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Editorial 3 | Lista de autores publicados 87 Sobre as fotos 88 | Créditos e contato 90
a imagem de capa e as fotos ao longo da edição são de Kristiane FoltranAna Salek
52ensaio
fotográfico deKarine Moura
75
Livia Piccolo
17
Philippe Wollney
39
Leonardo Wittmann
5Francesca
Cricelli
12
Rafael Elfe
32
Anne Sexton em tradução de
Adelaide Ivánova& Rafael Mantovani
59
Elisa Andrade
Buzzo
46
Clarissa Comin
26
J apão, século XIII. O zen floresce e nos abre
os olhos para o agora. Mestre Dōgen deixa um poema:
Flores na primavera
cucos no verão
a lua no outono
neve gelada no inverno.
De carona, uma nova Parênteses chega nos primei-
ros dias do inverno. Nos pegamos aqui com o olhar
demorando sobre a fumaça que sobe do café, pensan-
do no zen, nas belezas, no frio nos dedos do pé. Nessa
sucessão dos dias. Nas estações que passam (que tem-
po louco, vou te contar). É conversa de elevador, mas
também é poesia. É ver o mundo.
Agradecemos às pessoas que dividiram conosco
seus olhares. Nas próximas páginas, temos muitas
maneiras de ver o mundo.
Ainda em tempo (e atentos ao agora), reforçamos
nossos discursos em favor da liberdade, da diversida-
de, da igualdade e da justiça. Aqui e agora estamos em
luta. Fica nosso apoio à classe artística, que tanto faz
pela plena democracia.
A primavera um dia chega.
- os editores
5
Leonardo Wittmann
À derivaI was born here and I’ll die here against my will
I know it looks like I’m moving, but I’m standing still
Every nerve in my body is so vacant and numb
I can’t even remember what it was I came here to get away from
– Bob Dylan, Not dark yet
Apara a barba e sente a cicatriz à esquerda dos lábios. O acompanha há mais de
um ano. Usa roupas velhas, rasgadas na gola e nos joelhos. As noites mal dormidas,
a úlcera e o café amargo pela manhã pertencem a um conjunto que o define. Fita as
olheiras no espelho. Anoitece. É hora, mais uma vez.
6
Abre a porta de metal e senta-se na ca-
deira em frente à loja de conveniências.
Caminhões velozes rasgam a paisagem
da longa estrada, mas nenhum estacio-
na para abastecer. Não se incomoda, em
breve terá companhia. Avista as luzes da
cidade distante e acende o último cigarro
do maço. Ela sempre o criticara pelo fumo.
Sorri. Baixa o olhar até as botas: a direi-
ta possui um furo na ponta, precisa tirar
o pó do calçado quando se deita à noite,
mas é uma boa marca. Ela comprará um
novo par, calças e camisas também. Toca
a cicatriz. Argumento nenhum explicará
lutas em bares à beira de estradas. Joga o
cigarro no chão e o pisoteia.
A cidade longínqua escurece. O logoti-
po do posto, em néon amarelo, é a única
fonte a iluminá-lo. Um caminhão passa,
mas é outro que não precisa de gasolina.
Cospe. Levanta-se da cadeira e vai até o
meio da estrada. A brisa característica
do horário o refresca. O combinado era
na sexta-feira. Em alguma sexta-feira. Já
passa da meia-noite. Tentará dormir.
7
CadarçosOs sapatos não estavam amarrados. Ainda não
aprendera a fazer isso sozinho.
Ele não contou ao homem que não os
amarrava. Não fez o menor ruído.
– William Faulkner, Luz em agosto
A guarita de madeira em frente ao
lago decompõe-se mais a cada dia. Nin-
guém confia em seus alicerces podres, ex-
ceto o menino. Senta-se no chão molha-
do onde é possível observar, pelas frestas
da madeira, os pingos remanescentes da
chuva caírem na areia logo abaixo. Fecha
o último botão do casaco de lã cinza.
Discussões, lutas em bares à beira de
estradas, viagens sem direção, sem tele-
fonemas. É isto que sabe sobre o homem.
Sobre o homem que os deixou vivendo em
uma casa branca de três cômodos. Sobre o
homem que, agora, dorme no sofá verde
desbotado comprado pela mãe com a eco-
nomia de dois meses de salário.
Olha para os sapatos: colocara os ca-
darços para dentro. Não sabe utilizá-los. O
homem do sofá possui botas de cano curto,
marrons, que não precisam ser amarradas.
Talvez não saiba fazê-lo também.
Precisa retornar, é quase hora da janta.
O homem, agora de pé em frente à casa,
veste uma camiseta preta e uma calça ras-
gada no joelho direito. Até entrar, o meni-
no observa apenas as botas marrons.
A mãe fuma sentada no sofá desbotado.
– Fala com ele. – Não distingue se é uma
ordem ou um pedido. – Ele tá na porta pra
isso.
Aperta os dedos do pé direito contra a sola.
A mãe dá uma tragada no cigarro bara-
to que não fumava há três meses. O meni-
no olha, rápido, para a entrada: o homem
continua em frente à porta aberta, de cos-
tas para os dois.
Desabotoa o casaco cinza e vai até o quarto.
De sua janela, observa a caminhonete
vermelha do visitante. Retira os sapatos e
posiciona-se em frente à cama. Quer dor-
mir, e não jantar. Quando acordar, talvez
o homem não esteja mais lá.
Jantam arroz e carne. A mãe e o ho-
mem conversam nos minutos iniciais, de-
pois se calam. Por vezes, ela fita o pequeno.
O outro não se vira nenhuma vez para ele.
Durante a sobremesa, olha rápido
para as duas pequenas cicatrizes que o
visitante possui no lado esquerdo do pes-
coço: resultado das brigas sobre as quais
a mãe, às vezes, comentava?
De pijama, anda até a caminhonete
estacionada. O homem fuma na caçam-
ba. Talvez tenha ouvido os passos atrás
dele, mas apenas olha para a ponta das
botas. Ao contrário do que esperava o pe-
queno, o homem não esboça reação al-
guma depois. Dirige-se até o pai e puxa-o
pela camiseta preta. De alturas diferen-
tes, olham-se. O menino revela o par de
sapatos na mão esquerda.
– Me ensina a amarrar?
8
Luzes siberianas
Anotação 36
W. se debruça sobre as anotações que prometera fazer du-
rante um ano. Ele não tem um assunto fixo, uma linha a seguir.
Naquela noite, decide falar sobre o pai de seu pai.
Ele tem uma foto do pai de seu pai na mesa do escritório:
um homem de meia-idade nas areias de uma praia, desenhan-
do um círculo com os pés e segurando, na mão esquerda, aquilo
que parece ser uma carteira. W. procura por palavras repletas de
significado, que soem inteligentes, para discorrer sobre a foto.
Não escreve uma linha sequer.
Anotação 37
Faz uma nova tentativa na noite seguinte. Quer escrever algo
que seu pai considere de valor, não aquela “bobagem de ficção
científica”. W. decide: vai escrever sobre fracasso e renascimen-
to. Mas a obviedade das suas ideias o desanima. Folheia um dos
livros que usa como auxílio: diz R.B.: “desejando limpar a minha
vida de todos esses restos de fracasso”. Mas W. não é R.B. Se o pai
de seu pai fosse o avô de R.B., um texto literário de valor já teria
sido escrito.
Deita-se.
Anotação 38
Durante o dia, uma fagulha: o pai de seu pai dançando com
uma cadeira na sala de casa, embalado pela melodia de O ter-
ceiro homem (aquele com Orson Welles). Como era mesmo a
música?
Cogita ligar para o pai e perguntar, mas não o faz.
Anotação 39
W. não quer escrever hoje. Ele veste seu abrigo esportivo
(calça, blusão, tênis, touca e colete) e sai para correr na noite de
Nova York. Percorre boa parte do Greenwich Village, toma um
café e volta para casa.
Apesar do exercício, W. não sente sono. Toma uma ducha e
decide rearranjar as estantes de livros.
São seis horas da manhã e ele ainda está ocupado.
Anotação 40
Ele pensa em escrever algo sobre a livraria, ainda ativa, em D.
A livraria que carrega o sobrenome da família. Volta a encarar a
foto e desiste. Agora, tenta extrair toda a nostalgia daquela ima-
gem. Mas é impossível: a nostalgia “real” pertence apenas ao seu
pai. A sua é ficcional. Aqui, pai, escrevi sobre a foto do teu pai,
que mal conheci, e de toda a saudade que sinto dele.
W. não tem filhos. Naquela noite, porém, ele bate uma foto
de si mesmo, em frente à janela do apartamento, para presente-
ar o futuro filho(a). Uma nostalgia já agendada.
9
Anotação 41
Outra fagulha: W., aos onze anos, levando, num restaurante
ao ar livre em D., a janta para o pai de seu pai. Isso é para você,
o pai lhe instruiu a dizer. Mas W. não era mais familiarizado
com aquela língua estrangeira, e não sabe se as suas palavras
fizeram algum sentido.
Tenta transcrever a fagulha, mas é em vão. Dorme.
Anotação 42
Parece que o pai de seu pai foi para a Sibéria uma vez. W.
considera escrever uma novela sobre um andarilho na neve,
que procura por refúgio tendo apenas uma luz distante como
referência.
Para sua surpresa, ele escreve as duas páginas iniciais.
Anotação 43
Mais três páginas.
Anotação 44
Nenhuma página.
Anotação 45
Um parágrafo, apagado mais tarde. W. ri. Decide voltar às
anotações sobre o pai de seu pai.
10
Anotação 46
A terceira fagulha: o chapéu de palha do pai de seu pai. W.
chegou a usá-lo, mas foi repreendido: não se usa aquilo que va-
mos presentear.
Ele faz uma última tentativa antes de abandonar as anota-
ções de vez. Busca por uma frase que sintetize tudo aquilo que
não escreveu. Não a encontra.
W. percebe: é ele o andarilho que procura uma luz (imaginá-
ria?) na Sibéria.
Anotação 47
Na manhã seguinte, ao folhear um livro de P.A.: “Then he
writes. It was. It will never be again”.
É doutorando em Escrita Criativa pela
PUCRS, onde também realizou o seu mes-
trado. Tem contos publicados na antolo-
gia Desamordaçados, com organização de
Luiz Antonio de Assis Brasil. Dirigiu e ro-
teirizou três curtas-metragens: O boxeador
(RBSTV, 2009), Trajeto (2011) e Os anteriores
(2015), este último exibido em festivais de
cinema nos E.U.A.
12
Francesca Cricelli
É uma longa estrada repatriar a almaHá que se fazer o silêncio
para ouvir os dedos
sobre o velho piano da ferrovia
é uma longa estrada repatriar a alma
a rota é na medula
descida íngreme
ou subida sem estanque –
demolir para construir
e não fugir do terror sem nome
de não ser contido
apanhado, compreendido
é preciso seguir adiante
no fogo e sem ar
e se a dor perdurar
é preciso ser destemido
para espelhar o rosto
em outros olhos
distantes como num espelho.
AzulHá algo triste no azul dos teus olhos,
algo perdido e infinito neste azul dos teus olhos,
algo de azul
no triste dos teus olhos.
Há algo de teus olhos neste triste azul, algo perdido
no infinito do azul dos teus olhos,
algo infinito no azul perdido dos teus olhos.
Há algo azul
no infinito triste
dos teus olhos
perdidos.
14
Remover do corpo as crostas do silêncio
No se puede contemplar sin pasión.
– Jorge Luis Borges
Remover do corpo as crostas do silêncio
tudo que é vivo e exposto grita
e gira, pela avenida
a dor se junta ao rumor.
Para chegar à clarividência
procura-se um ritmo, qualquer um,
que descompasse as artérias –
a vida enverga sobre a avenida
no peito só a voragem do eterno,
a fração do abalo sísmico,
desenha na mão cataclismos.
CatedraisForça sutil e estrondosa
a nossa, catedral
erguida no peito vazio –
no silêncio dos olhos,
sós e incessantes
construímos um penhasco,
ponte de uma dor a outra.
Como todo ser vivo,
hoje estamos
cada um com seu vício.
15
É o nascer do dia que rasga o peito dos amantesÉ o nascer do dia que rasga o peito dos amantes,
como o verde que colore os olhos,
na mesma diagonal, o desenho de um milagre.
Plantar na terra
pés com o coração
e não ir mais embora
agora que colocaste o mar no céu.
Enquanto na garganta brota-me
a língua dos antepassados navegadores
meu olhar permanece no horizonte.
Francesca Cricelli, tradutora, é doutoranda em Estudos da Tradução
(USP). Organizou e traduziu a correspondência entre Giuseppe Ungaretti
e Edoardo Bizzarri (tradutor de Guimarães Rosa para o italiano) entre
1966 e 1968. É curadora das cartas de amor de Giuseppe Ungaretti para
Bruna Bianco (Mondadori, 2016). Traduziu Mario Luzi, Pier Paolo Pasolini,
Giuseppe Ungaretti, Giacomo Leopardi, Jacopone da Todi. É tradutora dos
psicanalistas italianos Vincenzo Bonaminio (Imago, 2010) e Franco Borgono.
17
Livia Piccolo
O aplauso aos animaisNada podia tê-la preparado para os acontecimentos da semana. Nem a expe-
riência, nem os livros, nem o planejamento.
Ela trabalha no Teatro Municipal do Rio de Janeiro há três anos, faz visitas guiadas
em português e inglês. Sempre chega pontualmente com os cabelos limpos e arru-
mados. A altura atípica para os padrões brasileiros, um metro e oitenta, a obriga a
usar sandálias rasteiras e sapatilhas desde a adolescência. Salto alto seria uma extra-
vagância que não combina com seu temperamento. Ela se descreve como alguém pa-
ciente. Seu plano principal, por ora, é juntar algum dinheiro para fazer uma viagem a
Portugal.
Foi na banalidade daquela segunda-feira que a vegetação subiu. Segundas-feiras
pinicam de forma ardida gente do mundo todo. Ela notou que a vegetação estava mais
exuberante do que de costume. O canteiro da entrada lateral do teatro exibia folhas e
galhos crescendo em várias direções, ávidos. “Ou eu nunca prestei muita atenção no
canteiro ou a primavera está com pressa”, pensou enquanto terminava o copo de café
comprado na esquina.
18
Hoje são oito visitas, todas em inglês, em sequência. Uma
segunda- feira e tanto. Será exaustivo, o sol está muito forte, e
mesmo com o ar condicionado que refresca os cômodos, os pés
inchados e a viscosidade do suor no corpo deixam tudo mais di-
fícil. De manhã ela cedeu o lugar para uma senhora no ônibus,
não conseguiu sentar. O trajeto de quarenta minutos foi mais
cansativo do que costuma ser. A cada dia o fígado, os pulmões
e os ossos de Marilena se cansam mais. Não é a fadiga da idade.
Ela é jovem. É a fadiga de bilhões de anos acumulados. Anos
vividos por pessoas de outros tempos, em outras guerras. É a es-
tafa dos pássaros que voam quilômetros.
Uma vez ela se perguntou se a cidade se cansava como ela.
Marilena gosta de trabalhar no Teatro Municipal do Rio de
Janeiro. Conseguiu a vaga enquanto estava na faculdade de his-
tória e, nos últimos dois anos, depois de formada, dedicou- se
com afinco às aulas de inglês. Hoje é a guia mais procurada para
as visitas bilíngues pois responde às dúvidas do público com
uma segurança que só cresce. A cidade está cheia de turistas
e Marilena está cheia de trabalho. Nas ruas é engraçado olhar
grupos de estrangeiros carregando sacolas de Havaianas. Em
suas cidades, com os pés vestidos, que trajetos eles percorrem
às segundas -feiras? Quando faz esse tipo de pergunta ela até se
esquece do cansaço dos bilhões de anos. Da estafa bilionária.
“Acho que esqueceram de podar o canteiro lateral. Você viu como
ele está cheio?
Não reparei. Vai ver o jardineiro foi demitido.”
Joyce não viu nada de diferente no canteiro. Ela está com um
vestido tangerina que mostra as saliências dos braços e ressalta
os lábios rosas. Seu cabelo é ruivo tingido, usado de lado. Joyce
não se perturba com os galhos que crescem em várias direções.
Durante a tarde eles inclusive começaram lentamente a raste-
jar pelo chão, Marilena notou. Mas com esse calor, vai saber, vai
ver as plantas precisam de mais espaço também.
Marilena toma vários copos de água antes da última visita
da manhã. O primeiro grupo foi composto em sua maioria por
casais de meia idade alemães e italianos. Com os americanos
ela teve que pedir para o filho adolescente de um casal não usar
flash com o celular. É normal. Sempre tem alguém que não pres-
ta atenção nos informes iniciais. O terceiro grupo tinha alguns
brasileiros. Há também sempre o visitante piadista. Além, é cla-
ro, daquele que se esforça para demonstrar conhecimento supe-
rior ao do guia com um comentário sobre o estilo renascentista
do edifício e seu revestimento de mármore europeu. Também é
normal. Ela não se incomoda. De inesperado mesmo só os tais
galhos que adentram o Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Todos estão na varanda do primeiro andar, e enquanto Ma-
rilena fala do empenho do dramaturgo Artur de Azevedo na
construção do teatro, ela se distrai rapidamente com a visão do
andar térreo. Alguns degraus da escada principal estão verdes,
cobertos por um material que parece grama. “Por volta da déca-
da de 1880, diante da decadência do teatro no Rio de Janeiro, o
dramaturgo acreditou que a criação de uma companhia teatral
subvencionada pela prefeitura municipal resolveria o proble-
ma.” Neste momento tem dificuldade em continuar o raciocí-
nio. A imagem da escada forrada pela grama é algo inteiramen-
te novo. Mas o fato é que já repetiu as informações tantas vezes
que um botão de conversa automática se acende em sua cabeça.
19
“Em 1903 a gestão do prefeito Francisco Pe-
reira Passos transformou inteiramente a
então capital do país, com a demolição de
antigos cortiços da região central e a ex-
pulsão de seus moradores, que passaram
a habitar os morros da cidade.”
No final da visita, um americano per-
gunta a Marilena algo sobre caipirinhas.
Como já está na hora do seu almoço, ela
chama Joyce para responder a dúvida do
visitante, despistando- o gentilmente. O
americano parece decepcionado. Joyce
não tem o rigor de Marilena ao falar da
história da cidade e do teatro, mas tem
mais jogo de cintura em várias situações
imprevisíveis.
Ela precisa se sentar por cinco minu-
tos sozinha em algum lugar e colocar os
pés para cima. Vai para o banheiro, onde
o ar condicionado é sempre gelado. Ela
cogita cortar os longos cabelos castanhos
para suportar melhor o calor. Apesar de
ter nascido no Rio de Janeiro, Marilena
não se acostuma ao clima. Joyce está sem-
pre suando sob seus vestidos coloridos,
mas parece mais adaptada. A previsibi-
lidade das segundas-feiras traz consigo
os suores e as cores de Joyce. “Desempa-
ta o caminho porque ligaram o maçarico
dessa cidade hoje!”. Não dá para acredi-
tar, mas Joyce sabe se divertir até com o
forno atmosférico. “Ainda essa semana
vou cortar os cabelos. Decidi”, diz Marile-
na em voz alta, meio sozinha, meio para
Joyce, que já se livrou do turista america-
no e está colocando a bolsa nos ombros
enquanto abre a porta do banheiro cha-
mando por Marilena.
O que precisa mesmo ser cortado é
o jardim lateral do Teatro Municipal do
Rio de Janeiro. Antes dos cabelos de Ma-
rilena as tesouras precisam alcançar a
vegetação. Folhas de tamanhos variados
agora estão se movimentando e cobrindo
os azulejos do hall de entrada.
“Hoje é dia de nhoque mais barato
na cantina, vamos?”, Joyce pergunta a
Marilena.
Pode ser. Vem cá, você viu aquelas fo-
lhas que estão entrando no hall?
Ah! Esse matagal todo daqui a pouco
sossega.”
Há vários dias Joyce só fala do irlandês
que conheceu na internet. A certa altu-
ra Marilena tem vontade de bocejar. Não
por desprezo à conversa, pelo contrário. É
o calor e o cansaço de bilhões de anos, a
fadiga dos pássaros. Fora que ela nunca
conheceu ninguém pela Internet.
No dia seguinte Marilena toma um
susto. As plantas do canteiro desenvolve-
ram folhagens que são verdadeiras gar-
ras. A entrada lateral está inteira tomada
e os tons de verde variam entre o mais su-
ave e o mais agressivo. A vegetação inva-
de o foyer. Ramos com espinhos rompem
o ônix do chão e sobem pelos corrimões e
pelas paredes, reivindicando espaço. Não
se vê mais nada do mosaico que é a pri-
meira parada da visita guiada de Marile-
na. Agora ela terá que improvisar, o que
a deixa um pouco ansiosa. As paredes
históricas do Teatro Municipal do Rio de
Janeiro estão sendo cobertas pela mata, e
o que Marilena sabe fazer com excelên-
cia é falar de história, e não de plantas e
matos. Mas precisa das paredes! Sem elas
Marilena perde o chão.
Joyce diz: “vai dar tudo certo, não se pre-
ocupe”. Colado ao corpo dela está um ves-
tido cor de beterraba. Joyce já fez cursos
para se tornar atriz. Chegou a fazer alguns
testes de publicidade, mas nunca foi apro-
vada em nenhum deles. Uma vez ela preci-
sou dançar funk com um bebê no colo en-
quanto tomava um refrigerante e falava:
20
“a refrescância que você sempre sonhou”.
Joyce é do tipo de pessoa que não se pertur-
ba com aquilo que não faz sentido. Talvez a
vegetação que está engolindo o Teatro Mu-
nicipal do Rio de Janeiro pareça dócil aos
olhos de Joyce. Na vida acontecem tantas
surpresas. O matagal não seria uma delas?
Há notícias de que no Teatro Munici-
pal de São Paulo e no de Manaus a vege-
tação, vândala e incontrolável, já cobre as
pilastras e todas as paredes da constru-
ção. Trata- se de um fenômeno nacional.
“Você não pensa o que pode acontecer
Joyce? Eu sonhei que as samambaias nas-
ciam na pia da cozinha de casa, pelo ralo.
Eu abria a torneira e só saía formiga.”
“Eu não penso muito no que pode
dar errado. Não penso muito no futuro.
Acho que sou assim desde pequena”, Joy-
ce completa enquanto suga o canudinho
amarelo do suco de latinha diet. Elas ter-
minam de almoçar.
“Em São Paulo noticiaram a profusão
das begônias e bromélias. Eu ainda não
vi nenhuma flor aqui.”
“Olha, porque você não aproveita que
hoje você vai poder sair mais cedo e vai
no cinema? Dá uma relaxada na cabeça,
vai dar uma volta.”
Talvez a ideia de Joyce seja mesmo boa.
Relaxar.
Hoje é quarta -feira e o cheiro da mata
entra pelas narinas e preenche todo o
pulmão de Marilena durante sua última
visita, que parece durar horas. Às quar-
tas-feiras é dia de ensaio da orquestra.
Ela entra com os visitantes na sala de
espetáculos e assim que todos estão aco-
modados pega o celular para ler mais al-
gumas notícias. Em Manaus alguns ani-
mais circulam na escadaria. Répteis. Os
turistas continuam a frequentar o Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, e não se per-
turbam com a umidade e o barulho dos
insetos. Marilena enxerga formas nas
folhas, algumas parecem pré- históricas.
Há indícios de verde também no teto. Os
lustres não funcionam mais. Enquanto
os músicos ensaiam e os visitantes apro-
veitam o veludo das poltronas ela observa
detalhadamente as pilastras de mármore
rosa, tão estáveis. Folhas minúsculas ven-
cem a gravidade e começam a cobrir as
pilastras que separam os camarotes. Elas
nascem abaixo do chão, onde começa o
cansaço de bilhões de anos.
Na quinta- feira o teto do Teatro Municipal
do Rio de Janeiro solta uma seiva translú-
cida. Os espelhos, sempre límpidos com
a rigorosa faxina diária, estão comple-
tamente embaçados. Antes de começar
suas visitas Marilena caminha a esmo
pelos cômodos. Por causa do calor da se-
mana ela veste sandálias. A cada passo
seus dedos sentem o frescor da vegetação.
Precisa desviar das centopeias. Não se vê
a concretude. O mármore gelado agora
está revestido por material vegetal sobre
o qual Marilena não sabe absolutamente
nada. Uma vez viu um documentário na
televisão sobre a chegada dos vegetais ao
mundo terrestre. No começo as plantas
moravam na água. Foi preciso uma luta
épica para que os vegetais conseguissem
sair da água para a terra. Essa mudan-
ça só foi possível depois que as plantas
desenvolveram raízes. Na água elas não
tinham raízes. Foram muitas etapas de
transição. Em São Paulo e em Manaus o
mundo vegetal, com constância espar-
tana, já tomou todo o espaço. Diversos
tipos de plantas se misturam no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro. Onde havia
as estátuas de bronze representando a
Dança e a Poesia, agora existe uma espé-
cie de bambuzal agigantado. Ela estica os
21
braços e alcança uma folha meio verde e
vermelha que pende do teto. Por ser alta
Marilena alcança algumas das plantas
que descem em direção ao chão, criando
uma cortina a cada hora mais espessa.
“As visitas não estão sendo desmarcadas,
então eu faço o mesmo trajeto e digo as
mesmas coisas “ Marilena diz enquanto
pica a folha nas mãos suadas.
“Mari, não fica tão preocupada. Nem
tudo é definitivo.”
Como a obviedade pode ser tão
perturbadora?
Marilena gosta de almoçar com Joyce. Ela
é simpática e sorri sem falsidade. Ma-
rilena sente o cheiro doce do sorriso da
amiga e não se incomoda com o “bom dia,
gente!!!!!” que ela posta todos os dias no
Facebook. Desde a infância Joyce mora
com a mãe, uma costureira habilidosa
que já fez alguns figurinos das óperas
que se apresentam no Teatro Municipal.
Ela convenceu a mãe a adotarem um gato
cor de caramelo, exaustivamente fotogra-
fado pelo celular. Já houve vezes em que
Marilena pensou em Joyce como uma
mistura de otimismo mal direcionado e
excesso de papel de carta rosa na infân-
cia. Cada um precisa praticar sua peque-
na crueldade diária, e ela não conseguia
identificar qual seria a de Joyce. Algumas
vezes Marilena fingiu dormir no ônibus
para não ter que dar o assento para mu-
lheres grávidas nem pessoas de terceira
idade. Mas hoje ela não nega que ir comer
nhoque com a companheira de trabalho
acaba sendo quase sempre um diverti-
mento. É bom. Alivia o cansaço ancestral
de Marilena. Sim, é uma certeza: ela tem
afeto verdadeiro por Joyce.
E é na sexta- feira que Marilena nota o
contraste de Joyce na vegetação densa. O
vestido colorido, os lábios com batom, os
cabelos ruivos.
É como se Joyce fosse um fruto.
Talvez seja esse o motivo então. Do
desaparecimento. Na semana seguinte,
quando todos os Teatros Municipais das
cidades do país foram definitivamente
tomados pela densa floresta que começou
a se espraiar a partir dos inofensivos can-
teiros decorativos, Joyce não está mais lá.
Durante o final de semana as autorida-
des nacionais e os principais jornais do
país fizeram uma cobertura incansável
do fenômeno, quando notou -se o pico de
crescimento das plantas. Biólogos, cien-
tistas políticos, artistas e autoridades do
poder público foram convocados a fa-
zerem suas análises sobre o que ficou
conhecido como “O Escândalo Vegetal.”
Houve interesse de acionistas interna-
cionais pelo que poderia ser encontrado
nas várias dependências dos novos tea-
tros. Novas espécies, compostos vegetais
para medicamentos, alguma cura.
O fruto foi incorporado pela mata.
Joyce, fruto suculento e atrevido, se
entregou ao tato e às pupilas de um vi-
sitante anônimo. Ou talvez aos animais,
que na semana seguinte já se apodera-
vam de todos os espaços do Teatro Muni-
cipal do Rio de Janeiro. Macacos, araras,
tucanos, cobras. Sem moderação Joyce
desapareceu.
Marilena sofre com o calor, mas con-
tinua a realizar as visitas guiadas. Na
segunda- feira após o desaparecimento
de Joyce foram duas visitas em português
e uma em inglês. O domínio excelente do
inglês trará uma promoção num futuro
próximo.
Geração FormidávelA alguém foi feita uma pergunta sobre os dias que passam.
Uma espécie de questão de vestibular. O assunto? O Mundo.
Houve quem respondesse que “as crianças existem, nascem
aqui ou no Vietnã, nos livros e no amanhã.” O mundo são en-
cadeamentos de formas. Um apartamento vazio, mais uma re-
leitura de Borges, o cheiro da garoa no festival de música a céu
aberto. Pode ser um bêbado na calçada, em diagonal. Uma sopa
apimentada, pessoas endividadas, uma ex -atriz dona de uma
agência de príncipes e princesas para festas de aniversário.
Pode ser os oito minutos que a luz do sol demora para chegar
até a Terra, ou a ideia de que a cabeça de cada um é o colapso de
cada um.
Pode ser um conto sobre um mergulhador, um astrônomo e
um neurocirurgião.
O mundo é uma coleção de selos e um homem que per-
de sua crueldade ao longo da vida. É uma repetida notícia de
bombardeio.
É uma mulher grisalha que destila a saudade de Deus todas
as noites, na mesma oração. É o futuro da China.
Houve também quem respondesse que o mundo é uma mo-
chila que pode ter três destinos: ir para a costureira, ser rouba-
da ou ser esquecida em uma estação de metrô. Uma escola de
idiomas falida e uma mãe que chora na Palestina.
Pode ser um garoto na favela que compõe funk e por acaso
escuta Bach, e gosta.
É um garoto em outra favela que quer usar salto alto, e usa.
É fazer uma coisa já pensando na seguinte.
É o Google Earth.
O mundo são processos de reparação.
E quando as palavras entram em pânico.
Houve finalmente quem respondesse que o mundo é um po-
liedro. Ou uma notícia antiga, como por exemplo aquela em que
Mike Tyson arrancou a orelha de Holyfield, em pleno ringue.
E depois de tudo, houve a resposta: o Mundo é uma canção
estranha com a expressão cordão umbilical.
23
Zona AzulSempre que encontra uma ambulância ela não conse-
gue evitar. O pensamento começa a traçar labirintos.
Quem está dentro? Talvez um pai que não vê o filho há mais
de dois anos e teve um infarto. Talvez uma avó viúva que há
muito tempo tem os ossos e a vista cansada. É o terceiro tombo
da avó. A família quer vender o imóvel e colocá -la num apar-
tamento menor, mas ela recusa, quer ficar perto das paredes
que têm as mesmas lembranças e que são tão elegantemente
silenciosas. Ou não. Dentro da ambulância está uma jovem de 21
anos que faz faculdade de odontologia, tem pedra no rim, sem-
pre sorri nas fotos e toma ecstasy nas festas que vai toda semana.
O carro atrás buzina.
O celular está sem bateria e ela esqueceu o carregador em
casa. Justo quando Silvia mais precisa. “Tenho que trocar o pla-
no do celular. Preciso de um plano com mais internet,
internet ilimitada”, ela pensa. Algo que cairia bem, além da
internet, seria paciência ilimitada, isso sim. Para aguentar as
buzinas da cidade e da sua cabeça.
Silvia está parada no trânsito de algum grande centro urba-
no. Cada dia mais iguais esses aglomerados de gente e concreto.
Silvia nunca foi paciente, mas já foi mais confiante. Neste mo-
mento os carros se sufocam a perder de vista e a ambulância sai
da garagem do prédio com a sirene ardida em alto volume. Ela
vai perder o jantar de aniversário da amiga.
Hoje foi a primeira vez que Silvia foi para este lado da cidade,
está a mais de 20 km de casa. A reunião acabou tarde, calculou
mal o tempo, se perdeu na saída e pegou a estrada. Por sorte havia
um retorno antes do pedágio. “Como eu ia pagar o pedágio?”, ela
pensa. Estava sem nenhum dinheiro na carteira, só com cartão.
Como Silvia pode se perder tanto, e tão gratuitamente?
As veias da cidade por onde ela se perde sempre a condu-
zem para suas próprias vias, é inevitável. Uma vez, na faculdade,
um dos exercícios da aula de criação era escrever uma carta a si
mesma, dali a 10 anos. Era preciso se imaginar no futuro. Silvia
não conseguiu, ficou parada na frente do papel, assustada como
um filhote de pássaro molhado. A partir dali
Silvia passou a admirar as pessoas que conseguem imaginar
a si próprias. Falta pouco para chegar os tais dez anos futuros
que naquele dia não Silvia não pôde ver. “Daqui a pouco estarei
nessa zona que não pude imaginar’’ ela pensa enquanto obser-
va o mar de carros.
Silvia não é o tipo de pessoa que diz amar seu trabalho. Nun-
ca teve nenhuma grande desavença, não cruza com pessoas es-
pecialmente inspiradoras e não ganha mal nem bem. E também
não se casou. A última relação durou quatro anos, o último sob
o mesmo teto. Não houve gatos adotados nem briga de despedi-
da. Nesta história ela reclama do celular, mas Silvia não é das
mais reclamonas. Está em forma sem fazer regime e tem os ca-
belos longos e sem tingimento. Já disseram que tem pernas bo-
nitas. Na falta de imaginação de Silvia, há dez anos, existia algo
diferente no futuro, mais espaçoso. Silvia fará 32 anos e de vez
em quando usa a expressão ‘minha geração’. A verdade é que
ela nunca parou para pensar exatamente do que é feita uma
geração. De fatos políticos e econômicos? De casas com a arqui-
tetura similar? De crianças vidradas no mesmo programa de
televisão? Da morte de Ayrton Senna? Do topo da página até este
24
momento o trânsito não andou, os carros brigam e se misturam
aos arranha- céus. Provavelmente dentro deles deve existir um
jovem que corre muitos quilômetros toda semana no parque e
que ganha dinheiro no mercado financeiro, Silvia pensa.
Ela mora no décimo terceiro andar, sempre viveu em aparta-
mento. É normal acordar no meio da noite pensando que seus
pés estão suspensos. Abaixo dos tacos imagina o ar e a queda até
o chão. “Estamos subindo, subindo, subindo. Um dia vai dar pra
encontrar um anjo” era algo que Silvia pensava quando criança,
dentro do elevador. “A esta altura do campeonato o anjo deve
estar com rinite”, ela diz em volta alta no carro. Silvia ri da lem-
brança. Pela primeira vez ela se indaga: devo me sentir jovem
ou não? Quando chegar em casa vai ligar o celular e explicar
toda a situação para a amiga. Este é um aniversário que Silvia
não achou que iria perder.
Além da festa e do caminho de casa talvez Silvia tenha perdi-
do alguma coisa que nunca chegou a conhecer.
Livia Piccolo é atriz, performer e preparadora vocal formada pela ECA/USP
(2009), onde também realizou sua pesquisa de mestrado na área de per-
formance da palavra (2013). Tem interesse pelas palavras tanto no âmbito
narrativo quanto no sonoro e visual. Após estudar literatura contempo-
rânea nos cursos livres do escritor Cadão Volpato (2014 e 2015), trabalha
atualmente em seu primeiro livro de contos.
26
Clarissa Comin
nebulosa nº 4Sonho de viver uma pantomima.
Na Califórnia dos meus vinte anos, de artista sem
passaporte ou asfalto sob os pés, corria um ruído sin-
tetizante; enquanto por aí a febre nacional ardia ar-
roubos de liberdade ainda que tardia. Do outro lado
do mundo fitas K-7 confiavam minhas agonias ao teu
ouvido, – bem armado contra ilusões, mas cioso de pe-
rigos. Sempre que eu te lembrava invadia-me o espan-
to da pergunta tímida: “insetos dormem?”. Queria ter
resposta, embarque sem escalas (última chamada para
o voo com destino a “desfaleço-em-seus-braços”).
Queria deitar fora essa verborragia piegas.
“Quantas vezes você consegue repetir seu nome, e
depois o meu, em frente ao espelho, sem explodir em
risos ou lágrimas”? Isso foi dias depois de você ter ar-
rancado os sisos. Cuidei teus hematomas e colecionei
bolsas de gelo no compartimento inferior de uma ge-
ladeira bege, cujo modelo saiu de linha.
’73: última vez que apanhei do meu irmão mais velho.
Doeu. Chorei. Deixei passar. Anos depois foi internado,
amarrado de cabeça para baixo, banhos medicinais, cho-
ques, hipnose (quem não sabia?). Meus pais eram uma
escultura de sal e silêncio, eu não ousava perguntar, e as
roupas contorcidas no quintal pediam socorro. No jornal
os juros subiam com gosto, saudades de jantar no Píer 4.
Fazia a janela de lousa e ensaiava o
27
manifesto-do-amor-sem-volta. O cachor-
ro não corre mais atrás do carteiro.
Hoje eu sei.
Com você o tempo era relógio surre-
alista e o que restou após sua partida fo-
ram números fracionados. A perfuração
dos segundos cerzia-me pés de galinha.
Nesse tempo dedicavam-me condolên-
cias, servidas em páginas amareladas, A2
ou A3. Obrigava-me a preenchê-las até a
borda direita – respiro de 0,5 cm nas late-
rais. Finda a lida abria a correspondên-
cia alheia, as tears go by, e me assustava
com predições, confissões e excesso de
anúncios. Uma tormenta de lágrimas e
mamãe passava alvoroçada com malas e
caixas. A estação da luz é para onde todos
os esquimós desejam ir e agora acumula
pedidos de socorro, triturados pelos trens.
Em 2072 não estaremos mais aqui. E se es-
tivermos? Olharei comovida para a celulo-
se imantada de tinta alemã, caríssima por
causa dos impostos, e cantarei, de praxe,
cantigas de lembrar, assim como em ’76 o
fizera na religiosa apresentação natalina.
Será que ela tem uma caderneta com os
nossos nomes? Virginia me irrita com mú-
sicas sobre demônio, fogo e sexo, variações.
Fecho a página e lembro o pesadelo
vivido.
Andava de um lado para o outro, afun-
dando os pés num pântano concreto, esti-
lhaços e espinhos do fundo do mar. Qua-
se nenhum ruído e meu peito palpitava
até as pálpebras. A ânsia da querência se
desfazia em sustos.
Comecei a pensar as pessoas na pri-
meira do singular. Colecionei canetas e
papelotes multicores, desenhei manda-
las, inventei um parente morto nas trin-
cheiras, mordi a língua e calei. O vento
encanado arde-me a garganta, não su-
porto esse calor. Todavia era inverno lá
em cima e nenhuma perspectiva do glo-
bo desgirar.
Quarenta e nove lances de escada. Sé-
timo andar e seus intertítulos: campa-
nhia, bom dia, roçar de ombros inespe-
rado, olhos pregados na varanda (a vista
daqui é privilegiada, minha filha!) e um
berreiro aberto no quartinho dos fundos.
Mesmo se desgirassem o globo, sempre
essa bonomia raivosa.
Que horas são? Para onde estão me
levando?
Encho as mãos em conchas de espas-
mos, durmo dois dias sem saber as coor-
denadas da cama, 1,60cm por 40cm, até
levar aos olhos as mãos impregnadas de
sono. Despertar é sempre ambíguo: flu-
tuo um desconhecido, esfumaçando-se
pela força do piscar. Nas línguas apren-
didas fascinavam-me as diferenças en-
tre cochilar, dormitar, deitar, despertar,
acordar, levantar.
Não acordo mais.
Fico olhando esse quadro branco, es-
trangeiro, cheio de bandeirinhas e selos
de viagem. Na tua casa tudo cheira ao
contrário e esse desterro me conforta às
avessas. Esse silêncio tantas vezes sutu-
rado por conversas: éramos a linha e a
agulha da fábula romanesca.
Não espero mais. As luzes se despe-
dem e os barcos partem deixando espu-
ma branca e caudalosa para trás. Aban-
donar o navio: poetas e crianças primeiro.
Acordei embriagada de olheiras, dis-
posição artificial. É cedo e preciso passar
as folhas a limpo.
A despeito do que há no fim, alguém
deve colocá-las para dormir.
das 7h às 17h
Das 14h às 17h
Oh!...
Lê Philippe Djian, embora isso faça mal à sua saúde.
Troca lâmpadas funcionando por outras queimadas, solavanco estático-racional,
pulsão dos pés aos cabelos.
Pensa a cena para mais tarde.
Das 13h às 17h
Prossegue a leitura, alternando com: “je suis comme le roi d’un pays pluvieux”
Almoça colheres, spoons, facas e tenedores.
Banha-se de pias, tapetes, toalhas e secadores.
Enche os dedos de tomadas (viciada em choques).
Das 10h às 17h
Djian, Quintane, Beauvoir, Dumas, Montaigne numa esteira.
Refeições da pensão burguesa: só para os chatos.
Do jardinzinho a mão nodosa arranca pontos pretos, traças, raízes e espetos.
Das 7h às 17h
A Cena:
o almoço
as mãos
as estrelas
o corte
29
Sem BremenUm moço sem braço deseja ir a
Bremen e assim começa uma grande his-
tória.
Bremen, Brema, Bremeno, Brémy,
Βρέμη, Бре́мен, ब्रेमेन, ブレーメン e variados.
A despeito das pronúncias impensáveis,
registra apenas um endereço: 53° 4’ 33” N
8° 48’ 27” E.
O mapa da Alemanha assemelha-se
a um protozoário de pés falsos (não fla-
gelado), desses que a gente experimenta
na microscopia escolar. Dependendo da
perspectiva, Bremen pode ser tanto va-
cúolo contrátil como pulsátil. Berlin, in-
variavelmente, é o núcleo.
Mesmo assim, o moço foi.
Com um gênio difícil, exortava os
amigos ao ódio. No saguão central, às
14:30, ninguém fez conta da despedida
histérica: maldizia a vida por não levar
malas, puxando uma em cada braço, mas
apenas mochila.
Bocejos, engasgos. Um embaraço para
dar abraços, medo de fermentar-lhe a
ferida (o toco restante era envolvido por
uma pele translúcida e finíssima, quando
ele não percebia fitávamos com atenção
o ecossistema em miniatura).
Partimos.
Partiu o projétil kamikaze e sua re-
vanche prometida.
Foi notícia, fuxico, riso, pito, troça, es-
bórnia, concórdia, diz que diz do bobs da
vizinha até o projeto de lei barrado pela
justiça – amplos direitos de abortar. De
todo modo, nosso povo era de um con-
tentamento sem tamanho. Não tanto por
sermos sinceros mas porque a convivên-
cia com o moço – alto, branco, brasileiro
nato e de ascendência birmanesa – havia
se tornado insustentável e vinha prejudi-
cando o crescimento do país.
Será que ele consegue abraçar esta
oportunidade?
No outono de 1943 foi inaugurado o
subcampo Bremen-Farge – filial de um
outro notório, Neuengamme, em Ham-
burgo – onde dr. Heissmeyer brincou de
Frankenstein com quatro crianças judias.
Pouso tranquilo. Vamos às revistas.
O moço detestava ser contrariado.
Abrindo a carteira com os dentes, jogou
nos pés da imigração notas de cem e um
discurso macarronesco sobre os direitos
das minorias, números de emergência e
conselhos de ética. Falava com uma fome
varada e ninguém ousou interrompê-lo.
Como não havia intérprete que desse
conta do recado, esperaram hipnotizados
o fim do parlatório.
Todavia, não escapou do procedimen-
to padrão. Aqui não havia exceção, a lei
era para todos. Despiu-se a contragosto.
Trazia uma ave de rapina tatuada no toco
esquerdo e despertou os fetiches do moço
metido a brigadeiro-bossa. A cocagem
impertinente fez o moço sentir-se viola-
do, feito brinquedo novo fora de caixa.
Seguiu-se nova enxurrada cacofônica.
Um molho de palavras atropelando
dialetos menores – cerzidores de cânha-
mo precisam voltar para casa e não têm
dinheiro, uma família de camponeses
teve os filhos degolados no alojamento
para refugiados – mas ele é imenso e ocu-
pa mais espaço que o longo caminho tra-
çado até aqui. Ele é intenso e esbravejava.
Nós não sabemos dizer não.
Bremen é a décima cidade mais po-
pulosa da Alemanha. No último recen-
seamento atingiu os melhores índices de
qualidade de vida no país, perdendo ape-
nas para a capital. Bremen é uma manhã
sem graça de domingo mas nos agrada
por não oferecer perigo.
30
No bairro medieval de Schnoor o moço
recomeça a vida com o jovem brigadeiro
aeronáutico. Mundo calmo de delícias e
sem vaidades. Findos atritos desneces-
sários, agora ele passa o dia em camiseta
sem manga, trabalhada em seda. Desa-
celeramento necessário, afinal nem as
Autobahns são ilimitadas como parecem.
Um silêncio mútuo ocupava a casinha
gótica, era como se eles não existissem.
Salvo pelas discussões etmo-bizantinas
em que se metiam madrugada adentro:
- Por que em alemão “braço” e “coitado”
são a mesma palavra?
- Por que em francês eu preciso de bra-
ços para beijar?
No século XIX dois irmãos descreve-
ram diversos arquétipos alemães, dentre
eles a história medieval de um burro, um
cão, um gato e um galo, que abandonam
os donos para serem livres em Bremen.
O brigadeiro fincou os dois pés no
chão, lambuzou-se em demasia e perdeu
o emprego, assim termina uma grande
história.
Contas acumuladas, ostracismo social
e rusgas domésticas levaram nosso prus-
siano Ícaro às profundezas. O moço aca-
ricia-lhe sem jeito e promete revanche,
promete vitória. Ensaia novamente os
discursos da chegada, acrescentando os
resultados da vasta pesquisa linguística
desenvolvida nos últimos anos. Gram-
peia certificados, cartas de recomenda-
ção, prontuários e laudos médicos, tudo
na esperança de salvá-los do naufrágio
iminente.
Confiante, ele vai. Foi.
E o que se segue não faz sentido deta-
lhar: o moço não sabia mais falar a lín-
gua rapina dos primeiros dias. Tergiver-
sava, empacava nos momentos difíceis e
nem a raiva inflando o toco anêmico ga-
rantia-lhe alívio. Dessa vez os encarrega-
dos não temeram. Acolheram as queixas
e protocolaram, preguiçosos, as solicita-
ções, certos de arremessá-las longe antes
da pausa-café.
Entre 1939 e 1945 a Royal Air Force lan-
çou 12.831 bombas em Bremen mas a úl-
tima, do dia 30 de março de 1945, deixou
uma Frau Leona em frangalhos, só os co-
toquinhos. Anos depois seu neto ensaia-
ria uma frustrada vingança, juntando-se
ao exército inimigo.
O brigadeiro derretido no sofá é puro
desolo e desespero.
Espera seu moço chegar e vencem
juntos duas garrafas de pinga. Força do
hábito e cautela, mantém-se sóbrio e leva
o companheiro nos braços até a mesa
de jantar. Com a serra mais bela, tinin-
do, talha fino um traço entre Bremen e
Hamburgo.
Clarissa Comin nasceu em Fortaleza e atual-
mente mora em Curitiba. É mestre em Literatura
Brasileira (UFPR), Estudos Lusófonos (Université
Lumière Lyon 2) e professora de língua france-
sa. Atualmente cursa doutorado na UFPR e pes-
quisa literatura brasileira de invenção no sécu-
lo XX e XXI. Tem traduções e textos publicados
em revistas digitais como Qorpos, Mallarmagens,
Enfermaria 6 e Raimundo. Em parceria com Julia
Raiz escreve periodicamente no coletivo Totem
& Pagu (totemepagu.wordpress.com).
32
Rafael ElfeBicho sem fundoVocê precisa resolver coisas
dar de comer aos bichos,
alimentar-se deles.
Ligar pra família, mentir pros amigos.
Mentir pra família, ligar pros amigos.
Único que prolifera remorsos
bicho que fuma escondido
chora quando nunca
nunca quando chora.
33
Diz que precisa resolver tudo
matar recibos vencidos
cimentar negócios
dar-se de abraços à cama
precisa fingir que ama
e ama fingir que precisa.
Único que vomita tempo
enforca pessoas, fabrica relógios
vive de tédio e pressa
ama quando nunca
nunca quando ama.
Bicho de guardar segredos
acha-se dono das coisas
e só uma gripe te derruba
uma paixão e diz poesia
que nunca foi tua, que nunca foi boa.
Único que literatura
e brinca de estragar o mundo
mastiga poeira, cospe parafuso
bicho de comer à mesa
nem a sete palmos de avareza
tira esse peso do fundo.
34
Miopias
I
Com suas palavras inalcançáveis:
estrelas de oito pontas,
avião, mastro, girafa
o cão abraçado ao muro
a língua às cartas
a mesma voz solene, diria:
- só o brilho café nos olhos da fotografia -
mastigava tudo.
II
A saudade escapulia nos cabelos,
Enfeitiçada, você fingia o riso
e sua pequena mão de arbusto podava o
berro.
e sua pequena mão de arbusto aninhava o
verso.
e sua pequena mão de arbusto sufocava o
verbo.
III
Ali onde esconde-se a noite,
em desaviso,
de pequenos túmulos verdes
fantasmas com pés trocados
suspendem a alvorada.
IV
O que acontecerá?
Olhar represado de estátua,
sol palrando cume
uma nesga de noite aparvalha-se
abre-se o ventre da aurora
uma manhã nasce latindo.
V
Se vivo não mata
Se morro não sei
Mas não estanca nem seca
Tem fundo falso esse peito
Que bicho nenhum traduz.
35
VI
Pequena espera
quase dor sem demora;
à sombra do ventre se altera
o tempo que em tudo dobra,
urgência de flor que acorda
nascendo a cada instante, e pra sempre:
o fulminado beijo do agora.
VII
O mundo das ideias é o mundo dos vivos.
Nele, Deus pode deixar de existir;
ser Criança, Lobo, Mulher, Demônio.
O mundo de Deus, é o mundo do qual não
fazemos ideia.
Nesse limite, do qual nossa razão não pode
avançar,
está a ideia de Deus.
VIII
Inunda a lua na cozinha
teus magros pés de tinta branca
indagam o céu que tanto cobre
morrem ao vento à sombra enorme
do homem curto,
o tempo curto no homem.
Edifício curvando estrelas;
preto é o chapéu da velha casca.
Nenhum desejo te devora
só tua carne enquanto comes
e o adeus no riso telegrafa
por dentro, em chamas,
teu nome
por fora
e toda parte
meu enxame.
IX
Da manhã só o veneno;
à boca o óleo dos pássaros
e o suor dos que não vivem.
Recorrentevocê me lembra coisas
dessas que não mensuro
coisas que permanecem
como a voz no interfone
- mas não te ouço,
levo de seu, só o pedaço de um mar nas
orelhas
e o barco virgem rabiscando a praia
no rastro, o marulho branco
tua face mal desenhada -
que não fui homem bastante para apagar.
37
SilênciosÉ motor de geladeira.
Quando desliga é brilho de estrela
Mas desse tipo
só ouvimos a cor.
rafael elfe - sou músico e compositor;
carioca radicado em são paulo.
estudante de antropologia e
ciências sociais. tenho um disco
lançado, estou gravando outro.
escrevo ocasionalmente, quando
o poema vem me chamar. acho que,
quando mais velho, vou inverter
isso de quem chama quem.
uma vez publiquei um livro na web
chamado sem digitais, apaguei.
o bicho sem fundo quero publicar
materialmente pra não ter o perigo
de apagar tudo outra vez. o cantor
belchior disse que é do poetariado,
eu também acho sou. gosto de
pensar que faço música e
poema como quem troca pneu,
por utilidade prática;
como quem acorda cedinho pra
colocar a massa no forno.
meu disco aqui: rafaelelfe.com
PoemiaPor ti zil regressos.
Por onde sempre recomeço,
sem ter jamais partido.
39
Philippe Wollney
caosnavial iv: resíduo sólido
O progresso não é nem mesmo progressista.
– Eduardo Galeano
coágulo na via principal
sangue dos novos congestionando desejos & autovias
galerias de dejetos desembocam na garganta & no gargalo
caldo de cana caiana adocica o cotidiano-cadáver
o paraíso privado de privilégios-privadas
40
prisão de ventre é a negação do cotidiano
congestão nasal rima com anal : nada entra & nada sai
não nos suportamos por aceitar a profecia da cidade-cicuta
que em cada esquina : nos fundos das repartições públicas
partes escuras das praças aliciando menores
entrada de emergência de hospitais públicos & clínicas para drogados
nas grandes avenidas vendendo travestis
nas calçadas descalçadas desgraçados menores fitam com firmes olhos
afirmando que a natureza não nos suporta
& o profeta brilhando com urânio descerá entre as nuvens de enxofre
em seu novo discurso sobre monte de lixo eletrônico afirmará
: somos um nó nas tripas do mundo
41
caosnavial vi: velha usina
Desolados e chuvosos vãos no tempo, a grande arte aprendida na desolação
– Allen Ginsberg
guerrilha das gramíneas contra o concreto & aço
a cascavel cochicha : não passamos de um segundo
plantas carnívoras esganam fios de cobre
urtigas brancas brotam no esterco das cabras
silenciosos tentáculos de jerimuns sobre tetos de zinco
liquens copulam com as ferrugens
brotoejas afloram no cimento
fezes de morcego corroem engrenagens gangrenagens gangregases
:::...
no que resta de maquinarias : cogumelos esporram
sobre o passado gasto de progresso : a paciência do algoz
que amputa espécies & percorre na surdina
os pisos de mármore : descama os afrescos de ódio : de tédio & de medo
oxida a capa de pérola do livro de poemas carcomidos
cava sulcos nas cadeiras de jacarandá na varanda
aleija os degraus que levam ao pelourinho
destrói as paredes do quimbundo
encobre as trilhas que levam aos quilombos
retira o reboco dos homens
arrebenta os samboques da história
ressignifica no grunhido do incêndio
que deixa a paisagem em cinzas
para unguento do silêncio
caosnavial vii: o coiote
Horrorissonando horrivelmente para amantes e dorminhocos
– Lawrence Ferlinghetti
seus olhos holofotes : iluminam o trabalho
por quilômetros : o seu uivo dita o ritmo dos recordes da safra
animal anjo da caldeira
durante meses o cheiro de vinhoto deixa prenhe a cidade
seu sêmen de vinagre atiça o cio dos dias
acendem as madrugadas das segundas-feiras
refugo das queimadas
: a alergia dos netos
: o azougue dos priméveros
: a aposentadoria por invalidez dos velhos
o coiote dita o ritmo do açoite
: dia após dia
: noite após noite
43
caosnavial viii: tardiamente
O pouco que aprendi na vida / foi com flores,
livros e pedras
– Fred Caju
i
atravessa os mares em forma de
multinacionais ocupando os
campos com bredos de flores
roxas : mais uma vez o canavial se
incinera na chegada da safra : as
labaredas estalam ao ebulir o caldo
açucarado acordando as crianças
das ruas e os coiotes nos escritórios
: nuvens de pixilinguis & mariúnas
tomam as ruas da cidade com
sonhos industriais & escapamento
automotivo : cortes verticais de aço e
vidro na direção do sol
ii
tendo como norteador ordinárias
palavras ornamentadas com crânios
de urubus símbolos : dos cartéis : dos
latifundiários : dos especuladores
de imóveis que inserem a variável
da morte na equação sobre o uso do
solo : assassinatos como eficiente
mecanismo de coerção social : e
no cardápio do dia um formidável
prato de nossa gastronomia :
fettuccine ao creme de jerimum
acompanhado com elevados
índices de violência & prostituição
infantil & como sobremesa frapê de
araçá no casquinho de guaiamum
com marketing governamental &
analfabetismo funcional
iii
& um mix de miserê noticioso & poético
esconde que dentro dos canaviais há
separação de miolos em segundos :
foices & peixeiras temperam o córtex
no embate do corte da cana de quatro
toneladas-dia no chão : na safra
em que alguns não se safam nos
atropelos dos tratores & treminhões
: nos morros de massapê onde
acontecem a última trepada boia-fria
: nas encruzilhadas existem centenas
de pequenas cruzes pintadas de
azul & branco com anúncios de
ticoqueiros : lambais : corumbas :
cambindas mortos
iv
beatas rezam & revezam diante de
cruzes de sete pontas riscadas no
chão : acenos de pavor quando as
palavras se diluem em significados &
murmúrios distantes & não trazem
mais certezas : uma oração para são
benedito : um toque para zé pilintra
: um canto pra exu : as sete cidades
da jurema atrás da capela : santos &
sonhos & senhores entre o perdão
& pendão & o punhal : fazem a fé o
facão & o fuzil derivarem da mesma
origem : do mesmo início & difícil
re:começar
44
caosnavial ix: em tom de zinco
por que deus existe, mas a contade dele não
– Ícaro Tenório
i
a fé fria nos subúrbios
no centro pedregulho : fiéis & fuzis
poesia dispalavra
palabalas na cartucheira
que não repõe o que havia antes
dos buracos na sala
ii
entre o tráfego & o tráfico
a rotina anuncia : um passa-passa senão te passo
& como o dia fica pálido de susto
pó bruto sulcando os poros do rosto
nos olhos reflexos de um sol chapado
cremes hidratantes afogando os geoglifos da pele
o rasgo da boca mancha de álcool iodado
despenca como chuva : uma fuligem que intoxica
contratos : pedidos de liberação de crédito
tratados : resoluções : acordos econômicos
: o sonho da casa própria
: o carro do ano
: a comida sobre a mesa
: a sede de viver
: & um desejo : agora
em tom de zinco
Philippe Wollney é poeta brasileiro, nascido na cidade de Goiana, Pernambuco, em 1987. Organiza intervenções artísticas, re-
citais, saraus, publicações e outros atentados poéticos. Trabalha para difundir a produção literária da zona da mata norte de
Pernambuco. É editor do coletivo Silêncio Interrompido, do selo editorial Porta Aberta, e da revista Poesia & Cia – Ed. Maturi.
Une a produção de livros artesanais em formato de baixo custo com o design e os meios digitais. Participou do Festival
Internacional de Poesia do Recife em 2013. Tem poemas publicados em diversas revistas, pelo coletivo Silêncio Interrompido
e pelo selo Porta Aberta. Participou das antologias ARRUADA (2013), e cem poetas sem livros (2009)
46
Elisa Andrade Buzzo
um poema se faz
com palavras
moldadas em letras duras segundo artifícios
mecanismos para apertar o coração
a mão que pressiona o botão na tarefa
etérea e árdua da composição baseada em tipos
risíveis da condição humana e seus ridículos
amores um poema se faz de palavras catadas
ao engenho do signo e do som não se molda
em sentimentos antes no mecânico imprimir
de antigos requerimentos e planos
formidáveis ao auxílio de utensílios
do rebite da máquina de escrever da pressão
automotora se reproduz o texto de
substância firme mas dinâmica até mesmo
na curvatura imperfeita da caligrafia como
uma forma nítida tal qual se caminha em obra
kandinskyana roldana emancipada linha
a linha andaimes e cordas sustentando o
arremate da corrente gráfica e o poema se
cria agora como força viva
não sou mulher-maravilha
ainda que
tenha para mim extraordinários poderes
minha imaginação desfere golpes
fatais a vilões em potencial
tenho uma boca com dentes
e espinhos pronta à mordida
as unhas crescem na medida certa
para arruinar num só gesto proposital
a cabeleira faz as vezes de chicote
numa dança pra te ferir ou impressionar
mas veja estas palavras-lança talvez
sejam elas meus poderes ultrassintáticos
a trespassar do peito meu ao seu
48
detenho-me às folhas secas
olhares
nesta paisagem que se esqueceu deus de pôr gente
aqui tudo é natureza sento num tronco
de árvore escondo-me
entre ramagens na verdade a praça é
um corpo vivo feito de mil imagens
hortaliças de índios vergéis de colonos
verde séquito a se perder no horizonte
esta ainda é uma paragem distante
praça carlos drummond de andrade
ao lado da casa de vidro
de lina bo bardi
49
olha de um chumaço de cabelos escuros
enrolados na pia
suspendeu-se uma aranha em patas de fio que lembra
sujeira úmida seu corpo um glóbulo maciço de
capilares emaranhados ela se desloca num crescendo
e pula assustadora aterrissando de pernas bem abertas
com uma bufada começa a inspecionar a casa e muito
satisfeita se põe a considerar a bagunça e poeira se
pudesse atinar pensaria vou fazer daqui minha casa
pousar minha trouxa enrodilhar meu corpo frouxo
e vistoriando os cômodos as pilhas de roupas desdobradas
ótimas para um esconderijo a louça acumulada
perfeita para forrar seus intestinos molhados
ao sentir um frêmito no buraco da fechadura ela se
desintegra numa lufada espalhando-se
em restos pretos pelos buracos dos tacos
50
cortaram-lhe as asas
e ainda assim tecia harmonias no chão
e agora fitaria não as copas mas bem de perto as folhas secas
e douradas pisoteadas na praça e se da pele tiraram-lhe
o sentir nisto também viu algo proveitoso pois assim passaria por
entre as folhas pontudas dos jardins misteriosos sem sentir dor
ciceroniaria as abelhas em seu desejo de pétalas e se dos olhos
lhe tirassem a visão haveria o silvo dos animais desses
sons absolutos haveria de evocar a forma viva dos seres e se então
por sua vez a audição lhe fosse destituída teria sua imaginação a lhe render uma
nascente cristalina de onde brotaria diariamente como um desejo indevido
ressurgido das pedras
Elisa Andrade Buzzo, formada em Jornalismo pela Universidade de São Paulo, es-
treou na literatura com os poemas de Se lá no sol (7Letras, 2005). Seu último livro
de poesias, Vário som (Patuá, 2012), foi finalista do Prêmio Jabuti 2013 na categoria
Poesia. Foi coeditora da revista de literatura e artes visuais Mininas. Seus textos
foram publicados em diversos livros, antologias e revistas literárias no Brasil e em
países como Espanha, Portugal, Alemanha, México e Estados Unidos. Publicou o
volume de crônicas Reforma na Paulista e um coração pisado (Oitava Rima, 2013) e
está no prelo a próxima antologia, O gosto da cidade em minha boca.
52
Ana Salek
Na estaçãopenso como teria sido
se tivesse trazido
você comigo
se tivéssemos preparado juntos as malas
se você sentaria ao meu lado ou em frente
no trem em movimento
se você repararia
nos gestos da holandesa
ou se mostraria
um moinho lá fora
se teria topado
dividir o bolo de cenoura
se poria leite no chá
se conseguiria ter arrastado
a mala na escadaria
na metade do tempo
em que eu pude cumprir a tarefa
com a ajuda de um moço simpático
que se ofereceu para carregar a bagagem
na escadaria da estação
será que a mulher dele
teria me olhado da mesma forma estranha
caso você estivesse aqui?
53
Desenho cegonão que isso importe
mas gosto dos signos
em rotação
quando escuto você falar
sua pulsão, a sua própria
língua de sinais
foi assim, de repente
um senhor com o andador
de boina e suspensórios
foi assim que vi seu tronco
de terno, de costas
as imagens dobradas no vidro
suspensas, fatiadas
em luzes tailandesas
#ilusãodeótica sem compasso
duas sopas com gengibre
duas pimentas dedo-de-moça
eu pedi duas pimentas dedo-de-moça
mas você quer mais duas taças de vinho
e eu quero mais duas taças de vinho
nos encontramos
entre um gole e outro
quando tocamos as mãos
na toalha branca salpicada
de cinzas
atrás das garrafas – gravata vermelha
e olheiras – seu olhar nada revela
a não ser o cansaço
54
das mãos sem retórica
sob a penumbra acobreada
ansiando mais vinho
arriscando um gesto no ar, uma autoridade
(são mãos perdidas,
mãos que eu amo)
por trás das notas musicais
o garçom diz que a comida
vai melhor com cerveja
“é por causa da pimenta, meninos”
me distraio facilmente
com a música dos pratos
caindo no chão, batendo
uns nos outros
como o tilintar dos copos
em Combray
o garçom enrubescido
pelo olhar severo do gerente
assim que me distraí
a cadeira vazia à frente,
palpitação no peito sem despedida
estive sozinha durante
todo esse tempo? “Moço”,
pergunto ao garçom
inclinado aos cacos
num malogrado quebra-cabeça
“eu estava acompanhada, não estava?”
ele balança a cabeça negativamente
“não, senhora”, pode ser que faltem peças,
elas mudam de forma – lanço
os dados – quando muito próximas
umas das outras: #miragem ou #sonho
a silhueta ambígua, o cabelo fino na testa
a voz rouca – era minha ou sua? – entre guardanapos
o lábio roxo dos tintos
haveria conversa entre dois silêncios?
me despeço de mim mesma
“por favor, a conta?”
convencida de que invento seu rosto
num autorretrato de sobre
mesa, mas o garçom informa
(noutra esquina, você tem um cigarro
aceso nas mãos, nas mãos que eu amo)
“a conta já foi paga, senhora”
Trem em movimentovocê dorme em algum
quarto em dresden
com um cinzeiro apoiado
na barriga cheia
de cerveja alemã
pode ser que você
ainda não tenha
adormecido ou sonhe
com o melzinho de paraty
pode ser que você
esteja se endividando
num hotel cinco estrelas
mas também é possível
que esteja numa pensão barata
você era imprevisível
em matéria de hospedagem
em qualquer matéria
suas mãos
estão descontroladas
no gesto que leva
o cigarro à boca
(você pensa que é um atirador)
suas mãos estão descontroladas
no modo como você
tenta afastar
um pesadelo
(você é a caça)
suas mãos estão
segurando copos
de cachaça
que você quebra
um a um
você entrou no vagão
com o trem em movimento
sonha com roedores
que tentam roubar o seu melzinho
por sorte
apagou o cigarro
antes de pegar no sono
na suíte máster
de um hotel sem estrelas
com o cinzeiro
apoiado na barriga
cheia de cerveja alemã
56
Casa tomadacomo retirar dos objetos o nome
e espaná-los até que fiquem
autônomos
destacados apenas
por insistência do olhar
separados da paisagem interior
objetos que tornam-se
donos da casa apenas porque assim o quisemos
porque assim decidimos?
objetos com vida
como se fossem visitas
mais do que visitas
como se fossem donos da casa
mais do que proprietários
como se fossem intrusos
mas que já moram ali há algum tempo?
e as visitas
que parecem mais objetos
do que pessoas do que objetos de decoração?
E os donos da casa que mais parecem visitas do que donos?
Visitas vermelhas, embrulhadas?
acender um lustre
e pensar
que o jarro azul se destaca
somente porque é azul
e todas as coisas na casa
são madeira ou verde-musgo
verde-escuro, o jarro
é apenas seu peso
indistinto da pequena estátua
o cristal mesmo
à noite à meia luz
disfarça-se na paisagem interior
como panóptico
que observa e registra ou talvez apenas reveze
imagens
como gato reveza de assento
do pufe para a poltrona para o banco para a mesa
para o piano
após o jantar, todos os objetos
estão bem quietos observando
o filho de alguém
que natal passado tocou pour elise
e esse ano, parque dos dinossauros
do ré para o dó, do mi para o ré
e o gato lá
57
Frutos da terraNathanael, eu te ensinarei o fervor
disse andré gide
nos frutos da terra
este livro
uma vez me fez chorar
de morrer de vergonha
como um bebê deixado
aos peixes
foi um livro que antônia me deu
e que eu li de uma só vez
umas não sei quantas páginas
e nada compreendia do que lia
e soluçava como quem entendesse
com o corpo todo
e se me perguntassem
sobre o que estás a ler? eu ficaria boquiaberta
com o que não poderia dizer
no dia seguinte eu disse a antônia
um pouco envergonhada
que havia me debulhado
sobre o livro
e antônia sorriu
Ana Salek nasceu no Rio de Janeiro em 1987. É mes-
tre em Literatura, Cultura e Contemporaneidade
pela PUC-Rio. Em 2010 publicou seu primeiro livro,
Dezembro (Circuito). Atualmente prepara seu se-
gundo livro de poemas.
Love poems é o quarto livro e, na minha opinião, não é o melhor
de Anne Sexton, mas contém grandiosos poemas em suas páginas, des-
ses que marcam a vida. Além disso, o que faz dele especialmente atraente
para mim é o livro de poesia como projeto, como se fosse uma necrópsia.
Ainda que Sexton aqui e ali ela fale de outras coisas, o cadáver a ser disse-
cado é o adultério e seus protagonistas, com o corpo como arma do crime,
por assim dizer.
Nos pontos altos, Sexton transfere a obsessão que antes tinha com
a morte e historização da própria biografia, prum homem (o marido; o
amante). Poemas como For my lover returning to his wife têm uma força
mãe-natureza e um nível de empatia que ainda me deixam besta.
Os Love poems foram escritos durante o romance que Anne Sexton teve
com seu segundo analista. Sem saber dessa informação, é mais difícil en-
tender o porquê da linguagem às vezes encriptada que ela – uma senhora
casada e mãe de filhos, dos subúrbios de Boston – utiliza no livro, publi-
cado em 1969. Essa linguagem “secreta” resulta eventualmente num tom
solene, que pelo tipo de metáfora cai, às vezes, na cafonice. O tom é bem
diferente de All my pretty ones, seu segundo, bastante aclamado pela crí-
tica. Essa solenidade tem sido minha maior dificuldade traduzindo Love
poems. nem por isso o livro é menos sexy. Se não me engano, foi o que mais
vendeu (até a publicação de Transformations, em 1971).
Aqui, Anne relaxa com a métrica-e-musicalidade que lhe consagraram
em To Bedlam and part way back, seu livro de estreia. O cuidado com a
versificação que ela mostrou nos seus primeiros livros (depois de Bedlam
veio All my pretty ones, bastante aclamado pela crítica e, sem seguinda, Live
or die, que ganhou o Pulitzer) têm, na minha opinião, muito a ver com a
doença mental de que ela sofria. Em Love poems, no entanto, ela transfere
a obsessão pela estética em uma obsessão pelo sujeito. Uma troca tão ou
mais arriscada.
Traduzir é um exercício muito vivo; à medida que você avança versos
afora, é forçado a voltar para fazer ajustes nos anteriores e depois seguir
em frente e voltar de novo etc. Por exemplo: em O nado nu, por ter dado a
“heart” um caráter fisiológico, acabei des-traduzindo o que antes tinha tra-
duzido como “bombeiro” (quando ela fala “my hands down the backbone,
down quick like a firepole”) e passei para “paramédico” e em seguida voltei
para a primeira estrofe para fazer de “Greek chorus” “microscopista” (tô
ligada, não tem absolutamente nada a ver, mas criava uma imagem mais
próxima do que estava procurando pra tradução do poema).
Meu desejo com essa traduções era aproximá-las da linguagem falada,
da forma como ela é falada no português brasileiro, já que isso era algo
que a própria Anne não renegava – como revela a poeta e amiga íntima de
Sexton, Maxine Kumin: “[para Anne] a ordem natural das palavras, o tom
leve da linguagem vernacular, nunca deveriam ser ignorados em nome de
uma rima”. Assim, algumas escolhas foram feitas me afastando da semân-
tica para tentar me aproximar do que o poema quer dizer – e de como isso
é dito na língua que eu falo.
Essas são, então, as traduções que fiz pro meu português recifense (ou
seja, cheias de “tu” em vez de “você” e “a gente” em vez de “nós”, entre outras
pequenas coisas), usando a edição da poesia completa, publicada em 1981
pela Mariner Books, organizada pela filha de Anne, a também poeta Linda
Gray Sexton, com prefácio de Kumin. Além disso, convidei o poeta Rafael
Mantovani para traduzir três dos seus poemas preferidos deste livro, por
ser Rafael leitor entusiasmado de Anne e um excelente tradutor.
Os oito poemas aqui apresentados estão organizados seguindo a mes-
ma ordem do original.
- a tradutora
61
The kissMy mouth blooms like a cut.
I’ve been wronged all year, tedious
nights, nothing but rough elbows in them
and delicate boxes of Kleenex calling crybaby
crybaby, you fool!
Before today my body was useless.
Now it’s tearing at its square corners.
It’s tearing old Mary’s garments off, knot by knot
and see — Now it’s shot full of these electric bolts.
Zing! A resurrection!
Once it was a boat, quite wooden
and with no business, no salt water under it
and in need of some paint. It was no more
than a group of boards. But you hoisted her, rigged her.
She’s been elected.
My nerves are turned on. I hear them like
musical instruments. Where there was silence
the drums, the strings are incurably playing. You did this.
Pure genius at work. Darling, the composer has stepped
into fire.
O beijoMinha boca lateja como uma úlcera.
Fui o ano inteiro ignorada, noites
chatíssimas, nada além de cotovelos ásperos
e caixinhas de Kleenex gritando crybaby
crybaby, sua abestalhada!
Até ontem meu corpo era inútil.
Agora se rasga nas partes ossudas.
Faz do manto de Maria pó, de nó em nó
e olhe – Agora atingida por um certo raio:
Bum! Ressuscitou!
Antigamente havia um barco, de madeira
e sem utilidade, sem mar embaixo
e precisando de uma demão de tinta. Não era muito
além de um bocado de tábua. Mas ela você alçou e laçou.
Ela foi escolhida.
Meus nervos à beira de um ataque. Posso ouvi-los como
instrumentos musicais. Onde antes havia silêncio:
bateria, irremediavelmente as cordas tocam. Você é o responsável.
Trabalho de gênio. Querido, o compositor se mete
fogo adentro.
62
That dayThis is the desk I sit at
and this is the desk where I love you too much
and this is the typewriter that sits before me
where yesterday only your body sat before me
with its shoulders gathered in like a Greek chorus,
with its tongue like a king making up rules as he goes,
with its tongue quite openly like a cat lapping milk,
with its tongue - both of us coiled in its slippery life.
That was yesterday, that day.
That was the day of your tongue,
your tongue that came from your lips,
two openers, half animals, half birds
caught in the doorway of your heart.
That was the day I followed the king’s rules,
passing by your red veins and your blue veins,
my hands down the backbone, down quick like a firepole,
hands between legs where you display your inner knowledge,
where diamond mines are buried and come forth to bury,
come forth more sudden than some reconstructed city.
It is complete within seconds, that monument.
The blood runs underground yet brings forth a tower.
A multitude should gather for such an edifice.
For a miracle one stands in line and throws confetti.
Surely The Press is here looking for headlines.
Surely someone should carry a banner on the sidewalk.
Aquele diaEssa é a mesa à qual me sento
e essa é a mesa onde te amo bem muito
essa diante de mim é a máquina de escrever, posta
onde ainda ontem estava posto teu corpo
com seus ombros curvados como os de um microscopista,
com sua língua de rei baixando decretos,
com sua língua de gato bebendo leite,
com sua língua – e nós dois enrolados nela, escorregadia.
Isso foi ontem, aquele dia.
Aquele foi o dia da tua língua,
tua língua que sai de teus lábios,
dois viajantes, metade animal, metade pássaro
enjaulados no teu átrio direito.
Aquele foi o dia que segui as regras do rei,
correndo pelas tuas veias, as vermelhas e as azuis,
descendo minhas mãos pela tua espinha dorsal, rápida como um
[paramédico,
até entre as tuas pernas, onde se apresenta tua sabedoria interior,
onde se escondem minas de diamantes, urgentes,
mais surpreendentes que cidades reconstruídas.
Em segundos está erguido, o monumento.
O sangue, ainda que líquido, faz a torre.
As pessoas deviam se juntar para admirar essa construção.
Já que por um milagre elas jogam confete e esperam em filas.
Certamente a imprensa aparecerá, em busca de uma manchete.
Certamente alguém estará na calçada segurando um cartaz.
63
Se constroem uma ponte, o prefeito não vai lá cortar a faixa?
Se em Belém nasce uma estrela, não aparecem reis com presentes?
Ontem foi o dia em que eu trouxe presentes para o teu presente
e vim de longe para te encontrar na calçada.
Isso foi ontem, aquele dia.
Aquele foi o dia do teu rosto,
tua cara depois de transar, no travesseiro: uma canção de ninar.
Meio dormindo ao meu lado, deixando aquele relógio velho parar,
nossa respiração virou uma, juntas viraram uma respiração infantil,
enquanto eu desenhava bolinhas nos teus olhos,
enquanto eu desenhava risinhos na tua boca,
enquanto eu desenhava TE AMO no teu peito, no coração batendo,
e cochichei “acorda!” e tu murmuraste qualquer coisa:
“sssssh estamos dirigindo até a praia. Atravessamos uma
ponte. Passamos pela orla”. Praia!
Então em teus sonhos eu te entendi e orei pelo dia
em que eu seria a terra e tu as raízes
e eu carregaria teu fruto, carregaria
a ti ou a teu fantasma na minha horta interior.
Ontem eu não queria me deixar levar
mas é só a máquina de escrever que está na minha frente
e ontem é onde o amor está.
If a bridge is constructed doesn’t the mayor cut a ribbon?
If a phenomenon arrives shouldn’t the Magi come bearing gifts?
Yesterday was the day I bore gifts for your gift
and came from the valley to meet you on the pavement.
That was yesterday, that day.
That was the day of your face,
your face after love, close to the pillow, a lullaby.
Half asleep beside me letting the old fashioned rocker stop,
our breath became one, became a child-breath together,
while my fingers drew little o’s on your shut eyes,
while my fingers drew little smiles on your mouth,
while I drew I LOVE YOU on your chest and its drummer
and whispered, ‘Wake up!’ and you mumbled in your sleep,
‘Sh. We’re driving to Cape Cod. We’re heading for the Bourne
Bridge. We’re circling the Bourne Circle.’ Bourne!
Then I knew you in your dream and prayed of our time
that I would be pierced and you would take root in me
and that I might bring forth your born, might bear
the you or the ghost of you in my little household.
Yesterday I did not want to be borrowed
but this is the typewriter that sits before me
and love is where yesterday is at.
64
In celebration of my uterusEveryone in me is a bird.
I am beating all my wings.
They wanted to cut you out
but they will not.
They said you were immeasurably empty
but you are not.
They said you were sick unto dying
but they were wrong.
You are singing like a school girl.
You are not torn.
Sweet weight, in celebration of the
in celebration of the woman I am
and of the soul of the woman I am
and of the central creature and its delight
I sing for you. I dare to live.
Hello, spirit. Hello, cup.
Fasten, cover. Cover that does contain.
Hello to the soil of the fields.
Welcome, roots.
Celebração do meu úteroTudo em mim é pássaro.
Bato todas minhas asas.
Eles queriam te tirar de mim
mas eles não vão.
Eles disseram que você é imensamente vazio
mas você não é.
Eles disseram que você estava morrendo
mas eles estavam errados.
Você canta como uma menina.
Você não é em vão.
Querido fardo,
para celebrar a mulher que sou
e a alma dessa mulher que sou
e a criatura central e a sua luz,
eu canto para você. Eu ouso viver.
Olá, alma. Olá, troféu.
Fixo, envólucro. Cobertor e conteúdo.
Olá para a terra destes campos.
Raízes: bem-vindas.
65
Cada célula existe.
Aqui há o suficiente para satisfazer a nação.
Já chega que essa ralé se apodere desse bem.
Qualquer um, qualquer comunidade diz dele,
“Que bom que esse ano poderemos plantar de novo
e nos alegrar pela colheita.
A vacina contra a praga foi o vaticínio”.
Muitas mulheres, unidas, cantam sobre isso:
ela está na fábrica de sapatos, xingando a máquina,
ela está no zoológico cuidando de uma onça,
ela está triste dirigindo seu Fiesta,
ela está trabalhando no guichê do pedágio,
ela está no desfile da escola de samba,
ela está afinando um violoncelo na Rússia,
ela está mexendo o almoço no Egito,
ela está pintando as paredes do quarto,
ela está morrendo mas lembrando de um café-da-manhã,
ela está fazendo ioga na Tailândia,
ela está limpando a bunda de um filho,
ela está olhando pela janela do ônibus
no meio do Tocantins e ela está
em lugar nenhum e outras estão em todos os lugares e todas
parecem cantar, ainda que algumas sejam
desafinadas.
Each cell has a life.
There is enough here to please a nation.
It is enough that the populace own these goods.
Any person, any commonwealth would say of it,
“It is good this year that we may plant again
and think forward to a harvest.
A blight had been forecast and has been cast out.”
Many women are singing together of this:
one is in a shoe factory cursing the machine,
one is at the aquarium tending a seal,
one is dull at the wheel of her Ford,
one is at the toll gate collecting,
one is tying the cord of a calf in Arizona,
one is straddling a cello in Russia,
one is shifting pots on the stove in Egypt,
one is painting her bedroom walls moon color,
one is dying but remembering a breakfast,
one is stretching on her mat in Thailand,
one is wiping the ass of her child,
one is staring out the window of a train
in the middle of Wyoming and one is
anywhere and some are everywhere and all
seem to be singing, although some can not
sing a note.
66
Querido fardo,
para celebrar a mulher que sou
me deixe usar uma écharpe de 3 metros,
me deixe paquerar os meninos de 19 anos,
me deixe levar as oferendas
(se for o caso).
Me deixe analisar os tecidos cardiovasculares,
e examinar as distâncias entre os meteoros,
me deixe chupar o caule das flores
(se for o caso).
Me deixe ser Iemanjá
(se for o caso).
Por aquilo que o corpo precisa
me deixe cantar
para celebrar o jantar
o beijo
o sim
certeiro.
Sweet weight,
in celebration of the woman I am
let me carry a ten-foot scarf,
let me drum for the nineteen-year-olds,
let me carry bowls for the offering
(if that is my part).
Let me study the cardiovascular tissue,
let me examine the angular distance of meteors,
let me suck on the stems of flowers
(if that is my part).
Let me make certain tribal figures
(if that is my part).
For this thing the body needs
let me sing
for the supper,
for the kissing,
for the correct
yes.
67
O nado nuNo sudoeste de Capri
encontramos uma grutinha secreta
onde não havia ninguém e nós
nos metemos nela até o fim e
liberamos nossos corpos de toda
solidão.
Tudo o que em nós é peixe se deixou levar.
se deixou levar.
Os peixes de verdade não deram a mínima.
Não atrapalhamos suas vidas íntimas.
Nadamos tranquilos por cima
e por baixo deles, compartilhando
bolhas de ar, brancas, ínfimas
bexigas, que emergiam rápido
até o sol banhando o barco
onde o italiano tirava uma soneca
cobrindo a cara com um chapéu.
The nude swinOn the southwest side of Capri
we found a little unknown grotto
where no people were and we
entered it completely
and let our bodies lose all
their loneliness.
All the fish in us
had escaped for a minute.
The real fish did not mind.
We did not disturb their personal life.
We calmly trailed over them
and under them, shedding
air bubbles, little white
balloons that drifted up
into the sun by the boat
where the Italian boatman slept
with his hat over his face.
68
Water so clear you could
read a book through it.
Water so buoyant you could
float on your elbow.
I lay on it as on a divan.
I lay on it just like
Matisse’s Red Odalisque.
Water was my strange flower,
one must picture a woman
without a toga or a scarf
on a couch as deep as a tomb.
The walls of that grotto
were everycolor blue and
you said, ‘Look! Your eyes
are seacolor. Look! Your eyes
are skycolor.’ And my eyes
shut down as if they were
suddenly ashamed.
A água era tão clara
que dava para ler um livro.
A água era tão tranquila
que se podia boiar sem medo.
Me deito nela como me deito no divã.
Me deito nela como
a odalisca vermelha de Matisse.
Sendo a água a flor estranha,
é preciso imaginar uma mulher
sem toga nem lenço
num sofá cavado como um túmulo.
As paredes daquela gruta
tinham todos os tons de azul
e tu disseste “Ó! Teus olhos
são da cor do mar. Ó! Teus olhos
são da cor do céu”. E meu olhos
se fecharam em
repentina vergonha.
69
You all know the story of the other womanIt’s a little Walden.
She is private in her breathbed
as his body takes off and flies,
flies straight as an arrow.
But it’s a bad translation.
Daylight is nobody’s friend.
God comes in like a landlord
and flashes on his brassy lamp.
Now she is just so-so.
He puts his bones back on,
turning the clock band an hour.
She knows flesh, that skin balloon,
the unbound limbs, the boards,
the roof, the removable roof.
She is his selection, part time.
You know the story too! Look,
when it is over he places her,
like a phone, on the hook.
Todos conhecem a história da outraÉ um Walden particular.
Ela está sozinha na cama
enquanto o corpo dele se ajeita e dispara,
decidido como uma flecha.
Mas isso tá mal explicado.
A luz do dia não é amiga de ninguém.
Deus chega como se fosse cobrar o aluguel
e acende a luz quando não convém.
Agora ela está assim-assado.
Ele põe seus ossos de volta no lugar,
atrasa o relógio em uma hora.
Ela conhece a carne, o balão feito de pele,
os membros partidos, o assoalho,
o teto, o teto removível.
Ela é meio-período sua eleição.
Você conhece essa história. Fique olhando:
quando termina ele a coloca,
como um telefone, no gancho.
UsI was wrapped in black
fur and white fur and
you undid me and then
you placed me in gold light
and then you crowned me,
while snow fell outside
the door in diagonal darts.
While a ten-inch snow
came down like stars
in small calcium fragments,
we were in our own bodies
(that room that will bury us)
and you were in my body
(that room that will outlive us)
and at first I rubbed your
feet dry with a towel
because I was your slave
and then you called me princess.
Princess!
Oh then
I stood up in my gold skin
and I beat down the psalms
and I beat down the clothes
and you undid the bridle
and you undid the reins
and I undid the buttons,
the bones, the confusions,
the New England postcards,
Nóspor Rafael Montovani
Eu estava embrulhada em pelespretas e peles brancas evocê desembrulhou e entãome colocou na luz douradae então me pôs a coroa,enquanto nevava lá foraem dardos diagonais.Enquanto uma neve de vintee cinco centímetros descia como estrelasem pequenos fragmentos de cálcio,estávamos nos nossos próprios corpos(esse quarto que vai nos enterrar)e você estava no meu corpo(esse quarto que vai existir depois de nós)e primeiro sequei os seuspés com uma toalhaporque eu era sua escravae então você me chamou de princesa.Princesa!
Ah entãome levantei na minha pele douradae derrubei os salmose derrubei as roupase você desatou a bridae desatou as rédease eu desatei os botões,os ossos, as confusões,os cartões-postais de New England,
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Mr. MineNotice how he has numbered the blue veins
in my breast. Moreover there are ten freckles.
Now he goes left. Now he goes right.
He is building a city, a city of flesh.
He’s an industrialist. He has starved in cellars
and, ladies and gentlemen, he’s been broken by iron,
by the blood, by the metal, by the triumphant
iron of his mother’s death. But he begins again.
Now he constructs me. He is consumed by the city.
From the glory of words he has built me up.
From the wonder of concrete he has molded me.
He has given me six hundred street signs.
The time I was dancing he built a museum.
He built ten blocks when I moved on the bed.
He constructed an overpass when I left.
I gave him flowers and he built an airport.
For traffic lights he handed at red and green
lollipops. Yet in my heart I am go children slow.
Sr. Meupor Rafael Montovani
Note como ele numerou as veias azuis
no meu peito. Tem dez sardas além disso.
Agora ele vira à esquerda. Agora à direita.
Está construindo uma cidade, uma cidade de carne.
Ele é um industrial. Passou fome em porões
e, senhoras e senhores, foi surrado por ferro,
pelo sangue, o metal, pelo triunfante
ferro da morte da mãe dele. Mas ele recomeça.
Agora me constrói. A cidade o consome.
Da glória das tábuas ele me ergueu.
Do milagre do concreto ele me moldou.
Me deu seiscentas placas de rua.
Da vez em que eu estava dançando ele construiu um museu.
Construiu dez quarteirões quando me virei na cama.
Construiu um viaduto quando eu fui embora.
Dei flores e ele construiu um aeroporto.
Distribuiu como semáforos pirulitos vermelhos e
verdes. Mas no coração sou cuidado crianças brincando.
a noite de janeiro às dez da noite,e nos erguemos feito trigo,acres e mais acres de ouro,e nós colhemos,
colhemos.
the January ten o’clock night,
and we rose up like wheat,
acre after acre of gold,
and we harvested,
we harvested.
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Song for a ladyOn the day of breasts and small hips
On the day of breasts and small hips
the window pocked with bad rain,
rain coming on like a minister,
we coupled, so sane and insane.
We lay like spoons while the sinister
rain dropped like flies on our lips
and our glad eyes and our small hips.
“The room is so cold with rain”, you said
and you, feminine you, with your fiower
said novenas to my ankles and elbows.
You are a national product and power.
Oh my swan, my drudge, my dear wooly rose,
even a notary would notarize our bed
as you knead me and I rise like bread.
Canção para uma moçapor Rafael Montovani
No dia dos peitos e dos quadris pequenos
a janela salpicada de chuva podre,
chuva insistente feito um padre,
copulamos, com mais juízo e com menos.
Deitamos que nem colheres enquanto a chuva
sinistra caía feito moscas nos nossos lábios febris
e nossos olhos contentes e nossos pequenos quadris.
“O quarto está tão frio com essa chuva”, você disse
e você, você fêmea, com sua flor
rezou novenas para os meus tornozelos, cotovelos.
Você é um produto e uma potência nacional.
Ó meu cisne, rosa querida felpuda, minha serviçal,
até um tabelião autenticaria nosso colchão
enquanto você me amassa e eu cresço que nem pão.
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Adelaide Ivánova (Recife, 1982) é fotógrafa, poeta,
escritora e tradutora brasileira. Lançou os livros
autotomy (...) (Pingado-Prés, 2014), Polaróides
(Cesárea, 2014) e O martelo (Douda Correria, 2016).
Seu trabalho já foi exposto no Brasil, Argentina,
EUA, Alemanha, França e Espanha e faz parte
das coleções dos museus L’arthotèque (Brest,
França) e Kunst Dieselkraftwerk (Cottbus,
Alemanha). Tem publicados textos, traduções
e fotografias em revistas como i-D, Colors, The
Huffington Post, Modo de Usar & Co., Suplemento
Pernambuco, Vogue e Marie Claire, entre outras.
Adelaide Ivánova vive e trabalha entre Colônia
e Berlim, na Alemanha.
Anne Sexton (1928-1974) foi uma escritora esta-
dunidense, considerada uma das mais impor-
tantes autoras do gênero de poesia confessio-
nal e vencedora do Prêmio Pulitzer de Poesia
em 1967 pelo seu terceiro livro, Live or die (ainda
sem publicação no Brasil). Os temas mais recor-
rentes na poesia da autora são depressão, vida
familiar e sexo - ainda que, nos anos antes de
sua morte, ela tenha escrito poemas mais mito-
lógicos e religiosos. Sexton lançou oito livros e
se matou em sua casa em 1974, aos 45 anos.
Rafael Mantovani nasceu em 1980 em
São Paulo, e mora em Berlim desde
2011. Ganha a vida como tradutor e
gasta como poeta. Publicou poemas
em algumas revistas brasileiras como
a Modo de usar & Co., Lado 7, Rosa e
Opiniães. Seu livro Cão foi lançado em
2011 pela Editora Hedra e ele tem um
novo no prelo. Apresenta-se espora-
dicamente em eventos de literatura e
performance em Berlim.
Karine Moura
ensaio fotográfico de
“OVITAGEN”, esta série de fotografias, começou a ser produzi-
da durante a execução de um projeto
de colagens, com a intenção de captar o
processo criativo. Utilizei uma câmera
analógica e um celular para realizar os
registros da série e depois, tratamentos
de imagem para imprimir degradação e
efeitos negativos.
Karine Moura, 21 anos, é artista visual. Paulista com um pé no in-
terior e outro na capital do Estado, sentiu que queria fazer arte as-
sim que começou a fazer, ainda que sem estudos formais na área.
Quando deixou o jornalismo e o interior, começou a descobrir-se
artista, primeiro com fotos em celulares e em seguida com câmeras
analógicas e autorretratos. Passou então a experiências com dese-
nho, pintura, xilogravura e, atualmente, colagem. Dedica-se ao estu-
do autodidata e a experimentos independentes.
Lista de autores já publicadosAlan Kramer, Ana Guadalupe, Alfredo Fressia, Alvaro Posselt, Ana Kehl de Moraes, Ana Martins Marques, Ana Rüsche, André Oviedo, Andréa Del Fuego, Aníbal Cristobo, Barbara Mastrobuono, Bruna Beber, Bruno Palma e Silva, Carina Sedevich, Carol Rodrigues, Carla Kinzo, Cecilia Pavón, Charles Cros, Daniel Francoy, Daniella de Paula, Déa Paulino, Deborah Prates, Dimitri br, Edu Suppion, Ellen Maria Vasconcelos, Érica Zíngano, Fabiano Calixto, Fabíola Weykamp, Fabricio Corsaletti, Felipe Nepomuceno, Francesca Cricelli, Gabriela Ventura, Gertrude Stein, Giuseppe Ungaretti, Glória Paive, Grazi Shimizu, Guilherme Damasceno, Ismar Tirelli Neto, J.F. de Souza, Jimena Arnolfi, Juliana Amato, Júlia de Carvalho Hansen, Juliana Krapp, Kenneth Koch, Luana Vignon, Jeanne Callegari, Joana Hime, Julia de Souza, Julianna Motter, Laura Liuzzi, Leandro Jardim, Leo Ventura, Leonardo Gandolfi, Lielson Zeni, Lilian Aquino, Lubi Prates, Lisa Alves, Luca Argel, Lucas Perito, Luci Collin, Ludmila Rodrigues, Lyn Hejinian, Marcos Vinícius de Almeida, Maíra Ferreira, Maíra Matthes, Marcos Casadore, Mariana Botelho, Marília Garcia, Marcia Pfleger, Matheus Hatschbach, Mirella Carnicelli, Miriam Adelman, Múcio Góes, Nathalie Lourenço, Noemi Jaffe, Odile Kennel, Pierre Masato, Rafael Mendes, Raimundo Neto, Ricardo Domeneck, Rodrigo Garcia Lopes, Rosa van Hensberger, Rubens Akira Kuana, Sergio Mello, Stephanie Borges, Tao Lin, Tiago Feijó, Thiago Ponce de Moraes, Thiago Tizzot, Vanessa Rodrigues, Victor Heringer, Virna Teixeira, William Zeytounlian.
FotógrafosAdelaide Ivánova, Ana Kehl de Moraes, André Lasak, Alexandre Santos, Carol de Andrade, Camila Lordelo, Daniela Feder, Edu Suppion, Juliana Rocha, Julio Perestrelo, Marcel Fernandes, Mariana Caldas, Pedro Ferrarezzi, Raphael Bernadelli, Rodrigo Sommer, Thany Sanches, Vanessa Carvalho.
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O instante que não estava lá.Quando movimento e momento se fundem. Kris
Foltran e a criação de um universo.
O viver e o morrer
Não é difícil olhar para as obras de Kris Foltran.
Os olhos se perdem em mundo de detalhes e for-
mas. O mais interessante, entretanto, é quando
se percebe elementos outrora nítidos colidindo
em explosões de novos temas, novas sensações.
O seu momento fotográfico é duplo. Há o viver
em dois tempos, que uma vez amalgamados
morrem para dar vida ao que não somente com
olhos pode ser visto.
Materializando o invisível
Não é fácil entender a obra de Kris Foltran sem
levar em conta a sua interação com o momen-
to. Com sua câmera tenta fotografar o invisível.
Atenta, faz duas fotografias, como se a vida fos-
se um tesouro a ser lapidado não com apenas
um golpe. Então, contrói uma dupla exposição
na tentativa de extrair do mundo algo que não
pertence ao mundo dos sentidos.
- Guilherme Zawa, curador da Galeria Airez
(Curitiba, janeiro de 2015)
Sobre as fotos
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Kristiane Foltran, curitibana nascida em 1978, é artista visual e designer gráfica. Durante
sua formação acadêmica teve contato com fotografia analógica e laboratório e desde
então aprofundou seus estudos fotográficos. Criou o Grupo Ta Da Ça, para discussões
artísticas, produção e construção de novas linguagens, com fins expositivos e merca-
dológicos. Atualmente, interessa-se em formular seu trabalho com base em conceitos
pós-modernos. Sua trajetória conta com seleções em editais participações em concur-
sos e exposições, individuais e coletivas, nacionais e internacionais.
Mais informações estão disponíveis em seu site: krisfoltran.com.br
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Todos os textos e imagens aqui reunidos são, e sempre serão, de propriedade de seus autores, cuja gentileza agradecemos.
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Edição Bruno Palma e Silva
Lubi Prates
Fotos Kristiane Foltran krisfoltran.com.br
Projeto gráfico Bruno Palma e Silva
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