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Economia Brasileira e Regional – ADM. XII - Profª. Leozenir Mendes. Betim, MSc. 1 1. OBJETIVOS E INSTRUMENTOS DE POLÍTICA ECONÔMICA Para iniciar este conteúdo, é preciso entender inicialmente que o objetivo do estudo de Economia é formular propostas para resolver ou minimizar os problemas econômicos, de forma a melhorar a qualidade de vida das pessoas. Nesse contexto, e já trazendo-se a discussão para a economia brasileira, é preciso entender o que e quais são os problemas econômicos. As questões levantadas a seguir dão uma visão da abordagem do estudo de Economia, a partir do qual são propostas soluções para os problemas econômicos: a) por que existem períodos de recessão e de crescimento na economia? Nos três anos que englobam o período 1990-1992, a produção de bens e serviços no Brasil caiu 2,6%; já nos dois anos seguintes, aumentou 10,0%; no período 2001-2003, ficou praticamente estagnada e voltou a crescer em 2004; b) por que os preços sobem? Em março de 1990, a inflação brasileira atingiu 81%; nas vésperas do Plano Real, em junho de 1994, registrou 47%, e, nos últimos anos, a inflação mensal tem sido inferior a 1%; o que explica esse comportamento tão diferenciado?; c) por que o valor do dólar flutua tanto? Nas vésperas do Plano Real, um dólar custava l URV (que seria substituída pelo Real); no mês de evereiro de 1995, um dólar estava custando 84 centavos de real (R$ 0,84), em 2002 alcançou R$ 4,00 (durante a eleição presidencial) e em meados de 2005 valia R$ 2,40; d) por que alguns países têm dificuldades de pagar suas contas externas? No início dos anos 80 (1981-1983), o Brasil viveu momentos delicados, com seu nível de reservas internacionais praticamente esgotando-se, e foi incapaz de honrar os compromissos da dívida externa. O que teria acontecido? Por outro lado, em junho de 1998, o país dispunha de mais de US$ 70 bilhões em reservas, volume esse que caiu para menos de US$ 40 bilhões no início de 2002. Como isso ocorreu? Por que o México foi à "bancarrota" no final de 1994? Por que o Brasil perdeu quase US$ 30 bilhões em reservas depois da crise da Rússia, em agosto de 1998?; e) por que existem diferenças de remuneração? Por que a renda é tão mal distribuída? Os 10% mais ricos no Brasil recebem 46,9% de toda a renda gerada no país, enquanto os 40% mais pobres recebem menos de 12% da renda total. Na Espanha, por exemplo, os 10% mais ricos recebem 24,5% da renda, e os 40% mais pobres recebem 19,4%. O que explica essa situação? Como resolver? Ao analisar e diagnosticar essas questões, a Economia vai formular políticas de modo a melhorar a qualidade de vida das pessoas. Essa situação fica mais clara quando se discute os objetivos de política econômica. 2. OBJETIVOS DE POLÍTICA ECONÔMICA Dependendo do enfoque a ser adotado, pode-se encontrar vários objetivos de política econômica. Entretanto, para facilitar a discussão e até mesmo destacar apenas aqueles que são fundamentais para entender a realidade brasileira, pode-se selecionar quatro objetivos: crescimento da produção e do emprego, controle da inflação, equilíbrio nas contas externas e melhor distribuição da renda gerada no país. 2.1. Crescimento da produção e do emprego O crescimento econômico é a meta mais importante a ser perseguida pelos formuladores da política económica. Vale observar que crescimento econômico refere-se à expansão da produção do país, ou seja, uma quantidade crescente de mercadorias e serviços para serem adquiridos pela

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1. OBJETIVOS E INSTRUMENTOS DE POLÍTICA ECONÔMICA Para iniciar este conteúdo, é preciso entender inicialmente que o objetivo do estudo de Economia é formular propostas para resolver ou minimizar os problemas econômicos, de forma a melhorar a qualidade de vida das pessoas. Nesse contexto, e já trazendo-se a discussão para a economia brasileira, é preciso entender o que e quais são os problemas econômicos. As questões levantadas a seguir dão uma visão da abordagem do estudo de Economia, a partir do qual são propostas soluções para os problemas econômicos: a) por que existem períodos de recessão e de crescimento na economia? Nos três anos que englobam o período 1990-1992, a produção de bens e serviços no Brasil caiu 2,6%; já nos dois anos seguintes, aumentou 10,0%; no período 2001-2003, ficou praticamente estagnada e voltou a crescer em 2004; b) por que os preços sobem? Em março de 1990, a inflação brasileira atingiu 81%; nas vésperas do Plano Real, em junho de 1994, registrou 47%, e, nos últimos anos, a inflação mensal tem sido inferior a 1%; o que explica esse comportamento tão diferenciado?; c) por que o valor do dólar flutua tanto? Nas vésperas do Plano Real, um dólar custava l URV (que seria substituída pelo Real); no mês de evereiro de 1995, um dólar estava custando 84 centavos de real (R$ 0,84), em 2002 alcançou R$ 4,00 (durante a eleição presidencial) e em meados de 2005 valia R$ 2,40; d) por que alguns países têm dificuldades de pagar suas contas externas? No início dos anos 80 (1981-1983), o Brasil viveu momentos delicados, com seu nível de reservas internacionais praticamente esgotando-se, e foi incapaz de honrar os compromissos da dívida externa. O que teria acontecido? Por outro lado, em junho de 1998, o país dispunha de mais de US$ 70 bilhões em reservas, volume esse que caiu para menos de US$ 40 bilhões no início de 2002. Como isso ocorreu? Por que o México foi à "bancarrota" no final de 1994? Por que o Brasil perdeu quase US$ 30 bilhões em reservas depois da crise da Rússia, em agosto de 1998?; e) por que existem diferenças de remuneração? Por que a renda é tão mal distribuída? Os 10% mais ricos no Brasil recebem 46,9% de toda a renda gerada no país, enquanto os 40% mais pobres recebem menos de 12% da renda total. Na Espanha, por exemplo, os 10% mais ricos recebem 24,5% da renda, e os 40% mais pobres recebem 19,4%. O que explica essa situação? Como resolver? Ao analisar e diagnosticar essas questões, a Economia vai formular políticas de modo a melhorar a qualidade de vida das pessoas. Essa situação fica mais clara quando se discute os objetivos de política econômica. 2. OBJETIVOS DE POLÍTICA ECONÔMICA Dependendo do enfoque a ser adotado, pode-se encontrar vários objetivos de política econômica. Entretanto, para facilitar a discussão e até mesmo destacar apenas aqueles que são fundamentais para entender a realidade brasileira, pode-se selecionar quatro objetivos: crescimento da produção e do emprego, controle da inflação, equilíbrio nas contas externas e melhor distribuição da renda gerada no país. 2.1. Crescimento da produção e do emprego O crescimento econômico é a meta mais importante a ser perseguida pelos formuladores da política económica. Vale observar que crescimento econômico refere-se à expansão da produção do país, ou seja, uma quantidade crescente de mercadorias e serviços para serem adquiridos pela

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sociedade. Quando a produção do país está crescendo mais rapidamente que a população, diz-se que a produção por pessoa (ou a renda per capita) está aumentando. E é importante destacar que nenhum país conseguirá melhorar o nível de renda de sua sociedade se não aumentar aprodução. Considerando-se que há uma estreita correlação entre produção e emprego, nota-se que ao se perseguir o objetivo de crescimento da produção, automaticamente está-se procurando ampliar o nível de emprego da economia. Na realidade, busca-se atingir o pleno emprego dos fatores de produção na economia. Durante os anos 60 e 70, começaram a surgir dúvidas em relação à importância do crescimento como meta principal da política econômica. Nos países desenvolvidos, tal questionamento ocorreu por causa da deterioração do meio ambiente (poluição, ecologia etc.) e nos países subdesenvolvidos, como o Brasil, argumentava-se que seria preferível crescer mais devagar, mas com melhor distribuição de renda. 2.2. Controle da inflação O objetivo de controlar a inflação não significa manter a inflação igual a zero. Mesmo os países mais desenvolvidos não buscam essa meta, como, por exemplo, os Estados Unidos, cujas taxas de inflação têm-se situado em torno de 2% ao ano. Na realidade, o que se busca é evitar períodos de aceleração permanente no crescimento dos preços e manter a inflação em patamares reduzidos, que, no caso brasileiro, podem perfeitamente acompanhar a inflação de países emergentes desde que estáveis ou descendentes. A preocupação em controlar a inflação justifica-se, uma vez que taxas elevadas de inflação acarretam uma série de distorções na economia: afetam negativamente a distribuição de renda, à medida que os mais pobres não conseguem se proteger da inflação (porque não conseguem aplicar seus recursos no mercado financeiro); reduzem os prazos das aplicações financeiras, fazendo desaparecer os recursos para financiar os investimentos, a aquisição de moradias etc.; dificultam, ou até mesmo impossibilitam, qualquer planejamento empresarial que não seja de curtíssimo prazo; e, finalmente, podem levar a uma total destruição do parque produtivo, quando se chega à hiperinflação (como ocorreu na Alemanha, no pós-guerra, e, mais recentemente, com a Argentina, no final dos anos 80). A experiência mundial demonstra que países que não obtiveram um razoável controle sobre as taxas de inflação não conseguiram promover, de forma sustentada, o crescimento da produção de bens e serviços. O Brasil dos anos 80 é uma prova dessa situação: o país ficou praticamente estagnado durante toda a década, e viveu um processo inflacionário agudo. Isso faz com que o controle da inflação seja um dos objetívos primordiais da (política econômica, notadamente nos países em desenvolvimento, onde a presença do descontrole inflacionário não tem sido raro. Na realidade, a discussão do problema inflacionário é uma das questões mais relevantes do debate econômico atual. Trata-se de um tema de difícil abordagem, dado que as causas da inflação diferem entre países e, mesmo num dado país, diferem no tempo (como se verá adiante, a experiência brasileira é muito rica nesse sentido). 2.3. Equilíbrio nas contas externas O Brasil, assim como os demais países, mantém transações comerciais e financeiras com o resto do mundo. O registro contábil dessas transações compõe o balanço de pagamentos. A busca do equilíbrio no balanço de pagamentos faz-se necessária para evitar uma série de dificuldades para o adequado funcionamento da economia. Assim, se o país tem déficits permanentes nas contas externas, num dado momento verá esgotadas suas reservas, impossibilitando-o de honrar seus compromissos e/ou limitando a capacidade de importar por falta de divisas (moeda estrangeira).

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Por outro lado, superávits permanentes também podem gerar dificuldades na condução da política econômica. Isso porque a entrada excessiva de dólares na economia obriga o Banco Central a emitir mais moeda doméstica (no caso do Brasil, emitir reais), porque o agente que recebe a moeda estrangeira efetua a troca por moeda nacional. E, como se verá adiante, quanto mais moeda existir na economia, maior é a tendência de ocorrer inflação. Vale observar que superávits ou déficits esporádicos não são preocupantes. Muitas vezes, superávits nas contas externas são necessários para recompor reservas; em outros casos, os déficits contribuem para um controle mais adequado da política monetária. A experiência brasileira mostra condições muito diferenciadas nas contas externas ao longo dos últimos anos. No início da década de 80, observou-se uma completa sangria das divisas internacionais do Brasil, as quais começaram a recuperar-se em 1984. Em 1986-1987, com o Plano Cruzado, o país volta a ter resultados negativos no balanço de pagamentos e o nível de reservas volta a declinar. Daí até o início do Plano Real, o país assistiu a um processo permanente de crescimento das reservas, as quais superavam a casa dos US$ 70 bilhões em meados de 1998. Já em meados de 2005, as reservas líquidas encontravam-se pouco abaixo dos US$ 40 bilhões. 2.4. Distribuição de renda Embora seja difícil argumentar que a sociedade deva remunerar igualmente todos, não se pode deixar de atribuir à melhoria da distribuição de renda como um objetivo de política econômica. No caso brasileiro, isso fica claro, uma vez que uma das características mais marcantes dessa economia é a péssima distribuição da renda gerada no país. Essa situação, inclusive, tem ultrapassado os limites da área econômica, dadas suas repercussões na área social, para tornar-se uma questão política. É importante observar, porém, que, ao contrário dos outros objetivos de política econômica, mudanças fortes na distribuição de renda, a não ser por reduções bruscas da taxa de inflação, não ocorrem em curto espaço de tempo, fato esse, inclusive, que explica porque esse objetivo não tem sido considerado um elemento determinante das oscilações da política econômica, apesar de sua importância. 2.5. Outros objetivos Outros objetivos poderiam ser incluídos, como redução da poluição, liberdade econômica, maior concorrência etc. Estes, no entanto, são objetivos menos explícitos em termos de economia brasileira, ou podem até mesmo ser incluídos no conjunto dos anteriores. A maior concorrência, por exemplo, representa uma contribuição importante em termos de combate à inflação. Como já se frisou, porém, a discussão ficará centrada, primordialmente, nos objetivos de crescimento da produção e do emprego, controle da inflação e equilíbrio do setor externo, a curto prazo, além da distribuição de renda, numa visão de prazo mais longo. 3. CONFLITOS ENTRE OS OBJETIVOS Uma das questões centrais em economia, muitas vezes ignorada nas análises menos aprofundadas, refere-se à existência de conflitos entre os objetivos perseguidos pela política econômica. É preciso ter-se consciência de que os objetivos de política econômica não são independentes, sendo, no mais das vezes, conflitantes. É verdade que, em determinadas circunstâncias, atingir-se um objetivo pode facilitar a busca de outros (o crescimento, por exemplo, pode facilitar a solução dos problemas de pobreza), mas esta não é a regra. Particularmente, em países subdesenvolvidos, as metas de crescimento e equidade distributiva têm-se mostrado conflitantes.

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Outro conflito verifica-se entre as metas de crescimento da produção e do emprego e a estabilidade de preços. O mesmo aumento da demanda que contribui para ampliar a produção e reduzir o desemprego pode agravar a inflação e desequilibrar o setor externo, pelo crescimento excessivo das importações, como aconteceu em 1995, com o Plano Real. A experiência brasileira, em termos de conflitos entre os objetivos, merece ser destacada. No início da década de 80, para equilibrar o balanço de pagamentos, a produção (e, portanto, o emprego) e a inflação foram objetivos sacrificados. No Plano Cruzado, o crescimento foi atendido com sacrifício do setor externo; a inflação reduziu-se enquanto o congelamento durou, mas depois saiu do controle. O Plano Bresser voltou a sacrificar o crescimento, objetivando o reequilíbrio externo e o combate à inflação. O Plano Verão visou reduzir a inflação, mesmo com queda no nível do produto. O Plano Collor tentou (sem êxito) combater a inflação às custas de forte queda da produção (1990-1991). Por fim, o Plano Real conseguiu reduzir a inflação, mas a situação externa foi sacrificada. O conflito entre os objetivos de política econômica leva, muitas vezes, a avaliações econômicas diferenciadas acerca da política econômica adotada em determinado período. Assim, um programa de estabilização que consegue reduzir a taxa de inflação, mas gera simultaneamente uma recessão, pode ter uma avaliação positiva para aqueles que vêem no controle da inflação o principal objetivo da política económica. Por outro lado, para aqueles que entendem que o principal objetivo deveria ser o crescimento da produção, a avaliação certamente será negativa. Na realidade, o desafio da política econômica é manter todos os objetivos sob controle, isto é, obter a maior taxa de crescimento da produção, desde que mantida a estabilidade dos preços e o equilíbrio das contas externas. Esse desafio foi muito claro na economia norte-americana em 2000, em que se verificou a preocupação do governo em reduzir o ritmo de crescimento da economia para não gerar pressões inflacionárias. Se um dos objetivos escapar ao controle, como ocorreu no Brasil em 1998-1999 (desequilíbrio externo), a política econômica terá que se concentrar na recuperação desse objetivo e aí o conflito entre eles será inevitável. No período citado, o Brasil assistiu forte desvalorização cambial, que foi importante para reduzir o desequilíbrio externo, mas que impactou a inflação, pelo aumento dos preços dos produtos importados, em reais. Por outro lado, para evitar a aceleração da inflação, o governo aumentou os juros, que reduziram a demanda e, conseqüentemente, a produção. O conflito voltou a estar presente na economia brasileira em 2003, por ocasião do início do governo Lula. A inflação acelerou-se por causa da desvalorização ocorrida em 2002 e obrigou o Banco Central a elevar as taxas de juros, comprometendo o crescimento do PIB. Depois que a inflação foi controlada, o país pôde crescer novamente em 2004. 4. INTRUMENTOS DE POLITICA ECONÔMICA Para atingir aos objetivos de política econômica, o governo dispõe de um conjunto de instrumentos, os quais serão apresentados a seguir: 4.1. Política fiscal Em muitas análises econômicas, é comum a utilização do termo "tripé fiscal-monetário-cambial", que nada mais representa do que a forma como o governo está conduzindo a política econômica. Um dos componentes desse "tripé" é exatamente a política fiscal, que, como já se viu, refere-se às ações do governo tanto do lado dos gastos públicos (quanto e onde o governo gasta), como do lado da arrecadação tributária (quanto e como o governo arrecada, em todas as suas esferas). A composição de gastos e arrecadação leva ao conceito de déficit público. Os tópicos seguintes discutem esses conceitos.

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A política fiscal pode ser dividida em duas grandes partes: a política tributária e a política de gastos públicos. Como se sabe, o governo (nas esferas federal, estadual e municipal) efetua despesas na economia com pagamento de funcionários, construção e manutenção de escolas, hospitais, pagamento de juros da dívida interna etc. Quando o governo aumenta esses gastos, diz-se que a política fiscal é expansionista); caso contrário, tem-se uma política fiscal contracionista. A política fiscal será expansionista ou contracionista dependendo do que o governo está pretendendo atingir com a política de gastos. No outro lado da política fiscal, o governo pode atuar sobre o sistema tributário de forma a alterar as despesas do setor privado (entre bens, entre consumo e investimento etc.), a incentivar determinados segmentos produtivos, e assim por diante. A conjugação de despesas e receitas conduz ao conceito do déficit público, um dos temas de maior polêmica na economia brasileira nos últimos anos. 4.1.1. Gastos do governo Os gastos do governo podem ser divididos em dois grandes grupos: as despesas correntes e as de investimento). Como o próprio nome, as despesas correntes dizem respeito aos gastos realizados com o objetivo de manter a máquina governamental funcionando, bem como às despesas impostas pela legislação. As despesa correntes, por sua vez, podem ser divididas em quatro outros grupos, a saber:

a) consumo do governo: corresponde ao pagamento dos funcionários públicos, e outras despesas necessárias à manutenção do aparato público (energia elétrica, materiais etc.);

b) transferências: refere-se às despesas que são efetuadas pelo setor público e destinadas ao setor privado, sem a contraprestação de serviços ou fornecimento de bens, como é o caso da Assistência e Previdência Social;

c) juros: incluem tanto pagamento de juros da dívida interna como externa; vale observar, porém, que, embora se faça referência à "dívida externa brasileira", grande parte dessa dívida refere-se ao setor privado; os juros de responsabilidade do governo referem-se apenas àqueles devidos pelo endividamento do setor público;

d) subsídios: correspondem aos gastos do governo com o objetivo de garantir ao consumidor preços inferiores ao custo de produção; na realidade, o produtor recebe o valor integral, sendo uma parcela desse valor paga pelo governo e o restante, pelo consumidor; um subsídio muito importante no passado foi dirigido ao trigo, para que alguns bens essenciais (como pão, macarrão e outros derivados do trigo) não pressionassem os orçamentos das classes de menor renda, embora todos os consumidores (independentemente da classe de renda) fossem beneficiados.

As despesas de investimento, por sua vez, referem-se às despesas que o governo efetua para aumentar a capacidade de produção de bens e serviços no país (construção de hidrelétricas, rodovias, hospitais, escolas etc.). O Quadro 1 apresenta a composição dos gastos públicos no Brasil em 2003 (como porcentagem do PIB), em que se pode perceber: a reduzida participação dos lentos (1%), o elevado percentual dos juros da dívida (5%) e a grande pressão exercida pelas despesas com pessoal (consumo) e previdência (transferências). É importante destacar que nesse total não estão incluídas as despesas com ao monetária e cambial da dívida.

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Quadro 1 – Participação do gasto público no PIB (2003)

Item Participação 1. Despesas correntes 36,0

• Pessoal 12,0 • Assistência e previdência 13,0 • Juros reais 5,0 • Subsídios 0,5 • Outros 5,5

2. Despesas de investimento 1,0 3. Total (1+2) 37,0 Fonte: Banco Central, FGV. 4.1.1.1. Evolução do gasto público no Brasil Uma análise mais detalhada acerca da evolução do gasto público no Brasil revela uma série de aspectos interessantes. Em primeiro lugar, verifica-se que o gasto público tem sido crescente ao longo dos últimos anos; na década de 70, o total do gasto público foi de 23% do PIB, passando a 27,1% na década de 80,33,0%, no início dos anos 90, para atingir 36,0% do PIB no período de 1998-2003 (ver Quadro 2.2). Itens

Períodos

1970-1979

1980-1989

1990-1994

1995-1998

1998-2003

1. Despesas correntes

19,5

24,5

29,7

30,8

35,0

• Pessoal e encargos • Assistência e

7,3

7,5

9,8

10,7

12,0

previdência • Juros reais • Subsídios • Outros

7,2 0,6 1,5 2,9

8,2 2,9 2,2 3,7

9,9 2,0 1,4 6,6

10,2 4,3 1,0 4,6

11,0 6,0 0,5 5,0

2. Despesas de investimento

3,5

2,6

3,3

2,3

1,0

3. Total (1 + 2)

23,0

27,1

33,0

33,1

36,0

Como se pode observar, a pressão para o crescimento dos gastos públicos advêm de três fontes. A primeira é o item pessoal e encargos, que passou de 7,3% do PIB no período 1970-1979 para 12,0% no período 1998-2003. Esse crescimento pode ser explicado pela conjugação de dois fatores: de um

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lado, a existência de promoções automáticas no setor público, que pressionam a folha dos servidores, e, de outro, a própria estabilização, que não permite "corroer" esses ganhos mediante a inflação. A segunda fonte de pressão são as despesas com assistência e previdência, asquais passaram de 7,2% do PIB no período 1970-1979 para 11,0% no perío 1998-2003. Entre as causas explicativas desse crescimento, pode-se destacar a própria Constituição de 1988, que criou maiores facilidades para a aposentadoria; e o aumento da expectativa de vida da sociedade brasileira. Por fim, vale destacar as despesas com juros (dívida interna e externa), que saíram de 0,6% do PIB (1970-1979) para atingir 6,0% no período 1998-2003. Como se verá, esse comportamento é explicado pela própria estratégia do Plano Real, caracterizado pela prática de juros reais extremamente elevados. 4.1.1.2. Reflexões sobre o gasto público Uma análise mais detalhada acerca do gasto público no Brasil revela alguns aspectos importantes: a excessiva rigidez do gasto público federal, a parcela não desprezível do gasto na área social (ao contrário do que se imaginaria em princípio) e a ineficiência desse mesmo gasto social. O gasto público constituiu um importante instrumento à disposição dos governos para controlar a atividade econômica. É comum, em vários países, observar-se períodos de expansão e contração dos gastos públicos, em face das necessidades da política econômica, fato esse que não ocorre no Brasil. da arrecadação que precisa ser destinada sino, a programas de alimentação etc. 4.1.2. Arrecadação tributária Antes de se passar à análise da política tributária no Brasil, convém discutir algumas divisões importantes dos impostos. A primeira delas refere-se à forma de incidência, a partir da qual os impostos podem ser diretos ou indiretos. Os primeiros (diretos) são aqueles que incidem diretamente sobre a renda e a propriedade, como é caso do Imposto de Renda (IR), do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), do Imposto sobre a Propriedade Territorial e Urbana (IPTU) e do Imposto sobre a Propriedade Rural (ITR). Já os impostos indiretos estão "embutidos" na produção, vendas e consumo de mercadorias, incluindo-se aí o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Circulação de Mer-cadorias e Serviços (ICMS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Finsocial), o Programa de Integração Social (PIS) etc. Outra divisão importante, ainda em termos de base de incidência, refere-se aos impostos sobre valor adicionado e aos impostos em "cascata". Os primeiros (entre os quais se incluem o IPI e o ICMS) são impostos cuja base de incidência é o valor adicionado, isto é, o que cada etapa agrega ao valor do produto. Assim, quando uma empresa compra matéria-prima e paga o ICMS, esse valor será utilizado como um crédito para ser abatido do ICMS que a empresa terá que recolher sobre o faturamento relativo a venda de seu produto (a diferença do imposto representará a incidência sobre o valor adicionado). Por outro lado, existem os chamados impostos em "cascata", que incidem sobre o faturamento (e não sobre o valor adicionado), não existindo, portanto, o crédito. É o caso da CPMF (0,38% sobre a movimentação bancária). Se, de um lado, os impostos em "cascata" apresentam facilidade de arrecadação, de outro, retiram competitividade da produção nacional. Como se sabe, os países não exportam impostos, dado que os mesmos são retirados na exportação; no Brasil, a exportação perde competitividade, porque não há como retirar todos os impostos em "cascata" das vendas externas, até mesmo pela impossibilidade de sua quantificação. A produção interna também é penalizada na concorrência com o produto importado, que chega ao Brasil totalmente livre de impostos, ocorrendo a incidência dos impostos em "cascata" apenas na última etapa de comercialização (venda ao

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consumidor), ao contrário da produção interna, que é penalizada em todas as etapas do processo produtivo. Além dessas divisões, de acordo com seu impacto sobre a renda das pessoas, os impostos podem ser considerados progressivos, regressivos ou proporcionais. Os impostos são considerados progressivos quando as pessoas de maior nível de renda pagam proporcionalmente mais impostos, como é o caso do Imposto de Renda, que cresce proporcionalmente mais que o nível de renda do indivíduo. Os impostos regressivos, ao contrário, são aqueles em que as classes de menor poder aquisitivo pagam proporcionalmente mais. Geralmente, os impostos indiretos apresentam essa característica de regressividade, dado que, como a alíquota é a mesma (IPI, por exemplo), o montante de imposto por produto consumido será o mesmo, proporcionalmente maior para as classes de menor nível de renda. Um exemplo ajuda a esclarecer: um indivíduo A de renda mensal de R$ 151,00, ao comprar um refrigerante, paga o mesmo valor de imposto ("embutido" no preço) que o indivíduo B de renda mensal de R$ 15.100,00 para adquirir o mesmo refrigerante. Embora se possa argumentar que o indivíduo B tende a comprar mais refrigerantes que o indivíduo A, o que é verdadeiro, vale lembrar que o consumo não cresce na mesma proporção da renda. Já a CPMF, cuja alíquota é igual para todos, embora possa ser considerada uma contribuição proporcional, deixa de atender a uma característica importante do sistema tributário, que é a de promover uma melhor distribuição de renda. 4.1.3. Reflexões sobre o sistema tributário brasileiro Muitos analistas olham o sistema tributário apenas como uma forma de gerar a arrecadação pretendida pelo governo, entendendo que, quanto mais eficiente em termos de arrecadação, melhor será o sistema adotado. Essa é uma visão extremamente limitada do papel de um sistema tributário, dado que, embora a arrecadação seja um de seus objetivos, o sistema tributário tem que ser visto como um importante instrumento de desenvolvimento econômico e de redistribuição de renda no país. No que se refere à questão distributiva, verifica-se que a estrutura tributária brasileira é fortemente regressiva, em função da predominância de impostos indiretos, ao contrário do que ocorre em outros países do mundo. A distorção verificada no Brasil é típica de países onde a capacidade de arrecadação é fragilizada, fazendo com que o sistema se torne "carregado" em impostos indiretos, que não são declaratórios e, portanto, de mais fácil controle. Somente países com fiscalização mais rígida conseguem extrair do contribuinte uma porcentagem maior de arrecadação via impostos declaratórios, como é o caso do Imposto de Renda, por exemplo. Outra distorção do sistema tributário brasileiro refere-se a sua limitação como instrumento de desenvolvimento económico, limitação essa reforçada com o advento do Plano Real. Vale lembrar que o atual sistema tributário foi "desenhado" em 1968, período no qual o Brasil era um país extremamente fechado ao resto do mundo. Em mercados altamente protegidos, a ineficiência do sistema tributário é transferida para o consumidor sob a forma de aumento de preços. Numa economia mais aberta ao mundo, o quadro é diferente, uma vez que a incidência de impostos em "cascata" tira a competitividade da produção nacional, tanto na exportação como na concorrência com o produto importado, como já se viu. Além disso, os impostos em "cascata" acabam sobretaxando os bens de capital, à medida que não é possível isentar tais produtos na cadeia produtiva de máquinas e equipamentos. E mais, a complexidade do sistema impõe custos para as empresas que precisam dispor de estrutura adequada para atender a todas as necessidades impostas pelo fisco. Essa mesma complexidade, por sua vez, aliada à excessiva concentração da base de incidência, acaba por se constituir em importante "estímulo" à sonegação. 4.1.4. Política Fiscal e Objetivos de Política Econômica

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Como se discutiu, os objetivos de política econômica são basicamente quatro: crescimento do PIB, controle da inflação, equilíbrio externo e distribuição de renda. A política fiscal é um instrumento importante que tem capacidade de afetar esses quatro objetivos. a) Crescimento da produção e do emprego A curto prazo, a política fiscal interfere no nível de produção da economia tanto por meio da ação direta do gasto público, como indiretamente, via tributação. Admitindo a existência de ociosidade (isto é, produção aquém da capacidade de), o nível de produção será determinado pela demanda total da economia. Um dos componentes dessa demanda é o gasto do governo (os outros são o consumo das famílias, os investimentos das empresas e o setor externo), dado que o setor público compra bens e serviços na economia, como já foi visto. Nessas circunstâncias, todas as vezes que o governo amplia seus gastos, estará aumentando a demanda, e, por consequência, a produção. Por meio de ação indireta, o governo também pode impactar a demanda da economia, atuando do lado dos impostos. Ao reduzir impostos (por exemplo, redução do imposto de renda na fonte), ocorre um aumento da renda disponível da sociedade, o que tende a estimular o consumo das famílias (e, portanto, a demanda total da economia), como ocorreu com o Plano Cruzado, em 1986. A longo prazo, a política fiscal é importante no sentido de disponibilizar recursos para investimentos, que tanto podem ser públicos como privados. Na realidade, o governo é um dos agentes que podem dispor de recursos, que nada mais é do que uma poupança, para a realização de investimentos; os outros agentes são pamílias, as empresas e o setor externo. Quanto maior for o montante de poupança gerada no setor público, maior será a capacidade de o país investir e, portanto maior será o ritmo de crescimento da produção. b) Controle da inflação A política fiscal também pode-se constituir em elemento importante na estratégia antiinflacionária de um país. Quando há excesso de demanda na economia (demanda maior que oferta), essa mesma demanda pode ser contraída com redução de gastos públicos e/ou aumento da carga tributária, a qual contribuiria indiretamente para diminuir o consumo, via redução da renda disponível. c) Equilíbrio externo À medida que as importações de um país são determinadas pelo nível de demanda interna (entre outros f atores), a política fiscal interfere no equilíbrio externo, atuando exatamente sobre o nível de demanda. Em outras palavras, quanto maior o gasto público e menor a tributação, maior será a demanda da economia, e, portanto, maior o volume de importações. Ainda em relação ao equilíbrio externo, não se pode deixar de destacar o papel do sistema tributário em termos de geração de resultados na balança comercial. Isso porque alguns sistemas tributários tendem a penalizar as exportações (e favorecer as importações), à medida que "carregam" a arrecadação em impostos em cascata, como é o caso do Brasil com Cofins, PIS e CPMF. d) Distribuição de renda A política fiscal pode afetar a distribuição de renda do país de duas formas. Do lado do gasto público, dirigindo-o predominantemente às classes de menor poder aquisitivo, o que não acontece no Brasil, como já foi visto; do lado da arrecadação, por meio de um sistema tributário progressivo ("carregado" em impostos diretos), o que também não ocorre no Brasil. 4.2. Política Monetária 4.2.1. Introdução A política monetária refere-se à ação do governo no sentido de controlar as condições de liquidez da economia. Com esse objetivo, o governo atua sobre a quantidade de moeda na economia, sobre a capacidade de concessão de empréstimos por parte dos bancos e, por consequência, sobre os

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níveis das taxas de juros. Na realidade, o mercado monetário é como outro qualquer, onde existe demanda (por moeda), oferta (de moeda) e preço de equilíbrio, que nada mais é do que a taxa de juros. 4.2.2. Conceito preliminar e tipos de moeda No Brasil, há uma grande polêmica sobre o significado de moeda. Pode-se começar a discussão a partir das funções que a moeda desempenha: (a) meio ou instrumentode troca, por ter aceitação generalizada e garantida por lei; (b) reserva de valor, dado que representa liquidez imediata para quem a possui; (c) unidade de conta, dado que possibilita que todos os bens e serviços sejam expressos num mesmo denominador; e (d) padrão para pagamentos diferidos, isto é, pagamento em diferentes períodos de tempo (por exemplo, para definir uma dívida futura, uma promissória a vencer etc.). A convivência com taxas muito elevadas de inflação, por períodos longos, fez com que a moeda brasileira não exercesse todas essas funções tradicionais. No auge do período inflacionário, no início dos anos 90 (quando a inflação superou a casa dos 80% ao mês, no final da gestão Sarney), embora a moeda fosse utilizada como meio de troca, o mesmo não se verificou em relação às demais funções. Em períodos de inflação elevada, não há interesse em reter a moeda como reserva de valor, até porque o valor da moeda será corroído pela inflação. Da mesma forma, a corrosão da moeda, derivada da inflação, faz surgir outras unidades de conta, como dólar, UFIR, Ufesp, UFM, BTN e assim por diante (os preços passam a ser expressos nessas unidades). E, pelo mesmo motivo, não será utilizado como padrão para pagamentos diferidos. Existem três tipos de moeda: as moedas metálicas, emitidas pelo Banco Central, normalmente de pequeno valor e que visam facilitar as operações fracionadas; o papel-moeda, que são as cédulas emitidas pelo Banco Central, que representam parcela importante do volume de dinheiro utilizado pelo público e, finalmente, a moeda escritural, que é representada pelos depósitos a vista efetuados nos bancos comerciais. A soma das moedas metálicas, o papel-moeda (que juntos compõem a moeda manual) e a moeda escritural correspondem ao conceito tradicional de meios de pagamento. Os meios de pagamento apresentam duas características peculiares: têm liquidez imediata (isto é, podem ser utilizados imediatamente para efetuar transações) e não rendem juros. Ainda em relação ao conceito de meios de pagamento, vale destacar que se refere a direitos do setor privado não bancário, excluindo, portanto, o caixa dos próprios bancos e a moeda manual que está com as autoridades monetárias. Os depósitos a vista são recursos à disposição do público não bancário e não pertencem ao banco. Cabe observar, ainda, que no conceito tradicional de meios de pagamento aqui definido, não estão incluídos os depósitos a prazo (como fundos monetários, cadernetas de poupança etc.), porque rendem juros e não têm liquidez imediata. 4.2.3. Demanda de moeda A sociedade demanda moeda por três razões: a demanda para transação, que se refere à necessidade que os agentes têm de possuírem moeda para efetuar suas transações; a demanda para precaução, que se refere à procura de moeda por parte da sociedade para fazer frente a eventuais compromissos não previstos; e, finalmente, a demanda para especulação, que se verifica quando o agente econômico fica esperando uma oportunidade de aplicação interessante. Enquanto essa opor-tunidade não se verifica, o agente fica "posicionado" em moeda. Por outro lado, pode-se identificar um conjunto de variáveis que influenciam o comportamento da demanda de moeda. Em primeiro lugar, não é difícil perceber que à medida que o país se desenvolve

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e a produção de bens e serviços aumenta, a necessidade de moeda eleva-se na mesma proporção. Já quando as taxas de juros são muito elevadas, há uma tendência à redução da demanda de moeda por especulação, uma vez que a possibilidade de surgir novas e boas aplicações fica reduzida (na realidade, a boa alternativa de aplicação já está existindo). Além disso, a própria demanda para transação e precaução tende a reduzir-se com juros elevados, uma vez que os agentes trabalharão com menor volume de dinheiro (tanto manual como escritural) para poder aplicar seus recursos em ativos que rendem juros. Uma terceira variável importante refere-se aos efeitos da inflação. De um lado, verifica-se que, à medida que os preços aumentam, a necessidade de moeda para transação também aumenta em termos nominais. De outro lado, porém, quando a inflação é elevada, "carregar dinheiro no bolso" significa perda, uma vez que os preços estão aumentando e o dinheiro fica parado, comprando um volume cada vez menor de bens. Essa situação conduz ao conceito de "imposto inflacionário". Esse "imposto" recai sobre os detentores de moeda, em períodos de inflação elevada, uma vez que o poder de compra da moeda retida está sendo corroído pela inflação, impondo uma perda (real) ao proprietário da moeda, como se o mesmo estivesse pagando um "imposto". Assim, em períodos de inflação muito elevada, os agentes procuram "livrar-se" o mais rapidamente possível da moeda, fazendo com que contraia a demanda de moeda (em termos reais). No auge da explosão dos preços, que seria a hiperinflação, a moeda é rejeitada pela sociedade, e acaba sendo substituída por outros ativos ou outras moedas (como o dólar, por exemplo). Por outro lado, em períodos de queda brusca da inflação, como ocorre nos planos de congelamento ou mesmo no Plano Real, há uma tendência de aumento da demanda real da moeda, uma vez que o custo de "carregar" dinheiro deixa de existir (o imposto inflacionário some quando a inflação é zero) e as alternativas de aplicação financeira de curtíssimo prazo também tendem a desaparecer. Considerações gerais: A razão óbvia está no fato de que a moeda, como meio de troca, é a maneira mais eficaz de um indivíduo adquirir os bens e serviços de que necessita. Entretanto, como uma pessoa não gasta toda sua renda no momento em que a recebe, podemos perguntar por que esse indivíduo não aplica parte dela — a que não é consumida imediatamente — em títulos, que rendem juros. A resposta é dada a seguir, sob a forma das três razões fundamentais que levam as pessoas a demandarem e reterem moeda em seu poder. A primeira razão é o fato de os pagamentos e os recebimentos não serem perfeitamente sincronizados. A maior parte dos trabalhadores recebe seus salários no início do mês, mas gasta-os no decorrer do mesmo mês com as despesas comuns de uma família, como aluguel, transporte, alimentação etc. Portanto, essa pessoa precisa reter moeda, ou dinheiro, em seu poder durante todo o mês. A essa razão para a retenção de moeda damos o nome de demanda de moeda para transações. A segunda razão pela qual as pessoas procuram manter dinheiro em seu poder chama-se demanda de moeda por precaução. Isso significa que as pessoas previdentes sempre têm uma certa soma em seu poder reservada para um imprevisto, como problemas de saúde, um acidente de automóvel etc. A terceira razão foi chamada por Lord Keynes de demanda de moeda para especulação, ou demanda especulativa. Essa razão está associada ao fato de a moeda funcionar como reserva de valor. Se um indivíduo já tiver separado de sua renda aquelas parcelas destinadas às transações e à precaução, o procedimento mais razoável seria aplicar o restante em títulos, que rendem juros, pois nada acontece com o dinheiro que simplesmente está guardado em casa ou depositado em um banco, em conta corrente. Entretanto, se a taxa de juros do mercado estiver baixa, essa pessoa prefere esperar um aumento para aplicar seu dinheiro e obter, assim, uma remuneração maior para ele. Nesse caso, é

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importante ressaltar que a moeda cumpre melhor seu papel de reserva de valor em economias em que não exista inflação, ou em que haja uma inflação bem baixa. Altos índices inflacionários corroem o poder aquisitivo da moeda, reduzin do seu valor com o passar do tempo. Isso nos permite estabelecer uma relação inversa entre a taxa de juros do mercado e a demanda especulativa da moeda. Realmente, quanto maior a taxa de juros, menor a quantidade de moeda demandada e retida para especulação e vice-versa. Suponhamos que o preço de um título seja R$ 100 e que ele possa ser resgatado, depois de 6 meses, por R$ 110. O rendimento desse título é 10%, valor obtido através da fórmula:

110 – 100 x 100 = 10% = 10% 100

Entretanto, o investidor pode achar essa remuneração baixa e preferir manter moeda em seu poder, o que aumenta a demanda de moeda para especulação. Se o preço desse título baixar para R$ 90, a remuneração passa a ser de 22%. Esse valor é calculado da seguinte maneira:

110 – 90 x 100 = 10% = 22% 90

Agora, o investidor pode achar essa taxa de juros compensadora e comprar o título, diminuindo, desse modo, a demanda da moeda para especulação. O que foi visto nos leva a concluir que a demanda por moeda tem um componente influenciado pela taxa de juros — a demanda especulativa — e um componente que não depende de juros — a demanda para transações e por precaução. Na figura a seguir, representamos a demanda por moeda, MD, em função da taxa de juros, i. No eixo horizontal, temos a demanda por moeda, MD, e no eixo vertical, a taxa de juros do mercado, i. O segmento GA, no eixo horizontal, é a soma da demanda por transações com a demanda por precaução, que não dependem da taxa de juros. A partir do ponto A a demanda é influenciada pela taxa de juros, correspondendo à demanda especulativa.

Para entendermos perfeitamente a demanda por moeda, basta lembrar que a taxa de juros é o preço da moeda, isto é, o preço do dinheiro no mercado financeiro. Assim, no mercado financeiro, onde se encontram a oferta e a demanda por dinheiro, o dinheiro se transforma numa mercadoria, cujo preço é a taxa de juros. Por exemplo: se a taxa de juros no mercado for de 10% ao ano e uma pessoa empregar R$ 1.000 por um ano, no final desse período ela receberá R$ 1.100. Os R$100 acrescentados ao dinheiro inicialmente investido representam o preço dos R$ 1.000 naquele período. Do que foi discutido, conclui-se que a demanda de moeda pode ser analisada a partir de dois elementos: um, que depende da renda – a demanda para transações e por precaução - e outro, que depende da taxa de juros – a demanda para especulação. 4.2.4. Oferta de moeda

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Antes de falarmos sobre politica monetária, iremos verificar as funções estritamente bancárias que o BACEN desempenha e que podem ser agrupadas em quatro blocos:

a) Administração e custódia do ouro e das divisas: O BACEN centraliza as reservas exteriores. Encarrega-se da custódia da reservas exteriores de outro e divisas ou moedas estrangeiras. Dado que as divisas são dívidas das instituições bancárias estrangeiras, elas equivalem a um crédito concedido pelo BACEN ao país estrangeiro. Assim, os dólares que o BACEN possui são créditos concedidos aos Estados Unidos. As reservas externas incluem todo o tipo de obrigação que um país estrangeiro contraiu com o Brasil. O conceito de divisa é mais amplo do que o de moeda de um banco estrangeiro, já que, por exemplo, um depósito de uma empresa brasileira em um banco alemão também é uma divisa.

b) Banco do estado: O BACEN realiza para o Estado diversas operações de cobrança e pagamento e, quando surge um déficit no orçamento do setor público em determinadas ocasiões, o BACEN adianta-lhe dinheiro para atender a suas necessidades. Além disso, ele concede créditos e atua comprando e vendendo títulos públicos, com o objetivo de regular o mercado monetário.

c) Banco dos bancos: O banco privado procura o BACEN quando necessita de liquidez o que lhe permite ajustar suas reservas no mínimo; de fato, é o BACEN que estabelece o valor do coeficiente de reservas ou liquidez. Ele tamém concede créditos aos bancos. A liquidez ou reservas é o dinheiro que os bancos devem manter sem uso (em caixa ou depositado no BACEN), ou seja, a quantia em reservas não pode se concedida como crédito e nem os bancos podem realiza outras operações sobre essa quantia, para que se possa, assim, atender aos direitos dos depositantes.

d) Emissão de moeda manual: uma outra atividade do BACEN consiste em emitir moeda manual, isto é, dinheiro e moedas à economia. Ele também atua como o caixa do sistema bancário. Os depósitos que os bancos mantém no BACEN, permitem que façam pagamentos entre si, com o setor público e com o exterior. Esses depósitos dos bancos fazem parte de suas reservas.

Por meio da política monetária, o governo atua sobre a oferta de moeda, uma vez que a demanda é determinada pela sociedade. No Brasil, o órgão responsável pela execução da política monetária é o Banco Central (BACEN), cuja tarefa é regular a liquidez, de forma compatível com a produção de bens e serviços e o controle da inflação (costuma-se dizer que o Banco Central é o "guardião da moeda"). Para entender essa tarefa do Banco Central, é importante observar que há dois agentes na economia em condições de ofertar moeda: o próprio Banco Central, que detém o monopólio da moeda manual, e os bancos comerciais, por meio da multiplicação dos depósitos a vista (o Banco Central, , tem condições de atuar nessa capacidade de multiplicação dos depósitos pelos bancos). O processo de multiplicação dos depósitos a vista pêlos bancos pode ser entendido a partir de um depósito inicial. Quando ocorre um depósito a vista num banco comercial, esse recurso pode ser movimentado a qualquer momento, pelo titular da conta. Sabe-se, no entanto, que no conjunto total dos depósitos a vista, nem todos os recursos são sacados simultaneamente, havendo, na realidade, apenas saques numa porcentagem desse valor total. O banco precisa guardar em seus cofres apenas esse percentual, podendo emprestar o restante a seus clientes. Por outro lado, o cliente que tomou o empréstimo irá fazer um novo depósito em outro banco (ou no mesmo) e o processo vai-se repetindo. 4.2.4.1. Política monetária posta em prática

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O governo e, em particular, o Ministério da Fazenda, normalmente no começo do ano, encarregam-se de estimar e calcular qual evolução devem seguir as principais variáveis da economia: preço, desemprego. A partir dessas previsões, o BACEN estima qual quantidade de dinheiro deve existir na economia para que os objetivos pretendidos sejam alcançados. A politica monetária pode ser de dois tipos: restritiva e expansiva.

a) Politica Monetária Restritiva: engloba um conjunto de medidas que tendem a reduzir o crescimento da quantidade de dinheiro e a encarecer os empréstimos (elevar as taxa de juros).

b) Politica Monetária Expansiva: é formada por aquelas medidas que tendem a acelerar o crescimento da quantidade de dinheiro e a baratear os empréstimos (baixar as taxas de juros).

Considerações gerais: Como vimos, a emissão de moeda ou oferta de moeda é atribuição exclusiva do governo, através das autoridades monetárias. Não depende portanto, da taxa de juros, mas da política econômica do governo, que determina a quanidade de moeda emitida por período. No caso do Brasil, assim como em outros países, o período corresponde ao ano civil. Apesar de a emissão de moeda não depender da taxa de juros, existem critérios bem definidos que regulamentam a oferta monetária. Basicamente, a emissão de moeda é condicionada pelo crescimento do produto da economia. Se, num dado período, a emissão de moeda for superior ao crescimento do produto, ou seja, se houver excesso de liquidez (a liquidez em um sistema econômico é a relação entre a quantidade de moeda em circulação e a quantidade de bens e ser serviços produzidos, num determinado período), podemos ter inflação, como veremos em detalhes mais adiante. Por outro lado, caso o aumento na oferta de moeda seja menor que o crescimento do produto, podemos ter, entre outras consequências, crise na economia, porque a falta de moeda na economia, fenômeno que recebe o nome de crise de liquidez ou falta de liquidez, dificulta as transações e prejudica o sistema econômico, ocasionando queda no produto. A oferta de moeda é mostrada graficamente na figura seguinte, na qual é representada, no eixo horizontal, a oferta de moeda, M0, e, no eixo vertical, a taxa de juros, i.

O segmento OB, no eixo horizontal, significa a quantidade de moeda emitida pelo governo. A oferta de moeda é vertical, demonstrando que não é alterada pelas variações na taxa de juros. 4.2.5. Determinação da taxa de juros de equilíbrio A taxa de juros de equilíbrio é determinada no mercado monetário, onde se encontram a oferta e a demanda de moeda. O processo é idêntico ao que determina o preço de uma mercadoria no mercado de bens e serviços, pois, como já vimos, a taxa de juros é o preço da moeda, isto é, do dinheiro. Portanto, a taxa de juros de equilíbrio é determinada no mercado pela oferta e pela demanda de moeda. Com base nessa taxa é que são realizadas as transações financeiras na economia. Mas vejamos como a taxa de juros é estabelecida.

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Conforme estudamos anteriormente, a oferta de moeda é determinada pelo governo, e é com a quantidade por ele emitida que o sistema econômico vai trabalhar. Assim, se houver uma procura muito grande de moeda, como resultado do crescimento das atividades econômicas, por exemplo, ela se tornará escassa e as pessoas estarão dispostas a pagar um preço maior para poder adquiri-la. Esse é o princípio que explica o aumento da taxa de juros. Por outro lado, se a procura de moeda diminuir, por qualquer razão, ela se tornará abundante, fazendo com que seu preço, a taxa de juros, como vimos, diminua. Na figura a seguir, representamos a oferta e a demanda de moeda. A oferta, M0, e a demanda, MD, no eixo horizontal, e a taxa de juros no eixo vertical. O ponto E, intersecção da oferta com a demanda de moeda, representa o ponto onde elas se igualam, ou estão em equilíbrio, e corresponde à taxa de juros i0, que é a taxa de juros de equilíbrio.

Naturalmente, assim como o preço das mercadorias, a taxa de juros sofre variações no decorrer do tempo, causadas por modificações na oferta ou na demanda de moeda. Em razão disso, fica clara a importância do governo no mercado monetário. Se as autoridades monetárias resolverem expandir os meios de pagamento, ou seja, a oferta de moeda, essa oferta se deslocará para a direita, de Mo para M’o, como na figura a seguir, ocasionando uma queda na taxa de juros, de io para i’o, pelo fato de haver mais dinheiro no mercado. O comportamento inverso do governo determinaria um aumento na taxa de juros, uma vez que a moeda se tornaria relativamente escassa.

Com isso, vimos o papel que o mercado monetário desempenha no sistema econômico. É no mercado monetário, onde se defrontam a oferta e a procura de moeda, que se determina a taxa de juros, ou o preço da moeda, elemento fundamental no sistema financeiro.

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4.3. Política Cambial e Comercial 4.3.1. Introdução Antes de entrar propriamente na discussão sobre política cambial, é interessante definir alguns conceitos. O primeiro refere-se ao termo taxa de câmbio, que, na realidade, é a medida de conversão de uma moeda em outra moeda. No caso brasileiro, a taxa de câmbio tem como referência o valor do dólar norte-americano. A taxa de câmbio é um preço fundamental da economia, porque afeta a situação do setor externo, a inflação, o crescimento da produção e assim por diante. Já quando se fala em política de comércio exterior de um país, está se referindo às decisões do governo que afetam as entradas e saídas de divisas do país em termos de transações comerciais (tarifas de importação, estabelecimento de quotas, incentivos à exportação etc.). Para facilitar a compreensão do conceito de taxa de câmbio, vamos apresentar duas situações típicas que ocorrem nas relações económicas entre países, ou seja, entre economias abertas. Primeiro exemplo: um produtor brasileiro de café exporta 5 mil sacas de seu produto para os Estados Unidos ao preço de US$ 10 a saca. Sua receita, portanto, é de US$ 50 mil. No entanto, o produtor não pode receber esse valor em dólares, mas o equivalente em moeda brasileira, no caso, o real. Ou seja, é necessário que se convertam os dólares em reais e que haja uma taxa de conversão para consumar a transação. Segundo exemplo: o Brasil vem acumulando déficits no balanço comercial a cada ano. Os analistas argumentam que a desvalorização cambial é a melhor forma de reverter esse processo, ou seja, é necessário rever a taxa de conversão de moedas. Os dois exemplos apresentam problemas que têm uma origem comum: a diferença de valores entre as moedas dos países que transacionam entre si. Para que esses países possam realizar suas transações, é preciso estabelecer uma relação de valor entre essas moedas. Essa relação recebe o nome de taxa de câmbio. A solução apresentada para os dois problemas está na determinação de uma taxa de câmbio, mas precisamos ser cautelosos, pois, apesar de a solução ser a mesma, os problemas em si são bem diferentes. Num primeiro momento essa colocação pode parecer estranha, mas começa a ficar mais clara se considerarmos que podemos analisar a taxa de câmbio a partir de duas abordagens: a microeconômica e a macroeconômica. Do ponto de vista microeconômico, a taxa de câmbio é a medida pela qual a moeda de um país pode ser convertida em moeda de outro país. Em outras palavras, é o preço das divisas das moedas estrangeiras ou o número de unidades de moeda nacional necessário para comprar uma unidade de moeda estrangeira. Assim, se um dólar custasse R$ l,116, a taxa de câmbio do dólar, no Brasil, seria de R$ 1,116, ou seja: R$ 1,116 = US$ 1 Da mesma forma, se o marco alemão custasse R$ 0,61, a taxa de câmbio do marco no Brasil seria de: R$ 0,61 = DM 1 A mesma relação entre o real e o dólar, ou seja a quantidade de reais necessária para comprar um dólar pode ser vista, a partir dos Estados Unidos, como a quantidade de dólares necessária para comprar um real. Isso demonstra que a taxa de câmbio é uma relação recíproca entre duas moedas: conhecendo-se o preço de uma, sabe-se o da outra. Mas como se determina a taxa de câmbio? Qual mecanismo determina o preço das divisas? A resposta é simples. Pelo fato de ser um preço, a taxa de câmbio é determinada pela oferta e pela procura de divisas. No Brasil, as empresas que exportam suas mercadorias para os Estados Unidos recebem seus pagamentos em dólar. Entretanto, essas empresas precisam vender essas divisas, ou seja, trocá-las por reais, que é a única moeda que pode circular legalmente no Brasil. Apenas com reais as empresas podem remunerar seus fatores de produção, ou seja, pagar salários, juros, matérias-primas etc. Assim,

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os exportadores fazem parte da oferta de divisas no mercado de divisas. Além dos exportadores, os investidores estrangeiros, tanto os que aplicam nas bolsas de valores quanto os que fazem investimentos produtivos, e o montante dos empréstimos externos também ajudam a compor a oferta de divisas. Do outro lado, temos importadores interessados em comprar dólares para importar mercadorias dos Estados Unidos. Essas pessoas, ou empresas, compram os dólares com reais, constituindo a demanda por moeda estrangeira no mercado de divisas, assim como o pagamento dos empréstimos contraídos, a remessa de lucros, etc. RESUMO Definição microeconômica de taxa de câmbio: é o número de unidades de moeda nacional necessário para comprar uma unidade de moeda estrangeira. Definição macroeconômica de taxa de câmbio: é o preço relativo que reflete a competitividade do país em relação aos outros países. Mercado de divisas: é o mercado no qual se defrontam os compradores e os vendedores de divisas. Taxa de câmbio real: é aquela que preserva a relação dos preços entre dois países num determinado período. Desvalorização cambial: é o processo pelo qual a taxa de câmbio é desvalorizada numa proporção menor que a necessária para atingir a taxa de câmbio real. 4.3.2. Regime cambial brasileiro O método usado por um país para determinar o preço das moedas estrangeiras, ou sua política cambial, é chamado de regime cambial. Vimos duas maneiras de determinar a taxa de câmbio. Na primeira, a oferta e demanda por divisas acabam por determinar a taxa de câmbio. Esse método é conhecido como sistema de câmbio de flutuação livre. No outro extremo, em que uma regra é usada para estabelecer o preço das divisas, temos o sistema de câmbio administrado ou sistema de câmbio fixo. Na prática, dificilmente um país segue estritamente um desses critérios na condução de sua política cambial. Além disso, ao longo do tempo, as nações. podem mudar de sistema cambial adotando Q que considerar mais adequado aos objetivos gerais de sua política econômica. No Brasil aconteceu exatamente isso. A princípio, devemos dizer que temos um regime de monopólio cambial, o que significa que apenas o Banco Central do Brasil e os agentes autorizados, sempre sob sua fiscalização, podem legalmente realizar transações com moeda estrangeira no país. Ao longo de sua história, o Brasil teve os mais variados regimes cambiais. Vamos apresentar, por serem de maior interesse e conveniência, apenas o atual e o anterior. Em 1968, estabeleceu-se uma forma de determinar a taxa de câmbio que ficou conhecida como política de minidesvalorizações cambiais, que consistia, basicamente, em desvalorizar a taxa de câmbio em curtos intervalos de tempo, de acordo com a inflação brasileira. Por seguir uma regra, pode-se dizer que tínhamos um regime de câmbio administrado. A política de minidesvalorizações foi seguida até 1990, quando o governo anunciou que a taxa de câmbio seria determinada pelo mercado flutuante, credenciando agentes, como os bancos comerciais, a operar no mercado cambial. A implantação dessas medidas deu a impressão de que o governo criava um sistema de câmbio de flutuação livre, o que, de fato, não aconteceu, pois o Banco Central interferia no mercado, comprando ou vendendo divisas quando julgava que a taxa de câmbio estava baixa ou alta demais. Esse tipo de sistema, no qual a autoridade monetária interfere no mercado quando julga conveniente, mesmo que discretamente, é conhecido como sistema de câmbio de flutuação "suja".

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A partir de 1995, o sistema de flutuação suja foi oficialmente reconhecido quando o governo estabeleceu o sistema de bandas cambiais. Essas bandas são o intervalo entre os valores mínimos e máximos dentro do qual o câmbio pode flutuar livremente. Quando há excesso de oferta de divisas e o preço de equilíbrio do mercado fica abaixo do limite mínimo da banda, o Banco Central compra dólares para aumentar a taxa de câmbio. Quando ao contrário, a taxa de câmbio fica acima do limite máximo da banda por causa de um excesso de demanda por divisas, o Banco Central vende dólares. Atualmente, temos três taxas de câmbio. A taxa de câmbio oficial, determinada no mercado flutuante, é usada para as transações comerciais e financeiras, ou seja, para liquidar as exportações e importações de mercadorias e serviços e os movimentos de capitais. O dólar turismo, nossa segunda taxa de câmbio, é usado para a compra e vendas de divisas que se destinam às viagens paralelo, o black

(câmbio negro), usada nas transações ilegais, como o contrabando, por exemplo. RESUMO Regime cambial: é o método utilizado por um país para determinar a taxa de câmbio. Sistema de câmbio de flutuação livre: é o regime cambial que determina a taxa de câmbio no mercado de divisas. Sistema de câmbio administrado: é o regime cambial que consiste na aplicação de uma regra para determinar a taxa de câmbio. Sistema de câmbio de flutuação "suja": é um sistema de câmbio de flutuação livre no qual o governo intervém quando julga que a taxa de câmbio se afasta demasiadamente de níveis considerados adequados. Sistema de bandas cambiais: é um sistema de flutuação "suja" no qual o governo estabelece intervalo entre valores mínimos e máximos dentro do qual o câmbio pode flutuar livremente. Sempre que o preço das divisas fica abaixo ou acima desse intervalo, o Banco Central intervém no mercado, vendendo ou comprando moeda estrangeira. , 4.3.3. Política cambial e de comércio exterior e objetivos de política econômica Do ponto de vista dos objetivos de política econômica, vale observar que a taxa de câmbio pode contribuir para o aumento do PIB, por meio da elevação da exportação, que é um dos componentes da demanda agregada. Portanto, para incentivar a exportação e, portanto, o PIB, a política cambial precisa ser agressiva. A política de incentivos à exportação também pode ser usada para aumentar as vendas externas, embora seu grau de flexibilidade seja reconhecidamente menor. Por outro lado, desvalorizações mais pronunciadas da moeda local (e, portanto, aumentos da taxa de câmbio) impactam negativamente a inflação, pelo aumento dos preços dos produtos importados, em reais. Portanto, se o objetivo da politica econômica está concentrado no combate à inflação, quanto mais baixo for valor do dólar, maior será a contribuição da política cambial para estabilizar a viação. A mesma contribuição ocorre com a redução das alíquotas do imposto de importação, como ocorreu no âmbito do Plano Real. Quanto ao equilíbrio externo, a experiência brasileira é muito rica em termos de papel da política cambial. As crises externas de 1982-1983, de 1987 e de 1998-1999 foram superadas a partir de fortes desvalorizações da moeda brasileira. De outro lado, as prefixações da correção cambial de 1980, o congelamento o câmbio no Plano Cruzado e a política cambial do real mostraram que, quando a moeda local fica supervalorizada, a crise no setor externo inevitavelmente acontece. É importante lembrar que políticas de ajustamento do balanço de pagamentos (redução do déficit), nas quais a política cambial tem um papel crucial, normalmente vêm acompanhadas de retração do ritmo de atividade econômica. Isso porque, além da desvalorização da moeda, objetiva-se conter a demanda agregada (redução de gastos públicos, aumento de impostos, aumento de juros etc.)

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para diminuir o volume de importações. Embora as importações acabem sendo afetadas, a demanda dirigida à produção doméstica também se contrai, levando, freqüentemente, o país à recessão. 4.4. Política de Rendas 4.4.1. Introdução Durante a década de 80, a aceleração do processo inflacionário trouxe à tona a discussão sobre a chamada política de rendas. Tal política, na realidade, corresponde a uma tentativa de intervenção nos mecanismos de formação de preços e salários. Tais intervenções podem ocorrer por acordo entre as partes (empresários, trabalhadores e governo) ou por imposição da política econômica. Em termos de intervenções negociadas, a experiência internacional trazia dois casos de sucesso em termos de política de rendas: Espanha (com o pacto de Moncloa) e Israel. Em ambos os países, trabalhadores e empresários, de comum acordo, fixaram regras para reajuste de preços e salários e conseguiram reduzir a taxa de inflação a níveis satisfatórios. Por outro lado, a mesma tentativa ocorrida no México mostrou-se fracassada. O que explica a diferença entre as experiências do México e as demais é que, no caso mexicano, a política de rendas foi implantada sem qualquer preocupação com a política fiscal (desequilíbrio público), ao contrário dos demais países. A experiência desses três países deixa claro que a política de rendas pode ser útil como um elemento coadjuvante num programa de estabilização, principalmente para "quebrar" os mecanismos de indexação, quando existirem. No Brasil, a primeira tentativa de adotar uma política negociada de rendas ocorreu em 1985, com o então ministro do trabalho Almir Pazianotto. A situação não evoluiu e no ano seguinte o governo lançou o Plano Cruzado, que trazia en sua nova estrutura uma política de rendas, não negociada, mas imposta. A política de rendas do Plano Cruzado, de um lado, congelava os preços de todos os produtos nos níveis vigentes em 28-2-1986 e congelava também os salários, mas pela média real dos últimos seis meses (a política salarial na época era semestrali) acrescida de um aumento de 8%. A segunda tentativa de implantar uma política negociada de rendas no Brasil! ocorreu no final de 1988, período caracterizado por forte aceleração da inflação. Depois de várias reuniões envolvendo representantes de empresários, trabalhadorés e governo, fixou-se uma meta de inflação para o mês de janeiro de 1989, a qual, entretanto, logo no início desse mês, já mostrava-se inviável. Como resultado, em 15-1-1989, o governo lança o Plano Verão, com novo congelamento de preços e salários (e, portanto, uma nova política de rendas imposta). A experiência brasileira de adotar uma política negociada de rendas deixa uma série de questões importantes, quanto à possibilidade de se atingir um grande acordo social. Além de falta de experiência e de radicalismo nas posições, ficou a sensação de que as partes integrantes estavam mais preocupadas com aquilo que poderiam ganhar nas negociações do que com aquilo que estariam dispostas a ceder para alcançar um objetivo comum (obviamente, se a situação permitisse ganhar para todos, não haveria necessidade de se tentar um acordo). Além disso, era nítida a falta de representatividade da classe empresarial e de trabalhadores, isto é, lideranças que efetivamente fossem respeitadas e seguidas pelas suas partes. Ficou também claro que, infelizmente, quanto maior é a crise, maior é a possibilidade de alcançar uma política negociada de rendas. No Brasil, a presença marcante da indexação, de certa forma, permitia o convívio com aquela situação.

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Na realidade, o que se pode extrair da experiência brasileira em termos de políticas de rendas são as intervenções impostas na área de preços e salários. Essa experiência pode ser observada a partir da política de controle de preços e das diversas políticas salariais adotadas no país. 4.4.2. Controle de Preços O controle de preços começou a ser praticado no Brasil na década de 50, com a criação da Comissão Nacional para a Estabilização dos Preços (Conep). Posteriormente, no ano de 1968, a Conep foi substituída pelo Conselho Interministerial de Preços (CIP). Ao criar o CIP, o governo tinha em mente colocar em funcionamento um sistema de controle de preços flexível e adequado às particularidades setoriais. A base do sistema seria constituída por um acompanhamento dos preços dos produtos, de modo a orientar a atuação do poder público, objetivando regularizar a oferta de produtos. Além disso, previa a adoção de incentivos a novos investimentos nos setores em que se observassem desequilíbrios. O que se visava com a criação do CIP era eliminar a rigidez do controle verificada durante a atuação da Conep, melhorar as condições de operacionalidade da entidade controladora, além de fornecer ao governo as informações básicas para a adoção de medidas que visassem a eliminação de desequilíbrios de curto prazo. Embora os objetivos que nortearam a criação do CIP visassem melhorar o sistema de controle de preços, pela eliminação das deficiências constatadas na experiência da Conep, o que se verificou, na prática, foi uma série de imperfeições e distorções na atuação do órgão. Continuou prevalecendo a burocracia, a interferência policialesca, a utilização de artifícios para "segurar" aumentos de preços (não-reconhecimento de outros custos) e, acima de tudo, não constituía órgão de identificação de "pontos de estrangulamento" do lado da oferta. A experiência do CIP foi depois repetida pelo órgão que o viria substituir no início da década de 80, que foi a Secretaria Especial de Abastecimento e Preços (Seap). Simultaneamente à presença desses órgãos controladores de preços, o país assistiu a quatro tentativas de congelamento: Plano Cruzado (1986), Plano Bres-ser (1987), Plano Verão (1989) e Plano Collor (1990). O próprio número de experiências mostra, de um lado, que os órgãos controladores de preços não atingiram seu objetivo, o mesmo ocorrendo com as fracassadas tentativas de congelamento. Pode-se depreender também que, sem o manejo adequado das políticas fiscal, monetária e cambial, o congelamento de preços não contribuiu sequer para "quebrar" a inflação inercial, a não ser por curto espaço de tempo. Em julho de 1994, por ocasião da implantação do Plano Real, o controle de preços é extinto. A partir desse período, o país registra as taxas mais reduzidas de inflação da história recente do Brasil (mesmo após a desvalorização cambial de janeiro de 1999), deixando claro que o controle (ou congelamento de preços) é com-pletamente dispensável como instrumento de política económica. 4.4.3. Política Salarial O Brasil foi, sem dúvida alguma, campeão mundial em termos de número de políticas salariais. Para entendê-las, porém, é preciso, inicialmente, discutir a relação entre salários e inflação, lembrando-se sempre de que a política salarial tem capacidade de fixar reajustes nominais e não reais de salários. Essa relação pode ser enfocada de várias formas. Em primeiro lugar, os salários, enquanto capacidade de compra, dependem do comportamento da inflação: à medida que a inflação se acelera, se o salário nominal não acompanhá-la, a capacidade de compra (isto é, o salário real) do trabalhador se reduz. Em segundo lugar, aumentos nominais de salários impactam os custos e, portanto, os preços e a inflação. E, em terceiro, aumentos reais de salários (aumentos nominais acima da inflação) elevam a demanda da economia, como ocorreu com o Plano Cruzado.

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4.4.4. Política de Rendas na Preparaçãi do Real Antes da implantação do Plano Real (julho/1994), o governo fez uso da política de rendas, com a utilização da URV (Unidade de Referência de Valor). A URV era uma unidade diária que acompanhava o valor do dólar. No início de 1994, o governo determinou que todos os salários fossem transformados em URV e induziu os empresários a fixar seus preços em URV. Com isso, os preços e os salários eram constantes em URV, mas subiam diariamente em cruzeiros reais (a moeda da época). Com isso, o governo, de forma indireta, pretendia "acomoda” a participação dos salários e dos lucros na composição da renda e, com isso, evitarr os conflitos distributivos presentes nos planos anteriores (como foi o caso da discussão sobre salário médio e salário de "pico", preços relativos desalinhados e assim por diante). Com a extinção da URV e sua transformação em real em 1°-7-1994, os preços realmente "despencaram", sem a necessidade de qualquer congelamento de preços ou de salários. A política salarial ainda durou um ano, após a negociação no congresso, para repor a inflação existente no período anterior ao real. Depois disso, o país deixou de ter política salarial, e a evolução dos salários ficou ao sabor das forças de mercado e da livre negociação entre empresários e trabalhadores.

4.4.5. Outras observações A experiência brasileira deixa claro que a evolução do salário real é muito mais dependente do comportamento de inflação e do crescimento da economia do que de políticas salariais, até porque estas garantiam o salário nominal e não o real. REFERÊNCIAS: GREMAUD, AMAURY , P.[et al]. Manual de economia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. LANZANA, A.E. T. Economia brasileira: fundamentos e atualidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2005. PASSOS, C. R. M. Princípios de Economia. São Paulo: Pioneira, 1998 SILVA, C. R. L. Economia e Mercados: Introdução à Economia. São Paulo: Saraiva, 2001. TROSTER, R. L.; MORCILLO, F. M. Introdução à Economia. São Paulo: Makron Books, 1999.