109946518 Concepcoes e Tendencias Atuais Em Psicologia Da Educacao

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  • Concepes e tendncias atuais em psicologia da educao CSAR COLL

    INTRODUO

    A existncia da psicologia da educao como uma rea de conhecimento e de saberes tericos e prticos claramente identificvel, re-lacionado com outros ramos e outras especia-lidades da psicologia e das cincias da educa-o, mas ao mesmo tempo distintos delas, tem sua origem na crena racional e na convico profunda de que a educao e o ensino podem melhorar sensivelmente com a utilizao ade-quada dos conhecimentos psicolgicos. Tal con-vico, que tem suas razes nos grandes siste-mas de pensamento e nas teorias filosficas an-teriores ao surgimento da psicologia cientfi-ca, foi objeto de mltiplas interpretaes. De fato, por trs do acordo generalizado de que o ensino pode melhorar sensivelmente, se forem aplicados corretamente os princpios da psico-logia, existem profundas discrepncias quanto aos princpios que devem ser aplicados, em que aspecto ou aspectos da educao devem ser usados e, de maneira muito particular, o que significa exatamente aplicar de maneira corre-ta educao os princpios da psicologia.

    Um olhar histrico psicologia da edu-cao mostra com clareza que essas diferentes interpretaes balizaram sua evoluo ao lon-go do sculo XX, contribuindo de forma deci-siva para sua configurao atual. Nas formula-es de muitos de seus precursores e primei-ros impulsores (William James, G. Stanley Hall, J. McKeen Cattel, John Dewey, Charles H. Hudd, Eduard Claparde, Alfred Binet, etc.), a psicologia da educao era o resultado da con-vergncia de dois mbitos de discurso e dois tipos de problemticas: o estudo do desenvolvi-

    mento, da aprendizagem e das diferenas in-dividuais, da rea da incipiente psicologia cien-tfica; e o reformismo social e a preocupao pelo bem-estar humano, do mbito da polti-ca, da economia, da religio e da filosofia. Como destaca Grinder (1989), as formulaes iniciais, em boa medida, so abandonadas nos anos seguintes, nos quais se vai afirmando, sob a liderana indiscutvel de Edward L. Thomdike, uma f inquebrantvel na cincia psicolgica e na potencialidade das pesquisas de laborat-rio para estabelecer as leis gerais da aprendi-zagem. Desse modo, muito rapidamente, des-de as primeiras dcadas do sculo XX, o dis-curso do reformismo social perde relevncia, e a psicologia da educao adota uma orien-tao fundamentalmente acadmica, dirigin-do seus esforos ao estabelecimento dos "par-metros fundamentais da aprendizagem", ao "refinamento de suas elaboraes tericas" e sua promoo como "disciplina de engenha-ria aplicada" (applied engineering discipline') (Grinder, 1989, p. 13).

    Essa viso da psicologia da educao como engenharia psicolgica aplicada edu-cao preponderante durante a primeira metade do sculo XX. Pelo menos at finais dos anos de 1950, e com base em uma f inque-brantvel na nova psicologia cientfica, a psi-cologia da educao aparece como a discipli na com maior peso na pesquisa educacional, como a disciplina "mestra" (Grinder, 1989), como a "rainha das cincias dn rducnlo" (Wall, 1979). Tal protagonismo, porin, a a atenuar-se a punir dou n ilr IVriO Mltiplas razes explicam o falo (imln .1. unidade e coerncia Intrii l c

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    cia de seu prprio xito e de sua expanso incontrolada, que a leva a ocupar-se de prati-camente qualquer tema ou aspecto relaciona-do com a educao e a procurar resolver qual-quer problema educacional; a coexistncia de diversas escolas de pensamento e de teorias explicativas da aprendizagem, do desenvolvi-mento e do psiquismo humano em geral, que pem em questo a capacidade da psicologia cientfica para chegar a um conhecimento ob-jetivo, unificado, empiricamente contrastado e amplamente aceito; a tomada de conscin-cia da complexidade da educao como rea de aplicao do conhecimento psicolgico e da infinidade de fatores e processos heterogne-os presentes em qualquer atividade educacio-nal; o surgimento e o desenvolvimento de ou-tras cincias sociais e a evidncia do interesse e da relevncia de suas contribuies para a educao e o ensino; etc. O que comea a se manifestar nos anos de 1960 uma "rachadu-ra" da f na capacidade da psicologia para fun-damentar cientificamente a educao e o ensi-no, o que leva, por sua vez, a questionar a viso da psicologia da educao como engenharia psi-colgica aplicada vigente desde os tempos de Thorndike, isto , como disciplina encarregada de transferir os conhecimentos psicolgicos educao e ao ensino a fim de proporcionar-lhes fundamentao e carter cientficos.

    Essa mudana ter enormes repercusses para o desenvolvimento posterior da psicolo-gia da educao. Por um lado, significar, a mdio prazo, a perda definitiva de um prota-gonismo absoluto no campo da educao. Como assinalam Casanova e Berliner (1997), a psicologia da educao, que entra no sculo XX ocupando uma posio predominante no' panorama da pesquisa educacional, chega ao seu final compartilhando esse espao com ou-tras cincias sociais e da educao que, muitas vezes, so tanto ou mais valorizadas que ela para abordar os problemas educacionais e melhorar a educao. Por outro lado, obriga-a a questionar seus pressupostos bsicos, seus princpios fundamentais, sua maneira tradicio-nal de abordar as questes e os problemas edu-cacionais, seu alcance e sua limitao para pro-porcionar uma base cientfica educao e ao ensino, em suma, sua misso como rea de co-nhecimento claramente identificvel, ao mes-

    mo tempo estreitamente relacionada com ou-tras, mas distinta delas.

    Os olhares crticos e autocrticos se mul-tiplicam, assim como as propostas program-ticas sobre como enfrentar uma crise de iden-tidade, latente desde seu incio, que j no possvel continuar ignorando. Desse modo, por trs da unidade de propsitos de contribuir para uma melhor compreenso da educaao e do ensino e para uma melhoria das prticas educacionais com a ajuda da psicologia, o que aparece na realidade uma diversidade de for-mulaes, de propostas e, inclusive, de manei-ras de conceber a natureza, os objetivos e as prioridades da psicologia da educao como rea de conhecimento. Todos os autores que trataram da histria e da epistemologia da psi-cologia da educao ao longo das ltimas d-cadas (ver, por exemplo, Glover e Ronning, 1987; Grinder, 1989; Sheurman e outros, 1993; Salomon, 1995; Calfee e Berliner, 1996; Hilgard, 1996) coincidem em um mesmo pon-to: a diversidade de formulaes e critrios, e no a unidade, uma de suas caractersticas mais evidentes. A ttulo de ilustrao, podem ser teis as impresses formuladas h pouco apenas pelos editores de um livro dedicado a revisar sua histria e a traar suas perspecti-vas de futuro de forma monogrfica:

    Retrospectivamente, parece que tnhamos feito uma leitura incorreta do campo [da psicologia da educao] quando comea-mos a trabalhar neste volume. Isto , pre-sumamos que a psicologia da educao era um campo muito mais coerente e que estava definido com muito maior preci-so do que realmente . Na realidade, escasso o acordo sobre o que a psicolo-gia da educao e quem ou o que so os psiclogos da educao (Glover e Ronning, 1987, p. vii).

    Nesse contexto geral de diversidade de formulaes e critrios, o estado atual da psi-cologia da educao est fortemente marca-do, a meu ver, por trs fatores. Em primeiro lugar, a reconsiderao em profundidade, a que estamos assistindo h alguns anos, das funes e das finalidades da educao em geral, e da educao escolar em particular, assim como a

    DESENVOLVIMENTO P8ICOI ("xill.(11 riHJI A. . /1

    reviso crtica da velha aspirao de construir uma teoria e uma prtica educacionais sobre bases cientficas. Em segundo lugar, a emer-gncia e a aceitao crescente de novos con-ceitos e enfoques tericos em psicologia do de-senvolvimento, em psicologia da aprendizagem e, muito particularmente, em psicologia da edu-cao e do ensino. E, em terceiro lugar, a mu-dana de perspectiva adotada progressivamen-te no transcurso das ltimas dcadas, a partir do final dos anos de 1960 aproximadamente, com relao prpria natureza das relaes entre psicologia e educao e ao tipo de con-tribuies ou de aportes que a primeira pode fazer legitimamente segunda.

    Neste captulo, passarei em revista as con-cepes e as tendncias atuais da psicologia da educao, dando ateno fundamentalmen-te aos dois ltimos fatores, e s se far meno ao primeiro, de forma colateral, quando pare-cer adequado para facilitar e reforar a com-preenso dos argumentos apresentados. No se-guinte, comeo destacando algumas tenses subjacentes configurao da psicologia da educao e se ver como se concretizam, em boa medida, em pontos de vista distintos so-bre as relaes entre o conhecimento psicol-gico e a teoria e a prtica educacionais. To-mando como base dois pontos de vista contr-rios sobre tais relaes, dedicarei o restante do segundo item a apresentar, com algum deta-lhe, as duas grandes concepes atuais da psi-cologia da educao: a que a concebe como um mero campo de aplicao da psicologia; e a que a v como uma disciplina-ponte de natu-reza aplicada que se encontra no meio do ca-minho entre a psicologia e a educao. As duas concepes coincidem em afirmar que a psico-logia da educao tem a ver com a utilizao e a aplicao do conhecimento psicolgico edu-cao e ao ensino, mas diferem radicalmente na maneira de conceber e formular essa utili-zao e essa aplicao. Dedicarei o terceiro item a comentar tais diferenas. J situados na al-ternativa da psicologia da educao como dis-ciplina-ponte de natureza aplicada, o quarto item especifica seu objeto de estudo, seus con-tedos e sua vinculao com algumas reas de atividade cientfica e profissional. Por ltimo, e a fim de completar a aproximao dos itens precedentes, orientados sobretudo a especifi-

    car suas coordenadas epr.irmnlc >gli i texto mais amplo das disciplina* pl<

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    ma io r ou m e n o r n fase nos c o m p o n e n t e s te-r icos e d e pesqu isa ou nos c o m p o n e n t e s pr-ticos e pro f i ss iona is . Essas opos ies , ou me-lho as d i ferentes reaes e posturas adotadas d iante delas, d e s emboca ram em um a m p l o le-que de v ises, s v e zes c laramente contrapos-tas, sobre o que e d o que trata, e especial-men t e sobre o que d e v e ser e d o que deve tra-tar, a ps ico log ia da educao, c o m o ilustra a srie d e de f in i es correspondentes a di feren-tes autores e m o m e n t o s histricos reunidas no Q u a d r o 1.1.

    Embora cada uma dessas oposies tenha sua prpr ia histria e mat izes singulares, to-das cont r ibuem, em ma io r ou m e n o r med ida , c on f o rme os casos, para per f i lar as d i ferentes concepes da ps ico log ia da educao , d e cer-to m o d o acabam con f lu indo no que constitui o

    ponto crucial em t o m o d o qual tal t j i ferena se concret iza e mostra seu v e rdade i r o a lcance e sua s ign i f i cao (Co l l , 1988a; 1990a; 1998a; 1998b) : a importncia re lat iva atr ibuda aos componentes ps ico lg icos n o es fo ro para ex-pl icar e compreende r os f enmenos educacio-nais. De fato, as concepes da ps ico log ia da educao osci lam desde f o rmulaes aberta-mente reducionistas, para as quais o estudo das var iveis e dos processos ps ico lg icos a ni-ca v ia adequada para proporc ionar uma fun-damentao cient f ica teoria e prtica edu-cacionais, at fo rmulaes que quest ionam de f o rma mais ou menos radical o pape l e a im-portncia dos componentes ps ico lg icos , pas-sando l og i camente por toda uma gama de for-mulaes intermedir ias.

    QUADR01.1 Algumas definies de psicologia da educao

    A eficincia de qualquer profisso depende amplamente do grau em que se torne em cientfica. A profisso do ensino melhorar (1) medida que o trabalho de seus membros seja presidido por espirito e mtodos cientficos, isto , pela considerao honesta e aberta dos fatos, pelo abandono de supersties, suposies e conjeturas no-verificadas e (2) medida que os responsveis pela educao passem a escolher os mtodos em funo dos resul-tados da pesquisa cientifica, em vez de faz-lo em funo da opinio geral. (E. L. Thorndike [1906], The principies of teaching based on psychology. Nova York: Mason-Henry Press. Citado em Mayer, 1999, p. 10-11.)

    [...] O termo "Psicologia da Educao" ser interpretado, para nossos propsitos, em um sentido amplo que cobre todas as fases do estudo da vida mental relacionadas com a educao. Desse modo, considerar-se- que a psicologia da educao inclui no apenas o conhecido campo coberto pelo livro-texto habitual a psicologia da sensao, do instinto, da ateno, do hbito, da memria, da tcnica e da economia da aprendizagem, os processos conceituais, etc. - , mas tambm temas de desenvolvimento mental - herana, adolescncia e o inesgotvel campo de estudo da criana - , o estudo das diferenas individuais, dos atrasos de desenvolvimento e de desenvolvimento precoce, a psicologia da "classe especial", a natureza dos dotes mentais, a medida da capacidade mental, a psico-logia dos testes mentais, a correlao das habilidades mentais, a psicologia dos mtodos especiais nas diversas matrias escolares, os importantes problemas de higiene mental; todos eles, quer sejam tratados de um ponto de vista experimental ou literrio, so temas e problemas que nos parecem apropriados considerar em um Journai of EducationalPsychology. (W. C. Bagley, J. C. Bell. C. E. Seashore e G. M. Whipple [1910], Editorial do primeiro nmero do Journal of Educational Psychology, Citado em Glover e Ronning, 1987, p.5.)

    A psicologia da educao a aplicao dos mtodos e dos fatos conhecidos pela psicologia s questes que surgem na pedagogia. (K. Gordon, [1917]. Educational Psychology. Nova York: Holt. Citado em Glover e Ronning, 1987, p.5.)

    Para concluir, portanto, a psicologia da educao inequivocamente uma disciplina aplicada, mas no uma psicologia geral aplicada a problemas de educao - do mesmo modo que a engenharia mecnica no fsica geral aplicada a problemas de projeto de mquinas, ou a medicina no biologia geral aplicada a problemas de diagnsti-co, de cura e de preveno de doenas humanas. Nestas ltimas disciplinas aplicadas, as leis gerais que tm sua origem na disciplina-me no se aplicam ao mbito dos problemas prticos; existem ramos separados com teorias aplicadas que so to bsicas como as teorias existentes nas disciplinas de origem, mas que so formuladas em um nvel inferior de generalidade e tm mais relevncia direta e mais aplicabilidade aos problemas prticos em seus respectivos campos. (D. P. Ausubel [1969]. "Is there a discipline of Educational Psychology?". Psychology in the Schools, 6, 232-244. Extrado do original.)

    (continua)

    QUADRO 1.1 (cont inuao)

    DESENVOLVIMENTO PSICOLGICO E EDUCAO, V.2 23

    As relaes entre a disciplina-me e a disciplina aplicada educao podam apresentar-a* aob duaa forma diferentes: ou o campo da educao considerado apenas como um campo da npllcnAo doa mtodoa ou das tcnicas da disciplina-me (exemplo: psicologia aplicada educao), ou ao campo da educao, annliaado com os instrumentos habituais da disciplina-me, revelar, em funo de sua especificidade prpria, problemas novoa para o especialista, problemas cuja soluo constituir uma contribuio original para o conjunto da disciplina. (G. Mlnlaret [1976], Les Sciences de 1'Education. Paris: Presses Unlversitalres de France, p. 78.)

    Ocorreu algo interessante com a psicologia do ensino. Ela chegou a fazer parte da principal corrente de pesquisa sobre a cognio humana, a aprendizagem e o desenvolvimento. Durante cerca de 20 anos foi aumentan-do de forma gradual o nmero de psiclogos que dedicam sua ateno a questes relevantes para o ensino. Nos ltimos anos, esse aumento se acelerou, de forma que agora difcil traar uma linha clara de separao entre a psicologia do ensino e o corpo principal de pesquisa bsica sobre processos cognitivos complexos. A psicologia do ensino j no psicologia bsica aplicada educao. fundamentalmente pesquisa sobre os processos do ensino e aprendizagem. (L. B. Resnick [1981]. Instructional Psychologie. Annual Review of Psychology, 32, 659-704. Extrado do original.)

    A psicologia da educao o campo apropriado para unir a pesquisa e a teoria psicolgica ao estudo cientifico da educao. [...] A cincia e a profisso da psicologia da educao o ramo da psicologia comprometido com o desenvolvimento, a avaliao e a aplicao de: (a) teorias e princpios da aprendizagem humana, do ensino e da instruo; e (b) materiais, programas, estratgias e tcnicas baseadas nessas teorias e nos princpios que podem contribuir para melhorar as atividades e os processos educacionais ao longo da vida. [...] A psicologia da educao tem um papel recproco em psicologia e em educao, visto que contribui para o desenvolvimento da teoria, da pesquisa e do conhecimento nos dois campos. (M. C. Wittrock e F. Farley [1989]. "Toward a blueprint for educational psychology". Em M. C. Wittrock e F. Farley (Eds.), The future of educational psychology (p. 193-199). Hillsdale, N. J.: L. Erlbaum.)

    A psicologia da educao algo mais que sua prudente definio convencional como "a aplicao de todos os campos da psicologia educao". A psicologia da educao "o estudo cientfico da psicologia na educao". [...] A principal razo para conceber a psicologia da educao como "o estudo cientifico da psicologia na educao" reside nas acentuadas vantagens dessa concepo para concentrar a pesquisa nos problemas significativos da educao. [...] A psicologia da educao distingue-se de outros campos da psicologia porque aeu objetivo principal a compreenso e a melhoria da educao. Mas a psicologia da educao tambm se distingue das outras reas da pesquisa educacional por causa de sua fundamentao psicolgica, de sua nfase nos alunos e nos professo-res e de sua responsabilidade de contribuir para o desenvolvimento do conhecimento e da teoria em psicologia. (Wittrock, M. C. [1992]. "An empowering Conception of Educational Psychology". Educational Psychologist, 27,129-141. Extrado do original.)

    Parece que a meta da psicologia da educao para o seu segundo sculo conhecer os educadores tal como so, no contexto em que trabalham, mediante as mltiplas lentes proporcionadas at agora pela cincia psicolgica. Se tem xito, os psiclogos da educao aumentaro sua compreenso sobre os professores e os estudantes, o ensino e a aprendizagem, o contexto social e o currculo nos ambientes escolares reais. Essa seria uma conquista pouco ambiciosa. (U. Casanova e D. Berliner (1997). "La Invesgacin educativa en Estados Unidos: ltimo cuarto de siglo". Revista de Educacin, 312, 43-80.)

    Nessa m e s m a l inha de a r gumen tao , M a y e r (1999a , p. 9 -13 ) identi f ica em um tra-balho recente trs formas di ferentes de conce-ber as relaes entre a psicologia - qual atri-bui a responsabi l idade de estudar c o m o as pes-soas aprendem e se desenvo lvem - e a educa-o - cuja essncia consistiria, segundo esse autor, em ajudar as pessoas a aprender e a de-senvolver-se. A primeira concebe tais relaes operando em uma nica d ireo - a one-way

    street - que vai da psicologia educao, d e ma-neira que os psiclogos d e v e m ocupar-se fun-damenta lmente em pesquisar os processos de desenvo lv imento e de ap rend i zagem e d e pr os resultado obtidos ao alcance dos educado-res, sendo estes os responsveis por aplic-los sua at iv idade docente. A segunda eq iva l e d e fa to a uma ausncia d e re laes - a dead-end street - entre os dois campos . Nesse caso, pen sa-se que os psiclogos d e v e m ocupar so d o

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    estudo dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem margem das preocupaes dos educadores e dos problemas da educao, en-quanto os educadores tm a responsabilidade de desenvolver um ensino capaz de responder s necessidades de seus alunos margem das contribuies da psicologia. A terceira, por l-timo, postula uma relao bidirecional - a two-way street - entre a psicologia e a educao, de maneira que os psiclogos devem estudar como as pessoas aprendem e se desenvolvem em am-bientes educacionais, definindo os temas de suas pesquisas a partir das preocupaes e dos desafios dos educadores, enquanto os segun-dos devem fundamentar suas decises de en-sino nas contribuies da psicologia sobre como os alunos aprendem e se desenvolvem nesses ambientes.

    Deixando de lado a segunda opo assi-nalada por Mayer - cuja considerao detalha-da nos obrigaria a entrar em uma problemti-ca que ultrapassa os objetivos deste captulo.e inclusive do volume do qual faz parte - , va-mos centrar-nos a seguir nas duas outras por serem as que correspondem a duas concepes extremas, mas ainda plenamente vigentes, da psicologia da educao: a psicologia da educa-o entendida como um campo de aplicao do conhecimento psicolgico e a psicologia da educao entendida como uma disciplina-pon-te de natureza aplicada. No Quadro 1.2. re-nem-se, de forma contrastante, os traos ca-ractersticos das duas concepes.

    QUADRO 1.2 Duas vises nitidamente contrastantes da psicologia da educao

    A psicologia da educao entendida como um mbito de aplicao da psicologia

    O conhecimento psicolgico o nico que permite abordar e resolver de maneira cientifica as questes e os problemas educacionais.

    O comportamento humano responde a leis universais que, uma vez estabelecidas pela pesquisa psicolgica, po-dem ser utilizadas para compreender e explicar o comportamento humano em qualquer ambiente, includos os ambientes educacionais.

    A psicologia da educao no se distingue das outras especial idades da psicologia pela natureza dos conhecimen-tos que p r o p o r c i o n a - q u e so conhecimentos psicolgicos e, portanto, prprios da psicologia c ient f ica- , mas pela rsa ao qual se aplicam tais conhecimentos: a educao.

    A principal tarefa da psicologia da educao consiste em selecionar, entre os conhecimentos proporcionados pela psicologia cientfica, aqueles que em princpio podem ser mais teis e relevantes para explicar e compreender o comportamento humano nos ambientes educacionais e poder intervir neles.

    A psicologia da educao no uma disciplina ou subdisciplina em sentido estrito - visto que no tem um objeto de estudo prprio e nem pretende gerar conhecimentos novos - , mas simplesmente um campo de aplicao da psico-logia.

    A psicologia da educao entendida como uma disclpllna-ponte entre a psicologia e a educao

    A abordagem e o tratamento das questes e dos problemas educacionais exige uma aproximao multidisciplinar. O estudo e a expl icao do comportamento humano nos ambientes educacionais deve ser feito nesses ambientes

    e devem levar em conta suas caractersticas prprias e especf icas. A psicologia da educao distingue-se das outras especial idades da psicologia, porque proporciona conhecimen-

    tos especficos sobre o comportamento humano em situaes educacionais. A principal tarefa da psicologia da educao consiste em elaborar, tomando como ponto de partida as contribuies

    da psicologia cientfica, instrumentos tericos, conceituais e metodolgicos teis e relevantes, para explicar e com-preender o comportamento humano nos ambientes educacionais e poder intervir neles.

    A psicologia da educao uma disciplina ou subdisciplina em sentido estrito - visto que tem um objeto de estudo prprio e aspira gerao de conhecimentos novos sobre ele - que se encontra no meio do caminho entre os mbitos disciplinares da psicologia e das cincias da educao.

    DESENVOLVIMENTO Pl( ;U| ('M>|I I , I MUI, . , , ,, /II

    A psicologia aplicada educao

    Incluem-se sob tal denominao um con-junto de formulaes - predominantes at fi-nais da dcada de 1950, mas que continuam gozando de uma certa aceitao atualmente, sobretudo em suas verses menos radicais -que concebem a psicologia da educao como um mero campo de aplicao do conhecimen-to psicolgico, isto , como psicologia aplicada educao. Para alm dos matizes diferenciais, alguns deles de indubitveis alcance e signifi-cao, essas formulaes compartilham os mes-mos princpios e iguais pressupostos bsicos quanto forma de abordar as relaes entre o conhecimento psicolgico e a teoria e a prti-ca educacionais. Em primeiro lugar, a crena de que o conhecimento psicolgico o nico que permite abordar de uma maneira cientfi-ca e racional as questes educacionais. Em se-gundo lugar, o postulado de que o comporta-mento humano, responde a uma srie de leis gerais que, uma vez estabelecidas pela pesqui-sa psicolgica, podem ser utilizadas para com-preender e explicar qualquer mbito da ativi-dade das pessoas. Em terceiro lugar, e como conseqncia do anterior, o que caracteriza a psicologia da educao no o tipo ou a natu-reza do conhecimento que maneja - um conhe-cimento relativo s leis gerais que regem o com-portamento humano e, portanto, compartilha-do com as demais reas ou parcelas da psico-logia - , mas o campo ou a rea de aplicao no qual se pretende utilizar tal conhecimento, isto , a educao. Em quarto lugar, a tarefa da psi-cologia da educao, assim entendida, no outra seno a de selecionar, entre os conheci-mentos proporcionados pela psicologia cient-fica em um momento histrico deteminado, aqueles que podem ter mais utilidade para compreender e explicar o comportamento das pessoas em situaes educacionais.

    Vale advertir, no entanto, que essas for-mulaes, em que pese compartilharem os prin-cpios e pressupostos mencionados, esto lon-ge de constituir uma orientao homognea e compacta no panorama atual da psicologia da educao. Por um lado, existem diferenas sig-nificativas quanto s dimenses ou aos aspec-

    tos do comportamento i.U, ,-potencialmente teis c relevam, cao; assim, conforme n dlmcm.,i" ei . >11,1.1., pode-se encontrar, por exemplo, uma pii, .,1,. gia evolutiva ou do desenvolvi tu rtit, > it|>h< n,l*i educao, uma psicologia da npiriiill/MM

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    do de lado os problemas e as questes relevan-tes do ponto de vista educacional que ainda no foram objeto de ateno na pesquisa e na teoria psicolgica. Essa concepo, na realida-de, limita a misso e o alcance da psicologia da educao tarefa de reunir aplicaes edu-cacionais que tm sua origem em um amplo leque de pesquisas psicolgicas sobre um es-pectro no menos amplo de problemticas e questes geralmente estudadas em contextos distintos dos educacionais.

    Por outro lado, embora seja certo que a estratgia de aplicao direta e unilateral faci-lita a utilizao potencial em educao dos avanos produzidos em todos os campos e es-pecialidades da pesquisa psicolgica, de forma curiosa e paradoxal leva a ignorar, e inclusive a mascarar, as contribuies recprocas que fi-zeram e continuam fazendo a partir da pr-pria psicologia da educao ao desenvolvimen-to de outros campos da psicologia. Os exem-plos nesse sentido so abundantes: os aportes de E. L. Torndike, considerado o pai da psico-logia da educao, psicologia da aprendiza-gem; as contribuies de J. Dewey, realizadas em boa medida no contexto da incipiente psi-cologia da educao de princpios do sculo XX, ao estudo da aprendizagem e do pensamento, como tambm ao desenvolvimento do funcio-nalismo; as importantes contribuies de outros psiclogos educacionais, como G. Stanley Hall, J. M. Cattell, Charles Judd, Alfred Binet, L. Cronbach e outros, psicologia da criana, ao movimento dos testes, psicologia diferencial e psicologia da aprendizagem; os aportes de B. E Skinner e R. Glaser psicologia da apren-dizagem; as de D. P Ausubel e J. S. Bruner aos modelos cognitivos da aprendizagem e psi-cologia do pensamento; as de B. Weiner psi-cologia da motivao e da emoo, etc.

    A psicologia da educao como disciplina-ponte

    Como conseqncia dessas e de outras cr-ticas - em particular aquelas dirigidas a desta-car as limitaes e os erros derivados do redu-cionismo psicolgico prprio das relaes uni-laterais entre conhecimento psicolgico e teo-ria e prtica educacionais - , a psicologia da educao, no transcurso da segunda metade

    do sculo XX, foi renunciando progressivamen-te boa parte dos postulados e dos princpios que caracterizam as formulaes da psicologia aplicada educao. Surgiu, assim, embora sem chegar a substitu-los plenamente, uma srie de formulaes alternativas que se sub-metem a uma concepo distinta da psicolo-gia da educao: a que tende a consider-la como disciplina-ponte entre a psicologia e a edu-cao, com um objeto de estudo prprio e, so-bretudo, com a finalidade de gerar um conhe-cimento novo acerca desse objeto de estudo.

    Conceber a psicologia da educao como disciplina-ponte implica mudanas profundas na maneira tradicional de entender as relaes entre o conhecimento psicolgico e a teoria e a prtica educacionais. Por um lado, tais relaes j no podem ser consideradas em uma nica direo; o conhecimento psicolgico pode con-tribuir para melhorar a compreenso e a expli-cao dos fenmenos educacionais, mas o estu-do destes pode, por sua vez, contribuir tambm para ampliar a aprofundar os conhecimentos psicolgicos. Por outro lado, para que possa haver essa reciprocidade nas contribuies, ser necessrio levar em conta as caractersticas pr-prias das situaes educacionais muito mais do que se costumava fazer no passado. Os fenme-nos educacionais deixam de ser unicamente um campo de aplicao do conhecimento psicol-gico para se tornar um mbito da atividade hu-mana suscetvel de ser estudado com os instru-mentos conceituais e metodolgicos prprios da psicologia. A psicologia da educao como dis-ciplina-ponte significa, em suma, uma renncia expressa ao reducionismo psicolgico que ca-racteriza as formulaes de psicologia aplicada educao.

    Segundo Mayer, as diferentes maneiras de conceber as relaes entre a psicologia e a educao correspondem, em linhas gerais, a outras tantas fases no desenvolvimento da psi-cologia da educao. Durante a primeira fase, que iria aproximadamente at meados do s-culo XX, predomina a viso de uma relao unidirecional como conseqncia do otimis-mo depositado no valor dos aportes da psico-logia cientfica para orientar, guiar e melho-rar a educao. E a fase em que domina a con-cepo de psicologia aplicada educao (ver as definies de Thorndike, Bagley e outros, e Gordon mostradas no Quadro 1.1). A partir

    DESENVOLVIMENTO PSICOLflKi >1 t tllli Ai. Ai t w I I

    de meados do sculo XX torna-se cada vez mais evidente que o otimismo da fase ante-rior era excessivo. Os educadores e os psic-logos comeam a subordinar-se a um certo pessimismo quanto capacidade da psicolo-gia de guiar, de orientar e de melhorar a edu-cao, de modo que os segundos tendem a refugiar-se nos laboratrios, concentrando-se em comparar os resultados de suas pesquisas e em refinar suas teorias margem das preo-cupaes dos educadores, enquanto que os primeiros se centram nos problemas prticos de sua profisso buscando solues margem das teorias psicolgicas sobre a aprendizagem e o desenvolvimento. A psicologia e a educa-o entram em uma fase de desconexo. Fi-nalmente, por volta da dcada de 1960, ini-cia-se uma terceira fase, na qual ainda esta-ramos instalados nos dias atuais, em que as relaes entre a psicologia e a educao co-meam a ser formuladas em uma dupla dire-o: os desafios e os problemas educacionais estabelecem a agenda de pesquisa da psicolo-gia impulsionando-a a elaborar teorias e ex-plicaes do comportamento de pessoas reais em ambientes reais; e, reciprocamente, me-diante o desenvolvimento de teorias teis e relevantes do ponto de vista educacional, a psicologia proporciona educao as bases necessrias para adotar decises fundamen-tais no campo da prtica. a fase que corres-ponde concepo da psicologia da educa-o como disciplina-ponte (ver as definies de Ausubel, Mialaret, Resnick, Farley e Wittrock, Wittrock e Casanova e Berliner mostradas no Quadro 1.1.).

    Seria um erro, porm, interpretar a linha histrica proposta por Mayer como a simples substituio de uma concepo por outra. certo que a primeira maneira de entender as relaes entre a psicologia e a educao pre-dominante at a dcada de 1950, que a segun-da se manifesta sobretudo nas dcadas de 1940 e 1950 e que a terceira comea a ganhar terre-no progressivamente a partir da dcada de 1960. Mas existem ainda hoje numerosos edu-cadores, planejadores da educao, respons-veis por polticas educacionais, pedagogos e psi-clogos instalados na segunda e, sobretudo, na primeira (De Corte, 2000).

    Como destacam Fenstermacher e Richar-son (1994), a psicologia da educao atual

    continua sendo marcada pcln < |.

  • 28 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.

    colhidos a partir dos problemas que surgem na prtica e das preocupaes dos profissionais da educao, em vez de faz-lo principalmente, como ain-da costume, em funo de seu inte-resse e sua relevncia psicolgica ou da disponibilidade de mtodos de pes-quisa cannicos e aceitos pela psico-logia cientfica. A proposio e a formulao dos te-mas estudados deveria adotar uma forma de discurso prxima prtica educacional e s preocupaes dos profissionais da educao, evitando, na medida do possvel, o discurso dis-ciplinar e especializado da psicologia, muitas vezes pouco apropriado para descrever com preciso e fidelidade os aspectos mais relevantes das situaes e das prticas educacionais. As elaboraes e os aportes da psico-logia da educao deveriam ser valo-rizados como um meio para obter um fim, isto , em funo de sua capaci-dade para contribuir para uma melhor compreenso e a melhoria da prtica em contextos educativos concretos, em vez de serem julgados e valoriza-dos como um fim em si mesmos, isto , em funo de sua maior ou menor adequao aos cnones do conheci-mento cientfico em psicologia. A psicologia da educao deveria acei-tar, com todas as suas conseqncias, que seus aportes, sem dvida nenhu-ma de enorme interesse e relevncia para a educao, s podem dar conta de alguns aspectos e dimenses desta, e que quase certo que sempre ser assim, o que exige uma enorme pru-dncia no momento de formular reco-mendaes e propostas concretas para a prtica baseadas nica e exclusiva-mente em sua viso; em outras pala-vras, a psicologia da educao deveria aceitar, de uma vez por todas, a neces-sidade de inserir sua aproximao dos fenmenos e dos processos educacio-nais em uma aproximao multidisci-plinar, em vez de continuar atuando de forma mais ou menos explcita como

    se fosse a nica viso disciplinar capaz de orientar e guiar a educao e me-lhorar as prticas educacionais.

    - Os psiclogos da educao deveriam tomar conscincia de que o conheci-mento dos profissionais da educao um conhecimento situado, contex-tualizado e muitas vezes fragmenta-do e tcito, mas que este precisamen-te o conhecimento que funciona na prtica; os psiclogos da educao deveriam tender a utilizar seu conhe-cimento disciplinar para enriquecer o conhecimento prtico dos profissio-nais da educao, em vez de preten-der substitu-lo.

    - Por ltimo, e talvez o mais importante, os psiclogos da educao deveriam assumir que a educao uma prti-ca social e que envolver-se em uma prtica social significa necessariamen-te adotar determinadas opes ideo-lgicas e morais, em vez de refugiar-se em uma suposta e enganosa neu-tralidade de um enfoque cientfico e disciplinar. Recuperando e assumindo, com todas as suas conseqncias, o discurso e as preocupaes do refor-mismo social dos pioneiros e primei-ros impulsionadores da disciplina, os psiclogos da educao devem acei-tar que no podem orientar seu tra-balho para a compreenso e a melho-ria das prticas educacionais sem for-mular-se e responder a algumas per-guntas fundamentais sobre a educa-o que no so de natureza psicol-gica em sentido estrito: quais devem ser as finalidades da educao?; que tipo de pessoa se pretende contribuir para formar com as prticas educacio-nais?; que tipo de sociedade se pre-tende contribuir para engendrar com a educao das novas geraes?; como a educao deve atender diversidade das necessidades educacionais das pessoas?; que papel a educao deve desempenhar na compensao das de-sigualdades econmicas, sociais e cul-turais da pessoas?; o que uma edu-cao de qualidade?, etc.

    DESENVOLVIMENTO PflK < )| l l i I t DIHIi * . 19

    A NATUREZA APLICADA DA PSICOLOGIA DA EDUCAO

    A passagem de uma concepo de psico-logia aplicada educao para uma concepo da psicologia da educao como disciplina-ponte obriga a rever o prprio conceito de aplicao do conhecimento psicolgico. As duas concep-es compartilham a idia de que a psicologia da educao tem a ver fundamentalmente com a utilizao ou a aplicao do conhecimento psicolgico para enriquecer e melhorar a teoria e a prtica educacionais, mas partem de esque-mas epistemolgicos que respondem a duas l-gicas de aplicao radicalmente distintas. Visto que esse ponto costuma estar na base de no poucas confuses sobre o alcance e as limita-es da psicologia da educao como disciplina de natureza aplicada, convm deter-se breve-mente nessas duas lgicas.

    A lgica do esqurmn A (vt|.li. .>.!.. educao: a unidirecionulidndc dna Mi, ,m e das operaes de aplicao, que vflo r

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    educao como discipl ina-ponte. A flecha unidirecional do esquema A foi substituda no esquema B por flechas bidirecionais que tm sua origem e seu destino em um novo elemen-to relativo natureza e s funes da educa-o escolar e s caractersticas das situaes escolares de ensino e aprendizagem. No esque-ma B, o ponto de partida da aplicao no se encontra na psicologia - ao contrrio do que ocorre no esquema A - , mas nas questes e preocupaes que ocorrem na educao esco-lar, a partir da qual se interpela a psicologia -do mesmo modo que se interpelam outras dis-ciplinas educacionais e a prpria prtica - de modo a chegar a compreend-las melhor e po-der atuar. Conseqentemente, essa interpela-o tem efeitos positivos tanto sobre a teoria e a prtica educacionais, visto que permite com-preender melhor os fenmenos estudados, como tambm, e reciprocamente, sobre a pr-pria psicologia, medida que obriga a abordar questes novas e induz a elaborar novos co-nhecimentos. N o esquema 3, no , portanto, ou no apenas, a utilizao de um conheci-mento j elaborado; sobretudo, e em primei-ro lugar, um procedimento mediante o qual se constri e se enriquece esse conhecimento. justamente nesse ponto, no carter constitutivo e gerador de novo conhecimento que tem a aplicao, que se deve situar, a meu ver, o ver-dadeiro alcance da caracterizao da psicolo-gia da educao como uma disciplina de natu-reza aplicada.

    A lgica da aplicao a que responde o esquema B tambm pode ajudar a entender me-lhor por que sua caracterizao como disci-plina de natureza aplicada se acrescenta a de ser uma disciplina-ponte entre a psicologia e a educao, isto , uma disciplina que mantm estreitas relaes com o conjunto de reas e especializaes da psicologia e com o conjun-to das disciplinas educacionais, mas sem che-gar a identificar-se ou confundir-se plenamen-te com umas, nem com outras. De fato, a psi-cologia da educao de pleno direito, nessa perspectiva, uma disciplina psicolgica, j que se nutre de aportes de outras reas e especiali-zao da pesquisa psicolgica e utiliza muitas vezes os mesmos mtodos e procedimentos de anlise que estas. No possvel, porm, redu-zi-la a uma seleo de seus aportes, nem entend-la como uma rea de conhecimento

    subordinado a elas. Como assinala Ausubel (ver Quadro 1.1), "as leis gerais que tm sua origem nas disciplinas bsicas no se aplicam ao dom-nio dos problemas prticos". Essa impossibili-dade de aplicar - mecanicamente, acrescenta-ramos ns - as leis gerais do comportamento humano ao domnio da educao obriga a em-preender um tipo de pesquisa aplicada na qual os problemas, as variveis e as caractersticas das situaes educacionais devem ser particu-larmente levados em conta.

    A pesquisa psicopedaggica uma pes-quisa aplicada no sentido de que a pertinncia dos problemas estudados tem sua origem, como assinala o esquema B, no campo educa-cional, e seu objetivo proporcionar conheci-mento til para melhorar a educao. Tambm seus resultados, assim como as explicaes e as teorias elaboradas a partir deles, so de ca-rter aplicado, pois se referem ao campo da educao, e tm, por isso, um alcance e uma generalidade menor do que aqueles proporcio-nados pela pesquisa bsica. No entanto, como assinala tambm Ausubel, no se deve enten-der a diferena e as relaes entre pesquisa bsica e pesquisa aplicada, e portanto a dife-rena e as relaes entre conhecimento psico-lgico e conhecimento psicopedaggico, em termos de uma hierarquia entre os dois tipos de conhecimento, mas sim em termos de al-cance e nvel de generalidade dos resultados e das explicaes que proporcionam. Feita essa ressalva, as teorias aplicadas da psicologia da educao podem ser consideradas to funda-mentais do ponto de vista de seu interesse e de suas repercusses para os progressos cien-tficos quanto as teorias bsicas de outras re-as ou campos da psicologia.

    Resumindo, a psicologia da educao se enriquece com as leis, os princpios, as expli-caes, os mtodos, os conceitos e os resulta-dos empricos que tm sua origem na pesqui-sa psicolgica bsica, mas, por sua vez, con-tribui para enriquecer esta ltima com seus aportes sobre os fenmenos educacionais e, mais especificamente, com suas explicaes sobre o comportamento humano em situaes educacionais. As relaes entre a psicologia e a psicologia da educao no so, portanto, de dependncia nem unilaterais, mas de in-terdependncia e bidirecionais. A lgo similar ocorre com suas relaes com as demais dis-

    DESENVOLVIMENTOPSICOLnimi I IIIII A, A,, v 1|

    ciplinas educacionais. Como mostra o esque-ma B, a psicologia da educao contribui para o enriquecimento da teoria e a melhoria da prtica educacional medida que ajuda a de-finir e compreender melhor problemas e ques-tes educativas, mas enriquecida ao mesmo tempo pelos aportes da teoria e da prtica educacional medida que estas contribuem para uma melhor definio e para a compreen-so dos problemas e das questes estudadas pela psicologia da educao.

    As dimenses da psicologia da educao

    A psicologia da educao, como discipli-na educacional de natureza aplicada, trata do estudo dos fenmenos e dos processos edu-cacionais com uma tripla finalidade: contri-buir para a elaborao de uma teoria que per-mita compreender e explicar melhor tais pro-cessos; ajudar na elaborao de procedimen-tos, estratgias e modelos de planejamento e interveno que ajudem a orient-los em uma direo determinada e ajudar na instaurao de prticas educacionais mais eficazes, mais satisfatrias e mais enriquecedoras para as pessoas que participam delas. Essas trs fina-lidades originam outras tantas dimenses ou vertentes - terica ou explicativa, projetiva ou tecnolgica e prtica - em torno das quais se articulam os contedos da psicologia da educao como disciplina-ponte de natureza aplicada (Coll, 1983; 1988b).

    A psicologia da educao tambm fun-damentalmente uma disciplina psicolgica, o que significa que sua aproximao do estudo dos fenmenos educacionais se orienta para o estudo dos componentes psicolgicos de tais fenmenos - isto , da anlise da atividade e dos comportamentos dos participantes, das mudanas que se produzem neles, dos fato-res responsveis por essas mudanas e dos processos envolvidos - e utiliza instrumentos conceituais, tericos, metodolgicos e tcni-cos igualmente psicolgicos. Isso confere s trs dimenses mencionadas - dimenses compartilhadas por todas as disciplinas que conformam o ncleo especfico das cincias da educao - ' um carter prprio. Assim, a dimenso terica ou explicativa da psicologia da educao inclui uma srie de conhecimen-

    tos conceitualmente organizndoi nmi-mli zaes empricas, leis, princlplm, nt< >< 1 I . >, teorias, etc. - sobre os componente* pnco l gicos dos fenmenos educacionais A dlmil so projetiva ou tecnolgica, por sua ve/, In clui um conjunto de conhecimentos de untii reza essencialmente procedimental sobre " planejamento e o desenho dos processos edil cacionais ou de alguns aspectos deles pot exemplo, atividades de ensino e aprendi/n gem, procedimentos de avaliao das apren dizagens, escolha de materiais didticos ou curriculares, estratgias de ateno divei m dade, etc. - , que tm sua origem ou, pelo menos, so fortemente inspirados na anlise dos componentes psicolgicos presentes ne-les. Por ltimo, a dimenso prtica inclui uma srie de conhecimentos, nesse caso de natu-reza essencialmente tcnica e instrumental, orientados interveno direta no desenvol-vimento dos processos educacionais, seja da perspectiva do desempenho da funo docen-te, seja da perspectiva da interveno psico-pedaggica.

    A PSICOLOGIA DA EDUCAO COMO DISCIPLINA-PONTE DE NATUREZA APLICADA: OBJETO DE ESTUDO, CONTEDOS E ESPAOS PROFISSIONAIS

    As consideraes e os argumentos prece-dentes oferecem uma base adequada para ten-tar definir, com maior preciso do que foi feito at agora, em que consiste esse olhar especfi-co da psicologia da educao sobre os fenme-nos educacionais, o que significa exatamente, utilizando as palavras de Wittrock (ver Qua-dro 1.1), " o estudo cientfico da psicologia na educao", em suma, o que e do que trata a psicologia da educao entendida como disci-plina-ponte de natureza aplicada.

    O objeto de estudo da psicologia da educao

    De acordo com os argumentos expostos at aqui, pode-se dizer que a finalidade da psi-cologia da educao estudar os processos de mudana que se produzem nas pessoas como

  • 3 2 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.

    conseqncia de sua participao em ativida-des educacionais. Essa afirmao sucinta re-quer; no entanto, alguns comentrios adicio-nais que ajudam a compreender e a valorizar melhor seu alcance e suas implicaes.

    Em primeiro lugar, a definio se ajusta s exigncias formuladas por uma concepo da psicologia da educao como disciplina-pon-te. Por um lado, seu interesse est voltado ao estudo dos processos de mudana que ocor-rem nas pessoas, isto , ao estudo de proces-sos psicolgicos. No obstante, e diferentemen-te de outras reas ou domnios da psicologia, interessa-se por um tipo muito especial de mu-danas: aquelas que tm sua origem na, ou que possam relacionar-se com a participao das pessoas em atividades ou situaes educacio-nais. Assim, a psicologia da educao , de ple-no direito, uma disciplina psicolgica, j que seu foco o estudo de processos psicolgicos; mas tambm, e ao mesmo tempo, uma disci-plina educacional, pois os processos psicolgi-cos aos quais volta sua ateno so inseparveis das situaes educacionais que esto em sua origem, o que significa que imprescindvel levar em conta as caractersticas destas ltimas para poder estudar cabalmente aqueles.

    Em segundo lugar, a definio proposta no deixa margem para dvidas sobre a ne-cessidade de uma aproximao multidisciplinar do estudo dos fenmenos educativos. A com-plexidade intrnseca desses fenmenos, a mul-tiplicidade de dimenses e aspectos presentes neles faz com que seu estudo exija o concurso de diferentes perspectivas disciplinares. No se trata, naturalmente, de decompor os fenme-nos educacionais em suas partes constitutivas com a finalidade de atribuir a anlise de cada uma delas a uma disciplina distinta. Adotar uma aproximao multidisciplinar do estudo dos fenmenos educacionais significa abord-los como um todo, sem que percam sua identi-dade como fenmenos desse tipo, explorando-os sucessiva ou simultaneamente com a ajuda dos instrumentos metodolgicos e conceituais que as diferentes disciplinas educacionais pro-porcionam, procurando articular e integrar os resultados dessas indagaes em explicaes de conjunto. N o contexto dessa tarefa global, a psicologia da educao tem como responsa-bilidade especfica o estudo das mudanas -

    incluindo os processos psicolgicos subjacen-tes - que se produzem nas pessoas como con-seqncia de sua participao em atividades educacionais, de sua natureza e de suas carac-tersticas, dos fatores que os facilitam, dificul-tam e obstaculizam, e das conseqncias que tm para elas.

    Em terceiro lugar, a psicologia da educa-o est comprometida, junto com outras dis-ciplinas educacionais e em estreita coordena-o com elas, na elaborao de uma teoria edu-cacional de base cientfica e na configurao de uma prtica de acordo com ela. Esse com-promisso lhe confere o carter de disciplina aplicada e a induz a abordar seu objeto de es-tudo com uma tripla finalidade, ou uma tripla dimenso, como se assinalou no item anterior: uma dimenso terica ou explicativa, que per-segue a elaborao de modelos interpretativos dos processos de mudana estudados; uma di-menso tecnolgica ou projetiva, cuja meta contribuir para a descrio de situaes ou ati-vidades educacionais capazes de induzir ou provocar determinados tipos de mudana nos que participem delas e uma dimenso tcnica ou prtica, orientada interveno e resolu-o de problemas concretos surgidos na pre-parao ou no desenvolvimento de atividades educacionais.

    Em quarto e ltimo lugar, essa caracteri-zao do objeto de estudo permite situar a psi-cologia da educao escolar, tambm chamada s vezes de psicologia do ensino, no contexto mais amplo da psicologia da educao.2 Visto que esta ltima trata do estudo dos processos de mudana que se produzem nas pessoas como conseqncia de sua participao em di-ferentes tipos de situaes ou atividades educa-cionais, seu campo de trabalho e de atuao mais vasto que o da psicologia da educao escolar, que se centra nas mudanas relacio-nadas com situaes ou atividades escolares de ensino e aprendizagem. A psicologia da educa-o historicamente orientou seus esforo so-bretudo ao estudo dos processos de mudana relacionados com os processos escolares de ensino e aprendizagem e, conseqentemente, a maioria de seus aportes situa-se nesse cam-po. Essa tendncia, porm, foi corrigida no transcurso das ltimas dcadas, e a psicologia da educao abriu-se progressivamente para o

    DESENVOLVIMENTO PSICOLrtOH i > I r u m A. . . , . , 11

    estudo de outros tipos de prticas educacio-nais no-escolares, como, por exemplo, as que ocorrem em ambientes familiares, de trabalho, de lazer, ou ainda que utilizam os meios de comunicao de massas (rdio, televiso) ou as tecnologias da informao e da comunica-o como canal e como apoio.

    Os contedos da psicologia da educao

    Tomando como ponto de partida o obje-to de estudo proposto, pode-se identificar os dois grandes blocos de contedos dos quais a psicologia da educao trata: de um lado, aque-les relativos aos processos de mudana que ocorrem nas pessoas como resultado de sua participao em situaes e atividades educa-cionais; por outro, os fatores, as variveis ou as dimenses das situaes e atividades educa-tivas que se relacionam direta ou indiretamente com esses processos de mudana e que contri-buem para explicar sua orientao, caracters-ticas e resultados. Quanto aos primeiros, a psi-cologia da educao ocupa-se fundamental-mente de mudanas vinculadas aos processos de aprendizagem, de desenvolvimento e de soci-alizao. A natureza desses processos de mu-dana, as teorias e os modelos que os expli-cam ou tentam explic-los, e sobretudo as re-laes que mantm entre si as diferentes di-menses e os aspectos implicados - cultura, desenvolvimento, aprendizagem, educao, so-cializao, etc. - , configuram um dos ncleos mais importantes da psicologia da educao. No que diz respeito ao segundo bloco, o pano-rama sensivelmente mais complexo, j que existem diferenas importantes em funo do tipo de situaes ou atividades educacionais que consideremos. Os fatores, as variveis ou as dimenses, relacionados direta ou indireta-mente com os processos de mudana dos quais se ocupa a psicologia da educao no so os mesmos, para mencionar apenas dois exem-plos bvios, no caso das situaes e das ativi-dades escolars de ensino e aprendizagem que no caso das situaes e das atividades educa-tivas que ocorrem na famlia.

    Mesmo limitando-se ao caso das situa-es e das atividades educativas escolares, complexo estabelecer com preciso os gran-

    des ncleos de contedos do NHiiilo ItliM ii || margem das opes tericas pncolhliln. identificar, caracterizar e orgnnl/ni res, as variveis e as dimenses ao qual* u atribui uma relevncia especial mi rxplli v i . , dos processos de mudana. Assim, poi rann pio, a distino clssica entre, por um Indo, fatores interpessoais ou internos aos aluno por exemplo, nvel de desenvolvimento cognill vo, afetivo e social, maturidade emocional, ex perincias e conhecimentos prvios, capncida des intelectuais, motivao, interesses, auto conceito, etc. - e, por outro lado, fatores extei nos que tm sua origem no contexto - por exemplo, caractersticas do professor, materiais didticos e meios de ensinar em geral, metodo-logia de ensino, organizao do trabalho na sala de aula, dinmicas grupais e institucionais, etc. - , responde a uma orientao terica em psicologia fortemente questionada hoje. A lgo similar deve ser dito da proposta que consiste em estabelecer duas grandes categorias relati-vas aos fatores cognoscitivos e afetivo-sociais, respectivamente, incluindo em cada uma de-las tanto os que tm sua origem nos alunos quanto os que correspondem s caractersti-cas do contexto escolar.

    Talvez a melhor maneira de dar conta da diversidade e da heterogeneidade dos con-tedos que conformam esse segundo bloco sem necessidade de subordinao a um enfoque terico particular seja apresent-los, na linha de Calfee e Berliner (1996, p. 2), como ou-tros tantos captulos relacionados ao fato de que a educao comporta sempre e necessa-riamente que algum (professores, pais, ins-trutores, monitores, meios de comunicao, etc.) ensina (atua com a inteno de influen-ciar) algo (as matrias do currculo, os hbi-tos, as habilidades, as normas de conduta, os valores, etc.) a algum (alunos, filhos, empre-gados, espectadores, visitantes em um museu, etc.), em um contexto institucional (escola, fa-mlia, comunidade, museu, etc.) com um pro-psito (desenvolver capacidades, adquirir co-nhecimentos, habilidades, hbitos, assimilar valores, etc.) e esperando resultados (nos des-tinatrios da situao educativa) que geral-mente so avaliados (a fim de verificar que se alcanaram os propsitos perseguidos e se ob-tiveram os resultados esperados).

  • 3 4 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.

    As atividades cientficas e profissionais relacionadas com a psicologia da educao

    At bem avanada a dcada de 1960, as atividades cientficas e profissionais relaciona-das com a psicologia da educao aparecem circunscritas fundamentalmente a trs reas de trabalho, que tambm so aquelas em torno das quais se produz seu desenvolvimento e sua evoluo; a formao dos professores, a pes-quisa psicolgica aplicada educao e a in-terveno psicolgica sobre problemas e difi-culdades do desenvolvimento, da aprendiza-gem e da conduta, fundamentalmente no caso de crianas e adolescentes. Os dois primeiros se consolidaram e se ampliaram nas dcadas seguintes, at configurar atualmente dois es-paos de trabalho usais dos psiclogos da edu-cao. Tambm o terceiro se ampliou e diver-sificou-se de forma considervel como conse-qncia do desenvolvimento tanto da vertente prtica da prpria psicologia da educao quan-to de outras reas e especialidades psicolgi-cas orientadas interveno. Alm disso, nos ltimos anos, apareceram novos espaos de ati-vidade profissional da educao. Embora o tra-tamento adequado da questo v alm das pre-tenses deste captulo (ver, por exemplo, Mauri e Sol, 1990; Martin e Sol, 1990; Monereo e Sol, 1996; Sol, 1998a), pode ser oportuno um breve comentrio sobre os espaos profis-sionais mais diretamente vinculados a ativida-des de interveno.

    A interveno direta a partir da psicolo-gia da educao na deteco e na resoluo de problemas concretos aparece estreitamente vin-culada ein suas origens educao especial e psicologia clnica infantil. A partir da primeira dcada do sculo XX, e'paralelamente ao de-senvolvimento que vai se produzindo nas ou-tras duas reas mencionadas de atividade cien-tfica e profissional, comeam a ser criados ser-vios que, no geral, tm como objetivo priori-trio a ateno aos distrbios evolutivos e com-portamentais das crianas escolarizadas. Na maioria das vezes, esses servios fazem parte de instituies de tipo clnico ou psiquitrico -o exemplo mais representativo so as Child Guidance Clinics que entram em funcionamen-to nos Estados Unidos e no Reino Unidos mais

    ou menos nessa poca - e realizam tarefas de diagnstico e de tratamento.

    Entretanto, apenas nos anos imediata-mente posteriores Segunda Guerra Mundial, na segunda metade da dcada de 1950, que comea a generalizar-se nos pases ocidentais mais desenvolvidos a presena de psiclogos da educao nas escolas, trabalhando em con-tato direto com os professores. A mudana que se opera nestes anos no apenas quantitati-va, mas afeta tambm o tipo de situao ou de interveno que os psiclogos realizam e as fun-es que so chamados a cumprir. Paralelamen-te ao deslocamento progressivo de uma con-cepo de psicologia aplicada educao para uma concepo de psicologia da educao como disciplina-ponte, junto interveno de tipo mais clnico, centrada sobretudo no diag-nstico e no tratamento dos distrbios de de-senvolvimento, de aprendizagem e de condu-ta, aparece uma interveno de tipo educacio-nal, orientada a melhorar o ensino e a apren-dizagem no contexto escolar. Surge assim um novo campo de atividade profissional da psi-cologia da educao que, com o nome de psi-cologia escolar, conhecer um desenvolvimen-to considervel nas dcadas seguintes. Com um ou outro nome,3 entre o final dos anos 1950 e o princpio dos anos 1980 criam-se servios de psicologia escolar em praticamente todos os pases com um certo nvel de desenvolvimento econmico. O contato direto da psicologia da educao com os problemas cotidianos da pr-tica educacional, assim como o fato de ser con-tinuamente chamada a contribuir para sua so-luo, constituem, sem sombra de dvida, al-guns dos fatores que mais contriburam nestas ltimas dcadas para assegurar a concepo da psicologia da educao como disciplina-pon-te e a tomar conscincia da importncia das dimenses tecnolgica ou projetiva e tcnica ou prtica que comporta seu carter de disci-plina aplicada.

    As formulaes clnicas que esto na ori-gem da interveno psicoeducativa, porm, no desapareceram do horizonte da psicologia da educao. Por um lado, em muitas ocasies, a extenso da psicologia escolar como espao profissional no sups a substituio de um enfoque clnico por um enfoque educacional, mas sim que as funes e as tarefas clssicas

    DESENVOLVIMENTO PSICOLGICO E EDUCAO, V.2 35

    de diagnstico e tratamento de distrbios do desenvolvimento, da aprendizagem e da con-duta vieram somar-se s funes derivadas dos esforos para contribuir para a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem da esco-la. Por outro lado, os servios de psicologia cl-nica infantil e juvenil comearam a dar uma ateno crescente dimenso educacional em suas formulaes de interveno, o que levou os profissionais desse campo a dar maior aten-o aos aportes da psicologia da educao e a estabelecer novas e frutferas formas de cola-borao com os psiclogos da educao.

    Em suma, a ampliao e a diversificao dos espaos de interveno, juntamente com a j mencionada abertura ao estudo de prticas educativas no-escolares, produzida ao longo dos ltimos anos, contriburam para conformar uma densa e complexa rede de relaes da psi-cologia da educao com diversos espaos de atividade profissional, da qual se apresenta uma amostra no Quadro 1.3.

    ENFOQUES, CONCEITOS E TENDNCIAS EMERGENTES EM PSICOLOGIA DA EDUCAO

    Chegou o momento de completar a apro-ximao realizada nos itens anteriores, orien-tada basicamente a analisar e a valorizar as alternativas sobre a natureza, os objetivos e os contedos dn psicologia da educao, com a apresentao de alguns conceitos, enfoques e tendncias que, a meu ver, tambm tm um reflexo importante em suas formulaes atuais. Algumas das idias e das propostas a que me referi esto diretamente relacionadas com a mudana de orientao na maneira de enten-der as relaes entre psicologia e educao ana-lisada nas pginas anteriores. Outras, em com-pensao, esto mais vinculadas a novos enfoques tericos em psicologia do desenvol-vimento, em psicologia da aprendizagem e, muito particularmente, em psicologia da edu-

    QUADRO 1.3 Espaos de atividade cientfica e profissional relacionados com a psicologia da educao

    A. Relacionados com as prticas educacionais escolares.

    Servios especializados de orientao educacional e psicopedaggica. Centros especficos e servios de educao especial. Elaborao de materiais didticos e curriculares. Formao dos professores. Avaliao de programas, escolas e materiais educacionais. Planejamento e gesto educacional. Pesquisa educacional.

    B. Relacionados com outros tipos de prticas educacionais

    Servios e programas de ateno educacional infncia, adolescncia e juventude, em contextos no-esco-lares (famlia, centros de acolhimento, centros de adoo, etc.).

    Educao de adultos. Programas de formao profissional e trabalhista. Programas educativos/recreativos. Televiso educacional e programas educativos multimdia. Campanhas e programas educativos em meios de comunicao.

    C. Relacionados com a psicologia e a pedagogia clnica infantil.

    Centros de sade mental, hospitais, servios de ateno precoce, etc. Centros de diagnstico e tratamento de dificuldades de aprendizagem.

    Fonte: Coll, 1996d.

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    cao e do ensino, surgidos no transcurso das ltimas dcadas4. Todas elas, de resto, esto em maior ou menor medida presentes em di-versos captulos deste volume e, por isso, se limitar a apont-las e a coment-las breve-mente, em cada caso remetendo os leitores s fontes correspondentes e aos captulos nos quais so objeto de um maior desenvolvimento.

    As relaes entre desenvolvimento, aprendizagem, cultura e educao

    A psicologia da educao esteve dividida tradicionalmente em duas posturas irreconci-liveis em torno dos conceitos de desenvolvi-mento e de aprendizagem. Simplificando ao mximo, uma postura sustenta que o cresci-mento pessoal deve ser entendido basicamen-te como o resultado de um processo de desen-volvimento em boa medida interno s pesso-as, de maneira que a principal meta da educa-o deve ser acompanhar, promover, facilitar e, em todo caso, acelerar os processos naturais do desenvolvimento, que so um patrimnio gentico da espcie humana. A outra postura, ao contrrio, afirma que o crescimento pesso-al antes o resultado de um processo de apren-dizagem em boa medida externo s pessoas, de maneira que a educao deve ser orientada a promover e facilitar a realizao de aprendi-zagens culturais especficas.

    Ocorre, no entanto, que a separao en-tre os processos de desenvolvimento e os pro-cessos de aprendizagem no absolutamente to ntida como essas duas posturas do a en-tender. Certamente, os processos de desenvol-vimento tm uma dinmica interna e respon-dem a diretrizes at certo ponto universais, como destacaram os trabalhos de Piaget e da escola de Genebra (ver Captulo 1 do Volume 1 desta obra e o Captulo 2 deste volume). En-tretanto, como tambm destacaram numero-sos trabalhos e pesquisas realizados no trans-curso das ltimas dcadas da perspectiva sociocultural de orientao vygotskiana e neovygotskiana (ver Captulo 1 do Volume 1 desta obra e o Captulo 5 deste volume), a for-ma e inclusive a orientao tomada por essa dinmica interna inseparvel do contexto cul-tural em que a pessoa em desenvolvimento est

    inserida e da aquisio de saberes culturais especficos.

    Desse modo, organiza-se um esquema ex-plicativo de conjunto no qual os conceitos de cultura, de desenvolvimento e de aprendiza-gem aparecem estreitamente relacionados, e em que a educao em geral e a educao es-colar em particular so as peas essenciais para compreender a natureza de tais relaes (ver, por exemplo, Coll, 1987; Miras e Onrubia, 1998; Captulo 6 deste volume). De acordo com esse esquema, os grupos humanos pro-movem o desenvolvimento pessoal de seus membros, fazendo-os participar de diferentes tipos de atividades educacionais e facilitan-do-lhes, mediante essa participao, o acesso a uma parte da experincia coletiva cultural-mente organizada, isto , ao conhecimento cuja apropriao por parte das novas geraes era considerado relevante e necessrio em um modelo histrico determinado.

    A natureza construtiva do psiquismo humano

    De maneira progressiva, mas sem inter-rupo desde finais da dcada de 1950, foi-se impondo no campo da psicologia, e tambm nos da pedagogia e da didtica, uma srie de formulaes e enfoques que, para alm das di-ferenas que mantm entre si, compartilham uma viso do psiquismo humano conhecida ge-nericamente como "construtivismo". O cons-trutivismo, como explicao psicolgica, tem suas razes na psicologia e na epistemologia gentica e nos trabalhos de Piaget e seus cola-boradores (Coll, 1996), e se expande de forma considervel como resultado, em boa medida, da apario "da nova c incia da mente " (Gardner, 1983) e da adoo quase general^ zada dos enfoques cognitivos a partir de finais da dcada de 1970. Do ponto de vista da psi-1

    cologia da educao, a idia principal talvez mais forte e tambm a mais amplamente com-partilhada a que se refere importncia da atividade mental construtiva das pessoas nos processos de aquisio do conhecimento, o que leva a pr a nfase no aporte que sempre e necessariamente a pessoa que aprende propor-ciona ao prprio processo de aprendizagem.

    DESENVOLVIMENTO PflIC >1 tt l i 111 rOUi ' u 1/

    A viso construtivista do psiquismo hu-mano compartilhada atualmente por nume-rosas teorias do desenvolvimento, da aprendi-zagem e de outros procedimentos psicolgicos que esto dentro do foco de interesse da psico-logia da educao. Ao mesmo tempo, o recur-so aos princpios construtivistas com o objeti-vo de compreender e explicar melhor os pro-cessos educacionais, e sobretudo com a finali-dade de fundamentar e justificar propostas cur-riculares, pedaggicas e didticas de carter geral ou relativas a contedos escolares espe-cficos - matemtica, leitura, escrita, geogra-fia, histria, etc. - transformou-se em um pro-cedimento habitual entre os profissionais da educao. O construtivismo, em suas diferen-tes verses, impregna a psicologia da educa-o nos dias de hoje e uma das referncias tericas fundamentais de todos os captulos deste volume (ver, em particular, os Captulos 6, 14 e 17).

    A natureza social e cultural dos processos de construo do conhecimento

    A generalizao dos enfoques construti-vistas em educao levou a uma viso da apren-dizagem escolar como um processo que, alm de ser ativo e construtivo, de natureza essen-cialmente individual e interno. Individual por-que os alunos devem realizar seu prprio pro-cesso de construo de significados e de atri-buio de sentido sobre os contedos escola-res sem que ningum possa substitu-los nessa tarefa; e interno, porque a aprendizagem no o resultado da leitura pura e simples da ex-perincia, mas que sim o fruto de um com-plexo e intrincado processo de construo, de modificao e de reorganizao dos instrumen-tos cognitivos e dos esquemas de interpreta-o da realidade.

    O fato, porm, de considerar a aprendi-zagem como um processo de construo do co-nhecimento essencialmente individual e inter-no no implica necessariamente que deva ser considerado tambm como um processo soli-trio. Nesse ponto, situa-se, a meu ver, a linha divisria entre as diferentes verses do cons-trutivismo, com maior presena e influncia

    atualmente em psicologia dn lu< m.Rn (v i . r exemplo, Shuell, 1996; Nuthall, I ')>>/, < npl tulos 6 e 14 deste volume): enquanto o i um trutivismo cognitivo situa o pro< r o (I i truo no aluno e tende a ser considnml um processo individual, interno e ba.nltnmrii te solitrio, osocioconstrutivismo v ant

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    ou neovygotskiana; a teoria histrico-cultural da atividade inspirada nas formulaes de Leontiev, de Vygotsky e de Luria; a psicologia cultural de influncia antropolgica; etc.) e di-ferem entre si em mltiplos e importantes as-pectos, mas coincidem em atribuir uma impor-tncia decisiva, na compreenso e na explica-o dos processos psicolgicos, interao entre as pessoas e os ambientes em que vivem, incluindo nesses ambientes as prticas sociais e culturais. Os enfoques contextuais e cultu-rais deram lugar a uma srie de conceitos e metforas (Pintrich, 1994) sobre o ensino e a aprendizagem, entre os quais destacarei, por sua presena e seu impacto na psicologia da educao atual, aqueles relacionados com o ca-rter s i tuado e distr ibudo dos processos cognitivos (ver Anderson, Reder e Simon, 1996; Hedegaard, 198; Putnam e Borko, 2000; Captulo 24 deste volume).

    Contrariamente ao que ocorre nos enfo-ques computacionais e representacionais da psi-cologia cognitiva, que situam os processos cog-nitivos na mente, a cognio situada postula que esses processos fazem parte das ativida-des que so realizadas pelas pessoas. Da pers-pectiva da cognio situada, a mente j no algo que esteja na cabea das pessoas, mas um aspecto da interao entre a pessoa e o am-biente, de tal maneira que, no ato de conhecer algo, nem o objeto conhecido e nem sua des-crio simblica podem ser especificados mar-gem do prprio processo de conhecer e das con-cluses que se tiram de tal processo (Bredo, 1994). A diferenciao entre o interno e o externo se enfraquece at chegar a desapare-cer quase por completo. Nas palavras de Lave (1991, p. 1), "A'cognio' observada nas ativi-dades cotidianas distribui-se - desdobrando-se, no dividindo-se - entre a mente, o corpo, a atividade e os ambientes organizados cultu-ralmente (que incluem outros autores)".

    Essa citao, alm do mais, destaca a pro-ximidade conceituai dos enfoques de cognio situada e cognio distribuda. A idia fundamen-tal nesse caso (Salomon, 1993) que o conhe-cimento no possudo simplesmente por um indivduo, mas distribudo entre os que se en-contram em um contexto determinado. A inte-ligncia distribuda "entre as mentes, as pes-soas e os ambientes fsicos e simblicos, natu-

    rais e artificiais" (Pea, 1993, p. 47; ver tambm Coob, 1998; Coob e Bowers, 1999). No ape-nas a cognio, ou a inteligncia, encontra-se distribuda entre os membros do grupo e os materiais e os instrumentos presentes, mas to-dos e cada um dos membros, assim como os materiais e os instrumentos, devem ser consi-derados para todos os efeitos como uma fonte de recursos cognitivos para os demais.

    A unidade do ensino e da aprendizagem

    Tradicionalmente, a psicologia da educa-o abordou o estudo do ensino e da aprendi-zagem como se fossem duas entidades separa-das, originando duas linhas de trabalho com escassas vinculaes entre si (Shuell, 1993; Vermunt e Verloop, 1999; Captulo 14 deste volume). Nos contextos educacionais, e muito particularmente nos escolares, entretanto, os processos de ensinar e aprender esto indisso-luvelmente relacionados, de tal maneira que "poucos negaro que a aprendizagem (ou al-gum conceito estreitamente relacionado com ela) o primeiro propsito da educao e que o ensino (sob uma ou outra forma) o princi-pal meio pelo qual se alcana tal propsito" (Shuell, 1993, p. 291). E impossvel chegar a compreender e a explicar como os alunos aprendem se no se leva em conta, ao mesmo tempo, como os professores formulam e geram o ensino. E, inversamente, impossvel enten-der e valorizar o ensino e a atividade educa-cional e de ensino dos professores margem de sua incidncia sobre os processos de apren-dizagem dos alunos.

    A tomada de conscincia das limitaes derivadas da dissociao entre o ensino e a aprendizagem fez com que se corrigisse, pro-gressivamente, essa situao ao longo das lti-mas dcadas, de maneira que os esforos por aproximar-se do estudo dos processos de ensi-no e aprendizagem em conjunto outra das tendncias emergentes que se manifestam com maior fora e clareza no panorama atual da psicologia da educao. Essa tendncia, em geral visvel no conjunto da psicologia da edu-cao, torna-se ainda mais patente, se isso possvel, no caso dos enfoques construtivistas que concebem a aprendizagem como um pro-

    DESENVOLVIMENTO P8IC.nl rtltli . 11 rtHJi A. A,, 11

    cesso essencialmente social, cultural e inter-pessoal. De fato, as informaes sobre como os alunos constroem significados e atribuem sentido aos contedos escolares precisam ser completados, nessa perspectiva, com informa-es precisas sobre como os professores con-seguem ajudar os alunos, mediante sua ativi-dade educacional e de ensino, no processo de construo que realizam.

    A psicologia dos contedos escolares

    O interesse pelo ensino e pela aprendiza-gem dos contedos escolares especficos - lei-tura, escrita, matemtica, geografia, histria, etc. - , sem dvida nenhuma, outra das ten-dncias que marcam o desenvolvimento recen-te da psicologia da educao (Calfee, 1992; Pintrich, 1994). Abandonado, ou pelo menos fortemente questionado, o objetivo de estabe-lecer uma srie de princpios gerais de apren-dizagem universalmente vlidos, e paralela-mente influncia crescente dos enfoques contextuais e culturais, os esforos para com-preender o ensino e a aprendizagem tendem a reportar-se cada vez mais para mbitos espec-ficos do conhecimento escolar. Se h apenas algumas dcadas a preocupao com os con-tedos concretizava-se de forma majoritria na aplicao dos princpios gerais do desenvolvi-mento e da aprendizagem s reas de conte-do especficos, agora o objetivo , antes, com-preender a inter-relao entre o pensamento do aluno, a. estrutura interna e outras caracte-rsticas desses contedos, e a maneira como se procura promover sua aprendizagem median-te o ensino.

    A relevncia adquirida pelos contedos especficos levou alguns autores (Shulman e Quinlan, 1996; Mayer, 1999a) a identificarem as "psicologias dos contedos escolares" ou "psicologias das matrias escolares" como uma rea de trabalho emergente e em rpido de-senvolvimento dentro da psicologia da educa-o atual. Assim, por exemplo, Mayer (1999a, p. 21) identifica as "psicologias dos contedos escolares" como uma das reas de pesquisa mais promissoras da psicologia da educao. Segundo o autor, essas "psicologias" teriam como foco o estudo dos processos cognitivos,

    de desenvolvimento, de aprendi/ngi'm ensino em reas especificas dr c I . i vim os Captulos 18, 19, 20 e 21 dei te volume)

    O interesse pelos problemas do ensino e as prticas educacionais no mundo real

    O ressurgimento da pesquisa psicolgica dos contedos especficos um expoente do envolvimento crescente da psicologia da edu cao atual nos problemas que surgem e se foi mulam na prtica do ensino. Mediante o estu do dos processos de aprendizagem no contex-to de tarefas e atividades acadmicas na sala de aula - em vez de faz-lo no contexto do laboratrio - , possvel desenvolver teorias mais realistas e relevantes para guiar e orien-tar o ensino (ver o Captulo 14 deste volume). Atender aos problemas da prtica, estudar o ensino e a aprendizagem nos contextos reais e concretos nos quais ocorrem obriga, alm dis-so, a adotar uma perspectiva multidisciplinar que atenda tambm aos aspectos sociais e ins-titucionais (Calfee, 1992).

    Como j se comentou, a maioria dos pio-neiros da psicologia da educao (Wi l l iam James, John Dewey, G. Stanley Hall, Charles H. Judd, Eduard Claparde, Alfred Binet, etc.) situou o foco da ateno no campo da prtica. Essa formulao inicial, porm, foi abandona-da em boa medida nas primeiras dcadas do sculo XX, quando a psicologia da educao se configura como uma disciplina com orienta-o nitidamente acadmica, preocupada sobre-tudo em estabelecer os princpios psicolgicos cujo conhecimento e cuja utilizao pelos pro-fessores levaria necessariamente melhoria "cientfica" do ensino. Essa situao, contudo, comea a mudar paulatinamente a partir da dcada de 1950 como conseqncia de uma srie de fatores, entre os quais vale destacar o envolvimento de numerosos psiclogos educa-cionais em programas de formao militar du-rante a Segunda Guerra Mundial, assim como nos programas educacionais e sociais realiza-dos nas dcadas de 1960 e 1970, sob a gide da ideologia igualitarista da poca, com o ob-jetivo de compensar as carncias sociais, eco-nmicas e culturais de amplas camadas da po-

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    pulao e melhorar sua qualidade de vida. Des-se modo, e sob a presso de demandas sociais e polticas cada vez mais fortes, os psiclogos da educao deixam de se ver como cientistas e acadmicos comprometidos exclusivamente com o desenvolvimento e sua disciplina e co-meam a perceber-se tambm como cientistas sociais com a responsabilidade de colaborar na busca de solues para os problemas educa-cionais que se formulam na prtica. Essa ten-dncia no faz seno incrementar-se nas lti-mas dcadas do sculo XX, de tal maneira que a ateno crescente aos problemas da prtica atualmente outro trao caracterstico da psi-cologia da educao (ver, a esse respeito, as previses de futuro para a psicologia da edu-cao coletadas por Casanova e Berliner cole-tadas no Quadro 1.1).

    Um vnculo maior entre a pesquisa e o desenvolvimento terico e a melhoria das prticas educacionais concretas

    A dissociao - ou pelo menos a distn-cia excessiva - entre, por um lado, a pesqui-sa, as elaboraes tericas e as propostas de mudana e inovao e, por outro, as prticas educativas reais - escolares, familiares ou de qualquer tipo - foi uma das crticas que se fez com mais insistncia psicologia da educao ao longo de sua histria. Como assinala De Corte (2000), as razes devem ser buscadas, pelo menos em parte, nas formulaes domi-nantes da psicologia aplicada educao ao longo do sculo XX e cuja vigncia se man-tm ainda com fora em alguns crculos, so-bretudo acadmicos; da mesma maneira que os avanos obtidos na aproximao entre te-oria e prtica ao longo das ltimas dcadas do sculo XX tambm devem ser atribudos em boa medida, e de forma correlata, acei-tao crescente, que, no entanto, ainda est longe de ser geral, da viso da psicologia da educao como disciplina-ponte.

    De qualquer forma, a distncia ainda excessiva, como demonstra o fato de que mui-tos professores, e inclusive muitos psiclogos da educao que desempenham uma ativida-de profissional, pensem que a pesquisa e a teoria so de pouca utilidade para abordar e resolver os problemas que se encontram no

    exerccio da profisso. A realidade que as tentativas de inovao e de melhoria das prti-cas escolares nem sempre incorporam os avan-os e os progressos da pesquisa e da teoria em psicologia da educao. Provavelmente, a mu-dana de orientao da psicologia aplicada educao para a psicologia da educao como disciplina-ponte no seja suficiente para su-perar definitivamente o hiato. No basta ge-rar princpios mais teis e relevantes para a educao e transp-los para os profissionais da educao. Numerosos estudos demonstram (ver, por exemplo, Kennedy, 1997) que a receptividade dos professores e de outros pro-fissionais da educao s idias novas forte-mente determinada por suas crenas prvias e seu valores, e que geralmente se mostram mais inclinados a adaptar as primeiras s se-gundas que o contrrio.

    Por isso, e com o objetivo de avanar na superao do hiato entre os avanos da psico-logia da educao e os esforos de inovao e melhoria das prticas educacionais, alguns au-tores (ver, por exemplo, Weiner e De Corte, 1996; Wagner, 1997) propem acompanhar a mudana de orientao disciplinar - da psico-logia aplicada educao disciplina-ponte -com o desenvolvimento de estratgias e de modelos que reforam a relao entre os dois aspectos. Nesse contexto, de Corte (2000, p. 255) enunciou trs critrios bsicos que, a seu ver, deveriam ser levados em conta para supe-rar a distncia entre os avanos tericos e os esforos de inovao e melhoria das prticas educativas: adotar um enfoque holstico do am-biente de aprendizagem que leve em conta tan-to as variveis relativas ao aluno e ao profes-sor como ao prprio contexto; assegurar uma boa comunicao recproca utilizando um for-mato acessvel, aceitvel e utilizvel pelos pro-fessores para transmit ir os objet ivos , os enfoques e os resultados da pesquisa, alm de induzir uma mudana nos sistemas de valores e nas crenas dos professores com respeito s finalidades da educao escolar, do ensino efi-caz e da aprendizagem significativa. Uma es-tratgia para a utilizao combinada desses trs critrios poderia consistir, segundo De Corte, na insero de atividades de pesquisa e de ela-borao terica da psicologia da educao nos esforos de inovao e de melhoria das prti-cas educacionais concretas.

    DESENVOLVIMENTO P8ICOI 1 riHli * > > 41

    O interesse por diferentes tipos de prticas educacionais formais e Informais e por suas relaes e interconexes

    O protagonismo adquirido pela educao escolar em face de outros tipos de prticas edu-cacionais ao longo do sculo XX - fruto sem dvida da generalizao da educao bsica e obrigatria para toda a populao em idade escolar e de sua ampliao progressiva at al-canar 8, 9, 10 ou inclusive mais anos nos pa-ses desenvolvidos - levou a uma reduo pro-gressiva do conceito de educao. A educao passou a ser assimilada educao escolar, e esta com o que fazem professores e alunos nas escolas e nas salas de aula. Independentemen-te das repercusses desse fato sobre a evolu-o das prticas educacionais - algumas certa-mente positivas, outras bem mais preocupantes (Coll, 1999a) - do ponto de vista deste captu-lo, o que interessa destacar que o protago-nismo da educao escolar levou identifica-o da psicologia da educao com a psicolo-gia da educao escolar e desta com o estudo das atividades de ensino e aprendizagem nas salas de aula.

    Tambm nesse ponto se assiste a uma mu-dana de tendncia. So cada vez mais freqen-tes as vozes que reivindicam a volta a um con-ceito mais amplo de educao que leve em con-ta o conjunto das atividades e das prticas so-ciais - entre as quais se encontram as prticas educativas escolares, mas no apenas elas -mediante as quais os grupos sociais promovam o desenvolvimento pessoal e a socializao de seus membros. O interesse por outro tipos de prticas educacionais no-escolares, como as que ocorrem no mbito da famlia (ver, por exemplo, Rodr igo e Palacios, 1998; Sol, 1998b) e em outros ambientes sociais e institu-cionais (de trabalho, de lazer, meios de comu-nicao, etc.), aumentou espetacularmente ao longos das ltimas dcadas. Os esforos para compreender as relaes e as interconexes en-tre a prtica educativa escolar e outros tipos de prticas se multiplicaram (ver, por exem-plo, Lacasa, 1997; Vila, 1998; Captulo 24 deste volume). Em suma, embora seja certo que a psicologia da educao continua sendo basi-camente uma psicologia da educao escolar, tudo sugere que essa situao est perto de ser corrigida e que a abertura a outros tipos de

    prticas educacionais, fonnalt iu

  • COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.

    conveniente rever as disciplinas que configu-rnm o ncleo especfico das cincias da educa-