376
DIREITO CONSTITUCIONAL Teoria Geral da Constituição 1.INTRODUÇÃO O Direito é um todo. Sua divisão ocorre somente para fins didáticos. O Direito Constitucional, de acordo com tal subdivisão, pertence ao ramo do Direito Público, uma vez que regula e interpreta normas fundamentais do Estado. O Direito Constitucional é um ramo particularmente marcado por sua historicidade, pois se desenvolve em paralelo à evolução do Estado de Direito, abrangendo desde o liberal, de cunho negativo, ao atual, necessariamente intervencionista. De acordo com o conceito de José Afonso da Silva, Direito Constitucional “é o ramo do direito público que expõe, interpreta e sistematiza os princípios e normas fundamentais do Estado”. 1.1. Constituição Constituição é a organização jurídica fundamental do Estado. As regras do texto constitucional, sem exceção, são revestidas de supralegalidade, ou seja, possuem eficácia superior às demais normas. Por isso se diz que a Constituição é norma positiva suprema (positiva, pois é escrita). 1 1

1000 Perguntas E Respostas - Direito Constitucional

Embed Size (px)

Citation preview

DIREITO CONSTITUCIONAL

PAGE 255

DIREITO CONSTITUCIONAL

Teoria Geral da Constituio

1. INTRODUO

O Direito um todo. Sua diviso ocorre somente para fins didticos. O Direito Constitucional, de acordo com tal subdiviso, pertence ao ramo do Direito Pblico, uma vez que regula e interpreta normas fundamentais do Estado.

O Direito Constitucional um ramo particularmente marcado por sua historicidade, pois se desenvolve em paralelo evoluo do Estado de Direito, abrangendo desde o liberal, de cunho negativo, ao atual, necessariamente intervencionista.

De acordo com o conceito de Jos Afonso da Silva, Direito Constitucional o ramo do direito pblico que expe, interpreta e sistematiza os princpios e normas fundamentais do Estado.

1.1. Constituio

Constituio a organizao jurdica fundamental do Estado.

As regras do texto constitucional, sem exceo, so revestidas de supralegalidade, ou seja, possuem eficcia superior s demais normas. Por isso se diz que a Constituio norma positiva suprema (positiva, pois escrita).

A estrutura do ordenamento jurdico escalonada. Essa idia remonta a Kelsen, sendo que todas as normas situadas abaixo da Constituio devem ser com ela compatveis. A isso se d o nome de relao de compatibilidade vertical (RCV).

No pice da pirmide esto as normas constitucionais; logo, todas as demais normas do ordenamento jurdico devem buscar seu fundamento de validade no texto constitucional, sob pena de inconstitucionalidade.

Basta que a regra jurdica esteja na Constituio Federal para ela ser revestida de supralegalidade.

Na Constituio Federal de 1988, existem regras formalmente constitucionais (RFC) e regras materialmente constitucionais (RMC).

1.2. Regras Materialmente Constitucionais

Regras materialmente constitucionais so as regras que organizam o Estado. Somente so materialmente constitucionais as regras que se relacionam com o Poder e que tratam de matria constitucional, independentemente de estarem ou no dispostas na Constituio, a exemplo da Lei Complementar n. 64/90, que traa as hipteses de inelegibilidades para os cargos dos Poderes Executivo e Legislativo, e do Estatuto do Estrangeiro.

1.2.1. Exemplos de regras materialmente constitucionais

A forma de Estado (Federal), a forma de governo (Repblica) e o regime de governo (Presidencialista) so definidos em regras jurdicas que organizam o Poder.

A Constituio Federal deve enunciar os direitos fundamentais dos indivduos. Quando se enunciam esses direitos, automaticamente definido um limite ao eventual exerccio arbitrrio do poder.

1.3. Regras Formalmente Constitucionais

Todas as regras dispostas no texto constitucional so formalmente constitucionais, no entanto, algumas delas podem ser tambm regras materialmente constitucionais. O fato de uma regra estar na Constituio imprime a ela o grau mximo na hierarquia jurdica, seja ela regra material, seja regra formal. O grau de rigidez tambm o mesmo para toda norma constitucional, independentemente de ser ela material ou formal.

As regras formalmente constitucionais podem ser observadas nos seguintes exemplos: os artigos 182 (que trata da poltica de desenvolvimento urbano) e 242, 2., ambos da Constituio Federal de 1988. Essas regras, sob o ponto de vista material, no so regras que tratam de matria constitucional. No entanto, devido ao fato de estarem dispostas na Constituio, so regras formalmente constitucionais.

1.4. Concepes sobre as Constituies

1.4.1. Sentido sociolgico

Para Ferdinand Lassalle, a Constituio a soma dos fatores reais do poder que regem nesse pas, sendo a Constituio escrita apenas uma folha de papel. Para Lassalle, Constituio legtima a que representa o efetivo poder social.

1.4.2. Sentido poltico

Carl Schmitt concebe a Constituio no sentido poltico, pois para ele Constituio fruto da deciso poltica fundamental tomada em certo momento. Para Schmitt h diferena entre Constituio e lei constitucional; contedo prprio da Constituio aquilo que diga respeito forma de Estado, forma de governo, aos rgos do poder e declarao dos direitos individuais. Outros assuntos, embora escritos na Constituio, tratam-se de lei constitucional (observe-se que essas idias esto prximas as de Constituio material e formal).

1.4.3. Sentido jurdico

A Constituio tambm pode ser vista apenas no sentido jurdico. Para Hans Kelsen, Constituio considerada norma pura, puro dever-ser, sem qualquer pretenso fundamentao sociolgica, poltica ou filosfica. Ao defender essas idias, Kelsen ressalta a diferena entre o Direito e as demais cincias, sejam naturais ou sociais. O cientista do Direito deve buscar solues no prprio sistema normativo.

Kelsen concebe a palavra Constituio em dois sentidos:

lgico-jurdico: norma fundamental hipottica;

jurdico-positivo: conjunto de normas que regula a criao de outras normas; nesse sentido, Constituio a norma positiva suprema.

2. CLASSIFICAO DAS CONSTITUIES

2.1. Quanto ao Contedo

Constituio material ou substancial: o conjunto de regras materialmente constitucionais, que regula a estrutura do Estado, a organizao de seus rgos e os direitos fundamentais. Tais regras podem ou no estar na Constituio. H, por exemplo, regras materialmente constitucionais disciplinadas em lei ordinria, como o j citado Estatuto do Estrangeiro.

Constituio formal: o conjunto de regras jurdicas, inseridas no texto unitrio da Constituio escrita, diga ou no respeito matria constitucional. Exemplo: o artigo 14, 4., da Constituio Federal, que trata da inelegibilidade, regra formal e materialmente constitucional porque delineia o modo de aquisio e exerccio do poder. Mas os casos de inelegibilidade no so apenas os previstos nesse dispositivo; a Lei Complementar n. 64, de 18.5. 1990 disciplina outras hipteses, em consonncia com o prescrito no 9. do prprio artigo 14.

2.2. Quanto Forma

Constituio no-escrita, costumeira ou consuetudinria: a Constituio em que as normas no constam de um documento nico e solene. Suas fontes so: os usos e costumes, os precedentes jurisprudenciais e os textos escritos esparsos (atos do Parlamento). Na Constituio costumeira, os textos escritos no so as nicas fontes constitucionais, mas sim apenas uma parte delas. Existem textos escritos nessas constituies; no entanto, a maioria das fontes constitucionais de usos e costumes; os textos no so consolidados, podendo haver entre eles um perodo de at 400 anos. O melhor exemplo de Constituio no-escrita a Constituio do Reino Unido.

Constituio escrita: composta por um conjunto de regras codificadas e sistematizadas em um nico documento.

2.3. Quanto Extenso ou ao Modelo

Constituio sinttica: a Constituio concisa. A matria constitucional vem predisposta de modo resumido (exemplo: a Constituio dos Estados Unidos da Amrica, que tem 7 artigos e 26 emendas).

Constituio analtica: caracteriza-se por ser extensa, minuciosa. A Constituio brasileira o melhor exemplo.

2.4. Quanto ao Modo de Elaborao

Constituio dogmtica: reflete a aceitao de certos dogmas, ideais vigentes no momento de sua elaborao, reputados verdadeiros pela cincia poltica.

Constituio histrica: a Constituio no-escrita, resultante de lenta formao histrica. No reflete um trabalho materializado em um nico momento.

2.5. Quanto Ideologia

Ecltica, pluralista, complexa ou compromissria: possui uma linha poltica indefinida, equilibrando diversos princpios ideolgicos. Conforme entende Manoel Gonalves Ferreira Filho, no fato de a Constituio Federal ser dogmtica na sua acepo ecltica consiste o carter compsito de nosso dogmatismo (heterogneo).

Ortodoxa ou simples : possui linha poltica bem definida, traduzindo apenas uma ideologia.

2.6. Quanto Origem ou ao Processo de Positivao

Constituio promulgada, democrtica ou popular (votada ou convencional): tem um processo de positivao proveniente de acordo ou votao. delineada por representantes eleitos pelo povo para exercer o Poder Constituinte (exemplo: a Constituio de 1988).

Constituio outorgada: imposta por um grupo ou por uma pessoa, sem um processo regular de escolha dos constituintes, ou seja, sem a participao popular (exemplo: a Constituio brasileira de 1937).

Observao: h uma tendncia na doutrina de se restringir o uso da expresso Carta Constitucional somente para a Constituio outorgada (exemplo: a Carta de 1969) e Constituio apenas para os textos provenientes de conveno (exemplo: a Constituio de 1988).

Constituio Cesarista ou Bonapartista: assim chamada pela doutrina, nada mais do que uma Constituio outorgada que passa por uma encenao de um processo de consulta ao eleitorado, para revesti-la de aparente legitimidade.

Constituio dualista ou pactuada: citada pela doutrina, essa Constituio caracteriza-se por ser fruto de um acordo entre o soberano e a representao nacional.

2.7. Quanto Estabilidade, Mutabilidade ou Alterabilidade

Constituio rgida: para ser modificada necessita de um processo especial, mais complexo do que o exigido para alterao da legislao infraconstitucional. A Constituio Federal do Brasil um exemplo.

Constituio flexvel ou no-rgida: pode ser modificada por procedimento comum, o mesmo utilizado para as leis ordinrias.

Constituio semi-rgida: contm uma parte rgida e outra flexvel. Exemplo: a Constituio do Imprio de 1824, que previa, em seu artigo 178, a modificao das regras materialmente constitucionais por procedimento especial e a modificao das regras formalmente constitucionais por procedimento comum.

2.8. Quanto Funo

Esta classificao, apresentada por Jos Joaquim Gomes Canotilho, no apresenta categorias que sejam logicamente excludentes, ou seja, a Constituio poder receber mais de uma destas classificaes: Constituio garantia, quadro ou negativa: a clssica, enunciando os direitos das pessoas, limitando o exerccio abusivo do poder e dando uma garantia aos indivduos. Originou-se a partir da reao popular ao absolutismo monrquico. denominada quadro porque h um quadro de direitos definidos e negativa porque se limita a declarar os direitos e, por conseguinte, o que no pode ser feito.

Constituio balano: um reflexo da realidade. a Constituio do ser. Um exemplo a Constituio da extinta URSS, de 1917.

Constituio dirigente: no se limita a organizar o poder, mas tambm preordena a sua forma de atuao por meio de programas vinculantes. a Constituio do dever-ser. A nossa Constituio Federal inspirou-se no modelo da Constituio portuguesa.

Observaes:

1. Programas constitucionais: devem ser desenvolvidos por quem se encontre no exerccio do poder.

2. Direo poltica permanente: imposta pelas normas constitucionais.

3. Direo poltica contingente: imposta pelos partidos polticos que se encontram no governo.

3. HISTRICO DAS CONSTITUIES BRASILEIRAS

1824: positivada por outorga. Constituio do Imprio do Brasil. Havia um quarto poder: o Poder Moderador.

1891: positivada por promulgao. Primeira Constituio da Repblica.

1934: positivada por promulgao.

1937: positivada por outorga (Getlio Vargas). Apelidada de Constituio Polaca.

1946: positivada por promulgao. Restabeleceu o Estado Democrtico.

1967: positivada por outorga. (h quem sustente ter sido positivada por conveno, pois o texto elaborado pelo Governo Militar foi submetido ao referendo do Congresso Nacional antes de entrar em vigor).

1988: positivada por promulgao (Constituio Cidad).

Observao: em 1969 foram efetivadas vrias alteraes por meio da Emenda Constitucional n. 1/69, que para alguns autores caracteriza uma Constituio outorgada.

4. CLASSIFICAO DA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988

A Constituio Federal de 1988 possui a seguinte classificao:

quanto ao contedo: formal;

quanto forma: escrita;

quanto extenso: analtica;

quanto ao modo de elaborao: dogmtica;

quanto ideologia: ecltica;

quanto origem: promulgada;

quanto estabilidade: rgida;

quanto funo: garantia e dirigente.

Elementos das Constituies

Fenmenos da Mutao Constitucional1. ELEMENTOS DAS CONSTITUIES

As Constituies contemporneas contm normas que dispem sobre matrias de naturezas e finalidades diversas. Conforme a conexo do contedo dessas normas, elas so agrupadas em ttulos, captulos e sees. Da surgiu o tema elementos das Constituies.

Doutrinariamente, h um dissenso acerca da caracterizao dos elementos das Constituies no que se refere estrutura normativa. A classificao a seguir apresentada por Jos Afonso da Silva.

1.1. Elementos Limitativos

So regras que enunciam os direitos e garantias fundamentais, limitando a ao do poder estatal. A Constituio Federal os posicionou no Ttulo II, com exceo do Captulo II.

1.2. Elementos Orgnicos ou Organizacionais

So regras que tratam da organizao do Poder e do Estado. Na nossa Constituio encontram-se, predominantemente, nos Ttulos III, IV, V (Captulos II e III), e VI.

1.3. Elementos Scio-Ideolgicos

Constituem princpios da Ordem Econmica e Social (OES) e so indissociveis da opo poltica da organizao do Estado (regras materialmente constitucionais). Na Constituio Federal de 1988 apresentam-se nos Ttulos II (Captulo II), VII e VIII.

1.4. Elementos de Estabilizao Constitucional

Regras destinadas a assegurar a soluo de conflitos constitucionais, a defesa do Estado, da Constituio e das instituies democrticas. Exemplos desses elementos na nossa Constituio: artigo 102, inciso I, alnea a; artigo 34 a 36; artigo 59, inciso I; artigo 60; artigo 103; Ttulo V (Captulo I);

1.5. Elementos Formais de Aplicabilidade

Normas que estatuem formas de aplicao das constituies. Caracterizam esses elementos o prembulo, o Ato das Disposies Constitucionais Transitrias (ADCT), o dispositivo que contm as clusulas de promulgao, bem como o disposto no 1. do artigo 5..

1.5.1. Ato das Disposies Constitucionais Transitrias

A Constituio Federal contm duas partes distintas:

disposies permanentes (artigos 1. a 250);

disposies transitrias (artigos 1. a 83).

Embora apresente a diviso exposta, a Constituio una. As disposies transitrias integram a Constituio, possuindo a mesma rigidez e a mesma eficcia das disposies permanentes, ainda que por um perodo limitado. Os atos transitrios podem ser alterados seguindo-se o mesmo procedimento de alterao dos dispositivos presentes no corpo da Constituio, por emenda constitucional.

A Constituio posterior ab-roga a anterior (vide item 2.3). As disposies transitrias exteriorizam-se por meio de um conjunto de normas que cuida do direito intertemporal. Assim, tm por finalidade, basicamente:

regular a transio entre a Constituio a ser ab-rogada e a Constituio que entrar em vigor;

regular transitoriamente matria infraconstitucional at que sobrevenha lei.

Exemplo: O constituinte de 1988, preocupado com a inrcia do legislador ordinrio, regulou transitoriamente, no artigo 10 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, a relao de dispensa sem justa causa disposta no artigo 7., I, da Constituio Federal de 1988. Este artigo 10 ficar regulando o artigo 7., I, at que seja promulgada a lei complementar, quando se dar o exaurimento da norma transitria.

1.5.2. Prembulo Constitucional

a parte introdutria que contm a enunciao de certos princpios, os quais refletem a sntese da posio ideolgica do constituinte. O prembulo caracteriza-se como um importante elemento de interpretao das normas constitucionais.

O prembulo parte integrante da Constituio Federal, tendo em vista que sua redao foi objeto de votao, assim como todos os artigos do texto constitucional.

Denomina-se confessional ou sectrio o Estado que possui relao direta com uma determinada religio; h uma religio oficial (exs.: Argentina, Escandinvia, Reino Unido). A contrario senso, o Estado que no possui essa relao intitulado leigo ou laico. Considera-se teocrtico o Estado em que o poder poltico representado pela prpria religio. O chefe religioso e o chefe poltico so a mesma pessoa. (exemplo: Estados fundamentalistas islmicos).

Durante todo o perodo em que vigorou a Constituio do Imprio de 1824, o Brasil foi um Estado confessional; adotou-se oficialmente a religio Catlica Apostlica Romana, conforme seu artigo 4.. Os padres eram equiparados aos funcionrios pblicos. Com o advento da Proclamao da Repblica nosso pas instituiu a neutralidade em matria confessional. Assim, o artigo 19, I, da Constituio Federal, dispe que o Brasil um pas leigo, no podendo adotar nenhuma religio especfica, seja ela qual for. No prembulo da nossa Constituio, entretanto, invoca-se a proteo de Deus.

Alguns afirmam a existncia de uma contradio entre o prembulo e o citado artigo 19. No entanto, a referncia ao nome de Deus no prembulo no tem nenhum contedo sectrio, no diz respeito ao Deus de uma religio especfica. Apesar de ser o Brasil um Estado leigo, trata-se de um Estado testa, ou seja, embora seja neutro em matria confessional, acredita-se, oficialmente, na existncia de um ser supremo e nico, de todas as crenas. Cuba um exemplo de Estado atesta, isto , que nega oficialmente a existncia de Deus.

A Lei Federal n. 6.802/80, que criou o feriado de 12 de outubro no pas, em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, considerada por alguns autores inconstitucional, pois no poderia haver um feriado catlico em um pas laico.

O prembulo tem valor normativo?

H divergncia. Para uma primeira corrente no pode ser considerado regra jurdica, porque contm apenas a enunciao de certos princpios. Para outra a resposta afirmativa, citando como exemplo a realizao de um decreto pelo ento Presidente Jos Sarney, o qual ordenou a incluso da expresso Deus seja louvado no papel moeda. Esse decreto vlido e constitucional, uma vez que no se refere religio, mas apenas a Deus. Seria inconstitucional esse decreto se mandasse incluir a expresso Louvada seja a Santssima Trindade, por exemplo.

Prevalece para o prembulo sua natureza de documento de intenes que tambm pode servir para orientar a elaborao, interpretao e integrao das normas constitucionais e infraconstitucionais. As idias expostas no prembulo no prevalecem sobre a regra escrita no corpo da Constituio.

2. FENMENOS DA MUTAO CONSTITUCIONAL2.1. RecepoO fenmeno da recepo assegura a preservao do ordenamento jurdico inferior e anterior nova Constituio, desde que, com esta, se mostre materialmente compatvel (procedimento abreviado de recriao de normas jurdicas).

Assim, as leis infraconstitucionais editadas sob fundamento de validade da Constituio anterior, no necessitam de nova votao, tendo em vista que, se forem compatveis com a nova Constituio, sero recepcionadas por esta, possuindo, ento, um novo fundamento de validade. O fato de uma lei se tornar incompatvel com o novo texto constitucional d ensejo a sua revogao (tcita), de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, uma vez que inexiste inconstitucionalidade superveniente. Destarte, uma lei no recepcionada est revogada. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o artigo 233 do Cdigo Civil de 1916 que estabelecia ser o marido o chefe da sociedade conjugal e foi tacitamente revogado pelo 5. do artigo 226 da Constituio Federal de 1988.

O fenmeno da recepo, ento, uma questo de compatibilidade exclusivamente material, pois nada tem a ver com o aspecto formal. Tomemos, como exemplo, a excluso dos Decretos-lei pela Constituio Federal de 1988. Todos os Decretos-lei preexistentes compatveis com as novas normas constitucionais continuaram vigentes (exemplo: o Cdigo Penal e o Cdigo de Processo Penal; Decretos-lei que ainda esto em vigor)

Tratando-se de matria reservada a lei complementar na Constituio anterior e a matria reservada a lei ordinria na nova Constituio, haver recepo; entretanto, ser recepcionada como lei ordinria.

Um exemplo a Lei Orgnica do Ministrio Pblico, em que a Constituio Federal de 1969 reservava a matria lei complementar, sendo editada tal lei sob o n. 40/81 . Com o advento da Carta de 1988 a matria no foi expressamente reservada lei complementar, sendo, ento, editada a Lei Ordinria n. 8.625/93. Assim, a Lei Complementar n. 40/81 foi recepcionada pela Constituio vigente com natureza de lei ordinria, apesar de estar rotulada como lei complementar, e por isso foi revogada pela Lei n. 8.625/93.O Cdigo Tributrio Nacional foi elaborado na vigncia da Constituio de 1946, a qual no previa a espcie normativa lei complementar. Com o advento da Constituio de 1967, que passou a prever a lei complementar, tornando, ainda, o rito de observncia obrigatria matria tributria, pelo fenmeno da mutao constitucional, o Cdigo Tributrio ganhou natureza de lei complementar.

H quem conteste esse posicionamento, alegando que o referido diploma continua sendo lei ordinria e apenas para fins de modificao de seu contedo necessita seguir o modelo da lei complementar.

2.2. RepristinaoRepristinao o restabelecimento de vigncia da lei revogada pela revogao da lei dela revogadora (exemplo: lei B revoga a lei A; advm a lei C, que revoga a lei B; o fato de a lei C ter revogado a lei B restaura automaticamente a vigncia da lei A).

No Brasil, salvo disposio expressa em sentido contrrio, a lei revogada no se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigncia (artigo 2., 3., da Lei de Introduo ao Cdigo Civil).

2.3. Teoria da Desconstitucionalizao a possibilidade de recepo pela nova ordem constitucional, como leis ordinrias (em processo de queda de hierarquia), de normas apenas formalmente constitucionais da Constituio anterior que no tenham sido repetidas ou contrariadas pela nova Constituio.

Essa teoria inaplicvel ao sistema jurdico brasileiro, tendo em vista que a Constituio nova ab-roga a anterior. A nova Constituio, entretanto, pode estabelecer expressamente que algum assunto da anterior continuar em vigor.

Hoje, tambm se denomina desconstitucionalizao a retirada por meio de uma matria que no constitua clusula ptrea do texto constitucional, a fim de que ela possa ser disciplinada e modificada por lei infraconstitucional.

Aplicabilidade das Normas Constitucionais

1. CLASSIFICAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO EFICCIA JURDICA

1.1. Introduo

A doutrina clssica classificava as normas constitucionais em auto-executveis (auto-aplicveis) e no auto-executveis. Assim, algumas normas seriam imediatamente aplicveis e outras no.

O Professor Jos Afonso da Silva, ao contrrio do que entendia a doutrina clssica, afirmou que todas as normas constitucionais, sem exceo, so revestidas de eficcia jurdica, ou seja, de aptido produo de efeitos jurdicos, sendo assim todas aplicveis, em maior ou menor grau.

Para graduar essa eficcia dentro de categorias lgicas, foi proposta a seguinte classificao:

norma constitucional de eficcia jurdica plena;

norma constitucional de eficcia jurdica limitada;

norma constitucional de eficcia jurdica contida.

1.2. Norma Constitucional de Eficcia Jurdica PlenaTambm chamada norma completa, auto-executvel ou bastante em si, aquela que contm todos os elementos necessrios para a pronta e integral aplicabilidade dos efeitos que dela se esperam. A norma completa, no havendo necessidade de qualquer atuao do legislador (exemplo: artigo 1. da Constituio Federal de 1988).

1.3. Norma Constitucional de Eficcia Jurdica Limitada

aquela que no contm todos os elementos necessrios sua integral aplicabilidade, porque ela depende da interpositio legislatoris (interposio do legislador). Muitas vezes essas normas so previstas na Constituio com expresses como nos termos da lei, na forma da lei, a lei dispor, conforme definido em lei etc.

A efetividade da norma constitucional est na dependncia da edio de lei que a integre (lei integradora). Somente aps a edio da lei, a norma constitucional produzir todos os efeitos que se esperam dela (exemplo: artigo 7., inciso XI, da Constituio Federal de 1988, que s passou a produzir a plenitude de seus efeitos a partir do momento em que foi integrada pela Lei n. 10.101/00).

+ =

A aplicabilidade da norma constitucional de eficcia jurdica plena imediata. No caso da norma limitada, a aplicabilidade total mediata.

O constituinte, prevendo que o legislador poderia no criar lei para regulamentar a norma constitucional de eficcia limitada, criou mecanismos de defesa dessa norma:

mandado de injuno;

ao direta de inconstitucionalidade por omisso.

Conforme j foi dito, somente aps a edio da lei, a norma constitucional produzir todos os efeitos que se esperam dela. Assim, a norma de eficcia limitada, antes da edio da lei integradora, no produz todos os efeitos, mas j produz efeitos importantes. Alm de revogar as normas incompatveis (efeito negativo, paralisante das normas contrrias antes vigentes), produz tambm o efeito impeditivo, ou seja, impede a edio de leis posteriores contrrias s diretrizes por ela estabelecidas.

A norma constitucional de eficcia limitada divide-se em:

Norma constitucional de eficcia jurdica limitada de princpio programtico: todas as normas programticas so de eficcia limitada. So normas de organizao que estabelecem um programa constitucional definido pelo legislador. Essas normas so comuns em Constituies dirigentes. Exemplos: artigo 196 e artigo 215 da Constituio Federal.

Norma constitucional de eficcia jurdica limitada de princpio institutivo: aquelas pelas quais o legislador constituinte traa esquemas gerais de estruturao e atribuies de rgos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinrio os estruture em definitivo, mediante lei. Exemplo: artigo 98 da Constituio Federal.

1.4. Norma Constitucional de Eficcia Jurdica Contida (Redutvel ou Restringvel)

A norma de eficcia redutvel aquela que, desde sua entrada em vigor, produz todos os efeitos que dela se espera, no entanto, sua eficcia pode ser reduzida pelo legislador infraconstitucional. Note-se que enquanto o legislador no produzir a norma restritiva, a eficcia da norma constitucional ser plena e sua aplicabilidade imediata.

Excepcionalmente, uma norma constitucional pode ao mesmo tempo ser de eficcia limitada e contida, a exemplo do inciso VII do artigo 37 da Constituio Federal.

Exemplo de norma constitucional de eficcia jurdica contida: o inciso LVIII do artigo 5. assim dispe: o civilmente identificado no ser submetido a identificao criminal, salvo nas hipteses previstas em lei;. Observe-se que a norma restringe sua eficcia ao dispor, por exemplo, salvo nas hipteses previstas em lei. A esta ressalva, constante do dispositivo mencionado como exemplo, a doutrina denomina clusula expressa de redutibilidade. Destarte, correto dizer que todas as normas que contm clusula expressa de redutibilidade so normas de eficcia contida.

Mas preciso ressaltar que nem todas as normas de eficcia contida contm clusula expressa de redutibilidade. Com efeito, as normas definidoras de direitos no tm carter absoluto, ou seja, em alguns casos, orientadas pelos princpios da proporcionalidade e da razoabilidade, permitido ao legislador criar excees, ainda que a norma no tenha clusula expressa de redutibilidade. Podemos citar como exemplo o artigo 5. da Constituio Federal, que garante o direito vida, entretanto esse direito foi reduzido quando o Cdigo Penal admitiu a existncia da legtima defesa. Se a norma garantidora do direito vida fosse absoluta, no poderia uma norma infraconstitucional restringir esse direito, permitindo a legtima defesa. Outro exemplo que podemos citar de princpio consagrado constitucionalmente que no tem carter absoluto o da presuno de inocncia (artigo 5., inciso LVII, da Constituio Federal). Se esse princpio tivesse carter absoluto, a priso preventiva seria inconstitucional.

1.5. Resumo

Assim, de acordo com a melhor doutrina, as normas constitucionais podem ter:

Por fim, as normas constitucionais podem ser de eficcia exaurida (esvada) e aplicabilidade esgotada, conforme leciona Uadi Lammgo Bulos, classificao que abrange sobretudo as normas do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias que j efetivaram seus mandamentos.

Poder Constituinte

1. PODER CONSTITUINTE

1.1. Introduo

Os poderes constitudos da Repblica so os Poderes Legislativo, Executivo e Judicirio. Se eles so constitudos, significa dizer que algo os constituiu. Logo, existe um Poder maior: o Poder Constituinte.

O Poder Constituinte aquele capaz de editar uma constituio, dar forma ao Estado e constituir Poderes.

Costuma-se distinguir a titularidade e o exerccio do Poder Constituinte. Seu titular o povo, mas quem exerce esse poder um rgo colegiado (Assemblia Nacional Constituinte) ou uma ou mais pessoas que se invistam desse poder ( o caso das constituies outorgadas).

1.2. Poder Constituinte Originrio

O poder capaz de editar a primeira ou uma nova constituio chamado Poder Constituinte Originrio (Genuno ou de 1 Grau). O Poder Constituinte Originrio a expresso soberana da maioria de um povo em determinado momento histrico, expresso (vontade) que pode ser manifestada por meio de aceitao presumida do agente constituinte, por eleies (que geralmente selecionam os membros de uma assemblia constituinte) ou mesmo por uma revoluo.

O Poder Constituinte Originrio tem as seguintes caractersticas:

inicial: no se funda em nenhum outro. H um rompimento com a ordem jurdica anterior, ocorrendo a criao de um novo Estado;

autnomo: no se submete a limitaes de natureza material;

incondicionado: no obedece nenhuma forma.

Embora seja autnomo, o Poder Constituinte Originrio est limitado ao Direito Natural (limites transcendentais). Assim, a autonomia do Poder Constituinte Originrio no significa que ele seja ilimitado. Os positivistas chamam essa categoria de poder de soberano, visto que o Poder Constituinte Originrio no se submete a nenhum limite do Direito Positivo.

1.3. Poder Constituinte Derivado

Quando o Constituinte Originrio exercita o poder de editar uma nova constituio, tem conscincia de que, com o passar dos anos, haver necessidade de modificaes. Ento, vislumbrando essa hiptese, a Assemblia Constituinte dispe quando, por quem e de que maneira podero ser feitas tais modificaes, instituindo para tanto o Poder Constituinte Derivado.

O Poder Reformador (Poder Constituinte Derivado ou de 2 Grau) exercido pelo Congresso Nacional por meio de emendas constitucionais.

O Poder Constituinte Derivado tem as seguintes caractersticas:

derivado: criado pelo poder originrio e dele deriva;

subordinado: sujeita-se a limitaes de natureza material chamadas clusulas ptreas;

condicionado: submete-se a condicionamentos formais.

1.3.1. Poder Constituinte Decorrente

Alm do Poder Constituinte Originrio e do Poder Constituinte Derivado (ou Reformador), temos o Poder Constituinte Decorrente (artigo 11, caput, do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias). Para alguns, alis, o Poder Constituinte Decorrente uma simples espcie do gnero Poder Constituinte Derivado, apresentando as mesmas limitaes deste. Poder Constituinte Derivado Decorrente o poder de que se acham investidos os Estados-membros de se auto-organizarem de acordo com suas prprias constituies (artigo 25 da Constituio Federal), respeitados os princpios constitucionais impostos (de forma explcita ou implcita) pelo Poder Constituinte Federal (originrio ou derivado). O Distrito Federal tambm um ente federativo autnomo regido por sua lei orgnica (artigo 32 da Constituio Federal). O Poder Legislativo do Distrito Federal chama-se Cmara Legislativa (o dos Estados-membros chama-se Assemblia Legislativa e o dos Municpios chama-se Cmara Municipal).

Os Municpios ganharam com a Constituio Federal de 1988 a capacidade de auto-organizao. Regem-se e se organizam por meio das suas Leis Orgnicas Municipais, devendo observncia Constituio Federal e s Constituies Estaduais (artigo 11, pargrafo nico, do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias).

Segundo alguns doutrinadores, a Lei Orgnica do Municpio uma espcie de Constituio e, portanto, tambm manifestao do poder decorrente. Para outros doutrinadores, o poder decorrente pertence somente aos Estados.

2. PODER DE REFORMA CONSTITUCIONAL (ARTIGO 60)

Quando o constituinte originrio estabeleceu que o exercente do poder reformador seria o Congresso Nacional por meio de emenda constitucional, acabou por colocar limites e condicionamentos reforma constitucional. Se houver a violao dos limites estabelecidos, a emenda constitucional ser inconstitucional.

2.1. Limites Emenda Constitucional

Os limites tm natureza procedimental, circunstancial, temporal e material.

2.1.1. Limites procedimentais (ou formais)

a) Iniciativa (artigo 60, caput)A Constituio poder ser emendada mediante proposta de um tero (no mnimo) dos deputados ou um tero dos senadores, do Presidente da Repblica, ou de mais da metade das Assemblias Legislativas. A iniciativa para os membros do Congresso Nacional necessariamente coletiva, ou seja, para que uma proposta de emenda constitucional possa tramitar, dever haver, no mnimo, assinatura de um tero dos deputados ou senadores. No poder haver iniciativa parlamentar individual. A nica iniciativa individual a do Presidente da Repblica. As Assemblias Legislativas das unidades da Federao podero apresentar um projeto de emenda constitucional se houver a adeso de, no mnimo, mais da metade delas. Em cada Assemblia Legislativa necessrio o quorum simples (maioria relativa) para adeso proposta.

b) Votao (artigo 60, 2.)

A proposta ser discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, trs quintos dos votos dos respectivos membros.

Observao: O poder anmalo de reviso, previsto no artigo 3. do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, possibilitou alteraes na Constituio Federal pelo quorum de maioria absoluta (voto favorvel de mais da metade de todos os deputados e senadores, em sesso unicameral) e encerrou seus trabalhos em 1994, aps a edio da Emenda Constitucional de Reviso n. 6. Trata-se, pois, de norma de eficcia exaurida.

c) Promulgao (artigo 60, 3.)

A promulgao ser feita pelas Mesas da Cmara e do Senado. Aprovada a emenda constitucional pelo Congresso, no ir para a sano do Presidente da Repblica.

2.1.2. Limites circunstanciais (artigo 60, 1.)

Durante a vigncia de interveno federal, estado de defesa ou estado de stio, o poder de reforma no poder ser exercido. Essa limitao chamada pela doutrina de limitao circunstancial, pois so circunstncias que limitam o exerccio do poder de reforma.

A norma constitucional decorrente do poder de reforma editada durante essas situaes de anormalidade ser inconstitucional.

2.1.3. Limites temporais (artigo 60, 5.)

A Constituio do Imprio (1824) institua que o poder de reforma somente poderia ser exercido aps quatro anos da vigncia da Constituio. A Constituio Federal de 1988 no trouxe essa limitao temporal.

Alguns doutrinadores entendem que existe uma limitao temporal no 5. do artigo 60 o qual dispe que a matria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada no pode ser objeto de nova proposta na mesma sesso legislativa. Outros doutrinadores consideram essa limitao procedimental.

2.1.4. Limites materiais

As limitaes materiais dizem respeito s matrias que no podem ser objeto de emenda. As limitaes expressamente dispostas no 4. do artigo 60 (clusulas ptreas) so chamadas limitaes materiais explcitas, entretanto, existem limitaes materiais no dispostas neste artigo, que decorrem do sistema constitucional, e so chamadas limitaes materiais implcitas.

Passamos a estudar as limitaes materiais explcitas.

O 4. do artigo 60 dispe que:

No ser objeto de deliberao a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - voto direto, secreto, universal e peridico;

III - a separao dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

Observe-se que a Constituio diz tendente. Assim, a vedao atinge a pretenso de modificar qualquer elemento conceitual (exemplo: a autonomia dos Estados-membros elemento conceitual do Estado Federal).

O Inciso I dispe que o Estado Federal imutvel. Muitos doutrinadores entendem que h uma limitao implcita quanto modificao da forma do governo e do regime de governo, tendo em vista o resultado do plebiscito de 1993.

O Inciso II dispe que o voto direto, secreto, universal e peridico imutvel.

Voto direto: o eleitor escolhe diretamente os seus mandatrios, sem interposio de Colgio Eleitoral. Observao: H uma hiptese de exceo ao voto direto no 1. do artigo 81 da Constituio Federal, que prev eleio indireta para o cargo de Presidente e Vice-Presidente da Repblica se houver impedimento do Presidente e do Vice-Presidente nos dois ltimos anos do mandato.

Voto secreto: visa garantir a lisura das votaes, inibindo a intimidao e o suborno.

Voto universal: estende-se a todas as pessoas. O condicionamento imposto por fora do amadurecimento das pessoas (idade) no tira o carter universal do voto.

Voto peridico: significa que os mandatos polticos so provisrios.

Pergunta: A Constituio Federal poder ser reformada para que o voto passe a ser facultativo?

Resposta: Sim. O artigo 14, 1., inciso I, dispe sobre a obrigatoriedade do voto. Essa obrigatoriedade, entretanto, no limitao material por no se tratar de clusula ptrea, podendo ser objeto de emenda.

O inciso III dispe sobre o princpio da separao dos poderes. A Constituio consagra que os Poderes Legislativo, Judicirio e Executivo so independentes e harmnicos entre si. O Poder, embora seja nico, repartiu-se em trs e nenhum deles pode ser abolido, ou seja, no poder ser criado um novo Poder ou restringido um j existente (exemplo: no se pode transferir funes de um Poder para outro).

Por fim, o inciso IV dispe que no se podem suprimir os direitos e garantias individuais. Assim, a limitao no alcana todos os direitos e garantias fundamentais.

Para melhor vislumbrarmos o alcance dessa limitao, recomendvel recordarmos alguns conceitos.

O gnero Direitos e Garantias Fundamentais comporta trs espcies:

I Direitos Individuais;

II Direitos Sociais;

III Direitos Polticos.

As espcies direitos sociais e direitos polticos no so protegidos pelo inciso IV. Se o constituinte quisesse que todos os direitos fossem intangveis, no teria se referido aos direitos e garantias individuais, que a espcie, e sim aos direitos e garantias fundamentais, que o gnero. H, entretanto, polmica sobre o assunto.

Quanto aos direitos sociais, alguns doutrinadores entendem que podem ser suprimidos em face da inteligncia do princpio do inclusio unius, alterius exclusio (o que no est dentro est fora). Outros sustentam, porm, que no podem ser suprimidos, pois se os direitos individuais so protegidos, com mais razo devem ser protegidos os direitos coletivos.

Ressalte-se que os direitos e garantias individuais mencionados na clusula ptrea (artigo 60, 4., inciso IV) no so somente aqueles que constam no rol do artigo 5. da Constituio Federal. O Supremo Tribunal Federal j entendeu que o direito do artigo 150, inciso III, alnea b, da Constituio Federal, que no est incluso no rol dos direitos e garantias fundamentais, clusula ptrea; concluindo, destarte, que estas no esto limitadas ao elenco do artigo 5. da Constituio Federal. Essa parte da doutrina entende que os direitos sociais tambm podem ser considerados clusulas ptreas, impossveis de alterao.

Outra questo polmica diz respeito possibilidade de ampliao das hipteses de pena de morte (artigo 5., inciso XLVII, alnea a), que atualmente s poder ser imposta em caso de guerra externa declarada (estado de beligerncia). Existe uma srie de crimes previstos no Cdigo Penal Militar apenados com morte. A execuo se d por fuzilamento, de acordo com o disposto no Cdigo de Processo Militar. Uma ampliao a esta exceo por emenda constitucional seria tendente a abolir o direito vida (direito individual). Ento, a doutrina dominante entende que no ser possvel a adoo da pena de morte.

H, ainda, outra matria que divide a doutrina. A questo que se coloca : a Constituio pode se alterada para reduzir a idade de imputabilidade penal de 18 anos para 16 anos? H uma corrente doutrinria (minoritria) que entende que no, pois a regra prevista no artigo 228 da Constituio Federal trata-se de direito individual, sendo que as garantias e direitos individuais no se esgotam no rol do artigo 5. da Lei Maior (h precedente do Supremo Tribunal Federal neste sentido, conforme dito acima). A corrente majoritria defende a tese de que se o constituinte quisesse que essa regra fosse imutvel a teria colocado no j mencionado artigo 5..

As limitaes materiais implcitas so, dentre outras:

Titular do poder constituinte originrio (artigo 1.): o titular do poder originrio no pode ser modificado pelo poder de reforma.

S o Congresso Nacional pode exercer o poder de reforma: no poder haver delegao do poder de reforma. O Congresso Nacional no poder delegar o poder de reforma a outro rgo.

Procedimento de Emenda Constitucional: no poder ser modificado o procedimento de Emenda Constitucional. Alguns autores entendem, entretanto, que o procedimento poder ser modificado para torn-lo mais rgido.

Supresso da prpria clusula: impossibilidade de supresso da prpria clusula do 4. do artigo 60.

Forma e Sistema de Governo: alguns doutrinadores entendem que a forma republicana e o sistema presidencialista no podem ser alterados, sob pena de frustrar o plebiscito realizado em 21.04.1993. Entende-se que s o povo, diretamente, por meio de referendo, poder reformar a Constituio quanto a estas matrias.

2.2. Reviso Constitucional

A Constituio trouxe, no artigo 3. do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, uma disposio de reviso constitucional aps cinco anos da promulgao da Constituio, por voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional e em sesso unicameral.

O artigo 3. no pode, entretanto, ser interpretado sozinho, mas sim conjuntamente com o artigo 2., que previa o plebiscito para alterar a forma e o sistema de governo (o artigo previa a realizao do plebiscito no dia 07.09.1993, mas o plebiscito foi antecipado para 21.04.1993). Desse modo, em incio, a regra do artigo 3. estaria condicionada ao resultado do plebiscito e s haveria a reviso se fosse modificada a forma ou o sistema de governo.

No dia 5.10.1993 foi instalada, porm, a Assemblia Revisional e o Supremo Tribunal Federal entendeu que sua instalao no estava condicionada ao resultado do plebiscito, sendo promulgadas, naquela ocasio, seis Emendas Constitucionais Revisionais.

A Emenda Constitucional Revisional, no entanto, estava submissa s clusulas ptreas do artigo 60, 4., da Constituio Federal, no podendo, validamente, suprimir direitos individuais, forma federativa de Estado, voto direto, secreto, universal e peridico ou a separao dos Poderes.

Direitos e Garantias Fundamentais

1. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS1.1. Direitos Individuais

Os direitos individuais, historicamente conceituados como prerrogativas que tm os indivduos em face do Estado (nos regimes constitucionais, os governos tm seus poderes e limites traados por regras constitucionais), evoluram a fim de tambm proteger um indivduo de outros indivduos e ainda os grupos de indivduos contra qualquer arbitrariedade. Ademais, atualmente os direitos individuais no existem somente para proteger o indivduo, impondo deveres de absteno ao Estado (prestao negativa que inicialmente orientou as garantias individuais, a exemplo do inciso LXI do artigo 5. da Constituio Federal); existem tambm para impor ao Estado deveres de prestao (por exemplo, os incisos L e LXII do artigo 5. da Constituio Federal).

1.1.1. Direitos individuais homogneos

Nos termos do artigo 81, pargrafo nico, inciso III, do Cdigo de Defesa do Consumidor, so aqueles que pertencem a grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determinveis, que compartilhem prejuzos divisveis, de origem comum, normalmente oriundos das mesmas circunstncias de fato.

1.1.2. Direitos coletivosDireitos transindividuais ou metaindividuais que pertencem a vrios titulares que se vinculam juridicamente, ou, segundo entendimento de Ada Pellegrini Grinover, que possuem uma relao jurdica base (exemplos: condminos, sindicalistas etc.).

1.1.3. Direitos difusosSo direitos transindividuais, de natureza indivisvel, de que so titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstncia de fato (exemplos: usurios de uma praia, consumidores etc.)

O conceito de direitos difusos, coletivos e individuais homogneos encontrado no artigo 81, pargrafo nico, incisos I, II e III, da Lei n. 8.078/90.

1.2. Direitos Sociais

Os direitos sociais genericamente referidos no artigo 6. da Constituio Federal esto espalhados por toda a Constituio, em especial nos artigos 7., 193 e 230.

Direitos sociais so direitos coletivos e no direitos individuais, embora algumas vezes possam ocupar as duas posies. Por isso, em regra so passveis de modificao por emenda constitucional (apenas os direitos e garantias individuais esto previstos como clusula ptrea).

Nos termos do artigo 6. da Constituio Federal, so direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, a moradia (Emenda Constitucional n. 26/00), o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, nos termos da Carta Magna.

1.3. Direito de Nacionalidade

Direito que tem o indivduo de manter um vnculo jurdico com o Estado, de pertencer ao povo de um Estado e, em conseqncia, receber proteo deste.

1.4. Direito de CidadaniaPrerrogativa que tem o indivduo de participar da tomada de deciso poltica do Estado (exemplos: direito de votar, de participar de plebiscito, de ingressar com uma ao popular etc.).

1.5. Direito de Organizar e Participar de Partido Poltico

Tem o objetivo de ascender ao poder, ou seja, de levar sociedade a sua forma de administrar o Estado.

1.6. Observaes

So esses os Direitos Fundamentais expressos na Constituio Federal. Admitem-se, no entanto, outros no escritos formalmente, mas que decorrem dos princpios adotados pela Carta Magna (artigo 5., 2.).

1.7. Tratados Internacionais

O pacto entre duas ou mais naes normalmente denominado Tratado.

No Brasil compete ao Presidente da Repblica celebrar tratados internacionais e submet-los ao referendo do Congresso Nacional (artigos 49, inciso I, e 84, inciso VIII, ambos da Constituio Federal). Assim, a assuno de um compromisso externo depende da vontade conjugada dos dois poderes polticos (Executivo e Legislativo).

Uma mensagem do Presidente da Repblica, acompanhada da proposta de tratado, encaminhada ao Congresso Nacional e l pode ser aprovada (via decreto legislativo aprovado por maioria simples e promulgado pelo presidente do Senado Federal, que o faz publicar no Dirio Oficial da Unio) ou rejeitada. Por fim, necessria a promulgao e publicao por decreto do Presidente da Repblica ( o decreto presidencial que d fora executiva ao tratado).

O Supremo Tribunal Federal acolhe a tese segundo a qual as Convenes e Tratados Internacionais tm fora jurdica de norma infraconstitucional, fora de lei ordinria. Portanto, esto subordinados Constituio Federal.

Parte da doutrina, porm, sustenta tese diversa, afirmando que os tratados internacionais de proteo aos direitos humanos ingressam em nosso ordenamento jurdico nacional com fora de norma constitucional. A respeito do tema merece destaque o trabalho de Flvia Piovesan.

1.8. Classificao

A doutrina costuma apresentar a classificao dos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geraes. Na histria da humanidade, apareceram em primeiro lugar as liberdades clssicas e concomitantemente as liberdades de participao. Conforme j mencionado, esse conjunto de direitos apareceu no mesmo momento histrico. Assim, esse conjunto forma os direitos de primeira gerao.

Logo depois surgiram as liberdades concretas direitos sociais de segunda gerao com o fim de evitar a isonomia formal e impor a isonomia real. Assim, os direitos de segunda gerao surgiram em busca da igualdade.

A doutrina ainda classifica os direitos de terceira gerao difusos que repousam na idia de que as pessoas deveriam viver solidariamente, fraternalmente em sociedade (exemplo: meio ambiente).

Por fim, alguns doutrinadores falam em direitos de quarta gerao ligados ao patrimnio gentico.

1.9. Diferena Entre Direito e Garantia

A diferena entre direito e garantia, no direito brasileiro, remonta a Rui Barbosa.

Direito disposio declaratria.

Garantia elemento assecuratrio (sistema de proteo). um procedimento judicial especfico, cuja finalidade dar proteo eficiente aos direitos fundamentais. Alguns doutrinadores chamam as garantias de remdios constitucionais.

A regra jurdica declara em favor da pessoa determinado direito. A garantia assegura o exerccio do direito. Encontramos, s vezes, no mesmo inciso o direito e a garantia (exemplo: inciso IX do artigo 5.) ou num inciso o direito e no outro a garantia (exemplo: direito no inciso LXI e garantia no inciso LXV, todos do artigo 5. da Constituio Federal).

O remdio ser sempre instrumento processual. So eles:

habeas corpus: tem por objetivo proteger a liberdade de locomoo;

habeas data: visa a garantir ao impetrante o acesso aos dados existentes sobre sua pessoa em bancos de dados pblicos ou particulares de carter pblico;

mandado de segurana: tem a finalidade de fazer cessar leso ou ameaa de leso ao direito individual ou coletivo, lquido e certo, seja qual for a autoridade responsvel pela ilegalidade ou abuso de poder;

mandado de injuno: tem como finalidade garantir o exerccio de direito previsto em norma constitucional de eficcia limitada ainda no regulamentada;

ao popular: um instrumento de democracia direta por meio do qual o cidado exerce a fiscalizao do patrimnio pblico para impedir que este seja lesado por ato de autoridade ou para reparar a leso j verificada.

1.10.Destinatrio

Os direitos e garantias previstos no artigo 5. da Constituio Federal tm como destinatrios as pessoas fsicas ou jurdicas, nacionais ou estrangeiras, pblicas ou privadas, ou mesmo entes despersonalizados (massa falida, esplio etc.), estrangeiros residentes ou de passagem pelo territrio nacional.

1.11.Aplicabilidade e Interpretao

So dois os princpios que devem ser observados quando se trata da interpretao das normas constitucionais de direitos e garantias fundamentais:

sero interpretadas de forma ampla, extensiva, para abranger o maior nmero possvel de sujeitos e de situaes;

as normas excepcionadoras de direitos e garantias devem ser interpretadas restritivamente.

Quanto aplicabilidade, somente as normas de direitos e garantias que no dependem de complementao (normas de eficcia plena e contida) tm aplicao imediata.

1.12.Suspenso (artigos 136, 1., 138 e 139)

No Brasil, so previstas duas excees em que os direitos e garantias so suspensos por tempo determinado; durante o estado de defesa e o estado de stio.

1.12.1. Estado de defesaPode ser decretado sempre que houver instabilidade das instituies democrticas ou calamidade pblica. Os direitos que podem ser suspensos so aqueles previstos no artigo 136, 1., incisos I e II, da Constituio Federal. Para a decretao do estado de defesa, o Presidente da Repblica no precisa de autorizao prvia do Congresso Nacional.

1.12.2. Estado de stioPode ser decretado em duas situaes, previstas no artigo 137, incisos I e II, da Constituio Federal:

comoo grave de repercusso nacional ou se o estado de defesa se mostrou ineficaz para resolver o problema. Os direitos que podem ser excepcionados, nesse caso, esto previstos no artigo 139;

guerra externa ou resposta agresso armada estrangeira. Todos os direitos esto sujeitos restrio, inclusive o direito vida (exemplo: em caso de guerra externa, pode-se aplicar pena de morte).

1.13.Limitao Material ao Poder de Reforma (artigo 60, 4.)

O artigo 60, em seu 4., coloca limites para a reforma da Constituio Federal. Algumas matrias no se sujeitam modificao por emenda. Somente o constituinte originrio poderia modificar essas clusulas, chamadas clusulas ptreas.

No esto sujeitos emenda os direitos e garantias individuais previstos no artigo 5..

2. DIREITO VIDA2.1. A Vida como Objeto do Direito2.1.1. Proibio da pena de morte (artigo 5., inciso XLVII, alnea a)

A Constituio Federal assegura o direito vida quando probe a pena de morte. A aplicao desta s permitida em caso de guerra externa declarada. O constituinte entendeu que a sobrevivncia da Nao, em momento de guerra declarada, se sobrepe sobrevivncia individual daqueles que se mostrem nocivos coletividade.

No possvel a introduo da pena de morte por emenda constitucional, pois o direito vida direito individual e o artigo 60, 4., inciso IV, dispe que os direitos individuais no podero ser modificados por emenda (clusula ptrea, imutvel).

Tambm no seria possvel um plebiscito para a introduo da pena de morte, tendo em vista que a prpria Constituio Federal estabelece suas formas de alterao e o plebiscito no est entre elas. A nica maneira de se introduzir a pena de morte no Brasil seria a confeco de uma nova Constituio pelo poder constituinte originrio.

2.1.2. Proibio do abortoA Constituio Federal no se referiu ao aborto expressamente, mas simplesmente garantiu a vida, sem mencionar quando ela comea (com a concepo ou com o nascimento). Assim, o Cdigo Penal, na parte que trata do aborto, foi recepcionado pela Constituio Federal de 1988.

O Cdigo Penal prev o aborto legal em caso de estupro (aborto sentimental) e em caso de risco de morte da me (aborto necessrio ou teraputico), independente de autorizao judicial.

O aborto eugnico, admitido em alguns pases quando o feto apresenta graves deformidades, no est autorizado por nossa legislao. Parte da jurisprudncia admite, no entanto, o aborto eugnico baseado no direito vida da me, preservando-lhe sua sade fsica e mental, mesmo no havendo risco de morte (exemplo: quando provada a anencefalia do feto). O aborto eugnico deve ser concedido mediante autorizao judicial nas hipteses de comprovao cientfica de impossibilidade de sobrevivncia extra-uterina (essa posio no pacfica).

Para que o aborto seja legalizado no Brasil, basta somente a vontade do legislador infraconstitucional, tendo em vista que a Constituio Federal no dispe a respeito.

2.1.3. Proibio da eutansiaA eutansia configura-se quando algum tira a vida de outrem cuja sobrevivncia autnoma incerta. O caso de desligamento dos aparelhos de pessoa clinicamente morta, que s sobreviveria por meio deles (vegetao mecnica), no configura a eutansia. O mdico que praticar a eutansia, ainda que com autorizao do paciente ou da famlia, estar cometendo crime de homicdio (chamado homicdio piedoso).

O suicdio assistido por mdico, no Brasil, pode ser punido como auxlio ao suicdio.

2.1.4. Garantia da legtima defesaO direito de a pessoa no ser morta legitima que se tire a vida de outrem que atentar contra a sua prpria.3. DIREITO IGUALDADE

Dos direitos e garantias fundamentais explicitados na Constituio Federal, o primeiro aquele que anuncia a igualdade de todos perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos da Constituio Federal e das regras internacionais vigentes.

Igualdade tem o sentido de equiparao de todos no que concerne fruio de direitos, bem como sujeio de deveres.

A igualdade, muitas vezes, pode estar representada pelo tratamento desigual aos desiguais, a exemplo da alquota progressiva do Imposto de Renda. Esse tratamento caracteriza a isonomia.

3.1. Da Igualdade entre Homens e Mulheres

De acordo com o inciso I do artigo 5., homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes. Vale como exemplo o artigo 7., inciso XXX, que veda diferenas salariais em razo do sexo, idade, cor ou estado civil do trabalhador. O artigo 226, 5., por sua vez revogou todos os dispositivos infraconstitucionais que outorgavam aos homens o status de cabea do casal (o artigo 233 do Cdigo Civil de 1916, entre outros, dispunha que o marido era o chefe da sociedade conjugal).

A prpria Constituio Federal, porm, excepciona a regra geral e atribui tratamento diferenciado mulher em alguns casos, como a proteo ao mercado de trabalho (artigo 7., inciso XX), a aposentadoria com reduo de cinco anos na idade e no tempo de contribuio (artigo 201, 7.), a iseno do servio militar obrigatrio em tempo de paz (artigo 143, 2.) etc.

4. DA LEGALIDADE

O inciso II do artigo 5. da Constituio Federal estabelece que ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei. o chamado princpio da legalidade, inerente ao Estado de Direito. Somente a lei norma genrica abstrata expedida pelo Legislativo e outros atos com fora de lei admitidos pela Carta Magna criam direitos e obrigaes, embora existam excees nos perodos de estado de defesa e estado de stio.

O decreto, espcie mais comum dos atos regulamentares, costuma ser definido como o ato administrativo de competncia exclusiva do chefe do Poder Executivo (federal, estadual ou municipal), destinado a dar eficcia a situaes gerais ou especiais previstas de forma explcita ou implcita na lei. No tem fora, portanto, para criar direitos ou extinguir obrigaes, ou seja: no que for alm da lei, no obriga; no que for contra a lei, no prevalece.

Prevalece, ento, que a Constituio Federal s admite o decreto regulamentar, tambm chamado decreto de execuo; ou seja, aquele decreto que se limita a facilitar a execuo da lei e a organizar o funcionamento da administrao (artigos 5., inciso II, 49, inciso V, e 84, inciso IV, todos da Constituio Federal), ainda assim, com observncia do princpio da reserva legal. Nesse sentido, as lies de Jos Afonso da Silva e Celso Antnio Bandeira de Mello.

Hely Lopes Meirelles, por sua vez, admite o decreto denominado autnomo ou independente, que visa suprir a omisso do legislador, dispondo sobre matria ainda no especificada em lei e que no esteja sujeita ao princpio da reserva legal.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro leciona que: No direito brasileiro, a Constituio de 1988 limitou consideravelmente o poder regulamentar, no deixando espao para os regulamentos autnomos, a no ser a partir de Emenda Constitucional n. 32/01. Para essa eminente administrativista A atual Constituio, no artigo 84, VI, prev competncia para dispor sobre a organizao e o funcionamento da administrao federal, na forma da lei. Assim, conclui: Com a alterao do dispositivo constitucional, fica restabelecido o regulamento autnomo no direito brasileiro, para a hiptese especfica inserida na alnea a.

4.1. Legalidade Administrativa (artigo 37, caput)

No h atuao administrativa possvel que no esteja prevista em lei.

O particular pode fazer tudo que no for proibido pela lei. O Estado s pode fazer o que a lei permite.4.2. Legalidade Penal (artigo 5., inciso XXXIX)

Protege o indivduo contra a ao do Estado, impondo limites para: represso de condutas penalmente tpicas; fixao da responsabilidade penal; a natureza da sano penal; regime de cumprimento da sano.5. DO DEVIDO PROCESSO LEGALA prestao jurisdicional deve respeitar o devido processo legal. O princpio traz duas vertentes; por um lado, dispe que o Estado, sempre que impuser qualquer tipo de restrio ao patrimnio ou liberdade de algum, dever seguir a lei; por outro lado, significa que todos tm direito jurisdio prestada nos termos da lei, ou seja, a prestao jurisdicional deve seguir o que est previsto em lei. O respeito forma uma maneira de garantir a segurana do devido processo legal.

Componentes do devido processo legal:

processo: instrumento pelo qual a jurisdio atua;

devido: compromisso tico e de justia;

legal: que decorre da lei.

A clusula do devido processo legal informa o processo judicial e o processo administrativo (artigo 5., inciso LV). Informa o direito administrativo ao regular o processo administrativo contencioso na administrao federal e estadual.

Princpios decorrentes do princpio do devido processo legal:

5.1. Inafastabilidade do Controle Judicial (artigo 5., inciso XXXV)

Apenas o Poder Judicirio soluciona definitivamente leses ou ameaa a direitos. Assim, o sistema normativo no prev nenhuma possibilidade ao chamado contencioso administrativo.

A Constituio do Imprio estabelecia pr-requisitos para algum ingressar em juzo. A Emenda Constitucional n. 7, de 1977, dando nova redao ao artigo 153 da Constituio Federal de 1967, ditava que o ingresso em juzo poder ser condicionado a que se exauram previamente as vias administrativas, desde que no exigida a garantia de instncia, nem ultrapassado o prazo de 180 dias para a deciso sobre o pedido. O Ato Institucional n. 5, de 1969, excluiu da apreciao do Poder Judicirio os atos praticados pelo comando do Golpe Militar de 1964.

A Constituio Federal de 1988, ao contrrio, estabelece a regra de que o direito de acesso justia, visando apreciao de leso ou ameaa de leso a direito, no depende de qualquer procedimento administrativo prvio e no pode ser excludo pela lei.

O acesso justia comum comporta uma exceo: o artigo 217, 1., da Constituio Federal de 1988, prev o esgotamento das instncias da justia desportiva. A justia desportiva um rgo administrativo e no um rgo do Poder Judicirio, conforme explicita o artigo 52 da Lei Pel (Lei n. 9.615/98)

Tambm na lei que regulamenta o habeas data, existe a disposio que prev o esgotamento dos meios administrativos para que se possa, ento, recorrer ao Judicirio (artigo 2. da Lei n. 9507/97).

Os artigos 18, 31 e 33 da Lei n. 9.307/96, que dispe sobre a arbitragem, so de duvidosa constitucionalidade, pois excluem algumas questes da apreciao do Poder Judicirio. Os que defendem a inexistncia de inconstitucionalidade destacam que apenas pessoas capazes podem celebrar a conveno de arbitragem, a qual somente pode versar sobre direitos disponveis, semelhana da transao.

5.2. IsonomiaPrev um tratamento igualitrio para as partes. Todos os rgos pblicos devero dar tratamento isonmico para as partes.

A isonomia formal e no material. O tratamento diferenciado, seja na elaborao ou na aplicao da lei, s possvel quando presentes pressupostos lgicos que objetivem o estabelecimento desigual na medida das desigualdades.5.3. Contraditrio e Ampla Defesa (artigo 5., inciso LV)Deve-se observar o contraditrio e a ampla defesa como requisitos para que o devido processo legal seja respeitado. O contraditrio a possibilidade, assegurada a quem sofre uma imputao em juzo, de contraditar essa imputao, ou seja, de apresentar a sua verso dos fatos. A ampla defesa significa que as partes devem ter a possibilidade de produzir todas as provas que entendam necessrias ao esclarecimento dos fatos e ao convencimento do juiz.

O princpio do contraditrio decorre do brocardo romano audiatur et altera pars e identificado na doutrina pelo binmio cincia e participao. As partes tm o direito de serem cientificadas sobre qualquer fato processual ocorrido e a oportunidade de se manifestarem sobre ele antes de qualquer deciso jurisdicional. No processo penal, a participao (defesa) h de ser efetiva, ou seja, o ru deve ter direito autodefesa e defesa tcnica, podendo o juiz nomear-lhe outro defensor se consider-lo indefeso. J no processo civil, a participao tem natureza instrumental e pode ser meramente presumida, no podendo o juiz nomear outro advogado para a parte.

Observao: O inqurito policial no se desenvolve sob a gide do princpio do contraditrio, pois se trata de mero procedimento inquisitivo. Com efeito, durante as investigaes policiais no h acusao, logo no h defesa. Os indcios colhidos durante o inqurito policial s podem fundamentar uma sentena penal condenatria se confirmados por outros elementos de prova. 5.4. Juiz Natural (artigo 5., inciso LIII)A deciso de um caso concreto deve ser proferida pelo juiz natural que o juiz ou tribunal investido de poder pela lei para dizer o direito ao caso concreto, ou seja, o juiz ou tribunal que tem a competncia, previamente estabelecida, para julgar determinado caso concreto.

Esse princpio informa o processo penal, civil e administrativo. No processo civil h a relativizao da garantia, pois admite-se a prorrogao da competncia (nas hipteses de competncia relativa). No processo administrativo o servidor tem direito de ser julgado por aquele que detenha o poder hierrquico ou disciplinar (o Supremo Tribunal Federal entende que o servidor s pode ser punido pela autoridade a quem deva subordinao funcional). No processo penal, as regras que estabelecem as prerrogativas de foro so fixadas em favor do cargo e no da pessoa.

Ateno: no confundir o princpio do juiz natural com o princpio da identidade fsica do juiz (artigo 132 do Cdigo de Processo Civil), que no se aplica no processo penal.

Discute-se, hoje, a existncia ou no do princpio do promotor natural, extrado da locuo processar prevista no inciso LIII do artigo 5. da Constituio Federal. Conforme leciona Hugo Nigro Mazzilli: O princpio do promotor natural significa, portanto, a existncia de rgo do Ministrio Pblico escolhido por prvios critrios legais e no casuisticamente. No fosse assim, a garantia constitucional da inamovibilidade do rgo ministerial seria uma falcia; alm disso, seria possvel que o chefe da instituio manipulasse as acusaes penais e as demais atuaes ministeriais, designando membros para atuarem conforme sua convenincia, que no raro coincidiria com a dos governantes que o escolheram. Por isso, no basta que no se possa livremente remover o membro do Ministrio Pblico do cargo; mister que se assegure ao promotor de Justia ou ao procurador da Repblica o efetivo exerccio das suas funes. Ao cargo devem estar agregadas atribuies previamente determinadas por lei .

5.5. Vedao a Juzes e Tribunais de Exceo (artigo 5., inciso XXXVII)Os juzos e tribunais de exceo so transitrios e arbitrrios, pois somente aplicam a lei em determinados caso concretos. Normalmente, o Tribunal de Exceo institudo aps a ocorrncia do fato que ir julgar; institudo para julgar fato ou pessoa determinada, situao incompatvel com o denominado Estado de Direito.

A justia especial no se confunde com a justia de exceo. A justia especial est prevista na Constituio e permanente e orgnica. A justia de exceo, como visto acima, transitria e est fora dos quadros constitucionais do Poder Judicirio.

5.6. Tribunal do Jri (artigo 5., inciso XXXVIII)O jri, rgo colegiado, heterogneo e de formao temporria que exerce funes jurisdicionais sem ser necessariamente composto por profissionais da rea jurdica (exceto o juiz-presidente, que sempre um magistrado de carreira), tem sua competncia fixada pela Constituio Federal para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados (homicdio doloso, infanticdio, participao em suicdio e aborto). A competncia do Tribunal do Jri pode ser ampliada por norma infraconstitucional.

Para a votao, que sigilosa (voto secreto, nos termos do artigo 481 do Cdigo de Processo Penal), o Brasil adotou o sistema francs, que prev quesitos mltiplos. Pelo sistema ingls, cuja futura adoo defendida por muitos, h um quesito nico (culpado ou inocente) para os jurados e o juiz togado decide as demais questes.

A soberania do jri significa que o juiz-presidente (togado) ou mesmo os tribunais no podem reformar a deciso dos jurados pelo mrito (ainda que contrria prova dos autos) e proferir outra em seu lugar, podendo apenas anular o julgamento e mandar o processo a novo jri. Pelo mesmo motivo (ainda que este seja a deciso manifestamente contrria prova dos autos), mrito, no pode haver segunda apelao (artigo 593, 3., do Cdigo de Processo Penal e RTJ 45/44 do Supremo Tribunal Federal). Quanto s nulidades, porm, podem ser interpostos quantos recursos forem necessrios.

A plenitude de defesa diz respeito ao direito do ru de exercer a autodefesa (exemplo: interrogatrio) e a defesa tcnica, sendo lcito ao advogado utilizar argumentos jurdicos e extra-jurdicos. Se, durante o julgamento, o juiz considerar o ru indefeso, dever dissolver o conselho de sentena (artigo 497, inciso V, do Cdigo de Processo Penal).

O procedimento do jri denominado bifsico, ou escalonado. A primeira fase inicia-se com o recebimento da denncia e encerra-se com o trnsito em julgado da sentena de pronncia. Caso a primeira fase seja encerrada com a impronncia, absolvio sumria ou a desclassificao, no haver julgamento pelo jri popular. A segunda fase, decorrente da pronncia, tem incio com a apresentao do libelo acusatrio pelo Promotor de Justia e encerrada, aps a deliberao dos jurados, com a sentena do juiz-presidente (juiz togado).

A sesso de julgamento instaurada desde que presentes 15 dos 21 jurados sorteados para cada reunio peridica. O conselho de sentena formado por 7 jurados e o julgamento se d pela maioria de votos.

Caso a pena fixada ao final do julgamento seja igual ou superior a 20 anos, admite-se, por apenas uma vez, o protesto por novo jri. No concurso material de crimes inadmissvel a soma das penas para a concesso do novo jri.

O segundo julgamento pode estabelecer pena superior ao primeiro, no sendo vedada a reformatio in pejus (artigo 617 do Cdigo de Processo Penal) nos casos sujeitos a jri popular, em decorrncia da soberania de suas decises.

Aqueles que tm prerrogativas em razo das funes que exercem (inclusive os Juzes de Direito e os membros do Ministrio Pblico artigo 96, inciso III, da Constituio Federal) no esto sujeitos ao jri. Diante da revogao da Smula n. 394 do Supremo Tribunal Federal, perdido o cargo cessa a prerrogativa funcional, sendo os autos remetidos ao juzo ordinrio.

O servio do jri obrigatrio para os capazes entre 21 e 60 anos, observadas as isenes previstas no artigo 436 do Cdigo de Processo Penal. O artigo 435 do Cdigo de Processo Penal, que previa sanes para a recusa a este servio, est sob debate, pois hoje a Constituio Federal admite a prestao de servio alternativo nos casos de escusa de conscincia.

Normalmente os crimes dolosos contra a vida so julgados pelo Tribunal do Jri da Comarca onde o delito foi praticado. Contudo, quando houver dvida sobre a imparcialidade do jri, sobre a segurana pessoal do ru, atraso superior a um ano para o julgamento ou por interesse da ordem pblica, o ru poder ser julgado fora do distrito da culpa. O desaforamento do julgamento e o pedido deve ser formulado aps o trnsito em julgado da pronncia.

H tambm a possibilidade de o ru ser julgado por um jri federal (artigo 109 da Constituio Federal), a exemplo da prtica dos seguintes crimes dolosos contra a vida: crime contra funcionrio pblico federal em razo de suas funes, crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, crimes cometidos por servidores federais no exerccio de suas funes e crimes praticados contra ndios dentro de reservas indgenas (artigos 22, inciso XIV e 109, inciso XI, ambos da Constituio Federal).

Em julgado de 14.4.2001 (RE n. 270.370), no qual se considerou que o assassinato de ndio no interior de sua aldeia tivera relao direta com questo concernente a direitos originrios sobre terras indgenas, com base no inciso XI do artigo 109 da Constituio Federal, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a competncia da Justia Federal.

Observe-se, porm, que a Smula n. 140 do Superior Tribunal de Justia estabelece que compete justia estadual processar e julgar crime em que o indgena figure como autor ou vtima.

Havendo conexo entre o delito de competncia do jri e outro de competncia da justia comum, o jri ser competente para o julgamento das duas infraes.

O procedimento do jri est disciplinado nos artigos 406 a 497 do Cdigo de Processo Penal.

Observao: o latrocnio (artigo 157, 3., ltima parte, do Cdigo Penal) considerado crime contra o patrimnio e no crime contra a vida. Por isso, seu julgamento de competncia do juiz singular e no do Tribunal do Jri (Smula n. 603 do Supremo Tribunal Federal).

5.7. Motivao das Decises (artigo 93, inciso IX)Toda deciso judicial dever ser motivada, pois uma deciso sem motivao ofende o princpio do devido processo legal, sendo considerada invlida.5.8. Publicidade

O juiz deve dar publicidade de todas as decises que proferir e todos os atos sero pblicos, com exceo daqueles que devem acontecer em segredo de justia.5.9. Proibio da Prova Ilcita (artigo 5., inciso LVI)

O gnero provas ilegais divide-se em duas espcies:

provas ilcitas: so obtidas com violao de direito material (exemplo: prova obtida mediante tortura ou mediante violao de domiclio);

provas ilegtimas: so obtidas com violao de direito processual (juntada de documentos na fase do artigo 406, 2. do Cdigo de Processo Penal).

A Constituio Federal afasta o acolhimento das provas ilcitas, regra que deve ser observada no mbito penal, civil ou administrativo. Contudo, no existe princpio constitucional absoluto. Assim, diversos autores defendem a admisso da prova ilcita na hiptese de o bem jurdico beneficiado por ela ser de maior valor que o bem jurdico sacrificado pela ilicitude da obteno (exemplo: gravao em vdeo de maus-tratos aplicados ao filho; devem ser sopesados a integridade fsica do menor e a intimidade do agressor). O sopesamento conhecido por princpio da proporcionalidade e normalmente s admitido pelo Supremo Tribunal Federal em benefcio da defesa.

Para a anlise das provas ilcitas h que se ter em mente a doutrina norte-americana consubstanciada na teoria dos frutos da rvore envenenada (fruits of the poisonous tree), que prev a contaminao das provas decorrentes da prova ilcita (STF HC n. 74.116, j. 5.11.1996, 2. Turma), as chamadas provas ilcitas por derivao.

6. TORTURA

Art. 5., III Ningum ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

A tortura classificada pelo inciso XLIII do artigo 5. como crime inafianvel e insuscetvel de graa ou anistia, por ele respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evit-la, se omitirem.

Nos termos da Lei n. 9.455, de 7.4.1997, a tortura, que pode ser fsica ou moral, caracteriza-se, entre outras hipteses, por:

a) constranger algum com emprego de violncia ou grave ameaa, causando-lhe sofrimento fsico ou mental, com o especial fim de: 1) obter informao, declarao ou confisso da vtima ou de terceira pessoa; 2) provocar a ao ou omisso de natureza criminosa; 3) em razo de discriminao racial ou religiosa;

b) submeter algum, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violncia ou grave ameaa, a intenso sofrimento fsico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de carter preventivo.

7. DIREITO LIBERDADE

7.1. Liberdade de Pensamento (artigo 5., inciso IV) importante que o Estado assegure a liberdade das pessoas de manifestarem o seu pensamento. Foi vedado o anonimato para que a pessoa assuma aquilo que est divulgando caso haja danos materiais, morais ou imagem. De acordo com o artigo 28 da Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67), o escrito publicado em jornais ou peridicos, sem indicao de seu autor, considera-se redigido: pelo redator da seo em que foi publicado; pelo diretor ou pelo redator-chefe, se publicado na parte editorial; e pelo agente ou proprietrio das oficinas impressoras, se publicado na parte ineditorial.

O limite na manifestao do pensamento encontra-se no respeito imagem e moral das outras pessoas.

Caso ocorram danos, o ofendido poder se valer de dois direitos cumulativamente:

indenizao por dano material, moral ou imagem (So cumulveis as indenizaes por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato Smula n. 37 do Superior Tribunal de Justia);

direito de resposta, que o direito a ter idntica oportunidade para se defender, desde que seja proporcional ao agravo e que seja realmente usado para defesa e no para ataque ao ofensor. Se o direito de resposta for negado pelo veculo de comunicao, caber medida judicial (artigo 5., inciso V).

7.2. Liberdade de Conscincia, de Crena e de Culto (artigo 5., incisos VI, VII e VIII)A liberdade de conscincia refere-se viso que o indivduo tem do mundo, ou seja, so as tendncias ideolgicas, filosficas, polticas etc. de cada indivduo.

A liberdade de crena tem um significado de cunho religioso, ou seja, as pessoas tm liberdade de cultuar o que acreditam. A Constituio Federal probe qualquer distino ou privilgio entre as igrejas e o Estado. O que se prev que o Estado poder prestar auxlio a qualquer igreja quando se tratar de assistncia sade, educao etc.

Seja qual for a crena, o indivduo tem direito a praticar o culto. A Constituio Federal/88 assegura, tambm, imunidade tributria aos templos em razo de realizao do culto.

Ainda, a Constituio Federal assegura o atendimento religioso s pessoas que se encontrem em estabelecimentos de internao coletiva, como manicmios, cadeias, quartis militares etc.

7.3. Liberdade de Atividade Intelectual, Artstica, Cientfica e de Comunicao (artigo 5., inciso IX)A Constituio Federal estabelece que a expresso das atividades intelectual, artstica, cientfica e de comunicao livre, no se admitindo a censura prvia. uma liberdade, no entanto, com responsabilidade, ou seja, se houver algum dano moral ou material a outrem, haver responsabilidade por indenizao.

O direito do prejudicado se limita indenizao por danos, no se podendo proibir a circulao da obra. Apesar de no haver previso na Constituio Federal quanto proibio de circulao de obras, o Judicirio est concedendo liminares, fundamentado no fato de que deve haver uma preveno para que no ocorra o prejuzo e no somente a indenizao por isto.

Os meios de comunicao so pblicos, podendo ser concedidos a terceiros. Caso a emissora apresente programas que atinjam o bem pblico, ela sofrer sanes, incluindo-se a no renovao da concesso. O prazo da concesso ou permisso ser de dez anos para as emissoras de rdio e de quinze para as de televiso.

7.4. Inviolabilidade do Domiclio (artigo 5., inciso XI)

A Constituio estabelece a inviolabilidade domiciliar e suas excees. A casa asilo do indivduo, ningum nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, ainda, durante o dia, por determinao judicial.

A expresso casa, segundo o Cdigo Penal (artigo 150, 4.), compreende qualquer compartimento habitado, o aposento ocupado de habitao coletiva e, ainda, compartimento no aberto ao pblico, onde algum exerce profisso ou atividade.

Com relao expresso dia, Jos Afonso da Silva entende que o perodo das 6:00 horas da manh s 18:00 horas. Para Celso de Mello, deve ser levado em conta o critrio fsico-astronmico, como o intervalo de tempo situado entre a aurora e o crepsculo. Outros doutrinadores entendem que devem ser aplicados os dois critrios conjuntamente. Leda Pereira da Mota e Celso Spitzcovsky, em relao ao horrio, destacam o artigo 172 do Cdigo de Processo Civil, que autoriza o cumprimento dos atos processuais das seis s vinte horas.

O Cdigo Penal, no artigo 150, define o crime de violao de domiclio. A Lei n. 4.898/65, no artigo 3., alnea b, define como crime de abuso de autoridade o atentado inviolabilidade do domiclio.

polmica a questo sobre a possibilidade ou no de a Administrao Pblica exercer seu poder de polcia no interior das casas, sem autorizao judicial.

Poder de Polcia (modernamente conceituado em outros pases como limitaes administrativas liberdade e propriedade) aquele que se confere Administrao Pblica para que ela possa, nos limites da lei, em benefcio da coletividade ou do prprio Estado, regular, condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos. O Poder de Polcia tem como principal caracterstica a auto-executoriedade, ou seja, passvel de execuo direta pela prpria administrao, independentemente de ordem judicial.

Hely Lopes Meirelles, exemplificando situaes como nas demolies de obras nocivas comunidade, leciona que se firma cada vez mais a jurisprudncia na boa doutrina, reconhecendo a Administrao especialmente quanto aos atos de polcia o poder de executar direta e indiretamente seus atos imperativos, independentemente de pedido cominatrio ou mandado judicial. Reconhece, porm, que em face dos princpios do contraditrio e da ampla defesa, inclusive nos procedimentos administrativos, a auto-executoriedade tornou-se mais restrita.

Celso Ribeiro Bastos, por sua vez, ao tratar da inviolabilidade do domiclio, traz a seguinte lio: Perdeu portanto a administrao a possibilidade da auto-executoriedade administrativa. Mesmo em casos de medidas de ordem higinica ou de profilaxia e combate s doenas infecto-contagiosas, ainda assim necessrio uma ordem judicial para invaso.

Entendemos que, tratando-se de situaes emergenciais, a razo est com Hely Lopes Meirelles, sem prejuzo de que posteriormente o particular ingresse com as medidas judiciais cabveis para a defesa de seus direitos e de seu patrimnio, se for o caso. Afinal, quem pode o mais pode o menos, e a Constituio Federal autoriza at mesmo a requisio do bem particular (artigo 5., inciso XXV) sem impor para tanto a prvia autorizao judicial.

A Constituio Federal, em seu artigo 145, 1., estabelece que a administrao tributria deve exercer suas atividades com respeito aos direitos individuais, entre os quais se destaca a inviolabilidade de domiclio. Nesse sentido STF-RTJ 162/249. No mbito infraconstitucional a matria est disciplinada pelos artigos 194/200 do Cdigo Tributrio Nacional. Havendo resistncia, a fiscalizao tributria deve requerer ao Poder Judicirio um mandado de busca e apreenso, podendo o contribuinte ser enquadrado no artigo 1., inciso I, da Lei n. 8.137/90 (que trata dos crimes contra a ordem tributria).

7.5. Sigilo de Correspondncia e de Comunicaes (artigo 5., inciso XII)

A Constituio Federal assegura o sigilo da correspondncia e das comunicaes telegrficas, de dados e das comunicaes telefnicas, permitindo a violao das comunicaes telefnicas, desde que por ordem judicial.

A Lei n. 9.296/96 dispe que a interceptao telefnica possvel por ordem judicial:

a) de ofcio, a requerimento do Ministrio Pblico ou autoridade policial;

b) tratando-se de fato punido com recluso;

c) desde que seja imprescindvel para a instruo processual penal ou para a investigao criminal;

d) desde que j existam indcios suficientes de autoria ou participao.

Fora dessas hipteses a interceptao telefnica pode ser considerada prova ilcita, porque viola a intimidade.

No confundir:

Interceptao telefnica: gravao de um dilogo telefnico entre duas ou mais pessoas sem que qualquer dos interlocutores saiba da medida;

escuta telefnica: ocorre quando um terceiro (polcia, por exemplo) capta a conversa, com o consentimento de apenas um dos interlocutores;

gravao clandestina (ou sub-reptcia): conversa (telefnica ou pessoal) gravada por uma parte sem o conhecimento da outra e sem ordem judicial. H controvrsia sobre a sua validade, que em regra s admitida como prova defensiva.

O artigo 1., pargrafo nico, da Lei n. 9.296/96 permite interceptao no fluxo de comunicao de dados, informtica e telemtica.

Considerando-se que a Constituio Federal s fez ressalva quanto inviolabilidade das comunicaes telefnicas, pergunta-se: o pargrafo nico do artigo 1. da referida lei no contraria o texto constitucional?

Vicente Greco Filho entende que o dispositivo inconstitucional.

A maioria da doutrina, entretanto, entende que no h inconstitucionalidade. Os Professores Damsio de Jesus e Luiz Flvio Gomes esto com a maioria. Estes autores defendem a tese de que no h direito fundamental absoluto. Para eles, um direito no pode acobertar uma atividade ilcita. O Supremo Tribunal Federal j decidiu nesse sentido.

O pargrafo nico do artigo 41 da Lei de Execuo Penal prev a possibilidade do diretor do presdio suspender o direito de correspondncia do preso em caso de violao moral e aos bons costumes. Novamente, surge a discusso sobre a inconstitucionalidade do dispositivo. A jurisprudncia pacfica ao defender a constitucionalidade dessa restrio, diante da necessidade de defesa do interesse pblico, da manuteno da segurana e outros fundamentos (princpio da proporcionalidade).

Os direitos previstos no inciso XII do artigo 5. podero sofrer restries na vigncia de estado de stio ou estado de defesa, nos termos dos artigos 136 e 137 da Carta Magna.

7.6. Liberdade de Trabalho, Ofcio ou Profisso (artigo 5., inciso XIII)

assegurada a liberdade de escolher qual a atividade que se exercer. uma norma de eficcia contida, ou seja, tem aplicabilidade imediata, no entanto traz a possibilidade de ter o seu campo de incidncia reduzido por requisitos exigidos por lei.

A lei exige que certos requisitos de capacitao tcnica sejam preenchidos para que se possa exercer a profisso (exemplo: o advogado deve ser bacharel em Direito e obter a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil por meio de um exame; o engenheiro deve ter curso superior de engenharia etc.).

7.7. Liberdade de Locomoo (artigo 5., inciso XV) a liberdade fsica de ir, vir, ficar ou permanecer. Essa liberdade considerada pela Constituio Federal como a mais fundamental, visto que requisito essencial para que se exera o direito das demais liberdades.

Todas as garantias penais e processuais penais previstas no artigo 5. so normas que tratam da proteo da liberdade de locomoo. Por exemplo, o habeas corpus voltado especificamente para este fim.

Esta norma tambm de eficcia contida, principalmente no que diz respeito liberdade de sair, entrar e permanecer em territrio nacional. A lei pode estabelecer exigncias para sair, entrar ou permanecer no pas, visando a proteo da soberania nacional.

7.8. Liberdade de Reunio (artigo 5., inciso XVI) a permisso constitucional para um agrupamento transitrio de pessoas com um fim comum.

O direito de reunio pode ser analisado sob dois enfoques: de um lado a liberdade de se reunir para decidir um interesse comum e de outro a liberdade de no se reunir, ou seja, ningum poder ser obrigado a se reunir.

Para a caracterizao desse direito, devem ser observados alguns requisitos a fim de que no se confunda com o direito de associao:

a) Pluralidade de participantes: trata-se de uma ao coletiva, ou seja, existncia de vrias pessoas para que possa haver uma reunio. A diferena que, na reunio, no existe um vnculo jurdico entre os participantes, diferentemente da associao, em que as pessoas esto vinculadas juridicamente.

b) Tempo: a reunio tem durao limitada, enquanto na associao, a durao ilimitada.

c) Finalidade: a reunio pressupe uma organizao com o propsito determinado de atingir um certo fim. a finalidade que vai distinguir a reunio do agrupamento de pessoas. Essa finalidade deve ter determinadas caractersticas, ou seja, a reunio deve ter uma finalidade lcita, pacfica e no deve haver armas.

d) Lugar: deve ser predeterminado para a realizao da reunio.

No necessria a autorizao prvia para que se realize a reunio, no entanto, o Poder Pblico deve ser avisado com antecedncia, pois no pode frustrar outra reunio que tenha sido designada no mesmo local. O objetivo do aviso ao Poder Pblico tambm garantir que o direito de reunio possa ser exercitado com segurana.

O direito de reunio sofre algumas restries:

no pode ter por objetivo fins ilcitos;

a reunio deve ser pacfica e probe-se a utilizao de armas (artigo 5., XVI). A presena de pessoas armadas em uma reunio no significa, no entanto, que ela deva ser dissolvida. Neste caso, a polcia deve agir no sentido de desarmar a pessoa, mas sem dissolver a reunio. Em caso de passeata, no poder haver nenhuma restrio quanto ao lugar em que ser realizada;

durante o estado de defesa (artigo 136, 1., inciso I, alnea a) e o estado de stio (artigo 139, inciso IV), poder ser restringido o direito de reunio.

7.9. Liberdade de Associao (artigo 5., incisos XVII a XXI)Normalmente, a liberdade de associao manifesta-se por meio de uma reunio. Logo, existe uma relao muito estreita entre a liberdade de reunio e a liberdade de associao. A reunio importante para que se exera a associao, visto que, em regra, esta comea com