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11 - Anticoagulação na Fibrilação e Flutter Atriais.pdf

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    Cidio HalperinLuis Carlos Bodanese

    Anticoagulao na Fibrilao eFlutter Atriais11

    INTRODUO

    A fibrilao atrial a arritmia cardaca mais comum entre a popula-o adulta. mais freqente em homens, porm, em nmeros absolutos,o nmero de mulheres com fibrilao atrial pelo menos igual. A preva-lncia desta arritmia cresce de maneira expressiva com o aumento da ida-de, de 0,5% na faixa etria de 50 a 59 anos at mais de 8% naqueles entre70-79 anos, de acordo com dados de grandes estudos epidemiolgicos (Fig11.1). Aproximadamente 70% daqueles acometidos por esta arritmia apre-sentam idade entre 65-85 anos. O grande impacto populacional desta pa-tologia tambm notado na ocupao hospitalar. Pouco mais de um ter-o das internaes hospitalares por arritmias cardacas tem como causaa fibrilao atrial.

    A presena de doena cardaca est freqentemente associada ao sur-gimento de fibrilao atrial. A apresentao clnica da fibrilao atrial deforma isolada encontrada em apenas 12-18% do total de casos. A hiper-tenso arterial sistmica (HAS), juntamente com cardiopatia hipertensi-va, so as patologias mais associadas com o surgimento da fibrilao atrial.O surgimento de insuficincia cardaca, independentemente de suaetiologia, aumenta de forma exponencial o risco de desenvolvimento destaarritmia. Em qualquer outra cardiopatia, sob as mais diversas situaesclnicas, o surgimento de fibrilao atrial pode ser um marcador de agra-vamento do quadro clnico com eventual aumento do risco associado,como por exemplo, no infarto agudo do miocrdio. Em ps-operatrio decirurgia cardaca, a ocorrncia de fibrilao atrial freqente e usualmente

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    autolimitada. Dentre as causas no-cardacas de fibrilao atrial, o hiper-tireoidismo, uso de drogas simpaticomimticas (broncodilatadores) e oconsumo de lcool devem ser investigados.

    IMPORTNCIA CLNICA

    A fibrilao atrial classificada levando-se em conta a durao e a con-tinuidade da arritmia (Tabela 11.1). Possivelmente, a principal utilidadedesta classificao orientar a estratgia teraputica a ser utilizada parao manejo da arritmia.

    A morbidade da fibrilao atrial est diretamente relacionada com seuefeito adverso no controle da resposta ventricular, na perda dosincronismo contrtil entre trio e ventrculo e na potencial trombogeni-

    Fig. 11.1 Prevalncia de fibrilao atrial em dois grandes estudos epidemiolgicosamericanos.

    Tabela 11.1Classificao Clnica da Fibrilao Atrial

    Tipo de Arritmia Definio Clnica

    Paroxstica Intermitente, com episdios recorrentes e resoluo espontneaPersistente Intermitente, com episdios recorrentes, que necessita de

    interveno para reverso a ritmo sinusalPermanente Reverso a ritmo sinusal no obtida aps cardioverso ou apenas

    por curtos perodos.Crnica Sem reverso a ritmo sinusal e com durao prolongadaAguda Episdios com durao < 48h

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    cidade ocasionada pela estase sangnea atrial. O controle inadequado daresposta ventricular pode ocasionar hipotenso, congesto pulmonar, sin-tomas associados de baixo dbito cerebral, isquemia miocrdica e atmesmo miocardiopatias induzidas por resposta ventricular elevada portempo prolongado. A perda do sincronismo atrioventricular pode ser res-ponsvel por uma diminuio de at 20% do dbito cardaco, ocasionan-do ou provocando o agravamento de insuficincia cardaca com o surgi-mento de fadiga ou intolerncia aos esforos.

    Talvez a complicao mais temida da fibrilao atrial seja a presenade acidentes vasculares isqumicos, ocasionados pela liberao detrombos do trio esquerdo.

    TROMBOGNESE NA FIBRILAO ATRIAL

    A fisiopatologia da formao de trombos na fibrilao atrial comple-xa e envolve fatores intracardacos, assim como as patologias eventual-mente associadas. J foi demonstrado que o miocrdio atrial nos pacien-tes portadores de fibrilao atrial apresenta alteraes alm daquelas cau-sadas pela doena de base. A formao de trombos durante a arritmia usu-almente ocorre no apndice atrial esquerdo, que no adequadamentevisualizado com a ecocardiografia transtorcica. O fluxo sangneo intra-atrial est diminudo devido perda da contrao organizada, formandoo substrato para a gnese de trombos e surgimento de fenmenos trom-boemblicos. Em pacientes com flutter atrial, a velocidade do fluxo san-gneo no apndice tambm est diminuda, porm menor que na fibri-lao atrial. importante lembrar que em at 25% dos pacientes com fi-brilao atrial e fenmenos tromboeblicos, a origem dos mesmos no a arritmia. Aproximadamente 50% dos idosos com fibrilao atrial apre-sentam HAS, que uma situao que por si s aumenta o risco detrombognese, alm de eventual presena de eventuais alteraescarotdeas, articas ou mesmo origem cerebrovascular.

    Em pacientes com fibrilao atrial, fatores como tamanho do trio es-querdo, velocidade de fluxo no apndice atrial esquerdo, disfuno ven-tricular e o hematcrito so variveis preditivas para o surgimento de fe-nmenos tromboemblicos. A identificao de contraste espontneo nacavidade atrial na ecocardiografia um importante marcador de aumen-to de risco.

    ESTRATIFICAO DE RISCO PARA FENMENOS TROMBOEMBLICOS

    Os pacientes com fibrilao atrial apresentam risco duas vezes maiorde mortalidade do que a populao normal. digno de nota que, apesar

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    da tendncia de diminuio da mortalidade por doenas cardiovasculares,a mortalidade por acidente vascular cerebral (AVC) tem permanecido es-tvel, ou seja, no mudou. Portanto, a preveno do AVC torna-se aindamais importante. A fibrilao atrial pode estar envolvida na gnese deaproximadamente 20% dos casos de AVC. Mesmo sem provocar AVC, afibrilao atrial pode levar a deficincias cognitivas devido a infartos cor-ticais ou hipoperfuso.

    A anlise dos estudos de preveno primria e secundria mostra queHAS, aumento da idade, diabete melito, episdio isqumico transitrioprvio e disfuno ventricular esquerda so preditores independentes dorisco de AVC em portadores de fibrilao atrial (Tabela 11.2).

    O ecocardiograma transesofgico a ferramenta mais sensvel que oclnico dispe para avaliao do trio esquerdo, da sua anatomia, funoe eventual presena de trombos. A presena de contraste ecogrfico espon-tneo, baixa velocidade de fluxo e placas calcificadas na aorta esto rela-cionadas a um aumento de 2-4 vezes na incidncia de AVC. A fibrilaoatrial isolada, quando no associada a outros fatores de risco, no pareceestar associada a alto risco de tromboembolismo, porm estes pacientesdevem ser obrigatoriamente reavaliados, porque a arritmia pode ser a pri-meira manifestao clnica de doenas que envolvem o msculo carda-co (miocardiopatias). Adicionalmente, fatores causais como lcool, dro-gas simpaticomimticas e alteraes da tireide podem estar vinculadasao surgimento da arritmia. Outro fato importante e pouco lembrado queo risco de desenvolvimento de fenmenos tromboemblicos semelhanteem pacientes que apresentam fibrilao atrial paroxstica ou crnica. Ospacientes que apresentam fibrilao atrial como complicao de tireoto-

    Tabela 11.2Estratificao de Risco para Fenmenos Tromboemblicos em

    Pacientes com Fibrilao Atrial

    Alto risco > 65 anosPA sistlica > 160mmHgDisfuno ventricular esquerdaA.I.T. prvio

    Risco intermedirio Diabete melitoCardiopatia isqumica

    Baixo risco < 65 anosSem nenhum dos fatores acima

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    xicose tambm apresentam de tromboembolismo cerebral o mesmo ris-co tromboemblico dos pacientes eutireideos. Porm, a presena de fi-brilao atrial associada estenose mitral de causa reumtica multiplicao risco por dez.

    ABORDAGEM DA FIBRILAO ATRIAL

    Independentemente da estratgia teraputica escolhida para abordar afibrilao atrial (controle da freqncia ou retorno a ritmo sinusal), deve-se sempre ter em mente a eventual necessidade da preveno de fenme-nos tromboemblicos. A reverso precoce a ritmo sinusal (< 48h), quan-do possvel, torna-se uma importante medida para a preveno de AVC.O aumento da durao dos episdios de fibrilao atrial leva a umremodelamento do miocrdio atrial, o qual diminui a chance de sucessode novas cardioverses e aumenta o nmero de recorrncias da arritmia.Se a durao do episdio de fibrilao atrial maior que uma semana, pouco provvel o retorno espontneo a ritmo sinusal. A cardioverso el-trica associada a terapia com antiarrtmicos apresenta eficcia de mais de90% para reverso a ritmo sinusal, porm menos de 50% dos pacientesmantero o ritmo sinusal um ano aps o procedimento. A durao da fi-brilao atrial e o tamanho do trio esquerdo so os marcadores mais con-sistentes de sucesso da manuteno do ritmo sinusal aps cardioversoeltrica.

    Naqueles pacientes em que no possvel a restaurao do ritmosinusal, o objetivo da terapia passa a ser a reduo dos sintomas, preser-vao da funo ventricular e diminuio do risco de tromboembolismo.Resultados recentemente publicados demonstram sobrevida igual dos gru-pos de pacientes com fibrilao atrial tratados com estratgias de preven-o de recorrncias ou com controle da resposta ventricular, havendo umatendncia a maior sobrevida do grupo submetido a controle da respostaventricular.

    ANTICOAGULAO

    Diversos estudos j demonstraram um definitivo benefcio com dimi-nuio do risco de complicaes tromboemblicas em pacientes com fi-brilao atrial e uso de anticoagulantes orais. A reduo total do risco foide 68% (diminuio da incidncia de fenmenos tromboemblicos de4,5% para 1,4% por ano), comprovando a eficcia da warfarina sobre as-pirina ou placebo (Fig. 11.2). No houve reduo estatisticamente signi-ficativa quando placebo foi comparado a aspirina.

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    RECOMENDAES PARA ANTICOAGULAO CRNICA

    As recomendaes baseadas nos estudos j publicados indicam quetodo o paciente com fibrilao atrial crnica ou paroxstica deva ser ava-liado em relao utilizao de anticoagulao plena (Tabela 11.3). Osnveis otimizados de anticoagulao so obtidos com o INR entre 2,0 e 3,0.

    Fig. 11.2 Incidncia de eventos cerebrovasculares (strokes) nos grandes estudos sobreanticoagulao em pacientes com fibrilao atrial.

    Tabela 11.3Recomendaes para Anticoagulao na Fibrilao Atrial

    Idade Fatores de Risco Recomendao

    75 Ausentes Cumarnicos; INR 2,0-3,0Presentes Cumarnicos; INR 2,0-3,0

    Fatores de risco: AVC ou AIT prvio, HAS, Diabete melito, disfuno ventricular, doenaorovalvular.

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    Existem diversos esquemas para incio de terapia, sendo menos compli-cados aqueles em que no se utiliza dose de ataque. Usualmente a utili-zao de duas vezes a dose diria por 3-5 dias suficiente para atingir aanticoagulao plena com baixo risco, porm existe grande variabilida-de individual devido s caractersticas peculiares do metabolismo destetipo de anticoagulante cumarnico. O controle do INR deve ser freqentedurante a fase de ajuste, aumentando-se o intervalo entre os controles apsatingir-se nveis adequados. Em alguns pacientes, a manuteno de nveissangneos estveis dificultada devido a mudanas na dieta, uso simul-tneo de outras drogas de metabolismo heptico, uso irregular do anticoa-gulante ou ainda, freqentemente, o consumo intermitente de bebida al-colica. A manuteno de nveis adequados de anticoagulao fundamen-tal para evitar o risco de complicaes tromboemblicas (INR < 2,0) e he-morrgicas (INR > 3,5) (Tabela 11.4).

    Caso ocorram episdios tromboemblicos apesar da anticoagulao,recomenda-se a associao com aspirina (75-200mg/dia), dipiridamol(400mgdia) ou ainda clopidogrel (75mgdia).

    ANTICOAGULAO E CARDIOVERSO

    Aguda

    Ocasionalmente, devido alta resposta ventricular, o paciente com fi-brilao atrial pode apresentar em sua evoluo episdios de baixo dbi-to, dor precordial, insuficincia cardaca ou mesmo sncope ocasionadospela freqncia ventricular elevada. Estes episdios so mais freqentesem pacientes com arritmia paroxstica e necessitam tratamento de emer-gncia. Sugere-se a utilizao de heparina antes do procedimento, a qualdeve ser seguida de anticoagulao oral por at quatro semanas.

    Tabela 11.4Risco de Tromboembolismo em Relao ao Valor do INR

    INR Risco de Tromboembolismo

    1,0 17,6 1,2 8,3 1,4 4,4 1,6 2,5 1,8 1,5

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    Eletiva

    Quando possvel o planejamento prvio, a abordagem convencional a realizao de anticoagulao por 3-4 semanas previamente a cardio-verso, visando eventual resoluo do processo trombognico. Pode tam-bm ser utilizado o ecocardiograma transesofgico, que o melhor recur-so para a identificao de eventuais trombos na auriculeta esquerda. Sejaqual for o protocolo utilizado, a manuteno da anticoagulao por qua-tro semanas aps o procedimento recomendada.

    SEGURANA DA ANTICOAGULAO

    Um dos maiores dilemas da prtica clnica o balano entre risco ebenefcios da anticoagulao. A HAS sem controle teraputico adequadoe utilizao irregular do anticoagulante so os fatores mais freqentementeassociados com problemas na anticoagulao. Os idosos (> 75 anos) soa populao que mais se beneficia da anticoagulao, porm o grupo depessoas que mais apresenta efeitos colaterais destas medicaes.

    Aspirina, 325mg/dia, menos efetiva (reduo relativa de risco de36%), comparada ao anticoagulante warfarin (reduo relativa de risco de68%), na preveno de fenmenos tromboemblicos, porm deve ser uti-lizada quando os anticoagulantes esto contra-indicados.

    CONCLUSES

    As evidncias atualmente conhecidas sugerem que a manuteno doINR entre 2,0 e 3,0 nos pacientes com fibrilao atrial altamente eficazna preveno de alteraes cerebrovasculares e que, apesar de todas ascomprovaes, o uso de anticoagulantes nesta situao clnica ainda nofaz parte da rotina, principalmente na populao idosa.

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