanto no externo. Para tanto, a análise do direito comparado, assim como o estudo do direito indígena, especialmente no âmbito da Justiça Militar Estadual, que sofreu alterações substanciais com a publicação da Emenda Constitucional n.° 45/2004, principalmente as relacionadas a criação dos Conselhos de Justiça, constituem-se meios através dos quais se pode alcançar soluções para que o ordenamento jurídico seja aperfeiçoado de molde a garantir julgamentos justos.Constatando-se disparidades, devem ser buscadas alternativas garantistas urgentes, sem as quais não pode haver efetivação de direitos, notadamente o direito à liberdade. É nesta perspectiva que a presente dissertação se insere, evidenciar, a partir da abordagem da estatística da adoção do júri puro e do escabinado em alguns países, quais os fatores que podem permitir a harmonização das normas que envolvem o tribunal do júri aos postulados inscritos no Texto Constitucional vigente.

Palavras chaves: tribunal do júri, escabinado, conselhos de justiça, Garantismo.

ABSTRACT: The present work seeks to demonstrate the popular participation in the administration of the penal justice, through the study of two judgement systems, which you/they are: the classic jury and the escabinado. In spite of being adopted,in Brazil, historically, the traditional jury, tends the same appeared before the proclamation of the independence, countless critics rest about the institution. However, those that are positioned the same favorably exist. Considering to growing social evolution, he/she becomes necessary to undertake an analysis concerning the forms for the which the people participate directly of the judgements delimited in the juridical-penal sphere, from your appearance to the present time, tends in the internal right, as in the external. For so much, the analysis of the compared right, as well as the study of the indigenous right, especially in the ambit of the State Military Justice, that it suffered substantial alterations with the publication of the Constitutional Amendment n.° 45/2004, mainly the related ones the creation of the Council of Justice, means are constituted through which she can reach solutions so that the juridical ordenamento is improved from mold to guarantee fair judgements. Being verified disparities, alternatives urgent garantistas should be looked for, without which it cannot have efetivação of rights, especially the right to the freedom. It is in this perspective that interferes to present dissertation, to evidence, starting from the approach of the statistics

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of the pure jury's adoption and of the escabinado in some countries, which the factors that can allow the harmonization of the norms that you/they involve the tribunal of the jury to the postulates enrolled in the effective Constitutional Text.

Keywords: court jury, escabinado, council of justice, garantismo.

INTRODUÇÃO

A evolução da história da humanidade revela que a partir do momento em que se iniciaram as relações humanas, surgiram as primeiras formas pelas quais o direito se manifestou na vida em sociedade.

Verifica-se que o exercício do poder punitivo, notadamente a forma de aplicação

das normas e sanções, era fundado, inicialmente, em ideologias construídas a partir da experiência vivida a cada delito praticado.

Desde então, sabe-se que o povo participava diretamente da composição dos

litígios. É fato que, atualmente, o Estado detém o monopólio da administração da justiça

que é realizada quando os magistrados decidem qual lei penal deve incidir sobre o caso concreto praticado. Entretanto, não é infrequente que vez ou outra erros sejam cometidos pelos julgadores, conhecedores do ordenamento vigente.

No que tange ao direito de liberdade, se causa insegurança a existência de falhas

cometidas por pessoas investidas na função de julgar, o que se dirá quando tal direito é submetido à apreciação de leigos, desconhecedores dos estritos limites de incidência das normas penais e processuais penais e, principalmente, dos preceitos constitucionais vigentes?

Dentre tantas indagações a respeito do júri, uma é primordial, como o Estado

deve aperfeiçoar as normas jurídicas de molde a assegurar o garantismo nos julgamentos realizados com a participação do povo na administração da justiça penal pátria?

Em virtude de tal problemática foi escolhido o tema do trabalho proposto: júri

clássico e escabinado: estatística da adoção de ambos os sistemas de julgamento na atualidade.

É certo que, o aplicador do direito, ao se deparar com algumas incoerências

previstas na legislação relativa ao júri clássico, terá sempre que buscar a preservação dos valores constitucionais fundamentais à proteção da sociedade, pois desta forma, se alcançará à aplicação do direito de forma justa.

Descobre-se, assim, a finalidade da presente dissertação: estudar o escabinado

como proposta alternativa ao júri clássico adotado no Brasil. Para tanto, necessária à abordagem de ambos os sistemas de julgamento.

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De fato, somente por intermédio do estudo, tanto do surgimento quanto do desenvolvimento de tais instituições, é que se poderá compreender como os ordenamentos dos países democráticos chegaram às espécies de participação do povo na realização da justiça hoje existentes, quais sejam: o júri puro e o escabinado.

Daí porque, e considerando que o estudo do júri sempre gerou controvérsias, a

começar pela sua origem, o primeiro capítulo visa à descoberta do nascimento do júri, tanto em nível mundial, quanto no que se refere ao direito pátrio.

Mundialmente, não há consenso sobre o assunto. Tanto é verdade que existem

estudiosos que apontam os primeiros registros da instituição na Palestina. Entretanto, há quem afirme ter a mesma aparecido na Grécia Antiga.Há, ainda, pesquisadores que opinam ter surgido em Roma, enquanto a maioria dos doutrinadores alega que o seu nascedouro ocorreu na Inglaterra.

O trabalho mostrará como ocorreu, no Brasil, sua criação, fazendo-se um

percurso que se iniciará com o decreto que o propagou, alcançando todas as constituições e a legislação infraconstitucional que a ele fez referência.

O capítulo inicial versará, ainda, sobre a distinção entre o júri clássico e o

escabinado, buscando-se apoio no direito comparado. O segundo capítulo demonstrará as comparações entre o sistema de julgamento

tradicional e o misto, ressaltando-se, paralelamente, as atribuições dos magistrados, tanto num como noutro.

Na sequência, a pesquisa apresentará, detalhadamente, como ocorre à

participação dos juízes leigos na Alemanha, na França, na Itália, na Bélgica e em Portugal.

O terceiro capítulo explicará a criação do escabinado brasileiro, instituído

no cenário jurídico quando da promulgação da Emenda Constitucional 45, publicada em 31 de dezembro de 2004.

Em decorrência da inserção, no texto constitucional, das cortes mistas,

ocorreram várias alterações no sistema jurídico militar, tais como: a modificação da forma de julgamento da justiça castrense; a ampliação da competência da justiça militar estadual; a alteração da denominação - juiz auditor, para juiz de direito e a regulamentação da atribuição do julgamento dos crimes contra civil e das ações contra atos disciplinares.

Todavia, a explicação mais relevante dirá respeito ao escabinado brasileiro -

Conselho de Justiça, órgão colegiado composto por juiz togado e juízes leigos. Por isso, a importância da incursão do estudo no âmbito da justiça militar brasileira.

O quarto e último capítulo evidenciará, por meio da comparação entre as normas

contidas no texto constitucional brasileiro e o direito estrangeiro, qual sistema de julgamento corresponde à doutrina garantista. Nesse sentido, imperiosa a verificação da completa adequação constitucional do júri clássico ao Texto Magno.

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Com efeito, diante da crescente criminalidade e, principalmente, da inércia do Poder Público que tarda em tomar as providências devidas, faz-se necessário discutir se o julgamento do povo pelo povo torna a instituição democrática.

Desperta a curiosidade dos estudiosos considerar que, em sendo os julgadores

populares dotados de “bom senso”, deve ser afastada a frieza da lei e dos juízes profissionais daquela parcela da população mais suscetível à prática de infrações penais, em conformidade com a seletividade estrutural do sistema.

De outra banda, é frequente a discussão segundo a qual os julgamentos

realizados por desconhecedores de conhecimento técnico, ensejam a correta aplicação das normas insertas no sistema jurídico do país, privilegiando-se, assim, as garantistas.

E mais, indaga-se se o juiz leigo é ou não influenciável por diversos fatores, tais

como: a mídia, a classe social do infrator e a retórica empregada no plenário, dentre outros, a ponto de que sua íntima convicção seja alterada de acordo com o fato posto à sua apreciação.

Ademais, afirma-se que o tribunal popular tem caráter educacional, à medida

que a sociedade deve manter-se atualizada, posto que, em tese, qualquer dela, pode ser escolhido como jurado. Em contrapartida, pesquisas indicam que a educação brasileira encontra-se em decadência, surgindo assim, uma infeliz contradição que necessita ser analisada, de acordo com os preceitos democráticos de um Estado de Direito.

O trabalho revelará, também, se pode ser considerada, ainda, salutar a falta de

comunicação entre os jurados durante todo o julgamento, e se os mesmos, de acordo com sua íntima convicção podem decidir de forma contrária à prova constante dos autos e, em assim decidindo, se um tribunal com composição diversa, pode anular tal decisum, sem ferir a soberania do Conselho de Sentença.

Restará evidenciada, finalmente, a incongruência entre a falta de motivação,

tanto da decisão dos julgadores não técnicos, quanto da exarada pelo magistrado profissional, no tribunal popular, contrariando a imposição constitucional de que toda decisão judicial deve ser devidamente motivada.

O método a ser utilizado é o dedutivo, partindo-se de hipóteses genéricas

(premissas maiores) para afirmações científicas (premissas menores apoiadas em pesquisas reais).

A principal fonte da pesquisa pretendida será o direito alienígena, mas,

principalmente, o indígena, analisando-se, à luz da doutrina e jurisprudência alguns fatores relativos ao júri clássico que são objetos de críticas constantes por parte dos estudiosos.

Como visto, o que se pretende é apontar, sem esgotar o assunto, as adequações

garantistas adotadas pelos direitos interno e externo, a fim de se alcançar o aperfeiçoamento do sistema de julgamento brasileiro adotado pela justiça comum.

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1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO JÚRI PURO E SUA DISTINÇÃO COM O ESCABINADO 1. 1. Desenvolvimento histórico do júri

A origem do Tribunal do Júri é muito controvertida, havendo autores, como fez Arthur Pinto da Rocha, citado por Gladston Fernandes de Araújo (2004, p. 04), que aponta os primeiros sinais da instituição nas Leis de Moisés.

Ao que se extrai do capítulo XVIII, versículo 13, do Livro do Êxodo, ou seja, do

segundo livro bíblico, Moisés julgava o povo sozinho. Encontra-se no mesmo capítulo, mas no versículo 17, do referido livro que Jetro, sogro de Moisés, recomendou a este que escolhesse entre o povo homens capazes e tementes a Deus, que fossem seguros e inimigos de suborno e dividisse com eles a administração da justiça para o povo. (BRUSTOLINI, 1990)

No versículo 24, do capítulo XVIII, Moisés, aceitando o conselho do sogro,

“escolheu em Israel homens capazes e os colocou como chefes do povo: chefes de mil, de cem, de cinquenta e de dez. Eles administravam regularmente a justiça para o povo: os assuntos complicados, esses homens repassavam a solução para Moisés”, enquanto que os assuntos simples eram resolvidos pelos próprios membros dos Conselhos criados pelo referido Profeta. (BRUSTOLINI, 1990)

Capítulo XVIII – “O Deus libertador é o Deus verdadeiro”.(BRUSTOLINI,

1990) Versículo 13. “No dia seguinte, Moisés sentou-se para resolver os assuntos do

povo. Ora, o povo procurava por ele desde o amanhecer até à noite”.(BRUSTOLINI, 1990)

Versículo 17. O sogro de Moisés replicou: “Mas o que você está fazendo não

está certo”. (BRUSTOLINI, 1990) Com a criação desses grupos, estavam, portanto, instituídos os Conselhos de

Anciãos. Essa colegialidade criada por Moisés guarda uma certa similitude com o

Tribunal do Júri, pois os julgamentos passaram a ser feitos por grupos de julgadores e não por um julgador apenas.

Além disso, os julgamentos, presididos pelos Conselhos de Anciãos, eram

realizados em público e oralmente, características estas que acompanham o júri até os dias atuais.

Autores há como Nádia de Araújo e Ricardo R. Almeida (1996, p. 200), que

indicam o embrião da instituição na Grécia Antiga, esclarecendo que na Atenas Clássica, duas instituições judiciárias interessavam pela restauração da paz social quais sejam: o Areópago e a Heliéia, que apresentavam pontos comuns com o júri.

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Ensinam, ainda, citados pesquisadores que ao Areópago competia os

julgamentos dos crimes de sangue, julgamentos que eram guiados pela prudência de um senso comum jurídico entre os julgadores.

Os integrantes do tribunal em comento, antigos Arcontes, seguiam tão

somente os ditames de sua consciência. (Araújo, 1996, p. 200) Na Grécia antiga não existia escola de juristas, nem ensino de direito como

técnica especial. O que era comum eram as escolas de retórica, dialética e filosofia. Havia, no entanto, o costume de aprender de cor (recitando em forma poética) tanto alguns textos jurídicos quanto alguns poemas de Homero. Nas escolas, as leis de Sólon eram ensinadas como poemas, o que resultava em que todo cidadão ateniense bem educado acabasse conhecendo a tradição político-jurídica de sua terra. Lá, as técnicas jurídicas eram reservadas aos logógrafos, os redatores dos discursos forenses. O direito presumia-se, e o seu aprendizado se dava em razão da convivência com ele. As leis deveriam fazer parte da educação do cidadão ateniense. O citado autor ensina que na Grécia antiga não existia advogado, acrescentando que o advogado semelhante ao que existe atualmente só veio a ser conhecido no direito canônico do século XIII. Assim, os discursos de acusação e defesa eram apresentados perante os tribunais pelos próprios cidadãos interessados na defesa de seus interesses ou pontos de vista. (Lopes, 2002, p. 38)

Todo cidadão grego tinha direito de votar na assembleia na qual as leis eram

elaboradas e de participar dos tribunais que aplicavam e interpretavam essas leis.(Stone, 2005, p. 30)

O Areópago era competente para o julgamento de homicídios premeditados e

sacrilégios. Nos referidos tribunais gregos, o voto não era secreto e neles não eram admitidas recusações dos julgadores, ou seja, as partes não poderiam recusar o jurado, ainda que considerassem esse suspeito. (Lisboa, 2004, p. 48)

Os arcontes eram os antigos magistrados gregos. (Soibelman, 1996, p. 35) Já a

Heliéia era um tribunal popular integrado por um número significativo de Heliastas, cidadãos que, após a oitiva da defesa do réu, também julgavam, de acordo com sua íntima convicção, todos os crimes que não fossem de sangue. (1996, p. 200)

Atentos ao fato de que tanto o Areópago quanto a Heliéia eram tribunais

colegiados e as circunstâncias de que os julgamentos eram feitos em público e oralmente, Nádia de Araújo e Ricardo R. Almeida (1996, p. 200)sustentam que é na Grécia Antiga que se encontra o embrião do júri.

Rogério Lauria Tucci (1999, p. 12 a 23), titular do Departamento de Direito

Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, após profunda pesquisa, sustenta que o embrião do tribunal popular, que recebeu a denominação hoje corrente (tribunal do júri), se encontra em Roma, no segundo período evolutivo do processo penal, qual seja o do sistema acusatório, consubstanciado nas quaestiones perpetuae.

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Para o autor (1999, p. 16), a noção de tribunal popular surgiu em Roma. A propósito, diz ele, verbis: só teve lugar, induvidosamente, em Roma, com a quaestio, órgão colegiado constituído por cidadãos, representantes do populus Romano, presidido pelo pretor, e cujas constituição e atribuições – assim como os crimina determinantes da sua competência e respectivas penas – eram definidos em leges, previa e regularmente editadas. (Tucci, 1999, p. 19)

O nome heliasta vem de helios (sol), porque era um tribunal de homens gregos,

escolhidos dentre cidadãos ilibados, com exceção das mulheres e dos escravos, mantido em lugar descoberto, onde o sol penetrava em cheio. (Silva, 1989, p. 376)

O Tribunal dos Heliastas era uma espécie de grande júri nacional. Compunha-

se de quinhentos membros escolhidos principalmente entre operários e proletários. Em casos excepcionais os outros tribunais podiam reunir-se formando um só, com um mil e quinhentos juízes. Eram requisitos para a função no tribunal ateniense apenas que os cidadãos chamados ao exercício da função judicial de heliastas tivessem trinta anos de idade, possuíssem conduta ilibada e não fossem devedores do erário do Estado. (Costa, 2004, p. 48)

Inicialmente as quaestiones eram temporárias, mas se transmudaram, com o

passar do tempo, em permanentes, o que resultou em que recebessem a denominação de quaestiones perpetuae. Constituíram elas a primeira espécie de jurisdição penal que Roma conheceu. (Tucci, 1999)

Relativamente à estrutura: [...] a quaestioera formada por presidente (praetor vel

quaesitor) e como supraexplicitado, no máximo, cinquenta cidadãos (iudicies iurati), escolhidos, de início, entre os senadores; posteriormente, com a Lex Sempronia, proposta por Caio Graco (122 a.C.), também entre os cavaleiros; e, finalmente, com a Lex Aurelia(70 a.C.), entre senadores, cavaleiros e tribuni aerarii, uma terça parte de cada ordem. (Tucci, 1999, p. 19)

A expressão populus corresponde a um grande número de homens. (Silva, 1989,

p. 407) Os pretores eram os magistrados de alçada inferior à de juiz. (Soibelman, 1996,

p. 644) Os crimina eram as leis, as regras, as ordenanças, os estatutos. (Soibelman,

1996, p. 457) Leciona, ainda, Tucci (1999, p 17) que foi a Lex Calpurnia, de 149 a.C., que

instituiu a primeira quaestio, definindo-a como uma comissão de inquérito que tinha por fim investigar e julgar os casos em que o funcionário público estatal tivesse causado prejuízo a provinciano.

Para a apuração do fato, existiam provas de três espécies, quais sejam: per

tabulas, per testes e per quaestiones. As primeiras eram as provas documentais, consistentes em correspondências privadas, registros e outros atos públicos; as segundas eram as provas testemunhais, que eram produzidas através da inquirição de pessoas conhecedoras dos fatos, que se apresentavam espontaneamente ou se achavam

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legalmente obrigadas a depor. Por último, produziam-se os demais meios de provas, dentre eles em especial, a confissão espontânea ou a obtida mediante tortura. (Tucci, 1999, p. 22)

Em princípio, os julgadores votavam oralmente. Posteriormente, passaram a

proferir o voto supra tabellas: “A (absolvo), C (condemno), ou NL (non liquet)”, expressão que resultava na necessidade de uma instrução mais ampla, ou seja de um alargamento da instrução. (Tucci, 1999, p 22/23)

Finalmente, diz o autor (1999, p. 23) que o quaesitor proclamava o resultado do

julgamento. Após explicar que o júri nasceu em solo Romano, Rogério Lauria Tucci (1999,

p. 23) faz uma comparação entre as quaestiones e o tribunal do júri brasileiro, concluindo que é naquelas que se encontra o embrião do júri no Brasil, pois há identificação na forma de recrutamento dos cidadãos de notória idoneidade; é a mesma a denominação dos componentes do órgão judicante popular – jurados; os julgadores, tanto lá quanto no Brasil são selecionados mediante sorteio; era prevista em Roma, como é no Brasil, a possibilidade de recusa de um certo número dos julgadores sorteados sem a mínima necessidade de motivação, além do que as decisões eram tomadas por maioria de votos.

Rogério Lauria (1999, p. 25) noticia a realização de julgamentos pelos tribunais

populares bárbaros e feudais, informando que aqueles povos bárbaros, em especial, os germânicos, possuíram tribunais (vehmicos),muito antigos, que existiram na Westhphalia, até o século XVI.

Esclarece, mais, que os juízes “eram cidadãos desconhecidos nas regiões, porém

muito influentes e dominavam todas as classes com poderes ilimitados. Agiam sob as ordens de um Príncipe, designado para um cantão qualquer para administrar a justiça”. (Tucci, 1999, p. 26)

Elucida, também, Tucci (1999, p. 26), que os francos também tiveram seu

tribunal popular, denominado Mall ou placitum, que se compunha de homens livres e notáveis.

Com o passar do tempo, essas formas de julgamento popular foram alteradas por

força da invasão do Império Romano pelos Bárbaros, quando ocorreu o estabelecimento em cada burgo, de grupos de pessoas - homens livres chamados coniuratore ou compurgatores, que eram encarregados de verificar a existência de fatos criminosos, bem como de apurar a respectiva autoria. (Tucci, 1999, p. 27)

Os burgos correspondiam às aldeias, as cidades, as unidades eleitorais, a

população de uma comuna ou município. (Soibelman, 1996, p. 53) Os compurgatores eram as pessoas que juravam a favor de outras na Idade

Média. (Soibelman, 1996, p. 404)

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Os julgamentos eram presididos por um Conde, que se incumbia de “proceder a um relato dos fatos, pontuando as questões subjacentes“, e de tomar os votos e proferir o julgamento, sem participar da votação. (Tucci, 1999, p. 26)

Diversos motivos, tais como a dificuldade de comunicação entre os Burgos, os

abusos, os escândalos e as estranhas situações vantajosas auferidas pelos julgadores resultaram em que substituíssem os julgadores por cidadãos idôneos e devidamente instruídos, quais sejam os scabinos, pessoas que eram rigorosamente selecionadas pelo Conde. (Tucci, 1999, p. 26),

Entretanto, os problemas comunicativos entre os componentes dos órgãos

julgadores, a concentração da justiça nas mãos do Conde e dos Senhores Feudais, somados aos abusos que eram cometidos com a multiplicação das reuniões, que eram realizadas com o objetivo de punir os ausentes com pesadas multas, fizeram com que os tribunais populares bárbaros e feudais perdessem a característica de instituição assemelhada ao júri.

Preleciona António Manuel Morais que (2000, p. 27): entre os povos bárbaros da

Germânia, onde não existia nenhuma ciência de governo nem de poderes e se conservava o estado de natureza grosseira, todo o artifício de protecção social e o mecanismo do Júri consistiam nas reuniões dos vizinhos em dezenas ou centenas, depondo a favor ou contra algum dos seus membros, na presença dos outros. Destas associações desnaturalizadas e corruptas derivou o Júri Feudal conhecido por Juízo de Pares.

Todas as pequenas monarquias foram gradual e sucessivamente vencidas pelas

grandes monarquias, desaparecendo inclusive os vestígios do Júri. A Justiça, condição necessária e expressão da sociedade, tinha-se convertido numa mercadoria com preço, às vezes bastante elevado.

Antigamente dava-se o nome de burgo, derivado do vocábulo germano

burger(castelão), a todo povoado ou lugar pequeno, fundado junto de uma cidade, desde que tivesse leis próprias para o reger e fosse administrado por sua própria autoridade, o burgomestre (cidadão protetor). (Silva, 1989, p. 340)

Entre os povos bárbaros da germânia, tudo o que era relacionado com a proteção

social, e o Júri tem essa finalidade, consistia nas reuniões dos vizinhos, nas quais alguns partícipes depunham contra ou a favor dos próprios integrantes, na presença de outros, e acrescenta o citado autor que foram dessas associações desnaturalizadas e corruptas que originaram o júri feudal conhecido por Juízo de Pares. (Morais, 2000, p. 27)

Independentemente da polemização sobre a origem do júri, a doutrina

majoritária aponta a gênese da instituição na Inglaterra. José Frederico Marques (1997, p. 20), por exemplo, escreve: nascido na

Inglaterra, depois que o Concilio de Latrão aboliu as ordálias e os juízos de Deus, ele guarda até hoje a sua origem mística, muito embora ao ser criada, retratasse o espírito prático e clarividente dos anglo-saxões.

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Ângelo Ansanelli Júnior (2005, p. 19) igualmente informa que o júri nasceu na Inglaterra, berço da democracia mundial, “para combater os desmandos despóticos dos absolutistas e firmar uma garantia em prol da própria sociedade”.

Acrescenta o autor (2005, p. 19) que os sistemas de julgamentos referidos por

aqueles que dizem que o júri surgiu nos tempos de Moisés, na Antiga Grécia ou em solo Romano consistiam tão-somente em formas de julgamentos pelos pares, que não possuíam quaisquer normas ou modelos que tenham semelhança com o tribunal do júri atual, posto que o julgador não era imparcial e inexistiam os preceitos democráticos que devem nortear o julgamento realizado com a participação popular.

Para Fernando da Costa Tourinho Filho (1996, p. 15): o Júri tem antecedentes

bem remotos: os judices jurati, dos romanos, os dikastas gregos e os centeni comites, dos germanos. O certo, contudo, é que a sua origem, propriamente, remonta à época em que o Concilio de Latrão aboliu as ordálias ou Juízes de Deus. Àquela época, enquanto surgia na Europa continental o processo inquisitivo, na Inglaterra florescia a instituição do Júri.

Os Concílios correspondiam às assembleias de bispos com o objetivo de resolver

questões teológicas e disciplinares. (Soibelman, 1996, p. 82) As ordálias também chamadas de ordálios, Juízo de Deus ou julgamento de

Deus, eram as provas da mais variada sorte, baseadas na crença de que Deus não deixaria de socorrer o inocente, o qual sairia incólume da prova. As principais eram: a de água fervendo, a do fogo, pelas serpentes, etc. (Soibelman, 1996, p. 260)

Os absolutistas seguiam o absolutismo, regime político ou forma de governo em

que o poder reside, ilimitadamente, nas mãos da autoridade - homem ou corporação. (Silva, 1989, p. 14)

Os judices jurati eram os tribunais populares existentes em Roma. (Leite, 2003,

p. 1) Guilherme de Souza Nucci, (1999, p.36) ensina que em verdade nasceu o júri,

autenticamente, na Inglaterra de 1215, como um direito fundamental, pois era uma garantia de julgamento imparcial, feito pela própria sociedade, contra o absolutismo soberano.

Verifica, assim, que a maioria dos autores aponta a Inglaterra, mediante

argumentos muito convincentes, tais como, a abolição das ordálias e a reação contra os abusos dos soberanos, como o berço do tribunal do júri.

Após o surgimento da instituição na Inglaterra, afirma Nucci (1999, p.36) que de

lá, a mesma espalhou-se pela Europa, dando ares de direito individual do homem contra o abuso estatal, chegando ao Brasil pelos mesmos motivos, haja vista que o colonialismo forçou o Príncipe Regente Dom Pedro seguir as mesmas orientações que Portugal estava vivenciando, sem se falar que o país colonizador era dependente, em muitos aspectos da Inglaterra, motivos que concorreram para que o júri alcançasse as terras brasileiras.

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1.2. O Tribunal do Júri no Brasil No Brasil, o júri foi criado por um Decreto de 18 de junho de 1822 com

competência para julgar os delitos de imprensa. No referido diploma, o Príncipe Regente Dom Pedro I disse que lhe cumpria, por força da lei suprema e da salvação pública: evitar que ou pela imprensa, ou verbalmente, ou de outra qualquer maneira propaguem e publiquem os inimigos da ordem e da tranquilidade e da união, doutrinas incendiárias e subversivas, princípios desorganizadores e dissociáveis; que promovendo a anarchia e a licença, ataquem e destruam o systema, que os Povos dessem grande e riquíssimo Reino por sua própria vontade escolheram, abraçaram. E me requereram, a que Eu annui e Proclamei, e a cuja defesa e mantença já agora elles e eu estamos indefectivelmente obrigados. (Morais, 2000, p. 59)

Continuando, explicou o Príncipe que pelas razões supra e procurando “ligar

bondade à justiça,bem como a salvação pública, sem ofender a liberdade bem entendida de imprensa”, que desejava sustentar e conservar cumpria-lhe criar o júri, indicando, no Decreto, as autoridades incumbidas de presidi-lo, bem como o número de jurados que seriam incumbidos de julgar os escritos abusivos. (Morais, 2000, p. 59-60)

O júri constituía-se de 24 cidadãos escolhidos entre os homens bons e honrados,

inteligentes e patriotas, podendo os réus recusar 16. Os oito jurados restantes encarregavam-se de proferir o veredicto final. Nos termos do Decreto, os réus poderiam apelar apenas para o Príncipe. (Lisboa, 2004, p. 68)

José Frederico Marques (1997, p. 38) ensinava que a decretação do júri decorreu

de um pedido do Senado da Câmara do Rio de Janeiro,feito ao Príncipe Regente, citando o referido autor até a data que o pedido foi formulado, qual seja, a vereação extraordinária de 4 de fevereiro de 1822.

A Constituição Imperial, de 25 de março de 1824, mantendo o júri criado pelo

Decreto de 1822, dispunha em seus arts. 151 e 152, que: art. 151 - O Poder Judicial é independente e será composto de juízes e jurados, os quais terão lugar assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os Códigos determinarem. Art. 152 – Os jurados se pronunciam sobre o facto, e os Juízes aplicam a lei.

Como se verifica da disposição constitucional, a Lei Maior de 1824 conferia ao

júri competência para decidir sobre causas cíveis e criminais. Na área criminal, é indiscutível a atuação, pois o tribunal do júri fez sua primeira reunião, no Brasil, em 25 de junho de 1825, no Estado do Rio de Janeiro. (Morais, 2000, p. 59).

Esclarece Ângelo Ansanelli Júnior (2005, p. 25) que o júri brasileiro jamais se

reuniu para julgar qualquer causa cível. Posteriormente, a Lei de 20 de setembro de 1830, editada para regulamentar o

abuso da liberdade da imprensa, criou o júri de acusação e o júri de julgamento.

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O Código de Processo Criminal do Império, de 1832, manteve os dois júris, conferindo ao primeiro, no Título IV – Do Processo Ordinario, Capítulo I – Da Accusação, Secção Terceira, a mesma denominação que lhe foi dada pela Lei de 20 de setembro de 1830, qual seja, Jury de Accusação. Já, quanto ao segundo, houve alteração, vez que se extrai da Sessão Quarta, Capítulo II, do mesmo título: Jury de Sentença.

Segundo José Frederico Marques (1997, p. 39), o júri de acusação compunha-se

de 23 jurados e o de sentença, de 12. Para Fernando da Costa Tourinho Filho (1996, p. 16), o júri de acusação tinha a

finalidade de dar sustentação à pronúncia, enquanto que ao júri de sentença incumbia ao julgamento.

Título IV – Do Jury de Accusação. Art. 20. No dia designado para a formação do Jury de accusação, achando-se

presentes, no lugar que for determinado o Juiz de Direito, com o Escrivão, os Jurados, o Promotor, e a parte accusadora, havendo-a, fará o Juiz de Direito abrir a urna, e verificar publicamente que nella se acham todas as cedulas, e fazendo-as recolher outra vez, mandará extrahir por um menino doze cedulas, se o Jury fôr nas capitães das provinçais, e dez nos outros lugares. As pessoas nellas designadas formarão o Jury, que será presidido pelo primeiro, que tiver sabido á sorte.

Título V - Do Jury de Julgação. Art. 26. No dia aprazado, o Juiz de Direito, achando-se reunido o Conselho, e

presentes o Promotor, e a parte accusadora, havendo-a, o accusado, e os advogados, que por qualquer das partes se apresentarem, mandará proceder á sorteação na fórma do art. 20, e os que sahirem á sorte, não tendo impedimento legal, formarão o Jury de julgação, que será presidido como o de accusação.

A Lei n.° 261, de 03 de dezembro de 1841, e o Regulamento n.° 120, de 1842,

introduziram profundas mudanças na organização judiciária brasileira e instituição do júri, tendo extinguido o júri de acusação. (José Frederico Marques, 1997, p. 42),

O Código Criminal do Império, no art. 332, exigia a unanimidade de votos para

a aplicação da pena de morte. A Lei n° 261, que o reformou, estabeleceu em seu art. 66 que bastava que a decisão do júri fosse vencida por duas terças partes dos votos.

Outra reforma processual, que também atingiu o júri, foi introduzida pela

Lei 2.033, de 20 de setembro de 1871, já que a mesma, em seu art. 29, § 1º, derrogou o art. 66 da Lei 261, o que quer dizer que voltou a prevalecer a regra de que para a aplicação da pena de morte exigia-se a unanimidade dos votos.

O Decreto n.° 848, de 11 de outubro de 1890, criou o Júri Federal, que era

composto de 12 jurados e tinha competência para julgar os crimes sujeitos à jurisdição federal.

A Constituição Republicana, de 24 de fevereiro de 1891, manteve a instituição

do júri, dispondo: “Art. 72, § 31 – É mantida a instituição do jury”.

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A Carta Política, de 16 de julho de 1934, a exemplo das outras Constituições, conservou a instituição estabelecendo: “Art. 72: É mantida a instituição do Júri, com a organização e as atribuições que lhe der a lei”.

Art. 332 do Código Criminal do Império. As decisões do Jury são tomadas por

duas terças partes de votos; somente para a imposição da pena de morte é necessário a unanimidade, mas em todo o caso, havendo maioria, imporá a pena immediatamente menor: as decisões serão assignadas por todos os votantes. (Pierangeli, 2004, p. 305)

Art. 66 da Lei 261, de 03.12.1841. A decisão do Jury para a aplicação da pena de

morte será vencida por duas terças partes de votos. (Pierangeli, 2004, p. 252) Art. 29 da Lei 2.033, 20.09.1871. A pronúncia não suspende senão o exercício

das funcções públicas e o direito de ser votado para eleitor, membro da Assembléa Geral e Provincial, e cargos para os quaes se exige qualidade para ser eleitor, ficando todavia salva a disposição do art. 2° da Lei de 19 de agosto de 1845. (Pierangeli, 2004, p. 414)

§ 1° É derrogado o art. 66 da Lei de 3 de dezembro de 1841, e restabelecido o

art. 332 do Código do Processo Criminal. (Pierangeli, 2004, p. 414) Art. 41. O Jury federal compor-se-ha de doze juizes, sorteados dentre trinta e

seis cidadãos, qualificados jurados na capital do Estado onde houver de funccionar o tribunal e segundo as prescripções e regulamentos estabelecidos na legislação local. (Pierangeli, 2004, p. 458)

A Constituição, de 10 de novembro de 1937, segundo Nucci (1999, p.

39), desfechou um forte golpe na instituição do júri, tendo silenciado sobre ela. José Frederico Marques (1997, p. 51), atento ao silêncio da Constituição de

1937, no que tange ao júri, lecionava que “a princípio se opinou pela sua extinção em face da nova Carta Política”.

Acrescenta, todavia, o autor (1997, p. 51) que, no dia 05 de janeiro de 1938, foi

promulgado, para regular a instituição, o Decreto-Lei n.° 167, que, no magistério de Guilherme de Souza Nucci (1999, p. 39), conferiu ao júri competência para julgar os seguintes crimes previstos na Consolidação das Leis Penais, aprovada pelo Decreto 22.213, de 14 de dezembro de 1932: a) homicídio - artigos 294 a 296; b) infanticídio – artigo 298 e parágrafo único; c) induzimento ou ajuda ao suicídio – artigo 299; d) duelo com resultado morte ou lesão seguida de morte – artigo 3l0; e) roubo seguido de morte – artigo 359; f) roubo seguido de morte em sua forma tentada, regulando a instituição do júri.

Explica, ainda, José Frederico Marques (1997, p. 51), que o Decreto-Lei n° 167,

embora tenha regulado a instituição do júri, alterou-o profundamente, haja vista que lhe subtraiu a soberania dos veredictos.

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Nos meios forenses, comentava-se muito sobre o Decreto-Lei 167, pois se alegava que ele, tendo subtraído a soberania do júri, praticamente o aboliu. (Marques, 1997, p.51)

A Constituição de 1946 (39) incluiu o Tribunal do Júri no Capítulo II, do Título

IV, onde tratou Dos Direitos e Das Garantias Individuais, estabelecendo o seguinte: (38) art. 141. § 28 - É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente de sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

A Carta Política de 1967, elaborada em pleno Regime Militar, a exemplo do

Código Maior de 1946, colocou a instituição do júri no Título II (Da Declaração de Direitos), Capítulo IV (Dos Direitos E Garantias Individuais), nos seguintes termos: “Art. 150, § 18 - são mantidas a instituição e a soberania do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.

A Emenda Constitucional n.° 1, de 17 de outubro de 1969, que deu nova redação

à Constituição de 1967, assim tratou do júri: “Art. 153. §18 - É mantida a instituição do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.

Para Guilherme de Souza Nucci (1999, p. 43), a Emenda em comento suprimiu a

soberania do júri, acrescentando que tal supressão, naquela Carta, não pode ser atribuída a um mero esquecimento do constituinte, mas ao fato de que ele deixou a cargo da lei ordinária a incumbência de verificar se deveriam ou não ser soberanas as decisões do tribunal popular.

A Constituição de 05 de outubro de 1988, ao tratar do júri, reproduziu o que

tinha sido estabelecido na Constituição de 1946, preceituando: art. 5.º, XXXVIII – É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude da defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Como se vê, ressalvada a Constituição de 1937, que silenciou sobre o júri, as

demais manifestações constitucionais brasileiras fizeram referência expressa à instituição, ora colocando-a no capítulo que trata do Poder Judiciário, como fizeram as Constituições de 1824 e a de 1934, ora incluindo-a nos títulos e capítulos reservados ao tratamento Dos Direitos e Das Garantias Constitucionais, conforme ocorreu com as Constituições de 1891, a de 1946, a de 1967, a Emenda Constitucional de 1969 e a Constituição de 1988.

Feitas as considerações sobre a origem histórica da instituição do júri, é

necessário informar que alguns países que adotaram o júri, entre eles, aqueles situados no contexto da common law, isto é, o Reino unido e suas colônias (Austrália, Canadá, Estados Unidos, República da Irlanda e outros), mantiveram-se fiéis à forma tradicional de júri, qual seja aquela em que o julgamento de uma pessoa é feito diretamente por seus pares, enquanto que outros seguiram um sistema diferente, segundo o qual as

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pessoas submetidas ao julgamento pelo júri são julgadas por juízes leigos e juízes togados.

1.3. Distinção entre júri e escabinado

Antes de uma abordagem dos sistemas de júri no mundo, é necessário tecer alguns comentários sobre o Direito Comparado. É o que será feito a seguir.

De acordo com Mireilee Delmas Marty (2005, p. xxxi), a ciência do

direito comparado busca extrair do conjunto das instituições particulares um fundo comum, ou, pelo menos os pontos de aproximação capazes de fazer aparecer, sobre a diversidade aparente de formas, uma unidade da vida jurídica universal.

Segundo Ângelo Ansanelli Júnior (2005, p. 171), o direito comparado é o ramo

do direito que tem por objeto a aproximação sistemática das instituições jurídicas dos vários países do mundo.

É, portanto, por intermédio dessa comparação das instituições jurídicas mundiais

que se pode analisar como alguns países enfrentam as questões referentes à participação da sociedade na administração da justiça.

Tecidos os comentários supra, mostrar-se-á, doravante, em primeiro lugar, a

distinção entre o júri tradicional e o escabinado e, em seguida, as formas de participação dos cidadãos na administração da justiça, seja em alguns países que adotam o sistema de júri clássico, tradicional, como acontece no Brasil e em vários outros países, seja nos países que adotam o sistema do escabinado (Portugal, Espanha, Bélgica, Itália, França, Alemanha e outros), em que o júri é um conjunto de assessores que atua em conjunto com os juízes togados.

De acordo com Gilberto Valente Martins, citado por Ronaldo João Roth (2006,

p. 443-483): o significado de escabinato ou escabinado, segundo pontifica Gilberto Valente Martins, é um tribunal colegiado misto, composto de juízes togados e juízes leigos, todos com voz, diferenciando-se do Tribunal do Júri em razão de não possuir o juiz togado direito de voto, somente voz.

Verifica-se, assim, que dentre inúmeras divergências existentes entre o júri

tradicional e o escabinado, a fundamental consiste em que neste tanto os juízes leigos quanto os togados votam, divergências que serão delineadas no capítulo seguinte.

2. COMPARAÇÕES ENTRE O SISTEMA TRADICIONAL E O ESCABINADO

2.1. Das atribuições do julgador no escabinado

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Na Inglaterra, nos Estados Unidos, no Brasil e em vários outros países do mundo, continua imperando o júri tradicional, no qual, os jurados exercem uma função e os juízes togados exercem outra.

Na Inglaterra e nos Estados Unidos, as funções dos juízes togados (presidentes)

e dos jurados são diferentes, já que aqueles não exercem direito de voto, competindo-lhes presidir as sessões, cabendo aos jurados decidir as causas de sua competência.

Elder Lisboa da Costa (2004, p. 63) dirige pesada crítica ao sistema adotado na

Inglaterra e nos Estados Unidos, dizendo: para alguns, na Inglaterra e nos Estados Unidos, a instituição do júri não funciona convenientemente. É mera aparência. E isso porque o juiz presidente possui poderes discricionários ilimitados. É-lhe facultado orientar o exame da prova, indicando aos jurados o caminho a seguir. Caso o júri se rebele contra o entendimento do juiz, este pode rejeitar a decisão, determinando novo julgamento, ou proferir decisão própria, contrária àquela que tenha sido pronunciada pelo tribunal do júri. E isso porque no júri inglês e no estadunidense existe o cognominado directed veridict: o julgamento dirigido pelo juiz que avalia e sopesa as provas apresentadas, podendo assim influenciar diretamente os jurados em seus veredictos.

Anota, ainda, o autor (2004, p. 64), que essa discricionariedade ilimitada do juiz

inglês perante o tribunal popular fere a soberania e a intocabilidade das decisões. Acrescentando, mais, que a ingerência do presidente feita durante o julgamento,

interfere no trabalho da acusação e defesa, refletindo nas exposições das partes, e desequilibrando os jurados, forçando estes, em alguns casos, apenas a abonar o entendimento e a vontade do juiz presidente.

A exemplo de Elder Lisboa, António Manuel Morais (2000, p. 35) explica que o

processo inglês é oral, enfatizando que somente adotando a oralidade no júri é que se podem considerar as provas trazidas para os autos.

Declara, ainda, mencionado autor (2000, P. 35) que, posteriormente aos debates,

o juiz presidente do júri faz um resumo do processo e anuncia o direito aplicável, oportunidade em que analisa e critica toda a prova apresentada pelas partes, sendo-lhe facultado aconselhar os jurados sobre o valor da prova, podendo, inclusive, emitir opinião sobre o caso.

Ressalte-se que no júri inglês, caso o juiz não concorde com o veredicto

dos jurados, pode pedir ao conselho de sentença que reconsidere e, se isto não ocorrer, o juiz pode dissolver o júri e convocar outro. (Morais, 2000, p. 35)

No júri americano, segundo Nádia de Araújo e Ricardo R. Almeida (1996,

p. 209), o papel do juiz presidente é meramente diretivo, cabendo-lhe garantir que as partes tenham um acesso igualitário à consideração dos jurados, mas esta característica do sistema estadunidense não impede que o juiz se quede inerte diante das controvérsias de direito levantadas durante o julgamento que digam respeito à aplicação da law of evidence.

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Assim, surgindo controvérsia sobre a law of evidence, ela é resolvida de plano pelo juiz, já que a má aplicação da lei pode resultar na nulidade posterior do julgamento, motivo pelo qual o presidente do júri estadunidense não permite que os jurados fiquem indecisos ante as questões controvertidas que as partes apresentam em plenário. (Nádia de Araújo e Ricardo R. Almeida, 1996, p. 209)

No Brasil, as atribuições do magistrado presidente do tribunal do júri são

previstas no art. 497 do Código de Processo Penal, não lhe sendo permitida qualquer interferência na decisão dos jurados.

Art. 497 do CPP. São atribuições do presidente do Tribunal do Júri, além de

outras expressamente conferidas neste Código: nos países em que houve abandono do sistema tradicional e adoção do escabinado, os juízes leigos e técnicos atuam e decidem em colegiado.

Aury Lopes Jr. (2.006, p. 157), apontando o escabinado como uma alternativa

interdisciplinar ao Tribunal do Júri, leciona: trata-se de uma modificação na estrutura do órgão colegiado, que passa a ser composto por juízes de carreira e “leigos”, que decidem conjuntamente. Os jurados leigos constituem um obstáculo à rotina judiciária, pois podem aportar regras da experiência que ventilam o mecânico ato de julgar. Por outro lado, mais significativa é a influência do juiz-técnico sobre o leigo, ao prestar-lhe assessoramento jurídico qualificado e uma dilatada experiência na atividade jurisdicional, requisitos indispensáveis para o bom funcionamento da moderna administração da justiça.

Guilherme de Souza Nucci (1999, p. 64) ensina que na Alemanha, na França, na

Itália, na Bélgica e na Suíça prevalece o sistema dos escabinos, onde o povo participa dos julgamentos junto com juízes togados. Ilustra, ainda, que em Portugal, na Espanha e na Grécia, apesar de seus sistemas legislativos considerarem expressamente um Tribunal do Júri, adotam eles o escabinado.

Além dos países supra adotarem este sistema misto, em que os juízes leigos

participam do julgamento juntamente com os juízes de carreira, Edilson Mougenot Bonfim (2000, p. 8 e ss.) cita vários outros países que também adotam o escabinado, tais como: Dinamarca, Suécia, Genebra, Bulgária, Polônia, Rússia, Romênia e Argélia.

2.2 O escabinado na Alemanha

Esclarece António Manuel de Morais (2000, p. 49) que ao longo dos séculos V e VI o sistema de justiça popular na Alemanha fundava-se na jurisdição dos pares das tribos Germânicas.

A partir do século IX, a Alemanha sofreu forte influência da legislação romana e

o júri manteve-se de forma esporádica, ou seja, quase desapareceu. Apesar dessa influência romana do júri alemão, as tradições naquele país foram conservadas, o que resultou em que os tribunais continuassem adotando o princípio da justiça ser diretamente exercida pelos cidadãos. (Morais, 2000, p. 49)

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Por força da Ordem Processual Penal Alemã e da Lei de Organização Judicial de 27 de janeiro de 1877, criou-se o Tribunal do Júri (Schwurgericht). (Morais, 2000, p. 49)

Inicialmente, o tribunal era composto por duas sessões, uma composta por doze

jurados e outra por três juízes de carreira, que decidiam sobre a medida da pena. Ao tribunal do júri cabia pronunciar-se sobre as questões de fato, prevalecendo o que fosse decidido pela maioria. (Morais, 2000, p. 49)

A decisão dos jurados podia ser suspensa pelo coletivo de juízes, que tinha a

possibilidade de remeter o processo para um novo exame em uma outra sessão. (Morais, 2000, p. 49)

Na Alemanha: o Escabinado ou Tribunal dos Escabinados (Schöffen gericht)

coexistia com o Tribunal do Júri e era constituído por um presidente e dois escabinos, formando um colegiado único que funcionava para pequenos delitos. O escabinado foi introduzido na Alemanha pela Reformade 4 de janeiro de 1924, através da qual o jurado tradicional transformou-se em escabinado, sendo constituído por três juízes (Richtern) e seis escabinos (Geschwoerene). Pensa-se que a supressão do júri no Tribunal foi conseqüência da influência externa e por existir grande dificuldade em aplicar a desenvolvida doutrina dogmática alemã com juízes técnicos constituindo a referida reforma o início do que viria a ser o governo hitleriano. (Morais, 2000, p. 49)

Os escabinos, nos tribunais cantonais e regionais, são considerados auxiliares na

administração da justiça. Mencionados auxiliares são indicados para o exercício da supracitada função por

uma Comissão presidida por um juiz cantonal a partir de uma lista que lhe é enviada pelos municípios, sendo que participam no máximo de doze julgamentos por ano. Antes de entrar no exercício da função, eles prestam um juramento e, uma vez designados para participar da administração da justiça, como auxiliares, adquirem por força de lei os mesmos direitos e obrigações dos juízes de carreira, ressalvada a possibilidade de consultar os autos previamente à audiência. (Marty, 2005, p. 12)

A nomeação é feita por votação e não por sorteio. (Morais, 2000, p. 51) Os dias

de sessões ordinárias do escabinado são fixados num placar para todo o ano, ato que é feito em sessão pública, celebrada na sede do Tribunal de Primeira Instância, ou simplesmente Juízos das Comarcas (Amtesgrertich).

Para a solenidade de fixação dos dias das sessões ordinárias do escabinado,

todos os escabinos são notificados pelo presidente da sessão, com a observação de cominação no caso de ausência. (Morais, 2000, p. 50)

O cargo de escabino é exercido por quatro anos e somente pode ser ocupado por

cidadãos alemães, maiores de 25 (vinte e cinco) anos e menores de 70 (setenta), exigindo-se, ainda, que não estejam afetados por nenhuma incapacidade. Uma vez nomeados, são pagos pelos trabalhos que prestam, recebendo uma quantia fixada por lei sobre as indenizações dos juízes honoríficos. (Morais, 2000, p. 50)

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Cantonal provém de cantão que corresponde à divisão territorial em alguns países da Europa. (Fernandes, 1997, p. 286)

No Brasil, os jurados são escolhidos dentre cidadãos de notória idoneidade (art.

436 do Código de Processo Penal). Os juízos das Comarcas de primeiro grau de jurisdição (Amtsgericht) constituem

a jurisdição repressiva do direito comum, sendo compostos de juízes singulares (der Strafrichter) bem como por órgãos colegiados compostos por um ou dois juízes profissionais e dois escabinos (das Schöffengerich). (Marty, 2005, p. 20)

Os escabinos têm o mesmo direto de voto que é conferido ao Presidente e ao

Juiz de Primeira Instância, distinguindo-se, neste particular, do júri puro, já que nos lugares em que este funciona, o juiz profissional não tem direito de voto. (Morais, 2000, p. 51)

Adverte Morais (2000, p. 51) que aos escabinos cabe julgar os seguintes crimes:

abusos sexuais de crianças com consequência de morte; violação com conseqüência mortal; coação sexual com consequência mortal; assassinato; homicídio; infanticídio; abandono com resultado mortal; envenenamento com resultado mortal e detenção ilegal com resultado mortal.

No que tange à decisão do tribunal, a votação é realizada à porta fechada,

dirigida pelo Presidente. O julgamento é proferido pelo Tribunal após deliberação secreta obtida por maioria simples para as questões relativas à ordem processual e por maioria de dois terços para a fixação do quantum da pena. Julgada a causa, a decisão é lida em audiência pública, pelo Presidente, que anuncia o dispositivo e, em seguida, os motivos do decisum. (Marty, 2005, p. 68)

O Código Penal Alemão (das Strafgesetzbuch ou StGB), de 1871, reformado em

1º de janeiro de 1975, estabelece a classificação bipartida (die Zweitelung) das infrações penais, quais sejam delitos (das Vergehen) e crimes (das Verbrechen). (Marty, 2005, p. 9)

O procedimento para o julgamento das infrações supra é disciplinado pelo

Código de Processo Penal (die Strafrechtprocezessordenung-StPO) e pela Lei de Organização Judiciária Alemã de 1877 (das Gerichtsverfassungsgezets-GVG). (Marty, 2005, p. 8)

A Alemanha, atualmente, conta com 7.117 tribunais cantonais, 116 tribunais

regionais (federais), 24 tribunais regionais superiores e uma Corte Federal de Justiça. Desses organismos processuais, as Cortes e os tribunais Federais são administrados pela Federação, enquanto que os demais são administrados pela Länder. (Marty, 2005, p. 10)

A Alemanha é uma República federal composta de 16 Länder, ou seja,

circunscrições territoriais que dispõe de uma larga competência e de órgãos decisórios próprios. No ápice do ordenamento Alemão está a Lei.

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É nos tribunais cantonais e nos regionais, integrantes dos organismos processuais alemães, que os escabinos desempenham suas atividades. (Marty, 2005, p.12)

Os escabinos alemães atuam junto aos juízos das Comarcas (Amtsgericht), bem

como junto aos tribunais regionais (Landgericht-LG). (Marty, 2005, p.20) As Comarcas são compostas por um juiz singular e por dois escabinos. Os juízes monocráticos julgam a ação penal privada, nos casos em que a pena

imposta é inferior a três meses de prisão, e ainda nos casos em que o Ministério Público propôs a ação cujo resultado não pode ultrapassar de dois anos de prisão. Os escabinos julgam os delitos que não se enquadram nos casos da competência do juiz monocrático. (Marty, 2005, p. 20)

Os Landgerincht (tribunais regionais) são divididos em duas câmaras colegiadas:

a pequena câmara e a grande câmara, aquela composta por um juiz e dois escabinos e esta por três magistrados e dois escabinos. (Marty, 2005, p. 20)

A competência da grande câmara é bastante ampla, encampando o conhecimento

de todos os crimes que não estejam na competência das Comarcas, cabendo a elas também julgar os crimes ou delitos ajuizados perante elas. Elas se apresentam de três formas: como um tribunal popular (de jurados); como uma câmara de proteção do Estado, para julgar certos crimes contra a segurança do Estado e como uma câmara penal econômica para as infrações relativas ao direito penal econômico. (Marty, 2005, p. 20)

Os julgamentos proferidos pelos tribunais cantonais alemães tanto desafiam

recurso de apelação quanto de cassação, o que quer dizer, no direito alemão, admite-se recurso das decisões dos tribunais colegiados. (Marty, 2005, p. 20)

Não há semelhança entre as expressões Amtsgericht e Landgericht, na

organização Judiciária brasileira. O que mais se aproxima da Amtsgericht Alemã é a idéia de Comarca no Brasil. Da mesma forma, os Landgerichttem o significado semelhante aos tribunais regionais. (Marty, 2005, p.20)

2.3. O escabinado na França

No escólio de António Manuel Morais (2000, p. 36), o júri de acusação provavelmente foi instituído na França, por Henrique II, duque de Normandia, em 1164, com a publicação da Constitution of Clarendon.

Conforme se extrai da lição do autor (2000, p. 36 ss) acima, a exemplo do que

ocorreu no Brasil, o júri francês sofreu várias alterações. Inicialmente, atuavam na França dois júris, o de acusação e o de julgamento,

aquele composto por doze membros e este por nove, sendo permitido que o os membros do júri de julgamento se incorporassem ao júri de acusação. (Morais, p. 36)

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Ressalte-se, contudo, que ainda que o júri de acusação tenha surgido na França

em 1164, somente em 1352, isto é, 188 anos após, é que foram estabelecidos legalmente os dois júris. (Morais, 2000, p. 37)

Ensina, também, Morais (2000, p. 37) que houve um certo silêncio na legislação

sobre o júri francês por um longo período, sustentando ele que “o sistema do júri” foi reintroduzido na França com a Revolução Francesa de 1789.

Ensina, ainda, António Manuel de Morais (2000, p. 37) que: a lei de

Organização Judiciária, de 16 de 26 de setembro de 1791, regulou o funcionamento do júri sob a forma de júri de acusação e júri de sentença, sob o critério de separação da apreciação dos factos e do direito.

Com a reintrodução do júri na França, houve uma alteração do número de

jurados, passando a lei a fixar em oito o número de jurados de acusação, que decidiam por maioria de votos os crimes (52). (Morais, 2000, p. 37)

Napoleão, no Conselho de Estado, referindo-se ao júri de acusação, sustentou

que “esse júri não tinha qualquer sentido”. Em decorrência dessa manifestação, o júri de acusação não mais reapareceu na legislação francesa. (Morais, 2000, p. 37)

Desferido esse golpe, foi extinto o júri de acusação, mas, ainda assim foi

mantido o sistema de júri na França, só que bastante alterado, pois se dispensou a unanimidade das decisões e pretendeu-se limitar a resposta dos jurados apenas à matéria de fato. (Morais, 2000, p. 37)

Em 1808 passou a vigorar na França o Código de Instrução Criminal. Por Lei de

04 de março de 1831, bem como por outra Lei de 28 de abril de 1832, o júri era composto por oito membros, o que perdurou até 1848, quando um Decreto de 04 de março daquele ano estabeleceu que o júri naquele país compunha-se de nove membros. (Morais, 2000, p. 37-38)

Inicialmente, para participar do júri, na França, era exigido que o cidadão

possuísse 150 francos de rendimentos e que fosse eleitor. O código de 1808 exigia que o cidadão, tivesse, no mínimo 30 anos que fosse eleitor; e que exercesse função administrativa por nomeação do Rei; que tivesse o grau de doutor ou fosse licenciado ou que fosse banqueiro, industrial ou comerciante ou que fosse empregado da administração e ganhasse, pelo menos, 4 mil francos anuais. (Morais, 2000, p.38)

O Código Penal de 1810 introduziu várias mudanças na legislação francesa,

entre elas, a que estabeleceu penas variáveis, máximas e mínimas, dentro das quais o juiz inculpava o criminoso. Essas alterações permitiam ao júri usar de maior correção em seus julgamentos e dar maior satisfação a sua consciência de juiz popular. (Morais, 2000, p. 38)

Tais alterações foram frutos de protestos na França, pois se debitava ao júri

injustiças alarmantes. Em razão disso, desejando-se manter o júri, impunha-se uma reforma legislativa.

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Devido a tais protestos, em 25 de junho de 1824 foi editada uma lei que permitia a declaração de circunstâncias atenuantes para efeito de redução das penas do Código Penal de 1810. (Morais, 2000, p. 38)

Outra lei, de 01 de maio de 1832, introduziu outras inovações no Código,

prevendo circunstâncias atenuantes para todos os casos criminais, fazendo-as depender da apreciação e decisão dos jurados. (Morais, 2000, p. 38)

A supressão do júri de acusação, por parte de Napoleão, bem como o

enfraquecimento do júri de julgamento, que permaneceu em evidência na França, provocou repercussão, haja vista que doze dos tribunais recursais consultados sobre o tribunal do júri sustentaram que tal instituição não era prejudicial à justiça, enquanto que cinco tribunais franceses, considerados os mais pequenos, quais sejam, Agen, Angers, Caen, Rennes e Toulouse, pronunciaram-se favoráveis à extinção do júri de acusação e àquelas restrições impostas ao júri de julgamento, quais sejam, às referentes à dispensa da unanimidade das decisões e à limitação das respostas dos jurados à matéria de fato e, ainda, à proibição de que o juiz Presidente resumisse os debates perante os jurados. (Morais, 2000, p. 38)

O pronunciamento favorável à manutenção do júri francês, que, a princípio não

agradava a Napoleão, gerou uma contradição entre “o espírito despótico do Imperador Bonaparte e a Instituição Democrática do Júri Liberal”, que aquele não parecia apoiar. (Morais, 2000, p. 39)

Descobriu-se, no entanto, que o próprio Napoleão fazia um juízo errado do júri

francês, já que pensava que tal instituição era um instrumento útil ao povo, posto que servira para decaptar o todo poderoso poder judicial francês, fato que não recebia apoio do Imperador.

Noticia António Manuel Morais (2000, p. 39) que GARRAUD, numa audiência

solene sobre a abolição do júri, realizada em 16 de outubro de 1896, no tribunal superior, referindo-se à posição de Napoleão Bonaparte sobre o júri, disse ser o Imperador hostil ao júri de acusação, mas que o mesmo não era irredutível sobre a existência do júri de julgamento, até porque tinha perfeita consciência de que os juízes poderiam opor mais resistência, por isso preferia juízes de fato (jurados) a juízes de direito.

Verifica-se que perdurou, por muito tempo, a polêmica relativa à competência

do júri francês, pois se entendia que o júri devia conciliar os quesitos dos fatos através do conteúdo e a forma de redação das perguntas que se deveriam formular. Já o tribunal decidia sobre os quesitos de direito. (Morais, 2000, p. 40e ss)

Na composição do júri, eram eleitas doze pessoas por sorteio, as quais emitiam

um veredicto de culpado ou não culpado e toda vez que tal veredicto fosse culpado o tribunal pronunciava a sentença e impunha a pena correspondente. Esse sistema foi bastante criticado, pois concorreu para que os jurados proferissem os veredictos de não culpado, com medo de que o tribunal aplicasse pena excessiva. (Morais, 2000, p. 44-45)

Com a Lei de 05 de março de 1932, o tribunal e o júri, depois do veredicto,

deliberavam e votavam em comum sobre a aplicação da lei. Competia, ainda, ao

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júri a faculdade de determinar a existência ou não de circunstâncias atenuantes. (Morais, 2000, p. 45)

O tribunal e o júri deliberavam e votavam em comum sobre a aplicação da lei.

(Morais, 2000, p. 45) Os autores da lei de 05 de março de 1932 esperavam que, ao conferirem aos

jurados a competência para decidir também sobre a pena, evitavam que eles fugissem da verdade contida nas perguntas que haviam feito, pois, antes de serem dotados dessa competência, os jurados tinham medo de responder positivamente ao quesito, considerando os réus culpados, de que o tribunal aplicasse penas muito severas. (Morais, 2000, p. 45)

Outra Lei, a de 25 de novembro de 1941, introduziu a fusão da atividade do júri

e do tribunal, decidindo, ambos, conjuntamente sobre os quesitos de fato e de direito. Nascia então o escabinado, com a colaboração de ambas as partes no tribunal do júri, decidindo sobre as questões de fato e de direito. (Morais, 2000, p.45)

A Cour d’Assises, órgão de justiça penal permanente e de plena jurisdição, é

constituída, de acordo com o Capítulo III, artigo 240, do Código de Processo Penal francês vigente, pelo júri e o tribunal. (Morais, 2000, p. 46)

Na França, a classificação das infrações criminais é tripartida, isto é, há previsão

de contravenção penal, delito e crime. (Marty , 2005, p. 166) As contravenções, na primeira instância, são julgadas pelo tribunal de polícia, o

qual é composto por um juiz profissional ou juiz de instância. (Marty, 2005, p. 166) O Tribunal Correicional, por sua vez, julga os delitos e as infrações conexas

praticadas por pessoas adultas. Referido Tribunal é composto por três juízes profissionais oriundos do Tribunal de Grande Instância, sendo um desses juízes o Presidente do referido Tribunal e os outros dois assessores. (Marty, 2005,p. 165-6)

Ao escabinado compete julgar os crimes praticados por pessoas físicas

imputáveis em razão da idade, bem como por pessoas jurídicas que àquele Tribunal forem encaminhadas para julgamento. Referido Tribunal, atualmente, é usualmente composto por três juízes de carreira, sendo um Presidente e dois assessores, que compõem a Corte.

Uma lei de 20 de abril de 1945 fixou em sete o número de escabinos e,

posteriormente, em 1948, tal número foi elevado para nove, exigindo-se a maioria de votos para a adoção de decisões desfavoráveis ao acusado, devendo existir uma maioria no júri. (Morais, 2000, p. 45-46)

O Código de Processo Penal de 1958 conservou o sistema que tinha sido

introduzido em 1941, segundo o qual era necessária a votação de oito dos nove jurados para a obtenção de uma decisão favorável ao réu. (Morais, 2000, p. 46)

Hoje, para ser nomeado jurado, é necessário ser maior de 23 anos, ter

nacionalidade francesa, saber ler e escrever em francês, desfrutar de todos os direitos

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políticos, civis e militares e não ter as incapacidades previstas nos art. 256 e 257 do Código de Processo Penal. (Morais, 2000, p. 46)

Para a lei francesa não existem diferenças dos sexos para ser jurados. As

pessoas maiores de 70 anos e as que não possuem residência principal no departamento da Cour d’assises são dispensadas de exercer o cargo de escabino. Dispensadas também são as pessoas que invocam motivo grave reconhecido como válido para a dispensa. Também são dispensados da lista anual de jurados, bem como da lista de suplentes, as pessoas que tenham desempenhado a função de jurados no prazo inferior a cinco anos), antes da nova eleição (60) (Morais, 2000, p. 46)

Atualmente, uma Lei de 28 de julho de 1978, iniciou na França o chamado

Período do Júri Democrático. Referido diploma prevê um procedimento democrático na redação das listas de jurados, sendo estes representantes do povo. António Manuel Morais (2000, p. 46) esclarece que tal sistema funciona da seguinte maneira: a lista preparatória é elaborada elegendo-se por sorteio os nomes das pessoas que aparecem na lista eleitoral com a idade suficiente para serem nomeadas. Também por sorteio, elabora-se a lista anual a partir das listas preparatórias, após ser formada uma Comissão presidida pelo Presidente do Tribunal da Audiência Provincial ou pelo Presidente do Tribunal da Audiência Territorial e integrada por membros da Ordem de Advogados e deputados locais.

O projeto 4.203/2001, procurando acabar com a figura do chamado “jurado

profissional’ no Brasil, prevê, em seu art. 426, § 4º, que: “ fica excluído da lista geral, pelo prazo de dois anos, o jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença no ano anterior”.

Eduardo Reale Ferrari (2003, p. 198) entende que a previsão do projeto parece

ser muito exagerada, explicando que se é verdade que se deve evitar o chamado ‘jurado de carteirinha” posto que contrário ao espírito do tribunal do júri, que não é compatível com um corpo de julgadores permanente, não é verdade que um jurado que tenha integrado o Conselho de Sentença apenas uma vez, torne-se “jurado profissional”.

No Brasil, os jurados são alistados pelo Juiz Presidente do Júri, nos moldes do

arts. 439 a 441 do Código de Processo Penal, prevendo o artigo 440 que o Juiz publicará na imprensa, onde houver, a lista geral de jurados e, não havendo imprensa, tal lista será afixada na porta do edifício do Tribunal.

O vigente Código de Processo Penal Brasileiro estabelece que são 21 jurados

sorteados para cada temporada, podendo a sessão ser instalada se comparecerem ao menos 15 jurados - art. 442 do Código de Processo Penal.

O Projeto de Lei nº 4.203/2001, em trâmite no Congresso Nacional, prevê

alterações quanto ao alistamento dos jurados e o sorteio, dispondo, no artigo 425 que anualmente serão alistados pelo presidente do Tribunal do Júri, sob sua responsabilidade e mediante escolha precedida pelo conhecimento pessoal ou informação fidedigna, de oitocentos a mil e quinhentos jurados nas comarcas em que a população ultrapassa de um milhão de habitantes; de trezentos a setecentos jurados nas comarcas em que a população ultrapassa de cem mil habitantes e de oitenta a quatrocentos jurados nas comarcas de menor população.

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Na França, a lista anual e a especial são remetidas pelo Presidente da Comissão

ao Prefeito, que as faz chegar ao presidente de cada Câmara, procedimento que ocorre com antecedência de no mínimo trinta dias de antecedência da instalação das sessões das Cour d’assises. (Morais, 2000, p. 47)

Os Presidentes fazem um sorteio, em audiência pública, dos jurados retirando-se

os nomes de 35 (trinta e cinco) deles que irão formar a lista da sessão e os 10 (dez) jurados suplentes, isto com antecipação de quinze dias da instalação da sessão. (Morais, 2000, p. 47)

Segundo os artigos 293 e 296 do Código de Processo Penal francês, na presença

do acusado e através de sorteio, antes de tratar do assunto e em audiência pública, são extraídos os nomes de nove jurados que irão formar o júri de julgamento.

A proporção em que vão sendo extraídos os nomes dos jurados, de acordo com o

artigo 298 do Estatuto Processual Penal da França, o acusado e seu defensor podem recusar cinco jurados sem mencionar os motivos, enquanto que o Ministério Público pode recusar quatro.

Nos termos do art. 459, § 2º, do CPP do Brasil, tanto a acusação quanto à defesa

poderão recusar apenas três jurados, sem dar os motivos da recusa. Até o ano de 2000, era a Câmara de Acusação que encaminhava a acusação para

o escabinado. Criado o sistema de recursos contra as decisões do escabinado, a referida Câmara perdeu o seu poder em favor do juiz de instrução. Assim, atualmente, é o juiz de instrução que pode levar a acusação ao escabinado, mediante um requerimento para que se proceda a acusação. (Marty, 2005, p. 186)

Por lei de 5 de junho de 2000, durante o julgamento, tanto o Ministério Público

quanto os advogados das partes podem fazer perguntas diretamente ao acusado e às testemunhas. ( Marty, 2005, p. 187)

O Juiz Presidente do escabinado desempenha um papel proeminente,

competindo-lhe informar os jurados dos seus deveres, como estabelece o artigo 304 do Código de Processo Penal.

Incumbe-lhe, também, interrogar previamente o acusado, conferindo-lhe a

oportunidade de se manifestar (art. 328) e a preservação da manutenção da ordem durante os debates.

A lei confere ao julgador um amplo poder discricionário, com base no qual ele

toma todas as medidas que entender úteis para a descoberta da verdade (art. 310, Código de Processo Penal).

É o juiz que estabelece a ordem na qual as testemunhas serão ouvidas, podendo

fazer perguntas a cada depoimento em busca da descoberta da verdade. Cabe ao Presidente, quando da oitiva de uma testemunha, determinar a retirada do acusado do Tribunal. Fica a critério dele decidir sobre a necessidade de apresentação, no Tribunal, durante os julgamentos, dos objetos ligados à infração. (Marty, 2005, p. 187)

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Concluídos os debates, o Juiz Presidente lê publicamente as questões às quais a

Corte (composta pelo Presidente e dois assessores) e o Júri (nove jurados) deverão responder.

Cabendo-lhe, ainda, perguntar ao júri quaisquer questões adicionais necessárias

para determinar precisamente qual infração foi cometida ou se existem circunstâncias agravantes. (Marty, 2005, p. 187)

A partir de 2000 ficou o Juiz Presidente da Cour d’assisesincumbido de colocar

questões referentes a casos que importem na exclusão da responsabilidade do réu e que tenham sido arguidas pela defesa. Por fim, na deliberação, o juiz faz a contagem dos votos e anota o resultado. (Marty, 2005, p. 187)

A decisão relativa à culpabilidade do réu deve ser tomada por dois terços dos

doze votos proferidos pelos jurados. Já a decisão referente à pena, basta a maioria simples. (Marques, 2001, p. 127)

As decisões do escabinado francês até o ano de 2000 eram irrecorríveis. Naquele ano foram introduzidas várias reformas no Código de Processo Penal

Francês, tendo sido criado pela primeira vez na França, o direito de apelação no mérito contra uma condenação imposta pelo escabinado. (Marty, 2005, p. 165)

Antes de 2000, as decisões do escabinado poderiam ser atacadas apenas pela

cassação, sendo inadmissível recorrer do mérito de tais decisões. Por força da reforma de 2000, ocorreu uma significativa mudança na parte

relativa aos recursos contra as decisões do escabinado, o que resultou em que, a partir de janeiro de 2001, fosse criado o direito de recorrer no mérito. (Marty, 2005, p. 167)

A Corte de Cassação, um dos órgãos da justiça francesa, tem competência para

julgar a correlação jurídica de uma decisão e não pronunciar sobre um processo. Interposto um recurso de provimento em cassação, caso a Corte entenda que a decisão recorrida não está em consonância com o Direito, não a reforma, mas remete o processo a uma Corte de Apelação diversa daquela que proferiu o julgamento para nova decisão.

Excepcionalmente a Corte decide tanto sobre o fato quanto acerca do mérito,

caso julgue provido um recurso penal de revisão (interposto por condenado definitivamente), para corrigir erro judiciário ou no processo civil (Marques, 2001, p. 129-130).

As apelações contra as decisões do escabinado serão julgadas por um

outro escabinado de diferente base territorial, tribunal que é composto de três juízes profissionais e de doze jurados.

No Brasil, o artigo 593 do Código de Processo Penal, dispositivo que tem sido

muito criticado por parte da doutrina, admite a apelação das decisões do Tribunal do

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Júri, apelação que não é julgada por outro Tribunal de Júri, como é na França, mas pelos Tribunais de Justiça dos Estados.

São previstos também na França os Tribunais de Júri Juvenis, que são

compostos por um Juiz presidente, dois juízes de menores e nove jurados. Referidos tribunais são competentes para o julgamento dos crimes cometidos por menores de 16 a 18 anos, bem como para julgar os cúmplices e co-autores maiores. (Marques, 2001, p. 121)

2.4. O escabinado na Itália

A primeira legislação que tratou do júri na Itália foi prevista no Codice di Procedura Penal e de 1859. Referido Código foi alterado em l4 de dezembro de 1865 pelo Reglamento giudiciario, sofrendo nova modificação por força da Lei de 8 de junho de 1874, que cuidava da separação entre o julgamento do fato e o de direito. (Morais, 2000, p. 72)

Ângelo Ansanelli Júnior (2005, p. 185), baseado nas palavras de Edmundo

Hendler, esclarece que segundo este autor, na Itália, o julgamento por jurados já era previsto em determinados textos de diferentes partes do território italiano até o século XVII. Mas foi após a Revolução de 1848 que os jurados acabaram surgindo na Itália.

Citando, ainda, Edmundo Hendler, Ansanelli Júnior (2005, p. 85) ensina que no

ano de 1874 foi estabelecido na Itália um júri composto por doze pessoas leigas, mais três juízes profissionais, que atuavam todos em um procedimento oral e público.

Edmundo Hendler (apud Júnior, 2005, p. 185) esclarece que até 1913 foram

introduzidas várias reformas na legislação processual italiana, prevendo uma delas a redução do número de jurados de doze para dez e suprimindo o resumo do processo que era realizado pelo Juiz-Presidente aos jurados para a votação dos veredictos.

Ainda na Itália, em 1931, o jurado se transforma em um escabinado, composto

por um Presidente, magistrado e cinco assessores. (Júnior, 2005, p. 185) Várias leis italianas, como a de 10 de abril de 1951, a de 5 de maio de 1952, o

Decreto-Lei de 21 de fevereiro de 1978 e o Decreto de 22 de setembro de 1988 tratam do escabinado italiano. (Júnior, 2005, p. 186)

Em nível constitucional, o júri misto foi regulamentado pelo art. 102 da Carta de

27 de dezembro de 1947, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1948, nos termos seguintes: “A lei regulará os casos e as formas de participação direta do povo na administração da justiça”. (Júnior, 2005, p. 186)

Muito se discutiu na Itália sobre a instituição de um recurso de apelação

das decisões do escabinado, mesmo porque, quando lá funcionava o sistema de jurado puro, as decisões deste eram passíveis de recurso.

Atualmente, foram criadas as Corti D’ Assisi D’ Appello. (Júnior, 2005, p. 186)

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Hodiernamente, as Corti D’Assisi italianas de primeira instância funcionam com

um magistrado do Tribunal de Apelação, que desempenha a função de Presidente, um magistrado de um tribunal e seis juízes populares. (Júnior, 2005, p. 186)

A Corte de apelação do escabinado, existente em cada distrito, tem competência

para conhecer das decisões proferidas, em primeiro grau, pelo colegiado acima mencionado.

Referida Corte é composta por um Presidente que desempenha as funções de

Presidente de Seção da Corte de apelação, de um juiz da Corte de apelação e de seis jurados populares.(Marty, 2005, p. 355)

Na Itália, assim como na França, utiliza-se quase a mesma terminologia,

ocorrendo uma pequena distinção no que se refere à forma como aquele e este país empregam a expressão, pois que, na França, o júri recebe a denominação de Cour d’assises, enquanto que na Itália é denominado Corti di Assise.

A Corti D’ Assisi D’ Appello têm a mesma organização das Cortes de primeira

instância, com uma peculiaridade, qual seja, a de que as funções do Presidente são exercidas por um magistrado de cassação. Compete às Corti D’ Assisi D’ Appello julgar as apelações interpostas contra as sentenças e outros provimentos oriundos das Corti D’ Assisi. (Júnior, 2005, p. 186)

De acordo com Fernando da Costa Tourinho Filho (1996, p 17) no escabinado

juízes leigos e togados decidem, em primeiro lugar, sobre a pretensão deduzida e, em segundo, sobre a aplicação da pena. Já, no assessorado, que por muito tempo perdurou na Itália, o jurado procura instruir-se com o assessor.

O escabinado italiano é competente para as infrações para as quais a lei comina

pena de prisão perpétua, bem como para aquelas puníveis com pena de reclusão cujo máximo não seja inferior a 24 anos, e ainda, para delitos consumados, tais como: homicídio culposo; instigação ao suicídio; homicídio preter intencional; redução à condução análoga a de escravo; comércio de escravos ou de pessoa em condição análoga à de escravo; alienação ou sessão de escravos, todos do Código Penal. (Marty, 2005, p. 354)

O direito italiano não prevê o julgamento pelo escabinado em caso de homicídio

tentado, nem a extorsão mediante sequestro. (Marty,2005, p. 354) A lei italiana é bastante rígida com relação à seleção dos jurados, exigindo para

o exercício do cargo de juiz leigo, em primeira instância, os seguintes requisitos: a) ser cidadão italiano e estar no gozo dos direitos civis e políticos; b) possuir boa conduta moral; c) ter idade não inferior a 30 anos e não superior a 65 anos; d) ser portador de título final de estudos de escola média de primeiro grau.(Júnior, 2005, p. 186)

Para compor a Corti D’ Assisi D’ Appello, é necessário que o leigo preencha os

requisitos indicados nas letras “a” a “c”, e ainda que seja titular do título final de estudos de escola média de segundo grau. (Júnior, 2005, p. 186-187)

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Por força da Lei de 10 de abril de 1951, em cada município italiano é formada

uma lista, integrada por uma Comissão composta pelo Prefeito ou por quem o represente e de (51)mais duas pessoas idôneas da comunidade. O Prefeito convida aqueles que possuem os requisitos legais para o exercício do cargo e juiz leigo. (Júnior, 2005, p. 187)

Formada a lista, ela é enviada pelo Prefeito ao pretor da circunscrição e, após a

colheita de informações sobre as pessoas constantes da lista, bem como a análise, pela comissão de prefeitos dos municípios das comarcas da circunscrição, a mesma é afixada para o público durante dez dias. (Júnior, 2005, p. 187)

O Presidente do tribunal do local onde funciona Corti D’ Assisi D’ Appello, ao

receber tal lista, ouve o Procurador da República e o Conselho da Ordem dos Advogados, e, no prazo de um mês, contado do recebimento, adota várias providências tais como: a) examina e controla os nomes constantes nas listas; b) decide, mediante prévia comunicação a parte interessada sobre as reclamações, inscrevendo ou cancelando o nome daqueles que foram omissos ou inscritos indevidamente; c) forma as listas definitivas dos juízes populares, Corti D’ Assisi de primeira instância e da Corti D’ Assisi D’ Appello. (Júnior, 2005, p. 187-188)

Publicada a lista definitiva, o Presidente do tribunal da localidade forma as listas

gerais dos juízes populares e dos suplentes para as duas Cortes, a de primeira instância e a da Corti D’ Assisi D’ Appello. (Júnior, 2005, p. 188)

Tal lista é revista bienalmente, quando um novo processo de inscrição é

realizado. (Júnior, 2005, p. 188) Quinze dias antes da sessão das Cortes de primeira instância, numa sessão

solene, o Presidente, na presença do Ministério Público, retira da urna geral dos juízes populares, um número de cédulas correspondente à metade das que foram depositadas, o que geralmente gira em torno de 50 cédulas. (Júnior, 2005, p. 188)

O Presidente sorteia, na ordem de extração das cédulas, os jurados necessários

para a prestação de serviço durante a sessão. (Júnior, 2005, p. 188) Os juízes leigos integrantes da Corti D’ Assisi, ao longo do tempo da citada

sessão, são igualados ao juízes profissionais. (Júnior, 2005, p. 188) Os juízes leigos, na Itália, são remunerados, percebendo uma determinada

quantia por cada dia de trabalho no exercício da função. Os trabalhadores autônomos recebem valores superiores a aqueles que são empregados. (Júnior, 2005, p. 189)

Os jurados que moram fora da sede da Comarca são reembolsados pelas

despesas de viagem, na mesma proporção que os juízes togados. (Júnior, 2005, p. 189) Concluídos os trabalhos das sessões, os membros da dCorti D’ Assisi reúnem-se

para deliberar sobre a causa. A votação para decisão se dá sempre por maioria de votos,

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sendo que em caso de empate, resolve-se a favor do réu. Ultimada a deliberação, o Presidente da Corte redige a ata e a parte dispositiva da sentença. (Júnior, 2005, p. 189)

Ângelo Ansanelli Júnior, citando Leone, ensina que este autor esclarece

que a redação do fundamento da sentença compete, em principio, ao juiz Presidente ou a outro juiz profissional, mas, caso o Presidente entenda que não há impedimento, pode confiar tal tarefa a um dos juízes leigos. (Junior, 2005, p. 189)

Quanto aos recursos da decisão da Corti D’ Assisi, além de ser previsto

o de apelo, admite-se também o recurso de cassação, conforme previsão do art. 606, do Código de Processo Penal Italiano.

O recurso de cassação é admissível quando se tem dúvida sobre a competência

do juízo; quando ocorre inobservância ou errônea aplicação da lei penal; inobservância das normas processuais; e ilogicidade da motivação. Como recurso de cassação ataca-se o error in procedendo. Referido recurso pode ser interposto pelo acusadoou pelo Ministério Público. (Júnior, 2005, p. 190)

A Corte de cassação italiana tem sede em Roma, tendo jurisdição sobre todo

território nacional, sendo composta por um Presidente e nove juízes. Não participam de seus julgamentos juízes não técnicos, mas somente da Corti D’ Assisi e da Corti D’ Assisi D’Appello. (Marty, p. 355)

As audiências de seção única da Corte de Cassação são compostas do Presidente

da sessão e de cinco juízes, sendo de sua atribuição: garantir a uniformidade na aplicação das leis; assegurar à unidade do direito e observar o respeito à competência jurisdicional. (Marty, 2005, p. 355)

2.5. O escabinado na Bélgica

As províncias belgas, após terem sido ocupadas pelas forças armadas francesas, no fim de 1792, foram incorporadas à França, passando, a partir da época da incorporação, a obedecerem à legislação francesa, o que perdurou até 1815. (Marty, 2005, p. 77)

No período compreendido entre 1815 e 1830, a Bélgica foi incorporada à

Holanda, incorporação que subsistiu até a Independência daquele país em 1830 (Marty, 2005, p. 77). Neste período, a instituição do júri não funcionou naquele país. (Morais, 2000, p. 57)

Não obstante a Constituição Belga de 1831 tenha determinado a revisão da

legislação penal e processual penal, somente em 8 de junho de 1867 foi editado o Código Penal do referido país, que entrou em vigor em 15 de outubro de 1867. Em 17 de abril de 1878 foi editada uma lei que continha o título preliminar de Código de Processo Penal. (Marty, 2005, p. 77)

O Código de Processo Penal belga foi objeto de várias propostas de reformas,

todas sem êxito. Por força de um Decreto de 23 de outubro de 1991, foi criada uma

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comissão para o Código de Processo Penal belga, denominada “Comissão Franchimont”, que tinha por principal objetivo realizar um anteprojeto referente à investigação criminal. O anteprojeto de reforma do código foi apresentado em 12 de março de1998, tendo entrado em vigor em 02 de outubro de 1998. (Marty, 2005, p. 77)

O direito interno belga tem recepcionado inúmeras convenções internacionais,

considerando-se estas verdadeiras fontes para o Direito Penal e para o Processo Penal. Destaca-se entre essas fontes supranacionais do direito belga a Convenção

Européia de Direitos do Homem de 04 de novembro de 1950, que foi aprovada por lei belga de 13 de maio de 1955, contendo numerosas disposições que foram imediatamente adotadas no procedimento criminal, tais como, o banimento datortura ou de tratamento inumano ou degradante; o direito à liberdade e segurança; direito ao devido processo legal; direito à defesa; direito à presunção de inocência; direito à privacidade na vida pessoal e familiar; direito à liberdade de expressão; banimento da discriminação, dentre outras. (Marty, 2005, p. 77)

Também desempenham importante papel no sistema interno belga, servindo de

fonte para o Direito Penal e Processual Penal, a Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos de 19 de novembro de 1966, aprovada naquele país por uma lei de 15 de maio de 1981, bem como a Convenção da ONU de 20 de novembrode 1989. (Marty, 2005, p. 79)

A Lei Maior da Bélgica de 1994 contém diversas disposições em matéria penal,

destacando-se, entre várias outras, a publicidade das audiências em contraditório (arts. 147 e 149), e a instituição do júri para todos os delitos em matéria criminal e para os delitos de imprensa e políticos. (art. 150)

Adota-se o sistema misto de processo penal, predominando, na fase

investigatória, o sistema inquisitivo e na fase de julgamento o sistema acusatório. Na primeira fase valoriza-se muito o segredo da instrução, embora esta prática

inquisitiva da investigação tenha sido condenada por decisão de 30 de março de 1989, da Corte Européia dos Direitos do Homem para os suspeitos presos. (Marty, 2005, p. 82)

A Constituição Belga de 1994 assegura o princípio da publicidade das

audiências em curso nos tribunais, ressalvando, o art. 195 do Código de Processo Penal (98), os casos em que a publicidade seja perigosa para a ordem ou para os bons costumes, desde que assim declarada pelos tribunais. Mas, em tema de delitos políticos e crimes de imprensa, só prevalece o segredo da audiência se declarado for pela unanimidade dos tribunais.

A motivação das decisões é prevista no artigo 149 da Constituição da Bélgica. A organização judiciária da Bélgica é disciplinada por lei de 10 de outubro de

1967, que prevê uma distribuição dos órgãos de julgamento em quatro níveis, “a saber: em nível nacional, a Corte de Cassação; em nível provincial, cinco Cortes de apelação (em Anves, Bruxelas, Gande, Liège e Mons), cinco Cortes de trabalho e os Escabinados (cours d’ assises)” (Marty, 2005, p. 86-7).

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Mantendo a tradição francesa, a Bélgica adota a classificação tripartida de

infrações, havendo previsão em sua legislação penalde crimes delitos e contravenções penais. (Marty, 2005, p. 91)

O escabinado é uma Corte não permanente, só exercendo suas atividades quando

convocada pelo Presidente da Corte de Apelação. Aquela Corte é composta pelo juiz Presidente, dois juízes profissionais e um júri de doze membros. Os membros do júri são indicados para integrar o escabinado, aleatoriamente, entre a população. (Marty, 2005, p. 96)

Os membros do júri decidem apenas sobre a culpabilidade, enquanto que a

sentença fica a cargo dos juízes profissionais integrantes da Corte escabinada. (Marty, 2005, p. 96)

Compete ao escabinado belga julgar os crimes, os delitos políticos e os delitos

de imprensa, ressalvando-se da competência da referidaCorte os crimes de racismo e xenofobia.

São também da competência do escabinado os delitos e as contravenções

conexos aos crimes, e ainda, as infrações cometidas contra a Corte. (Marty, 2005, p. 96) As decisões do escabinado tanto podem ser atacadas por intermédio de recurso

de apelação, quanto de cassação. (Marty, 2005, p. 96) A Corte de Apelação, para a qual são endereçados os recursos oriundos das

decisões do escabinado, é dividida em várias câmaras, sendo que cada câmara é composta por um Presidente e dois juízes. Já a Corte de Cassação, que também julga os recursos provenientes do escabinado, é composta por um Presidente e quatro juízes profissionais. (Marty, 2005, p. 97)

O escabinado belga só atua quando provocado pela Câmara de Ajuizamento das

Acusações. Incumbe ao Procurador-Geral a tarefa de apresentar a imputação à Câmara, bem como a de se manifestar pela atuação da Cour d’ assise. (Marty, 2005, p. 113)

Após a provocação do escabinado pela Corte de Ajuizamento, o Presidente da

Corte de Apelação convoca os membros do escabinado para as sessões de julgamento. (Marty, 2005, p. 113)

Iniciado o julgamento, o Presidente do escabinado não mais tem poderes para

ordenar qualquer medida investigatória, salvo se, antes, informar ao corpo de jurados e às partes, sobre eventuais medidas investigatórias queentenda necessárias, sob pena de violação do princípio da oralidade (art. 298 do Código de Processo Penal belga). (Marty, 2005, p. 113)

Antes do ano de 2000, para que o Presidente do escabinado ouvisse o acusado

antes da audiência, para o fim de verificar se ele tinha feito uso de todas as garantias previstas em lei, era necessário que fosse feito um requerimento escrito. Em 2000, referida regra foi derrogada, sendo tal medida, atualmente prevista noartigo 293 da lei processual penal belga, opcional. (Marty, 2005, p. 113)

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Durante a audiência do escabinado, como dispõe o art. 269 do Código

Processual Penal belga, o Presidente dirige o júri, mantendo a ordem durante toda a audiência. Em busca da verdade real, ele pode ouvir testemunhas, e até outras pessoas, sem que seja necessário que prestem juramento, podendo, também, inquirir peritos. Compete, também, ao Presidente da Corte determinar que o réu absolvido seja processado por infração trazida à tona durante o julgamento (art. 361, da lei processual penal belga). (Marty, 2005, p. 114)

À própria Corte do escabinado compete anular a escolha do júri se entender que

está viciada por erro; pronunciar-se sobre os pedidos de dispensa da sessão de um membro do julgamento do júri; determinar que no todo ou em parte o procedimento seja realizado a portas fechadas; determinar busca pessoal e designar uma audiência posterior para a audiência, caso as testemunhas arroladas não compareçam. (Marty, 2005, p. 114)

Vale ressaltar que, durante a audiência, o interrogatório do acusado, perante o

escabinado, fica condicionado à discricionariedade do Presidente, podendo ele interrogar ou não, sem que exista qualquer regra que sirva de base às partes para requererem o interrogatório. (Marty, 2005, p. 117)

A função investigatória também pode ser exercida por um juiz de instrução,

tanto nos delitos ou crimes (flagrante), quando há legitimação própria (artigo 59, do Código de Processo Penal) ), quanto nas hipóteses de requisição por parte do Procurador do Rei ou da vítima da infração (art. 61 do Código de Processo Penal).

Na Bélgica, embora existam movimentos tendentes à reformulação do júri, a

instituição tem grande credibilidade e aceitação naopinião pública naquele país.

2.6. O escabinado em Portugal

A evolução do júri português foi bastante tumultuada, tanto é que após o seu aparecimento, o que ocorreu por volta de 1820, foi ele suprimido por força de uma lei de 26 de setembro de 1840. (Morais, 2000, p. 141)

De acordo com António Manuel (2000, p. 141), embora já houvesse sinais do

júri em Portugal, antes de 1821, foi neste ano que foi publicada a Lei de Liberdade de Imprensa naquele país.

Citado diploma dispôs sobre os primeiros passos que os juízes populares

futuramente iriam trilhar, da seguinte forma: em 19 de março de 1821, sob o princípio da liberdade dos cidadãos, criaram-se as bases da primeira Constituição Política de Portugal. Continha uma forte carga ideológica, como sempre sucede nestes casos, seguindo os princípios da Revolução francesa. Era o germinar dofuturo tribunal do júri. (Morais, 2000, p. 154)

Criadas, em 1821, as pilastras da Constituição Portuguesa de 1822, já se

considerava que tinha sido implantada em Portugal franca liberdade de imprensa. Tão

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esperada era a liberdade de imprensa que já em 1821 os constituintes definiram a liberdade de expressão como “o apoio mais seguro do sistema Constitucional”. (Morais, 2000, p. 155)

Em decorrência daqueles prenúncios de liberdade de imprensa, as Cortes

de 1821 decretaram que “cada cidadão podia imprimir, publicar, comprar e vender nos Estados portugueses livros ou escritos”. (Morais, 2000, p. 155)

A tão esperada liberdade de expressão não era absoluta, tanto é que “constituíam

crimes contra a liberdade de imprensa os cometidos contra os bons costumes”. (Morais, 2000, p. 155)

Para julgar os crimes contra os bons costumes praticados por meio da imprensa

foram criados, em 1821, os Conselhos de Juízes de Facto. (Morais, 2000, p. 155) Em 1821, Dom João VI ordenou a execução do Decreto de 04 de julho daquele

ano, diploma que tratava da liberdade de imprensa, que, em seu art. 22, instituiu os primeiros jurados em Portugal.

O art. 23 do Decreto de 04 de julho de 1821 estabelecia um Conselho com nove

juízes de fato e outro com doze, denominado referido juízes de vogais. O art. 35 do supracitado Decreto regulava os julgamentos doscrimes contra os

costumes praticados por meio da imprensa. Exposta pelo Juiz de Direito a questão relativa ao abuso de liberdade de

imprensa, aos vogais, estes, de acordo com os arts.36 e 37, do Decreto de 04 de julho de 1821, conferenciavam sobre a decisão e, após decidirem a causa, retornavam à presença do juiz informando sobre o que havia decidido. (Morais, 2000, p. 158)

Verifica-se, assim, que já nos idos de 04 de julho de 1821, em Portugal,

permitia-se uma conferência entre os jurados, em separado, quer dizer, uma discussão da causa, antes de proferirem o julgamento.

Esta mesma possibilidade de uma discussão da causa conferida aos jurados

portugueses, antes do julgamento, era conferida aos jurados brasileiros, conforme dispunha o art. 270 do Código de Processo Criminal de Primeira Instância, promulgado por Lei de 29 de novembro de 1832, o que quer dizer, tanto em Portugal, quanto no Brasil, nos primeiros anos de vida do tribunal do júri já se adotava o que hoje se adota nos países que substituíram o júri pelo escabinado. (Morais, 2000, p. 162-163)

A Constituição Portuguesa de 1822, no Título V (Poder Judicial) Capítulo I (Dos

Juízes e Tribunais de Justiça), assim cuidava do júri no art. 1770: haverá Juízes de Facto assim nas causas crimes comonas cíveis, nos casos e pelo modo, que os códigos determinarem. Os delitos de abuso da liberdade de imprensa pertencerão desde já ao conhecimento destes Juízes. (Morais, 2000, p. 163)

Foi muito polêmica a criação do júri em matéria cível. (Morais, 2000. p. 163)

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Independentemente das divergências contra o júri civil, o Decreto n°. 24, de 16 de maio de 1832, regulamentou o júri comum, estabelecendo: “ Na Carta foi considerada a opressão pública e prometem-se jurados para as causas cíveis e crimes”. (Morais, 2000, p. 166)

Por Decreto de 13 de janeiro de 1837, o tribunal do júri Português passou a

intervir, obrigatoriamente, em todos os crimes, por meio do júri de pronúncia e do júri de sentença. (Morais, 2000, p. 167)

A Constituição Portuguesa de 1826, no Título VI (do Poder Judicial), Capítulo

Único (dos Juízes e Tribunais de Justiça) deu ao júri o seguinte tratamento: “Art.118- O Poder Judicial é independente, e será composto de Juízes, e Jurados, os quais terão lugar, assim no Cível, como no Crime, nos casos, e pelo modo que os Códigos determinarem”.

Quanto à competência, o art. 119 da segunda Carta Política Portuguesa

estabelecia: “ Os Jurados pronunciam sobre o facto,e os Juízes aplicam a Lei” . Em 04 de abril de 1838 jurou-se a terceira Constituição Portuguesa, que

no Título VII (do Poder Judiciário), Capítulo Único, manteve o júri, dispondo: artigo 123: o Poder Judiciário é exercido pelos Juízes e Jurados. § 1º - Haverá Jurados assim no cível como no crime,nos casos e pelo modo que a Lei determinar. § 2º - Os Juízes de direito são nomeados pelo Rei, e os Juízes ordinários eleitos pelo Povo. § 3º - Nas causas cíveis, e nas criminais civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juízes árbitros.

Ainda que previsto o júri nas três primeiras Constituições Portuguesas, uma Lei

de 26 de setembro de 1840, introduzindo uma ampla reforma na divisão judicial de Portugal, ordenou a execução do Decreto das Cortes Gerais de 21 de setembro de 1839. Por força dos arts. 1º, 2º e 3º, da supracitada lei, foi suspenso o júri Português nos casos dos crimes de fabricação e falsificação de moedas com curso legal, de papéis de Crédito Público, de notas do Banco de Lisboa e do Banco Comercial do Porto, de firmas e escritos públicos e de letras e notas promissórias comerciais, de fuga de preso ainda sem arrombamento, quando para a fuga tiver concorrido facto de pessoa de fora da prisão ou culpa de carcereiro, de assuada, havendo ferimento. Em todos os outros crimes havia lugar para o Júri Comum, incluindo os de liberdade de Imprensa. (Morais, 2000, p. 170)

Art. 3º - Nos crimes enumerados no Artigo antecedente, fica suspensa a

intervenção do Júri, tanto de Pronúncia como de Sentença. Os Juízes de Direito, proprietários e substitutos, cada um nos circulo da sua competência, julgarão definitivamente em primeira instância de facto e de direito, com recurso para a Relação do Distrito, independentemente da audiência geral. (Morais, 2000, p. 171)

Art. 2º - Serão recenseados para jurados todos os que tiverem habilitações

literárias que dispensam aprovação do censo nos termos da legislação actual. (Morais, 2000, p. 185)

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§ 1º. Quando os jurados assim recenseados não chegarem a 120, recensearão, além destes, todos os que tiverem uma renda líquida anual de 400.000 réis ou mais, não chegando ainda assim a completar-se o número de 120, serão recenseados os contribuintes imediatos por sua ordem nos termos do parágrafo único do Artigo 1º da Lei de 21 de julho de 1855. (Morais, 2000, p. 185) § 2º. Nas comarcas de Lisboa, Porto e Coimbra, sessenta jurados pelo menos serão recenseados dos que tiverem as habilitações literárias que dispensam a prova de censo, e outro sessenta, pelo menos, dos contribuintes na forma prescrita. (Morais, 2000, p. 185) § 3º. Nas Comarcas mencionadas no parágrafo anterior, a pauta se formará lançando numa urna os nomes dos recenseados com as habilitações e em outra, os dos que o foram como contribuintes, e de cada uma dela se sortearão 18 nomes. (Morais, 2000, p. 185)

O Código Penal Português de 1886 fazia esparsas alusões aos jurados,

estabelecendo, por exemplo, art. 181, condenações àqueles que dirigissem ofensas a Ministros e Jurados. (Morais, 2000, p. 188)

O decreto n°. 13. 255, de 09 de março de 1927, cuidou da abolição do Júri

no Tribunal. Em decorrência disso, os crimes que deviam ser julgados pelo tribunal do júri passaram a ser julgados por um tribunal coletivo formado por três juízes de carreira. (Morais, 2000, p. 195)

Devido aos vários golpes que lhe foram impostos, o júri praticamente

desapareceu em Portugal, mas em 1975 ele foi ressuscitado. O decreto-lei n.° 605, de 03 de novembro de 1975, no seu preâmbulo, estabelecia que: o programa do movimento das forças armadas determina, nas medidas a curto prazo, a dignificação do processo penal em todas as suas fases, tendo o Ministério da Justiça, no seu plano de acção, aprovado em Conselho de Ministros a 20 de setembro de 1974, como prioritária, em ordem ao cumprimento daquela norma, a simplificação e celeridade do processo penal, a fusão num só dos processos correccionais ede polícia correccional, assim como a instituição do júri para julgar os crimes mais graves. (Morais, 2000, p. 209)

Novas referências ao júri foram feitas no número 4 do preâmbulo do

Decreto 605, de 03 de novembro de 1975, que fez ressurgir o júri no tribunal em Portugal. (Morais, 2000, p. 210)

Em 1986, foi publicado um projeto do novo código de processo penal em

Portugal, prevendo reforma no tribunal do júri. A alínea “C”, do número 7, do projeto de reforma, estabelecia: por outro lado, é logo a partir da primeira instância que se começa por dar expressão à garantia ínsita na existência de uma dupla jurisdição. Com efeito, o Código aposta confiadamente na qualidade da justiça realizada ao nível da primeira instância, para o que não deixa de adoptar as medidas consideradas mais adequadas e de supor que outras – que a ele não cabe editar – não deixarão de ser consagradas nos lugares próprios. Entre estas avulta a separação entre os juízes que hão – de actuar como juízes singulares e os que pertencem aos tribunais coletivos. No mesmo enquadramento deverá interpretar-se o alargamento da competência dos jurados, agora extensiva também à matéria de direito, combinado com a diminuição sensível do seu número que deverá ser estatuída pela lei complementar sobre o Júri. (Morais, 2000, p. 220)

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A Lei n.° 38, de 23 de dezembro de 1987, que decretou uma nova Lei

Orgânica dos Tribunais Judiciais, em seu artigo 51, refere-se à composição do tribunal do júri, dispondo que este é composto pelo presidente do tribunal colectivo, que o preside, pelo restante dos juízes e pelos jurados. (Morais, 2000, p. 221)

Por força da supracitada lei, o júri clássico ou tradicional de Portugal foi

substituído pelo escabinado. A partir de 29 de dezembro de 1987, o escabinado português passou a ser

regulamentado pelo Decreto-Lei n.° 387-A/87. Referido diploma prevê a composição do novo tribunal do júri, em seu artigo 1º, números 1 e 2, estabelecendo que o mesmo é composto por três juízes de carreira e quatro jurados.(Gonçalves, 2005, p. 1122-1123)

Artigo 1°. Composição do tribunal do júri. 1- O tribunal do júri é composto pelos três juízes que constituem o tribunal

colectivo e por quatro jurados efectivos e quatro suplentes. 2- O tribunal é presidido pelo presidente do tribunal colectivo. (Morais, 2000, p.

228) O art. 2º, números 1 e 2, do supracitado diploma trata da competência do

tribunal misto, nos seguintes termos: artigo 2º. Competência do tribunal do júri. 1- Compete ao tribunal do júri julgar os processos que, tendo a

intervenção do júri sido requerida pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo argüido, respeitarem a crimes previstos no título II e no capítulo I do título V do livro II do Código Penal.

2- Compete ainda ao tribunal do júri julgar os processos que, não devendo ser julgados pelo tribunal singular, e tendo a intervenção do júri sido requerida pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo argüido, respeitarem a crimes cuja pena máxima, abstractamente aplicável, for superior a oito anos de prisão.

3- O júri intervém na decisão das questões da culpabilidade e da determinação da sanção. (Gonçalves, 2005, p. 1123)

A seleção dos jurados está prevista nos artigos 8º e 9º do Decreto 387-A/87. O título II do Código Penal Português disciplinaos crimes contra o patrimônio. O capítulo I do Código Penal Português regulamenta os crimes contra a

segurança do Estado. O título V do Código Penal Português trata dos crimes contra o Estado. O livro II refere-se à parte especial do Código Penal Português. Artigo 8º - Processo de seleção. 1- A selecção dos jurados efectua-se através de duplo sorteio, o qual se processa

a partir dos cadernos de recenseamento eleitoral e compreende as seguintes fases: a) sorteio de pré-selecção dos jurados; b) inquérito para determinação dos requisitos de capacidade; c) sorteio de selecção dos jurados;

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d) audiência de apuramento; e) despacho de designação. 2- O processo de selecção é autuado por apenso aos autos a que respeitar. 3- A lista de jurados vale unicamente para o processo para o qual tiver sido obtida. (Gonçalves, 2005, 1127)

Artigo 9º - Sorteio de pré-selecção dos jurados. 1- Deferido o requerimento de intervenção do júri, o presidente procede ao

sorteio dos jurados que poderão vir a constar da pauta de julgamento, apurando para tal efeito 100 cidadão.

2- O sorteio a que se refere o número anterior obedeceaos seguintes termos: a) efectua-se em audiência pública na qual estão presentes o Ministério Público, o advogado do assistente e o defensor do argüido, os quais são para o efeitonotificados, sem que a sua falta seja motivo de adiamento; b) são utilizados os cadernos de recenseamento eleitoral correspondentes às freguesias integradas no âmbito das circunscrição judicial, os quais são numerados, incluindo os supletivos, respeitando-se a ordem alfabética das freguesias; c) o sorteio visa obter 100 séries de números, com tantos dígitos quantos os que compuserem o mais alto número utilizado na numeração dos inscritos nesses cadernos, as quais são obtidas mediante a extracção de dez bolas ou cartões introduzidos numa urna, numerados de zero a nove.

3- A fim de proceder ao sorteio previsto no número anterior, o presidente, no despacho em que deferir o requerimento de intervenção do júri, requisita ao presidente da câmara municipal cópia dos cadernos eleitorais os quais lhe serão facultados no prazo de cinco dias, sob pena de desobediência.

4- Das operações de sorteio lavra-se acta, na qual se consignam as presenças e a lista obtida. (Gonçalves, 2005, 1127-1128)

O capítulo IV do Decreto-Lei nº. 387-A/87 prevê o Estatuto dos Jurados,

estabelecendo, em seu art. 14, que: 1- os jurados decidem apenas segundo a lei e o direito e não estão sujeitos a

ordens ou instruções; 2- os jurados não podem abster-se de julgar com fundamento na falta,

obscuridade ou ambigüidade da lei ou em dúvida insanável sobre a matéria de facto; 3- os jurados são irresponsáveis pelos julgamentos e decisões e só em casos

especialmente previstos na lei podem ser sujeitos, em razão do exercício das suas funções, a responsabilidade civil ou criminal.(Morais, 2000, p. 236)

O estatuto dos jurados, em seu art. 15, confere a eles os seguintes direitos. 1- Os jurados não podem, durante o exercício da respectiva função, ser

privados da liberdade sem culpa formada, salvo no caso de detenção em flagrante delito por crime punível com prisão superior a três anos.

2- Durante o mesmo período têm direito a uso, portee manifesto gratuito de arma de defesa, independentemente de licença ou participação.

3- Os jurados têm direito a receber como compensação pelas funções exercidas um subsídio diário igual a 1 UC, e não poderão ser prejudicados na sua profissão ou emprego pelas faltas inerentes ao desempenho do cargo.

Após a leitura da sentença em 1ª instância a compensação é atribuída por cada

dia de efectivo exercício da função. (Morais, 2000, p. 236)

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O art. 365 do Código de Processo Penal regula, nos seguintes termos, a

deliberação e a votação por parte do escabinado. 1. Salvo em caso de absoluta impossibilidade, declarada em despacho, a

deliberação segue-se ao encerramento da discussão. 2. Na deliberação participam todos os juízes e jurados que constituem o tribunal, sob a direcção do presidente. 3. Cada juiz e cada jurado enunciam as razões da sua opinião, indicando,

sempre que possível, os meios de prova que serviram para formar a sua convicção, e votam sobre cada uma das questões, independentemente do sentido do voto que tenham expresso sobre outras. Não é admissível a abstenção.

4. O presidente recolhe os votos, começando pelo juiz com menor antiguidade de serviço, e vota em último lugar. No tribunal de júri votam primeiro os jurados, por ordem crescente de idade.

5. As deliberações são tomadas por maioria simples.(Morais, 2000, p. 222) Verifica-se, assim, que, o ordenamento jurídico português permite que

haja comunicação entre os integrantes do escabinado e exige que cada um deles fundamente sua decisão.

Em Portugal, por previsão da Lei n.º 43 de 26 de setembro de 1986, em seu

artigo 2°, alínea 74, é conferida competência ao Supremo Tribunal de Justiça para conhecer, em revista, das decisões proferidas com intervenção do júri. (Morais, 2000, p. 206-207)

A exemplo de vários países que, buscando assegurar a aplicação dos preceitos

de ordem garantista, aperfeiçoaram a participação dos juízes populares na administração da justiça penal, o direito interno adotou o sistema misto de julgamento, no âmbito já justiça militar, ramo especializado do direito que passaráa ser examinado na sequência.

Art. 2°. O Código a elaborar ao abrigo da presentelei observará os princípios

constitucionais e as normas constantes de instrumentos internacionais relativos aos direitos da pessoa humana e ao processo penal a que Portugal se encontra vinculado.

Alínea 74. Atribuição ao STJ de competência para conhecer, em revista,

das decisões proferidas com intervenção do júri, de decisões finais do tribunal colectivo e de decisões proferidas em primeira instância pela relação. (Morais, 2000, p. 206-207)

3. O ESCABINADO NO BRASIL

Verifica-se que, historicamente, o sistema de julgamento utilizado no Brasil, como regra, por meio do qual o povo participa da administração da justiça penal, é o júri tradicional, criado, inclusive, antes da proclamação da independência brasileira.

Somente em 2004, com a publicação da Emenda Constitucional n.° 45, foi

inserido no cenário jurídico pátrio, exclusivamente, no que pertine a Justiça Militar,

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outro sistema de julgamento, qual seja: o escabinado, razão pela qual necessária se faz a análise de alguns aspectos desse ramo especializado do direito.

3.1. O júri misto na Justiça Militar Brasileira

Impera o escabinado no Brasil, na palavra de Ronaldo João Roth, no âmbito da Justiça Militar. (2006, p. 444 e ss.)

Sem fugir ao tema da presente dissertação, antes deaprofundar mais na pesquisa

sobre o escabinado na Justiça Militar brasileira, necessário se faz, até para melhor compreensão da mencionada matéria, que sejam tecidos alguns comentários, ainda que breves, sobre a Justiça Militar, em especial, a estadual, sede maior do escabinado, abordandose temas como o que se refere ao conceito de crimes militares, as categorias de crimes militares (crime militar próprio e impróprio) e a competência.

Trata-se, segundo Ronaldo João Roth de: matéria da competência do segmento

do Poder Judiciário especializado e um dos mais antigos do Brasil, o qual encontra sua legislação na atuação presente do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil, nas 71 sessões públicas da Justiça Militar, de primeira e segunda instâncias. (2006, p. 444/445)

Leciona, ainda, o mencionado autor que, apesar da antigüidade da Justiça

Militar, cuida-se de um dos mais desconhecidos ramos especializados de justiça do Poder Judiciário, desconhecimento este que não se refere apenas à comunidade jurídica, mas também fora dela, o que é explicado pela inexistência da disciplina sobre o direito militar nos cursos de graduação de Direito. (2006, p. 445)

O ensino do direito militar já foi matéria obrigatória no Brasil, no período de

1925 a 1930, tornando-se, depois de 1930, facultativa no currículo de graduação de Direito.

Atualmente, apenas em algumas Academias Militares e em poucas faculdades de

direito, ainda é obrigatório no curso de graduação o ensino de direito militar. (2006, p. 445)

O abandono do ensino do direito militar nos cursos de graduação de direito vem

provocando um certo vazio na área do conhecimento jurídico, prejudicando interesse de estudantes e advogados que frequentemente questionam os motivos da ausência do ensino da matéria. (2006, p. 445)

Arrematando seu breve histórico sobre a Justiça Militar no Brasil, lembra

Ronaldo João Roth de um evento promovido pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, em 30 e 31 de agosto de 2004, quando no evento, oentão procurador de justiça Luiz Daniel Pereira Cintra teceu o seguinte comentário sobre a mencionada justiça: realmente, procedendo a uma breve incursão na literatura jurídica, constatamos a escassez de doutrina no âmbito do Direito Militar e Direito Administrativo Disciplinar Militar, fato que, aliado à ausência do ensino desse ramo do Direito atualmente nas Universidades brasileiras – o ensino do Direito Militar

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foi disciplina obrigatória no Brasil para o 5º ano do Curso de Direito, no período compreendido entre 1925 a 1930 -, realça a relevância da presente publicação. A isso somamos a longevidade do Direito Militar no mundo – disciplinado desde o período romano -, e, no Brasil, ganhou contornos legislativos a partir da proclamação da República, com a edição do Código Penal da Armada, em 1891. A Justiça Militar (134) Evento senominado I Seminário de Direito Penal Militar e Processual Penal Militar. (Roth, 2006, p. 445)

No âmbito Estadual, ela surgiu como Lei Federal 192, de 17.01.1936, ocasião

em que as Polícias Militares passaram à condição de reservas do Exército brasileiro. Com isso, em São Paulo, a Justiça Militar foi criada pela Lei Estadual 2.856, de 08.01.1937 eoficialmente instalada em fevereiro do mesmo ano. (2006, p. 445)

É no âmbito dessa Justiça Militar, quase desconhecida, que funciona no Brasil, o

escabinado brasileiro. Paulo Tadeu Rodrigues Rosa (2002, p. 1) explica que há uma certa aversão

contra a Justiça Militar porque, para alguns, ela desrespeita os direitos humanos, o que, a seu ver, não é verdade já que a mencionada justiça não constitui nenhuma afronta aos direitos humanos, não revelando qualquer sinal de autoritarismo.

3.2. Dos órgãos da Justiça Militar

A Justiça Militar brasileira divide-se em Justiça Militar Federal e Justiça Militar Estadual, compondo-se, aquela, de acordo com o art.1º da Lei n°. 8.457, de 27 de setembro de 1992 (Lei Orgânica da Justiça Militar – LOJM), dos seguintes órgãos:

Art. 1º. São órgãos da Justiça Militar:

I. o Superior Tribunal Militar; II. a Auditoria de Correição; III. os Conselhos de Justiça; IV. os Juízes-Auditores e os Juízes-Auditores Substitutos.

Art. 5° da CF/1934 - compete privativamente à União: XIX- legislar sobre:

l) organização, instrução, justiça e garantias das forças policiais dos Estados e condições geraisda sua utilização em caso de mobilização ou de guerra.

Acrescenta, ainda, Paulo Tadeu, que os denominados países desenvolvidos

também possuem as suas Justiças Militares, como os Estados Unidos da América, a Inglaterra, a Espanha, Portugal e outros. (2002, p. 1)

Ricardo A. Malheiro Fiúza também ressalta que outros países importantes do

mundo jurídico-político possuem sua justiça militar tais como: Alemanha, França, Itália e Áustria. (2000, p. 25)

No âmbito estadual, constituem órgãos da Primeira Instância da Justiça Militar,

o Juiz de Direito atuante no juízo militar e os Conselhos de Justiça.

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No que pertine à Segunda Instância, apenas em três Estados no Brasil, quais sejam: São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, possuem Tribunais de Justiça Militar, enquanto que nos outros Estados funcionam como órgãos de Segunda Instância da Justiça Militar os próprios Tribunais de Justiça Estaduais.(Roth, 2006, p. 453/454)

Os Conselhos de Justiça são de duas categorias: o Permanente, que é formado

para o processamento e julgamento de Praças, e o Especial, formado para o processamento e julgamento de oficiais.

Como se vê, os Conselhos de Justiça em que atua o escabinado na Justiça Militar

brasileira aparecem tanto no primeiro como no segundo graus. Não obstante figure o escabinado na primeira e segunda instâncias da

Justiça Militar, a presente dissertação limitar-se-á mais ao estudo do escabinado na área da Justiça Militar estadual de primeiro grau.

O Conselho de Justiça, que é o órgão colegiado de primeiro grau, é composto

por cinco juízes, sendo eles um juiz de direito do juízo militar, isto é um juiz togado, e quatro juízes militares, estes últimos exercendo judicatura temporária.

É este órgão colegiado de primeiro grau que constitui o escabinado na justiça

militar. Observa-se, assim, que na Justiça Militar existe uma modalidade de judicatura

que não encontra outra semelhante no Brasil, em virtude de sua composição, uma vez que nela predomina o princípio do juízo hierárquico, pelo qual, os réus militares são julgados pelos seus superiores hierárquicos e com a participação obrigatória do juiz de direito, o que resulta na comunhão de um julgamento técnico-jurídico (realizado pelo Juiz de Direito) e um julgamento técnico-profissional (feito pelos Juízes Militares), cujas decisões, na opinião de Ronaldo João Roth (2006, p. 254), tornam-se muito ponderadas e muito eficazes, não se confundindo com o Conselho de Sentença do tribunal popular comum, ou seja o tribunal do júri.

3.3. Do crime militar

Há severa divergência doutrinária sobre o conceito de crime militar, afirmando Denilson Feitoza Pacheco (2005, p. 471) que não há um conceito universal de crime militar.

Tal conceito é histórico, cultural e nacionalmente dependente, ou seja, varia de

acordo com o momento histórico, com a cultura e com o ordenamento jurídico-nacional locais.

Aponta o mesmo (2005, p. 472) vários critérios que podem ser adotados para a

construção do crime militar, tais como: o ratione persona, o ratione matériae, o ratione tempories, o ratione locie o critério processual.

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Pelo critério ratione personae, crime militar seria o cometido apenas por militar; já, segundo o ratione materiae, crime militar é aquele que resulta na violação de um dever militar; de acordo com o critério ratione tempories,crime militar é o que acontece em época determinada, como no período de guerra; o ratione loc dispõe que crime militar seria o praticado em determinados lugares; critério processual, de acordo com qual o crime militar seria aquele de competência de uma Justiça Militar especializada e o critério ratione legis define crime militar como aqueles enumerados em lei. (Pacheco, 2005, p. 472)

Nos termos do art. 124, caput, da Constituição atual: “À Justiça Militar

compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”. O art. 125 da Carta Política vigente estabelece: Art. 125. [...] § 4º. Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os

militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares (143), ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

Para Jorge César de Assis (p. 107), o critério fundamental para caracterização de

crime militar pelo nosso Código, “ainda é o ex vi legis, ou seja, crime militar é o que a Lei considera como tal [...]”.

Célio Lobão (2006, p. 56), leciona que: em face do direito positivo brasileiro,

o crime militar é a infração penal prevista na lei penal militar que lesiona bens ou interesses vinculados à destinação constitucional das instituições militares, às suas atribuições legais, ao seu funcionamento, à sua própria existência, no aspecto particular da disciplina, da hierarquia, da proteção à autoridade militar e ao serviço militar.

Os crimes militares dividem-se em duas categorias: a saber, crimes militares

Próprios e crimes militares impróprios. No magistério de Denílson Feitoza Pacheco (2005, p.474): crime propriamente

militar é uma infração penal queconsiste na violação de um dever especifico e funcional de uma pessoa ocupante de um cargo militar. Por ser dever específico e funcional do militar, o crime propriamente militar somente pode ser praticado pormilitar.

Assevera Lobão (2006, p. 97) que durante o Império e o início da República só

eram conhecidos no Brasil os crimes propriamente militares, sob a denominação de crime puramente militar.

Já, quanto ao crime impropriamente militar, Esmeraldino Bandeira, apontado

por Célio Lobão (2006, p. 97), como um dos maiores estudiosos do Direito Penal Militar, definiuo como sendo: [...] aquele que pela condição de militar do culpado, ou pela espécie militar do fato, ou pela natureza militar do local ou, finalmente, pela anormalidade do tempo em que é praticado, acarreta dano à economia, ao serviço ou à disciplina das forças armadas.

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Edimilson Henrique dos Santos (2007, p. 3) deixa subentendido que crimes militares impróprios são aqueles definidos no art. 9º, II, do Decreto-Lei 1.001, de 21.10.1969, isto é, do Código Penal Militar.Denílson Feitoza Pacheco sustenta que os três incisos do art. 9º doCódigo Penal Militar “contém elementares exclusivamente dos crimes impropriamente militares, ou seja, os três incisos desse artigo referem-se apenas aos crimes impropriamente militares”. (2005, p. 477)

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual

definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; (Redação da Lei nº 9.299, de 8.8.1996) (Redação anterior) - c) por militar em serviço, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito a administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; f) revogada. (vide Lei nº 9.299, de 8.8.1996) (Redação anterior) - f) por militar em situação de atividade ou assemelhado que, embora não estando em serviço, use armamento de propriedade militar ou qualquer material bélico, sob guarda, fiscalização ou administração militar, para a prática de ato ilegal.

Na concepção de Célio (2006, p. 98): crime impropriamente militar é a infração

penal prevista no Código Penal Militar que, não sendo específica e funcional da profissão do soldado, lesiona bens ou interesses militares relacionados com a destinação constitucional e legal das instituições castrenses.

Segundo Célio Lobão (2006, p. 161-162), são crimes propriamente militares:

motim e revolta (art. 149); violência praticada porgrupo armado (art. 150); omissão diante do motim ou da revolta (art. 151); concerto para motim e revolta (art. 152); violência contra superior (art. 157); desrespeito a superior (art. 160); resultado culposo da violência (art. 159); desacato a superior (art. 298); despojamento de uniforme (art. 162); insubordinação (art. 163); publicação ilícita (art. 166); assunção ilegal de comando (art. 167); conservação ilegal de comando (art. 168); movimentação ilegal de tropa (art. 169); violação de território estrangeiro (art.170); uso ilegal de uniforme de posto superior (art. 171); requisição militar abusiva (art. 173); rigor excessivo na punição de subordinado (art. 174); violência contra inferior (art. 175); e ofender inferior mediante ato aviltante (art. 176).

São considerados impropriamente militares os seguintes crimes: insubmissão

(art. 183); criar ou simular incapacidade física (art. 184); substituição de convocado (art. 185); favorecimento a convocado (art. 186); aliciação (art. 154); incitamento (art. 155); apologia (art. 156); violência contra militar em serviço (art. 158); resultado

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culposo da violência (art. 159); oposição à ordem de sentinela (art. 164); promover reunião de militares (art. 165); uso ilícito de uniforme (art. 172); resistência (art. 177); fuga de preso (art. 178); fuga de preso por culpa (art. 179); evasão de preso (art. 180); arrebatamento de preso (art. 181); amotinação de 148 Incisos: I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados, e, III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

Castrense: designação que se dá a certa espécie de bens, adquiridos por

militares, ou a certos atos praticados por militares, quando em campanha: bens castrenses,testamento castrense. A expressão vem de castra (latim), com o sentido de acampamento, do qual se formou castramentação, arte bélica de escolher o local para o acampamento, e castro,castelo fortificado, para defesa militar. (Silva, 1989, p 403)

preso (art. 182); desacato a militar em função de natureza militar (art. 299);

ingresso clandestino (art. 302); ultraje a símbolo nacional (art. 161); desafio para duelo (art. 224); homossexualismo (235); recusa de função na justiça militar e insubordinação (arts. 340 e 163). (Lobão, 2006, p. 161-162)

Denílson Feitoza Pacheco (2005, p. 485) entende que são também

impropriamente militares os seguintes crimes: homicídio (arts. 205 a 207); lesão corporal (arts. 209 e 210); calúnia, difamação e injúria (arts. 214 a 221); violação de domicílio (arts. 226); estupro, atentado violento ao pudor e corrupção de menores (arts. 232 a 237); furto (arts. 240 e 241); roubo e extorsão (arts. 242 a 247); apropriação indébita (arts. 248 a 250); estelionato (arts. 251 a 253); receptação (arts. 254 a 256); dano (arts. 259 a 266); tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar (art. 290); concussão (art. 305); corrupção (arts. 308 a 310); falsidade (arts. 311 a 318); e outros já constantes da relação apresentada por Célio Lobão.

3.4. Da competência da Justiça Militar

Na área estadual, em primeiro grau, ao juiz de direito do juízo militar compete processar e julgar os delitos militares contra civil, bem como as ações civis contra os atos disciplinares, enquanto que aos Conselhos de Justiça competem o processo e o julgamento dos demais crimes militares. (Roth, 2006, p. 453)

Antes da EC 45/2004, as ações civis contra atos disciplinares eram julgadas

perante as Varas da Fazenda Pública Estadual. Com a entrada em vigor da referida Emenda, tais ações passaram para a competência da Justiça Castrense. (Roth, 2006, p. 449)

Outra mudança introduzida no Direito Penal Militar pela EC 45/2004 refere-se

ao juiz que atua na área, pois, antes da mencionada Emenda, funcionava na Justiça Militar o Juiz Auditor. Agora passou a existir o Juiz de Direito na Justiça Militar.

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A competência da Justiça Militar da União é estabelecida no art. 124, caput 2º

da Constituição Federal, enquanto que a competência de Justiça Militar estadual ou distrital que é a que interessa mais a esta dissertação é prevista no art. 125, § 4º da Constituição Federal.

Ao que se extrai do art. 124, da Constituição Federal, na Justiça Militar da União

é possível ocorrer a condenação do civil por crime militar, seja este próprio ou impróprio, já que o dispositivo constitucional não especifica o sujeito ativo dos crimes militares.

É nisso que, segundo Jorge César de Assis (2007, p. 108), consiste a

grande diferença entre a Justiça Militar Federal e a Estadual, já que esta tem competência restrita para processar e julgar os crimes militares praticados por policiais e bombeiros militares, excluindo-se de sua competência o julgamento de civis.

O art. 82 do Código de Processo Penal Militar e seus respectivos incisos

cuidam do foro militar, em tempo de paz, estabelecendo: “Art. 82. O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz”.

A Lei n.° 9.299/96 introduziu mudanças no Código Penal Militar e no Código de

Processo Penal Militar. Revogou referida lei a alínea “f” do Art. 9º, II, do Código Penal Militar,

que cuidava da hipótese de o delito ser considerado como militar tão somente pelo fato de ser

Art. 124, caput:À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares

definidos em lei. Art. 125 [...] § 4º. Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os

policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

Art. 82. CPPM. I - nos crimes definidos em lei contra as instituições militares ou a segurança

nacional: a) os militares em situação de atividade e os assemelhados na mesma situação; b) os militares da reserva, quando convocados para o serviço ativo; c) os reservistas, quando convocados e mobilizados, em manobras, ou no

desempenho de funções militares; d) os oficiais e praças das Polícias e Corpos de Bombeiros, Militares, quando

incorporados às Forças Armadas. II - nos crimes funcionais contra a administração militar ou contra a

administração da Justiça Militar, os auditores, os membros do Ministério Público, os advogados de ofício e os funcionários da Justiça Militar.

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Atualmente, se um militar cometer lesão corporal com arma militar isso, por si

só, não determina a competência especifica da Justiça Militar a não ser que existam outras circunstâncias tais como, estar em serviço (Pacheco, 2005, p. 474).

Mencionado diploma incluiu o parágrafo único no art. 9º, com a finalidade de

passar os crimes dolosos contra a vida previstos no Código Penal Militar, cometidos por militares contra civis, estando ou não o militar emserviço, para o tribunal do júri.

Inseriu, ainda, um segundo parágrafo no art. 82 do Código de Processo Penal

Militar, tornando os crimes dolosos contra a vida cometidos contra civil da competência da justiça comum.

Antes do advento da referida Lei. n.° 9.299/96 entendia-se, no âmbito da Justiça

Militar, que o crime de homicídio previsto no art. 205 do Código Penal Militar deveria ser apreciado pela Justiça Militar, conforme entendimento de Ronaldo João Roth, que assim se pronunciava: sempre se entendeu que a competência do Júri, definida pela Lei Maior, no sentido de julgar os crimes dolosos contra a vida (art. 5º, inciso XXXVIII, alínea d), excluísse de sua apreciação os crimes militares (arts. 124 e 125, §§ 3º e 4º), por força da previsão contida no CPM (2003. p. 66).

O diploma em comento, sem retirar do art. 205 do CPM o crime de homicídio

doloso, tornou-o da competência da justiça comum. Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida

e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum. (Incluído pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996)

Art. 82 do Código de Processo Penal Militar. O foro militar é especial, e, exceto

nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz.

§ 2° Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.299, de 7.8.1996).

Em decorrência das alterações introduzidas pela Lei n.° 9.299/96, no art. 9º do

Código Penal Militar e no art. 82 do Código de Processo Penal Militar, Jorge César de Assis, Célio Lobão e Márcio Luis Chila Freyesleben, citados por Ronaldo João Roth (2003, p. 67), sustentaram que tal diploma era inconstitucional.

Antes da Emenda Constitucional n.° 45/2004, os §§ 3º e 4º do art. 125

da Constituição Federal tinham a seguinte redação: Art. 125. [...] § 3º. A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a

Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos Conselhos de Justiça e, em segundo, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo da polícia militar seja superior a vinte mil integrantes.

§ 4º. Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei, cabendo ao

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tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

A supracitada Emenda além de ter alterado a redação dos §§ 3º e 4º da

Carta Magna de 88, adicionou a esta um § 5º, nos seguintes termos: Art. 125. [...] § 3º. A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a

Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes.

§ 4º. Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

§ 2° Se o homicídio é cometido: I - por motivo fútil; II - mediante paga ou promessa de recompensa, por cupidez, para excitar ou

saciar desejos sexuais, ou por outro motivo torpe; III - com emprego de veneno, asfixia, tortura, fogo, explosivo, ou qualquer

outro meio dissimulado ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, com surprêsa ou mediante outro recurso insidioso,

que dificultouou tornou impossível a defesa da vítima; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro

crime; VI - prevalecendo-se o agente da situação de serviço: Pena - reclusão, de doze a trinta anos. Homicídio culposo § 5°. Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar,

singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares.

Agora, pela nova redação do § 3º do art. 125 da Constituição Federal a Justiça

Militar, em primeiro grau, é constituída por um juiz de direito e pelos Conselhos de Justiça.

Nos termos do § 4º do art. 125 da Constituição atual, compete à Justiça Estadual

julgar os militares dos Estados, nos crimes definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares. Quanto aos crimes da competência do júri, quando a vítima for civil permaneceu a ressalva feita pela Lei n.° 9.299/96,competindo ao júri comum julgá-los.

Como se vê, pelo art. 125 da Constituição Federal, ao juiz de direito compete

processar e julgar singularmente, além das ações judiciais contra atos disciplinares militares, os crimes militares definidos em lei, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência do juiz de direito do juízo militar processar e julgaros demais crimes.

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Jorge César de Assis (2007, p. 192/193) sustenta que a competência do juiz de

direito do juízo militar para o julgamento das ações judiciais contra atos disciplinares militares é indiscutível, já que o Conselho, às vezes formado por oficiais de menor posto de antiguidade, não seria competente para julgar um militar mais antigo. Mas, quanto aos crimes militares praticados contra civis, acha ele que só o tempo dirá quais são esses crimes.

De qualquer forma, ao teor do § 5º do art. 125 da Constituição atual, cabe ao

Conselho de Justiça processar e julgar os crimes militares que não são da competência do juiz de direito do juízo militar.

Isto quer dizer que compete ao escabinado julgar tais crimes. Com efeito, o

Código de Processo Penal Militar, ao tratar do julgamento, no Livro II, Título I, Seção VII, Capítulo Único, art. 431, refere-se, em primeiro lugar, à sessão de julgamento.

Da sessão do julgamento e da sentença. Abertura da sessão. Jorge César de Assis (2007, p. 195) esclarece que o Código de Processo Penal

Militar tanto alude à sessão de julgamento, o que informa que os julgamentos dos crimes militares devem ser julgados pelos Conselhos.

Ensina, mais, Jorge César (2007, p. 195) que o Código também estabelece que

todos os processos deverão ser julgados pelos Conselhos de Justiça. No Estado de Goiás, por exemplo, atualmente o juiz de direito do juízo militar

julga singularmente apenas os crimes de lesão corporal e ameaça. Os outros crimes, salvo aqueles da competência do júri comum, estão

sendo julgados pelo escabinado, o que Art. 431. No dia e hora designados para o julgamento, reunido o Conselho de Justiça e presentestodos os seus juízes e o procurador, o presidente declarará aberta a sessão e mandará apresentar o acusado.

Lesão leve Art. 209. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. Lesão grave § 1° Se se produz, dolosamente, perigo de vida, debilidade permanente de

membro, sentido ou função, ou incapacidade par as ocupações habituais, por mais de trinta dias:

Pena - reclusão, até cinco anos. § 2º Se se produz, dolosamente, enfermidade incurável, perda ou inutilização

de membro, sentido ou função, incapacidade permanente para o trabalho, oudeformidade duradoura:

Pena - reclusão, de dois a oito anos. Lesões qualificadas pelo resultado: § 3º Se os resultados previstos nos §§ 1º e2º forem causados culposamente, a

pena será de detenção, de um a quatro anos; se da lesão resultar morte e as

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circunstâncias evidenciarem que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena será de reclusão, até oito anos.

Minoração facultativa da pena § 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor moral

ou social ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena, de um sexto a um têrço.

§ 5º No caso de lesões leves, se estas são recíprocas, não se sabendo qual dos contendores atacou primeiro, ou quando ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior, o juiz pode diminuir a pena de um a dois terços.

Lesão levíssima § 6º No caso de lesões levíssimas, o juiz pode considerar a infração como

disciplinar. Lesão culposa Art. 210. Se a lesão é culposa: Pena - detenção, de dois meses a um ano. § 1º A pena pode ser agravada se o crime resulta de inobservância de regra

técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima.

Aumento de pena § 2º Se, em conseqüência de uma só ação ou omissão culposa, ocorrem lesões

em várias pessoas, a pena é aumentada de um sexto até metade. Ameaça. Art. 223. Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio

simbólico, de lhe causar mal injusto e grave: Pena - detenção, até seis meses, se o fato não constitui crime mais grave. Parágrafo único. Se a ameaça é motivada por fato referente a serviço de

natureza militar, a pena é aumentada de um têrço. Queremos dizer que praticamente todos os crimes militares, na primeira

instância, em Goiás, são julgados pelo Conselho da Justiça Militar da Justiça Estadual.

3.5. Do Juiz Militar, componente do escabinado

A jurisdição militar, na palavra de Ronaldo João Roth (2003, p. 91), sempre teve a participação de militares como juízes. Atualmente, o juiz militar, em Primeiro Grau, compõe temporariamente o Conselho de Justiça com mais três juízes militares e um togado (162), enquanto que no Segundo Grau ele integra vitaliciamente o tribunal correspondente (Tribunal de Justiça Militar na esfera estadual e Superior Tribunal Militar no âmbito Federal). (2003, p. 92/93)

Essa atuação mista – juízes togados e leigos – torna as decisões da Justiça

Militar bem mais próximas do justo, tornando também a Justiça Militar uma Justiça Especial, diferenciando-a da Justiça Comum e das outras Justiças Especializadas tais como a do Trabalho e a Eleitoral (Roth, 2003, p. 93).

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Com efeito, o militar, levado ao exercício da judicatura militar, deverá, aplicando a lei penal militar, sob os princípios processuais penais militares, decidir no caso concreto, circunstância que, de modo contrário, pode trazer ao juiz togado dificuldade na apreciação fática do fato, levando-o a aplicar a lei sem a mesma acuidade própria dos militares (Roth, 2003, p. 93).

Na primeira instância, os juízes leigos (militares) são temporários, isto é, após

exercerem a função judicante no Conselho retornam as suas atividades, já que necessariamente integram a Polícia Militar; na segunda, atuam juízes vitalícios (civis e militares), que ingressam aos cinco cargos de juízes do Tribunal de Justiça Militar, quais sejam: três coronéis da ativa, oriundos da Polícia Militar, que nomeados e empossados para o cargo, desligam-se automaticamente da Corporação; um civil, oriundo dacarreira de juiz de direito e outro civil, ora oriundo da carreira do Ministério Público, ora oriundo do Quadro da Ordem dos Advogados do Brasil, pelo princípio do Quinto Constitucional. (Roth, 2003, p. 38-45)

Assim, invocando, José Cretella Júnior (2003, p. 94), ensina Ronaldo Roth que

aquele pontifica que os militares acusados de crimemilitar, não seriam julgados com justiça e equidade se julgados por órgãos jurisdicionais comuns.

Isto porque a justiça comum, em sendo integrada por civis, estranhos às

peculiaridades da vida militar, não devem ser encarregados de aplicar a legislação especial a que estão sujeitos os militares.

Extrai-se do entendimento supra que os julgamentos militares são mais

justos porque proferidos por juízes da Magistratura Temporária Militar e por Juízes de Direito Vitalício.

Ronaldo João Roth (2003, p. 94), Juiz de Direito Militar, que acha que o

escabinado militar profere julgamentos mais justos do que o júri comum, invoca como justificação da superioridade do escabinado militar, a formação do juiz militar.

Explica que o policial militar, após aprovação em concurso público para atingir

o grau de oficial, faz uma Academia Militar, instituição que, no Estado de São Paulo, é reconhecida pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC, como um curso superior.

Acrescenta, ainda, que as Academias Militares costumam fazer exigência

curricular de nível universitário, com matérias de Introdução à Ciênciado Direito, Direito Civil, Direito Penal (comum e militar); Direito Processual (comum e militar); Direito Administrativo, Direito Constitucional, Medicina Legal, Criminalística e Psicologia, o que torna o juiz militar possuidor de uma formação universitária com boa base jurídica, ainda que não tenha o curso de Bacharel em Direito. (2003, p. 94-95)

Em razão dessa exigência curricular das Academias Militares, os oficiais

que assumem a função de juiz militar costumam aproveitar o currículo universitário que possuem, e eliminando várias matérias, formam-se em outro campo superior de ensino, como: Direito, Administração, Psicologia, Engenharia, Educação Física e outros. (Roth, 2003, p. 94)

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Além da formação do juiz militar, não se deve olvidar que as funções desenvolvidas pelos oficiais da Policia Militar, seja no que se refere ao comando de suas tropas ou nas missões destinadas a sua Corporação, leva-os a aplicar a lei e fiscalizar a aplicação da mesma, quer no tocante ao combate à criminalidade, seja no que se refere a sua atuação diante dos seus subordinados, vale dizer, os oficiais acabam se tornando detentores da aplicação do Direito Militar, na modalidade administrativo-disciplinar, o que exige deles um domínio da legislação. (Roth, 2003, p. 95)

Toda essa bagagem cultural do oficial militar, somada ao domínio da

matéria fática que será processada e julgada perante a Justiça Militar, termina permitindo que o juízo colegiado possa avaliar, com maior segurança, as provas produzidas pelas partes (Promotor de Justiça e Advogado de Defesa), e decidir, com fundamento nessas provas e de acordo com a lei. (Roth, 2003, p. 95-96)

Aliás, o art. 400 (163) do Código de Processo Penal Militar, ao tratar do

compromisso legal que deve ser prestado publicamente pelo juiz militar para atuar no Conselho de Justiça estabelece que ele assim se manifeste: “Prometo apreciar com imparcial atenção os fatos que me forem submetidos e julgá-los de acordo com a lei e a prova dos autos”.

Verifica-se, pelo compromisso dos juízes militares que eles, ao contrário

dos juízes leigos integrantes do Conselho de Sentença comum, que julgam de acordo com suas consciências, comprometem-se a julgar os fatos a eles submetidos de acordo com a lei e com as provas.

Na prática, segundo Roth (2003, p. 96), o juiz militar acompanha, ao longo da

instrução criminal, todo procedimento presidido pelo juiz togado, quando da oitiva das pessoas indicadas pelas partes (réu, testemunha e vítima), cabendo-lhe reperguntar as mesmas, através do próprio juiz, procurando, com isso, obter o mais profundo conhecimento do fato, tanto que é necessária a presença do Conselho na realização dos atos probatórios. (165)

No júri comum, o juiz leigo só toma conhecimento dos atos processuais

na audiência de julgamento. Jorge César de Assis (2007, p. 198), lecionando sobre a ordem de votação dos

Juízes do Conselho – posição das cadeiras – elogia o julgamento da Justiça Castrense. Leciona o autor citado (2007, p. 198), que, no Escabinado Castrense, a lei

infraconstitucional estabelece a ordem de votação dos quesitos da seguinte forma: primeiro vota o juiz de direito (antes juiz auditor) e depois, na ordem inversa de antiguidade, votam os juízes militares, até o último voto, que é proferido pelo oficial superior de patente entre os militares.

Assim, os juízes militares, antes de proferirem seus votos, terão o conhecimento

do voto técnico, isto é, do voto proferido pelo juiz de direito, podendo os militares concordar com o voto do juiz togado ou dele discordar, sempre fundamentando o seu posicionamento.

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Art. 464 do Código de Processo Penal: Formado o conselho, o juiz, levantando-se, e com ele todos os presentes, fará aos jurados a seguinte exortação: Em nome da lei, concito-vos a examinar com imparcialidade esta causa e a proferir a vossa decisão, de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça. Os jurados, nominalmente chamados pelo juiz, responderão: Assim o prometo.

Art. 390, § 5º do Código de Processo Penal Militar. Salvo o interrogatório do

acusado, a acareação nos termos do art. 365 e a inquirição de testemunhas, na sede da Auditoria, todos os demais atos da instrução criminal poderão ser procedidos perante o auditor, com ciência do advogado, ou curador do acusado e do representante do Ministério Público

§ 6º do Código de Processo Penal Militar. Para os atos probatórios em que é necessária a presença do conselho de Justiça, bastará o comparecimento da sua maioria. Se ausente o presidente, será substituído, na ocasião, pelo oficial imediato em antiguidade ou em posto.

Art. 442 do Código de Processo Penal. No dia e à hora designados para a reunião

do júri, presente o órgão do Ministério Público, o presidente, depois de verificar se a urna contém as cédulas com os nomes dos vinte e um jurados sorteados, mandara que o escrivão lhes proceda à chamada, declarando instalada a sessão, se comparecerem pelos menos quinze deles, ou, no caso contrario, convocando nova sessão para o dia útil imediato.

A independência dos juízes militares é prevista no art. 438 do Código de

Processo Penal Militar, que estabelece: Art. 438. A sentença conterá:

a) o nome do acusado e seu posto ou condição civil; b) a exposição sucinta da acusação e da defesa; c) a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão; d) a indicação, de modo expresso, do artigo ou artigosde lei em que se acha incurso o acusado; e) a data e as assinaturas dos juízes do Conselho de Justiça, a começar pelo presidente e por ordem de hierarquia e declaração dos respectivos postos, encerrando-as o auditor.

§ 1º. Se qualquer dos juízes deixar de assinar a sentença, será declarado, pelo auditor, o seu voto, como vencedor ou vencido.

§ 2º. A sentença será redigida pelo auditor, ainda que discorde dos seus fundamentos ou da sua conclusão, podendo, entretanto, justificar o seu voto, se vencido, no todo ou em parte, após a assinatura o mesmo poderá fazer cada um dos juízes militares.

§ 3º. A sentença poderá ser datilografada, rubricando-a, neste caso, o auditor, folha por folha.

É essa justificativa do voto estampada no art. 438,§ 2º do Código Penal Militar

que permite que um juiz militar discorde dos outrosintegrantes do Conselho de Justiça. Atento ao procedimento estabelecido pelo Código de Processo Penal Militar,

Jorge César de Assis (2007, p. 199), de forma convincente, argumenta: esse

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procedimento estabelecido no CPPM, logo após os debates levados a efeito pelo Ministério Público e pela defesa, publicamente, caracteriza a beleza e a altivez do julgamento castrense, marcando a atuação do Escabinado castrense, perante os olhos de todos os presentes à sessão, reservando-se ainda a qualquer daqueles juízes o exercício de justificar o seu voto, inclusive o próprio juiz de direito.

Os argumentos supra, sempre extraídos das lições de Célio Lobão, Jorge César

de Assis e Ronaldo João Roth, mostram que referidos autores externam uma admiração especial pelo escabinado castrense, mostrando que este é mais justo do que o júri comum.

Ronaldo João Roth (2003, p. 108 ss), comparando o escabinado castrense com o

júri comum, mostra algumas diferenças entre aquele e este, ensinando que ambos decidem se condenam ou absolvem o réu, acrescentando, no entanto, que aos jurados componentes do Conselho de Justiça Militar é exigida a fundamentação do voto, publicamente, perante o réu, enquanto que aos jurados comuns não estão subordinados a tal exigência.

Referindo-se a uma análise das decisões do Conselho de Justiça Militar,

Roth (2003, p. 109), citando Luiz Augusto de Santana, diz que este autor sustenta que: durante as sessões do Conselho de Justiça gozam seus membros do mesmo tratamento protocolar dispensado aos magistrados emgeral, por se tratar o Juízo Militar um colegiado com função de julgar, não sendo seus integrantes, jurados, razão pela qual, pode e deve o juiz-militar fundamentar seu voto nas decisões que proferir, especialmente quando contrariando os votos dos demais.

Aos integrantes do júri comum não é exigida uma qualificação profissional

específica de ensino, ao passo que os juízes militares devem pertencer a mesma carreira do réu, isto é, às Forças Armadas: Exército, Marinha, Aeronáutica; ou forças auxiliares: Polícia Militar ou Corpo de Bombeiros Militares e serem superiores hierárquicos do réu. (Roth, 2003, p. 109)

Outro ponto distintivo entre o júri comum e o escabinado é o que se

refere à incomunicabilidade dos jurados, pois, ao contrário do que acontece entre os integrantes do júri comum, os integrantes do Conselho de Justiça Militar comunicam-se antes da decisão.

Elogiando este procedimento e procurando mostrar a superioridade existente

entre o escabinado castrense e o júri puro, Roth (2003, p. 110), assim se pronuncia: a decisão do jurado deve obedecer “ao compromisso de julgar com a sua consciência e com os ditames da Justiça”, enquanto a do juiz militar deve obedecer à lei e à prova dos autos. Aqui se verifica outra importante distinção, pois ao jurado basta a íntima convicção para absolver ou condenar, enquanto que ao juiz militar sua convicção deve ser motivada e explicitada na prova dos autos e a decisão estar de acordo com a lei.

Mais ampla do que a do júri puro é a competência do juiz militar, pois, enquanto

que o jurado clássico julga apenas os crimes dolosos contra a vida, prevista no Código Penal comum (art. 5º, XXXVIII), aos juízes militares compete julgar os crimes militares

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previstos no Código Penal Militar, o que quer dizer que julgam uma gama de crimes denominados militares.

Baseado em sua longa experiência como juiz militar, Roth (2003, p. 113)

desabafa, dizendo que é muito comum ouvir-se que os julgamentos na justiça militar são muito rigorosos, ao passo que os realizados pelo júri puro são mais amenos, o que resulta em que estes são superiores àqueles, no que ele discorda, com os seguintes argumentos: ora, pode-se dizer que a tendência do julgamentos na Justiça Castrense é de realmente serem tidos como rigorosos, uma vez que ao julgadores são militares superiores hierárquicos dos réus, logo, o espectro de visualização daqueles se fará com base nos ensinamentos jurídicos e profissionais da caserna, sendo menos infensos à teatralização das partes ou à sedução da linguagem como ocorre perante o julgamento do Tribunal do Júri.

O escabinado é a forma de julgamento garantista que sempre foi adotada

pela justiça militar brasileira, o que não é do conhecimento de muitos operadores do direito, e tem sido utilizada por vários países desenvolvidos da Europa, com muita aceitação, eis que contém fatores aptos a possibilitar o alcance da aplicação do direito justo, os quais passarão a ser expostos no capítulo que segue.

4. FATORES QUE CONCORREM PARA A PREDOMINÂNCIA DO ESCABINADO SOBRE O JÚRI CLÁSSICO 4.1. Dos defensores do júri

O júri, no curso de sua longa história, sempre recebeu eloquentes elogios de seus admiradores, mas tem recebido severas críticas de seus opositores.

Embora extensos os textos dos que se posicionam a favor do júri, Guilherme de

Souza Nucci (1999, p. 179 a 184), de forma bastantedidática, conseguiu resumi-los, em doze pequenos parágrafos, resumo que Lenio Luiz Streck (1998, p. 75 a 80), guiado por seu grande poder de síntese, em poucos parágrafos, também o fez.

Considerando que o alvo da presente dissertação é mostrar os motivos que vêm

concorrendo para a adoção do escabinado e para um certo desprezo ao júri clássico, passa-se, doravante, a uma apresentação dos principais argumentos daqueles que preferem o júri tradicional, bem como daqueles que o repelem, mesmoporque, estes últimos mostram uma certa predileção pelo escabinado.

De acordo com as lições de Nucci e Lenio Luiz Streck, elencamos a seguir

os argumentos dos defensores do júri clássico. 1- Tendo o júri tradicional nascido, para a maioria, como hoje se apresenta, na

Inglaterra do século XIII, com a finalidade de atacar a opressão do Monarca e de fazer com que o Poder Estatal fosse gradualmente reduzido, trata-se de um tribunal de fisionomia nitidamente democrática, por participar da administração da justiça. (Nucci, 1999, p. 179)

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Ainda que, no começo, tenha o júri servido de benefício apenas para os nobres,

uma vez que o julgamento pelos pares, outra coisa não representava senão o julgamento da nobreza por seus semelhantes e não pelo povo, pode-se afirmar que permitiu, ao longo do tempo, a certeza de que o homem deveria julgar o próprio homem, democratizando, assim, o conceito de aplicação da justiça. (Nucci, 1999, p. 179)

Tanto é verdade que a instituição do júri, da Inglaterra foi transportada para sua

ex-colônia, qual seja, os Estados Unidos, onde passou a figurar, na Constituição, dentre as garantias fundamentais do homem, como se extrai dasseguintes Emendas daquele diploma maior:

5ª Emenda. Ninguém será obrigado a responder por crime capital, ou por outro infamante, a não ser perante denúncia ou acusação de um grande júri;

6ª Emenda: Em todos os processos criminais, o acusado usufruirá o direito a um julgamento rápido e público, por um júri parcial do estado e distrito onde o crime tiver sido cometido.(Nucci, 1999, p. 179)

2- O segundo argumento consiste em que o juiz leigo é menos distante

das mutações sociais do que o juiz togado, podendo, porisso, decidir de molde a adaptar a lei à realidade. Além disso, sem estar preso à técnica e ao saber jurídico, o jurado, extraído do meio do próprio povo, tem mais condições de realizar a justiça, já que, mesmo não sendo considerado um cientista jurídico, penetra em condições morais, éticas, psicológicas e econômicas, que também fazem parte da vida humana, e ultrapassam as amarras da letra fria da lei. (Nucci, 1999, p. 180)

Edgard de Moura Bittencourt (1939, p. 301) descreve, segundo a visão de

Aleixo, o constaste existente entre os juízes não técnicos e juízes técnicos: o júri é um grupo de cidadãos moralmente idôneos reunidos solenemente, examinando o âmago dos fatos, penetrando a realidade da vida e se recusando a impor à pena, porque a culpa (culpa em sentido geral de acusação) não é manifesta aos olhos do bom senso. A decisão não é fundamentada, vem da convicção íntima e a sentença absolutória não se baseia em princípios explícitos, enquanto o tribunal de togados é um grupo de homens ilustres e cultos, mas segregados, por dever mesmo da honrosa atividade social que exercem, e muitos dos quais jamais se encontraram ou mantiveram convívio entre os homens chamados a julgar, dizendo a última palavra, soberanamente, por convicção formal, segundo um critério totalmente diverso da decisão anterior.

Guilherme de Souza Nucci (1999, p. 180) acentua que Antônio Macieira,

comparando o juiz profissional ao juiz leigo, explicava: “o juiz é escravo da lei e a força de julgar criminosos não tem por esse a atenção que o júri lhe dispensa”.

3- A missão de julgar não depende apenas e tão somente de conhecimento

jurídico, pois se para editar leis justas o bom senso é suficiente, para julgar, basta basear-se no mesmo. (Nucci, 1999, p. 180)

Tornaghi (1959, p. 310-311) assevera, a respeito da suficiência do bom

senso para julgar que as pessoas têm sabedoria, conquistada pela experiência de vida acumulada ao longo dos anos, notadamente pelo desenvolvimento doinstinto de sobrevivência diante dos obstáculos impostos pela vida.

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Acrescenta Lenio Luiz Streck (1998, p. 79) ser notória a discriminação dos juízes populares integrantes do tribunal do júri, já que os leigos, a seu sentir, “tem uma relação muito íntima com o que se pode chamar de cientificismo, ou seja, usar a ciência ou colocar algo como científico para dar statusde verdadeiro e digno”.

Certifica que o julgamento proferido pelos jurados “não teria esse status de

pureza, de cientificidade. Afinal, segundo uma expressiva parcela da dogmática jurídica, os jurados, sendo leigos, julgam segundo seu senso comum, além de se deixareminfluenciar pela fácil retórica”. (Streck, 1998, p. 79)

Criticando a posição daqueles que invocam cientificidade como base principal

dos julgamentos e que repelem o consenso em que se baseiam os juízes leigos, Lenio expõe: para aqueles, verbi gratia, que atacam o Tribunal do Júri, dizendo que ele é o paraíso das absolvições, cabe lembrar que, no Rio Grande do Sul, conforme relatório da Corregedoria-Geral do Ministério Público, somente nos últimos seis anos (1991 a 1996) o júri condenou 6.791 réus, contra 5.777 absolvições. Enquanto isso, no mesmo período, o juízo singular absolveu 85.228 réus, contra 83.414 condenações. (1998, p. 80)

4- O júri, ao contrário do juiz togado, pode decidir contra legem, ou melhor,

pode desrespeitar a lei quando considera que a eventual punição será injusta. Em defesa desta tese, Tocqueville (apud Nucci, 1999, p. 181) sustenta: “o júri constitui uma espécie de miniparlamento, colocando os jurados na posição de legisladores em casos específicos”.

5- O júri já é tradição nos países que o adotam, estando, por isso, entranhado na

consciência popular como instituição democráticade julgamento do povo pelo povo. Tanto assim que: Pesquisas2 feitas no Estado de New South Wales, por Findlay, na Austrália, dizem que 93% das pessoas ouvidas acham que o júri deve ser mantido em julgamentos criminais e 90% dispõem-se a servir como jurados. No Reino Unido, uma pesquisa feita por duas semanas, em fevereiro de 1992, em várias cortes demonstrou que 96% dos jurados acreditam no tribunal popular. (Nucci, 1999, p. 181)

6- O julgamento realizado pelo júri resulta numa valiosa contribuição à

administração da justiça, levando os profissionais do Direito a apresentar suas teses compatíveis com o entendimento do juiz leigo. Isto é vantajoso, haja vista que o próprio réu e o público podem acompanhar tudo o que se passa, graças ao princípio da publicidade, acompanhamento este que não seria possível, a um réu e a um público leigo, se realizado por cientistas. Em razão disso, parte expressiva da comunidade tende a aceitar melhor um veredicto dos seus pares do que de um juiz togado. (Nucci, 1999, p. 181)

7- Sendo o júri uma instituição democrática, protege oréu contra a opressão da

tirania dos governantes, bem como contra a violência e a vingança de parte da população. (Nucci, 1999, p.181)

8- O Tribunal do Júri desempenha um caráter educacional, obrigando o povo a

manter-se atualizado e consciente dos seus direitos. Neste sentido, Dario Martins de Almeida (1977, p. 19), explica que: com todas as suas fraquezas e lacunas, o

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Júri pode e deve constituir, ao longo do tempo, uma pedagogia da liberdade e do civismo, em ordem a alimentar uma ‘consciência jurídica’, traduzida por uma sensibilização maior aos valores da justiça e do direito. Em democracia, a liberdade não é coisa para se domesticar de fora, pela força: cultiva-se dia a dia e engrandece-se pela formação do caráter. E para isso, os Tribunais podem fornecer aos jurados vasta matéria de reflexão e alargar-lhes o horizonte, em experiência, para os duros problemas da vida que osrodeia. Os Tribunais são laboratórios onde se experimenta o direito concreto e o próprio sentimento da justiça; é por eles que passam, ao fim e ao cabo, muitos dos dramas que sobressaltam a vida individual e coletiva. É a eles que sobem os gritos daqueles que pedem justiça ou pedem clemência. O Jurado lá estará para tomar posição, com a sua inteligência e a sua experiência própria. E esta participação no bem comum da justiça nunca poderá ser coisa vã na inteligência e no coração do homem, sempre que forças estranhas não lhe façam perder a sua identidade. É nisto que importa pensar.

9- O nono argumento em prol do júri consiste em que seo jurado pode ser mais

sensível a influências externas, igualmente pode o juiz togado, já que ambos são humanos e fracos, sendo, por isso, suscetíveis a tentações. (Nucci, 1999, p. 182)

10- Se os jurados erram em seus julgamentos, erram também os magistrados de

carreira, tanto assim que recursos e mais recursos são interpostos contra as decisões destes e muitos deles são acolhidos pelos tribunais recursais, anulando as sentenças proferidas pelos juízes profissionais. Por isso, afirma Nucci (1999,p. 182), seguindo os posicionamentos dos defensores do júri, que não se deve julgar uma instituição pelos seus erros. Sustenta, mais, que Tornaghi, opondo-se aos argumentos dos que julgam as instituições por seus erros, entende que: como toda instituição humana, e digo mais: como todo organismo vivo, o Júri está sujeito a deformações, a desvios, a desfigurações que o enfeiam, que o tornam claudicante, que podem fazer dele um instrumento do erro judiciário. Mas uma coisa não deve ser julgada pelo que não passa de corrupção, de deturpação da coisa. Não é possível condenar a pintura apenas porque há quadros horrorosos, detestáveis, modernistas...

11- O júri, em decorrência de sua forma procedimental atende de modo mais

eficaz aos princípios processuais da acusação, da audiência, do contraditório, da publicidade, da oralidade, da imediação, da concentração, da identidade física do juiz, da publicidade dos atos processuais e outros. (Nucci, 1999, p. 182)

12- As decisões do Tribunal do Júri são mais facilmente assimiladas pela

sociedade, sejam certas ou erradas, uma vez que revelam a vontade do povo. (Nucci, 1999, p. 182)

O ex-ministro Evandro Lins que, como advogado, atuou no caso Doca

Street, muitas vezes divulgado pela imprensa, mostrava, em várias obras, o seu favoritismo pelo júri.

De acordo com Lenio Luiz Streck (1998, p. 74/5), Evandro Lins, citando Casa-

mayor, dizia que este tinha o seguinte posicionamento sobre a instituição: o júri é a imagem mais fiel, é o símbolo de solidariedade humana. A indulgência não é defeito, é virtude, e a consciência caminha, de preferência, no sentido do perdão, como a história caminha no sentido da atenuação da pena.

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4.2. OS DETRATORES DO JÚRI

Em que pese os elogios dirigidos ao júri puro, o magistrado Guilherme de Souza Nucci, embora deixe transparecer que também é favorável à instituição, reconhece que mencionado tribunal tem mais críticos do que admiradores. (1999, p. 200) Observe-se, a seguir, o que dizem os opositores do júri.

Hamilton Moraes e Barros (1971, p. 61), repelindo atese de que o jurado tem

bom senso para decidir, afirma: a defesa social e a liberdade individual vão depender de jogadas brilhantes ou ruinosas de seus defensores, do azar, o que contraria toda a ciência do processo, quando manda sejam expostas todas as razões das partes e os fundamentos de suas pretensões. Numerosas injustiças já cometeu o júri pelo ‘vedetismo’de Promotores e advogados.

Ressalte-se que, em casos de muita complexidade, na Inglaterra, foi

recomendado que o julgamento pelo júri fosse substituído por um juiz e dois jurados, com especiais aptidões (para julgar, por exemplo, casos complexos de fraude). (Nucci, 1999, p. 183)

Alcides de Mendonça Lima (1961, p. 21) teceu os seguintes comentários sobre

um trecho pronunciado por um órgão da justiça americana: esse sistema consiste em formar um equipe de 12 homens: um advogado (desde que não sofra a sistemática recusação da defesa...), um médico, um clérigo, um açougueiro, um banqueiro, um vagabundo,um carpinteiro, um sapateiro, um agricultor, um capitalista, um astrônomo e um cabaretier.

Colocai essa equipe bizarra sob a direção de um navegador experimentado, mas

que não conhece ainda o navio em que embarcará. Deixai tudo e confiai-vos na Divina Providência, para uma boa viagem.

Guilherme (1999, p. 184) lembra que foram realizadas pesquisas em vários

lugares do mundo, constatando-se, a final, que a maior parte das decisões do júri são equivocadas. Acrescenta que a Universidade de Chicago, por exemplo, afirma que a cada quatro decisões do tribunal popular uma é errada.

Alcides de Mendonça Lima (1961, p. 21), afirma que alguns escritores ingleses,

assim se manifestam sobre aqueles que preferem o júri puro: “ o Júri somente é invocado por aqueles que sabem que não têm razão. Aí, sim, se servem do Júri, porque é um meio de conseguirem aquilo que, normalmente, não obteriam perante a justiça togada”.

Ensina, também, Guilherme (1999, p. 184) que David Brown e David Neal

elegeram como principal argumento da obra que escreveram, intitulada “Show trials” um grave erro judiciário praticado pelo júri na Austrália. Os autores da supracitada obra dizem que naquele país, no caso do julgamento de Lindy Chamberlain, os jurados deram um veredicto totalmente equivocado, a ponto de serem chamados por historiadores de a gangue dos doze.

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Segundo António Manuel de Morais (2000, p. 283-284) Enrico Ferri insurgia-se

contra o júri dizendo que: por dois motivos de caráter psicológico o júri estaria condenado, quando fosse composto por jurados com pouca capacidade, jáque esta capacidade individual não pode garantir em reunião uma capacidade coletiva e por outro lado, as regras científicas ser-lhe-ão desconhecidas ainda quando os indivíduos que constituem o júri tenham capacidade média e não tenham capacidade técnica. O julgamento redundaria assim no senso comum e não na ciência, prejudicando o desenvolvimento progressivo do acto de julgar.

Cita, mais, António (2000, 284) que para Ferri: “o júri é apaixonado e míope, o

sentimento domina-lhe a inteligência e não há necessidade para convencer o júri com estudos jurídicos e sociológicos, basta a declaração, quer dizer, a arte de convencer”.

Arrematando suas críticas ao júri, Ferri dizia: a instituição, no continente

europeu não correspondia às razões sociais o que contraria a lei da evolução das variações orgânicas, que é exata também quanto às das instituições sociais, de que nenhuma variante é útil e estável sem preparação lenta e contínua das forças orgânicas e das condições exteriores. (Morais, 2000, p. 284)

O magistrado espanhol Antonio Rodríguez Martín, seguindo o mesmo raciocínio

de Ferri, pronunciou, no princípio deste século “sobre a necessidade premente da supressão do júri, vontade que lhe foi feita somente vinte e tal anos depois com o advento da ditadura espanhola”. (Morais, 2000, p. 285)

Afirma António Manuel Morais (2000, p. 285) que o juiz espanhol Martín chega

ao ponto de comparar o sistema do júri ao enterro da própria justiça, já que considera o mesmo desprovido de ciência, de sensatez, de lógica e semrazão para existir.

Antonio Rodríguez Martín declarava, ainda, “que o júri está em contradição

absoluta com a regra universal da vida pública e privada, a qual deseja que os cargos sejam, depois de uma eleição judiciosa, confiados a pessoas capazes”. (Morais, 2000, p. 286)

A exemplo de Ferri, Rafael Garofalo, integrante da Escola Positiva de

Direito Criminal, sustentava que a opinião pública era contrária a existência do júri, por entender ser tal instituição uma fonte de injustiças, em especial devido à ignorância de seus membros, já que respondem, em seu entender, de forma absurda, aos quesitos, posto que não entendem o alcance das perguntas, além de ser o Corpo de Jurados facilmente “impressionável e ignorante”. (Morais, p. 2000, p. 286-7)

Acrescenta o supracitado criminalista italiano que os erros do júri: são devidos à

falta de critério, de reflexão, de inteligência e à fascinação da eloqüência. Provocam injustiças devido ao medo, como de mafiosos e de corrupção. Tal facto redundou em terem existido jurados que cobravam pelas suas decisões, pelas influências pessoais e sociais dos acusados ou pela simples sedução e lisonja. Isso não sucede com o juiz o qual tem necessidade de ser recto, mesmo quando não é totalmente honesto. (Morais, 2000, p. 287)

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Segundo Morais (2000, p. 288), Jean Graven criticava o júri puro baseado num parecer de Glaser, elaborado em 1928, intitulado “Éstudes criminologiques”, no qual este se referia ao suicídio do júri.

No entendimento de António Manuel (2000, p. 290), Júlio de Matos enxergava o

júri como uma instituição que não passa dum mal entendido democrático, servindo, quando muito, para decidir sobre os delitos de opinião, mas entendia que mencionada instituição constituía-se num perigo para todos os demais casos, uma vez que se constituía regra geral, numa completa ignorância dos problemas que era chamada a solucionar.

A essa ignorância do júri, associavam-se outros graves defeitos, em especial, nos

países em que o nível moral é baixo, qual seja: o comércio do voto, o que, como é de conhecimento geral, é um dos mais comuns.

4.3. DA SUBSTITUIÇÃO DO JÚRI PURO PELO ESCABINADO

Alguns autores, como José Frederico Marques, Aury Lopes Jr. e outros, além de criticarem o júri profissional, mostram sua predileção pelo júri misto; outros como Edílson Mougenot Bonfim e Guilherme de Souza Nucci lecionam sobre a crescente aceitação do escabinado no mundo.

José Frederico Marques (1997, p. 35) após distinguir o júri do escabinado

referiu-se à predominância deste último sistema de julgamento popular, dizendo: “já vimos que o júri está em franca decadência, enquanto o escabinado, dia a dia, adquire maior prestigio e aceitação”. Alerta, o autor que enquanto o júri, salvo nos países de língua inglesa é instituição em decadência o escabinado se encontra em franca ascensão.

Aury Lopes defende que a adoção do escabinado significaria uma profunda

transformação do tribunal do júri, em especial no que diz respeito à composição, haja vista que o tribunal passaria a ser composto por juízes togados e leigos. Além disso, alteradas ficariam: a forma de funcionamento da instituição, já que afetaria a incomunicabilidade dos julgadores; a quesitação e passaria a ser exigida afundamentação das decisões, que poderia ser elaborada em conjunto por juízes leigos e técnicos, em momento anterior ou imediatamente posterior à decisão. (2006, p. 157)

Concluindo a sua análise comparativa entre o júri puro e o escabinado, ensina

Lopes Jr. que a única opção que se apresenta como absolutamente inadmissível é continuar como está, uma vez que, em seu entender, “são tantos e tão graves os problemas do tribunal do júri que ele, atualmente, se apresenta, como a própria negação da jurisdição”. (2006, p. 160)

Edílson Mougenot Bonfim (2000, p. 8), a exemplo de José Frederico Marques,

esclarece que os tribunais dos escabinos encontram-se em acentuada evolução.

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Relembra Guilherme de Souza Nucci (1999, p. 64) que países como Portugal, Espanha, Grécia, Itália, França, Alemanha, Bélgica e Suíça adotam o escabinado.

Paulo Rangel ensina: no escabinato ou assessorado (Corte d’ Assise), dois

são os magistrados togados, um chamado de giudice a latere, e o outro que preside o tribunal, que deve ser integrante da Corte de Apelação, e mais seis cidadãos, juízes leigos, sendo que três devem ser homens. Os juízes leigos integram o tribunal e, consequentemente, participam das decisões tanto quanto das questões de fato como as de direito e todas as que dizem respeito ao processo. (2007, p. 52)

Referindo-se ao grau de instrução dos jurados, diz o autor citado (2007, p. 52)

que os jurados componentes do escabinado são escolhidos por sorteio pelo juiz presidente da Corte, dentre cidadãos de boa conduta e que a idade medeie entre 30 e 65 anos, sendo necessário que sejam portadores de escola média de primeiro grau, mas se passarem a compor a Corte de Apelação, o segundo grau é necessário.

Leciona, mais, Paulo (2007, p. 52) que não faltam vozes autorizadas criticando o

tribunal do júri que se conhece e tecendo elogios ao escabinado. O júri misto também é visto com simpatia por vários juristas alienígenas. António Manuel Morais (2000, p. 280), adverte que Von Ihering comparando a

justiça togada com o tribunal leigo, ensinava: o juiz de carreira é comparado ao soldado de linha, correspondendo ao jurado o posto de soldado da guarda cívica. Para o primeiro, o dever militar e a disciplina são hábitos que provêm de sentimentos, cegos diante das paixões e das fraquezas, fortes na defesa da pátria, de acordo com os princípios de deveres militares. Por isso o magistrado, por uma questão de honra e brio profissionais, é, em principio, inflexível perante a lei.

Continuando a equiparação entre o juiz profissional e o leigo, Morais

ressalta que Ihering dizia: (2000, p. 280): sendo o jurado um militar de ocasião, a lei é uma arma transitória, que pega sem espírito de disciplina e de obediência. Em resumo, se os jurados se abstraírem da sua independência em relação ao Governo têm, sob todos os pontos de vista, as qualidades que o juiz profissional não deve ter.

Desconhecem o direito, são desprovidos do senso de legalidade que só a

profissão dá, estando privados do sentimento da responsabilidade, que só a função proporciona e da independência do juízo, que só a prática pode formar. Desprovidos das mencionadas qualidades, os jurados chegam ao tribunal com influências da opinião pública ou de imprensa. Fáceis de comover podem deixar-se deslumbrar pela arte do defensor, o qual conhece as teclas onde deve bater, ou seja, o coração, a humanidade, os preconceitos, os interesses e as suas opiniões políticas.

António Manuel (2000, p. 281), esclarece, ainda, que: (102) VON IHERING

considera que tudo são inferioridades no Júri, à excepção da independência perante o poder político. Justifica o seu crédito com a dupla razão de ele ter representado a transição do absolutismo para o estado de direito e ter levado à abolição a teoria e o usomedieval das provas. O absolutismo deixou de intervir na administração da justiça, sobretudo criminal, com a intervenção dos jurados que corrigiram, com a

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sua independência perante o poder, a dependência do juiz de carreira, escravo daquele poder. A teoria das provas medievais deixoude existir através da influência judicial popular, com a qual eram incompatíveis.

Como se vê, Ihering aponta muito mais deméritos do que méritos do júri. Relativamente ao futuro da instituição, Garraud, citado por Antonio Manuel

Morais (2000, p. 282), além de ser favorável à substituição do júri puro pelo escabinado, invocava a opinião de Ihering, dizendo que este, embora contestasse que o júri profissional tivesse com seus dias contados, propunha a sua substituição pelo escabinado.

Aury Lopes Jr.(2006, p. 157) propaga o seguinte entendimento de GIMENO

SANDRA: o escabinado representa uma instituição superior aojúri, pois juízes leigos e técnicos atuam e decidem em colegiado. Trata-se de uma modificação na estrutura do órgão colegiado, que passa a ser composto por juízes de carreira e “leigos” que decidem conjuntamente. Os jurados leigos constituem um obstáculo à rotina judiciária, pois podem aportar regras da experiência que ventilam o mecânico ato de julgar. Por outro lado, mais significativa é a influência do juiz-técnico sobre o leigo ao prestar-lhe assessoramento jurídico qualificado e uma dilatada experiência na atividade jurisdicional, requisitos indispensáveis para o bom funcionamento da moderna administração da justiça.

Anota Morais (2000, p. 288), que Jean Graven tece os seguintes comentários

sobre o desaparecimento do júri clássico e o aparecimento do júri misto: estando o Júri previsto nos países em que o direitoé escrito, encontra-se no entanto em vias de desaparecer, ao mesmo tempo que a assessoria está no caminho do progresso, constituindo a perspectiva no futuro. Para ele a melhor solução é a dos tribunais criminais formadospor juízes e assessores laicos, o que corrige os vícios do Júri tradicional, ao mesmo tempo em que os tribunais teriam como peritos juízes especializados que conhecessem a fundo os problemas criminais e a sua função social preventiva, educativa e de recuperação do direito penal.

António Manuel (2000, p. 293) entende que o escabinado é muito mais

equilibrado e não faz correr risco na aplicação daspenas. José Martín Ostos (1990, p. 28), mostrando as vantagens do escabinado sobre o

júri clássico, acentua: diante do tradicional Tribunal do Jurado, com suas seções de Fatos e de Direito e respectivas funções, o Tribunal de Escabinos, Escabinato ou Escabinado (a palavra ainda não existe oficialmente em nossa língua), apresenta a particularidade de que todo o trabalho de valorização, apreciação, qualificação e decisão corresponde a um único órgão jurisdicional, sem divisão em seções separadas, composto por membros peritos em Direito, quer dizer, por Magistrados de carreira, junto a cidadãos leigos [...].

Referindo-se ao posicionamento dos partidários do escabinado ou

escabinato, explica o autor supra (1990, p. 28): os partidários desta forma de jurado, em contraposição ao tradicional, alegam que no Escabinato se supera a problemática relativa à difícil separação entre Fatos e Direito, ao mesmo tempo quese produz uma mais autêntica participação popular na justiça, fomentando a estreita relação entre

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juízes profissionais e cidadãos que não o são e constituindo todos eles em um só órgão julgador colegiado.

Há muitos outros juristas espanhóis que externam seus posicionamentos

favoráveis ao escabinado. Francisco de Asís Pacheco, citado por Ostos (1990, p. 18) mostra sua predileção por esta última forma de participação popular na administração da justiça, distinguindo-a do júri clássico, da seguinte forma: o Tribunal de Escabinos não é, como o do Jurado, umTribunal composto por duas seções, das quais uma aprecia as provas e declara os fatos, e a outra qualifica os fatos e lhes aplica o direito ajustado à lei penal, mas sim examina toda a questão enfocada em uma causa e assim aprecia as provas como qualifica os fatos que delas resultam e aplica a lei a esses resultados.

A importância da questão em apreciação ficou evidente durante os debates

parlamentares relativos à elaboração da Constituição Espanhola de 1978, eis que toda a atenção dos debatedores se centralizou no jurado dotipo tradicional. (171) (Ostos, 1990, p. 53)

Criticando o legislador constituinte espanhol, o professor Alejandre (apud

Ostos, 1990, p. 53) chegou a afirmar em seu trabalho intitulado La Justicia Popular en Espana que “o legislador constituinte parecia não conhecer a figura do Escabinado e sua crescente difusão por vários países do nosso entorno geográfico e cultural”.

Ostos complementa (1990, p. 53): depois da aprovação da constituição, se

produziu na Espanha um manifesto interesse pelo tema do Jurado e, especialmente, pela modalidade do Escabinato. Diante disto é obrigatório reconhecer a presença dos professores Fairén Guillén e Gimeno Sendra.

Ambos contemplam detidamente o possível desenvolvimento legislativo do

constitucional artigo 125 e se pronunciam claramente pela modalidade do Escabinato, ao invés da reinstauração em nosso ordenamento jurídico do modelo tradicional.

Ainda que o artigo 125 da Constituição Espanhola de 1978 (175), in

verbis: os cidadãos poderão exercer a ação popular e participar na Administração da Justiça, mediante a instituição do jurado, na forma e com respeito àqueles processos penais que a lei determine, assim como nos Tribunais consuetudinários e tradicionais, refira-se a instituição do júri, dando a entender que esse júri a que a Lei Maior espanhola se refere é o tradicional, Ângelo Ansanelli Júnior (2005, p. 184-185) ensina que no sistema espanhol foi adotado um modelo um pouco diferente de júri, denominado jurado tutelado, isto devido ao fato de que naquele país, atualmente, o Juiz Presidente do Tribunal de Jurado, bem como o Secretário Judicial prestam auxílio aos juízes leigos.

4.4. OS ASPECTOS GARANTISTAS DO ESCABINADO

Uma leitura atenta dos argumentos dos defensores do escabinado mostra que estes preferem este modelo de participação popular na administração da justiça devido ao garantismo que tal participação proporciona.

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Luigi Ferrajoli (2006, p. 531), expoente da doutrina garantista afirma que

“foi em nome desta concepção popular da jurisdição que o pensamento liberal clássico, lembrando dos horrores da Inquisição, alinhou-se principalmente em favor do modelo do juiz cidadão”.

Lembra Ferrajoli que Montesquieu escreveu que o Poder Judiciário: não deve

ser confiado a um senado permanente, mas sim a pessoas escolhidas dentre o povo, em determinados períodos do ano... É necessário, além disso, que os juízes possuam a mesma condição do acusado, isto é, sejam seus pares, para que ele não possa suspeitar de ter caído nas mãos de pessoas propensas a lhe tratar com violência. (2006, p. 531)

Ferrajoli (2006, p. 531) também ressalta que Francesco Carrara não só apontou o

corpo de jurados como “um dos fundamentos do quadrilátero das liberdades”, (176) como também demonstrou “repugnância pelos juízes burocratas, assalariados e funcionários do governo”.

Como se vê, o garantismo que fortalece o escabinado manifesta-se de várias

formas, a começar pela conjugação dos conhecimentos técnicos, dos juízes de carreira, e da experiência, dos juízes leigos.

Em segundo lugar, nos países em que o Escabinado tem franca aceitação

pela sociedade, destacando-se, estes, a França e a Itália, os recursos das decisões dos julgadores de primeiro grau são apreciados, por outro colegiado composto por juízes e leigos, isto é, por um escabinado de segundo grau.

No Brasil, apesar das críticas de parte da doutrina, destacando-se a esposada por

Adel El Tasse (2006, p. 152), são os tribunais de justiça que apreciam os recursos interpostos das decisões dos jurados, inclusive aqueles fundados nas decisões contrárias à prova dos autos, o que, no entender do autor citado, atinge a soberania dos veredictos do tribunal do júri, característica ímpar afirmada no art. 5º, XXXVIII, “c”, da Constituição.

El Tasse (2006, p. 152) assevera que a soberania dos veredictos não é suscetível,

sobre qualquer pretexto, de ser atingida, como ocorre quando o Tribunal anula a decisão por entendê-la contrária à prova dos autos, posto que, são os membros do Conselho de Sentença que presenciam a sessão de julgamento e, em pós, decidem conforme sua íntima convicção, não podendo um colegiado composto por tão somente por juízes profissionais, que não participa do julgamento e não pode decidir de acordo com convicções íntimas, considerar a decisão contra as provas coligidas para o processo.

Preleciona o autor supra (2006, p. 152): confundem-se, de forma gritante,

aqueles que imaginam poder o Tribunal recursal afirmar que o juízo absolutório deve ser anulado se constatado que manifestamente contrário à prova dos autos. Em verdade, tem-se aqui a utilização veemente de expediente antidemocrático e desrespeitoso para com a vontade popular. Nelson Darby de Assis (1991, p. 400): auxilia dizendo que a soberania do júri e de seus veredictos foi sempre o ideal dos legisladores constituintes, interpretandoa vontade popular. Só as Constituições autoritárias, outorgadas pelos regimes de exceção, podaram do júri sua soberania...

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Ou, interpretações jurisprudenciais como aquelas havidas no ocaso da vigência da Constituição de 1946. Assim, ao reafirmar a soberania dos veredictos, o constituinte de 1988 enterrou de vez os resquícios do Estado Novo, constantes do Código de Processo Penal, tarefa na qual o constituinte de 1946 não logrou êxito, dadas as interpretações abusivas.

Assevera, também, Darby (1991, p. 400) “que não é soberana a decisão sujeita à

revisão. Assim, revogado está, pela nova Carta, ofundamento de recurso previsto no art. 593, III, d, do Código de Processo Penal”.

Nada disso prevalece para o Supremo Tribunal Federal, conforme se verifica no

seguinte acórdão daquela Corte relatado pelo Ministro Francisco Rezek, assim ementado: a garantia constitucional da soberania do veredicto do Júri não exclui a recorribilidade de suas decisões. Assegura-se tal soberania com o retorno dos autos ao Tribunal do Júri para novo julgamento. (STF-HC 71.617-2-j. 22.11.1994-DJU 19.05.1995, p. 13.995)

O entendimento supra é unânime no mencionado Tribunal, pois do mesmo modo

que pensa o Ministro Francisco Rezek, pensa o Ministro Ilmar Galvão. Observe-se: as decisões do Júri não podem ser alteradas quanto ao mérito, mas podem ser anuladas quando se mostrarem contrárias à prova dos autos, assegurando-se a devolução dos autos ao Tribunal doJúri para que profira novo pronunciamento. A soberania dos veredictos, prevista no art. 5º, c, da (108) CF, não exclui a recorribilidade de suas decisões como proclama o STF. (STJ-HC-RT 728/481)

Os doutrinadores que se insurgem contra o entendimento da Suprema Corte,

como os acima citados, entendem em sendo anuladas as decisões proferidas pelo júri, em especial, aquelas que são atacadas por recursos fundados em decisões contrárias à prova dos autos, fere-se a garantia constitucional da soberania do júri.

É certo que nos países que adotam o escabinado, as decisões do júri

misto também são recorríveis, como são no Brasil, mas os recursos são apreciados por outro escabinado, composto por juízes heterogêneos, o que revela garantismo, como ocorre na França.

Outra fonte garantista do escabinado, elegendo-se esta como a principal, é a que

reside na necessária motivação das decisões, como ocorre, por exemplo, no escabinado adotado na justiça militar no Brasil.

Neste particular, Luigi Ferrajoli (2006, p. 573) leciona que a última garantia

processual de segundo grau, a qual ele atribui valor de uma garantia de fechamento do sistema, é a obrigação da motivação das decisões judiciárias. Acresce mencionado autor que, embora sejam encontrados resquícios da motivação nas decisões estatutárias, na Eclesiástica da Santa Inquisição, e mais, nas jurisdições dos magistrados romanos, a obrigação de fundamentar as decisões judiciárias, em especial, as sentenças, é moderna.

De acordo com Ferrajoli (2006, p. 573): a obrigação de fundamentar as

decisões surgiu, em primeiro lugar com Francis Bacon, sendo reforçada, em seguida, pelo pensamento iluminista, mas foi sancionada, pela primeira vez, pela:

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Pragmática de Ferdinando IV, de 27 de setembro de 1774; sucessivamente pelo art. 3 da Ordonnance criminelle de Luis XVI, de 1º de maio de 1788; depois pelas leis revolucionárias de 24 de agosto e 27 de novembro de 1790 e, por fim, recebida, através da codificação napoleônica, em quase todos os códigos oitocentista europeus.

Extrai-se, ainda, da lição de Luigi Ferrajoli (2006, p. 573-4), que: (109) a

motivação das decisões judiciais permite a fundação e o controle das decisões seja de direito, por violação da lei ou defeito de interpretação ou subsunção, seja de fato, por falhas ou insuficiência de provas, ou mesmo por explicações inadequadas, fundadas em provas nãomuito convincentes.

As decisões do júri clássico são imotivadas, o que é, inclusive, aceito no Brasil,

pelo Supremo Tribunal Federal; observe-se: Sentença. Júri. Fundamentação. A sentença do Juiz-Presidente do Tribunal do Júri faz-se calcada nas respostas dadas pelos Jurados aos quesitos, descabendo adentrar, considerado o campo monocrático, no exame dos elementos probatórios dos autos. (STF-2ª T.-HC 75.439-2-Rel. Marco Aurélio- j. 09.09.1997, DJU 31.10.1997, p. 55. 542/3)

O entendimento supra sugere três questionamentos, a começar pela dúvida

gerada pela afirmação de que nas sentenças do júri,o juiz presidente não pode fugir do que é decidido pelos jurados. Ora, se os jurados, nos lugares que adotam o júri puro, como no Brasil, julgam de acordo com sua íntima convicção, não fundamentando suas decisões, e se o presidente também não fundamenta a sua sentença, só resta concluir que, no júri puro brasileiro nem os juízes de fato, nem o juiz técnico fundamentam as sentenças.

Em segundo lugar, quando o Supremo Tribunal Federal, guardião da

Constituição, diz que nas sentenças do júri o juiz presidente baseia-se apenas nas respostas dos jurados, que não são fundamentadas, outra alternativa não resta aos combatentes da orientação da Suprema Corte senão a de que mencionado Tribunal, em tema de júri, faz vista grossa ao disposto no art. 93, IX, da Constituição que estabelece que: todos os julgamento dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais apreservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

O terceiro e último questionamento nasce de uma comparação entre as

explicações de Luigi Ferrajoli, sobre a necessidadee a grandeza que encerra a motivação das decisões e o posicionamento defendido pelo Supremo Tribunal Federal pátrio, no caso da desnecessidade de fundamentação das decisões do Tribunal do Júri popular. Para Ferrajoli, o posicionamento da Suprema Corte do Brasil é, no mínimo, antigarantista.

Guilherme de Souza Nucci (2003, p. 602), ao tratar da necessidade da

fundamentação da decisão de pronúncia, leciona: embora deva a pronúncia ser lavrada em termos equilibrados e prudentes, tal situação não exime o magistrado de fundamentá-la devida e expressamente. Impõe a Constituição Federal dever-ser toda decisão do Poder Judiciário fundamentada, (art. 93, IX), o que significa não somente

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uma imposição a ser cumprida, mas uma garantia imperiosa do réu, que é conhecer as razões que o levaram a sofrer qualquer tipo de constrangimento e também da sociedade de acompanhar a imparcialidade dos órgãos judiciários em seus pronunciamentos.

Prosseguindo com seu judicioso raciocínio, ensina oautor (2003, p. 602) que é

preciso que o juiz motive a sentença de pronúncia, tomando conhecimento de todas as teses levantadas pela acusação e defesa, dentro de sua competência.

Criticando aqueles que entendem que, em tema de decisão de pronúncia, o juiz

não deve, sequer, rebater as teses das partes, leciona Nucci (2003, p. 602): não somos partidários da tese, sustentada por alguns, de que o magistrado não pode rechaçar as inovações feitas pela defesa do réu, sob pena de estar adentrando o mérito e invalidando a decisão. É, justamente o oposto. Se a defesa do acusado requer a sua absolvição sumária e, alternativamente, a impronúncia, alegando fatos relevantes, é indispensável que o juiz, querendo pronunciar o réu dê os motivos do seu convencimento, afastando com racionalidade as teses defensivas.

Ora, se a pronúncia é apenas uma decisão interlocutória mista, que tem

por finalidade julgar admissível a acusação, remetendo o caso à apreciação do Tribunal do Júri, como ensina Nucci (2003, p. 599), e considerando que, ainda assim, de acordo com referido autor, deve ser devidamente motivada, não poderia a sentença do Tribunal do Júri ser desmotivada, como orienta o Supremo Tribunal Federal.

Paulo Rangel (2007, p 138), rebatendo os argumentosdaqueles que acham que a

decisão do júri não deve ser fundamentada, leciona: de nada adiantaria a Constituição estabelecer que toda e qualquer decisão do Poder Judiciário deve ser fundamentada, sob pena de nulidade, visando à transparência dos atos do poder público, se os operadores jurídicos continuarem a aceitar passivamente, a não-fundamentação no júri. Trata-se de uma imposição legal que deve ser operacionalizada pelos atores jurídicos.

Paulo Ricardo Schier (1999, p. 68) tem o seguinte posicionamento sobre o papel

que deve ser desempenhado pelos operadores jurídicos: de nada vale qualquer concepção epistemológica emancipatória se continuarem os Juízes a aplicar as leis do século passado com a cabeça do século passado. Ou pior, se continuarem a ler os novos instrumentos e valores trazidos pela nova ordem jurídica (a instaurada no Brasil com o advento da Constituição de 1988) sob o influxo da ordem anterior ou, ainda, insistirem em adaptar a Constituição ao espírito da legislação infraconstitucional.

Dando seqüência a seu raciocínio, sustenta Rangel (2007, p. 139) que no caso do

Tribunal do Júri, atualmente, não se pode mais aplicar um código de processo penal, da primeira metade do século passado, em flagrante prejuízo das conquistas constitucionais modernas, entre elas a necessidade da fundamentaçãodas decisões judiciais. O Tribunal do Júri, afirma o autor supra, “encontra-se dentro destas conquistas constitucionais hodiernas e, em conseqüência disso, a autorização da linguagem aparece como um instrumento de viabilização de tais conquistas”.

Outra área que a doutrina moderna, representada, por exemplo, por Paulo

Rangel e Adel El Tasse, rebate com argumentos muitos convincentes é a que se

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refere à incomunicabilidade dos jurados, o que é comum no júri clássico, salvo nos países da common law.

De acordo com Rangel (2007, p. 11), a de se perquirir a legitimidade da regra da

incomunicabilidade do Conselho de Sentença na medida em que ela impede a discussão ampla, geral e irrestrita dos fatos que são debatidos pelas partes, em plenário.

Fazendo uma incursão pelo direito comparado, afirma Rangel (20007, p. 46 ss),

que, na Inglaterra, a comunicação entre jurados é plena, pois os mesmos decidem com base no juramento (ou promessa solene) que fazem de julgarem fielmente o acusado e darem um veredicto verdadeiro de acordo com as provas apresentadas.

Nos Estados Unidos, diz Rangel (2007, p. 49) que a decisão do júri americano

deve ser discutida entre o corpo de jurados, acrescentando o autor que não há possibilidade de exercer cidadania e direito de voto, no sentido de condenar ou absolver um cidadão, a não ser por meio do debate, do diálogo.

Assevera Paulo (20007, p. 142) que, na maioria dos países da Europa (bem

como nos UEA), os jurados do Tribunal do Júri têm plena comunicação entre si, diferindo apenas na composição do Conselho de Sentença, além de fundamentarem suas decisões.

Adel El Tasse (2006, p. 136), censurando a regra da incomunicabilidade no

Tribunal do Júri, diz, em primeiro lugar, que os jurados, durante o desenvolvimento das atividades de produção de provas e dos debates do júri, devem se manter incomunicáveis, mas, no momento específico da decisão: a busca do consenso, verdadeira marca das sociedades atuais, somente pode ser atingida no julgamento popular se tiverem os jurados oportunidade de livremente manifestarem suas opiniões, discutindo-as sem receios e sem temores.

Esclarece, mais, o supracitado autor (2006, p. 135), que Habermas, ao

desenvolver seus estudos em torno do agir comunicativo, sustenta que “o paradigma da filosofia da consciência encontra-se esgotado. Sendo assim os sintomas de esgotamento devem dissolver-se na transição para o paradigma dacompreensão”.

Adverte Adel (2006, p. 135) que no: paradigma filosófico da consciência, toda a

ação estava centrada no sujeito, que buscava dominação sobre as diversas coisas do mundo; enquanto no novo paradigma, o da compreensão, os sujeitos comunicam-se apoiados necessariamente no consenso que serve de pano de fundo para sua ação comunicativa.

Sobre o consenso, Adel El Tasse, (2006, p.135) relembra o seguinte ensinamento

de Rorty: “o sujeito, nos tempos atuais, não mais deve buscar impor seus desejos, mais sim, trabalhar sempre com a idéia de consenso, atuando com constância pautado na idéia de solidariedade humana”.

Armandino Teixeira Nunes Júnior (2002, p. 56), num trabalho intitulado

As Modernas Teorias da Justiça, esbarra em Habermas, ensinando que para este: o Direito legítimo, nas sociedades atuais pós-metafísicas, depende do exercício constante do poder comunicativo. Para quenão se esgote a fonte da justiça, é mister que

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um poder comunicativo jurígeno esteja na base do poder administrativo do Estado [...] A resolução dos conflitos será tanto mais facilmente quanto maior for a capacidade dos membros da comunidade em restringir os esforços comunicativos e pretensões de validades discursivas consideradas problemáticas, deixando como pano de fundo o conjunto de verdades compartilhadas e estabilizadoras do conjunto da sociedade, possibilitando que grandes áreas da interação social desfrutem os consensos não problemáticos.

Continua Armandino (2002, p. 56): o genial da teoria de HABERMAS reside,

portanto, nasubstituição de uma razão prática, baseada num indivíduo que, por meio de sua consciência, chega à norma, pela razão comunicativa, baseada numa pluralidade de indivíduos que, orientando sua ação por procedimentos discursivos, chegam à norma. Assim, a fundamentação do Direito, sua medida de legitimidade, é definida pela razão do melhor argumento. Como emanação da vontade discursiva dos cidadãos livres e iguais, o Direito pode realizar a grande aspiração da humanidade: a efetivação da justiça.

Assim, infere-se dos sistemas analisados nesta dissertação que, na busca

pela forma de julgamento que se coadune com a ordem constitucional, imprescindível à observância ao garantismo, a fim de a participação popular na administração da justiça se adeque aos modernos preceitos constitucionais vigentes.

CONCLUSÃO

Como se viu, a participação do povo na administração da justiça ocorre desde épocas bastante remotas, já que encontramos sinais da instituição desde a Antiguidade.

Verificou-se, entretanto, que a maior parte dos estudiosos aponta a

Inglaterra como local de nascimento do tribunal popular, com apublicação da Carta Magna de 1215.

Segundo as pesquisas, os ingleses criaram o tribunal do júri com a finalidade de

se opor aos julgamentos despóticos até então realizados, razão pela qual, a partir de então, o mesmo tornou-se uma forma de proteção social, espalhando-se pelo mundo.

No direito interno, após ter sido feito um pedido pelo Senado da Câmara do Rio

de Janeiro, ao Príncipe Regente, o júri foi criado pelo Decreto de 18 de junho de 1822, para o julgamento dos delitos de imprensa.

Apesar de constar do Texto Constitucional de 1824 atribuição para que o

júri decidisse causas cíveis e criminais, nunca houve o julgamento de qualquer litígio cível.

O Código de Processo Criminal do Império, de 1832, dispôs sobre duas

classificações, quais sejam, o Jury de Accusação, na Secção Terceira do Capítulo I, Título IV – Do Processo Ordinario, e o Jury de Sentença, extraído da Sessão

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Quarta, Capítulo II, do mesmo título. Nos demais códigos processuais penais, a instituição sempre esteve regulamentada.

No plano constitucional, ressalvada a Carta de 1937, que silenciou sobre o júri,

as demais manifestações constitucionais brasileirasfizeram referência expressa à instituição.

Viu-se que no júri tradicional, caracterizado, principalmente, pela participação

dos juízes leigos nos julgamentos presididos por juízes togados, estes não têm direito e voto.

É exatamente o contrário do que ocorre com o escabinado, que é um colegiado

heterogêneo, composto por juízes técnicos e não técnicos, sendo que todos os julgadores têm direito a voto.

Constatou-se que o escabinado está em ascensão em várias nações do

mundo, como ocorre com a Alemanha, que optou pela substituição do jurado tradicional pelo escabinos, em 04 de janeiro de 1924.

O sistema misto de julgamento foi introduzido na França pela Lei de 25

de novembro de 1941, com a atribuição para que fossem decididas tanto as questões fáticas, quanto as de direito.

Na Itália, a primeira legislação que previu o júri foi o Codice di Procedura

Penale de 1859. Entretanto, somente em 1931 o jurado comum se transformou em escabinado.

Em Portugal, em virtude da Lei n.° 38, de 23 de dezembro de 1987, que

decretou uma nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, o júri tradicional português também foi substituído pelo escabinado.

No Brasil, o escabinado foi criado com a publicaçãoda Emenda Constitucional

n.° 45/2004, que deu nova redação ao § 3º do art. 125 da Constituição Federal, já que a Justiça Militar, em primeiro grau, passou a ser constituídapor um juiz de direito e pelos Conselhos de Justiça.

Hoje, ao juiz de direito militar compete processar e julgar singularmente, além

das ações judiciais contra atos disciplinares militares, os crimes militares definidos em lei, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência do juiz de direito do juízo militar processar e julgar os demais crimes.

Verificou-se que, na atual sistemática brasileira, o juiz militar, que não é togado,

mas sim um oficial militar, sorteado, deve ser distinguido em dois graus de jurisdição da Justiça Castrense, sendo que no Primeiro Grau, ele compõe temporariamente o Conselho de Justiça, com mais três juízes militares e um togado, enquanto que no Segundo Grau ele integra vitaliciamente o Tribunal de Justiça Militar Estadual e Superior Tribunal Militar.

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O colegiado misto instalado pela Emenda n.° 45/2004, tornou a Justiça Militar totalmente diferenciada, tanto da Justiça Comum, quanto das outras Justiças Especializadas: a Eleitoral e a do Trabalho.

A pesquisa demonstrou, finalmente, que o principal fator que concorre para

a adoção do escabinado em detrimento do júri tradicional que vigora na justiça brasileira é o garantismo.

Não se pode olvidar que a aplicação do direito pelo povo é apontada como um

dos primeiros sistemas de julgamento de que se tem notícia. Entretanto, a participação de leigos na administração da justiça deve acompanhar a evolução garantista assegurada pelas normas inscritas no Texto Constitucional vigente, oque não ocorre com o júri tradicional.

Isto porque os juízes cidadãos não são conhecedoresdo direito, e, em período de

impunidade, como o que vivenciamos nos dias atuais,por vezes verifica-se que eles, muitas vezes influenciados pela mídia, fazem do julgamentoum instrumento de vingança.

Daí porque se defende, dentre outras propostas garantistas, a da

comunicabilidade entre os jurados, utilizada pelo sistema misto, considerada essencial, mesmo que só no momento da votação, a fim de sejam suprimidas as dúvidas que surgirem durante o julgamento, dada à complexidade da ordem jurídica vigente.

Acrescente-se, que deve haver a inserção, na composição dos tribunais ad quem,

de juízes não técnicos, que devem decidir os recursos interpostos das decisões dos colegiados a quo, a fim se preservar a soberania dos veredictos.

A alteração que se faz mais necessária é a que concerne à motivação das

decisões. A Carta Política vigente foi publicada em 1988, e os julgamentos realizados pelo júri puro brasileiro ocorrem sem que as decisões sejam fundamentadas, ou seja, não existe motivação, nem por parte dos jurados, nem por partejuiz presidente do Tribunal.

A afronta constitucional a inexistência da motivação das decisões do tribunal do

júri tem sido não só aceita como plenamente referendada pelo Supremo Tribunal Federal, intitulado “Guardião da Constituição”, o que traduzuma inversão do que preceitua a Carta Política vigente.

De outra banda, a participação popular na administração da justiça penal, com

exceção do obsoleto Tribunal do Júri, vem sendo aperfeiçoada, tanto do direito externo, como no interno, como aconteceu com o escabinado da Justiça Militar brasileira.

Nesse viés, e considerando que a busca por um processo justo e eficiente é um

direito, não só das partes, mas também, de toda a sociedade, faz-se necessária à modificação urgente do sistema clássico de julgamento, adotado como regra no Brasil, eis que deve estruturar-se de forma ética e compromissada com ospreceitos constitucionais vigentes, a fim de que esteja apto a desempenhar, a exemplo do escabinado, de forma irrepreensível a função jurisdicional, imprescindível a manutenção da paz social.

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