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115 Noé Oliveira Bernardes* *Advogado. ENIGMAS OCULTOS DO CASTELO DA FEIRA A DECIFRAÇÃO DEÍSTA DAS DUAS ARAS VOTIVAS ROMANAS No decurso da decifração simbólica do castelo da Feira, a publicar brevemente pela nossa revista, chamou-nos à atenção o estudo e as conclusões finais do artigo, da autoria de José de Encarnação, divulgado na “Revista Semestral da Junta Distrital de Aveiro”, número 11, de 1971. Aquele artigo recai sobre a tradução e interpretação dos dizeres vertidos nas duas aras romanas encontradas no espaço interior do castelo. As duas inscrições votivas romanas deverão traduzir-se diferentemente e têm , de resto, um sentido de voto deísta (numen) diverso: singular, na primeira; plúrimo, na segunda. Aquele estudo apoia-se no decalque do artigo, feito dezenas anos antes pelo insígne e saudoso Prof. Doutor Leite Vasconcelos, revelado e tornado público (Volt III,Lisboa, 1913, pps 612- 613), na sua obra “Regiões da Lusitânea”. Análise: Interpretação da primeira ara: DEO TUAREO Volenti Arcius, Epeici (filius), B. (Bracara), S. (Sacrum); F.(Fecit). Tradução original (incorrecta) - Ao benévolo deus Tuareo consagrou este Monumento Arcio, Filho de Epeilo Bracara de Nação. Nossa tradução: De bom grado, ao deus Touro consagrou este Monumento Arcio, Filho de Epeilo Bracara de Nação. Os estudiosos e epitólogos sucedâneos - como quase sempre, diga-se - alinharam pelo mesmo diapasão, mas erradamente como veremos. No ano de 1917 descobriu-se uma segunda inscrição no cubeto sudoeste da Torre de Menagem quando se procedia à sua reconstrução, sinal claro que naquele preciso ponto, ou muito próximo, seria aquele recinto cultuado a um ou mais deuses. Análise: Interpretação da segunda ara - “Bandevelugo Toiraeco (Lucios), Latrius Blaesus V/0tum L/Ibens. S/. Olvit)”. Tradução original incorrecta - Lucio Latrio Bleso cumpriu de boamente o voto que fizera ao Deus Bandevelugus Toiraecus”. A nossa tradução: Lucio Latrio Bleso cumpriu boamente o voto que fez à deusa Banda e ao deus Lugo no santuário consagrado ao Deus Touro”. Relativamente à primeira ara a tradução denota dois erros:

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Noé Oliveira Bernardes*

*Advogado.

ENIGMAS OCULTOS DO CASTELO DA FEIRA

A DECIFRAÇÃO DEÍSTA DAS DUAS ARAS VOTIVAS ROMANAS

No decurso da decifração simbólica do castelo da Feira, a publicar brevemente pela nossa revista, chamou-nos à atenção o estudo e as conclusões finais do artigo, da autoria de José de Encarnação, divulgado na “Revista Semestral da Junta Distrital de Aveiro”, número 11, de 1971. Aquele artigo recai sobre a tradução e interpretação dos dizeres vertidos nas duas aras romanas encontradas no espaço interior do castelo. As duas inscrições votivas romanas deverão traduzir-se diferentemente e têm , de resto, um sentido de voto deísta (numen) diverso: singular, na primeira; plúrimo, na segunda.Aquele estudo apoia-se no decalque do artigo, feito dezenas anos antes pelo insígne e saudoso Prof. Doutor Leite Vasconcelos, revelado e tornado público (Volt III,Lisboa, 1913, pps 612- 613), na sua obra “Regiões da Lusitânea”.

Análise: Interpretação da primeira ara: DEO TUAREO Volenti Arcius,

Epeici (filius), B. (Bracara), S. (Sacrum); F.(Fecit).

Tradução original (incorrecta) - Ao benévolo deus Tuareo consagrou este Monumento Arcio, Filho de Epeilo Bracara de Nação.

Nossa tradução: De bom grado, ao deus Touro consagrou este Monumento Arcio, Filho de Epeilo Bracara de Nação. Os estudiosos e epitólogos sucedâneos - como quase sempre, diga-se - alinharam pelo mesmo diapasão, mas erradamente como veremos. No ano de 1917 descobriu-se uma segunda inscrição no cubeto sudoeste da Torre de Menagem quando se procedia à sua reconstrução, sinal claro que naquele preciso ponto, ou muito próximo, seria aquele recinto cultuado a um ou mais deuses. Análise: Interpretação da segunda ara - “Bandevelugo Toiraeco

(Lucios), Latrius Blaesus V/0tum L/Ibens. S/. Olvit)”.

Tradução original incorrecta - “Lucio Latrio Bleso cumpriu de boamente o voto que fizera ao Deus Bandevelugus Toiraecus”. A nossa tradução: “Lucio Latrio Bleso cumpriu boamente o voto que fez à deusa Banda e ao deus Lugo no santuário consagrado ao Deus Touro”. Relativamente à primeira ara a tradução denota dois erros:

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Igualmente, o deus Lugo é um deus andrógeno, que se transforma e se metamorfoseia noutros deuses, adoptando formas zoomórficas variadas como é o caso do Touro/Vaca, macho-fêmea, evidenciado exuberantemente na planta do castelo, a quem está indissociavelmente conotado e, como tal, se identifica. A figura do Touro representada zoomorficamente na planta do castelo, atestado pelas aras votivas, simboliza a energia vital, a fonte de fecundação e de fertilidade atribuída pelos povos primitivos, celtas inclusive, e o correspondente culto Tourobólico. O colar helióstico com 19 esferas à volta do pescoço da figura do Touro, bem como a correia que o prende à cabeça, conforme o ilustrado na planta tauriformis, é uma imagem de rara beleza arquitectónica, dado que é o reflexo da abóbada da galeria do castelo, com os seus 19 circulos, esferas, na base das seteiras cruciformes e do corredor coberto que vem do exterior nascente e dá para o pátio da traição. Esse colar era usado por certos sacerdotes no culto do deus Sol, enquanto a disposição arquitetónica da galeria abobadada ascencional e curvilínea reproduz e simboliza o movimento diurno e solar, a aurora do dia e o põr do sol, a morte e a ressurreição. Uma segunda tradução da segunda ara – “Lucio Latrio Bleso cumpriu boamente o voto que fizera à deusa Banda (Dat. Bande) - Boand-Bóvinda, vaca branca) e ao Deus Lugo pela sacrificio do Touro Bovino”. Boand é o cognome de um deus da Irlanda Céltica, associado ao epípeto do Deus romano Tuereus. Tuereus-a-um = coisa de Touro, item Neptuno a quem sacrificam o touro - Ver “Prosódia”, de Bento Pereira, p. 969. 0 monumento, a ara, é dedicado não só à Deusa Banda (Vaca Astral, Deusa da fertilização), mas também ao Deus superior, Lugo, o Deus Lug (us), equiparado ao Deus Mercúrio romano. É o Deus luminoso, referido no Livro “A civilização Celta”, de Framçois Le Roux Christianar-J Guion WarK, forum da História, Publicações Europa América, p. 110-112. Aliás, in fine, do supra aludido livro, na tábua da nomenclatura dos deuses célticos, aquele é associado ao deus romano Mercúrio, também venerado na Gália, Irlanda, na Galiza e Norte de Portugal. 0 póprio deus Lug (us) era conhecido por Eilen em Galmes e na Europa. Também a deusa Banda, equiparada a Minerva,

1º - Volenti significa de bom grado e não benévolo (volens, entis). Quem está grato e de livre vontade cumpre o voto que prometeu: é o oferente Lucio Latrio, e não o deus. Volenti está no genitivo e não no dativo. 2º - Por outro lado, a tradução respeita ao deus Touro e não a um deus intraduzível, como vaga e infrutiferamente o fizeram. Tuareo é o dativo latino de Tuareus-a-um, servindo de complemento indirecto. A consagração é feita precisamente ao deus Touro, da Constelação Tauros, refletida cosmicamente e reproduzida fielmente na planta do castelo. O guião do castelo entregue aos visitantes denuncia-o, representando o deus Touro com o seu distintivo, Phalos notável, sem quaisquer dúvidas, pelo que podemos assegurar inequivocamente que o locus, bosque, era venerado e consagrado ao deus Tauro, constituindo esta representaçao zoomórfica uma revelação, no nosso entender, de cariz céltica, pré-romana, inédita e assombrosa na Ibéria e mesmo na Europa. Correcção da segunda ara: Relativamente à segunda ara a intenção votiva é feita à deusa Bande e ao deus Lugo e não a um só deus denominado Bandevelugo, ou seja, o voto (o sacrifício ) do animal bovino ou tourino é cumprido, satisfeito, num espaço-tauriformis (cousa semelhante a Touro), aí cultuado, mas em honra daqueles dois deuses celtas ( o da fecundidade e da luz solar). O guião castelar da Feira configura-os e consagra-os, sem o saber, como um testemunho da ocupaçao céltica e de um culto de um santuário romano, ou magus céltico, como de resto também o reitera e confirma a epígrafe da segunda ara. Ver Dicionário Latim Português “Prosódia”, de Bento Pereira, editado em 1751. A evocação do teónimo Turaeco, ou Tuaero, é relativo ao local consagrado ao deus Touro - morro, colina, bosque ou fortaleza ( castrum) - deificado a Taurus (Touro). Bande é um dativo clássico de Boand-Bóvinda, vaca branca, cultuada pelo povo céltico e gaélico. Ve, sinónimo de “vel”, advérbio de modo, ou seja, o ofertante Lucio Latrio, de igual modo, cumpre a promessa para com Bande e a um segundo deus, Lug (us), - dativo do singular -, deus céltico, e no santuário dedicado a Tauro ( pede ablativo singular, subentendendo o lugar onde se presta o culto). O deus Lugo personificava para os celtas o deus Mercúrio dos romanos; por sua vez, o deus Tauro é um deus solar, simbolizando a força, a ressurreição e a luz criadora do sol.

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Ara descoberta em 1912 junto à muralha do lado do poço. Ara descoberta em 1917 na torre sudoeste de menagem.

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Castelo de Santa Maria da Feira - Guia. Instituto Português do Património Arquitectónico.

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O castelo da Feira ergue-se num espaço sacro, inserido num lugar denominado - ainda nos dias de hoje - como o das “Guimbras”, ou seja, toda a encosta do castelo é sobranceira ao Rio Caster. A conformação do relevo em declive para o rio (a poente e parte a sul) parece serpentear a colina até atingir propriamente o castrum, onde se eleva o castelo. Toda a envolvente arbórea verdejante que contorna o castelo distaria cerca de 3 a 4 Km do mar, como testemunham as areias à vista que consolidam o solo e onde crescem os pinhais em terras de Arada. Não deixaremos de alertar o leitor que a área do castelo em causa, com centenas ou milhares de anos, não é fruto de um criação casual humana, mas de um sentimento de ânsia incontrolável de transcendência e de humanização do sobre-humano. Não se trata somente de justificar a presença humana desde as origens, o sentido da existência, mas a busca do princípio organizador e coordenador, de um modelo como é o cosmos. É visto como arquétipo ideal, sagrado, coisa exemplar a cultivar, a seguir e copiar, a dar forma à obra prima dos deuses (“Dicionário dos Símbolos”, de Jean Chevalier, p. 235). Daí a sua pertinente temporalidade, que marca e demarca o tempo divino de diferentes épocas de ocupações e povoamento dos invasores, como foram os da romanização, dos celtas, árabes, visigodos e dos nossos antepassados lusitanos. O espaço do castelo foi primitivo castro, campo sacro, consagrado ao deus zodiacal (Taureus), quase sempre associado ao deus celta superior e metamorfoseador LUGO, ávido e faminto de Touros sacrificados. Touro, símbolo do crescente lunar, na primeira semana do quarto crescente da lua, animal consagrado a Posídon, deus dos oceanos e das tempestades, da tormenta e da chuva. As divindades lunares mediterrâneas eram representadas sob a forma de Touro, exaltado pelo povo védico, budista, egípcio, Osíris, sempre representado e simbolizado por um Touro. Encarna as forças ctonianas, profundas do oceano, sendo equiparado o seu mugido ao som do trovão e furacão. Os exércitos romanos divulgaram por todo o império o culto de Mitra, deus salvador, vencedor invencível, nascido de um rochedo, a 25 de Dezembro, no solstício de dezembro com o nascimento e movimento diurno do sol até ao seu adormecimento nas águas de Neptuno, deus do mar. (“Dicionário dos Símbolos, de Jean Chevalier).

era divinizada na província de César e endeusada na Irlanda, como Brigtt, Etain, Boand e Tailliu, na função multiforme de mãe, esposa, irmã e filha de Deus. Também o vocábulo locus - já referido como bosque ou local de castro defensivo - é traduzido, no citado dicionário de Bento Pereira, como montanha, o bosque ou espaço sagrado a algum Deus - fls 547 da “Prosódia”. O erro, na tradução da epígrafe, deriva do facto de incluirem o advérbio de modo “ve”, igual a “vel”, como componente vocabular do teónimo Bandevelugo. Não se trata de um cumprimento de um voto a um só deus mas também a outro, ou seja, à deusa Banda, ou Boande, e também ao deus superior Lugo, (Lug), ambos célticos, no santuário pagano do deus Touro. Por sua vez, a omissão absurda da tradução do teónimo tuareo torna irresolúvel e incongruente qualquer tentativa de decifração fiel das dedicatórias epígráficas. A nossa tradução e interpretação quanto ao teónimo Lugo e à partícula Ve (em espanhol, y) é confirmada pela inscrição epígráfica espanhola, infra reproduzida e traduzida:

A “Inscripción de Penalba de Villastar

Texto escrito en alfabeto latino hallado en la localidad de Villastar (Teruel), y que probablemente se trate de un texto votivo:

Eniorosei

vta tigino tiatvnei

trecaias to lvgvei araianom comeimv eniorosei eqveisviqve ocris olocas togias sistat lvgvei t1aso

togias.

Cuya traducción podría ser:

«A Einor(o)sis y a Tiatú de Tiginos nosotros concedemos

surcos y a Lugus un campo; a Einor(o)sis y a Equaesos

Ogris somete las protecciones de la tierra fértil, a Lugus las

protecciones de la tierra árida».

Transcripción Meid, 1994. http://es.wikipedia.org/wiki/Idioma_celt%C3%ADbero

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O Touro, como signo do zodíaco ( 21 de Abril - 20 de Maio), está ligado à força do trabalho, aos instintos de sensualidade e da fecundação. O Touro, poderosa criatura, espelha lentidão, grossura, gordura, estabilidade, solidez e fixidez, como assinala Jean Chevalier, no seu Dicionário, a propósito das referências ao teónimo Touro. Considera-o mesmo o glorificador de Vénus, um ser animal palpitante, generoso e robusto, pastando e abandonando-se sensorialmente aos sabores e prazeres campestres dos campos verdejantes. Nas insígnias romanas o seu teónimo, Minotauro em letra grega, era visível e destacava-se entre elas. Na Gália, um chefe guerreiro é chamado de Donno-taurus (donno-tur), o touro mitológico. Acresce, ainda, que o seu nome está associado à denominação de várias cidades na França, Itália, como Tarva, Throuanne, em França, e na Grécia ligado à criação da cidade de Taruos (grego). P.127 e 128, in, “Os Druidas e os Deuses Celtas, sob formas animais”, de Henri Darbois de Jubainvills, editado pela Zéfiro.

É evidente e reconhecido desde sempre que a denominação da cidade espanhola de Lugo, situada na Galiza, se deve à presença de povos celtas que prestavam culto devotado ao deus Lug (us). No “Simbolismo das Religiões”, Mário Roso de Luna, o vanguardista escritor, teósofo verdadeiro e o maior decifrador ocultista de sempre, realça e sublima o culto da Vaca nas teogonias orientais, do significado de Buda que é condutor da Vaca, do culto das sete Vacas simbólicas, o sonho bíblico do faraó, interpretado por José, que sai do Oriente remoto e chega a Espanha abrindo “rotas de gado” pelo caminho. Em Belém, a Vaca guarda o menino Jesus, o Redentor que dorme, numa associação de iniciações íntimas que todas as teogonias guardam entre si, mesmo as mais opostas, com diz Roso de Duma.A hierogamia (do grego hieros-sagrado; gamos-matri-mónio) traduz uma relação ou uniões de seres humanos com divindades e estas entre si. Júpiter terá acasalado com diferentes deusas e até terrestres (hierogamias cósmicas), transformava-se de todos os modos para se acasalar, como, por exemplo, em Sátiro para ganhar Antíope, metamorfoseou-se em Touro para conseguir Europa, filha de Agenor e, pondo a dita princesa sobre as sua costas, deitou a fugir, passando o mar a nado.

Por sua vez, o jovem Touro era idolatrado entre os esquimós, bosquímanos e, no Peru, é associado ao crescente lunar. Quando um homem quer representar uma divindade não o faz apenas para retribuir e louvá-lo o que recebeu dele. Esse louvor traduz-se na exaltação infinita do deus. O trovão, o raio, a chuva e as ondas iracundas do mar são manifestações de deus e o homem primário teme-o e pressente o seu poder sobre toda a natureza. Reconhece a existência, primitivamente, de um deus oculto, de um ente superior e dominador. Há que agradá-Lo, pela oferta de aves do céu e animais da terra, acalmá-lo, apaziguar as forças da natureza e o seu génio protetor. A imolação exprime apenas uma mera dedicação pela oblação simples do homem, mas não a posse, o domínio de deus sobre as criaturas. Assim, um dia, o homem despertou e constatou que só pela inutilização da oferta, da cremação da vítima e efusão do sangue do animal satisfaria plenamente o seu deus, pela despojamento total e radical do ser oferecido e seu retorno ao deus criador. O sacrificio dos seres inferiores é dar glória a deus e proclamar o soberano e eterno poder. O acto do sacrificio passa, assim, a um acto (latria) que, reiterado publicamente, passa a culto, via de proclamação da omnipotência do divino.Antes de pedir, o homem louva, e as dádivas que lhe dedica expressam súplica e adoração. Sacrificare significa fazer sagrado. Sagrado é tudo o que é separado das coisas profanas. A oblação é o rito pelo qual o homem oferece a deus um presente, animal, cordeiro, boi, vaca ou turino, para reconhecer o seu domínio, conciliar os opostos, agradecer as primícias, os frutos; é elevar-se e consagrar à divindade que o que conquistou e detém é pertença integral de deus. O rito é o garante da união com deus e o sangue da vítima derramado na concavidade da pedra do altar é símbolo da divindade. De seguida, o animal era esquartejado, desmanchado, seguindo-se o banquete ritual: a carne da vítima era comida prioritariamente pelo sacerdote após o que era distribuída e comida pelo ofertante e demais presentes. Segundo Ptolomeu, a norte da Grâ-Bretanha havia um promontório denominado Tarouana, no local do levantamento da fortaleza do Deus-Touro. Naquele livro, Henri Darbois comparara-o ao Cabo de São Vicente, situado no extremo de Portugal.

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Olimpo, Apolo, entre outras mais. Misturavam-se personagens mitológicas gregas e romanas com as do catolicismo romano e da própria natura, mãe-terra, num corso desafiante, mas tolerado e pacífíco, até atingir o triunfo eucarístico redentor cristológico com a ajuda do oficiante Apolo. págs. 61 a 64 do Livro “Entre Desengano e Esperança”, de Dalila Pereira daCosta. Lello Editores, Maio de 1966. Naquela procissão desfilava e era sacralizada a deusa Serpa que simbolizava o poder da ciência e da fertilidade adveniente da Grécia graças ao deus Apolo que desce à terra, substituindo o seu culto, mas mantendo a Pyton como sua coadjuvante. É ele, Apolo, conforme regista Camilo Castelo Branco, que reclama ser Deus Celeste para representar Jesus Cristo, ele também tido entre os helénicos como o purificador e redentor, conjuntamente com Latona, deusa equiparada a Ísis, como mãe de Deus, salvadora dos homens. No híbrido cortejo, após a Serpe segue-se o carro da Herva e o Boi Bento , aquele reprodutor e sinal permanente da rendação da Terra e o boi (touro), o da fecundidade imparável. Cenário processional que aponta para o vigor regenerativo, força telúrica natura, epifánica, emblemática, que remonta ao princípio do milénio antes da nossa era. p. 650 do “Dicionário dos Símbolos”, de Jean Chevalier. Assim o touro é o paredro (da vaca genetriz), o criador fálico, o animal solar (com o colar helióstico ao pescoço), conforme assinala, revela a figura reproduzida da imagem do animal no guião (o bobino que representa os deuses celestes na região Indo-Mediterrãnea e tudo causado pela actividade imparável do deus Urano, deus celeste equiparado ao deus Tauro). O Touro é um deus Védico, assim como a vaca. Aquele identifica-se com a conteslaçâo da Ursa Maior, com a qualidade de criador, fertilizador inesgotável, divindade cósmica que associada à vaca animará todo o ser vivo. Era visto entre os Védicos como pedestal, suporte do mundo, assim como entre os islamistas e povos orientais. Era considerado por certos povos indo-europeus como o sustentáculo do peso da terra, desempenhando papel idêntico ao dos elefantes, o carreteiro, o jungido, o atrelado ao plaustrum, carro rural por excelência dos romanos, ou o “currus triumphalis” que conduzia os generais romanos em seu triunfo: de estrado circular, fechado, cheio de decorações vitoriosas, além do carro de origem gaulesa, denominadao “ Benna” e o romano Boa “Petorritum”.

Ora, o lugar “onde hoje está situado o castelo com a sua civitas e o hierónimo Santa Maria surge como ponto tradicional de referência, de grande acção centralizadora e não é motivo para nos espantarmos muito, sabendo nós que a civitatis sanctae mariae, ou civitas sancta maria, são todas referências relativas ao mesmo santuário, dunum céltico e de oppidum romano ”. págs. 35-38, in “Vilada Feira-Lusitano-Romana”, Revista Douro Litoral. Todas as citações - em mais de vinte e sete documentos, anteriores a 1117, relativas às terras de Stª Maria - omitem o vocábulo Feira, sinal de uma calculadada cristianização que passaria pela eliminação de teónimos de deuses locais pagãos e da reconversão do próprio local em santuário cristão. A construção da ermida de Stª Luzia, no interior do castelo (entretanto demolida e que se situava junto ao poço), é exemplo sintomático de substituição do deus da luz, Lugo, por uma nova divindade a venerar, como padroeira da vista, além da capela erigida em honra de Nª Srª da Encarnação, anexa ao castelo. O nosso estudo em relação às lápides votivas e ao locus do seu achado foram dissecadas, anteriormente, por Arlindo Sousa, in “Povoamento Medieval de Entre-Douro e Vouga (Fontes Toponomásticas)”, Lisboa ,1961, p. 7, afirmando, desde logo, que “Santa Maria é denominação cristã . A designação proto-histórica, isto é, pré-romana, foi substituída”. Segundo o nosso parecer era feriae, surgindo o novo teónimo indígena Bandevelugo na Lusitânia por influência celta e por assimilação de deuses romanos. Conforme refere o autor, “(...) o próprio nome Feira, que surge a primeira vez, num documento de 1117, parece relacionar-se com um antigo fórum romano, ou magus céltico, lugares de reuniões políticas, religiosas, comerciais, etc.”. Reafirma também que no interior do castelo terão sido venerados aqueles deuses em santuário, o que contribuiu muito para a grandeza local e para o seu povoamento acentuado. Daí que apareça mais tarde como eixo central de uma civitas, cujo nome antigo, proto-histórico, foi substituído pela invocação cristã de Santa Maria. Camilo Castelo Branco, no seu livro “O Santo da Montanha”, descreve a festividade em Braga, em honra do Santíssimo Espírito, destacando que o desfile processional católico integrava, estranhamente, outras figuras pagãs como Júpiter, Baco (na figura de bode), Juno (de vaca), Pélion,

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acreditar que a sua utilização era especificamente aproveitada para os fins de oblação e imolação de animais durante o rito cerimonial do sacrifício das referidas vítimas. Temos informação segura que nos sarcófagos minóicos foram perfurados buracos no seu fundo para permitir a drenagem de líquidos, e só no fundo. Os mesmos só teriam de altura 1,37, de comprimento 1,38 por 0,45 de largura e neles seriam depositadas cadáveres por um periodo de qurenta dias, findo dos quais eram removidos para um ossário. Os dois sarcófagos assinalados têm um comprimento e largura que excede ainda hoje, em muito, as medidas formatizadas das próprias tumbas ou túmulos humanos. O sarcófago a nascente tem dois orificios ao alto e na base, enquanto o do poente tem apenas aberto um orifício na parte superior lateral direita. Aqueles buracos permitiam a drenagem de escorrências líquidas como sangue e gorduras, além das lavagens e das próprias águas pluviais. Não foram achados quaisquer lápides ou escrita junto aos mesmos, nem ossadas humanas.

É conhecida a docilidade e beleza do boi e da vaca da raça marinhoa, da nossa região, tão bem domesticados, que bastava um olhar, um ligeiro toque ou remoque ou uma ligeira pancada nas hastes para os meter no bom caminho. págs. 66 a 72 do livro”Ciclo do Carro- de Bois no Brasil” de Bernardino José de Sousa - Companhia Editora Nacional -São Paulo - l958.

DA IMOLAÇÃO DO CULTO DEÍSTA EM FERIAE NO FORUM DO DEUS TAURO

A exposição ao ar livre no interior do castelo de três sarcófagos junto à fonte serão provavelmente duas delas, as situadas a nascente e poente, destinadas a recolher as carnes das partes esquartejadas dos animais bobinos ou caprinos sacrificados naquele santuário ao deus Tauro/Vaca, Bande e Lugo e a outros. A dimensão anormal das medidas das mesmas (2,8 m de comprido, por 0,65 de largura e 60 cm de altura), comparada com a reduzida altura do homem de então, leva-nos a

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Ora, nas FERIAE LATINAE, em Abril, no Latium, imolava-se uma vitela branca sem mancha, que ainda não tinha trazido o jugo e a sua carne era partilhada pelos deputados da confederação latina. Não participar dela implicava ruptura do laço que unia as cidades entre si. Uma trégua era proclamada por toda a duração da festa e as alianças eram renovadas. Estamos aqui, segundo Warde Fowler, em presença duma das mais antigas e belas concepções da raça latina, que em cada ano reconhece a sua comunidade de sangue e sela-a pela participação do sacrifício em comum de uma mesma vítima sagrada, entrando assim os diferentes povos em comunhão com o deus, a vítima, e uns com os outros. Págs. 14 e 15 do “Curso de Liturgia Romana” -Volume II, Liturgia Sacrificai da Padre António Coelho -Edição da Revista Opus Dei,103, Rua Nova de Sousa, 1C Braga-1927 - Volume I. Há que ter em consideração a distinção entre mercado, açougue e feira. Na realidade, vários termos designavam o termo mercado. Além da palavra mercado, de origem latina, há palavras de origem árabe do mesmo sentido: açougue ou fangas, que se realizavam diariamente, enquanto o mercado, espécie de feira, era semanal. Por sua vez, o que distinguia o mercado das feiras era que estas só tinham lugar uma vez por ano ou mensalmente. Ora, a feira nasce na Idade Média, como mercado mais alargado e evoluído, bem como pela necessidade de promover a troca e a comercialização de produtos entre o homem do campo e o da cidade, nos pontos de concentração populacional e de cruzamento de vias. Daí o aparecimento de portagens, do azemel, recoveiro, caminheiro e carreteiro e a eclosão das feiras com carta de foral, como Ponte de Lima em 1125, Vila Mendo em 1129, da Guarda em 1255 e da Covilhã em 1269, outorgadas e criadas por prerrogativa monarca. Feira não é sinónimo de mercado, aliás vocábulo esse inexistente em termos latinos, nos tempos dos romanos e mesmo no período da romanização, havendo unicamente o vocábulo latino nundinae-arum, que se traduz e corresponde a mercado. O termo feira tem origem em França e em plena época medieval, tendo ploriferado em todo o território gaulês nos séculos XI e XII. Daí que esse topónimo feira tenha sido impresso e divulgado, pela primeira vez, na nossa língua, por Dona Teresa, viúva do conde D. Henrique, pai de D.Afonso Henriques, referido num documento de 1117 “Facta carta in Terre Santa Maria, ubi vocante Feira...”

O vocábulo inferiae (p...) correspondia, por sua vez, em Latim, a oferendas e a sacrifícios praticados no santuário pela morte de alguém que era colocado num sarcófago durante quarenta dias seguidos, findos os quais se procedia à retirada dos ossos. Tudo leva a crer que o sarcófago do meio, com o topo rasgado em forma de cabeceira, se destinaria exclusivamente ao enterramento ou deposição temporária dos cadáveres. Os sacrifícios judaicos eram a preparação, a antecâmera ou prenúncio da realizaçao do mistério de Cristo. O fim principal de todo o sacrifício, seu significado e valor, era adorar o criador, reconhecer o supremo domínio sobre todas as criaturas, prefigurando o sacrifício do mediador, seu Filho Jesus Cristo. Nos sacrifícios patriarcais Jeovah ordenou aos amigos de Job, após discussão entre eles, que lhe oferecessem um sacrificio expiatório de 7 touros e 7 carneiros, e a Moisés, depois da promulgação do Decálogo, no Sinai, ordenou Deus a oferenda de holocaustos e a imolação de touros em sacrificio de acção de graças, espalhando a metade do sangue sobre o altar e que aspergisse a outra metade sobre o povo dizendo: “Este é o sangue da Aliança que Jeovah concluiu convosco (Job XLII, 8 ). Nas leis sobre os sacrificios cruentos de holocaustos, destacam-se as previstas no Levi, I 1-17; Num XV,8-16 prescrevendo que as vítimas a imolar seria um bezerro com menos de um ano e um touro que deveria ter mais de três anos. Os sacrifícios especiais fixavam para a consagração um touro cujo sangue seria para ungir os sacerdotes na orelha direita e que, no sacrificio da VACA RUÇA, esta devia andar totalmente com pau de cedro e hissope. As cinzas era misturadas com água e destinavam-se a purificar a alma maculada. Os sacrifícios particulares eram ofertados durante o período de três grandes festas do ano e, outros, em diferentes épocas, sobressaindo as festas da Lua (Neomèniae) com o sacrificio de dois touros, um carneiro e sete cordeiros, em holocausto com oblações, assim como na Páscoa e Pentecostes. Na festa do Tabernáculos eram sacrificados treze touros. Seguia-se o banquete ritual, em que a carne da vítima era distribuída entre os oferentes e comida antes dos restantes presentes.

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é, seria reconhecida e gratificada pela atribuição de uma feira franca através de uma carta de foral, enquanto os concedidos por D. Afonso Henriques foram a Coimbra e a Soure. A concessão das primeiras feiras francas é inerente ao privilégio realengo em carta da Feira, diploma próprio, independemente do foral concedido à povoação. A periocidade entre um mercado e uma feira advém pelo facto de no primeiro se fazer a venda dos produtos em tendas fixas ou móveis, em bancos ou no chão, na praça, rossio e arrabaldes, sempre fiscalizado por alcaides, meirinhos e almoster, que aferiam os pesos e seu tabelamento, sendo taxados por portagens, octavas e alcavalas. As feiras ocorriam por ocasião das festividades e cerimónias de culto, romarias, incentivadas pela própria Igreja que desepenhou um papel determinante na sua eclosão e manutenção. As cartas das feiras marcam e estabelecem o prazo da feira em relação a uma festa, seja na Páscoa, na Natividade, no Corpo de Deus, ou na festa do santo padroeiro, como é o caso dos “Vinte das Fogaças”, em honra de S. Sebastião, padroeiro de Santa Maria da Feira. “História- 10º ano”, de António M. Matoso e Francisco Costa Araújo, Maio, 1989, Areal Editores. As feiras, por exemplo, de Palmela, Trancoso, Celorico, Alcácer, eram protegidas pela paz, pela trégua, proclamadas pelo período da feira, na própria carta, sendo proibido quaisquer actos de vingança, hostilidades e até de prisão, o que perpetua e consagra o local da feira como ponto de encontro e reencontro pacificantes, em tudo semelhantes aos vigentes na altura pré-romana e romana. Diga-se, de resto, que um eventual mercado no início da nacionalidade ocorreria, certamente, no interior do prórpio castelo e, posteriormente, no rossio da própria Vila, o que por sinal ainda ainda hoje se verifica com Santa Maria da Feira. Assim o aditamento e a associação posterior da palavra Feira à denominação de Terras de Santa Maria é ditada por exigências superiores de centralidade, bem como pólo centrifugador e aglutinador das diferentes gentes das terras vizinhas, pelo que houve necessidade de a relevar, distinguir e diferenciá-la de outras com idênticos cognomes, caso de Santa Maria de Lamas. “Nos nomes de cinco dos dias da semana usa-se, como é sabido, um adjectivo nu meral a concordar com o vocábulo fei ra, por motivo ainda não completamen te esclarecido e

Estas feiras medievais tinham uma paz especial, a paz da feira, que proibía toda qualquer espécie de vingança, em tudo igual à imposta, séculos antes, nas ditas feriae celtas e romanas, precisamente no local do campus céltico ou forum do oppidum romano, ou seja, no espaço do castelo da Feriae. Discordamos em absoluto que a origem semântica do topónimo Feira de Santa Maria derive do vocábulo latino “feria-ae”, mas sim de feriae-arum (festas), com o significado de período consagrado ao repouso, às festas, aos dias de paz, de tal forma que “a quotidiana luta pela vida ficava suspensa, as diferentes classes da sociedade, incluindo os escravos, esqueciam os abismos que as separavam, pelo que durante as férias latinas até as cidades que tinham guerra entre si celebravam sacifícios em comum”. págs. 966 e 967. in “Dicionário Etimológico da Lingua Portuguesa”, 1ª edição, José Pedro Machado, 1952, Editorial Confluência. Refere o mesmo autor que já um estudioso, de seu nome Du Cange, já tinha analisado esta questão semântica nos seguintes termos: «Singuli dies hebdomadis dicti, ut est apud Hieronymum non quod in iis feriandi necessitas incumbat, sed a septimana Paschatis, quae erat immunis ab opere faciendo et feriata», Glossarium, s. v. feriae. Cf. também : Hans Rheinfeld er, Kultsprache und Profansprache in den romanischen Ländern, p. 436 (Florença- 1933). Séc. XII (1117)1 : «Facta carta in ter ra Sancte Marie, ubi vocante Feira...», em João Pedro Ribeiro, Dissertações Cro nológicas, I, p. 246 da i.a ed., p. 253 da 2.a. A referência em anotação - p. 967, relativa ao topónimo Feira, em 1117 - feita pelo dicionarista José Pedro Machado, negando ser verdadeira a afirmação da Drª Virgínia Rau que a feira de Ponte de Lima fosse a primeira a ser criada por carta de foral, em 1125, não é aceitável, nem condiz com a verdade histórica, versão esta assegurada, de resto, por diversos historiadores. De facto, Ponte de Lima foi a primeira feira portuguesa a ser reconhecida com carta de foral, seguindo-se Vila de Mendo (1129), Guarda( 1255), Covilhã (1269) e somente, em 27-06-1407, é concedida carta foral de feira a Santa Maria da Feira por D. João I. Se fosse verdade, que houvesse uma grande feira, à terra de Santa Maria teria sido concedido, de imediato, carta foral de feira régia, como reconhecimento óbvio do contributo dos homens nobres das terras de Marnel e de Santa Maria da Feira, na afirmação da conquista do reino de Portucale, isto

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Glosário

ANTUANA - Os celtas possuiam santuários em sítios altos, fora do vulgar. Deusa cultuada na cidade de Cádiz, Espanha, pela abundância da pesca de atum. BALOR - Avô guerreiro morto pelo próprio neto, o deus Lugo. BARDOS - Poetas da Gália. BOA, AS, ARE,VEL BACU,BOIRE - Antigo-mugir da vaca. BOALIAI-IUM - Festa de turos que faziam os Áticos aos Deuses dos Infernos e agora fazem os Ítalos em dia de Entrudo. BOAND - BO VINDA - Vaca branca (Brigth-muito alta) - no supra indicado livro. No livro “A Civilização Celta”, de François le Roux e Christian-JGuyon varc - editado pelo Forum da História das Publicações Europa América - a deusa Banda era cultuada e tida como mulfifuncional na Irlanda Céltica, metamorfoseando-se noutras divindades, como mãe, irmão, filha de deus, conforme consta na nomenclatura dos teónimos e cognomes elencados no referido livro. BOATIM E BOVATIM - Advérbio de modo-muger, modos de boi. BOATUS-US - O mugido de boi. BOBULUS-A-UM - Coisa de boi ou vaca. BOCCAE-ARUM - Bois marinhos. BONASUS-I - Boi silvestre. BOOPS-OPIS - Peixe chamado olho de rei. BOOTES-IS,VEL, BOOTA - O boveiro, a Estrela Boeira. BOPES-IS - O que tem olhos de boi. BOVACIDIUM - A matança de bois. BOVALIA-IUM – BOALIA - Caça de touros, montada de touros. BOVATIM OU BOATIM - A modos de touro. BOVILLAE – ARUM - Lugar onde se vendem os bois. BUBULCIOR-ARIS - Guardar os bois. CÚCHULAINN - Apelidado de Setanta, é filho de Lugo (céltico). DAGDA - Guerreiro céltico imortal. EPÓNIMOS - Da Irlanda - três Macha, três Morrigan, três Bodb, três epónimos, símbolos da Trindade Divina. ESUS - Deus céltico; correspondente a Júpiter no aspeto sacerdotal. FEIRA - Do francês foire; do latim, forum,praça; de fero, erre, levar. Lugar onde concorrem em certos dias da semana,

ainda menos provado, se bem que tenha já merecido alguns estudos”. Giacinto Manupella, “Os Estudos de Fi lologia Portuguesa de 1930 a 1949”, no Índice de assuntos, s. v. hemeronimia, p. 238. Por sua vez, Gerhard Rohlfs, estudioso da Língua Portuguesa, terá concluído que foi através do sistema enumerativo que a igreja oficial portuguesa terá conseguido, através dos séculos e com uma propaganda feroz, liquidar, com sucesso total, as denominações e os cultos pagãos. A denominação feira - conforme explicita o “Novo Diccio-nario Critico e Etymologico da Lingua Portugueza”Francisco Solano Constancio, 2ª edição, Paris, Angelo Francisco Carneiro, Editor Proprietario, 1844 - é um vocábulo francês, acolhido pela Língua portuguesa: “Feira s. f. (do Fr. foire, do

Lat. fórum, praça, de fero, erre, levar), lugar onde con correm

em certos dias da semana, do mez ou do anno, mercadores

ou lavradores a venderem generos e productos da agricultura

ou da industria. Em Allemanha ha feiras de livros, em que se

ven dem as obras recem publicadas no paiz”.

(...) “FEIRA, s. f. (Lat. feria, dia de sacrifício, ou festivo, de

fero, levar, isto he, as victimas), junto aos numeraes segunda

até sexta, designa os dias da semana, partindo de domingo e

rematando no sabbado. Estas denominações adoptadas pela

Igreja forâo introduzidas em Portugal, e substi tuirão os nomes

dos dias da semana usados pela maior parte das nações da

Europa e da Asia, e conservados ainda hoje em Castelhano

, Francez, Italiano, Allemão, Inglez, etc. Segunda feira

corresponde a dia da lua; terça -, a dia de Marte ; quarta-, a

dia de Mercúrio ; quinta-, a dia de Júpiter; sexta -, a dia de

Venus”. Em resumo: houve uma ligeira modificação semântica retirada na Idade Média ao topónimo FERIAE, parecendo haver, assim, um divergência terminológica radical, mas tal não se verificou. O que ocorreu foi que o mesmo signo foi decomposto em duas faces, dois significados correlacionados e, quanto muito, reestruturado como FEIRA, mercado amplo, enquanto o signo de Feira de Santa Maria foi recuperado, correspondendo primordialmente a dias de festas religiosas, de paz, de luta pela vida suspensa, de confraternização e de trégua entre as cidades, no santuário do castelo. Não são os SETE SÓIS e SETE LUAS, reminiscências da “septimana Paschatis, quae erat immunis ab opere faciendo et feriata”?

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GUTTUR - A goela, a garganta (céltico). GUTUATRI - Aqueles que rezam, que invocam (céltico) LOCUS- ( vocábulo latino) - A montanha, a colina, o sítio defensivo, o bosque ou defesa consagrada a algum Deus. LUGUS - Deus Celtibero, Lugus-us, divinizado como o Luminador entre os povos Celtas, cuja distribuição coincide com a pré-romanização e povoamente celtibero na Galiza e Norte de Portual, como nas Beiras e Alentejo. Esta divindade é a que guarda as maiores semelhanças em todo o mundo Céltico da Europa Central e Insular, pois que Lugus aparece em todos os ciclos Irlandeses e Galeses e é reconhecido nas aras e dedicatória romanas. Tem funções semelhantes às divindades Romanas, Mercúrio e Apolo entre outras, multipicidade na unidade. MANANAN E MIDIR - Irmãs da Rainha Medb, soberana de Connaught. NEMEACUS - O Deus dos bosques, consagrado à deusa Nemea-ae. Local de adoração à mesma deusa. NEMETON - Bosque sagrado, centro iniciático ou centro espiritual conhecido por Donun. NUNDINARIUM FORUM - Mercado célebre que se faz com certos privilégios. NUNDINATOR-ORIS - O que trafica na feira ou à maneira da feira. in. Lexicon Latinum NUNDINUM-I - (n)- feira - in. Lexicon Latinum OENGUS-a-um - Coisa do Rei Eneo. Era filho de Dagde e de Boan (Bo) vinda-vacas ÓGMIO - Condutor, o privilegiado, o dedetentor da lança mágica(céltico). OMPHALOS - Centro mais do que templo, como é o caso do castro, castelejo e castelo da Feira consagrado ao deus Tauro. SACER - Coisa sagrada, dedicada a deus, o ser ou o objeto sacer, que não pode ser tocado, sem manchar ou ser manchado, o impuluto que é sacrificado. SACRES - Porci-leitões de 10 dias levados ao sacrifício. TARANIS - Raio, trovão, representa os milites Gauleses, o aspecto terrível. TAUREUS-A-UM - Coisa de Touro, item a Neptuno, a quem sacrifica um Touro (Prosódia). A indentificação de Toiraecus -Tueraeus tem uma origem comum, de completude, raiz comum. TAURI CORNIS, TAUROEPHALO TAUROCEROS E TAUROMORRHO - sobrenomes de Baccho, que se representava com cornos de touro. TAURIAS - Festas em honra de Neptuno. Tauriceps.

do mês ou do ano, mercadores ou lavradores a venderem géneros ou produtos da agricultura ou da indústria. Fls 544 “Novo diccionário critico e etymológico da Lingua Portugueza”, por Francisco Solano Constancio, 2ª Edição, Paris, 1844. FEIRA - Mercado célebre que se faz com certos privilégios. Nundina:, arum, f. pl. Cie. Nundinum, i, Liv. Lugar onde se faz a feira. Emporium, ii, n. C Nundinarium fórum. Plin. Pertencente às feiras, Nonnarius, a, um. Plin. Nundinal;s, e. Plaut. Tra/ici vender e comprar nas feiras. Nundinari. Cie. ila feira. Nundinas esse. Cie. FEIRA, OU FERIA - Nome de cinco dias da semana. Segunda, terça, quarta, quinta, sexta feira. Li dies. Dies Martis. Dies Mercurii. Dies Jovis. Dies Ve ris. FEIRA, OU FERIA, S. F. - Nome de cinco dias da semana. Segunda, terça, quarta, quinta, sexta feim, Lunae dies. Dies Martis (os Diccionaríos; os maúM dias: Inscripções), Dies Murcurii. Dies Jovis. Die» i Veneris.

FEIRA, S. - Do lal. féria (pouco vulgar no sing.). FEIRA, S. F. - grande mercado célebre, público. Nundinae,arum, f. pl. Mercatus, us, m. Qmui, j toda a Italia reunida para esta—, Magna par« Italiae stato mercatu congregata. Logar onde ie faz a —, Nnndinarium forum. FEIRA. s. f. Latim – Feria,dia de sacrifício ou festivo, de fero, levar, isto é, as vítimas. Junto aos numerais segunda até sexta partindo de domingo. Fls.544. “Novo diccionário critico e etymológico da Lingua Portugueza”, por Francisco Solano Constancio, 2ª Edição, Paris, 1844. FEIRANTE - Mercador de feiras. Nundinator, oris, Ouinet. Declam. FEIRANTE, S. M. - Mercado de feiras, Nundinator, oris, m. FEIRAR - Vender, ou comprar na feira. Ntmdin; Cie. Acção de feirar. Nundinatio , onis, f. Cie. FEIRAR, V. A. - Vender ou comprar na feira, Nundinari. FERIAE – FERIARUM, pl. - As férias (dias de guarda, dias con sagrados ao repouso, festas, férias; repou so, folga, descanso). FERIAS STATIVAE - Festas regulares. FERIATI DIES – Dias de férias ou de festas. FERIATUS-A-UM - (Coisa de festas), item quod feriatus. FERRO – Sacra: Virgílio. Sacrificar, fls.288, Dic. Latino-Português, Francisco A. De Sousa, 5ª Edição, Paris Librairie Aillaud. 1928. FILE - Vidente celta. FILID - Poetas da Irlanda, também sacerdotes que praticavam sacrificios. GUTH - A voz, A Cv. Celta de Françoise Le Roux fls 142 (céltico) .

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TAURICEPS E TAHREUS - Cognomes de Neptuno, tomados do estrondo das águas do mar, que parecem berrar como os touros. TAUROAMORPHO - Quer dizer parecido com o touro. Dava-se a este cognome a Baco porquanto o vinho, bebido com excesso,faz os homens semelhantes aos touros. Embravecidos. TAUROBOLIA OU TAUROPOLIA - Sobrenome de Diana, tomado dos crescentes, que lhe dão, como atributos, e que tem uma semelhança com os cornos do Touro. TAUROBOLIO- Sacrifício de um touro em honra de Cybele e dos grandes deuses. TAUROPOLIA - Ou pela razão dos crescentes da Lua ou porque era adorado pelos Tauros. TAUROPOLIAS - Festas em honra de Diana. TAURUS- É traduzido na Prosódia, como Touro, o boi bovino, boi forçoso,valente, o signo de Tauro, o monte Tauro da Índia. TEUTATEA - Representa os quirites zeladores da civitas (Touta) (céltico). TOIRAECUS - A semelhança fonética com o vocábulo

tuereus é evidente, traduzindo o primeiro como local de oferendas, onde se sacrificam os bovinos, vaca ou touro, ao deus Tauro. Assim, deveria denominar-se, no futuro, a colina onde se ergue o castelo como o Mons Taurus. TOURO - Vitor Manuel Adrião, doutrinador do simbólico/esotérico português, no seu livro “Sintra Serra Sagrada, Capital Espiritual da Europa”, refere o ritual da morte (imolação) do touro em várias terras portuguesas (Barrancos, por exemplo, dizemos nós). Serão reminiscências do culto bodivo de Isis, para além da benção de animais e dos bois consagrados junto a diversas igrejas circulares ou votivas, como Sº Bento de Porta Aberta. Isis era tida como a “Vaca Divina”, ou ”nutridora Celeste”, simbolizando o touro a Mãe-Terra Vaca sagrada Bhumi (Fs 360-366). Assim os cultos bodivos, ou taurobólios, eram na Atlântida exercidos por sacerdotes e sacerdotisas de Mu-Isis. VATIS-ES, VATES - Adivinhos (arte augural) e medicina (mágica, sangrenta e vegetal) VE - Vocábulo, forma clássica de vel, conjunção disjuntiva ou advérbio de modo latino, cuja tradução é a seguinte: e, de igual modo, ou, também, principalmente, fim .