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66 TERRA 100 ANOS DA IMIGRAÇÃO JAPONESA O passado, o presente e o futuro da imigração japonesa VIDAS PASSAGEIRAS

100 Anos Imigração Japonesa

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em Assaí, no Paraná, a cidade mais oriental do Brasil POR LEO NISHIHATA, de Assaí

FOTOS DE MAURICIO DE PAIVA

Lanternas enfeitam a praçana festa de aniversário da

cidade paranaense. O velhotaxista tem saudade

dos tempos em que haviamuito mais movimento

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ishihata wa, kawateru miyoji?”Sabia que isso iria acontecer. A primeira coisa queos idosos de origem japonesa perguntam para al-guém da mesma etnia é pelo sobrenome, emen-dando na seqüência um rápido teste de proficiên-

cia no idioma. Olho desesperado para o filho do meu inter-locutor, que traduz: “Nishihata, sobrenome diferente, né?”.Realmente, meu sobrenome é raro, único entre 1,2 milhãode descendentes no Brasil. Em Assaí, cidade do norte doParaná onde 14% dos 20 mil habitantes possuem ascen-dência japonesa, nunca houve nenhum Nishihata. Mais queisso: quase não há descendentes com a minha idade, ape-nas um enorme vácuo entre crianças e velhos. Para piorar,não falo uma palavra de japonês. A sensação de estranhezaé total, sinto-me como o mais fajuto de todos os sanseis.Mas eis que, como mágica, o monge budista Takanori Imaidiz em português razoável, cheio de sotaque: “Já conhecium Nishihata em Tupã, muito tempo atrás”. A ficha cai: émeu avô, só pode ser meu avô, o falecido Bunji Nishihata,comerciante nessa cidade do noroeste paulista nos distan-tes anos 1950. Explodo de entusiasmo, descrevo em ritmovertiginoso a história da minha família, enquanto o mongeme ouve tranqüilo, calado, com um sorriso que parecia di-zer “calma, rapaz, eu sei que você é um dos nossos”.

Assaí é assim. Um resquício do passado distante, umtanto hermético, mas que surpreende e emociona ao dia-logar com o presente. Uma experiência muito mais intensado que passear pelas ruas da Liberdade, em São Paulo, porexemplo. Pois se o famoso bairro oriental da capital paulistamarca a presença japonesa nas grandes cidades, Assaí res-gata uma época anterior, comum a todas as famílias de imi-

grantes, quando os navios desembarcavam trabalhadoresdireto para as fazendas de café e algodão.

A cidade surgiu em 1932, quando as levas vindas do Ja-pão desde 1908 já haviam acumulado economias suficien-tes para adquirir terras. Nos arredores da cidade de Jataí, a40 quilômetros de Londrina, o solo era coberto por perobasque hoje só são encontradas nas casas de madeira erguidasem regime de mutirão, com encaixes que dispensam pre-gos. A parte mais acidentada da região foi escolhida comosede da colônia, chamada Assahi (“Sol Nascente” em japo-nês), depois abrasileirada para Assaí. Sem dominar o por-tuguês e com nenhuma infra-estrutura pública, os japone-ses implantaram uma organização independente, que di-vidiu as terras cultiváveis em 12 seções batizadas com no-mes de madeiras, cada uma com seu líder, seu núcleo defamílias, sua escola e seu kaikan, a sede social.

“Peroba” foi a primeira delas, e a família Yaoki, uma daspioneiras. Na época uma criança, Shimizu Yaoki ainda viveno mesmo local. De lá observamos o kaikan da seção, anti-go palco de festas, reuniões e eleições que definiam o re-presentante de “Peroba” perante a Laca (Liga das Asso-ciações Culturais), o centro nervoso da comunidade. A pró-

pria Assaí só foi reconhecida comomunicípio 11 anos depois da cria-ção desse sistema, em 1943. Das70 famílias japonesas que viviamna seção restam nove, mas a orga-nização continua a mesma: qual-quer comunicado da Laca é trans-mitido para os líderes locais, eestes divulgam a informação parao restante do pessoal.

Cairo Kogushi, de 64 anos, umsorridente e comunicativo filho dejaponeses, é o atual presidente daLaca. Cairo-san (todos em Assaíadicionam o sufixo san ao nomedos amigos) conversa com Shimi-zu-san a respeito das comemora-ções pelos 76 anos de Assaí. Atemática da festa será os 100 anosde imigração japonesa. Em frente

Assaí surgiu em 1932, quandoos primeiros imigrantesjá tinham dinheiro suficientepara comprar terras

Nos arredores da cidade, cafezais plantados com precisão milimétrica mais parecem jardins

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radicionalmente, o filho caçula das famílias japonesas está destinado a estudar, enquanto o primogênito dácontinuidade aos negócios do pai. Shimizu Yaoki, hoje com 78 anos, abriu mão do privilégio, pois o irmão maisvelho sofria com problemas de saúde. O jovem Shimizu preferiu ficar em Assaí, adquiriu o primeiro trator daseção rural “Peroba”, em 1951, acompanhou as mudanças de culturas da região (café, algodão, soja, milho e

frutas) e somente cinco décadas mais tarde conseguiria um diploma de proficiência em japonês, que lhe dariao direito de se tornar universitário no Japão. Shimizu, porém, já decidiu: vai viver em suas terras até o fim.

O PIONEIRO

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ao kaikan desativado, hoje habitado por um par de coru-jas-brancas, os dois lembram de quando a grande diversãoda comunidade eram as exibições itinerantes de cinema ja-ponês, feitas por um operador de projetor e um benshi (in-térprete) que se encarregava de dublar todas as vozes dosfilmes (homens, mulheres e crianças) em tempo real – nãopor acaso, os benshis eram considerados os grandes artis-tas da época. Feito de madeira, o kaikan será todo desmon-tado e transferido para a cidade, onde poderá preservar umaparte da história prestes a ser esquecida pelos mais jovens.

O silêncio do rebatedorO senhor Shimizu possui o rosto vincado e escuro, típicode quem passou a vida trabalhando na terra, debaixo dosol forte. Aparenta cada um dos seus 78 anos, mas seu vigoré invejável: no final de semana seguinte, estará participan-do da 69ª edição do Campeonato Assaiense de Atletismo.Especializado em arremesso de peso, ele é capaz de lançarum martelo de 5 quilos a 32 metros de distância. Seu con-corrente na categoria de veteranos, porém, é o atleta maisvitorioso da cidade: Mário Hurakuri, 59 anos, invejávelfísico de garoto e mais de 250 medalhas e troféus conquis-tadas em 42 anos de competição.

Tudo em Assaí remete à longevidade – inclusive os re-cordes. Mário, especialista no plantio de abacates, tem amelhor marca intercolonial dos 800 metros rasos desde1971. No campeonato da cidade, o recorde dos 5 mil metrosnão é batido desde 1947! O torneio, uma seletiva para osjogos paranaenses, reunia mais de mil atletas locais em seuauge. Hoje, o número caiu para menos de 300. MárioHurakuri, que já disputou pan-americanos da colônia ja-

ponesa no Peru, sabe que o es-vaziamento é inevitável. “É umfenômeno natural, poucos jovensse interessam. Além disso, qua-se todo mundo só pensa em irpara o Japão trabalhar”, lamenta.“Não tenho nem mais passagei-ro para levar ao aeroporto deLondrina”, confirma João Ono,taxista na cidade desde 1960.

Dos milhares de assaiensesque foram ao Japão atrás de es-tabilidade financeira, dois aca-baram de voltar após 17 anosvivendo como dekasseguis. São ocasal Alice e Massakatu Konda.“Aqui a cidade é uma família, océu fica mais perto da gente, dápara ver as estrelas”, explica Ali-ce, num belo final de tarde. Seu

marido, Massakatu, mais conhecido como Candinho, já foium dos melhores rebatedores de beisebol do Brasil. O bei-sebol (que entre os descendentes é chamado de yakyu) deua Assaí um time respeitável, capaz de rivalizar e bater cida-des muito maiores, como Maringá, Londrina, Bastos, Mogidas Cruzes e até São Paulo. Ex-jogador da seleção brasilei-ra e ex-treinador do time da cidade, Massakatu não se con-sidera um saudosista. Porém, quando nos acompanhou atéo campo de beisebol local, praticamente abandonado, comarquibancadas desabando, placar em ruínas e nenhumamarcação, seu corpo paralisou. Há 17 anos ele não entra-va no local. Seus olhos fitaram todo o cenário demorada-mente, num silêncio profundo, só interrompido por Cló-vis Yohara, seu antigo jogador. “Acabou Candinho, aca-bou”, consolou Clóvis.

O beisebol em Assaí terminou por falta de praticantes– algo inacreditável para as lembranças de Massakatu, mascompreensível dentro de um processo de esvaziamento doqual ele mesmo participou. Logo surgem memórias do tí-tulo brasileiro de 1962, conquistado em São Paulo. “Navolta, desfilamos a pé pela avenida, com os uniformes ain-da sujos. O comércio fechou”, rememora Massakatu, que

Nos bons tempos havia atéfilmes dublados ao vivo emjaponês. Hoje a tradição sósobrevive entre os idosos

Aula de canto para senhoras: afinando a tradição que já não empolga os jovens

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O INTELECTUAL

eitor voraz de livros sobre a política e os índices socioeconômicos do Japão, Teruhiko Kumata nasceu emHiroshima, em 1930, mas sua família veio para o Brasil bem antes que a bomba atômica mudasse parasempre a história da cidade. Naturalizado brasileiro, o diretor de educação da Laca acaba de lera Bíblia e se converteu ao catolicismo. Razão: seus filhos e netos já foram batizados. “É mais fácil eu

e minha esposa mudarmos do que todos eles se tornarem budistas, não é?”

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conheceu sua esposa na mesma época, quando Alice foieleita a Miss Yakyu da cidade. Finalmente, o veterano joga-dor treina – e acerta – algumas rebatidas lançadas por Cló-vis. Enquanto isso, sua mulher assiste a tudo, sentada namesma arquibancada que freqüentou por anos, com aexpressão de quem está vendo a vida inteira passar ali, nasua frente. “Isto aqui ficava lotado de gente, até no barran-co. Ele era um ídolo, todas as meninas queriam namorá-lo”, diz Alice, feliz com a lembrança.

O auge do atletismo e do beisebol em Assaí coincidecom o esplendor financeiro da cidade, na década de 1960,quando ficou conhecida como a capital brasileira do algo-dão. Levas de nordestinos chegaram na época em cami-nhões paus-de-arara para trabalhar nas plantações, elevan-do a população para um pico de 50 mil habitantes nos anos1970, mais que o dobro do número atual. Desde então, Assaínunca mais foi tão japonesa.

Ainda assim, bastam alguns minutos de caminhada paraencontrar 21 estabelecimentos com nomes japoneses nos300 metros da única avenida da cidade. O assaiense podetranqüilamente passar a vida fazendo compras no Super-

mercado Sato, cortar as madeixas na Midori Cabeleireira,trocar os óculos na Ótica Toda, consertar o carro no Auto-elétrico Maedinha e até encomendar o caixão na FuneráriaFukugawa. Mesmo nos estabelecimentos aparentementeocidentais, como o Bar Nossa Senhora de Aparecida, nota-se que a mulher servindo pinga é japonesa, os jogadores desinuca conversam em japonês e até o apostador do jogo debicho tem olhos puxados.

Papeando nesse bar, chama a atenção Carlos José da Sil-va, o alegre Carlão, um pernambucano com botas de cou-ro, chapéu de vaqueiro e vistosa camiseta azul da seleçãojaponesa de futebol. “Fui o primeiro negro a casar com uma

Jogo de sinuca cantado em japonês com o sotaque rural do norte do Paraná: só mesmo em Assaí

Em 300 metros de avenidahá 21 lojas com nome japonês.O assaiense pode passar avida sem falar português

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O ATLETA

uas mãos calejadas são idênticas às de quem, assim como ele, passou a vida trabalhando no campo.O físico de Mário Hurakuri, 59 anos, porém, sempre foi um diferencial, e motivo de orgulho da colônia. Nasdécadas de 1960 e 1970, Mário tornou-se o fundista a ser batido no Paraná – somente nos campeonatosintercoloniais brasileiros havia adversários à altura. Atleta mais conhecido da história de Assaí, o atual

diretor de atletismo da Laca tem como maior orgulho a pupila Maria Shigeoka Rostirolla, recordista sul-america-na de salto triplo na categoria acima dos 45 anos.

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japonesa aqui na cidade, em 1975”, explica ele. Se na épocaa simples mistura com ocidentais ainda era polêmica, o re-lacionamento de uma japonesa com um negro atiçou asmás linguas de Assaí. “Diziam que com negro não podia.Pois fugi com ela para Londrina, casamos no cartório eestamos juntos até hoje”, conta Carlão, corretor de imó-veis, pai de quatro filhos mestiços, três deles trabalhandono Japão. “Meu sonho é ir pra lá também, viu?”, confessa.

Assim como Carlão e a maioria dos pais de Assaí, a donado bar, Aparecida Tanagawa, tem sete filhos dekasseguis.A ausência de jovens é flagrante entre os voluntáriosencarregados de montar o aparato para a festa do aniver-sário da cidade. Veteranos diretores da Laca assumem otrabalho braçal e vão distribuíndo as faixas, barracas, pa-lanques e luminárias. Nas escolas de língua japonesa(nihongô), boa parte dos alunos é de adultos prestes a em-barcar para o trabalho no Japão.

Por tudo isso, a atividade comunitária do agricultorTeruhiko Kumata, 78 anos, é talvez a mais desafiadora, hon-rada – e melancólica. Diretor de educação da Laca, sua mis-são é preservar a língua japonesa e toda uma cultura edu-cacional para os mais jovens. “Fomos ensinados a traba-lhar não para nós mesmos, mas para os outros, para omundo”, explica o japonês que veio ao Brasil com 6 anos deidade. Na época, as professoras de Kumata tinham de bri-gar para que os alunos não falassem japonês durante a aula.Nos últimos dez anos, porém, o número de alunos de umadas escolas de nihongô caiu de 100 para apenas 19. “Os fi-lhos de descendentes mudaram bastante, hoje possuem

vontade própria. Não chegam aser rebeldes, mas não admitemimposições dos mais velhos”,constata a professora MariaAntônia Ayako Izo.

O velho kamikazeA poucos quilômetros dali, na se-ção rural “Palmital”, vive o exem-plo mais radical da educação ja-ponesa: o produtor de frutasKikuo Furuta. Nascido em 1930em Wakaiama, no Japão, ele fezparte da geração que, em plenaSegunda Guerra Mundial, foidoutrinada nos moldes datokkotai – a juventude cujo lemaera dar a vida ao país e ao impe-rador, e que forneceu o grosso dosaspirantes a kamikazes. Furuta,cujo sorriso fácil e rugas enormesraramente o permitem ficar de

olhos abertos, só consegue reavivar suas lembranças quandofala em japonês. “Tudo na nossa sociedade nos levava a entrarpara a tokkotai. Minha cidade foi atacada e quase toda destruídapor bombardeiros. Via mortos empilhados no meio da roça.”No dia 15 de agosto de 1945, quando Hiroíto fez o primeiropronunciamento público de um imperador japonês na histó-ria, declarando a rendição do Japão e negando o seu caráterdivino, o impacto no adolescente Furuta foi tão devastador queele passou os próximos dez anos vagando sem rumo, até queum tio lhe sugerisse viajar para o Brasil. Hoje, ele enaltece aliberdade do modo de vida brasileiro, e a oportunidade deter passado sua vida trabalhando no campo – algo quaseimpossível de se conseguir no minúsculo território japonês.

É no entorno de Assaí, nos caminhos para as seções ru-rais, que se encontram as grandes belezas da região. Rara-mente vemos pasto – em vez disso, plantações de trigo pa-recidas com campos de futebol ondulados e cafezaismilimetricamente organizados contrastam com o brancolímpido dos campos de algodão e a estrutura suspensa dospés de uva sem sementes. “Depois de tanto tempo, conti-

Ao ouvir Hiroíto negar seu caráter divino, Furuta vagou dez anos pelo mundo até chegar ao Brasil

Quase todas as famílias têmfilhos no Japão. Não fossemos veteranos, não haveriacomo organizar as festas

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om simpatia e conhecimento da região, o presidente da Laca é o guia perfeito para conhecer as sutilezasde Assaí. Junto com a esposa, dona Yoko, Cairo Kogushi vive na seção “Palmital”, cultiva hábitos tipica-mente japoneses (como o ofurô, a banheira de água quente em estilo japonês), mas é brasileiro de espíri-to. Quando perguntamos se ele iria vestir uma roupa de samurai na festa de aniversário da cidade, onde

içou a bandeira japonesa, respondeu na lata: “Vou com um terno verde-amarelo”.

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O LÍDER

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A música é a grande diversãodos jovens. Mas nem a bandade rock local escapa à regrade ter um coordenador

O agito no aniversário da cidade: japoneses ainda dão o tom

nuo me emocionando, principalmente nas noites de luacheia”, diz Cairo Kogushi, o presidente da Laca, moradorde “Palmital”. Sua esposa, dona Yoko, nos prepara um ver-dadeiro banquete com delícias locais: salada fresquinha,cozido de legumes orientais, tofu (queijo de soja) caseiro,uma seleção de vegetais e frutas para o preparo de temakis(sushis em forma de cone) e um delicioso missoshiru (sopade soja), finalizado por laranjas e caquis colhidos na hora.

Funk japonêsUm dos filhos do casal, Lídio, é dos raríssimos jovensassaienses que escolheram como destino continuar o tra-balho dos pais no campo. Formado em agronomia e comestágio em fazendas da Califórnia, nos EUA, Lídio explicaque seu trabalho é fruto da esperança. “Nós lidamos com anatureza, e cada ano é uma história diferente. Quando plan-tamos, torcemos para dar certo. E se tudo vai bem e a co-lheita rende, a sensação é maravilhosa.”

A maioria, porém, segue para Londrina,Curitiba, São Paulo ou mesmo para o Japão logoapós completar 18 anos. As associações demoços, tão importantes em décadas passadas,hoje não existem mais. As únicas ações capa-zes de reunir e entusiasmar a juventude são abanda de rock Hikari (formada por descen-dentes, não foge à regra local de ter um coor-denador) e o taikô, a música japonesa tradicio-nal tocada com tambores de diversos tamanhos.Quando a festa pelos 76 anos da cidade come-ça, jovens vestidos de quimono fixam os pés nochão, erguem os braços e iniciam o batuqueritmado do taikô. “É o som do coração”, exultaVanessa Yoshida, uma das organizadoras. Logoas mulheres e homens da região, todos vesti-dos a caráter, organizam-se para a dança dobon odori, uma seqüência rígida de passos con-tidos, singelos e repetitivos, que se desenrolaem círculos ao redor dos tambores. A progres-são é lenta: para cada três passos adiante, se-guem-se dois para trás, acompanhados pormovimentos suaves de mãos e braços.

As batidas em alto volume mexem com ocorpo e atraem pessoas de todas as cores e na-cionalidades. Até adolescentes com camisetaspretas da banda Iron Maiden entram na roda.Os movimentos são sutis, mas surpreenden-temente catárticos, e quando percebemos o ri-tual já dura mais de duas horas, sem parar.É quando os mais velhos retiram-se para des-cansar, e as batidas tornam-se mais rápidas eousadas, no estilo chamado de matsuri dance

– uma legítima invenção do norte do Paraná. Agora, osjovens na faixa dos 13 aos 18 anos dominam não apenasos tambores, mas a roda de dança. Celulares com câmerasdisparam a todo momento, e logo surgem as primeiraspalmas da mão, giros de corpo, mãozinhas no joelho, li-geiras reboladas de cintura, dedinhos para cima, reque-brando os quadris. Um desavisado poderia jurar que setrata de um funk, mas não – é apenas a história ditandoo seu ritmo inevitável.

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DICA DO AUTOR

“Não se deixe intimidar pelo primeirocontato quase sempre frio edesconfiado dos descendentes dejaponeses de Assaí. Isso não é grosseria,mas apenas timidez. Uma vezquebrado o gelo, as conversas comos locais serão muito ricas e saborosas.O entorno dacidade e suasseções rurais sãoa parte maiscativante daregião: não deixede visitá-lasdemoradamente.“

Leo Nishihata

COMO CHEGARÉ possível ir de avião até Londrina, para depois encarar um trechorápido da PR-090 (46 km). Quem for de carro segue no sentido oeste(vindo de São Paulo) pela Rodovia Castelo Branco até a cidade deOurinhos, e de lá vira para o sul na direção de Londrina pela BR-269.Antes de chegar a Londrina, deve-se pegar a rodovia PR-090. Todas elasestão em perfeitas condições de tráfego.

QUANDO IRAlém do aniversário da cidade, em 1º de maio, o grande evento deAssaí ocorre no mês de junho: é a Exposição Agrícola de Assaí,a mais antiga do gênero no Brasil, ocasião perfeita para conhecer osprodutos, as frutas e a cultura da região (ambos intimamente ligadosà imigração japonesa).

ONDE FICARA única opção de hospedagem da região é o Hotel Sol Nascente, na RuaManoel Ribas, 744, tel. (43) 3262-1562. Apesar do nome, o proprietário éum descendente de italianos. Todos os quartos possuem ar-condicionado,frigobar e internet wi-fi, mas não há restaurante no local.

AssaíPR

SC

SP

CARTA DE NAVEGAÇÃO+CARTA DE

Assaí fica no norte do Paraná, a 46 kmde Londrina. Calcula-se que pelomenos um em cada sete habitanteslocais seja descendente de japoneses

Plantação de soja: a economia local depende totalmente do campo

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