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10948 ESTADO, GLOBALIZAÇÃO E SOBERANIA: FUNDAMENTOS POLÍTICO- JURÍDICOS DO FENÔMENO DA TRANSNACIONALIDADE * ESTADO, GLOBALIZACIÓN Y SOBERANÍA: FUNDAMENTOS POLÍTICO- JURÍDICOS DEL FENÓMENO DE LA TRANSNACIONALIDAD Everton das Neves Gonçalves Joana Stelzer RESUMO O fenômeno da transnacionalização representa o novo contexto mundial, surgido principalmente a partir da intensificação das operações de natureza econômico- comercial no período do pós-guerra, caracterizado pela desterritorialização, expansão capitalista e enfraquecimento da soberania. A partir de tais características, objetivou-se construir o emergente cenário externo no qual se travam as relações de direito mundial. Dividido em duas partes, o estudo debruçou-se sobre a perspectiva fenomenológica da transnacionalidade para, em, seguida, estampar as características que lhe dão forma. A desterritorialização é vista como marcante aspecto desse processo, dizendo respeito às questões ‘além fronteira’. Sobre o capitalismo também foram tecidas considerações, pois é o ritmo econômico que ganhou força no pós-guerra, acentuando-se com o fim da denominada Guerra Fria. Quanto ao Estado, historicamente detentor de espaço geograficamente delimitado e submetido a Governo próprio, iniciou um amplo processo de inserção em comunidades mais amplas, esmaecendo as fronteiras que lhe caracterizavam. Em síntese, discute-se a emergência do paradigma da transnacionalidade, suas bases e perspectivas. Quanto à metodologia, utilizou-se o método indutivo, com sustentação em reconhecidas obras doutrinárias. Quanto aos fins, tratou-se de análise exploratória e explicativa, pois além da novidade do tema, houve empenho em avaliar de forma crítica a fenomenologia transnacional. PALAVRAS-CHAVES: TRANSNACIONALIDADE. ESTADO. SOBERANIA. RESUMEN El fenómeno de la transnacionalización representa el nuevo contexto mundial, surgido principalmente a partir de la intensificación de las operaciones de naturaleza económico-comercial en el período de pos-guerra, caracterizado por la deslocalización, expansión capitalista y pérdida de fuerza de la soberanía. A partir de tales características, se objetivó construir el emergente escenario externo en el cual se traban las relaciones de derecho mundial. Dividido en dos partes, el estudio se ocupó de la perspectiva fenomenológica de la transnacionalidad para, en seguida, estampar las características que le dan forma. La deslocalización es vista como marcado aspecto del proceso, diciendo respecto a las cuestiones exteriores a las fronteras. Sobre el * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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ESTADO, GLOBALIZAÇÃO E SOBERANIA: FUNDAMENTOS POLÍTICO-JURÍDICOS DO FENÔMENO DA TRANSNACIONALIDADE*

ESTADO, GLOBALIZACIÓN Y SOBERANÍA: FUNDAMENTOS POLÍTICO-JURÍDICOS DEL FENÓMENO DE LA TRANSNACIONALIDAD

Everton das Neves Gonçalves Joana Stelzer

RESUMO

O fenômeno da transnacionalização representa o novo contexto mundial, surgido principalmente a partir da intensificação das operações de natureza econômico-comercial no período do pós-guerra, caracterizado pela desterritorialização, expansão capitalista e enfraquecimento da soberania. A partir de tais características, objetivou-se construir o emergente cenário externo no qual se travam as relações de direito mundial. Dividido em duas partes, o estudo debruçou-se sobre a perspectiva fenomenológica da transnacionalidade para, em, seguida, estampar as características que lhe dão forma. A desterritorialização é vista como marcante aspecto desse processo, dizendo respeito às questões ‘além fronteira’. Sobre o capitalismo também foram tecidas considerações, pois é o ritmo econômico que ganhou força no pós-guerra, acentuando-se com o fim da denominada Guerra Fria. Quanto ao Estado, historicamente detentor de espaço geograficamente delimitado e submetido a Governo próprio, iniciou um amplo processo de inserção em comunidades mais amplas, esmaecendo as fronteiras que lhe caracterizavam. Em síntese, discute-se a emergência do paradigma da transnacionalidade, suas bases e perspectivas. Quanto à metodologia, utilizou-se o método indutivo, com sustentação em reconhecidas obras doutrinárias. Quanto aos fins, tratou-se de análise exploratória e explicativa, pois além da novidade do tema, houve empenho em avaliar de forma crítica a fenomenologia transnacional.

PALAVRAS-CHAVES: TRANSNACIONALIDADE. ESTADO. SOBERANIA.

RESUMEN

El fenómeno de la transnacionalización representa el nuevo contexto mundial, surgido principalmente a partir de la intensificación de las operaciones de naturaleza económico-comercial en el período de pos-guerra, caracterizado por la deslocalización, expansión capitalista y pérdida de fuerza de la soberanía. A partir de tales características, se objetivó construir el emergente escenario externo en el cual se traban las relaciones de derecho mundial. Dividido en dos partes, el estudio se ocupó de la perspectiva fenomenológica de la transnacionalidad para, en seguida, estampar las características que le dan forma. La deslocalización es vista como marcado aspecto del proceso, diciendo respecto a las cuestiones exteriores a las fronteras. Sobre el

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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capitalismo también se hicieron consideraciones, pues es el ritmo económico que ganó fuerza en el pos-guerra, acentuándose con el fin de la denominada Guerra Fría. Cuanto al Estado, históricamente detentor del espacio geográficamente delimitado y sometido al Gobierno propio, inició un amplio proceso de inserción en comunidades más amplias, escaeciendo las fronteras que lo caracterizaban. En síntesis, se discute la emergencia del paradigma de la transnacionalidad, sus bases y perspectivas. Cuanto a la metodología, se utilizó el método inductivo, con sustentación en reconocidas obras doctrinarias. Cuanto a los fines, se trató del análisis exploratorio y explicativo, una vez que además de la novedad del tema, hubo empeño en evaluar de forma crítica la fenomenología transnacional.

PALAVRAS-CLAVE: TRANSNACIONALIDAD. ESTADO. SOBERANÍA.

Introdução

Significativa parte das obras acadêmicas que albergam as teorias sobre o Estado e seu relacionamento pauta-se pelo monopólio da produção jurídica e pela soberania incontestável que caracteriza o ente político. O Estado, que adquiriu aspectos constitucionais e democráticos e se consolidou no dito Estado moderno, contudo, está no centro de uma discussão que, contemporaneamente, contesta sua invencibilidade soberana e capacidade exclusiva de ordenar os relacionamentos político-jurídicos entre os sujeitos que o cercam.

Desde a evolutiva complexidade que marca a interação social no período seguinte à Segunda Guerra Mundial, caracterizada pelo barateamento dos meios de comunicação, intensificação do comércio, facilitação dos transportes, expansão do capital financeiro, entre outros, assistiu-se ao enfraquecimento estatal, tendo por contrapartida a emergência e o reforço de outros enlaces de poder. O Estado não desapareceu, mas relativizou-se em determinadas dimensões legais, de maneira que não se reconhece mais o ente político-jurídico em suas características clássicas.

A intensificação das relações sociais de emergentes sujeitos no palco externo desencadearam uma rede de interação caracterizada pelo transpasse estatal (transnacional) e não mais pela relação ponto a ponto entre (inter) os estados (inter-nacional). Nesse contexto, marcado pela fragilização estatal de um lado e pelo reforço de outros centros de poder é que emerge a transnacionalização, evidenciada pela desterritorialização dos relacionamentos político-sociais, fomentado por sistema econômico capitalista ultra-valorizado e que articula ordenamento jurídico mundial à margem das soberanias dos Estados.

Tendo em vista tais repercussões de ordem político-jurídica, envolvendo o Estado e o Direito, desenvolveu-se a presente discussão em duas grandes partes. Na primeira, houve preocupação em debater a fenomenologia da transnacionalidade, apontando peculiaridades em relação aos fenômenos da internacionalização, da multinacionalização, da globalização e da mundialização. Na segunda parte foram trazidos os fundamentos fenomenológicos que transformaram o debate internacional,

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destacando-se: a desterritorialização das relações político-econômicas, a ultra valorização do capitalismo e, enfim, o enfraquecimento do Estado-soberano.

O método utilizado nessa investigação foi o indutivo, com base em reconhecidos posicionamentos doutrinários que debatem a temática da transnacionalidade. Quanto aos fins, tratou-se de análise exploratória e explicativa, pois além da novidade temática, buscou-se avaliar de forma crítica o caráter fenomenológico das relações político-jurídicas entre os Estados no âmbito transnacional.

1 Transnacionalidade: perspectiva fenomenológica do emergente paradigma

O fenômeno da transnacionalização representa o novo contexto mundial, surgido principalmente a partir da intensificação das operações de natureza econômico-comercial no período do pós-guerra, caracterizado – especialmente – pela desterritorialização, expansão capitalista, enfraquecimento da soberania[1] e emergência de ordenamento jurídico gerado à margem do monopólio estatal.

A transnacionalização não é fenômeno distinto da globalização (ou da mundialização), pois nasce no seu contexto, com características que podem viabilizar o surgimento da categoria Direito transnacional. Não se deve descolar a transnacionalização da globalização ou da mundialização, circunstância que levaria o pesquisador à complexa e infinita pesquisa de doutrinadores, cada um a seu jeito, a denominar as emergentes circunstâncias que moldam a vida contemporânea ou, como Ulrich Beck alude, buscar para a globalização uma definição “mais parece uma tentativa de pregar um pudim na parede.”[2]

No intuito de estabelecer um acordo semântico, de modo a lançar luz a respeito da temática, mas sem desfazer-se das discussões acerca do significado polissêmico que os fenômenos comportam, identificam-se algumas características mais comumente encontradas e consideradas próprias dos fenômenos: internacionalização, multinacionalização, globalização, mundialização e, enfim, transnacionalização.[3]

A idéia de internacionalização traz em si o relacionamento predominante entre países, ausente percepção de alcance global. Na internacionalização as relações político-jurídicas desenvolvem-se de forma bilateral ou multilateral, mas sem que tal circunstância esteja envolvida com a multiplicação de enlaces decorrentes das transformações tecnológicas, de comunicação ou de transporte em escala planetária. Desse ponto de vista, o fenômeno da internacionalização está firmemente escorado na idéia de relações entre soberanias. A cooperação entre Estados é a característica dominante e a relação que se estabelece caracteriza-se por ser abreviada entre as partes. Entre os Estados vigora o respeito mútuo e a idéia de soberanias em semelhante plano.

A multinacionalização é o fenômeno associado à idéia de expansão para outros países, porém, não ainda em escala global. A economia mundial no período do pós-guerra, momento também denominado período fordista, experimentou o surgimento de organizações governamentais de influência global e de empresas privadas que

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começaram o fracionamento das unidades de produção. Do ponto de vista financeiro, os excedentes petrolíferos acumulados desde a década de setenta alteram o papel dos bancos que se sentiram estimulados para deixar de operar exclusivamente na esfera local.[4] Esse é um dos importantes momentos para a expansão do capital financeiro. Para as empresas, o modelo multinacional dizia respeito à capacidade de desenvolver inovações e transferi-las para o mundo. “Nesse sentido, as companhias precisavam desenvolver estratégias e capacidades organizacionais que permitissem a elas serem receptivas às diferenças entre os ambientes nacionais e o resto do mundo [...] sendo, por isso, chamadas de companhias multinacionais.”[5]

Esse é o momento germinal da globalização. O termo multinacionalização dificilmente é utilizado na ciência política e jurídica, mas é uma constante na concepção organizacional das empresas, fato que motiva a denominação ‘empresas multinacionais’. Tratam-se da empresas localizadas em vários Estados (multi-Estados, a rigor). Nessa ocasião histórica, as firmas ainda mantinham forte identidade com o país de origem e as unidades no exterior repetem as estruturas internas de organização da matriz. O mercado mundial é entendido, ainda, como um conjunto de Estados, simples somatório das unidades territoriais.

No caso das multinacionais, há a multiterritorialização da atividade produtiva, viabilizando operações em outros países através de filiais ou subsidiárias. Esse movimento, que foi muito presente nas décadas de 60 e 70, por sua vez, acabou impulsionando as empresas para nova inteligência de expansão que ocorrerá à luz da transnacionalização. Dreifuss defende que houve dinamização de três grandes processos de transformação transnacionalizante: de mundialização de estilos, usos e costumes; de globalização tecnológica, produtiva e comercial; e de planetarização da gestão.[6]

A globalização (ou mundialização)[7] é um processo paradigmático, multidimensional, de natureza eminentemente econômico-comercial, que se caracteriza pelo enfraquecimento soberano dos Estados-nacionais[8] e pela emergência dos novos focos de poder transnacional à luz da intensificação dos movimentos de comércio e de economia, fortemente apoiado no desenvolvimento tecnológico e no barateamento das comunicações e dos meios de transportes, multiplicando-se em rede, de matriz essencialmente heurística. Nesse sentido, o pensamento de Ulrich Beck sustenta ser a globalização “os processos, em cujo andamento os Estados nacionais vêem a sua soberania, sua identidade, suas redes de comunicação, suas chances de poder e suas orientações sofrer a interferência cruzada de atores transnacionais.”[9]

Trata-se de fenômeno mais intenso que a internacionalização, não se restringindo à concepção de expansionismo estatal. Não se identifica com a multinacionalização, pois de igual modo não se limita à multiplicação das relações empresariais em mais de um Estado. Existe uma discussão estabelecida acerca de possíveis diferenças entre globalização e mundialização, mas parte significativa da doutrina percebe que se trata simplesmente do uso diferenciado entre anglo-saxões[10] que preferem a referência ‘globalização’, enquanto os franceses denominam ‘mundialização’ (mondialisation). Dessa forma, ambos os termos serão utilizados nesse estudo como sinônimos.

Há uma questão muito forte na globalização que cumpre destacar e que decorre propriamente da terminologia: global significa mundial, de alcance planetário. Aliás, a possibilidade de poder ver pela primeira vez o planeta somente foi alcançada em 1969.

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Esse é um ponto pouco explorado, mas é certo que mexeu com o imaginário e também viabilizou um pensar global, a rigor. Ao mesmo tempo, tratava-se do grande salto das comunicações, pois permitiu às pessoas assistirem à pequena ameba humana avançar além das fronteiras terrestres[11], rompendo com a idéia de distância ‘inter-nações’ já que se tratava de transmissão via-satélite.

Ulrich Beck percebe que globalização também significa a “negação do Estado mundial. Mais precisamente: sociedade mundial sem Estado mundial e sem governo mundial. Está se disseminando um capitalismo global desorganizado, pois não há poder hegemônico ou regime internacional econômico ou político”[12]. Desse ponto de vista, a globalização é um processo dialético que produz as conexões e os espaços transnacionais e sociais, a desnacionalização, a experiência cotidiana da ação sem fronteira. Mas, sem que isso traga um contraponto, vale dizer, surge a sociedade transnacional sem que surja um Estado transnacional ou um Governo transnacional[13].

A globalização também não pode ser caracterizada enquanto mera aceleração dos fenômenos anteriores de internacionalização, pois houve mutação do mapa conceitual, especialmente da soberania, agora relativa, divisível, permeável. Sob tal ótica, há permissão da transferência de parcelas soberanas, como se constata no âmbito da União Européia, marcada pela supranacionalidade, ou seja, por “um poder de mando superior aos Estados, resultado da transferência de soberania operada pelas unidades estatais em benefício da organização comunitária, permitindo-lhe a orientação e a regulação de certas matérias, sempre tendo em vista os anseios integracionistas.”[14]

Os fundamentos que escoram a idéia de supranacionalidade estão firmados sobre a possibilidade de transferência de parcelas soberanas dos Estados para o bloco em determinados assuntos. Da concepção de supranacionalidade, decorre também o poder normativo da ordem comunitária sobre os sistemas jurídicos nacionais, solapando a capacidade soberana de recepção normativa, eis que a aplicabilidade de espécies normativas como o Regulamento nos Estados-membros não carecem do aval legislativo nacional, bastando publicação no Jornal Oficial da União Européia. A concepção de novas organizações político-jurídicas, a exemplo da União Européia revela a mudança paradigmática global, que se distingue da internacionalização, mas que encontra respaldo nos aspectos da transnacionalização, sendo mesmo fenômeno dela.

A transnacionalização pode ser compreendida como fenômeno reflexivo da globalização[15], que se evidencia pela desterritorialização dos relacionamentos político-sociais, fomentado por sistema econômico capitalista ultra-valorizado, que articula ordenamento jurídico mundial à margem das soberanias dos Estados. A transnacionalidade insere-se no contexto da globalização e liga-se fortemente à concepção do transpasse estatal. Enquanto globalização remete à idéia de conjunto, de globo, enfim, o mundo sintetizado como único; transnacionalização está atada à referência do Estado permeável, mas tem na figura estatal a referência do ente em declínio.

Com efeito, não se trata mais do Estado-territorial, referência elementar surgido após a Paz de Vestfália e que se consolida até o Século XX, viabilizando a emergência do Direito internacional sob amparo da idéia soberana. Esse é um quadro alterado que se transfigura de internacional (inter-nações) para transnacional (trans-nações), de

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soberania absoluta para soberania relativa, de relações territoriais para relações virtuais, de trânsito entre fronteiras para trânsito em espaço único.

O Estado não desapareceu, mas relativizou-se de tal modo que em determinadas dimensões legais, não se reconhece mais o ente político-jurídico em suas características elementares: no embate público, a exemplo do Estado-membro europeu; no embate privado, com o Estado marginalizado do campo legal intra-firmas. Esse é o contexto na qual se insere a transnacionalidade, ou seja, “o desmanche da unidade do Estado e da sociedade nacional, novas relações de poder e de concorrência, novos conflitos e incompatibilidade entre atores e unidades do Estado nacional por um lado e, pelo outro, atores, identidades, espaços sociais e processos sociais transnacionais.”[16]

Em relação à esfera pública muitas foram as mudanças que açodaram o Estado na lógica da transformação de enfraquecimento enquanto figura central, monopolizadora das atividades jurídicas e políticas. O despontar do capitalismo em âmbito globalizado e a importância do capital enquanto instância de poder (ou seja, o poder não se restringe à força política, especialmente militar) ordenaram novo ritmo às relações gobalizadas, fazendo com que os projetos nacionais já não pudessem mais ser traçados individualmente, de forma soberana e independente. As estratégias nacionais passaram a depender das influências de ordem econômica, social, política e jurídica inelutavelmente em termos mundiais, sempre levando em consideração os novos atores que emergiram sob tal manto organizacional, particularmente as Corporações Transnacionais (CTNs) e as Organizações Não-Governamentais (ONGs).

Com isso, novas articulações econômicas emergiram, houve necessidade de permear fronteiras nacionais para livre circulação do capital; informações virtuais engendraram uma terceira dimensão[17], desmantelando a idéia da fronteira geográfica; os territórios estatais passaram à categoria de “ilusão cartográfica” [18] e o Estado-nação “cada vez mais uma ficção nostálgica”[19]. A transnacionalização representa, assim, uma das facetas da globalização, que não se descola dela, mas que reforça a idéia de permeabilidade fronteiriça, de relações espacialmente não localizadas, de ultra-capitalismo e de decadência político-jurídica soberana.

Em síntese, a transnacionalização valoriza específicas características da globalização, gerada no âmbito desse processo, especialmente ligada ao transpasse das fronteiras nacionais. Enquanto a internacionalidade é clara no que diz respeito à relação inter-nações ou, melhor dito, inter-Estados, a transnacionalidade desconhece fronteiras, resultado direto do processo em escala global. Enquanto a soberania é a marca indelével do Direito internacional, a fragilidade soberana (no âmbito público) ou seu desconhecimento (no âmbito privado) viabiliza um cenário denominado transnacional.

2 Características da transnacionalização em perspectiva

O prefixo trans tem origem latina e significa ‘além de, através, para trás, em troca de ou ao revés’. No presente estudo, ‘transnacional’ é concebido como aquilo que atravessa o

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nacional, que perpassa o Estado, que está além da concepção soberana do Estado e, por conseqüência, trás consigo, inclusive, a ausência da dicotomia público e privado.

Habermas refere-se à transnacionalidade lembrando o período pós-guerra, com a emergência do sistema Bretton-Woods e instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, que formavam um regime econômico internacional relativamente equilibrado. Mas, após o abandono do sistema no início dos anos 1970, haveria surgido um liberalismo transnacional, totalmente diferente. “Entrementes, a liberalização do mercado mundial progrediu ainda mais, a mobilidade do capital se acelerou e o sistema industrial foi modificado, saindo da produção de massa e passando a se adequar às necessidades da ‘flexibilidade pós-fordista’. Com os mercados cada vez mais globalizados, o equilíbrio alterou-se prejudicando claramente a autonomia e a capacidade de ação político-econômica dos atores estatais.”[20]

O fenômeno da transnacionalização é multifacetado, complexo, polêmico e encontra resistências para ser aceito como realidade cotidiana. Algumas características, contudo, podem ser evidenciadas para avaliar o fenômeno, a exemplo da desterritorialização das relações humanas e de produção, do fato da economia transnacionalizada ser capitalista ao extremo e do abalo na soberania dos Estados, motivando a emergência de novos sujeitos no palco mundial.

2.1 Desterritorialização

A desterritorialização é uma das principais circunstâncias que molda o cenário transnacional, especialmente porque diz respeito ao aspecto além fronteira, pois não é o espaço estatal e também não é o espaço que liga dois ou mais espaços estatais. O território transnacional não é nem um nem outro e é um e outro, posto que se situa na fronteira transpassada, na borda permeável do Estado. Com isso, por ser fugidia, borda também não é, pois fronteira delimita e a permeabilidade traz consigo apenas o imaginário, o limite virtual. Aquilo que é transpassável não contém, está lá e cá. Essa dialética relação, faz surgir os espaços virtuais como em um chat, no qual se questiona – inutilmente – onde é a conversação.

Octavio Ianni explica que a desterritorialização forma-se a partir de “estruturas do poder econômico, político, social e cultural internacionais, mundiais ou globais descentradas, sem qualquer localização neste ou naquele lugar, região ou nação. Estão presentes em muitos lugares, nações, continentes, parecendo flutuar por sobre os Estados e fronteiras, [...].”[21] Para as empresas, a globalização traduziu-se na desterritorialização da cadeia produtiva. Uma única mercadoria é criada e montada em várias partes do mundo, dependendo das condições favoráveis que se apresentem, seja de matéria-prima ou mão-de-obra. Almeja-se, sempre, maior lucro em detrimento do menor custo e é isso também que movimenta os intensos processos de fusão e incorporação de capital das mega-firmas, sendo certo que, em alguns casos, existe somente a marca, pois os centros de produção espalhados pelo mundo foram terceirizados.

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A designada revolução tecno-científica teve por base a robotização, a automatização, a informatização e a tecnologia de ponta, viabilizando novos produtos e mão-de-obra especializada. “A integração e a divisão, a globalização e a territorialização, são processos mutuamente complementares. Mais precisamente, são duas faces do mesmo processo: a redistribuição mundial de soberania, poder e liberdade de agir desencadeada (mas de forma alguma determinada) pelo salto radical na tecnologia da velocidade.”[22]

Paulo Roberto de Almeida refere-se igualmente acerca da multiplicação de reivindicações por direitos de natureza supranacional que relativiza o papel do Estado-nação, cujo traço característico “principal é – entre outros – a territorialidade, como unidade privilegiada de interação; e as tradicionais normas abstratas, gerais e impessoais, articuladas em termos hierárquicos por uma estrutura constitucional, têm sua efetividade crescentemente desafiada.”[23] Por isso mesmo, emergem as regras das Corporações Transnacionais hábeis em lidar com questões cotidianas, quase sempre de natureza financeiro-comercial.

Incapazes de atenderem à complexidade nos negócios empresariais, os Estados ou se rendem às inéditas alternativas jurídicas surgidas no meio intra-empresarial (aspecto privado) ou se adaptam em organizações originalmente internacionais, mas, de evidente caráter supranacional, para permitir que as decisões sejam tomadas no grande espaço da organização. No modo de ver de Francis Rosenstiel, uma “confissão de impotência dos Estados”[24]. A transnacionalização reflete “formas de vida e atuação cuja lógica interna pode ser explicada pela riqueza das descobertas que conduziriam os homens a erigir e sustentar mundos de convivência e relações de câmbio ‘sem distâncias’”[25] é, em derradeira análise, “o assassinato da distância”.[26]

O fenômeno da desterritorialização é o destaque do comércio mundial, inclusive em recente Relatório Informe publicado pela OMC que valoriza a fragmentação da produção no âmbito do comércio mundial. A desterritorialização é considerada a obtenção de bens ou serviços intermediários em um país estrangeiro, podendo incluir o fornecimento a cargo de uma empresa afiliada estrangeira mediante investimento estrangeiro direto (IED) ou de uma empresa estrangeira não afiliada mediante contratos em condições de plena concorrência. Em todas as circunstâncias, a cadeia produtiva caracteriza-se por ocorrer em mais de um Estado.

De acordo com o Informe, a desterritorialização de produção é fenômeno que inicia na década de 60. Em 1970, a empresa IKEA[27] estabelece plantas de produção na Polônia e, no final de 1980, a Swissair transfere para a Índia grande parte de seus trabalhos de contabilidade e a City londrina recorre à Índia para os serviços de manutenção de computadores. As atividades que mais se desterritorializam são aquelas que têm uma diferença salarial marcante, a exemplo do serviço de telemarketing (Estados Unidos/Índia). Para Baldwin[28], trata-se da ‘segunda fragmentação’ que o mundo vivencia. A primeira desagregação teria sido a separação da produção e do consumo, característica da segunda metade do século XIX, momento referido pelos historiadores no qual ocorreram as melhorias tecnológicas, do transporte marítimo e terrestre. A teoria econômica aponta algumas razões para a desterritorialização da produção: permite aproveitar a compra de insumos ou serviços mais baratos no estrangeiro, propicia menos contratação de mão-de-obra e aumenta a chance da empresa compradora em promover a especialização do trabalho.

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A desterritorialização[29] é uma marcante característica da transnacionalidade, pois reflete a concepção espacial além dos limites territoriais do Estado. A lógica da produção empresarial não está atada à lógica do sistema político-jurídico de um determinado Estado, mas se prende aos benefícios econômico-comerciais que a ‘não localização’ permite. Não há necessidade de coincidir o binômio ‘empresa-Estado’ e, tampouco, o binômio ‘mercadoria-Estado’. Diversos produtos são feitos no mundo, sendo mesmo difícil identificar a origem dos distintos componentes, softwares, nacionalidade das pessoas, enfim, que pudessem precisar a origem estatal do bem.[30] Os bens produzidos no bloco europeu que levam consigo a marca ‘Made in CE’ esgotaram a ligação que o produto tinha com o país, o espaço na Europa é o bloco e CE (Comunidade Européia) é a marca do transpasse do Estado.

No âmbito dos serviços, a inovação tecnológica consiste no fator que mais impulsiona a desterritorialização do setor. Desde que a tarefa possa ser recolhida, manipulada, organizada, codificada, digitalizada e separada de outras atividades, há possibilidade de prestá-la no local mais conveniente do ponto de vista econômico, a exemplo dos serviços de contabilidade, de faturamento, administração de créditos, telefonia, assessoria de informática, entre outros. A Internet trouxe forte incremento à desterritorialização de serviços, pois ao permitir a transmissão de dados com rapidez e baixo custo, tornou factível a interação das células produtoras e prestadoras de serviço. Entregar um relatório para o colega da mesa vizinha ou enviá-lo por e-mail para um colega no outro lado do mundo é feito com semelhante presteza.

Segundo dados da OMC, em 2006, mais de 75% das principais instituições financeiras realizaram operações desterritorializadas, quando em 2001 a proporção era inferior a 10%. Essa expansão, aliás, está acompanhada do crescimento, igualmente importante, da contratação de pessoal no estrangeiro. Segundo um estudo da Deloitte Touche Tomatsu, as instituições financeiras empregam em média 2700 trabalhadores estrangeiros, frente a 150 funcionários em 2004. Na liderança dos países que oferecem atividades desterritorializadas está a Índia, país no qual se contratam ao redor de dois terços do pessoal desterritorializado em todo o mundo.[31]

2.2 A ultra valorização do capitalismo

O capitalismo é o ritmo imposto e que, enfim, expande-se em bases globais. Esse processo que vinha ganhando força desde o término da Segunda Guerra Mundial acentuou-se com o fim da denominada Guerra Fria. A queda do bloco soviético proporcionou as condições ideais para que o espírito capitalista assumisse, de uma vez por todas, as rédeas do passo mundial. A busca pelo lucro tornou-se o espírito vetor e definiu as interações, tanto no plano interno quanto externo. “A globalização, convém repetir, é uma forma extrema de capitalismo que não tem mais contrapeso.”[32]

A reprodução ampliada do capital avançou cada vez mais e determinou às nações que abandonassem suas estratégias nacionais para incorporarem o ideário neoliberal. Segundo Octavio Ianni, “de repente, o mundo inteiro parece estar a tornar-se capitalista.

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O mesmo capitalismo que começa a ser derrotado com a Revolução Soviética de 1917, em pouco tempo se mundializa, globaliza, universaliza.”[33]

Ianni aponta três ciclos de grande envergadura nessa história, que predominaram em momentos distintos e sucessivos, traçando o modo de ser dos países dentro no cenário externo. Primeiro, o modo capitalista de produção organizou-se em padrões nacionais, revolucionou as formas de vida e trabalho locais, regionais, feudais, comunitárias, tribais ou pré-capitalistas. A sociedade civil sintetizava-se no Estado. Segundo, o capitalismo já estabelecido em padrões nacionais iniciou um processo de expansão e ultrapassou as fronteiras nacionais ou, segundo Anthony Giddens, através da “suavização das divisas”[34]. A procura por matéria-prima intensificou o comércio, as forças produtivas incrementaram a produção e necessitaram de novos mercados, a busca pelo lucro avançou sobre os territórios ultramar, estrearam, enfim, os sistemas econômicos mundiais. O ponto de referência, nessa etapa, continua sendo a metrópole, o Estado (surge a idéia dos Estados dominantes e coloniais, centro e periferia). Terceiro, o capitalismo atinge escala realmente global, o poder do Estado-nação se enfraquece. “As próprias metrópoles declinam, em benefício de centros decisórios dispersos em empresas e conglomerados movendo-se por países e continentes, ao acaso dos negócios, movimentos do mercado, exigências da reprodução ampliada do capital.”[35]

François Chesnais também identifica o capitalismo como o carro-chefe da mundialização. Nessa trilha, o capital global resulta de dois movimentos interligados, mas distintos em sua essência. “O primeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo conheceu desde 1914. O segundo, diz respeito às políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o início da década de 1980, sob o impulso dos governos Thatcher e Reagan.”[36] Nesse enredo, emergiu o neo-liberalismo[37] com todo o seu vigor. “O neo-liberalismo dos tempos da globalização do capitalismo retoma e desenvolve os princípios que se haviam formulado e posto em prática com o liberalismo ou a doutrina da mão invisível, a partir do século XVIII.”[38]

O processo global agiu e age em múltiplas dimensões, nas finanças houve hipertrofia do segmento, a moeda não representa apenas instrumento-veículo e sua forma altamente concentrada atingiu patamares nunca registrados. François Chesnais esclarece que, independentemente de seus aspectos de agiotagem, enquanto capital que rende juros, o capital monetário concentrado representa o que há de mais fetichizado na relação capitalista, “a forma D-D’ (isto é, aquela em que um capital D se fecunda e gera D’, sem passar por um investimento produtivo)”[39] e conclui que a globalização financeira elevou essa capacidade ao mas elevado grau já existente.

Além das razões econômicas inerentes ao processo global, aqueles que propuseram com mais ênfase os méritos desse fenômeno também queriam impor a concepção de ausência de regulação jurídica, política e social para uma economia mundializada. A idéia de globalização já trazia em si a vontade de conceber um capitalismo extremo, liberto de qualquer influência, com capacidade para se impor à sociedade. Nesse ritmo, a luta de classes já não se vê com nitidez, mas, não porque as relações entre classe patronal e empregados se tivessem pacificados, mas porque os conflitos estão em novos espaços, não mais locais, internos ou nacionais, mas se

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deslocaram para os espaços das CTNs, das estratégias mundiais e das relações desterritorializadas.

Entre os motivos que podem explicam como o sistema capitalista conseguiu se expandir em termos mundiais, está o fato dele ter se desenvolvido no interior dos espaços nacionais, mas que se expandiu para além das fronteiras dos Estados, em virtude das novas dimensões produtivas que encontraram nas CTNS a fórmula empresarial correspondente. Por outro ângulo, o sistema capitalista pode ser visto “[...] como vocacionado, desde o início, a uma dimensão mundial, internacionalizando-se como capital comercial, financeiro e industrial, com a particularidade, porém, de que às dimensões internacionalizadas faltava a maturação de seu aspecto fundamental: a internacionalização do sistema produtivo”[40], a qual só viria a dar-se de forma mais clara na segunda metade do século XX.

Fernand Braudel, aliás, elucida a trajetória capitalista européia precisamente a partir dessa concepção expansiva em sua origem, quando o comerciante (capitalista) entra em cena com o capital e compra diretamente do camponês a lã, o gado vivo ou adquire antecipadamente o trigo ainda no campo. Esse tipo de negócio substitui as condições normais de troca do mercado coletivo por transações individuais. “É evidente que se trata de trocas desiguais, em que a concorrência – que é uma lei essencial da chamada economia de mercado – tem um reduzido lugar, e em que o comerciante desfruta de uma dupla vantagem: por um lado, rompeu as relações entre o produtor e o destinatário; por outro, dispõe de dinheiro sonante, o seu principal argumento.”[41] Com isso, somente ele – o capitalista – conhece as condições de mercado nas duas extremidades da cadeia e, inclusive, seu provável lucro. A tendência é que essa cadeia se expanda, à luz da especialização, despontando o processo capitalista.

Com efeito, o comércio é o grande mote do processo transnacionalizante através do qual, os agentes se esforçam para encontrar caminhos que não esbarrem nas fronteiras tradicionais das legislações de Estado. As trocas mundiais aceleradas e o anseio pelo consumo motivaram o surgimento de fórmulas criativas e regras hábeis para disciplinar o imenso trânsito de bens e serviços além fronteiras. A economia mundial é mais do que o conceito de economia internacional, como explica Argemiro Luís Brum. Essa, “respeitosa das soberanias estatais, punha em relação as partes autônomas de um todo não ainda integrado, através de fluxos comerciais, de investimentos e de crédito”[42]. Contudo, esse modelo se exauriu e foi necessário construir um novo cenário para que a acumulação fosse possível em escala global.

Por óbvio, outra questão que exsurge é a capacidade desse mercado mundial se auto-regular, na ausência de instâncias transnacionais reguladoras e fiscalizadoras do processo financeiro além-fronteira.[43]

2.3 O enfraquecimento do Estado soberano

Ulrich Beck esclarece que no âmbito da transnacionalização, há a transição do Estado nacional para a era transnacional[44], gerando duas arenas de sociedades globais: a

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sociedade dos Estados, em que as principais variáveis continuam a ser as regras da diplomacia e do poder nacional; e, o mundo da subpolítica transnacional , que abriga os atores mais díspares, como companhias internacionais, Greenpeace, Anistia Internacional, União Européia, entre outros.

Desde o passo global, diversas características clássicas atadas ao conceito de Estado foram rompidas, com destaque para a incapacidade estatal de controlar a mobilidade dos meios de produção e das operações financeiras, do fenômeno supranacional comunitário, da valorização do poder econômico em detrimento do poder político, entre outros. Em verdade, o Estado se acomoda nas emergentes condições político-jurídicas que se criam a sua volta. Karl Deutsch em suas análises, já ponderava que “a soberania, com apenas algumas limitações, parecerá mais atraente à maioria dos governos, do que a submissão à hegemonia de qualquer grande potência ou coalizão parcial de grandes potências. E, o aumento, ao invés da redução, das capacidades e do prestígio da nação-Estado parecerá mais prática e mais desejável à maioria de seus governos e povos.”[45]

O Estado, nascido sob a forma de sociedade nacional, territorializado e submetido a um Governo próprio, inicia um amplo processo de inserção em comunidades mais amplas. Assim, o Estado, tanto ingressa de forma ativa e deliberada nos processos regionais de integração, como a União Européia (submetendo-se aos ditames do bloco, mas à luz de um processo político-jurídico deliberado); quanto é cooptado pela rede transnacional, em virtude da inoperância que o caracteriza para controlar e gerenciar, por exemplo, as ações transnacionais das instituições financeiras, do crime organizado, das informações de mídia, do discurso global.

Com isso, o conceito de soberania, significando plenitude do poder estatal enquanto sujeito único e exclusivo de mando sobre determinado território e povo, entrou em declínio acentuado. O desgaste conceitual e prático da soberania está fortemente atado à globalização e pode ser visualizado de forma concreta nos movimentos de integração regional, não havendo dúvidas para Bobbio que o “golpe maior veio das chamadas comunidades supranacionais, cujo objetivo é limitar fortemente a soberania interna e externa dos Estados-membros [...].”[46]

A conceituação de Estado e, mais particularmente da soberania, tida antes como absoluta, tornou-se relativa, divisível, passível de questionamentos, joguete das forças econômicas atuantes nas relações mundiais. Em atenção às alterações, sustenta Bobbio: “Estando este supremo poder de Direito [poder estatal] em via de extinção, faz-se necessário agora, mediante uma leitura atenta dos fenômenos políticos que estão ocorrendo, proceder a uma nova síntese político-jurídica capaz de racionalizar e disciplinar juridicamente as novas formas de poder, as novas ‘autoridades’ que estão surgindo.”[47]

Enfim, o declínio do Estado-nação, do mesmo modo que a soberania, sofreu um processo de desgaste e seu papel está condicionado à globalização. Incapaz de atender aos novos desafios impostos pelo fenômeno global, ameaçado e sujeito a duras críticas dos mais variados setores, o Estado-nacional já não é mais visto como poder soberano (summa potestas), enfrentando, assim, a inusitada crise.[48] Com tantas mudanças ocorridas no cenário internacional, o papel político-jurídico desempenhado pelo Estado no ambiente transnacional é um questionamento inevitável.

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Paralelamente à descaracterização do ente estatal, evidenciam-se novos sujeitos que disputam poder na arena mundial. É como um underground político que não recebe valorização, espécie de sub-mundo do poder sem institucionalização política formal, que atua em benefício próprio. No modo de ver de Habermas “[...] surgiram as corporações multinacionais como fortes concorrentes dos estados nacionais. Mas esse deslocamento de poder deixa-se compreender conceitualmente melhor em termos de uma teoria dos meios do que em uma teoria do poder: o dinheiro substitui o poder. [...] apenas o poder deixa-se democratizar, o dinheiro não.”[49]

A terminologia transnacional muitas vezes fica atrelada à qualificação da corporação multinacional, mundial, global, enfim, a grande empresa que irradia sua atuação além fronteira. Sob tal ponto de vista, não se trata do Direito transnacional, mas de adjetivação que se esforça em demonstrar a capacidade econômica que a mega corporação possui. José Cretella Neto, em obra especialmente dirigida para o tema, fornece os contornos jurídicos da Corporação Transnacional, além de estudá-la em relação à economia, aos tributos, às implicações jurídicas de seu comportamento e a outras importantes temáticas.[50]

As Corporações Transnacionais representam o que há de mais fetichizado no emergente cenário transnacional. Trata-se de unidades de capital privado, que condensam tecnologias e alta capacidade de produção, sob ritmo de produção em escala mundial, verdadeiro símbolo do capitalismo moderno. Assiste-se, nas operações de produção ou de prestação de serviço, à realização plena do capital, superando fronteiras, rumo à absoluta expansão mundial. No âmbito do fenômeno da transnacionalização, o Estado se vê frágil diante desses emergentes centros de decisão econômicos e políticos que comandam o sistema. “Dentro dos limites impostos pelas legislações locais, a empresa transnacional tenta configurar mercado internacional, englobando vários mercados nacionais. Para tanto, apóia-se no fato de que a tecnologia e a organização moderna empresarial permitem planejar sua produção, global e independentemente de fronteiras nacionais.”[51]

Na tentativa de encontrar uma definição para a corporação transnacional, há uma diversidade conceitual muito grande. A denominação inicial de empresa multinacional parece que se encontra nos EUA, cunhada por David Lilienthal, em 1960, e divulgada pela revista Business Week, em 1963. A definição em muito vai depender dos critérios utilizados e do fim para o qual se destina. Para o presente estudo, por corporação transnacional entende-se uma entidade privada de enorme potencial financeiro e patrimônio científico-tecnológico, normalmente de natureza mercantil, constituída por sociedades estabelecidas em diversos países, sem subordinação a um controle central, mas agindo em benefício do conjunto, mediante uma estratégia global.[52]

Ademais, no âmbito da transnacionalidade, não há que se avaliar o processo de enfraquecimento do Estado de forma estanque. É verdade que em algumas situações o Estado resiste, em outros panoramas o Estado sucumbe diante das forçar econômicas transnacionais e, ainda em outro, o Estado faz parte da transnacionalidade. René Armand Dreifuss explica que as alianças transnacionais também podem ser componentes de um desenho estratégico de Estado.

Em circunstâncias como essas, o autor traz o caso da aliança estabelecida entre a American Superconductor, líder do desenvolvimento de fios supercondutores de

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eletricidade e os EUA. Apoiada pelo Departamento de de Energia norte-americano, a empresa uniu-se à Pirelli Cable (grupo italiano Pirelli) e ao Eletric Power Research Institute (EPRI), sempre com financiamento das empresas concessionárias de eletricidade dos Estados Unidos, para fazer um cabo – com fios de cerâmicas supercondutoras a altas temperaturas (SAT) – subterrâneo para transmissão de energia. “Neste contexto, há alianças transnacionais que fazem parte de uma política do poder, já que os Estados nacionais, através das corporações estratégicas, se situam em condições de assegurar presença ativa e determinante do processo [...].”[53]

Leslie Sklair alerta que “apesar de poder parecer relativamente inócua a presença de um grupo de corporações transnacionais (CTNs), se comparada com a vida industrial e comercial de um país inteiro, uma ou algumas destas CTNs podem ter patrimônio que são maiores que o Produto Interno Bruto daquele país.”[54]

Além das CTNs, poder-se-iam citar outras forças no plano transnacional que desafiam o Estado, a exemplo das ONGs, dos movimentos de libertação nacional, dos sindicatos, das igrejas, dos organismo internacionais atípicos, do crime organizado, dos movimentos sociais e das organizações anti-globalização. Em todos os casos, importa destacar a possibilidade de enfrentar o Estado, posicionado de forma vulnerável frente aos desafios contemporâneos, não sendo mais a fronteira territorial obstáculo suficiente de defesa, nas quais as demandas estão, de algum modo, envolvidas com a globalização.

Considerações Finais

A considerar que se vive um processo de globalização econômica, não há que se estranhar que o Direito tenha sido alcançado, embora cumpra diagnosticar os efeitos decorrentes desse entrelaçamento fenomenológico, afinal, “todo quebra-cabeças tem suas peças.”[55] Com efeito, as relações econômicas mudaram, Estado e soberania alteraram seus contornos normativos, mas, o pensar jurídico muitas vezes segue lentamente, desarticulado das emergentes novidades globais. Por isso, não deve espantar que a comunidade acadêmica tenha dificuldade em compreender a novel terminologia relativa ao Estado e à soberania, em aceitar e compreender o fenômeno da transnacionalidade, em desembaraçar a confusão conceitual que existe sobre o assunto, ou seja, em se desapegar dos velhos padrões que formaram a identidade do que comumente se chama Estado e Direito. Parte-se rumo ao novo.

A Transnacionalidade, enquanto fenômeno, não é distinto da globalização, pois nasce no seu contexto, mas com características próprias que viabilizam o surgimento dessa categoria. Não se deve descolar a transnacionalização da globalização, mas, destacar características que a identificam, como a desterritorialização, a expansão capitalista, o enfraquecimento da soberania e emergência de ordenamento jurídico gerado à margem do monopólio estatal. Nesse âmbito, cumpre realçar o comércio mundial enquanto mote desse processo global que chega ao transpasse estatal (transnacional).

O Direito transnacional, nesse passo, abarcaria uma multiplicidade de situações da comunidade contemporânea, que transcende as fronteiras nacionais, fruto de crescente

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complexidade das relações que são estabelecidas entre uma variedade de sujeitos. Contemporaneamente, é preciso pensar a transnacionalidade à luz das significativas mudanças operadas do século XX, fato que leva a defender o Direito transnacional na qualidade de um ordenamento originado e exercido à margem da soberania, independente do reconhecimento externo ou recepção formal interna pelos Estados, que se utiliza, preferencialmente, de sanções econômico-comerciais para efetivo cumprimento.

Com o avanço da transnacionalização, o Direito de natureza estatal viu-se questionado pelas transformações mundiais, fazendo com que sofresse dificuldades crescentes na edição de normas capazes de vincular e disciplinar as relações progressivamente policêntricas. O comércio mundial, na qualidade de carro chefe do processo de superação das fronteiras (e não mais interligação) surge no centro desse processo, motivando – como não poderia deixar de ser – um esboço de Direito transnacional.

As facetas da transnacionalidade jurídica emergiram – precisamente – na seara do comércio, ora mundial propriamente dito, na categoria da nova lex mercatoria; ora na seara do comércio regional, caracterizado pelo mercado europeu e pelo Direito comunitário. A lex mercatoria, vista enquanto regras entre comerciantes que buscam fórmulas jurídicas mais interessantes para as lides diárias das trocas não é novo. Contudo, perceba-se o avanço que o sistema alcançou no período do pós-guerra, com a consolidação do uso dos Incoterms, das normas cambiais (UCP 600) e do aumento exponencial de Cortes arbitrais que, progressivamente, se libertam das amarras estatais. O Estado, incapaz de atender às especificidades e a celeridade dos negócios além fronteira, tolera a vazão de um corpo normativo transnacional gerado à margem do monopólio soberano.

O Direito comunitário é o outro contexto que traz a marca da transnacionalidade, autêntica estratégia entre Estados-membros, com vista à reorganização econômica recíproca perante os desafios da globalização. A formação de um mercado único reflete um esforço conjugado das unidades estatais, no intuito de gerar um espaço singular mais eficaz para competir globalmente e no qual a expressão transfronteiriça é uma constante.

Em síntese, do palco das relações transnacionalizadas, emerge um Direito que se adapta ao seu tempo.

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[1] A referência ao enfraquecimento da soberania nesse estudo está sendo de forma unidimensional, pois se concorda tanto com Ulrich Beck (BECK, Ulrich. O que é globalização. Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 230) no que tange ao fortalecimento dos Estados relativamente à ‘soberania inclusiva’, quanto com Anthony Giddens, quando esse autor lembra o caráter dialético da globalização, ao afirmar: “A perda de autonomia por parte de alguns Estados ou grupo de Estados tem sido frequentemente concomitante com um aumento dela por parte de outros, como resultado de alianças, guerras ou mudanças políticas e econômicas de diversos tipos.” GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Tradução de Raul Fiker. São Paulo: Unesp, 1991, p. 72.

[2] BECK, Ulrich. O que é globalização. Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 46.

[3] Veja-se um quadro entre as diferentes percepções sobre internacionalização, renacionalização, supranacionalização, globalização, glocalização, diáspora-internacionalização e transnacionalziação em: PRIES, Ludger. Die Transnacionalisierung der socialen Welt. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2008, p. 132-133.

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[4] Nesse âmbito, a emergência dos chamados eurodólares, quando as moedas estadunidense mantidas fora dos Estados Unidos, principalmente na Europa, começaram a ser usadas para realizar transações internacionais.

[5] LIMA, Miguel. Marketing Internacional In: LANZANA, Evaristo Teixeira et al. Gestão de Negócios Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 223.

[6] DREIFUSS, René Armand. A época das perplexidades. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 135.

[7] Ulrich Beck ainda adverte acerca das expressões Globalismo que “designa a concepção de que o mercado mundial bane ou substitui, ele mesmo, a ação política: trata-se, portanto da ideologia do império do mercado mundial, da ideologia do neoliberalismo”; e Globalidade “que denomina o fato de que, daqui para a frente, nada que venha a acontecer em nosso planeta será um fenômeno especialmente delimitado, mas o inverso: que todas as descobertas, triunfos e catástrofes afetam a todo o planeta, e que devemos redirecionar e reorganizar nossas vidas e nossas ações em torno do eixo ‘global-local’ [...] a globalidade designa apenas a nova situação da segunda modernidade”. BECK, Ulrich. O que é globalização, p. 27; 31.

[8] Contra, entendendo que não houve enfraquecimento do Estado soberano ou seu enfraquecimento perante as CTNs: “O Estado não perdeu o poder de constranger as grandes corporações capitalistas, até porque elas continuam dependentesn da infra-estrutura estatal para fazer valer seus interesses. [...] O resultado disso é a consolidação de infra-estrutura institucionais que ajustam a ação dos atores internacionais e potencializam seus ganhos. Assim, a tese da globalização segundo a qual no atual sistema político internacional, formado por Estado-nação, ocorre um processo irreversível de decomposição do poder desterritorializado em função de agentes extraterritoriais, não encontra sustentação na prática. De fato, dá-se, no presente, o inverso, ou seja, a expansão do sistema político internacional e das funções dos Estados-nação.” SANTOS JÚNIOR, Raimundo Batista dos Santos. A globalização ou o mito do fim do Estado. Ijuí: Unijuí, 2007, p. 91.

[9] BECK, Ulrich. O que é globalização, p. 30.

[10] “[...] a mundialização (os autores anglo-saxônicos utilizam o termo globalização) descreve o espaço do capitalismo ‘pós’-moderno. [...] ela designa o espaço de acumulação flexível que se caracteriza por uma hipermobilidade do capital, tendendo a uma existência nomádica, e pela integração flexível de uma pluralidade irredutível de estratégias de exploração e de modos de dominação que põem em concorrência os assalariados, no seio, digamos assim, de ima imensa jornada de trabalho em escala planetária.” BENKO, Georges. Economia, espaço e globalização: na aurora do século XXI, p. 42.

[11] Werner Von Braun comparou a chegada do primeiro homem à Lua a uma inquieta ameba chegando à Terra, após sair da água. Von Braun era alemão, em 1945 mudou-se para os Estados Unidos e durante a década de 50 trabalhou para o Exército americano. Em 1958 ingressou na National Aeronautics and Space Administration (NASA) e passou a liderar o programa espacial americano, tendo sido o principal responsável na

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operação de enviar um homem à Lua. Não por acaso, alguns estudiosos indicam esse fato histórico como inaugurador do processo global.

[12] BECK, Ulrich. O que é globalização, p. 33.

[13] Sobre uma possível Governança Global e um Direito à margem dos Estados Nacionais, ver: HILL, Hermann. Global Governanceund Recht jenseits des Nationalstaats. Disponível em: Acesso em : 11/03/09

[14] STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade? 2.ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 121. Nesse sentido: STELZER, Joana. Mercado Europeu: direito e análise jurisprudencial. Curitiba: Juruá, 2004.

[15] Fenômeno reflexivo porque a transnacionalidade caracteriza-se pela permeabilidade estatal e criação de uma terceira dimensão social, política e jurídica, que perpassa a realidade nacional, mas que não se se confunde com ligação ponto-a-ponto da internacionalidade. Assim, enquanto a globalização é o fenômeno envolvedor, a transnacionalidade é a nascente de um terceiro espaço, inconfundível com o espaço nacional ou internacional.

[16] BECK, Ulrich. O que é globalização, p. 49.

[17] Cumpre sempre lembrar que a referência feita no presente estudo à terceira dimensão está em oposição aos espaços (dimensões) nacional e internacional.

[18] OHMAE, Kenichi. O fim do Estado-nação. Tradução de Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Campus, 1996, p. 12.

[19] OHMAE, Kenichi. O fim do Estado-nação, p. 7.

[20] HABERMAS, Jürgen. A Constelação Pós-Nacional. Tradução de Márcio Selligmann-Silva. São Paulo: Littera Mundi, 2001, p. 99.

[21] IANNI, Octavio. A sociedade global. 3.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995, p. 93.

[22] BAUMANN, Zygmund. Globalização. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 77.

[23] FARIA, José Eduardo. O Direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 15.

[24] ROSENSTIEL, Francis. El principio de “supranacionalidad”. Tradução de Fernando Murillo Rubiera. Madrid: Instituto de Estudios Politicos, 1967, p. 32.

[25] BECK, Ulrich. O que é globalização, p. 67.

[26] BECK, Ulrich. O que é globalização, p. 46.

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[27] A IKEA é uma empresa que ainda não se instalou no Brasil, mas é mundialmente conhecida e especializada na venda de móveis domésticos de baixo custo, montados pelos próprios clientes. De origem sueca, atualmente é controlada por uma série de corporações sediadas nos Países Baixos. A tiragem dos catálogos da IKEA, estimado em mais de 100 milhões por ano, teriam superado a tiragem da Bíblia, tradicionalmente o livro mais vendido do mundo.

[28] BALDWIN, Richard. Globalisation: the great unbundling(s). Disponível em: Acesso em: 21/03/09

[29] Veja-se apurada análise sobre o papel do espaço na lógica global e transnacional em: OLIVEIRA, Odete Maria de. Teorias Globais: fragmentações do mundo. Ijuí: Unijuí, 2005, pp. 33-80.

[30] Aliás, atualmente não se avalia mais, sequer, a produção do bem, mas da tarefa (por exemplo, a montagem, a embalagem e a entrada de dados). Com isso, esvaziam-se as teorias de Smith e de Ricardo atadas à lógica de compra e venda atadas aos produtos. Hoje, a comparação é por segmento ou tarefa (task). Veja-se mais sobre esse assunto em: BALDWIN, Richard. Globalisation: the great unbundling(s). Disponível em: Acesso em: 21/03/09

[31] Conforme explica a OMC, entre as razões para que a Índia, mas também países como África do Sul, Malásia e Filipinas, façam sucesso na desterritorialização dos serviços financeiros citam-se a existência de pessoal jovem, em abundância, com qualificação tecnológica e que fala inglês. WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). Informe OMC 2008 – O comércio mundial em um processo de globalização. Disponível em: >http://www.wto.org> Acesso em: 02/04/09.

[32] TOURRAINE, Alain. Um novo paradigma: para compreender o mundo de hoje. Tradução de Gentil Avelino Titton. Petrópolis (RJ): Vozes, 2006, p. 34.

[33] IANNI, Octavio. A sociedade global, p. 23.

[34] GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-democracia. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 142.

[35] IANNI, Octavio. A sociedade global, p. 37-39.

[36] CHESNAIS, François. A mundialização do capital, p. 34.

[37] Não se pode, confundir o liberalismo e o neo-liberalismo, vez que há diferenças sutis, todavia, importantes, a serem ressaltadas. O liberalismo, em seus moldes clássicos, estava atado à sociedade nacional, ao mercado doméstico e ao capitalismo competitivo. Não obstante defendesse a liberdade econômica incondicionada, baseava-se no princípio da soberania nacional. O neo-liberalismo, por sua vez, ainda que possua o núcleo liberal, é uma expressão do que representa a globalização. Assim, por não ter fronteiras, enraíza-se diretamente na economia mundial. Tem por lema fundamental a idéia de que a liberdade econômica e a liberdade política estão associadas e que somente existe democracia quando as condições de mercado são absolutamente livres. O neo-

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liberalismo lança-se diretamente na sociedade mundial, o planeta constitui seu limite, entende que o capitalismo global é auto-regulável e tende sempre a reequilibrar-se.

[38] IANNI, Octavio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 78.

[39] CHESNAIS, François. A mundialização do capital, p. 246.

[40] SOUZA, Herbert José de. O capital transnacional e o Estado. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 26.

[41] BRAUDEL, Fernand. A dinâmica do capitalismo. Tradução de Carlos de Veiga Ferreira. Lisboa: Teorema, 1985, p. 62.

[42] BRUM, Argemiro Luís. A economia internacional na entrada do século XXI: transformações irreversíveis. Ijuí: Unijuí, 2002, p. 35.

[43] Ademais, foi precisamente essa questão que afligiu as bolsas de valores em todo o mundo no segundo semestre de 2008. “Por sua própria natureza, o capitalismo vive articulado em ciclos longos e curtos, de expansão e retração. A crise atual não foge a essa regra e é impossível prever seu alcance. A única certeza é que o mundo sairá modificado [...] O poder devastador dessas crises e o seu potencial de contágio se revelaram tanto maiores quanto maior foi a abertura das economias ao mercado internacional e o peso que o capital financeiro passou a desempenhar em escala nacional e mundial.” SADER, Emir. Desequilíbrios estruturais do capitalismo atual. Le Monde Diplomatique – Brasil, São Paulo, setembro 2008, p. 4. Nesse sentido, veja-se também: SUPHAP, Wally. Toward Effective Risk-Adjusted Bank Deposit Insurance: A Transnational Strategy. Columbia Journal of Transnational Law. Disponível em: Acesso em: 02/09/08.

[44] Segundo Beck, tal fato está baseado (a) na nova configuração do sistema político; e (b) na substituição monocêntrica de poder dos Estados nacionais que rivalizam entre si por uma distribuição policêntrica de poder, na qual uma grande diversidade de atores transnacionais e nacionais cooperem e concorram entre si. BECK, Ulrich. O que é globalização, p. 72.

[45] DEUTSCH, Karl. Análise das relações internacionais. Tradução de Maria Rosinda Ramos da Silva. 2.ed. Brasília: UNB, 1982, p. 260.

[46] BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Tradução de João Ferreira, Carmen Varriale et al. Brasília: UNB, 1986, pp. 1187-8.

[47] BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco, Dicionário de Política, pp. 1187-8.

[48] Não se pode, à evidência, defender o desaparecimento do Estado, mas tão-somente constatar o seu enfraquecimento diante de uma nova realidade econômica que emerge fatal para as estruturas estatais clássicas dos países.

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[49] HABERMAS, Jürgen. A Constelação Pós-Nacional, p. 100. Nesse sentido, ver: CRUZ, Paulo Márcio; FERRER, Gabriel Real. A Crise Financeira Mundial, o Estado e a Democracia Econômica. Novos Estudos Jurídicos (NEJ). v. 13, n. 2, p. 9-21 / jul-dez 2008. Disponível em: Acesso em: 18/08/09.

[50] Segundo o autor, a “empresa transnacional será entendida como a sociedade mercantil, cuja matriz é constituída segundo as leis de determinado Estado, na qual a propriedade é distinta da gestão, que exerce controle, acionário ou contratual, sobre uma ou mais organizações, todas atuando de forma concertada, sendo a finalidade de lucro perseguida mediante atividade fabril e/ou comercial em dois ou mais países, adotando estratégia de negócios centralmente elaborada e supervisionada , voltada para a otimização das oportunidades oferecidas pelos respectivos mercados internos.” CRETELLA NETO, José. Empresa transnacional e direito internacional: exame do tema à luz da globalização. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 27.

[51] BRASIL, Deilton Ribeiro. Empresas transnacionais sob o império da nova ordem mundial e sua integração no direito internacional. Revista dos Tribunais, a. 90, v. 792, outubro 2001, p. 51.

[52] Nesse sentido, veja-se: STELZER, Joana. Relações Internacionais e Corporações transnacionais: um estudo de interdependência á luz da globalização. In: OLIVEIRA, Maria Odete de. Relações internacionais & globalização: grandes desafios. 2.ed. Ijuí: Unijuí, 2000, p. 95.

[53] DREIFUSS, René Armand. A época das perplexidades, p. 128.

[54] SKLAIR, Leslie. Sociologia do sistema global. Tradução de Reinaldo Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 253.

[55] SAW III. Direção: Darren Lynn Bousman . Produção: Mark Burg; Gregg Hoffman; Oren Koules. EUA: Paris Filmes, 2005. 1 DVD