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PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ
FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE SÃO JOSÉ
CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ
CURSO DE PEDAGOGIA
JOCÉLY KLERING
(IN) DISCIPLINA:
Laços sociais, familiares e pedagógicos
São José
2012
USJ Centro Universitário
Municipal de São José
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ
FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE SÃO JOSÉ
CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ
CURSO DE PEDAGOGIA
JOCÉLY KLERING
(IN) DISCIPLINA
Laços sociais, familiares e pedagógicos
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como
requisito de formação do curso de Pedagogia pelo
Centro Universitário Municipal de São José.
Orientadora: Ma. Elisiani Cristina de Souza de
Freitas Noronha
São José
2012
JOCÉLY KLERING
(IN) DISCIPLINA
Laços sociais, familiares e pedagógicos
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito de formação do curso de
Pedagogia pelo Centro Universitário Municipal de São José – USJ avaliado pela seguinte
banca examinadora:
___________________________________
Orientadora: Prof ª. Elisiani Cristina de Souza de Freitas Noronha, Ma.
___________________________________
Prof ª. Roberta Schnorr Buehring, Ma.
___________________________________
Prof ª. Alba Regina Battisti de Souza, Dra.
São José, 20 de junho de 2012.
Dedico este trabalho aos meus pais, Rejane e Jaime,
motivos da minha existência, razões da minha vida!
AGRADECIMENTOS
Nossas vidas começam a terminar no dia em que
permanecemos em silêncio sobre as coisas que importam.
(Martin Luther King)
Agradeço a Deus que, entre tantos cursos à minha escolha, colocou a Pedagogia em
meu caminho. No início, quando buscava um curso de graduação no qual me identificaria,
senti-me perdida e um pouco assustada. E entre tantos vestibulares que tentei, na USJ escolhi
Pedagogia. Ao iniciar, tudo me parecia tão diferente daquilo que eu imaginava, cito Martin
Luther King que disse “suba o primeiro degrau com fé, não é necessário que você veja toda a
escada, apenas dê o primeiro passo”. E assim comecei a caminhar na construção de minha
carreira e no decorrer de minha graduação fui compreendendo o quanto o curso era
interessante e que se relacionava com minhas aptidões e minha forma de pensar sobre a
Educação.
Agradeço à minha família. Em especial a três pessoas: minha mãe, meu pai e meu
irmão. Eles são dádivas de Deus em minha vida, de um imenso valor inestimável de amor. À
minha mãe que sempre esteve comigo em todos os momentos de dificuldades, de dor física,
dando-me palavras de fortalecimento e de superação ao meu estudo. Devo a vocês todas as
minhas conquistas. Serei eternamente grata por tudo, pois sou o que sou, estou onde estou por
causa de vocês. Agradeço também à minha prima Laidi, que sempre esteve disposta a me
ajudar no que fosse preciso, me aconselhar e principalmente organizar as minhas ideias em
momentos de exaustão. Amo vocês!
Agradeço ao Davi, meu escolhido, amado companheiro de vida, por estar vivenciando
esta etapa tão importante de minha formação com grande paciência, me incentivando a
acreditar em mim quando eu não mais acreditava, me fortalecendo com palavras de apoio,
renovando os ânimos, resenhando as ideias da minha pesquisa. A cada dia que passa, tenho
mais certeza que és a pessoa com quem quero dividir minha vida. Te amo!
Agradeço à minha professora orientadora Elisiani que esteve caminhando este
percurso comigo, me ajudando como uma grande amiga de anos. Sempre disposta a me ouvir
com paciência e repetindo incansavelmente sobre o tal do “Apud”. Agradeço o carinho, o
auxílio, a amizade, o incentivo diante de minhas restrições: -“Calma, que vai dar certo!”, e as
comilanças! Nunca me esquecerei do semblante do teu rosto ao dizer: -“O que é isso, Flor?”
e eu respondia já em risos: -“Calma que eu sei te explicar!” . Dávamos muitas risadas diante
da exaustão do trabalho. Agradeço por todos os momentos em que estivemos juntas,
amadureci bastante. Conviver por este período e conhecer você foi descobrir em mim o que
gostaria de ser em meu futuro.
Agradeço aos meus amigos que me apoiaram e entenderam os momentos de ausência,
já que, enfim, sempre estamos correndo atrás de algo que seja construtivo para o nosso futuro.
Verdadeiros anjos que me ajudaram a não perder a força de vontade.
Agradeço aos alunos que encontrei durante este caminhar, pois todas eles foram
pequenas peças de um quebra-cabeça que me levou a iniciar esta pesquisa. Aprendi o quão
valoroso é esta profissão, que por muitos não é desejoso de mérito, infelizmente esquecem
que para chegar onde estão tiveram muitos professores. Muitas crianças fizeram-me remeter
meus pensamentos à minha infância, período em que me recordo com muito carinho.
Agradeço aos mestres que estiveram presentes ao logo de minha vida acadêmica, a
todos aqueles que estiveram comigo quando eu ainda era criança e com muito carinho àqueles
que participaram das minhas fases finais – estágios e TCC – Professora Wanderléia,
Professora Roberta e Professora Izabel, todos auxiliaram na minha formação como um todo.
Agradeço à equipe pedagógica da escola em que realizei a pesquisa, por ter me
deixado observar e participar deste cotidiano, e assim, me permitindo aprender a lidar com as
diferentes situações de indisciplina.
Agradeço a todos que, direta ou indiretamente, me auxiliaram a chegar até aqui e
aqueles que estão presentes em minha vida, que não são menos importantes que os demais.
Agradeço a todos.
Nós não somos o que gostaríamos de ser.
Nós não somos o que ainda iremos ser.
Mas, graças a Deus,
Não somos mais quem nós éramos.
Martin Luther King
RESUMO
O tema central deste estudo é a Indisciplina Escolar, que está indiscutivelmente ligada à
prática educacional, sendo a indisciplina um dos grandes vilões no ambiente escolar e muito
discutida no meio acadêmico. Um tema atual, que cotidianamente está veiculado nos
noticiários dos mais variados meios de comunicação divulgando diversos atos graves de
indisciplina no contexto escolar, que sugerem aspectos inclusive de vandalismo, agressões a
professores e mortes. Neste trabalho serão apresentados os elementos do contexto da
indisciplina no ambiente escolar, destacando-se: os conceitos sobre indisciplina; sua origem;
aspectos sociais; aspectos familiares e aspectos escolares. Busquei conhecer o cotidiano de
uma Escola de Educação Básica com a finalidade de investigar a indisciplina, consultei o
Projeto Político Pedagógico da instituição, verifiquei as normas escolares e diretrizes
previstas para situações que envolviam indisciplina; observei o cotidiano e as relações dos
alunos junto à coordenação pedagógica, registrando as estratégias utilizadas pela instituição
pesquisada para resolver e minimizar as questões relacionadas à indisciplina dos alunos e
acompanhei os procedimentos e encaminhamentos dados aos alunos em situação de
indisciplina. Através de observações diretas, as informações obtidas permitiram tornar as
vivências significativas, proporcionando uma clara visão dos encaminhamentos dados às
situações de indisciplina, com resultado positivo de conscientização e mudança de
comportamento.
Palavras-chave: Indisciplina escolar. Encaminhamentos indisciplinares. Sociedade. Família.
Escola
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 09
1 (IN) DISCIPLINA ............................................................................................. 12
1.1 CONCEITOS ................................................................................................... 12
1.2 ORIGEM .......................................................................................................... 14
2 INDISCIPLINA E SEUS ENLACES ................................................................ 16
2.1 LAÇOS SOCIAIS.............................................................................................. 16
2.2 LAÇOS FAMÍLIARES...................................................................................... 18
2.3 LAÇOS PEDAGÓGICOS.................................................................................. 22
2.3.1 A Atuação dos Profissionais da Escola........................................................ 25
2.3.2 O Autoritarismo............................................................................................ 26
2.3.3 Direcionando Sanções................................................................................... 28
2.3.4 Investindo em capacitação............................................................................ 32
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.................................................... 33
4. DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA............................. 35
4.1. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS DA PESQUISA............... 35
4.2. ANÁLISES DOS DADOS DA PESQUISA...................................................... 50
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 54
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 56
9
INTRODUÇÃO
Durante o curso de Pedagogia sempre me interrogava sobre como seria atuar em sala
de aula. Ao realizar os estágios curriculares supervisionados, a partir da sexta fase, consegui
vivenciar na prática grande parte do que foi aprendido teoricamente, porém, as questões
ligadas à indisciplina foram constantes durante esse período e, muitas vezes, não soube como
agir. Somado a isso, no decorrer da graduação também senti falta de assuntos relacionados à
Gestão Escolar, tinha curiosidade de saber como acontece a administração institucional cujo
foco é desenvolver conhecimentos necessários à socialização dos indivíduos.
Saber como é organizada, hierarquizada, suas funções individuais, como esse “corpo”
funciona, pois não se trata de uma empresa mercantil com um produto determinado exposto à
venda, a qual seus clientes admiram as prateleiras abarrotadas de embalagens e decidem por
essa ou por aquela mercadoria, pois seu preço é mais competitivo. Há mais elementos
relacionados à escola e ao ensino-aprendizado que uma comparação com uma mera
mercadoria, por isso destaco principalmente as relações que ali se estabelecem:
diretor/coordenador/grupo pedagógico/alunos/pais, e questiono: como lidar, quais são os
papéis a serem assumidos por todos os integrantes de um ambiente escolar e qual a
importância desses relacionamentos. Nesse contexto será possível uma gestão voltada para
despertar o desenvolvimento do saber, uma gestão democrática, em que todos têm realmente
voz? Podemos ver essa instituição como uma empresa ou como uma continuação/extensão do
nosso lar?
Como já mencionado, uma das questões que mais me chamou a atenção durante a
prática dos estágios curriculares foi a indisciplina. Este é um tema essencialmente ligado à
prática educacional, no entanto, nenhuma das matérias teóricas estudadas durante a graduação
fez referência a ele. Atualmente, são divulgadas, nos mais variados meios de comunicação,
notícias sobre diversos atos graves de indisciplina no contexto escolar, que sugerem,
inclusive, agressões a professores e mortes. O que leva o indivíduo ao extremo ato de
violência? Em que momento tal ato tem início? O que influencia o indivíduo a tomar
determinadas decisões violentas sobre o próximo? Onde verificamos os papéis assumidos da
família, da sociedade para com este indivíduo/aluno? Segundo o Estatuto da Criança e do
Adolescente:
10
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990)
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais. (BRASIL, 1990)
Com esses dois assuntos, indisciplina e gestão escolar, em mente procurei conhecê-los
melhor. Julguei que seria necessário estar inserida em um ambiente escolar para conhecer e
caracterizar a indisciplina, já que possui uma variedade de características que podem
diferenciar e ter as suas próprias particularidades dependendo do lugar em que ocorrem, pode
ser: escolar, familiar ou social. Então, visando compreender as causas da indisciplina escolar
e os encaminhamentos dados nessas situações por uma instituição de ensino, realizei, durante
sete manhãs, dos meses de agosto a outubro de 2011, observações junto à equipe pedagógica
de uma instituição de ensino estadual de Florianópolis. Durante os dias em que lá estive,
busquei investigar a indisciplina: consultei o projeto político pedagógico da instituição;
verifiquei as normas escolares e encaminhamentos previstos para situações que envolviam
indisciplina; observei o cotidiano e as relações dos alunos junto à coordenação pedagógica,
registrando as estratégias utilizadas pela instituição pesquisada para resolver e minimizar as
questões relacionadas à indisciplina dos alunos; e acompanhei os procedimentos e
encaminhamentos dos alunos em situação de indisciplina.
Todo ambiente ou instituição escolar é gerido por um modelo a ser seguido de gestão,
que organiza o panorama geral de procedimentos de toda a escola, incluindo aqueles que
devem ser tomados em situação indisciplinar, que, de acordo com Garcia (2010, p. 7), “se
refere à desordem produzida através da transgressão das regras que organizam as relações
pedagógicas”.
Se por um lado a indisciplina é essa transgressão às regras da organização escolar, é
necessário que haja uma discussão sobre as determinações dessas regras por toda a
comunidade escolar, por mais que o sistema educacional se mostre como algo estruturalmente
homogêneo, é preciso estar atento ao meio, aos indivíduos e às suas expectativas vividas no
cotidiano escolar.
Segundo Garcia (1999, p. 101-102).
A indisciplina escolar tem sido intensamente vivenciada nas escolas,
apresentando-se como uma fonte de estresse nas relações interpessoais,
11
particularmente quando associada a situações de conflito em sala de aula
Mas, além de constituir um “problema”, a indisciplina na escola tem algo a
dizer sobre o ambiente escolar e sobre a própria necessidade de avanço
pedagógico e institucional. Trata-se de uma questão, portanto, a ser debatida
e investigada amplamente.
Nesse sentido, espero que este trabalho possibilite a compreensão das causas da
indisciplina escolar e os encaminhamentos dados nessas situações por uma instituição de
ensino da rede pública estadual.
12
1. (IN) DISCIPLINA
1.1 CONCEITOS
A definição de indisciplina está intrinsecamente conectada com a de disciplina, são
elas interligadas, porém opostas. É necessário citar a definição de ambas para compreendê-las
isoladamente, apesar de cada uma ter as suas peculiaridades contrárias que as definam, aqui
especificadas.
Parrat-Dayan (2008) afirma a dualidade profunda do termo de disciplina e indisciplina
e acrescenta a relação desta com a não obediência à regra e da disciplina com a existência de
regras:
[...] o conceito de indisciplina é definido em relação ao conceito de
disciplina, que na linguagem corrente significa regra de conduta comum a
uma coletividade para manter a boa ordem e, por extensão, a obediência à
regra. (PARRAT-DAYAN, 2008, p.18)
Tiba (1996) também realça que:
[...] a disciplina escolar é um conjunto de regras que devem ser obedecidas
tanto pelos professores quanto pelos alunos para que o aprendizado escolar
tenha êxito. Portanto, é uma qualidade de relacionamento humano entre o
corpo docente e os alunos em uma sala de aula e conseqüentemente, na
escola. (TIBA, 1996, p.117)
Almeida (2009) expressa sua reflexão sugerindo também a contradição do ato
indisciplinar e disciplinar ao apontar que:
[...] disciplinar corresponde ao ato de sujeitar ou submeter à disciplina,
através da obediência e acomodação. Já o termo indisciplina é entendido
como o ato contrário à disciplina que se manifesta pela desobediência,
desordem. (ALMEIDA, 2009, p. 12)
Em contrapartida, em entrevista a uma revista direcionada aos educadores, o autor Joe
Garcia (2010, p.7) relaciona a indisciplina diretamente “à desordem às relações pedagógicas”,
produzindo assim instabilidades.
A indisciplina, por seu turno, está relacionada mais à esfera das relações
pedagógicas. Ela se refere a desordem produzida através da transgressão das
regras que organizam as relações pedagógicas que sustentam o
desenvolvimento da aprendizagem. A indisciplina, portanto, afeta a
estabilidade do tecido de relações pedagógicas e pode gerar implicações
13
sobre a qualidade dos processos de ensino-aprendizagem. (GARCIA, 2010,
p.07)
Guimarães (2003, p. 34), por meio de seus estudos baseados em Foucault, sugere que
“A disciplina também é a arte de compor forças para obter um aparelho eficiente”. Que a
disciplina quando vivenciada pela imobilidade de corpos dos alunos, o silêncio e o ato de
obedecer, o controle das atitudes se torna eficaz, porém sem a preocupação básica de
aprendizado do aluno e sim o controle do seu comportamento.
Apesar das definições de indisciplina, há uma grande multiplicidade de interpretações
em relação ao tema, por isso, segundo Rego (1996), é importante definir e compreender as
ideias que temos sobre indisciplina para podermos agir sobre elas. A autora expressa tal
complexidade quando afirma que:
[...] as idéias acerca da indisciplina estão longe de serem consensuais. Isto se
deve não somente à complexidade do assunto e à marcante ausência de
pesquisas que contribuam no refinamento do estudo deste problema, mas
também à multiplicidade de interpretações que o tema encerra. O próprio
conceito de indisciplina, como toda criação cultural, não é estático,
uniforme, nem tampouco universal. Ele se relaciona com o conjunto de
valores e expectativas que variam ao longo da história, entre as diferentes
instituições e até mesmo dentro de uma mesma camada social ou organismo.
Também no plano individual a palavra indisciplina pode ter diferentes
sentidos que dependerão das vivências de cada sujeito e do contexto em que
forem aplicadas. (REGO, 1996, p.84)
Porém, a leitura em Rego (1996) mostra uma definição de indisciplina como sendo a
rejeição à disciplina, referindo-se a submissão, em atender a regulamentos, a normas as quais
é incutido o ato de obediência a todas essas formas de indisciplina propostas por este autor.
Parrat-Dayan (2008) comenta também sobre a indefinição de um conceito único para o
tema abordado, como segue abaixo, porém sugere alguns modelos de comportamentos
indisciplinados: o provocador, o que rejeita regras, o que pode ser insolente ou bagunceiro, ou
o que realiza atos de vandalismo.
[...] o conceito de indisciplina não é estático, nem uniforme, nem universal.
A indisciplina relaciona-se com um conjunto de valores e expectativas que
variam ao longo da história, entre culturas diferentes, nas diferentes classes
sociais. (PARRAT-DAYAN, 2008, p.19)
Fortuna (2002) apresenta conceitos de indisciplina escolar sob uma diferente
perspectiva, a define com o olhar daquele que atua em sala de aula, o professor. Em sua
14
pesquisa, a autora convidou cerca de setenta e cinco professoras a refletirem sobre disciplina e
indisciplina escolar, no entanto, apenas quinze se expressaram. Diante desse fato, resume que:
[...] a indisciplina escolar foi definida, de um modo geral, como ausência ou
negação de um comportamento desejável. A maioria das respostas acusa
“falta de algo" nos alunos com problemas disciplinares: falta de limites, falta
de atenção, falta de organização do material, falta de material, falta de
higiene, falta de respeito às regras, aos valores, aos colegas e aos
professores. Este professores são descritos como quem “não respeita regras e
combinações, não atende ordens, não tolera frustrações, não consegue se
conter, não respeita o patrimônio”. (FORTUNA, 2002 p.88)
Em síntese, indisciplina escolar para diversos autores, significa a quebra ou
rompimento da normalidade, ou seja, é vista como desobediência ou desordem de algo no
decorrer do processo educacional, algo despadronizado e incomum, que gera dificuldades no
processo de ensino-aprendizado.
1.2 ORIGEM
Ao desenvolver a pesquisa para conhecer as possíveis origens da indisciplina, meu
intuito era ter um único dado: o escolar. Entretanto, há algo mais complexo que envolve o
relacionamento daqueles que a integram em diferentes situações: os familiares, o professor, a
TV, a Internet, a sociedade como um todo. Dessa forma, não há uma única possibilidade a ser
expressa e avaliada sob os seus contextos, mas sim diversas possibilidades.
Garcia (2010) cita uma grande variedade de formas de indisciplina que podem ser
reunidas em dois grupos: internos e externos ao ambiente escolar. Ambos são responsáveis
pelo surgimento da indisciplina na escola, em um deles o autor destaca como causas
encontradas na sociedade e em outro na própria instituição:
Há uma variedade de causas possíveis para a indisciplina escolar, que
podemos reunir em dois grupos. Um desses grupos engloba as causas
consideradas externas à escola. Tais causas incluem, por exemplo, a
violência social, a influência da mídia e o ambiente familiar. Sob a
perspectiva dessas causas, a indisciplina na escola seria reflexo de questões e
conjunturas mais amplas que atravessam a sociedade. (GARCIA, 2010, p.07)
O segundo grupo de causas engloba aquelas encontradas no próprio
ambiente escolar. Aqui podemos destacar, por exemplo, a qualidade do
currículo, a relação professor- aluno, a motivação do aluno, bem como a
própria clareza quanto à disciplina esperada em sala de aula. Assim, alguns
incidentes de indisciplina refletiriam, por exemplo, uma falta de
15
compreensão, entre os alunos, de quais seriam os limites desejados em sala
de aula. Os professores nem sempre deixam claro suas expectativas sobre
disciplina. Além disso, a disciplina esperada nem sempre é construída no
coletivo o que pode resultar não somente em falta de compreensão mas
também em algum nível de resistência, particularmente quando é percebida
pelos alunos como autoritária. (GARCIA, 2010, p.07)
De acordo com Rego (1996), as peças integrantes do contexto de indisciplina são: a
sociedade, a família, a escola e o indivíduo, porém a própria autora ressalta que entre esses
integrantes existem “relações complexas” insuficientemente “debatidas e aprofundadas” e
cheias de “meias verdades”.
Primeiramente, é possível observar que o lugar ocupado por cada destes
elementos no sistema educacional parece alterar significativamente o seu
modo de explicar as razões da incidência da indisciplina na escola. Apesar
das diferenças, predomina entre a maior parte dos envolvidos no processo
educativo, um olhar parcial e pouco fundamentado sobre o problema. As
complexas relações entre o indivíduo, a escola, a família e a sociedade não
parecem suficientemente debatidas e aprofundadas. As justificativas, além
de pouco críticas e abrangentes, se mostram impregnadas de meias-verdades,
de explicações do senso comum ou pseudocientíficas (uma espécie de
“psicologização” ou “sociologização” das questões educacionais e
pedagógicas) (REGO, 1996, p.90)
Para Parrat-Dayan (2008), a indisciplina é provocada, é causada, ou seja, determinada
por algum acontecimento, que pode ser originário de diversas fontes. Além de ter uma grande
diversidade de causas, ela também muda dependendo do contexto sócio-cultural em que se
manifesta, indicando um direcionamento.
[...] a indisciplina é provocada por problemas psicológicos, ou familiares, ou
da estruturação escolar, ou das circunstâncias sócio-históricas, ou, então que
a indisciplina é causada pelo professor, pela sua personalidade, pelo seu
método pedagógico etc. Na realidade, a indisciplina não apenas tem causas
múltiplas, como também se transforma uma vez que depende de todo um
contexto sócio-cultural que lhe dá sentido. (PARRAT-DAYAN, 2008,
p.19)
As origens da indisciplina são muitas e o que contribui para isso são os diferentes
contextos vivenciados pelo sujeito: a saúde, a família, a sociedade, a escola, o professor.
Sendo assim, é preciso estar atento para uma análise ética e aprofundada de cada situação em
particular.
16
2 INDISCIPLINA E SEUS ENLACES
Diante da variação de origens da indisciplina, têm destaque a sociedade, família e
escola, que são as bases mais concretas quando ocorre a exclusão do fator saúde/doença do
estudo pedagógico da indisciplina. Esses três: sociedade, família e escola são os principais
componentes que formam o laço que envolve a indisciplina.
A sociedade é a grande associação de pessoas, é o que é entendida como conjunto de
cidadãos. A família é conjunto de ascendentes e descentes de uma linhagem, pai/ mãe/ filho
são os integrantes de uma casa. A escola é a instituição que ministra saberes para a formação
do cidadão, é ela quem leva o conhecimento técnico ao ser humano. São esses os
componentes a serem estudados para o enlace com a indisciplina.
2.1 LAÇOS SOCIAIS
Um dos componentes desse enlace é a sociedade, na qual todos vivem sob normas
comuns para uma melhor convivência, que são adaptadas constantemente para atender as
necessidades dos indivíduos. A questão é quando acontecem fatos e/ou situações que se
tornam corriqueiros no cotidiano, que a princípio constrangiam, se tornam com este aumento
de sua incidência, a tender à banalização, passando a não serem estranhados mais, tornando-se
comuns.
Então, a sociedade influencia o indivíduo e ele influencia a sociedade constantemente
e, assim, existe uma prática social por meio da imposição de disciplina e de ordem. Dessa
forma, é importante verificar a influência da sociedade junto à indisciplina escolar.
[...] se a disciplina é uma prática social, ter disciplina para realizar algo não
significa ser disciplinado para tudo. A disciplina escolar não se identifica
com ordem, e sim com práticas que têm diferentes tipos de exigência.
(PARRAT-DAYAN, 2008, p.20)
Mesmo vivenciando a disciplina em sociedade, como prática social, como sugere
Parrat-Dayan (2008), ainda assim ocorre uma ruptura no que diz respeito à disciplina escolar,
pois de acordo com esse autor, há uma distinção entre os tipos de exigência feitos pela
sociedade e pela instituição escolar.
A sociedade está em constante mudança, avançando nas esferas tecnológicas e
também no convívio, e ao se deparar com períodos de crise é perceptível que muitas regras
17
deixam de exercer suas respectivas funções, sendo necessário revê-las para manter a
organização. Para Parrat-Dayan (2008), os limites e as regras devem ser revistos tanto em
casa quanto na escola e sociedade.
[...] a sociedade pode atravessar períodos de crise. Nesses períodos, quando
as formas habituais de vida e as regras que delas derivam não mais
funcionam, é que se manifestam os problemas e se torna necessário redefinir
as regras para poder manter a organização. [...] As novas regras deverão se
redefinir tanto em casa quanto na escola e na sociedade, já que esses lugares
estão intimamente relacionados. (PARRAT-DAYAN, 2008, p.31)
Pensamento semelhante, senão igual a Parrat-Dayan (2008), o autor Garcia (2010)
também cita uma época de transformações de ordem moral na sociedade impactando as
relações humanas, que se reproduz na escola e acrescenta a importância de manter bons
vínculos no que diz respeito à convivência e aprendizado em sala de aula.
Estamos vivendo uma época de transformações e um certo estremecimento
no sentimento de confiança. Isso representa um profundo impacto sobre as
relações humanas, que também se reflete dentro das escolas. Estão em curso
mudanças de ordem moral nas relações entre professores e alunos. A
indisciplina é uma ponta do iceberg, que sinaliza outros desafios abaixo do
horizonte observável. Assim, faz muita diferença quando convivência e
aprendizagem, na escola, estão sustentadas por vínculos positivos.
(GARCIA, 2010, p.09)
Para Parrat-Dayan (2008), os problemas de indisciplina estão associados à moralidade,
já que para ele toda a organização social, incluí-se aqui a escolar, tem como propriedade uma
quantidade considerável de normas e regras que tornam possível a convivência social, que,
diga-se de passagem, não são inatas e sim obtidas e conquistadas.
Os problemas de indisciplina na escola estão associados com problemas de
moral. Como os indivíduos não vivem sozinhos, e sim em sociedade,
precisam de regras que permitam a convivência, isto é, comportar-se da
melhor maneira uns com os outros. As regras são espécies de instruções que
orientam a conduta nas diversas situações sociais. Toda organização social
possui uma série de normas e regras que permite aos indivíduos viverem
juntos. Essas regras não são inatas: devem ser adquiridas em casa, na escola
e na sociedade em geral. (PARRAT-DAYAN, 2008, p.31)
Há uma grande perda de valores e faz-se necessário esta ressignificação na sociedade,
um olhar para as referências à conduta humana, dando importância à ética e à moralidade.
Xavier e Hickmann (2002) comentam sobre algumas questões relacionadas à violência que
possuem “um valor consensualmente aceito” e banalizado, isto também ocorre em algumas
situações que envolvem a indisciplina, e que vem sendo banalizada em nossa sociedade.
18
[A] ressignificação de valores não vem ocorrendo no sentido de positivá-los
em direção a uma nova ética das relações sociais, mas parece representar
uma crise moral e uma descrença de muitas crianças, adolescentes e jovens
em relação aos valores de seus pais que se encontram, inúmeras vezes,
alicerçados na sociedade do trabalho[...] (XAVIER; HICKMANN, 2002,
p.42)
Dentre as diversas crises enfrentadas em sociedade, uma delas diz respeito a um
desenvolvimento excessivo de papéis da família, em que é preciso assumir o compromisso
com o papel fundamental da educação, no âmbito da formação moral da criança, entretanto
isso acaba sendo negligenciado até mesmo por ser uma reação gerada pela própria sociedade.
“[...] a hipertrofia dos papéis familiares, como reação à contração da sociabilidade pública,
que responde pela situação de mal-estar e intolerância gerada na vida urbana da nossa época.”
(FORTUNA, 2002 p.92).
2.2 LAÇOS FAMILIARES
O reflexo da relação família-criança está exposto dentro do ambiente escolar, e estão à
mostra quando se refere à socialização da criança com o até então desconhecido mundo da
escola. Antes de iniciar o caminhar pela educação escolar, a família é a sua única referência, é
nela que a criança se depara com as primeiras regras e limites ou não. Garcia (2010, p. 06)
comenta sobre a necessidade de observar as relações familiares “até porque elas se refletem
nos processos de socialização da criança dentro da escola. Faz sentido, portanto, quando os
professores sugerem que há um nível de relação entre a indisciplina na escola e o ambiente
familiar.” Aduan (apud HICKMANN, 2002, p. 75) questiona os modelos de família sociedade
atual, suas múltiplas possibilidades da atualidade e faz referência:
O pai mantenedor, a mãe que cuida da harmonia da casa e os filhos
obedientes ao pai. Esse é um modelo de família ainda absolutamente
valorado nessa sociedade e o que se percebe é que é um modelo
absolutamente impossível de ser mantido, principalmente para as classes
mais pobres, ou seja, para os grupos mais excluídos, onde a família
igualitária é, vamos dizer, o modelo possível, em que todos têm que
trabalhar, em que primeiro os filhos mais velhos e a mulher são envolvidos
no mercado de trabalho, tornando-se a figura do pai extremamente
fragilizada. Esse homem, que não consegue sequer botar comida em casa, é
um indivíduo cada vez mais sujeito ao alcoolismo, às doenças mentais, isso
quando não acaba por assumir a tal da “síndrome do pequeno poder”, em
que o homem destituído de seu poder vai, através da violência, se impor
junto à mulher e aos filhos.
19
Fortuna (2002) realizou uma pesquisa junto às professoras em instituições na qual
desenvolveu projetos diversos, todavia com foco em disciplina, buscando conhecer a visão
delas sobre relação indisciplina e família. Em resposta aos seus questionamentos, as
professoras disseram que “[...] a maioria dos alunos não tem regras a seguir em suas casas,
não toleram frustrações e se governam. Os princípios de convivência não fazem parte de sua
vida familiar. As decisões em família são arbitrárias.” (FORTUNA, 2002, p.91).
Rego (1996) ratifica a resposta dada pelas professoras que confere à família o
“comportamento indisciplinado”, sendo este de acordo com a educação moral iniciada em
casa, eximindo a escola de qualquer ação, já que a questão está fora da sua posse.
Muitos atribuem a culpa pelo “comportamento indisciplinado” do aluno à
educação recebida na família, assim como à dissolução do modelo nuclear:
“esta criança tem uma criação familiar totalmente autoritária, está
acostumada a apanhar e a receber severos castigos, por essa razão não
consegue viver em ambientes democráticos”; “se os próprios pais não sabem
dar limites eu é que não vou dar”. [...] neste caso, a responsabilidade pelo
comportamento do aluno na escola parece ser única e exclusivamente da
família. Novamente a escola se isenta de uma revisão interna, já que o
problema é deslocado para fora de seu domínio (REGO,1996, p.88, grifos no
original).
Garcia (2010) relata que há uma relação entre a qualidade da rotina vivenciada pela
criança em casa e a forma como se comporta e respeita as regras na escola. “Isso sugere a
necessidade da escola buscar algumas informações sobre a vida da criança em casa [...] Mas é
preciso observar uma certa cautela ética e não transformar isso numa investigação[...].”
(GARCIA, 2010, p.09).
Há uma difusão da ideia a respeito da divisão de tarefas entre a família e escola, em
que a primeira daria um direcionamento moral e a escola se ateria com a responsabilidade dos
conhecimentos, porém não é o que estamos vivenciando no cotidiano da escola, que se vê na
obrigação de ampliar e assumir os papéis que deveriam ser articulados pela família.
Amplamente difundida entre os professores é a repartição das tarefas
educativas entre escola e família, tocando à primeira a educação dos
“conhecimentos” e à segunda a educação moral. É na esteira desta crença
que a escola deplora o que as famílias não vem fazendo por seus filhos, e os
‘novos’ papéis, no âmbito da formação moral, que precisa assumir.
Acreditamos que a escola opera uma manobra diversionista em relação ao
seu papel pedagógico, além de mostrar uma concepção de papel educativo
da família bastante questionável. (FORTUNA, 2002, p.91)
20
Existem competências do mundo do adulto e do mundo da criança, e tais distinções
não podem ser anuladas por terem grande importância no desenvolvimento da criança. As
divisões de tarefas e responsabilidades entre os adultos e a crianças devem ser bem claras, o
que é de competência do adulto não pode ser repassado à criança.
O vínculo professor e aluno, assim como de pai/mãe e filho, necessita estar
constantemente demarcado pelas fronteiras do que é de competência do
mundo adulto e do que é de competência do universo infantil. Tal postura
permitirá que não se transfira às crianças determinadas responsabilidades,
que envolvam desde o vestir-se, alimentar-se, cuidar de si e dos seus
pertences, até a elaboração e cumprimento de regras e normas disciplinares,
aplicações de sanções, tanto expiatórias quanto por reciprocidade. O que
vem ocorrendo é a delegação de poderes às crianças que elas não estão em
condições de assumir e exercer. Em nome de uma suposta liberdade e
autonomia, pode estar ocorrendo uma desobrigação dos adultos para com o
mundo da infância. (HICKMANN, 2002 p.78)
Para Taille (1999), o simples ato de obedecer já deve ou deveria fazer parte do
cotidiano das crianças. Está associado à figura de quem obedece, no caso a criança, e de quem
é a autoridade, de quem a solicita, aqui inicialmente são os pais, e depois deve ser dirigido
para os integrantes do corpo docente. O ato de obedecer, segundo Taille (1999 p.17, grifo no
original):
[...] imagina-se que deve já fazer parte do repertório da criança numa
“família razoável”, como assim ele define, a criança recebe ordens no
decorrer do dia-a-dia, seja na higiene, alimentação, organização, sempre há
um ensinamento, uma imposição nos que diz respeito também às primeiras
regras de sociabilidade da mesma. Porém esta extensão esta no ato de ir à
escola, que possui “mais regras e controles”, dessa maneira [...] o obedecer
não é (ou não deveria ser) uma novidade para a criança que começa sua
escolarização. A novidade não está no obedecer, mas sim a quem obedecer.
Segundo esse mesmo autor, a família vê a instituição escolar como algo subordinado a
ela, dessa forma lhe atribui responsabilidades, porém deixando de lado a atribuição também
da autoridade à escola, que é primordial para que o aluno reconheça a referência de autoridade
no professor, dentro da sala de aula, e não tenha a instituição escolar como algo mercantil, que
sugere os pais como consumidores, como clientes.
[...] hoje em dia, e cada vez mais, pais atribuem responsabilidade à escola,
mas não lhe delegam autoridade [...] somente não atribuem à escola
autoridade para decidir o bom andamento do estudo de seus filhos (deve ir às
aulas, fazer as provas etc.), como concebem a escola como subordinada a
eles. Daí não é de se espantar quando, um dia, acontece de um aluno se
sentir plenamente justificado ao assinalar a seus professores que “eles não
21
mandam nele porque os pais pagam a escola”. A referência permanece sendo
os pais, mas não mais como pessoas que delegam autoridade, mas como
consumidores, como clientes. (TAILLE, 1999 p.18)
Hickmann (2002), no decorrer de sua pesquisa, retrata seu grande interesse em
entender mais profundamente as relações culturais do universo familiar e escolar. A autora
afirma que esses dois universos “interagem”:
[...] algumas vezes articulados, outras vezes diferenciados e muitas vezes
incompatíveis” quando afirma estas relações como:
[...] acentuadamente vinculada às dimensões, da disciplina, autoridade,
autonomia, limites, valores, convenções sociais e cidadania e visivelmente
difíceis de se fazerem vivência cotidiana, tanto na escola e na família quanto
nos diversos espaços sociais em que estamos inseridos. (HICKMANN, 2002
p.75).
É importante salientar que existe uma série de novos e diferenciados arranjos
familiares na atualidade, tornando-se inviável e desnecessário relatar todos aqui. Mas, está
cada vez mais difícil educar crianças quanto aos princípios e códigos culturais, necessários
para um melhor convívio social, tendo em vista a falta de diálogo entre os integrantes de
muitas famílias, onde sequer conversam uns com os outros, e as crianças passam horas em
frente à TV/Internet. Hickmann (2002) aponta as diferentes possibilidades de arranjos
familiares – pais separados, pais trabalhadores, parentes que assumem o papel de pais, e
outros –, os integrantes do ambiente escolar justificam situações de indisciplina pelo fato de a
criança/adolescente ter falta ou carência de algo na família. Porém, é preciso repensar que o
contexto social e cultural que a família se insere também influencia o ato.
[...] talvez seja mais alentador aos professores repensarem e compreenderem
a família dos seus alunos, sem menosprezar a relevância que o contexto
social e cultural pode ter como um demarcador de características de
diversidade e não de “faltas” e “carências”. (HICKMANN, 2002, p.76)
As situações de violência inseridas no cotidiano escolar podem ser originadas no
ambiente familiar por diversas razões de desordem familiar. Quando a violência doméstica é
vivenciada pelo aluno, a situação muitas vezes acaba refletindo no comportamento do
educando em sala de aula, que pode ser de retração ou de extravasamento às situações de
indisciplina na escola, interferindo também diretamente no desenvolvimento sócio-moral e
aprendizado do aluno.
A violência familiar, sofrida pela criança e o adolescente, tem sido motivo
de grande preocupação dos educadores. Apesar de estar localizada, quase
22
sempre, fora dos muros escolares, tal forma de violência interfere
significativamente no cotidiano escolar. Torna-se cada vez mais freqüente o
fato de crianças chegarem à escola vítimas de violência familiar. São
diversos os fatores que podem estar relacionados a esta manifestação de
violência. (CANDAU; LUCINDA; NASCIMENTO, 2001, p.35).
Dentro da escola a violência familiar é vivenciada em conjunto com a violência vivida
na comunidade, questão que geralmente faz parte da realidade de localidades menos
favorecidas, onde comumente a ordem e a lei não são regidas pelas instâncias públicas. Cria-
se um ambiente escolar de grandes dificuldades de disciplina e de aprendizado, a gravidade da
situação tende a aumentar, tornando propícias maiores dificuldades, principalmente de
adaptação com as normas do ambiente.
A combinação da presença da violência no bairro com a violência doméstica
terá efeitos sobre o desempenho acadêmico das crianças e jovens que estão
expostos a essas circunstâncias, sobre a sua capacidade de adaptação a
normas e disciplina e sobre a violência na escola: crianças vítimas de
violência têm mais dificuldades de leitura e compreensão de textos, porque a
inteligência verbal é afetada pela combinação pobreza-violência, menor
capacidade de atenção, e de concentração em tarefas e menor capacidade de
elaborar críticas. (CARDIA, 1997 apud CANDAU; LUCINDA;
NASCIMENTO, 2001, p.36)
Em síntese, Fortuna (2002, p. 92) esclarece que:
As mudanças pelas quais as famílias passam- talvez mais perceptíveis
porque mais velozes, fortemente dependentes das crises mais amplas da
sociedade – afligem a escola e inspiram-na para a alegação de acúmulo de
papéis.
É perceptível que diante dos dados, o que vivenciamos é uma mudança na estrutura, na
funcionalidade da instituição familiar, os papéis da educação familiar, aquela educação que se
chama de moral não vem ocorrendo na maioria das famílias, devido a várias situações
apresentadas. Papel este de grande valor para o comportamento indisciplinar dentro da escola.
2.3 LAÇOS PEDAGÓGICOS
A criança quando nasce e inicia o seu desenvolvimento é cercada e acompanhada por
aqueles que fazem parte da sua família, com o decorrer do tempo ela passa a aumentar o seu
círculo de relacionamentos, de pessoas com quem tem contato até chegar à instituição escolar.
Durante o trajeto família e sociedade, ela desenvolve ou não normas, limites ou regras de
23
convivência, estabelecendo diferentes relações com as pessoas. Portanto, o início de
escolarização é real a tentativa de organização da convivência entre esses indivíduos que
vivenciam diferentes situações tanto na família como na sociedade. Com o choque de
novidades é primordial a construção de novas responsabilidades. Xavier (2002) relata que no
início da escolarização
As normas disciplinares são muito mais utilizadas com a finalidade de tentar
resolver problemas de comportamentos do que de promover práticas de
vivências democráticas – a ênfase é dada aos resultados e não ao processo.
Acaba por se privilegiar, em sala de aula, a busca do silêncio, da
imobilidade, da ordem, que é o que tradicionalmente a escola sempre fez.
(XAVIER, 2002, p.35)
Métodos tradicionais que buscam a imobilização, o silêncio e a ordem são discutidos
também por Foucault (1999, p. 73) quando afirma que muitas escolas tratam suas crianças
“[...] como prisioneiras. As crianças sofrem uma infantilização que não é delas. Nesse sentido,
é verdade que as escolas se parecem um pouco com as prisões [...]” (FOUCAULT, 1999,
p.73). Em uma escola que adota modelos tradicionais de ensino o seu ambiente, a vigilância,
as sanções, os encaminhamentos para obter aulas silenciosas com alunos imóveis ficam muito
próximos aos métodos utilizados nas prisões. Essa maneira de tratamento escolar é uma forma
ultrapassada de tentar a ordem, somente reforçando a má construção, a má compreensão às
normas disciplinares e mantendo o tradicionalismo em uma sociedade do século XXI.
Guimarães (2003) relata sobre as ordens na década de 80, que são muito próximas, se não
iguais às vivenciadas hoje.
As ordens não têm de ser explicadas, nem formuladas, o que importa é
perceber o sinal e reagir logo a ele. Poucas palavras, nenhuma explicação,
silêncio total só interrompido por sinais: sinos, palmas, gestos, olhares dos
mestres. O aluno deverá aprender o código dos sinais e atender
automaticamente a cada um deles, legitimando a técnica de comando e a
moral da obediência. (GUIMARÃES, 2003, p.35)
Quando há uma falha na organização escolar em ser clara em direitos e deveres, o que
vemos é somente um reforço das diferenças.
A escola, ao fracassar como escola, só faz reforçar as diferenças já trazidas
pelos alunos, discriminando os bons dos maus, os comportados dos indóceis,
os inteligentes dos menos dotados. (GUIMARÃES, 2003, p.44)
O fracasso escolar, a incompreensão de direitos e deveres dos seus integrantes, é o que
segundo Paulo Freire chama de “concepção bancária de educação” que faz com que o ato de
24
ensinar se torne “um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o
depositante” (FREIRE, 1998, p.58), sendo necessário, então, ampliar os conhecimentos a
respeito do papel da escola.
A escola [...] precisa ser vista, além de espaço de aquisição, de produção e
difusão de cultura e conhecimento, como espaço também de socialização de
crianças e jovens. É preciso, sem dúvida, que o estudante aprenda a se
expressar, a ler, a escrever, a digitar, a navegar, a realizar operações
matemáticas, a entender o mundo natural e social, mas, é preciso para isto,
que aprenda, de forma concomitante, a viver numa coletividade,
socializando-se, civilizando-se, sem perder sua individualidade, resistindo à
domesticação. Precisa aprender a ser aluno e aluna, a ser colega, a ser
parceiro, a ser cidadão, a ser homem e a ser mulher [...] (XAVIER et al,
2002, p.62)
Reconstruir, rever, avaliar ou reavaliar as causas de indisciplina deve estar em
constante desenvolvimento e aprimoramento nos processos disciplinares no ambiente escolar.
Em cada escola, em cada caso, é preciso avaliar as expressões de indisciplina
e suas causas possíveis. Não raramente as expressões de indisciplinas
refletem mais de uma causa. Esse tipo de avaliação pedagógica é muito
importante para desenhar encaminhamentos, repensar currículo e a cultura
da escola, e a própria formação dos professores. (GARCIA, 2010, p.07)
Os laços pedagógicos que permeiam a indisciplina devem ter expressões avaliativas. É
muito importante estar atento a todos os aspectos da escola que possam ser foco da
indisciplina, e fazer constantes levantamentos avaliando as situações e providenciando
encaminhamentos e capacitação necessária para o bom desempenho de todos os que integram
a escola.
2.3.1 A atuação dos profissionais da escola
A indisciplina é um problema constante em qualquer instituição escolar, seja ela
pública ou particular, é de fato o agravante das desmotivações dos profissionais que atuam na
área. Tardelli (2003) obteve como resultado de sua pesquisa que 77,7% dos professores do
ensino médio entrevistados sentem-se desmotivados com a docência devido ao
comportamento indisciplinado dos seus alunos.
Além da desmotivação por parte dos profissionais atuantes na instituição escolar, a
indisciplina inviabiliza também o aprendizado.
25
[...] a realidade encontrada nas salas de aulas da maioria das escolas, no
entanto vem dificultando, inviabilizando mesmo em algumas circunstâncias,
a transferência para a prática dos princípios teóricos assumidos [...] em
apontar, como principais problemas, questões relativas ao manejo de turma
e/ou controle disciplinar. (XAVIER; BARBOSA, 2002, p.24)
As situações vivenciadas que caracterizam a indisciplina dentro de sala de aula são
rotineiras e muito variadas.
[...] a agitação das crianças, as conversas paralelas, o ritmo diferenciado de
respostas do grupo, as agressões físicas, os “palavrões”, os furtos, a presença
de alunos drogados, de estudantes mais velhos, de crianças oriundas de
classes especiais, de “meninos e meninas” de rua, a interferência de
“gangues” no cotidiano das instituições, a não existência de “normas de
convivência” ou o não-respeito às existentes, o apego a práticas tradicionais,
a práticas tradicionais, a prática pouco comum de trabalhos em grupo, a falta
de hábito de participação nas decisões, a resistência em trabalhar temas
considerados “não escolares” ou “políticos”, a rejeição de alguns alunos pelo
grupo e, ainda, a não aceitação ou compreensão da escola, dos alunos e dos
pais, de sua proposta de trabalho. (XAVIER, 2002, p.19, grifo no original).
Diante de tamanha gama de situações de indisciplina, é dificultoso encontrar opções
para solucioná-las no momento em que ocorrem, por isso o caminho mais fácil é buscar o
responsável, o “culpado”, pelo acontecimento dos fatos. Rego (1996) afirma que, geralmente,
profissionais da educação e pais atribuem ao professor de sala a responsabilidade por muitos
dos comportamentos indisciplinados.
Será que está tão óbvio assim colocar a culpa no professor mesmo analisando a família
e a sociedade? Garcia (2010) surpreende quando afirma o que já se sabe, que limites são
necessários, tolerância e vínculos positivos também, e não adianta punir o aluno por algo que
ainda está aprendendo: a conviver em sociedade. A convivência é algo que precisa ser
desenvolvido, e faz parte do desenvolvimento sociomoral da criança. Conforme Garcia (2010,
p. 06), “Para o educador, a indisciplina pode ser pensada como algo relacionado ao
desenvolvimento sociomoral da criança e do adolescente”
Enquanto pedagogos, é importante elucidar a série de ideias a respeito da origem da
indisciplina, por não ter característica imóvel e sim diversificada, é notório que haja muitos
julgamentos a seu respeito. A disciplina a ser desenvolvida na dimensão sociomoral traz a
clareza necessária para trabalhar vários aspectos em sala de aula, a inquietude provocada pela
indisciplina nos sinaliza que alguma coisa deve ser desenvolvida ainda no educando. De
acordo com Garcia (2010, p. 09), “[...] a inquietude revela ausência de noções de limites na
26
convivência com outras crianças. É como se isso representasse a sinalização de um
desenvolvimento ainda necessário à criança.”
Valorizar o envolvimento educador/educando, estender os vínculos, construir a
convivência em grupo favorece a vida social da turma também dentro da sala de aula,
auxiliando a disciplina.
[...] uma vez ampliada a relação professor/aluno, numa perspectiva de
valorização da vida social da classe, uma vida de grupo poderá ser
desenvolvida, dentro da sala de aula, favorecendo a constituição de
diferentes grupos de trabalho responsáveis coletivamente pela realização das
tarefas escolares. (GUIMARÃES, 2003, p.60)
Trabalhar o respeito, excluindo sua execução através do medo, é fato importante para
que os educandos desenvolvam o aprendizado com sucesso, seja ele no âmbito moral ou do
conhecimento.
[para que] o trabalho na sala de aula seja realizado de forma organizada, sem
que o “temor” ou “medo” sejam os determinantes do clima de trabalho. É
preciso que os estudantes aprendam, respeitando seus ritmos, seus
temperamento dos colegas, bem como da professora, processos esses nem
sempre fáceis de conciliar. (XAVIER, 2002, p.17, grifo no original)
É essencial observar com atenção as situações de indisciplina, dominá-las e tomar as
decisões corretas, conforme a orientação do projeto político pedagógico da escola. É um fator
importante incorporar tudo isso para que haja respeito à integridade do educando.
[...] os professores precisam estar atentos ao tempo das suas ações,
particularmente quando diante de situações de indisciplina. A intervenção
precisa estar colada aos eventos de indisciplina, mas atenta à necessidade de
se respeitar a integridade dos alunos enquanto estabelece limites a
determinados comportamentos. (GARCIA, 2010, p.08)
2.3.2 O Autoritarismo
Até algum tempo atrás, o autoritarismo era visto como sinônimo de ordem, e no
ambiente escolar era por meio dele que os encaminhamentos e as aulas ocorriam com muita
precisão.
Durante o século XIX e ainda no século XX o professor era a figura
autoritária por excelência. Ele falava, ensinava, impunha suas regras sem
qualquer discussão e transmitia o conhecimento. Os alunos não podiam falar
27
nem perguntar, e deviam permanecer num silêncio absoluto dentro e fora da
aula. A indisciplina não era freqüente, mas existia (PARRAT-DAYAN,
2008, p.19)
As figuras de autoritarismo que permeavam a instituição escolar eram, e/ou continuam
sendo, uma forma de incutir o respeito, pelo poder de dominação do educador, do ambiente
escolar através do medo e legitimar a figura de poder. Também correspondia ao ato de
fiscalizar e ser fiscalizado.
[...] De alto a baixo os efeitos do poder são notados: na escola temos o
diretor, os professores, os funcionários, os alunos, todos sendo fiscalizados e
ao mesmo tempo envolvidos na tarefa de fiscalizar. Na escola as técnicas
disciplinares fazem com que as pessoas aceitem o poder de punir e de serem
punidas, tornando essa prática natural e legítima. (GUIMARÃES, 2003,
p.63)
A hierarquia em qualquer ambiente se faz necessária para organizar a instituição. Ao
tratar de hierarquia, vem em mente dois conceitos: o autoritarismo e a autoridade. Porém, o
significado de autoritarismo nos remete à tirania e ao mando absoluto e o de autoridade é o
indivíduo que tem importância e direito estabelecido de que se faz obedecer. Portanto, a
autoridade tem o direito estabelecido por algo ou alguém, e o sujeito que pratica o
autoritarismo subtrai de si esse direito.
[...] a relação professor/aluno somente pode ser uma relação hierárquica,
uma relação de autoridade na qual o primeiro precisa poder dar ordens
referentes ao bom andamento da aprendizagem, e o segundo precisa segui-
las [...] se isso não acontecer, das duas uma: ou a referida relação é vista
como relação entre dois iguais (sempre no campo de um determinado saber)
e, então, não se vê por que chamar um de professor e outro de aluno; ou a
relação simplesmente não existe e, como já disseram, o professor faz de
conta que ensina e o aluno faz de conta que aprende. (TAILLE, 1999, p.14)
A indisciplina é grandemente manifestada no âmbito escolar, apesar de toda a
organização, de regras definidas, muitas vezes o posicionamento para cumpri-las confunde-se
com autoritarismo, gerando um sentimento de rejeição ao ambiente escolar. Rego (1996, p.
86) afirma que:
Uma outra tendência presente no campo da educação é a de associar
disciplina escolar à tirania. Qualquer tentativa de elaboração de parâmetros
ou definição, de diretrizes é vista como prática autoritária, deformadora ou
restritiva, que ameaça o espírito democrático e cerceia a liberdade e
espontaneidade das crianças e jovens. A disciplina assume a conotação de
opressão e enquadramento. [...] a escola, por sua vez, necessita também de
regras e normas orientadoras do seu funcionamento e da convivência entre
28
os elementos que nela atuam. Nesse sentido, as normas deixam de ser vistas
apenas como prescrições castradoras, e passam a ser compreendidas como
condição necessária ao convívio social.[...] nesse paradigma, o disciplinador
é aquele que educa, oferece parâmetros e estabelece limites. (REGO, 1996,
p.86)
Estar submetido a uma instituição, à figura de autoridade que requer a escola, não
determina que se perca a autonomia de liberdade, pelo contrário, o que o ambiente escolar
deseja é que se possa permanecer e sair da escola, e concluí-la como cidadãos críticos. O
respeito à autoridade do professor deve sempre fazer parte da liberdade e autonomia do
educando.
[...] quem se submete a uma autoridade não tem ou acredita não ter, no
campo dessa submissão, autonomia para usufruir de liberdade de ação [...] a
falta de autonomia da pessoa submetida à autoridade pode ser real ou
pressuposta por ela mesma. (TAILLE, 1999 p.10)
A forma autoritária apresenta-se como uma tarefa enfadonha na atualidade e
completamente repulsiva e intolerável, independente da competência do ensino-aprendizado e
ou da didática do educador.
A autoridade hoje solicita certas formas de legitimação, que em sala de aula
está muito relacionada à competência para ensinar e com a forma de
tratamento que os professores dedicam aos alunos. Posturas autoritárias,
hoje, não são toleradas pelos alunos, mesmo quando exercidas por aqueles
professores considerados competentes na arte de ensinar. (GARCIA, 2010,
p.08)
O autoritarismo nos dias atuais não tem o reconhecimento, nem a eficácia em um
ambiente escolar, pelo contrário, as imposições de qualquer tipo de autoritarismo desperta
resistência e indisciplina não somente de alguns alunos como também de uma turma inteira.
2.3.3 Direcionando Sanções
As sanções estão ligadas diretamente com as situações de indisciplina. Por meio delas,
pode-se compreender um ato indisciplinar, sugerir orientações para a mudança de postura e
optar por sua conclusão.
No sentido mais geral, a disciplina aparece como um conjunto de regras e
obrigações de um determinado grupo social e que vem acompanhado de
29
sanções nos casos em que as regras e/ou obrigações forem desrespeitadas.
(PARRAT-DAYAN, 2008, p.20)
Ao exercer o papel de observador de uma sala de aula, ou de pedagogo ou de
educando, e ocorrendo o esperado, inesperado, uma situação de indisciplina, como se pode
controlar a situação de uma forma pedagógica? Xavier (2002), por meio de questionamentos,
propõe uma reflexão sobre o procedimento das sanções disciplinares:
Em caso de distúrbios em sala de aula, adianta mandar os alunos e alunas
para a direção que não acompanhou o ocorrido? Ouvir o estudante,
possibilitar que permaneça em aula, conversar sobre o ocorrido com o grupo,
sobre seus direitos e deveres, não será uma alternativa melhor?Mas, em
alguns casos isto é viável? Terão as professoras preparo para isso? Precisam
adquirir tal preparo? Esta é também uma função sua? Será necessário, ou
mais indicado, outro profissional para analisar o ocorrido? São todas
questões sérias ainda não resolvidas. (XAVIER et al, 2002, p.58)
Infelizmente não existe um manual relacionando determinado delito indisciplinar com
sua sanção. As sanções são aplicadas quando regras e obrigações são desacatadas. Na maioria
dos encaminhamentos o que se percebe é que as sanções servem para diferenciar e localizar os
alunos indisciplinados, dessa forma sugere Guimarães (2003):
[...] que o objetivo das punições não é acabar com os infratores, mas
diferenciá-los, distingui-los como grupo sobre o qual deve-se efetuar uma
vigilância constante. O delinqüente é um produto da instituição; é através
dele que se pode hierarquizar os indivíduos separando o que é desvio e
anomalia do que não é. (GUIMARÃES, 2003, p.69)
Assim como a prisão não visa a recuperação do detento mas o controle de
suas atitudes “desviantes”, a escola não tem como preocupação básica o
aprendizado do aluno e sim o controle do seu comportamento não
importando o que ele fez, mas o que ele foi, é, ou poderá vir a ser.
(GUIMARÃES, 2003, p.102)
Estar punindo o aluno com castigos, sem fazê-lo ter consciência dos seus atos,
diferenciar os alunos através das punições, separá-los por turma de acordo com a disciplina
que desenvolve ou não dentro da escola, caracterizar e delimitar todas as diferenças não é uma
forma eficaz para extinguir a indisciplina.
É ilusório se pensar que a penalidade é uma forma de reprimir delitos. Na
verdade, punir aqui significa diferenciar os alunos uns em relação aos outros,
em função de regras que objetivam a uniformização de comportamentos. Ao
delimitar todas as diferenças, a punição compara, diferencia, hierarquiza,
homogeneíza, exclui, ou seja, ela normaliza. (GUIMARÃES, 2003, p.113)
30
É preciso que os integrantes da escola tenham claro o significado de indisciplina.
Nesse caso, é importante verificar nos documentos que regem a escola, dentre eles o projeto
político pedagógico, as perspectivas de tais sanções, que devem ser claras em seus
encaminhamentos e seus objetivos. Segundo Garcia (2010), as sanções que despertam a
autonomia moral são oportunidades que o aluno tem para rever o modo que está convivendo,
são práticas de reparação que são capazes de promover maior aprendizagem:
[requer-se] uma clarificação sobre a própria idéia de sanção disciplinar [..] a
considerar a importância de se ter claro, na escola, o que se entende por
disciplina e indisciplina. Quando a noção de disciplina está muito
relacionada à idéia de controle, as sanções disciplinares tendem a reforçar
práticas de controle na escola. Em contrapartida, em uma escola onde se
busca trabalhar disciplina como forma de autonomia moral, por exemplo, as
sanções disciplinares podem se constituir em oportunidades do aluno rever o
modo como está convivendo em grupo. Nessa perspectiva, sanções que
envolvem práticas de reparação, por exemplo, são mais capazes de promover
experiências de aprendizagem que sejam consonantes a uma perspectiva
pedagógica progressista e atentas ao desenvolvimento sociomoral dos
alunos. (GARCIA, 2010, p.08)
O mesmo autor, Garcia (2010), também salienta que existem técnicas de intervenção,
mas que é necessário estar atento a fragilidade desses mecanismos de controle. A figura do
professor como autoridade hierárquica para tais sanções em sala de aula deve ser deixada de
lado. Elas devem ter cunho realmente pedagógico e exercido em última instância, de acordo
com o que prega a escola.
Existem muitas técnicas de intervenção. [...] Mas algo essencial [...] refere-se
a fragilidade dos mecanismos de controle, diante da finalidade atual da
escola quanto a propiciar experiências de aprendizagem que favoreçam o
desenvolvimento da autonomia dos estudantes. Nesse sentido, a melhor
intervenção não seria aquela na qual o professor realiza sozinho, com base
simplesmente em algum pressuposto hierárquico. Nas escolas precisamos
deixar para trás os caminhos tradicionais de controle e solidão, e exercer
educação como uma prática social baseada em solidariedade. (GARCIA,
2010, p.08)
[...] é preciso cuidar para que tais sanções sejam desenhadas sob bases
efetivamente pedagógicas [...] penso que as sanções devem ser exercidas
como um último recurso de intervenção [...] penso que o essencial é que
estejam em sintonia com a perspectiva pedagógica que orienta a escola.
(GARCIA, 2010, p.08)
Garcia (2010) ainda orienta que tais sanções precisam sinalizar aos alunos as regras e
limites praticados para a ordem dentro da escola, elas precisam privilegiar a importância da
convivência e da aprendizagem no ambiente escolar.
31
[...] as sanções disciplinares precisam tanto sinalizar aos alunos que certos
limites precisam ser respeitados, mas também constituir caminhos de retorno
ao processo de ensino- aprendizagem. Ou seja, elas precisam reiterar a
importância da convivência e da aprendizagem na escola.[...] é preciso
cuidar para que as sanções disciplinares não se tornem simples mecanismos
de controle e exclusão. (GARCIA, 2010, p.08)
A razão pela qual o aluno recebe a sanção é um fator importante para compreender o
que deve ser mudado, e que desenvolve o aprendizado sobre tal situação. Nesse contexto, o
autor Parrat-Dayan (2008) utiliza a palavra castigo para se referir às sanções e afirma que só
terá valor educativo caso o autor da infração compreenda a sua razão, real motivo da punição.
Em síntese, estar constantemente utilizando práticas sociais, trazendo a
conscientização dos atos de indisciplina através da conversa, elucidando ao aluno o que
realmente vem ocorrendo são maneiras de ensiná-lo sobre o comportamento moral que
precisa ser desenvolvido. As sanções não devem ser as primeiras atitudes diante do ato
indisciplinar, o primordial é desenvolver a conscientização.
2.3.4 Investindo em Capacitação
A capacitação dos profissionais da área em manter vínculos, liderar e conservar a
disciplina na sala de aula é um fator importante para o combate à indisciplina. Segundo
Garcia (2010, p. 09), “[...] é um aspecto tão importante que deveria ser parte da formação
acadêmica de nossos futuros professores”.
Ampliar os conhecimentos e reflexão acerca da indisciplina escolar, por meio da
capacitação dos profissionais que participam diariamente dessas situações, é propiciar a
construção coletiva de limites, a percepção do outro, a criação de vínculos, promoção de
ambientes de acolhimento, estimulação dos alunos, segundo Garcia (2010, p.06, grifo no
original):
A construção coletiva de limites, a capacitação dos professores focada na
questão da indisciplina e a criação de vínculos que promovam um ambiente
de acolhimento em sala de aula estão entre as relações benéficas em prol de
um ambiente positivo nas escolas.” Em termo de disciplina, seria indicado
trabalhar de forma a estimular o melhor nos alunos, que dedicar-se a inibir
aqueles que consideramos indisciplinados. A educação, afinal, precisa estar
relacionada a uma forma de percepção qualitativa sobre o outro.
32
Xavier (2002) ratifica essa ideia e propõe a incorporação no currículo escolar de
saberes que possibilitem a socialização e vivências morais e éticas.
Geralmente, somente após a formação é que o futuro educador se depara com a
indisciplina, é somente na prática que a conhece e é onde tem, ou teria que ter, a capacitação,
a formação continuada para assim aprender a lidar com ela. Garcia (2010, p. 07) afirma que:
É após a formação universitária, e já atuando nas escolas, que os professores
têm maiores oportunidades de acesso a programas de capacitação que
oferecem algum nível de conhecimento necessário para lidar com a
indisciplina[..] a formação continuada é, portanto, necessária e pode fazer
muita diferença no modo seguro como os professores vão lidar com a
indisciplina em sala de aula.
Dar início a essa capacitação promove o conhecimento a respeito da indisciplina
durante o processo de graduação dos pedagogos, é uma formação de extrema importância,
pois se trata de um dos maiores vilões para o bom desenvolvimento da prática docente.
33
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa é um trabalho de conclusão do curso da faculdade de Pedagogia do
Centro Universitário Municipal de São José – USJ. O projeto para sua execução e a revisão
da literatura foram elaborados durante o primeiro semestre de 2011, e no segundo semestre foi
realizada a pesquisa em campo. Por motivos de saúde, só consegui realizar a fundamentação
teórica e as análises dos dados obtidos no primeiro semestre de 2012.
Quando resolvi desenvolver a minha pesquisa no primeiro semestre de 2011, o meu
objetivo era estudar os encaminhamentos indisciplinares em conjunto com a gestão
democrática. Meu questionamento era se havia mudanças nesses encaminhamentos se
comparados com uma escola de gestão tradicional. Então, com esse objetivo em mente, no
segundo semestre, fui a busca de uma escola pública que se encaixasse nesse perfil para fazer
as observações. Encontrei uma escola estadual, localizada na cidade de Florianópolis (SC), e
que aceitou o desafio de me receber para observar as situações de indisciplinas que ali
acontecessem.
Deparei-me com uma situação um tanto complicada, pois a escola em seu projeto
político pedagógico mostrava-se democrática, mas em muitas das situações de indisciplina, os
encaminhamentos dados me chamaram mais a atenção. Diante da situação, modifiquei o
objeto de observação e foquei somente na indisciplina e seus encaminhamentos. Devido a um
problema com meu punho, que no passado havia sofrido uma fratura, não consegui terminar a
pesquisa, dando continuidade no semestre posterior. No primeiro semestre de 2012
reorganizei o referencial teórico, conduzindo somente para a indisciplina escolar.
No início deste trabalho, a pesquisa bibliográfica foi utilizada para respaldar as
observações, pois segundo Gil (1999, p.65) este tipo de pesquisa anseia “[...] permitir ao
investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que
poderia pesquisar diretamente.”
A pesquisa desenvolvida teve cunho social, que pode ser definida “[...] como o
processo formal e sistemático de desenvolvimento do método científico” (GIL, 1999, p. 42)
As observações aconteceram uma vez por semana no período matutino, totalizando
sete encontros. Observei, em sua maioria, situações de indisciplina junto à coordenação, e em
outros momentos nos espaços abertos e acompanhado um conselho de classe. A observação
direta permite também que o observador chegue mais perto da “perspectiva dos sujeitos”, um
importante alvo nas abordagens qualitativas. (LUDKE, 2006, p.26). Desse modo, utilizei esta
34
técnica de observação, que contou também com conversas informais com a equipe pedagógica
e com os alunos.
Este estudo de campo teve como objetivo desenvolver as observações com a finalidade
de compreender as causas da indisciplina escolar e os encaminhamentos dados nessas
situações por uma instituição de ensino da rede estadual da cidade de Florianópolis. Esta
pesquisa foi também exploratória de ordem qualitativa, definida por Neves (1996, p.1) como a
“obtenção de dados descritivos mediante contato direto e interativo do pesquisador com a
situação objeto de estudo”
Através dos relatos das observações realizadas junto à escola escolhida, buscou-se
relacionar os pontos principais e fundamentá-los na literatura especializada dando ênfase
àqueles que respondam as indagações iniciais, o foco deste estudo.
A Escola de Educação Básica pesquisada está localizada na Grande Florianópolis.
Tem por finalidade atender ao disposto nas Constituições Federal e Estadual e na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º 9394/96 e ministrar a Educação Infantil à 184
alunos, o Ensino Fundamental à 178 alunos e o Ensino Médio à 120 alunos, num total de 482
alunos, no ano letivo de 2012.
A população total dos bairros o qual atende é de aproximadamente quatro mil (4000)
habitantes, formada por pessoas de origem diversas, em geral de baixa renda, sendo que a
maioria é assalariada, contando também com desempregados e subempregados.
Segundo seu Projeto Político Pedagógico, a instituição é legalmente submissa ao
Estado. Antes de 1999, Projeto Político Pedagógico embutido era de autoritarismo, atividades
pedagógicas ricas e resultados positivos. Após 1991, existiu uma construção pedagógica com
entraves na rotatividade de pessoal. A parte financeira/administrativa/física/material e
recursos humanos encontra-se precária. A população alvo são alunos carentes e de classe
média. O papel da educação/escola é assistencialista, fisicamente mal projetada para função e
cumpre expediente. A organização escolar abrange os seguintes serviços: I - Direção; II -
Técnico Pedagógico; III - Técnico Administrativo; IV - Corpo Docente; V - Órgãos de
Cooperação.
35
4. DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
É melhor tentar e falhar, que preocupar-se e ver a vida passar.
É melhor tentar, ainda em vão, do que sentar-se, fazendo nada até o final.
Eu prefiro na chuva caminhar, que em dias frios em casa me esconder.
Prefiro ser feliz embora louco, que em conformidade viver.
(Martin Luther King)
4.1. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS DA PESQUISA
Observação 1 – 19/08/11
No dia 19 de agosto de 2011 foi meu primeiro contato com a Escola, e logo me
deparei com regras referentes à proibição de uso de aparelhos celulares, pautadas em lei, por
meio de cartazes colados e distribuídos pelas as paredes da recepção e corredores da escola.
Conversava com uma das coordenadoras quando fomos interrompidas por um policial
civil que nos questionou sobre o sumiço de um celular entre os alunos. A coordenadora
afirmou que o caso havia sido resolvido, dispensando assim o policial que foi embora da
instituição.
Questionei a coordenadora sobre os avisos colados na escola e que os alunos, era
evidente, não respeitavam. Tive a resposta de que não era possível fazer muita coisa,
simplesmente avisavam para não trazer celulares para não terem problemas referentes a
extravio, roubo ou quebra, porém poucos cumpriam essa determinação.
Nesse caso temos a regra que faz referência ao uso do celular com a finalidade de não
gerar maiores problemas à instituição e ao seu portador. A indisciplina é caracterizada pelo
não cumprimento das regras e, segundo Parrat-Dayan (2008), pode ser expressa de diferentes
maneiras como agir inadequadamente, fazer barulho e brincadeiras durante a aula entre
outros.
Em menos de uma hora fomos interrompidas novamente, dessa vez por um aluno que,
incrivelmente, tinha gravado a “guerra de bolinha de papel” em seu celular e nos mostrou o
que estava acontecendo na sua turma durante a aula de artes. O aluno reclamou frustrado,
salientando a falta de repreensão e de autoridade da professora, que até aquele momento não
havia retirado os alunos, que haviam infringido as regras de conduta, de dentro da sala de
aula.
36
Diante deste fato, infelizmente, não pude observar o que acontecia dentro da sala de
aula, mas logo me recordei de uma frase de Freinet (apud Xavier, 2002, p.27), que diz que “a
criança que participa em uma atividade de que apaixona, disciplina-se automaticamente”. Não
estaria na atividade proposta o fator do desrespeito/indisciplina durante a aula?
Conversei um pouco mais com o aluno A. Perguntei a ele como achava que a
professora deveria agir. Ele me disse que ela deveria gritar em sala de aula, exigir o respeito,
se impor, colocar os baderneiros para a rua para os pais saberem o que acontece com os filhos.
A fala do aluno A nos sugere a imobilidade, a qual o aluno cala e obedece ao
professor, e este deve decidir e punir. Guimarães (2003) descreve a escola, com o perfil que o
aluno expressou, como um “mundo a parte, fechado e protegido”:
Um mundo separado da vida, de ritos imutáveis, de silêncio e imobilidade,
onde os papéis de cada um já estão predeterminados: o aluno cala, escuta,
obedece, é julgado; o professor sabe, ordena, decide, julga, anota e pune. Um
mundo uniforme, de comunicação artificial onde só se admite falar bem. Um
mundo de punições [...] castigos. (GUIMARÃES, 2003, p.48).
Quando conversei com o aluno A senti, em suas palavras, um tom de frustração, de
desapontamento pela falta de imposição de respeito por parte da docente. Ele contou também
que nos colégios em que estudou anteriormente os professores se impunham muito mais em
sala e que era totalmente diferente. Alegou ser importante que o professor grite e se imponha
diante da bagunça. Disse que nunca foi posto para fora da sala e que desconhece os
procedimentos, mas acredita que essa ação minimiza a bagunça.
É importante manter os professores informados sobre o conteúdo do Projeto Político
Pedagógico (PPP) da escola, tendo em vista que, por meio dele, os docentes terão respaldo
para o exercício do seu trabalho perante as mais diversas situações, inclusive as que envolvam
indisciplina, pois ali estão dispostos normas, regras, direitos e deveres a serem cumpridos e
seguidos por todos os sujeitos que compõem a organização escolar.
De acordo com o Regime Disciplinar (parte que abrange o PPP da instituição
pesquisada), as sanções às situações e indisciplina deveriam se dar da seguinte maneira:
I- Advertência verbal no grupo pelo professor;
II- Advertência oral reservada pelo professor devidamente registrada no diário
de classe;
III- Advertência escrita na agenda escolar ou bilhete, endereçada aos pais ou
responsável pelo professor ou equipe pedagógica;
IV- Encaminhamento à Orientação e Direção, condicionando a sua entrada ao
comparecimento dos pais ou responsável (Regulamento Disciplinar de
37
acordo com P.P.P. da Escola e com o parecer n°299 do Ministério Público
do Estado de Santa Catarina.)
Também é importante informar os educandos a respeito de seus deveres, pois segundo
esse mesmo documento constitui dever do aluno “participar das atividades programadas e
desenvolvidas pela Unidade Escolar e toda atividade proposta pelo professor” (Inciso IV da
Constituição de deveres dos alunos de acordo com P.P.P. da Escola e com o parecer n°299 do
Ministério Público do Estado de Santa Catarina). Dessa forma, vemos que é essencial além de
deixar claro que existem os regimes disciplinares, pois existem determinados deveres a serem
cumpridos, esclarecer e dialogar a respeito deles, com a finalidade de informá-los, e porque
não também criar novas opções para revê-los e renová-los quando necessário.
Durante o intervalo, conversei com outro aluno, B, que me circundava curioso, e
perguntei a ele se já tinha sido expulso da sala. Respondeu positivamente, pois havia atendido
ao celular em sala de aula. Contou que foi encaminhado para a coordenação e lá ouviu que
não era para fazer mais isso e, segundo ele, permaneceu duas aulas sem fazer nada, pois não
pôde voltar para a sala. Durante esse período, ficou sentado, aguardando o tempo passar.
A técnica disciplinadora utilizada não ampliou o entendimento e nem o conscientizou
sobre a importância de modificar o ato realizado. Nesse caso, o aluno B atendeu ao celular
dentro de sala, provocou uma interrupção da aula e ainda infringiu a regra por portar o
telefone. Xavier et al (2002) comenta a respeito de seu acompanhamento ao grupo de estudos
a uma determinada escola que o que ocorre “não são propriamente problemas de disciplina,
mas de imaturidade, de postura”, assim, propiciar a conscientização é primordial.
Comentei sobre a regra de não trazer o celular para o colégio, e perguntei o que ele
achava. Ele me deu uma resposta imparcial, disse que não era nem bom e nem ruim. Era bom
poder ter o celular no colégio para casos de emergência e ruim porque o aparelho poderia ser
roubado. Parrat-Dayan (2008) aborda que existem características do conceito de regra:
[...] conceito de regra, é a de regularidade , isto é, algo que acontece de uma
maneira determinada e que deve ser repetido em qualquer circunstância.
Outro aspecto determinante da regra é o respeito que se tem por ela. As
regras morais estão associadas à justiça, à integridade dos outros e ao
respeito aos seus direitos. Mesmo quando não estão explicitamente
codificadas, elas são compartilhadas por quase todos os indivíduos. Essas
regras são adquiridas ao longo do desenvolvimento. As regras estabelecem
até onde se pode chegar e o que não se deve fazer em relação aos outros.
(PARRAT-DAYAN, 2008, p.32 grifo no original)
38
Verifiquei que a regra de não portar o celular no recinto da instituição deve ser uma
constante, deve ser respeitada, principalmente por ser uma regra moral que se refere ao
respeito aos demais colegas, pois a sua utilização atrapalha o andamento da aula e pode ser
um objeto propício ao roubo, extravio e/ou de brincadeiras inadequadas, porém, na escola a
sua utilização tornou-se uma prática comum e por isso pouco punida.
Estava conhecendo a parte física do colégio quando presenciei uma cena no corredor:
uma menina J. agarrando e batendo em dois meninos e a coordenadora segurando cada um
deles pelas roupas, pedindo para a menina parar. Todos foram encaminhados para uma sala.
Lá, a J. se manteve impaciente, deu socos no sofá, suas pernas tremiam, colocou a perna na
frente do amigo para ele tropeçar. Ela se levantou e correu para outra sala da coordenação,
onde abria e fechava a porta várias vezes, com força.
Ela só se acalmou quando lhe foi trazido o lúdico. Uma das coordenadoras colocou um
Pinóquio dentro de um saco e começou a lhe fazer perguntas para que adivinhasse o que tinha
tem ali. A coordenadora “falava” como se fosse o Pinóquio e a menina, pacientemente, sentou
e conversou com o boneco. Fiquei completamente surpresa, parecia outra criança.
Ela respondeu “ao Pinóquio” que os colegas estavam lhe xingando de “filha da p.” e
que a sua mãe tinha morrido fazia pouco tempo. Depois, fiquei sabendo que a mãe havia
falecido de overdose, o seu pai era ex-presidiário e os seus irmãos mais velhos eram
dependentes químicos. O pai chegou para buscá-la, disse que ela reclamava muito em casa
das chacotas feitas pelos coleguinhas e todos foram para outra sala.
Acredito ser importante conversar com a turma sobre um assunto tão sério como este,
explicar o que é a morte e que é um assunto que faz a colega sofrer. Vi também que, em
nenhum momento, houve uma conversa com os meninos que apanharam dela, pois, enfim,
xingaram a mãe dela falecida e ela agiu em defesa. Xavier et al (2002 p.61) comenta a
respeito da necessidade de “criar um laboratório de sensibilização, de socialização, de
humanização” diante de “subjetividades pautadas pela solidariedade e afetividade”.
Observação 2 – 26/08/11
No segundo dia de observação, permaneci na coordenação onde uma das
coordenadoras me explicou que lá trabalham três professoras, uma delas faz plantão
pedagógico e as outras duas atendem em casos de indisciplina, conversam com os alunos.
Disse que os professores adoecem em sala de aula e têm que ser readaptados para outras
39
funções, e foi isso o que aconteceu com essas pessoas que agora são coordenadoras. Tem
muitos professores doentes com o stress de sala de aula, depressão, agressão psicológica, e
muitos são readaptados em função da falta de respeito, falta de limites, de educação, os alunos
agridem verbalmente os professores, e utilizam-se do próprio Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) para enfrentar com desrespeito as ordens do professor.
O que ocorre diante de tal observação e / ou diálogo é a referência a uma questão de
adaptação, seja ela do professor ao aluno e/ou principalmente do aluno ao professor. Vemos
que é preciso estabelecer um determinado ajuste para as situações rotineiras, com a finalidade
de desenvolver uma melhor compreensão, organizar regras de conduta, modelar as propostas
de ensino a uma determinada sala, que permeie a relação professor-aluno. Souza (1999 p.128,
grifo no original) esclarece que:
[...] o processo de adaptação dos alunos à escola, e consequentemente suas
chances de sucesso, dependem da forma como as crianças lidam com o
modelo proposto pelo professor: se o compreendem e o aceitam, se o
compreendem e o rejeitam, se o compreendem mas o modificam em parte,
ou se não o compreendem porque esse não está claro.
Souza (1999, p.128) ainda comenta que não basta ter o “cuidado em proporcionar
conteúdos escolares significativos, mas também em estabelecer relações com os alunos em
que as expectativas e os papéis devem ser claros e compreendidos”, o respeito deve ser
respaldo ao início do primeiro contato do professor com os alunos e assim atender para as
significações estabelecidas nas relações professor- aluno. Dessa forma evitamos os mal-
entendimentos, mal-julgamentos, as agressões psicológicas, o stress desenvolvido, e as
doenças.
Os encaminhamentos nos casos de indisciplina na escola pesquisada são feitos da
seguinte forma: o aluno é levado até a sala da coordenação, dentro da sala dos professores. Lá,
a coordenadora conversa com a criança/adolescente, conscientizando-a sobre o acontecido, é
feito um relatório e a criança/adolescente lê e assina. Esse relatório é anexado aos demais
acontecimentos que o aluno já tenha na coordenação. Conforme o caso é encaminhado
bilhete aos pais, chamando-os para comparecer à coordenação e, dependendo da situação, a
criança/adolescente é encaminhada para a psicóloga do posto de saúde do bairro (PSC –
Programa de Saúde da Comunidade). Os casos graves de agressão são levados para a direção
e posterior Conselho Tutelar.
A coordenadora comentou que o grande vilão é a falta de comprometimento familiar,
e que muitos ali necessitam de amor, suas sugestões foram de parceria com a família,
40
valorização do aluno com melhorias da infraestrutura, ter mais profissionais na escola com
respaldo do Estado. Terminou dizendo que ali as crianças/adolescentes recebiam carinho, mas
muitas vezes, quebravam tudo, não tinham limites.
A família tem um papel fundamental na educação e, neste relato, destacou-se a
ausência dela como um dos fatores propulsores à indisciplina. A participação negligenciada
prejudica o desenvolvimento da educação moral, afetando relacionamentos e a convivência
dentro da escola. O autor Aquino (1996, p 46) nos relata que a “estruturação escolar não
poderá ser pensada apartada da familiar [e que estas duas] instituições são responsáveis pelo
que se denomina educação num sentido amplo”, dessa maneira o processo educacional
depende das articulações provenientes dessas duas intuições.
Logo em seguida presenciei mais um caso de indisciplina: dois alunos do 8º ano: um
xingou o outro de “negão”, que retrucou o xingamento com um chute.
Senti que no momento era necessário organizar as falas, pois os dois queriam falar ao
mesmo tempo, mas isso não aconteceu. O foco da conversa da coordenadora foi de que
nenhum tinha o direito de xingar e nem de chutar o outro. E assim, foi conversado a respeito,
conscientizado, feito o relatório, ambos assinaram, pediram desculpas um para o outro e
retornaram para a sala.
Observação 3 – 02/09/11
Na manhã da terceira observação teve o conselho de classe com o 4º ano e estavam
presentes uma coordenadora, a diretora, a professora da turma, os alunos e uma mãe.
De acordo com o Projeto Político-Pedagógico da escola (PPP, 2010) o conselho de
classe ocorre ordinariamente em cada trimestre, tem como objetivo avaliar e deliberar sobre o
processo ensino-aprendizagem na relação professor-aluno, aluno-escola, família-escola-aluno-
professor e os procedimentos adequados a cada caso. Tem em sua finalidade estudar e
interpretar os dados da aprendizagem na relação com o trabalho do professor, acompanhar e
aperfeiçoar o processo de ensino-aprendizagem, avaliar os resultados da aprendizagem do
aluno, propor medidas para diagnosticar as causas e sanar as deficiências, visando o
aproveitamento, integração e relacionamento dos alunos entre outros. Vemos que o
procedimento visa ampliar um caminho mais democrático dentro dessa instituição escolar
estadual pública, buscando sempre o espaço para uma avaliação coletiva dos acontecimentos
trimestrais, ouvindo a todos os envolvidos.
41
A coordenadora pediu aos alunos que sugerissem algumas mudanças, e eles
solicitaram livros literários novos para ler, banheiros melhores, um quadro em que se pudesse
enxergar melhor, lâmpadas, sala mais limpa, outras crianças reclamaram da bagunça em sala
de aula, uma delas disse que quando a professora sai da sala pedindo silêncio e ordem, eles
bagunçam mais ainda.
Nessas falas pode-se ver o quanto é importante estimular as crianças a reivindicarem
melhores condições para o ambiente escolar, fazendo-as entender que a mudança pode
acontecer a partir do seu pedido, da sua reclamação. Não só isso, elas também foram
estimuladas a falar sobre o que achavam que estava bom, que deveria continuar. As
modificações solicitadas pelas crianças foram, em resumo, mais material didático, melhor
estrutura e disciplina quanto à bagunça.
Verificamos aqui a conscientização delas a respeito da necessidade da disciplina,
relatando que a bagunça atrapalha o andamento da aula, dificulta o seu aprendizado e o dos
colegas. Garcia (2010, p. 08) comenta que “Em termos de disciplina, seria melhor trabalhar de
forma a estimular o melhor nos alunos, que dedicar-se a inibir aqueles que consideramos
indisciplinados. A educação [...] precisa estar relacionada a uma forma qualitativa sobre o
outro.”
A coordenadora ensinou como funcionava o trabalho do professor, explicando as
atividades que ele realizava. Questionou se as crianças entendiam bem a matéria, se a
professora repetia o conteúdo quando elas não entendiam. Explicou também que a professora
prepara as aulas antes, que ela estuda o conteúdo antes para depois apresentá-lo para eles.
Durante o período do conselho, as crianças ficaram inquietas e todas queriam falar ao
mesmo tempo, não esperavam o colega terminar de falar. A menina J. que a coordenadora
utilizou o recurso do Pinóquio para ouvi-la (observação 1), mais uma vez apareceu afobada,
querendo falar o tempo todo, desejando chamar atenção, não respeitando o que havia sido
combinado pela coordenadora no início do conselho.
A disciplina traz em si o respeito à relação com o outro. A menina J. se manteve
inquieta, e novamente tivemos a demonstração de que não foi desenvolvido o aprendizado
sobre noções de limite. Para Garcia (2009, p. 09) “[...] a inquietude revela ausência de noções
de limites na convivência com outras crianças. É como se isso representasse a sinalização de
um desenvolvimento ainda necessário à criança.”
Parrat-Dayan (2008, p.17) refere-se à disciplina como “um instrumento de iniciação
ao senso moral e representa um meio de educar o aluno [e também uma] maneira de
reconhecer o outro.”
42
Quando uma mãe começou a falar, todos, sem exceção, se calaram. Ela explicou que
era preciso cuidar com o olhinho, que era preciso prestar atenção, que a boquinha era para
ficar muitas vezes fechadinha e a orelhinha era para ouvir a professora. Foi incrível perceber
os olhos das crianças fixos na única mãe que se fez presente no conselho. Era um silêncio
incrível e muito respeitoso.
Com um olhar psicológico, Aquino (1996, p. 45) nos relata que a indisciplina é ligada
a determinantes psicossociais, “cujas raízes encontram-se no advento, no sujeito, da noção de
autoridade”. O reconhecimento de autoridade, no que diz respeito aqui à figura de mãe,
segundo esse autor, é uma infraestrutura psicológica moral anterior à escolarização, que aqui é
representado através do respeito.
Ao final, foi feita uma retomada sobre o que era preciso melhorar: prestar mais
atenção, respeitar a professora e os colegas, fazer menos bagunça, levantar o dedo pra falar,
arrumar banheiros, quadro e lâmpadas faltantes. A respeito dos banheiros, quadro e lâmpadas
foi explicado que o colégio depende do que é enviado pelo Estado, que é ele que mantém o
colégio. As crianças sugeriram escrever uma carta solicitando ao responsável.
Tal retomada final é uma forma de organizar os papéis de cada um, e também é vista
como uma maneira de prevenir a indisciplina, segundo Guimarães (2003, p. 128) “para os
alunos a solução estaria em organizar os direitos e deveres dos alunos e professores, em
colocar regras que deveriam ser seguidas.”
Observação 4 – 09/09/11
Nesse dia estava na sala junto com a diretora quando chegou a professora de Artes
relatando que estava tendo problemas de indisciplina com a turma do 8º ano. Os alunos
estavam fazendo guerra de papel e giz dentro da sala de aula. Quando nós três (eu, diretora e
professora) chegamos à sala, uma das alunas falou que chamaria a diretora caso a própria
professora não o fizesse, por isso, segundo a aluna, foi assim que a professora procurou a
direção.
Podemos encontrar nesse fato a figura do professor fragilizado, a aluna se sentiu
ofendida com a bagunça dos seus colegas, e vendo que o sujeito detentor da autoridade, o
professor, mantinha-se submisso, ela mesma ordenou que o professor tomasse as medidas
cabíveis para a situação. Geralmente, estamos acostumados a ver o professor sendo a
referência de autoridade, segundo Aquino (1996, p. 43) “temos diante de nós um novo aluno,
43
um novo sujeito histórico, mas, em certa medida, guardamos como padrão pedagógico a
imagem daquele aluno submisso e temeroso.”
A diretora pediu para que a professora apontasse os bagunceiros, e ela o fez com um
aspecto facial de medo, e eles logo retrucaram colocando a culpa em outros alunos. Todos
falaram juntos e a situação pareceu fugir do controle.
Achei que esse procedimento, além de expor a professora, deixou os alunos ainda mais
irritados com a “delação”, talvez uma saída, fosse, eles mesmos se apontarem, tirando do foco
a figura do professor já fragilizada.
A diretora se ausentou e eu permaneci em sala. A professora solicitou que varressem a
sala devido à bagunça, um dos alunos, que pouco teve a ver com a situação, varreu o chão e
os demais ficaram gozando dele, chamando-o de faxineiro. Ele respondeu que não tinha nada
a ver, que estava varrendo, pois não era “porco”. Os alunos durante todo o tempo falavam
palavrões e se insultavam.
Bateu o sinal para o intervalo, todos saíram e a professora (de artes) foi até a direção
reclamar que como teve que substituir um professor havia faltado, teve duas aulas seguidas
com a turma do 8º ano e o único material que tinha disponível era papel pardo e lápis. Então
pediu para que eles desenhassem alguma coisa em um pedaço quadrado do papel e, ao final da
atividade, eles bagunçaram e não quiseram limpar a sala (pois já estava suja antes e no
momento mais suja ainda com restos de lápis no chão).
Essa situação observada nos remete ao papel do professor, que nesse caso substituiu a
ausência do outro, sem planejamento e ainda com escassez de material, não havendo um
respaldo mínimo para dar uma aula de qualidade. Freinet (apud Xavier 2002, p.27) nos orienta
que “organizai o mais minuciosamente possível o trabalho-jogo na vossa escola: ao mesmo
tempo solucionareis o problema da disciplina”. Organizar a escola, organizar o trabalho é
essencial, ninguém quer ir para uma aula que não tenha sido organizada, planejada,
estruturada, não há paciência e muito menos aprendizado. Verificamos o material: papel
pardo e lápis de cor para 8º ano, professora substituindo a falta de outro, fica claro que não
houve planejamento.
Em conversa com a professora do 4º ano, perguntei para ela se teve alguma
repercussão o conselho de classe da semana passada, e ela me relatou que os alunos que antes
não se expressavam agora estão bem mais participativos, os cadernos estão muito mais
organizados e que eles mesmos estão se cobrando quanto à bagunça e a conversa paralela.
A conversa com a finalidade de conscientizar é levada a sério e produz mudanças
positivas para o andamento da aula. Segundo Souza (1999 p.127), a “conversa e alguns tratos
44
estabelecidos com os alunos referem-se ao desenvolvimento de valores, hábitos e atitudes, tais
como honestidade, sinceridade, responsabilidade e cooperação”, que ainda se relacionam com
o incentivo à “capacidade de argumentar e dialogar”
Observação 5 – 23/09/11
Na quinta observação, busquei coletar informações junto à coordenação sobre os
encaminhamentos e os registros de processos disciplinares.
Na escola há livros de registros divididos por séries, em que consta o nome completo
do aluno, turma, turno. Em um espaço deve ser escrito um parecer descritivo da situação, ali é
relatado o acontecimento e a conversa realizada pela coordenadora, seguida de uma afirmativa
de que o aluno concorda em mudar o seu comportamento e sua assinatura.
Continuei a pesquisa e verifiquei que existem alguns procedimentos de sanções, porém
todos eles são julgados por quem atende a ocorrência, sem base em um documento orientador,
isso significa que a sanção depende da coordenadora que atenderá determinada situação
(atualmente, como já foi mencionado, a escola conta com três coordenadoras no período
matutino). Sendo assim, a equipe pedagógica é constituída por: uma diretora, uma assistente
técnica pedagógica e três coordenadoras.
Os procedimentos são organizados por ordem crescente de gravidade:
1º. Registrar o aluno em uma ficha, juntamente com o acontecido e conversado;
2º. Enviar bilhete com o ocorrido comunicando aos pais sobre o incidente;
3º. Aluno deve retornar ao colégio com a presença dos pais;
4º Encaminhar o aluno para acompanhamento psicológico com profissional da área no
posto de saúde;
5º. Encaminhamento ao conselho tutelar;
6º. Expulsão.
Ao verificar o Projeto Político Pedagógico, os direcionamentos definidos são outros.
A prática do dia a dia é diferente da que está expressa no documento que respalda a
organização do colégio. Porém, não é objetivo desta pesquisa analisar ou discutir os
documentos, mas sim observaras características da indisciplina e os seus encaminhamentos. O
Regime Disciplinar aos Alunos está definido da seguinte maneira:
DO REGIME DISCIPLINAR AOS ALUNOS:
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I- Advertência verbal no grupo pelo professor;
II- Advertência oral reservada pelo professor devidamente registrada no
diário de classe;
III- Advertência escrita na agenda escolar ou bilhete, endereçada aos pais
ou responsável pelo professor ou equipe pedagógica;
IV- Encaminhamento à Equipe Pedagógica e Direção, condicionando a sua
entrada ao comparecimento do responsável pelo aluno;
V- Suspensão através de retirada da classe, com imposição de execução de
atividades, no ambiente da escola. (Regulamento Disciplinar de acordo com
P.P.P. da Escola e com o parecer n°299 do Ministério Público do Estado de
Santa Catarina.
Ao observar as fichas dos alunos com as ocorrências e analisar as suas sanções, pude
perceber que eram divididas da seguinte maneira:
Tabela 1: Tipos de indisciplina X Sanção
Tipo de indisciplina Sanção
Brigas, discussões, atrasos,
conversa paralela, bagunça
era feito o registro e conversado
com o aluno.
Fuga ligação para os pais e
conscientização sobre a ausência
Briga com agressão física grave,
repetições de desrespeito ao corpo
docente, não cumprimento às
regras do colégio
era feito o registro e conversado,
enviado bilhete para os pais
conscientizando e solicitando a
presença deles na escola
Ameaça com faca,
descomprometimento,
desinteresse, não aceitar as regras,
palavras agressivas ao professor,
depredação de móveis
era feito o registro e conversado,
enviado bilhete para os pais
conscientizando, solicitando a
presença deles na escola e
encaminhamento ao clínico geral
do posto de saúde do bairro, e após
ao psicólogo do mesmo.
Fonte: Diário de campo
Observação 6 - 30/09/11
No dia 30 de agosto de 2011, foi minha sexta observação, nesse dia sentei com uma
das coordenadoras e comecei a fazer as perguntas do questionário que havia elaborado,
porém, de uma maneira informal, pois éramos interrompidas diversas vezes.
46
Era visível um certo desconforto por estar coletando informações sobre indisciplina,
assim como retrata a autora Fortuna (2002), que vivenciou uma experiência parecida, onde
convidou setenta e cinco (75) professoras e somente quinze (15) se dispuseram a participar de
sua pesquisa acerca de disciplina e indisciplina. Quando abordamos esse tipo de assunto,
sugerimos um diálogo sobre o tema, ocorre um retraimento por parte daqueles que o integram,
que os vivenciam. Não que a indisciplina não exista ali, mas porque temos um baixo índice de
professores dispostos a falar sobre o assunto com certa tranquilidade.
A formação dela era em letras e literatura, e estava no colégio há vinte e nove (29)
anos, durante quinze (15) anos lecionou, oito (8) anos esteve na direção como vice-diretora e
há seis (6) anos exerce a atual função de coordenadora. A função de coordenadora lhe foi
ofertada por ser readaptada e porque quando foi vice-diretora teve contato com as questões
pedagógicas relacionadas à indisciplina.
Para essa coordenadora, o conceito de indisciplina é tudo o que foge às normas, aos
contratos de convivência, aos acordos. Da mesma forma, encontramos em Parrat-Dayan
(2008, p.21) que a indisciplina é o “desrespeito às normas elementares de conduta”. Aqui
verificamos o que a coordenadora entende por indisciplina, e esclarecemos que o
entendimento sobre o fruto da pesquisa estudada está de acordo com o que foi pesquisado.
Os conflitos de indisciplina, segundo a coordenadora, têm origem em questões sociais,
inadequação da escola a essa questão social, nas propostas, no trabalho pedagógico e no tipo
de aula, de exigência requerida. Relatou que um aluno xingou a professora, a mãe foi
chamada, mas mesmo assim a professora se negava a dar aula para o menino. Ela julga isso
como intolerância, intransigência por parte do professor, e que, muitas vezes, o docente não
participa de acordos de relacionamento, e usa os seus próprios princípios, não vendo que a
escola tem acordos e que são para todos. Analisando o seu entendimento acerca da origem,
verificamos que ela faz observações sobre a sociedade e sobre a própria escola, extinguindo a
figura da família. Garcia (2010) reúne as formas de indisciplina em dois grupos: um que faz
referência à escola e outro à sociedade, e dá exemplos:
[...] a violência social, a influência da mídia e o ambiente familiar. Sob a
perspectiva dessas causas, a indisciplina na escola seria reflexo de questões e
conjunturas mais amplas que atravessam a sociedade, [ e o no ambiente
escolar os exemplos de:] qualidade do currículo, a relação professor- aluno, a
motivação do aluno, bem como a própria clareza quanto à disciplina
esperada em sala de aula. (GARCIA, 2010. p. 07)
47
As formas de indisciplina que vivencia são física, verbal, emocional e outras que não
soube relatar. Os encaminhamentos são o registro, a conversa com o aluno, o bilhete aos pais,
presença dos pais no colégio. Nessas diretrizes, geralmente a conversa, quando o aluno
compreende o que originou o ato de indisciplina, é mais fácil, mas, às vezes, o aluno chega à
coordenação com uma situação muito séria e grave, e depois ao entender o que o levou àquele
procedimento consegue-se “desmanchar o nó”. A conversa é interessante e tem resultado mais
positivo. Por exemplo, ela relata a mudança disciplinar, em que F. quebrou mesa, jogou
cadeira, verbalizou que os professores eram arrogantes e a mãe falava isso também. Foi feito
um trabalho junto com a família, retratando os sentimentos, pontos de vista sobre que ele
tinha da escola e que os profissionais da escola tinham dele, e ocorreu uma mudança de
postura do aluno. Ele já consegue ouvir e controlar os seus impulsos. De acordo com a
coordenadora, a postura do menino era reflexo de uma imagem passada pela família, de uma
escola resistente. A grande influência da família sobre o comportamento do aluno está bem
claro aqui, e como um dos grandes vilões, a delegação de autoridade da família à escola está
pautada nesse relacionamento. A família deve incentivar ao estudo, ao respeito, a obediência à
escola, assim como Taille (1999, p. 17) se refere:
[...] de início a obediência das crianças a seus professores depende
essencialmente de um fator básico: a delegação de autoridade dos pais para a
escola [pois...], a criança tenderá a obedecer a seus professores porque os
pais lhe dizem que deve fazê-lo.
Os encaminhamentos ao conselho tutelar ocorrem quando há negligência familiar. Em
outra instância, serve para dar “uma acordada” na família, que delega à escola o limite que
não consegue dar em casa. Porém, a escola também não consegue solucionar tais conflitos,
então o conselho interfere trazendo consequências maiores para os responsáveis legais pela
criança/adolescente.
Observação 7 – 07/10/11
No dia 07 de outubro de 2011, realizei a sétima e última observação na Escola. Nesse
dia tentei dar procedimento às entrevistas de forma explícita com gravador, porém todas as
coordenadoras mostraram-se indispostas e muito receosas em fazê-la.
Permaneci na sala de coordenação, e logo em seguida foram trazidos três meninos por
uma das coordenadoras (1), e uma segunda coordenadora (2) os atendeu. O ocorrido foi que
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um deles havia tropeçado e caído, os outros dois riram dele o segundo gritou para o terceiro L.
que chutasse enquanto estava no chão.
Nessa situação fica claro que esses meninos não desenvolveram plenamente a noção
de educação moral, segundo Aquino (1996 p.45), alguns alunos carecem de “determinados
parâmetros morais apriorísticos, [citando exemplos de alunos acometidos por]
agressividade/rebeldia, ou apatia/indiferença, ou, ainda desrespeito/falta de limites – eventos
estes quase sempre representados como supostos índices de insalubridade moral”, é o que
verificamos nesses relatos.
A coordenadora 1 iniciou a conversa com eles, que se mantinham cabisbaixos.
Durante várias vezes ela utilizou expressões mais apuradas como: - “O que te dá o direito de
se aproveitar de uma pessoa que está em situação de fragilidade?”; -“Quando estamos
convivendo socialmente é preciso desenvolver relação honesta, a agressão não se justifica
sob hipótese nenhuma!”. Solicitou que a criança olhasse nos seus olhos sem rir. Durante a
conversa ela repetia algumas vezes a mesma informação, com a finalidade de despertar a
consciência a respeito do ocorrido.
A conversa com a finalidade de despertar uma consciência para desenvolver a
mudança de comportamento foram os direcionamentos que deram mais resultados positivos
durante as observações. Seguindo a mesma linha de pensamento, Fleuri (2008, p.26) salienta
que “a sanção disciplinar não funciona meramente como coação, mas como um sistema duplo
de gratificação-castigo. Aliás, as recompensas tendem as ser mais freqüentes, de tal forma que
estimulem os recalcitrantes a se adequarem às normas”. No caso em questão, a coação pouco
produziria a finalidade desejável, de conscientizar para a mudança de postura, e dessa forma a
conversa não se torna um castigo e sim uma recompensa que permite e estimula a adequação
consciente às regras de convívio.
Em outro momento, ela fugiu do foco, lembrando de uma conversa que teve com um
dos meninos no passado. A criança começou a falar, mas a coordenadora o interrompeu,
repetindo a frases novamente e em seguida fez com que ele refletisse se colocando no lugar
do colega caído. Solicitou novamente que ele olhasse nos olhos dela para responder, e o
menino responde que não tinha feito o correto.
A coordenadora 2, que os trouxe, decide interromper e pede orientações sobre o
ocorrido. A coordenadora 1 responde dizendo que G. falou para o L. chutar C.. Nesse
momento, G. tentou se defender. Então, a coordenadora 2 aumentou a voz e pediu silêncio
para que pudesse ouvir os outros dois. Ela iniciou dizendo que G. tinha uma mania que
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precisava ser mudada, que ele não reconhecia o que faz de errado. O G. se altera e a
coordenadora 2, também alterada, pede para ele não começar a gritar.
Durante o ocorrido faz-se necessária a legitimação da autoridade por parte da figura da
coordenadora, organizar a situação, escutar o fato ocorrido e direcionar para a solução, estava
nas mãos da coordenadora. Segundo Taille (1999, p.10), a autoridade é assim declarada como
tal “quando seus enunciados e suas ordens são considerados legítimos por parte de quem ouve
e obedece”
A coordenadora 1 continuou questionando: -“Vocês estão aqui por nossa causa? Um
deles responde, que não”. E ela complementa: -“então é melhor cada um reconhecer o que
fez de errado, porque a partir daí podemos ter mudança.”
–“Por que você G. gritou para o outro L. bater n o C.?”. Perguntou a coordenadora 1,
e um dos meninos reponde: - Porque ele tinha folgado comigo!.
Em outro momento todos começaram a falar juntos, a coordenadora 2 tenta encontrar
em um livro anotações sobre passagens anteriores de todos eles, não encontrando, ele
pergunta quem já teve na coordenação.
A coordenadora 1 finalizou dizendo que elas não gostariam que eles tivessem se
envolvidos nessa agressão, que o C. foi chutado e isso é muito sério, e que queriam que
reconhecessem o erro e se colocassem no lugar do agredido para perceberem o quanto a
atitude deles foi ruim.
Em um dado momento, a coordenadora 2 voltou-se para G. e começou a conversar
sobre as passagens dele pela coordenação: -“Você se lembra de quando chegou aqui no
colégio e fazia coisas das quais achava que não estava errado e a gente conversava quase
todo dia e você mudou bastante as suas atitudes?”. Dizendo a ele que seu comportamento
estava bem melhor, que se ele conseguiu superar as dificuldades de relacionamento e de
destruição do patrimônio do passado, ele conseguiria superar mais esse episódio, para isso
seria preciso respeitar. Salientou que o nosso respeito não deve estar condicionado que os
outros nos respeitem, devemos respeitar e ponto, e as pessoas que não respeitam vão arcar
com as consequências dela. Continuou dizendo que ele não podia fazer justiça pelas próprias
mãos, porque existem regras. O elogiou dizendo: -“Você é um valente, um vencedor, você
conseguiu superar muita coisa no passado, e é outra pessoa hoje, mas de vez em quando é
preciso cuidar com o gritar com as coordenadoras, mas agora tu vai fazer um esforço pra
respeitar, não é mesmo?!.”
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Finalizaram dizendo: -“ É preciso pedir desculpas com sinceridade, e zeramos isso
agora. Chutar, mandar chutar, não faz mais parte da tua vida, ok, é respeito!”. O ocorrido
foi marcado no livro de registro, onde todos assinaram.
Conscientizar através das sanções é o diálogo que Garcia (2010) apresenta como fator
para “constituir caminhos de retorno ao processo de ensino- aprendizagem”, estar sinalizando
aos alunos que “certos limites precisam ser respeitados” é retornar à convivência plena com
respeito ao próximo.
A conversa como um subsídio às sanções, geralmente, é uma forma produtiva de
desenvolver a conscientização dos atos de indisciplina, porém deve ser feita de maneira
organizada. É fundamental organizar os pensamentos e as falas de todos para uma clara
compreensão, que poderá abrir portas para uma mudança significativa de comportamento.
4.2. ANÁLISES DOS DADOS DA PESQUISA
Uma vez por semana, nas manhãs de sexta-feira, durante aproximadamente três meses,
observei as situações de indisciplina e os encaminhamentos dados em uma Escola de
Educação Básica, localizada na cidade de Florianópolis (SC). Durante esse tempo, pesquisei
diferentes documentos da escola, tais como: regime disciplinar dos alunos, livro de
encaminhamentos de indisciplina, direitos e deveres dos alunos, projeto político pedagógico,
acompanhei um conselho de classe e algumas aulas. Diante de tudo o que vi, li e escutei posso
fazer as seguintes análises:
A escola é pública e estadual, atende a população dos Bairros José Mendes e Morro da
Queimada, sendo uma população de baixa renda, onde a maioria é assalariada. A instituição
sofre com uma grande escassez de funcionários, infraestrutura e de materiais, por se tratar de
uma escola mais antiga é urgente suprir essa necessidade, de forma à dar subsídios à
escassez, seja ela financeira, contratual, estrutural.
Com as observações percebi que nessa escola existem regras bem definidas e claras
quanto as suas especificidades, como podemos citar o caso da utilização do celular dentro do
recinto escolar, segundo o relato da observação 1 do diário de campo. A situação ocorrida, o
sumiço de um aparelho, sendo preciso chamar a polícia para intervir, não foi o bastante para
impedir a reincidência da ação. Na mesma manhã, outro aluno utilizou o seu celular para
filmar a bagunça que estava ocorrendo na sala de aula. Há a regra, há consciência da sua
importância, porém não vemos a autoridade que a exige. Nos momentos propícios, como
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estes, ninguém chamou a atenção dos alunos para o cumprimento da regra, nem para aquele
que gravou, nem para aquele que sofreu o extravio.
Quanto à bagunça em sala, pude observar que em uma das aulas, a professora, tomada
de surpresa, teve que substituir outro professor que havia faltado, porém a aula, como se pode
imaginar, foi só para manter as crianças ocupadas, não teve planejamento e a professora não
contava com materiais que se adequassem a um assunto para aquela série, tanto que a
professora improvisou, utilizando papel pardo e lápis de cor. (Diário de campo, observação 4).
Em outra ocasião e em outra turma, o domínio de classe para um melhor
desenvolvimento do ensino-aprendizado foi exigido por um aluno. Quando ele apresentou à
coordenadora as filmagens do seu celular da bagunça da “guerra de bolinha de papel” que
ocorria em sua sala, ele ainda permanecia frustrado com a falta de repreensão e de autoridade
da professora que não havia retirado os alunos, que haviam infringido as regras de conduta, de
dentro da sala de aula (observação 1).
Vimos então a figura de duas professoras fragilizadas pela exaustão e frustração. Não
podemos negligenciar a autoridade que é necessária para sermos professores, porém sem a
imposição do autoritarismo em busca de corpos imóveis e silêncio absoluto.
As sanções realizadas durante toda a observação tiveram sucesso em casos que se
tornou possível desenvolver a conscientização por meio da conversa. Em outros, verificou-se
que dialogar com o aluno sobre o caso em questão e deixá-lo ocioso após o incidente, pois ele
não pode retornar à aula (observação1), não é visto com “bons olhos” pelos alunos. Estamos
analisando que é preciso ocupá-los de forma a desenvolver a educação moral, se for o caso da
pós-sanção.
Nas conversas realizadas, que anseiam desenvolver a conscientização dos atos
indisciplinados, é necessário igualar a forma de comunicação de acordo com a idade, para que
a criança ou o adolescente consiga compreender o significado das palavras e,
consequentemente, da mensagem. Segundo o diário de campo em que cito a fala da
coordenadora:
Durante várias vezes ela se utilizou de expressões mais apuradas como: - “O
que te dá o direito de se aproveitar de uma pessoa que está em situação de
fragilidade?”; -“Quando estamos convivendo socialmente é preciso
desenvolver relação honesta, a agressão não se justifica sob hipótese
nenhuma!. (DIÁRIO DE CAMPO, OBSERVAÇÃO 7)
A utilização farta de expressões com palavras mais complexas, utilizadas pela
coordenadora, tende a aumentar ainda mais a distância entre o aluno e a coordenadora,
52
fortalecendo uma hierarquia, pois, ao utilizar expressões que o outro talvez não compreenda,
dificulta uma possível conscientização para a mudança de atos indisciplinados. O uso de
expressões de fácil entendimento, além de facilitar a conversa, é algo mais democrático, como
defende a instituição.
A conversa realizada na observação 7, também foi pautada, em um dado momento,
sobre elogios à mudança de comportamento já ocorrida pelo aluno, fator fundamental para
que ele se sinta confortável e motivado a continuar aprendendo a se educar moralmente, com
a finalidade de aprimorar os relacionamentos para com os demais, conforme observado na
fala da coordenadora:
[Ela] O elogiou dizendo: - “Você é um valente, um vencedor, você conseguiu
superar muita coisa no passado, e é outra pessoa hoje, mas de vez enquanto
é preciso cuidar com o gritar com as coordenadoras, mas agora tu vai fazer
um esforço pra respeitar, não é mesmo?!”.
Finalizaram dizendo: - “É preciso pedir desculpas com sinceridade, e
zeramos isso agora. Chutar, mandar chutar, não faz mais parte da tua vida,
ok, é respeito!”. (DIÁRIO DE CAMPO, OBSERVAÇÃO 7)
Nas sanções indisciplinares realizadas, há uma brecha para a impunidade, pois há uma
tendência a julgar sem ouvir antes todas as partes. O aluno que é indisciplinado, e que possui
já esse “selo” por ter passagens anteriores, nem sempre é ouvido com o mesmo carinho e
atenção que os demais. É importante ouvir democraticamente a todos, para que dessa forma,
enquanto coordenadores e juízes, consigamos encaminhar a conversa para uma mudança
positiva e significativa. É importante também, em casos específicos como a situação da morte
da mãe de uma aluna (observação 1), estar trabalhando esses valores em sala de aula, unir o
trabalho da coordenação com o da professora. Isso é educação moral.
Uma das resoluções de situação de indisciplina que mais me chamou a atenção durante
o período de observação foi a utilização do lúdico para conseguir saber o que estava causando
a inquietação e agressividade da criança (observação 1). Pude perceber que o lúdico tem
muito poder, em determinadas situações, sobre algumas crianças específicas, de acordo com
suas respectivas idades (seja ela física ou mental), para lidar com traumas, nesse caso a morte.
As sanções e seus direcionamentos observados algumas vezes foram distintos dos
encontrados em documentos que regem o caminhar do cotidiano da escola. Na prática, as
sanções, às vezes, obtém sucesso e em outros não, porém o que está na teoria, ou seja, em
seus documentos, pouco conhecemos se seriam de grande valia no que fora observado.
Presenciei um conselho de classe (observação 3), que foi muito produtivo e
proveitoso, e o melhor, democrático. As crianças foram ouvidas, os professores foram
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ouvidos, uma mãe (diga-se de passagem, a única mãe que pôde estar presente) foi ouvida.
Chamou-me atenção a maneira respeitosa com que eles se comportaram quando a mãe de uma
das crianças falava, foi um momento de silêncio absoluto diante das palavras daquela mãe:
“Ela explicou que era preciso cuidar com o olhinho, que era preciso
prestar atenção, que a boquinha era para ficar muitas vezes fechadinha
e a orelhinha era para ouvir a professora." (DIÁRIO DE CAMPO,
OBSERVAÇÃO 3)
Definitivamente para o aluno, a família ou qualquer membro que a compõe tem
grande, se não extrema, importância na sua educação. A família precisa estar cultivando e
direcionando sua prole a desenvolver uma educação moral. Através do conselho da mãe,
houve mudança no aspecto disciplinar da turma. Agora, os próprios alunos se cobram
mutuamente quanto aos afazeres do cotidiano. Ouvi-los em suas angústias, estar atento ao que
é proposto, negociar, estabelecer limites e regras com eles próprios desenvolve a
prosperidade, respeito e o sucesso do aluno e do professor.
Durante a manhã da observação 4, pude perceber que os adolescentes comunicavam-se
entre si através de palavras ofensivas, palavrões, insultos, no meio de muita risada
desrespeitosa. Rapidamente nos passa em mente o fato de serem adolescentes de um bairro de
baixa renda, onde a comunicação ocorre por meio de muitas gírias, mas nada pode tirar a
indagação sobre que sujeitos estamos criando, sem a noção básica de educação moral do
respeito ao próximo, culpa de quem? Escola, família ou sociedade? Todos deixaram uma
brecha, um vazio que terá repercussão por uma vida inteira.
Nos diálogos, a referência à família que negligencia e a sociedade que corrompe a
educação são constantes. É fato que temos uma ruptura na instituição familiar causada pela
constante transformação da sociedade, o capitalismo, a inserção da mãe no mercado de
trabalho, a influência da mídia no comportamento humano, a desvalorização dos
relacionamentos, aumento da violência, são tantas as mudanças que ocorrem dia após dia na
nossa sociedade que se torna impossível encontrar aquele determinante que influencia nossas
crianças e seu comportamento arredio na educação escolar.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda assim plantaria a
minha macieira. O que me assusta não é a violência de poucos, mas a
omissão de muitos. Temos aprendido a voar como os pássaros, a nadar
como os peixes, mas não aprendemos a sensível arte de viver como irmãos.
(Martin Luther King)
O tema indisciplina sempre me chamou a atenção. Queria muito compreender como
seriam os encaminhamentos dados aos atos indisciplinares, cometidos em um ambiente
escolar cuja gestão fosse democrática. Por esse motivo, procurei a Escola, que é uma das
poucas instituições públicas estaduais de Santa Catarina que tem a característica democrática.
Porém, durante minhas observações, as situações de indisciplina me despertaram muito mais
curiosidade que a própria gestão democrática, por isso me dediquei apenas a estudar a
indisciplina escolar.
Durante o processo de observação, estive mais tempo junto às coordenadoras
observando as situações e acompanhando seus encaminhamentos, mas também circulei pelos
diferentes espaços da instituição: pátio, corredores e salas de aula. Acompanhei ainda um
conselho de classe. A observação foi direta permitindo assim observar mais perto da
“perspectiva dos sujeitos”, ato importante nas abordagens qualitativas (LUDKE, 2006).
Durante os dias em que estive na escola, pude investigar a indisciplina, consultei o
projeto político pedagógico, e ali verifiquei as normas escolares e diretrizes previstas para
situações que envolviam indisciplina. Observei o cotidiano por sete dias, e durante aquele
período pude analisar as relações dos alunos com a coordenação pedagógica, seus registros, as
estratégias utilizadas para resolver e minimizar as questões relacionadas à indisciplina dos
alunos e acompanhei os procedimentos e encaminhamentos dados aos alunos em situação de
indisciplina.
Quando tive acesso aos documentos que visavam direcionar o andamento da
instituição, que estão propostos no projeto político pedagógico, logo percebi que os
encaminhamentos para situações indisciplinares eram distintos daqueles observados na
prática. As normas escolares, no que diz respeito a deveres e direitos dos alunos, eram claras,
no entanto sempre houve a ausência de uma pessoa que a cobrasse.
Nas situações de sanções, o corpo pedagógico tenta sempre buscar a democracia,
principalmente através das conversas, buscando alternativas para fazer com que as crianças
falem e se exponham sobre as ocorrências indisciplinares, porém algumas vezes são feitas
55
com palavras de difícil entendimento e complexas que os alunos não compreendem e acaba
fugindo do objetivo.
Nas situações de indisciplinas observadas, a escola buscou, ao máximo, resolvê-las
dentro do ambiente escolar, caso não surtissem efeito eram chamados os pais, encaminhados
(crianças e/ou pais) ao acompanhamento psicológico e, como última alternativa, era acionado
o conselho tutelar. Em um caso específico, um suposto roubo de celular, presenciei a chegada
da polícia à escola. Mas ela logo foi liberada.
As sanções aplicadas aos alunos que cometeram atos indisciplinares foram baseadas,
em grande parte, na conversa. Abro um espaço para sugerir com ousadia, para o alunos que
não irão retornar à sala de aula, devido a uma situação de indisciplina, ocupá-los com serviços
de voluntariado no espaço físico do colégio, já que existe uma precariedade na instituição e
pode ser de grande valia o auxilio nos pequenos afazeres do cotidiano como organizar
materiais, ajudar na limpeza, realizar pequenas reformas, jardinagem, auxiliar na biblioteca
etc.
Analisando o que foi vivenciado na instituição, por poucos momentos, conclui que a
educação moral antes ensinada por aqueles que compunham a família vem sendo delegada à
escola, sendo esta a responsável também por desenvolver outros aprendizados e
conhecimentos, por isso ocorre uma sobrecarga de responsabilidades e de tarefas. A escola
deve permanecer se capacitando, apostando no diálogo para desenvolver uma consciência
apta para a mudança de comportamento.
É difícil encontrar um único fator que origine a indisciplina, pois como já foi afirmado
é composta por diferentes laços: sociais, familiares e pedagógicos. A sociedade precisa estar
aberta para rever os caminhos que nós, enquanto parte deste todo, estamos tomando, passando
a respeitar o outro e o bem que não é seu. A família precisa cumprir o seu papel, impondo
limites, dizendo “não” quando necessário, criar laços de respeito e participação junto à escola.
Em contrapartida, a escola precisa adaptar constantemente o seu currículo à realidade,
capacitando os seus integrantes e planejando a chegada de novos alunos e a permanência
destes e daqueles que ali já se encontram.
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