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#12 - CRÍTICA · (Nuno Serra e Ricardo Cabral), a gestão orçamental portuguesa (Ricardo Cabral), os CMECs e o comportamento da EDP (Mariana Mortágua e Pedro Adão e Silva), a

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ÍNDICE

Esta edição da Crítica inclui dois estudos: João Camargo apresenta uma pro-posta de criação de vinte mil empregos na floresta, com o seu reordenamento e a reorganização da sua função económica, Eugénio Rosa analisa em detalhe a evolução da CGD, e Mário Bairrada discute as medidas da produtividade e o papel dos serviços nesse mistério.

Os artigos incluem vários temas: as medidas arbitrárias na banca europeia (Nuno Serra e Ricardo Cabral), a gestão orçamental portuguesa (Ricardo Cabral), os CMECs e o comportamento da EDP (Mariana Mortágua e Pedro Adão e Silva), a comparação entre as políticas para o emprego em vários países (João Ramos de Almeida) e a desertificação do mundo rural (Renato Carmo).

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ÍNDICE

EstudosIncêndios, Monoculturas e Alterações Climáticas: Criar 20 mil empregos na floresta, João Camargo .............................................................................................. 05

A Situação Atual da CGD e a sua Transformação numa Caixinha para Não Fazer Sombra à Banca Privada, Eugénio Rosa ...................................................................... 17

Na magna questão da Produtividade qual o lugar dos Serviços? Mário Bairrada ................................................................... 37

As contas públicasO verdadeiro teste ao saldo estrutural pode estar perto…Ricardo Cabral ............... 56

O andamento das contas públicas nos primeiros cinco meses de 2017, Ricardo Cabral .................................................. 58

CMEC e EDPOs famosos CMEC, Mariana Mortágua .......................................................................... 60

Mercado com pés de barro, Pedro Adão e Silva ........................................................... 60

União BancáriaA União Bancária morreu? Nuno Teles ......................................................................... 62

O BCE “manda liquidar” dois bancos italianos, Ricardo Cabral ............................... 63

Emprego e reformas neoliberaisDraghi, Temer, Macron e Centeno, João Ramos de Almeida ....................................... 66

Mundo ruralPopulação, serviços públicos e propriedade, Renato Carmo ................................... 71

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ÍNDICE

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JOÃO CAMARGO*

Quando o primeiro-ministro, António Costa, anunciou na Cimeira do Clima (COP22) em Marrakesh, que o país seria carbono neutro em 2050, a necessidade de avaliar o balanço dos emissores e dos sumidouros de carbono tornou-se mais importante para poder garantir (pelo menos) o cumprimento de tal promessa. Segundo o Relatório de Inventário Nacional Português de Gases com Efeito de Estufa 1990-2014, da Agência Portuguesa do Ambiente, o único sumidouro identificado no país são as mudanças de usos de solos e a floresta (LULUCF – Land Use, Land Use Change and Forestry).

As áreas florestais são sumidouros de carbono, acumulado em raízes, caules, folhas, microrganismos, ervas e solos, e processadores permanentes de dióxido de carbono para a produção de oxigénio e fotoassimilados na fotossíntese, que supera em muito a produção de dióxido de carbono fruto da respiração das plantas. Mas também é relevante saber que existem diferenças importantes entre florestas naturais e plantações florestais. A constituição de um ecossistema não se determina simplesmente pela plantação de árvores e tem um elevado nível de complexidade e interactividade com outras espécies vegetais, animais, com a água, microrganismos e nutrientes, em ciclos de longa duração que garantem uma reciclagem eficiente dentro do sistema. E o sumidouro de carbono não se limita às raízes, caules e folhas

Incêndios, Monoculturas e Alterações Climáticas: Criar 20 mil empregos

na floresta

ESTUDOS

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01. ESTUDOS

das árvores, mas também de outras plantas, em microrganismos e solos. Em vários casos, o nível de dióxido de carbono retido nos solos, onde se produzem as simbioses biológicas nas interfaces solo, água, raízes, microrganismos, é superior ao dióxido de carbono retido estritamente nas árvores. As plantações intensivas de árvores têm um nível de biodiversidade muito inferior ao das florestas evoluídas (climáxicas) e também um nível de captura e retenção de dióxido de carbono muito inferior. Além disso, as explorações intensivas de curta rotação (como ocorre em Portugal com o corte do Eucalyptus globulus aos 7 ou 9 anos de idade) implicam que o corte das árvores, posteriormente processadas na indústria da pasta de papel, não é dióxido de carbono que fique retido, mas que tornar-se-á em emissão líquida de gases com efeito de estufa. A mobilização de solos tão frequente no processo de plantação florestal transforma também o solo num emissor de gases com efeito de estufa e quebra ligações biológicas simbióticas, muitas vezes de forma irreversível. Adiciona-se ainda a aplicação de químicos emissores líquidos de dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa a uma equação que reduz crescentemente o carácter de sumidouro das áreas florestais.

A capacidade da floresta nacional ser um verdadeiro sumidouro de carbono, além de servir outras funções paisagísticas, sociais e económicas, não é independente da sua composição e ordenamento.

A FLORESTA EM PORTUGAL

A área florestal em Portugal é actualmente de 3 milhões e 182 mil hectares, mais de 30% da área do país, e o principal uso de ocupação do solo nacional.

Até 1995, a área florestal portuguesa apresentava uma tendência de aumento. Um dos maiores crescimentos em termos absolutos ocorreu entre 1875 e 1938, em que a área terá aumentado mais de 1 milhão e meio de hectares, com a promoção do montado no Sul e do pinhal no Norte. Em 1938 o governo do Estado Novo implementou o Plano Florestal Nacional, que em contraste com a perspetiva florestal governamental anterior (uma estratégia de conservação), começou a voltar-se para a produção (principalmente na fileira do pinheiro para resina). Este plano expandiu a floresta em cerca de 400 mil hectares, principalmente pinhal. Enquanto até 1938 era aos privados que cabia a principal fatia de plantação e orientação estratégica, a partir de então passou a ser o Estado a dominar a plantação, embora a propriedade continuasse a ser avassaladoramente privada (os Serviços Florestais plantavam em terrenos públicos e privados). Até 1989 o Estado foi o principal encarregado das plantações, com parcerias dos Serviços Florestais com a Portucel, na altura uma empresa pública. A área florestal máxima atingida em Portugal ocorreu perto de 1995, a seguir ao pico de área máxima de pinhal.

Em 2010, o eucalipto ultrapassou o pinheiro-bravo enquanto primeira espécie florestal em área.

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No último quarto de século, Portugal tem vindo a perder anualmente floresta a um ritmo médio de 10.000 hectares/ano. Em 25 anos, de acordo com estatísticas publicadas pela FAO (2015), o país perdeu mais de um quarto de milhão de hectares de floresta (254.000 hectares). Segundo a Global Forest Watch, Portugal é um dos 5 países do mundo que mais perdeu coberto arbóreo, com uma perda estimada de mais de 26% desde 2000.

A desflorestação foi acompanhada por um constante aumento na área de plantações de eucalipto nas últimas duas décadas e meia: há mais 321 mil hectares de eucalipto. A floresta nacional passou a ser uma grande plantação florestal, monocultural e com diversidade biológica reduzida, quer em espécies florestais e vegetais, quer em espécies animais. A área de eucaliptal total no país é de mais de 850 mil hectares, uma das maiores áreas relativas de eucalipto plantado do mundo (rivalizando com países como Brasil, China, Índia e Austrália, de onde a árvore é proveniente), e provavelmente a maior área relativa de eucalipto do mundo (9,2% do território nacional e 27% da área florestal). A produção florestal está maioritariamente direccionada para a produção de pasta de papel através da indústria da celulose, dominada pela Navigator Company (ex- PortucelSoporcel), pela Altri (Caima, Celtejo, Celbi e AltriFlorestal) e pela Europac&Kraft (a Renova pertence à CELPA mas tem um consumo marginal de celulose de eucalipto).

SUMIDOURO

Falando estritamente de armazenamento de carbono, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente, os stocks de carbono médios na biomassa dos eucaliptos (acima do solo), são menores do que os stocks de carbono dos pinheiros bravo e manso (Pinus pinaster e Pinus pinea), do que os dos sobreiros (Quercus suber) e do que das folhosas (carvalhos, bétulas, faias,…). Apenas na biomassa do subsolo é que o eucalipto apresenta alguma vantagem, mas esta parte das árvores representa pouco mais de 10% do dióxido de carbono armazenado. Uma floresta de eucalipto é uma floresta que armazena menos carbono do que uma floresta com as outras espécies presentes em Portugal.

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01. ESTUDOS

FONTE: APA (2015)

No que diz respeito ao dióxido de carbono armazenado nos solos, o eucaliptal perde na comparação com pinheiros, folhosas e arbustos até aos 20 cm de profundidade (onde está concentrada a maior parte do dióxido de carbono e da biomassa), e perde para também para os pinheiros, as azinheiras as folhosas e os arbustos entre os 20 e os 40 cm de profundidade.

FONTE: APA (2015)

INCÊNDIOS FLORESTAIS

Os incêndios florestais em Portugal são uma característica climática, mas o aumento nos últimos 30 anos foi cavalgante, acompanhando o aumento da área monocultural de eucalipto, o aumento do abandono, o aumento da temperatura e a redução da precipitação. Ao contrário dos restantes países mediterrânicos, comparáveis em condições de clima, cujo número de

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ignições e de área ardida vem-se reduzindo nas últimas décadas, em Portugal aumentaram as ignições e aumento a área ardida. Gigantescas manchas contínuas de eucaliptos, de pinheiro, mistas e matos são a principal explicação para esta realidade. A sua expansão faz-se muito à custa do abandono rural, não quantificado devido à falta de cadastro florestal. Matos, eucaliptos e pinheiros são as componentes combustíveis mais importantes nos incêndios florestais em territórios nacionais. Se os matos são os mais combustíveis, é preciso referir que os mesmos não são plantados, pelo que o seu controlo e remoção é assumido unanimemente. Se o inflamabilidade de pinheiros e eucaliptos é muito próxima, a realidade do incêndio no eucaliptal, com características mais explosivas e projecções com um alcance impressionante (podendo projectar cascas e folhas incandescentes centenas de metros e atingindo inclusivamente quilómetros distância) revela algumas características preocupantes desta espécie. O ecólogo do fogo da Universidade da Tasmânia (Austrália) David Bowman propõe que o eucalipto evoluiu para arder e queimar a concorrência, constituindo um manto de detritos como uma pira, provavelmente sobrevivendo aos incêndios e eliminando as espécies concorrentes. Stephen Pyne, da Universidade o Arizona, refere que “o Eucalyptus não molda microambientes desfavoráveis ao fogo, ou produz complexos combustíveis com pouca probabilidade de queimar regularmente, ou inibe os parâmetros ambientais que permitem o fogo livre. Queima rapidamente, avidamente, agradecidamente. Uma planta de fogo descobrira um continente de fogo. (…) Com o fogo, o género Eucalyptus e o género Homo encontraram uma causa comum e partilharam um futuro comum” (Pyne, 2015).

O Eucalyptus globulus é uma espécie muito resistente, com características admiráveis que lhe permitiram a sobrevivência, a disseminação e a expansão por vastas áreas do planeta. Uma dessas características é um problema grave para o território português.

Como faz todo o sentido, a espécie que domina a paisagem florestal é também a espécie que mais arde em Portugal, em particular nas áreas florestais desordenadas. A expansão

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01. ESTUDOS

das plantações florestais está associada a um abandono e a um estrangulamento dos pequenos produtores. A estrutura fundiária da floresta portuguesa é uma questão relevante, quando no Norte e no Centro do país predominam os proprietários de áreas pequenas (1 a 5 ha) e muito pequenas (menos de 1 ha), nas quais estão plantados sobretudo pinheiros e eucaliptos. Esta dimensão mínima é agravada pelo sistema da propriedade “indivisa” que retalha as propriedades por vários coproprietários. Estima-se que a área do território nacional abandonada e de dono desconhecido seja mais de 2 milhões de hectares, perto de 20% do território nacional e maioritariamente floresta. É na zona de minifúndio do Centro e Norte e no Algarve que se encontra a maioria desta área abandonada. Também é a área que mais arde. Portugal é o país da Europa com menor área florestal pública. A Europa tem em média 58,65% da sua área florestal sob propriedade e gestão pública, enquanto Portugal tem menos de 2%. Mais de 85% das propriedades florestais em Portugal têm menos de 5 hectares. 12% da propriedade florestal nacional é gerida sob um regime comunitário de baldios.

O eucalipto, instalado em áreas controladas pela indústria do papel mas principalmente em pequenos terrenos privados, (e também de donos desconhecidos e abandonados), ocupa esses terrenos não tanto pelas suas características naturais de planta invasora (embora tal também ocorra, e crescentemente), mas porque é plantada em largas extensões de floresta de forma desregrada e intensiva, seja pela fileira da celulose ou pelos pequenos privados que recebem as árvores da fileira da celulose. Além das emissões de gases com efeito de estufa, esta invasão constitui a transferência do risco de negócio da plantação de eucaliptal das empresas da fileira da celulose para os pequenos proprietários e para as suas propriedades, assim como para as populações que habitam essas regiões. E esse risco materializa-se sempre que as temperaturas aumentam, que a humidade cai e que o vento sopra, com o clima actual e ainda mais com os cenários futuros de alterações climáticas, mesmo nos mais optimistas (RCP 2.6, que implica um aumento de mais de 2ºC até 2100). As tragédias humanas são felizmente raras, mas quando ocorrem, são dramáticas, como ocorreu em Junho de 2017 em Pedrógão Grande, com a morte de 64 pessoas num grande incêndio que queimou 30 mil hectares.

A floresta arde, regride e recua em termos de evolução ecológica, é abandonada e degradada, forçando o ciclo do abandono - eucaliptização - incêndio - eucaliptização - abandono. Ainda assim, segundo a APA (2015), a floresta portuguesa é um sumidouro de carbono (com os anos dos grandes incêndios periódicos a representarem uma redução muito significativa no sumidouro de carbono).

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FONTE: APA (2015)

Segundo o professor Pedro Bingre do Amaral, Portugal perde em média mil milhões de euros por ano por causa de incêndios florestais.

DO VIVEIRO À FOLHA DE PAPEL: UM CICLO DE EMISSÕES ADULTERADO

A indústria da celulose tem elevada eficiência no seu processo industrial, nomeadamente no que diz respeito à energia (elevada eficiência, produção energética em excesso, queima do licor negro, subproduto do ciclo produtivo). Apesar disso, entre as 12 unidades industriais mais responsáveis pela emissão de gases com efeito de estufa, no país estão 4 fábricas de pasta de papel: o Complexo Industrial da Portucel em Setúbal, a Celulose Beira Industrial (Celbi), a Soporcel na Figueira da Foz e a Fábrica da Portucel em Cacia. Em 2014, segundo o Registo Europeu de Emissão e Transferência de Poluente, 6 fábricas emitiram 4.945.000 t de dióxido de carbono, 824 mil toneladas de dióxido de carbono por fábrica e por ano. Dos dados disponíveis, apenas as unidades de produção de energia eléctrica ultrapassam as emissões das unidades de celulose, com 886 mil toneladas de dióxido de carbono produzido por fábrica e por ano. O sector da pasta do papel é o terceiro maior emissor industrial de gases com efeito de estufa em Portugal. Está ainda associado ao sector a poluição crónica e aguda em vários rios do país, nomeadamente o rio Tejo, assim como a poluição atmosférica, sob forma de cheiros que se estendem em regiões inteiras do país.

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01. ESTUDOS

A propaganda do sector diz que o mesmo é “carbono neutro”, baseando-se no balanço positivo teórico da área florestal, e ignora a regressão da floresta nacional (com a consequente redução de captura de carbono) e os ciclos curtos das plantações florestais industriais (capturando dióxido de carbono durante 7 ou 9 anos para um abate antecedendo o processamento industrial com emissão) e, claro, os incêndios florestais que são emissão directa de gases com efeito de estufa. Se considerarmos a área florestal nacional como um sumidouro de carbono, o processamento industrial da pasta de papel é um dos maiores emissores de dióxido de carbono do sector industrial português.

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EMPREGOS NA FILEIRA, EMPREGOS NA CELULOSE

Segundo o Relatório de Caracterização da Fileira Florestal (AIFF, 2015), a Floresta empregava 78 mil pessoas em 2012, número em regressão no período em análise (2004-2012, recuando de 109 mil para 78 mil), principalmente nos sectores do mobiliário e da madeira. No mesmo relatório o sector que ocupa a maior área florestal (o sector da pasta e celulose) empregava apenas 10.600 pessoas, compreendendo emprego directo e indirecto.

Neste momento, segundo a CELPA, em 2015 o emprego directo no sector da pasta e da celulose está em declínio.

FONTE: CELPA (2015)

A ascensão do eucalipto na área florestal não corresponde a um aumento do emprego, nem na floresta em geral, nem no sector das celuloses. O declínio da área florestal explica o declínio do emprego geral na floresta, mas o aumento da área plantada de eucalipto não contribui sequer para o aumento do emprego no sector. Inclusivamente, o emprego por hectare de eucalipto é muito menos intensivo do que o emprego por hectare em outras monoculturas, nomeadamente de pinheiros (quer para seiva, quer para pinhão), que antecederam o eucalipto. É a ascensão e consolidação de uma espécie adequada à ausência e ao abandono da área florestal. A própria importância do Sector Florestal no Produto Interno Bruto, quer na área da floresta, quer na área de indústria de transformação dos produtos florestais, tem vindo a recuar.

FONTE: APA (2015)

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01. ESTUDOS

A expansão da área de eucalipto foi feita em muitos casos sob forte apoio público. Segundo a Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal, o PRODER (Programa de Desenvolvimento Rural – Continente) garantiu o financiamento público em pelo menos 17 mil hectares de eucalipto entre 2007 e 2013. Entretanto, a área de eucaliptal sob gestão das empresas da indústria papeleira diminuiu, depois de um pico em 2002 (de 188.895 ha), caindo em 2007 para 151.650 ha e mantendo-se relativamente estável desde então (153.256 ha em 2015). As áreas oficialmente plantadas pela indústria (fora das suas propriedades) evoluíram de 1.369 hectares em 2003 para 5.981 hectares em 2015. A expansão da área de eucalipto plantado não se faz sequer à custa de uma expansão da área gerida pelas celuloses, que estabilizou ou até contraiu na última década e meia.

POR UMA FLORESTA SEGURA, ADAPTADA E MULTIFUNCIONAL: REFORMA FLORESTAL E EMPREGOS PARA O CLIMA

O diagnóstico da área florestal indica claramente vários problemas que contribuem para uma degradação do território, da adaptabilidade às alterações climáticas e inclusivamente para a degradação do clima local numa parte muito expressiva do território nacional. A perda de floresta reduz ainda mais as características de sumidouro do espaço florestal e reduz a capacidade dos factores locais de atenuarem os cenários mais violentos de alterações climáticas. Os principais problemas da área floresta nacional são:

- O abandono

- Os incêndios florestais

- A conversão de áreas de floresta complexas em plantações florestais de curta rotação

- A redução da área florestal

- A expansão da área plantada de monoculturas, especialmente eucalipto

- O regime de propriedade florestal

- A falta de rendimento para os pequenos proprietários

- A baixa capacidade de intervenção pública e de área pública florestal

Todos estes problemas estão intimamente interrelacionados. Não haverá redução do abandono enquanto o rendimento for tão baixo que não permita plantar outra coisa que não eucalipto. Não haverá redução dos incêndios enquanto não se reduzir o abandono e não haverá aumento da área florestal enquanto se mantiverem os incêndios. A baixa área pública faz com que o actor principal na floresta seja a indústria da celulose e que a mesmo dite as regras da plantação, da exploração, do rendimento e do abandono. O abandono, por outro lado, impede uma intervenção pública eficaz.

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Para responder a estes problemas simultaneamente e para poder preparar a área florestal para um clima mais quente, mais seco e mais atreito aos incêndios florestais (e consequentemente à redução da área florestal, ao maior abandono, à expansão da área de eucaliptal e à redução do rendimento dos pequenos proprietários florestais), é preciso reduzir o abandono, mudar a composição das espécies da floresta e garantir rendimento aos produtores.

EMPREGOS

1. A primeira tarefa será realizar um cadastro florestal, para reduzir (ou inclusivamente acabar) com o abandono e repor o ordenamento territorial. Para tal, serão necessários pelo menos 3000 empregos para executar o cadastro florestal em dois anos. Findo este período estas pessoas estarão capacitadas para incorporar uns novos Serviços Florestais deslocalizados necessários para uma nova gestão pública da floresta. A separação do Instituto de Conservação da Natureza e Floresta (fundidos no governo anterior, decorrente da gigante fusão dos Ministérios da Agricultura e Ambiente) em Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade por um lado e Serviços Florestais pelo outro é necessária. Os terrenos que o cadastro concluir estarem abandonados ou sem dono deverão ser afectados ao Estado, e o mesmo deverá promover um programa de emparcelamento, negociado e organizado em conjunto com autarquias, pequenos proprietários locais, associações comunitárias rurais, associações de proprietários florestais e Zonas de Intervenção Florestal em funcionamento.

2. Possuindo e gerindo uma área florestal relevante, o Estado deverá tornar-se um referencial de ordenamento territorial, proteção contra incêndios e gestão de floresta multifuncional, de composição mista e com espaços de conservação protegidos por um nível adequado de vigilantes da natureza. Segundo a Associação Portuguesa de Guardas e Vigilantes da Natureza, existem neste momento 223 guardas e vigilantes da natureza para as áreas protegidas existentes, um número claramente insuficiente. Estima-se que para o actual nível de áreas protegidas seriam necessários mais 500 vigilantes. Para uma área pública expandida seriam necessários pelo menos mais 2000 vigilantes e guardas florestais.

3. A redução da área de eucaliptal (e pinheiro, e mistas de eucaliptal, principalmente desordenadas) é central numa estratégia para reduzir incêndios e emissões por essa via. A aposta em espécies diversas e autóctones – carvalhos, castanheiros, cerejeiras ou sobreiros, vidoeiras, entre outras – é uma escolha adequada a este objetivo, tendo ainda consequências secundárias positivas o fornecimento eventual de matéria-prima para a indústria nacional de móveis. Um dos objectivos principais de uma floresta num clima mais quente e mais seco é a conservação dos solos e da água, e tal deve ser muito bem equilibrado e prevalecente sobre objectivos produtivos. O incentivo destas práticas e espécies em áreas públicas e com apoio público poderia criar entre 5.000 e 10.000 empregos directos na produção e gestão florestal.

4. O reforço do combate aos incêndios florestais é também importante. Existem neste

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01. ESTUDOS

momento cerca de 6400 bombeiros profissionais e um total de 42500 bombeiros voluntários, que são os principais responsáveis pelo combate aos incêndios florestais. A duplicação do número de bombeiros profissionais, dedicados aos incêndios florestais durante o ano inteiro, seria um contributo inestimável para reforçar o combate aos incêndios, com a monitorização e conhecimento das áreas florestais, articulação com vigilantes, guardas da Natureza e Serviços Florestais, com apoio à projecção e planificação das novas áreas florestais diversificadas e mais resistentes aos incêndios. Poderiam assim criar-se pelo menos 6000 novos postos de emprego.

A necessidade de preparar o território nacional para as alterações climáticas tornar-se-á cada ano mais premente e evidente. Os incêndios florestais cada vez mais intensos e destruidores, as cheias cada vez mais rápidas e altas, os fenómenos climáticos extremos cada vez mais frequentes dão-nos o sinal da urgência de mudar território e economia para uma nova realidade. Podemos fazê-lo preparando-nos e com base em circunstâncias muito concretas dramáticas, como infelizmente ocorreu em Agosto de 2016 na Madeira ou em 2003, 2005 e 2017 no continente, ou adiarmos. O adiamento precipitará mais tragédias e a redução do potencial destas respostas poderem fazer mesmo a diferença para a vida de milhões de pessoas e para um território viável.

(Este artigo é uma adaptação e actualização de um artigo escrito para a campanha Empregos pelo Clima, que se propõem criar empregos para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa a zero a nível nacional nos próximos 15 anos - www.empregos-clima.pt)

REFERÊNCIAS

FAO (2014). GLOBAL FOREST ASSESSMENT, COUNTRY REPORT – PORTUGAL. FOOD AND AGRICUL-TURE ORGANIZATION, ROME

APA (2015). PORTUGUESE NATIONAL INVENTORY REPORT ON GREENHOUSE GASES, 1990-2014, SUBMITTED UNDER THE UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE AND THE KYOTO PROTOCOL. AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE, AMADORA

AIFF (2015). RELATÓRIO DE CARACTERIZAÇÃO DA FILEIRA FLORESTAL 2014. ASSOCIAÇÃO PARA A COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA DA FILEIRA FLORESTAL

CELPA (2015). BOLETIM ESTATÍSTICO DA INDÚSTRIA PAPELEIRA PORTUGUESA DE 2015. CELPA – ASSOCIAÇÃO DA INDÚSTRIA PAPELEIRA

CELPA (2013). BOLETIM ESTATÍSTICO DA INDÚSTRIA PAPELEIRA PORTUGUESA DE 2013. CELPA – ASSOCIAÇÃO DA INDÚSTRIA PAPELEIRA

CELPA (2010). BOLETIM ESTATÍSTICO DA INDÚSTRIA PAPELEIRA PORTUGUESA DE 2010. CELPA – ASSOCIAÇÃO DA INDÚSTRIA PAPELEIRA

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ICNF (2014). 6º INVENTÁRIO FLORESTAL NACIONAL – ÁREAS DOS USOS DO SOLO E DAS ESPÉCIES DE PORTUGAL CONTINENTAL. INSTITUTO DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E FLORESTAS

GLOBAL FOREST WATCH (2016). DISPONÍVEL EM WWW.GLOBALFORESTWATCH.ORG

PYNE, S. (2015). BURNING BUSH: A FIRE HISTORY OF AUSTRALIA. UNIVERSITY OF WASHINGTON PRESS

ACRÉSCIMO (2016). ASSOCIAÇÃO DE PROMOÇÃO AO INVESTIMENTO FLORESTAL. DISPONÍVEL EM

ACRESCIMO.ORG

A situação atual da CGD e a sua transformação numa Caixinha para não

fazer sombra à banca privadaEUGÉNIO ROSA

A situação atual e o que se está a passar na CGD devia merecer uma atenção muito especial por parte de todos os portugueses e, nomeadamente, por aqueles que defendem o banco público, como instrumento fundamental para o crescimento económico sustentado, para o desenvolvimento do país e para a independência nacional. Não basta fazer grandes declarações sobre o controlo público da banca, considerar que a CGD é uma peça fundamental para a recuperação económica do país, e depois não prestar a devida atenção em relação àquilo que está em curso na CGD. E tudo isto ganha uma importância maior quando a maior parte do setor financeiro português está já sob o controlo estrangeiro.

A CGD é atualmente a instituição financeira ainda líder, pois detém 22% da quota do mercado bancário. É sem dúvida muito importante recuperar e tornar a CGD rentável. E isto porque só assim é que a CGD, por um lado, pode gerar internamente capital para evitar que os contribuintes sejam obrigados a recapitalizar de novo a CGD face às exigências crescentes dos supervisores (BdP e BCE) e, por outro lado, consolidar a sua posição de banco líder, desempenhar a sua missão como grande banco público, e respeitar os direitos dos trabalhadores.

Neste momento, duas opções claramente opostas se confrontam na CGD e é importante que todos tenham consciência disso para não poderem dizer mais tarde que não sabiam. E essas opções são as seguintes: (1) A primeira, com a justificação de que para tornar a CGD rentável, é necessário fazer uma redução enorme de trabalhadores (despedimentos com “mútuo acordo”, despedimentos mesmo forçados, e pré-reformas) e fechar muitas mais agências. Esta opção, que parece ser a da atual administração utilizando para isso o plano de reestruturação

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cozinhado por António Domingues e aprovado por Bruxelas, a avançar, com a configuração que está em curso, transformará inevitavelmente a CGD numa “mini-CGD” ou numa “Caixinha”, embora os seus defensores afirmem desejar o contrário, deixando assim o campo aberto para a banca privada controlada por estrangeiros se expandir ainda mais e aumentar o seu domínio sobre a economia e a sociedade portuguesa; (2) A 2ª opção, aposta no aumento do negócio bancário (credito à economia e às famílias), na recuperação do crédito em risco, na redução dos NPL´s e dos “ativos não correntes detidos para venda”, etc., tarefas difíceis tendo em conta o contexto negativo para o negócio bancário, mas absolutamente necessárias para consolidar a CGD com grande banco público e para a tornar rentável de uma forma sustentada que parece não preocupar os defensores da 1ª opção mais interessados em cortar custos e em reduzir a dimensão da CGD.

Neste estudo procura-se identificar os pontos fracos (weaknesses) mais importantes da situação atual da CGD pois só assim será possível definir, de uma forma fundamentada, uma estratégia e medidas adequadas visando a recuperação e a consolidação da CGD. É a nossa contribuição para a reflexão, que pretende ser também um alerta, na defesa deste grande banco público e dos seus trabalhadores.

1. LIMITAÇÕES DO ESTUDO DEVIDO À INSUFICIENTE INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR DISPONIBILIZADA

A análise que se vai fazer tem limitações devido ao facto da informação complementar disponibilizada nos relatórios e contas dos bancos, apesar de ser muito importante para se poder avaliar a situação de cada banco e a qualidade da sua gestão de uma forma fundamentada, não estar normalizada (essa é uma responsabilidade do BCE e do BdP que, infelizmente, fogem a ela), o que permite que uns bancos divulguem um tipo de informação e outros não (ex.:crédito repartido por tipo de garantias, “write-off”, etc), e também que o mesmo banco divulgue num ano um tipo de informação e no ano seguinte já o não faça porque isso não lhe convém (ex. CGD que, em 2015, divulgou informação sobre o credito às micro e PME´s e, em 2016, sobre “write-off” mas que, em anos anteriores e seguintes, já o não fez). É uma perfeita “anarquia” a nível de informação complementar, o que se divulga nos relatórios dos bancos. E isto é grave porque, para quem conhece a realidade bancária, sabe bem que o mais importante não é sempre o que consta das contas oficiais, mas o que não consta delas e que muitas vezes se fica a conhecer através da informação complementar (o chamado Anexo às Demonstrações Financeiras) que muitos não dão a devida atenção porque dá muito trabalho analisá-las. O BCE, e o Banco de Portugal, como supervisores, deviam por cobro a isso normalizando a informação complementar, para criar confiança e segurança mas, infelizmente, não o fazem apesar da obrigação que decorre da IFRS7 e da CRR 575/2013, Parte VIII, do Parlamento Europeu e Conselho, dando cobertura a uma situação que só favorece os interessados na opacidade.

A CGD, como banco público devia dar o exemplo, mas infelizmente também isso não acontece, pois não divulga dados essenciais (ex. novo credito, ou seja, produção nova anual; credito a micro e

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PME´s e grandes empresas segmentado; credito repartido por tipo de garantias assim como o mesmo em relação ao crédito com imparidades, e o anulado por tipo de garantias, ou seja, os “write-off” realizados em cada ano e segmentados; carteira anual vendida, preço, e seu impacto a nível de contas individuais e consolidadas; etc.). E isto apesar de alguns destes dados serem publicados por outras instituições financeiras, e mesmo a CGD publica-os quando está interessada que sejam conhecidos, o que não colhe a justificação de confidencialidade.

É um alerta que se deixa ao BCE, ao Banco de Portugal e à administração da CGD para que seja normalizada a informação complementar que é fundamental também para se saber qual é a situação de cada banco e para se poder avaliar a qualidade da sua gestão de uma forma fundamentada, e também para se poder fazer análises da mesma instituição financeira em momentos diferentes e assim se poder avaliar a sua recuperação.

A confidencialidade da atividade bancária não pode continuar a ser utilizada para ocultar a má gestão e a gestão danosa, como tem acontecido, que depois é paga por clientes, investidores e até pelos contribuintes. É certamente incompreensível para a opinião pública que se divulguem, e bem, os nomes dos que têm dividas ao fisco e à Segurança Social, mas se oculte os nomes daqueles que não pagam os grandes créditos à banca que depois têm de ser pagos pelos acionistas, clientes e pelos contribuintes. E isso é ainda mais grave quando essa recusa é feita em relação à própria Assembleia da República. Se a atividade bancária fosse mais transparente certamente as administrações dos bancos sentir-se-iam mais responsáveis pelas decisões, e seriam certamente mais facilmente responsabilizadas pela gestão danosa, e os supervisores não poderiam utilizar, a nível da opinião pública, a desculpa de que não sabiam e que foram enganados, e por isso não intervieram no momento adequado.

2. O RISCO DA ELEVADA EXPOSIÇÃO DA CGD EM TÍTULOS E A POSIÇÃO DA ATUAL ADMINISTRAÇÃO

Um ponto fraco (weaknesses) da situação atual da CGD, prende-se com a sua elevada exposição a títulos. Embora a CGD não seja um banco de investimento, o certo é que tem uma elevada exposição a ativos financeiros (títulos), já que uma percentagem muito elevada do seu Ativo está aplicada em títulos. No fim de 2016, as aplicações em títulos (15.581 milhões €) representavam 16,6% de todo o Ativo liquido e, em 31.3.2017, essa exposição tinha aumentado para 18,2% (17.562 milhões €), o que é a mais elevada entre todas as instituições financeiras, e determina riscos elevados, pois o seu valor depende das flutuações do mercado (yields). Com a baixa da taxa de juro verificada na divida portuguesa, vários bancos obtiveram mais-valias importantes no 2º Trim.2017 vendendo divida, o que lhes permitiu “compor” o “Produto bancário” através de “resultados de operações financeiras”

Para uma melhor compreensão dos efeitos nas contas da CGD da elevada carteira de títulos transcreve-se a nota da pág 188 do relatório e contas de 2016, que esclarece como as variações no valor destes títulos se refletem nas contas: “Os ativos financeiros disponíveis para venda são mensurados ao justo valor…. Os ganhos ou perdas resultantes da reavaliação são registados

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diretamente em capitais próprios, na rubrica de “Reservas de reavaliação”, o que reduz o capital aquando de menos-valias. “No momento da venda, ou caso seja determinada imparidade, as variações acumuladas no justo valor são transferidas para proveitos ou custos do exercício, sendo registadas em “Resultados de ativos financeiros disponíveis para venda” ou “Imparidade de outros ativos financeiros líquida de reversões e recuperações” com efeitos nos resultados. Entre 2015 e 2016, as “Reservas de reavaliação – instrumentos de divida” passaram do positivo (+169,8 milhões €) para um valor negativo (-93,4 milhões €), e os resultados de operações financeiras diminuíram também de 345,8 milhões e para 79,4 milhões €. Entre o 1º Trim.2016 e o 1º Trim.2017, os resultados de operações financeiras passaram de um valor negativo de -98,1 milhões € para um valor positivo de +80,7 milhões €. Estes dados dos relatórios e contas mostram claramente a extrema volatilidade deste negócio e os riscos que representa para a CGD.

Entre o 1º Trim.2016 e o 1º Trim.2017, embora as imparidades de crédito tenham-se reduzido de 67,7 milhões € para apenas 28,3 milhões €, as “provisões e imparidades de outros ativos” aumentaram, no mesmo período, de 16 milhões € para 84,4 milhões €, o que determinou que, entre o 1º Trim.2016 e o 1º Trim.2017, as imparidades e provisões totais tenham aumentado de 83,7 milhões € para 112,7 milhões €, ou seja, registaram neste período uma subida de 34,6%.

Embora a divida pública tenha vantagens quer a nível do Ativo ponderado pelo risco (RWA) quer pelo facto de poder ser utilizada como colateral junto do BCE, no entanto face à sua dimensão (52% da aplicação em títulos) torna-se necessário uma análise cuidadosa do risco resultante desta elevada exposição a títulos (fazendo testes de sensibilidade) e, a confirmarem-se os riscos, medidas adequadas para os reduzir, pois o dinheiro dos contribuintes e dos clientes não deve ser utilizado para aplicações de elevado risco (especulativas), já que essa não é missão de um banco público. Não está clara qual a posição da atual administração e a sua intenção ou não em reduzir o risco que poderá criar no futuro maiores dificuldades à CGD e justificar mais cortes ou aumentos de capital.

3. O NEGÓCIO BANCÁRIO CONTINUA A CAIR E A NOVA ADMINISTRAÇÃO NADA TEM FEITO PARA INVERTER A SITUAÇÃO

Um outro ponto fraco (weaknesses) revelado pelas contas da CGD, é a continuação da queda do crédito concedido. Entre 2010 e 2016, verificou-se uma redução continuada (em todos os anos) do crédito quer bruto quer liquido, ou seja, do negócio bancário, que não foi invertida no 1º Trimestre de 2017. Entre 2010 e 2016, o crédito bancário bruto diminuiu de 84.517 milhões 68.500 milhões € (-16.017 milhões €) e o crédito liquido passou de 81.907 milhões € para 62.867 milhões € (-19.040 milhões €). E, em 2016, verificou-se a reclassificação de 2.276,99 milhões € referentes aos três veículos do BPN (ainda uma consequência da nacionalização do BPN que continua por se resolver) que estavam contabilizados em “Ativos financeiros disponíveis para venda” e que passaram a ser contabilizados em “crédito interno” conforme consta das notas 6 e 9 (págs. 211 e 219) do relatório e contas de 2016. Portanto, se deduzirmos este valor a redução do credito em 2016 ainda foi maior.

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No 1º Trim.2017, já com a nova administração, esta queda do crédito não parou pois, em 3 meses apenas, o crédito bruto diminuiu em -1.362 milhões € (passou, entre Dez.2016 e 1º Trim.2017, de 68.500 milhões € para 67.138 milhões €), e o crédito liquido reduziu-se em -1.309 milhões € (passou de 62.867 milhões € para 61.558 milhões €). Embora o relatório da CGD, à semelhança do dos outros bancos, se caraterize por falta de transparência nesta área, pois não são divulgados anualmente dados sobre a produção nova (crédito novo), sobre as liquidações, as amortizações e o credito abatido por segmentos, mesmo assim a conclusão imediata que se tira é que o novo crédito concedido continua a não ser suficiente para compensar o crédito que é liquidado, amortizado e abatido (write-off).

Esta redução continuada do crédito liquido, que se verificou também no 1º Trim.2017, determinou que a CGD tenha perdido quota de mercado. Entre 2015 e 2016, segundo o relatório e contas, não só a quota total de mercado diminuiu de 22,5% para 21,8%, mas também caiu em quase todos os segmentos: Empresas: passou de 19,8% para 18,8%; Particulares passou de 23,6% para 23%, reduzindo-se 0,4 p.p. na Habitação e no consumo diminuiu 0,3p.p.. Apenas aumentou no setor público administrativo que subiu de 33,3% para 34,4%. No 1º Trim.2017 parece ter havido uma inversão desta tendência que resultou do facto da contração do crédito a nível sector ter sido maior do que na CGD.

Se analisarmos a evolução do “rácio de transformação” ou de deslavancagem (crédito liquido a dividir por depósitos), um rácio que pode ser também utilizado para medir a eficiência da equipa de gestão, ou seja, a sua capacidade para fazer negócio, constatamos que, entre 31.Dez.2010 e 31.Março2017, passou de 121% para apenas 88,1%. Isto significa que, em 2010, a CGD por cada 100€ de depósitos que recebia emprestava, através do credito que concedia, 121€, enquanto no 1º Trim.2017 por 100€ de depósitos que recebeu emprestou apenas 88,1€ , ou seja, o valor dos depósitos é bastante superior ao credito que concede. E se somarmos aos depósitos as “responsabilidades representadas por títulos”, que são também recursos de clientes, este novo rácio, que designamos por “rácio de transformação-2” já baixa para apenas 83,3%, o que significa que por cada 100€ de recursos de clientes a CGD só emprestou (concedeu crédito) um valor de 83,3€. É também um indicador, se a diminuição for excessiva como acontece atualmente, de ineficiência de gestão que importa rapidamente corrigir, pois o “gap” comercial é cada vez maior.

O grande desafio que se coloca à nova administração, e que parece ser incapaz de o fazer ou não querer, é inverter esta quebra continuada do negócio bancário o que, embora difícil, tendo em conta o contexto económico e social negativo para a banca, é necessário e urgente. Por isso, um plano credível para aumentar o negócio bancário, que devia ser depois apresentado e explicado aos trabalhadores para os mobilizar para os seus objetivos, parece ser fundamental, o que ainda não foi feito pois os trabalhadores continuam a não o conhecer.

O que se tem verificado na CGD, de acordo com informações de trabalhadores, é a multiplicação de ameaças e de exigências que não se fundamentam nem se explicam a forma como podem ser alcançadas. A continuar com tal atuação criar-se-á na CGD um ambiente de insegurança e de desmotivação com consequências graves para a instituição e para os trabalhadores. É uma

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situação que deve ser rapidamente corrigida pois, caso contrário, é-se obrigado a concluir que o aumento do negócio bancário não constitui, de facto, uma preocupação importante para a atual administração da CGD.

Associada à situação anterior, segundo informação dos trabalhadores, tem-se verificado na CGD uma morosidade excessiva na aprovação de pequenos créditos que agora têm de ir ao conselho de administração e que, por vezes, são recusados. Compreende-se a decisão de controlar com maior rigor o risco, o que não se observava no passado e que determinou enormes prejuízos para a CGD. Mas a burocratização e morosidade do processo de concessão de crédito que se está a verificar, a manter-se, determinará a desmotivação quer dos trabalhadores da CGD (a quem cabe promover a concessão de crédito) quer dos próprios clientes levando-os a mudar de banco, como está a suceder. É um aspeto importante que deveria ser corrigido pois, caso contrário, o estrangulamento do crédito será ainda maior com efeitos graves para a recuperação e consolidação da CGD e para a economia e desenvolvimento do país.

4. A ELEVADA DISTORÇÃO NA CONCESSÃO CRÉDITO E SERÁ QUE ATUAL ADMINISTRAÇÃO PRETENDE CORRIGIR A SITUAÇÃO?

“Esquecendo-se” que era um banco público, financiado pelos contribuintes portugueses, e que por isso tinha uma missão que não coincidia com a dos bancos privados, a CGD promoveu, no passado, a especulação imobiliária e apoiou mais as grandes empresas, “desprezando” as micro e PME´s que constituem mais de 95% do tecido empresarial português. O quadro 1, com dados dos relatórios e contas, confirma esse facto.

QUADRO 1-EVOLUÇÃO E REPARTIÇÃO DO CREDITO TOTAL DA CGD EM PORTUGAL POR SEGMENTOS

Na CGD, o crédito a empresas representa apenas cerca de 1/3 de todo o crédito concedido em Portugal pela CGD, e é esse crédito que tem registado maior redução (entre Dez.2015 e Mar.2017, o credito total diminuiu -5,2%, mas o credito a empresas reduziu-se em -13,3%). Por outro lado, e isso aumenta a gravidade da situação, a análise do crédito concedido a empresas mostra que as atividades essencialmente produtivas – agricultura e pescas, e indústria transformadora – não têm sido as atividades mais apoiadas pela CGD. O quadro 2, com dados dos relatórios e contas, confirma precisamente isso.

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QUADRO 2 – CRÉDITO A EMPRESAS SEGMENTADO POR SETORES DE ATIVIDADE ECONÓMICA

Embora os dados dos quadros 1 e 2, relativos a empresas sejam diferentes (não incluímos os do 1º Trim.2017, porque a CGD não os divulgou), mas são estes os que a CGD divulga, o primeiro em relação ao crédito da CGD concedido em Portugal, e o segundo, embora não esclareça, deve ser o crédito concedido pelo grupo (o que mostra bem o tipo de consistência da informação divulgada pela banca em Portugal perante a passividade do supervisor); repetindo, embora com a falta de consistência referida, pois não se refere ao mesmo universo, mesmo assim os dados do quadro 2 permitem tirar algumas conclusões importantes, a saber: mesmo com a diminuição do credito à construção e à atividade imobiliária, a soma do credito concedido à “Agricultura, silvicultura e pescas e às Industrias extrativas e transformadoras” (4.310 milhões € em 2015, e 4.015 milhões € em 2016), continua a ser muito inferior ao crédito concedido à “Construção e atividade imobiliária” (11.411 milhões € em 2015, e 9.199 milhões € em 2016) ou às “Atividades financeiras e outras” (8.384 milhões € em 2015, e 8.772 milhões € em 2016). E embora a CGD não divulgue dados do crédito concedido a empresas segmentado por dimensão (um outro exemplo da opacidade existente na banca) é de prever que mais de 70% do crédito a empresas tenha sido concedido a grandes empresas. Este é também um outro ponto critico e uma situação que urge alterar pois não se adequa a um banco público como é a CGD mas que se continua a ignorar qual será a politica da atual administração nesta área fundamental para o país.

5. O ELEVADO CRÉDITO EM RISCO E A FALTA DE UMA AÇÃO EFICAZ PARA O REDUZIR

Um outro ponto critico (weaknesses) identificado pela análise das contas e que merece uma reflexão muito atenta é o elevadíssimo montante de crédito em risco e, associado a ele, a deficiente recuperação deste credito, já que não são divulgados dados concretos nos relatórios e contas sobre os resultados obtidos o que indicia que sejam reduzidos.

Como consequência de uma política de crédito em grande parte orientada para apoiar a especulação em que era dada à função de risco uma importância reduzida, a CGD acumulou enormes montantes de credito em incumprimento, em que uma parte já se transformou em

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perdas efetivas de crédito por se ter concluído, de uma forma fundamentada, que era impossível receber. Por isso, tiveram de ser abatidos ao Ativo e registados num contra extra-patrimonial (conta 991). Só em 2016, segundo o relatório e contas, foram abatidos (write-off) 1.993 milhões € na CGD que foram assim considerados totalmente perdidos.

Apesar dos elevados montantes de crédito abatido ao ativo, que normalmente são escondidos (ninguém sabe quantos milhares de milhões € de créditos totalmente perdidos a banca tem acumulado na conta extra-patrimonial “991. Créditos abatidos ao ativo” , apesar do seu conhecimento ser uma informação importante para avaliar a qualidade de gestão de cada banco, pois fala-se de credito mal parado mas não de crédito que já foi abatido dos balanços dos bancos que, por isso, não é visível, mas o seu valor é gigantesco); repetindo, apesar da CGD ter limpo do seu balanço, em 2016, 1.993 milhões €, mesmo assim, no fim do 1º Trim.2017, o rácio de crédito em risco era ainda de 10,4%, o que corresponde a 6.982 milhões €, um valor enorme. A recuperação do crédito em risco é vital para a recuperação da CGD, e para que ela possa apresentar lucros, e não continue a delapidação dos Capitais Próprios.

No entanto, apesar da CGD possuir duas direções de acompanhamento de empresas e de particulares para a recuperação de crédito – a DAE e DAP - estando afeta só a esta última 375 trabalhadores (em relação à 1ª não foi divulgada informação dos recursos alocados), o relatório e contas não apresenta quaisquer dados sobre os resultados da recuperação de credito em 2016 e no 1º Trim.2017, nomeadamente fluxos financeiros entrados. E era importante que constasse nos relatórios e contas esses dados, pois são um importante indicador da qualidade da gestão, já que no passado a CGD se caraterizava por fazer muito pouco para recuperar o crédito em incumprimento, o que determinou perdas enormes.

A importância da recuperação de crédito ainda se torna mais clara se tiver presente que só no período compreendido entre 2010 e o 1º Trimestre de 2017, a CGD registou 6.861 milhões € de imparidades a nível de crédito concedido e que, pelo facto desse crédito com imparidades não ter sido recuperado, uma parcela muito elevada tornou-se perda efetiva, o que determinou que no período compreendido entre 31.12.2010 e 31.3.2017, segundo as nossas estimativas, a CGD tenha abatido 3.755 milhões € de créditos que considerou irremediavelmente perdidos (write-off) e não apenas os 1.993 milhões € referidos nas contas de 2016: Estes créditos perdidos foram, na sua esmagadora maioria, transferidos para a contra extrapatrimonial “991.Créditos abatidos ao ativo”, onde estão ou foram vendidos a saldo (preço entre 2% a 4% do seu montante), e isto quando se consegue “vender”. Era uma informação importante que a Comissão Parlamentar de Inquérito à CGD devia pedir pois dar-lhe-ia uma informação importante sobre as perdas causadas pela gestão das administrações da CGD.

É desta forma que os bancos limpam os seus balanços e “perdoam” silenciosa e definitivamente grandes créditos a grandes clientes. Este é um processo que determina elevados prejuízos e uma enorme delapidação dos Capitais Próprios, o que, no caso da CGD, obrigou a sucessivas recapitalizações com dinheiro dos contribuintes.

Em relação ao facto da CGD ter abatido, no 3º Trim.2016, 1.993 milhões € (write-off),

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levantam-se algumas questões que interessaria analisar e esclarecer: Que devedores foram beneficiados, pois as suas dividas desapareceram, com aquele enorme montante de “write-off”? Por que razão para a administração de António de Matos que esteve na CGD até ao 3º Trim.2016 tal abatimento, segundo a metodologia de cálculo de imparidades que utilizava e que tinha o acordo do auditor e dos supervisores (BCE e Banco de Portugal), não era necessário, mas esse enorme “write-off” já se tornou-se necessário para a administração de António Domingues e de Paulo Macedo e, para além disso, teve-se ainda de constituir, em 2016, 2.396 milhões € de “imparidades”? Será que era absolutamente necessário abater todo aquele credito ao Ativo, ou alguma parcela desse crédito abatido, com um esforço sério, poderia ou pode ainda ser recuperado?. Porventura aquela “solução” foi escolhida por ser a mais fácil embora tenha tido custos elevados para os contribuintes e está a ter para os trabalhadores da CGD? Quem foi beneficiado com esta nova política de constituição de imparidades e de write-off? São questões que continuam por esclarecer mas que a comissão de inquérito parlamentar devia fazer.

No fim do 1º Trim.2017, as “Imparidades de crédito acumuladas” no Balanço ainda totalizavam 5.580 milhões € o que determinará que, se não se conseguir recuperar alguma parte deste crédito coberto por estas imparidades, ele também será abatido, e somado aos milhares de milhões € de crédito já perdido. Portanto, é necessário um plano para recuperar o elevado crédito em risco a fim de evitar que, pelo menos, a maior parte desse crédito não se transforme numa perda definitiva, e quanto mais tempo passar sem que medidas eficazes sejam tomadas, a perda efetiva será certamente mais elevada. E ainda não se viu nada de diferente feito pelo atual administração e também de resultados concretos.

Em 2018 com a entrada em vigor da IFRS9, as imparidades de crédito aumentarão automaticamente muito devido à diferente forma de as calcular nomeadamente as imparidades das chamadas populações homogéneas (deixarão de ser calculadas apenas as perdas incorridas e passarão a ser consideradas as perdas esperadas), em particular do crédito à habitação, cuja carteira representa 53% da carteira da CGD em Portugal, e 40% da carteira total do grupo no 1º Trim.2017 da CGD. A carteira de habitação tem um peso muito grande na carteira de crédito da CGD por isso as imparidades dispararão novamente, e os efeitos negativos serão enormes se a IFRS9 entrar em vigor já em 2018.

Embora este aumento significativo de imparidades não vá afetar a Conta de Resultados mas apenas as contas do Balanço (conta “imparidade acumuladas” e a conta de Capital “Reservas”) reduzindo os Capitais Próprios, no entanto, vai afetar os rácios de capital, reduzindo-os anualmente pois em cada ano será imputado no seu cálculo uma determinada percentagem do valor deste aumento de imparidades (eventualmente em 2018: 5%; em 2019: 15% etc.). Seria importante fazer essa estimativa desse aumento de imparidades e analisar os seus efeitos a nível de Capitais próprios e de rácios de capital, pois a CGD se não gerar internamente Capital através de lucros poderá ser confrontada com a necessidade de fazer novas recapitalizações devido às exigências do supervisor. A recuperação do crédito em risco torna-se assim mais necessária mas parece que não para a atual administração

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6. O AUMENTO ENORME DOS ATIVOS NÃO CORRENTES DETIDOS PARA VENDA E A POSIÇÃO DA ATUAL ADMINISTRAÇÃO

Um outro ponto critico (weaknesses) confirmado pelas contas do 1º Trim. 2017, é o aumento enorme verificada na rubrica “Ativos não correntes detidos para venda”, que são fundamentalmente constituídos por apartamentos, imóveis e terrenos, entregues por devedores em dação em pagamento de créditos que não conseguiram saldar. Entre 1º Trim.2016 e o 1º Trim.2017, o seu valor aumentou de 761 milhões € para 1.432 milhões €, ou seja, em 88%, o que é muito preocupante, mas que também dá uma ideia clara da situação económica e social muito mais real do que os discursos oficiais.

Este tipo de ativos junto aos NPL´s (em Março de 2017, os NPL´s atingiam 15,4% a nível de contas consolidadas, e 17% do credito total a nível da CGD-Portugal, o que é extremamente preocupante), portanto ativos de reduzida ou nula rentabilidade (a maioria deles apenas determina encargos para a banca resultantes dos seus custos de manutenção), são ativos que banca procura rapidamente desembaraçar-se até por pressão do Banco de Portugal, mas que vendidos à pressa e em saldo podem causar mais imparidades e mais prejuízos

Face a este crescimento “exponencial” dos “ativos não recorrentes detidos para venda” e ao elevado montante de NPL´s é fundamental uma política, por um lado, de venda deste tipo de ativos que não seja a saldo, pois isso causaria mais imparidades/prejuízos à CGD e, por outro lado, medidas adequadas para que os devedores, nomeadamente de credito à habitação em incumprimento, possam, com planos de pagamentos ajustadas ao seu perfil de rendimento, pagar o que ainda devem. A CGD, embora não possa ser uma instituição de caridade, também não pode ser, por ser um banco público, uma entidade que não tenha em conta as dificuldades conjunturais das famílias, o que exige uma política de recuperação de crédito pró-ativa, o que não acontecia no passado, e que se espera diferente no futuro, mas que faltam dados para avaliar a sua real efetivação (não constam do relatório da CGD quaisquer dados sobre esta matéria). E isto até porque a venda maciça de ativos não correntes e de NPL´s, embora reduza o RWA e possa gerar liquidez, tem o inconveniente, se determinar a constituição de mais imparidades, de “comer” capital (CET1) reduzindo os rácios de capital.

7. A REDUÇÃO DOS RECURSOS DE CLIENTES E O AGRAVAMENTO RECENTE DAS COMISSÕES

Entre o 1º Trim.2016 e o 1º Trim.2017, os depósitos de clientes diminuíram 3.792 milhões €, pois passaram de 73.935 milhões € para 70.142 milhões € continuando, apesar disso, a representar a principal fonte de financiamento da CGD (no 1º Trim. 2017, representavam 72,3% do seu Ativo liquido). No entanto, se incluirmos as “responsabilidades representadas por títulos”, que são também recursos de clientes, que diminuíram, entre o 1º Trim.2016 e o 1º Trim.2017, de 6.252 milhões € para 4.058 milhões €, ou seja, sofreram uma redução de -35%, a situação merece atenção.

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Entre o 1º Trim.2016 e o 1º Trim.2017, a CGD perdeu em recursos de clientes registados nestas duas rubricas, 5.987 milhões €. Esta redução nos recursos de clientes não é ainda mais grave devido ao facto de se ter verificado uma redução no crédito concedido o que determinou que o rácio de transformação, entre o 1º Trim.2016 e o 1º Trim.2017, praticamente se tenha mantido o mesmo (88,5% em 2016 e 88,1% em 2017). E o rácio de liquidez (LCR) aumentou, entre o 1º Trim.2016 e o 1º Trim.2017, de 159,1% para 229,7%.

Um rácio de liquidez (LCF) de 229,7% claramente excessivo (o Banco de Portugal exige atualmente 80%, sendo 100% a partir do inicio de 2018) acaba por ser também um indicador de ineficiência de gestão, pois mostra de uma forma clara a incapacidade de utilizar os meios disponíveis para aumentar o negócio bancário por excelência que é a concessão de crédito. É uma situação que devia ser também corrigida.

Uma última reflexão: a evolução dos recursos de clientes, embora ainda não gere preocupações não deixa de constituir um alerta em relação à política futura nesta área. E isto porque a CGD embora continue a ter excesso de fundos e de liquidez para o volume de crédito que concede, se quiser reduzir ainda mais o custo do “funding”, através da uma redução ainda maior das baixíssimas taxas de juro que paga aos depositantes, arrisca-se a perder muitos depósitos, ou seja, a sua fonte principal de financiamento. E se adicionar um aumento significativo das comissões aos depositantes, como se verificou recentemente, o risco é ainda maior. Os problemas nesta área são importantes e continua-se a desconhecer o que a atual administração tenciona fazer para os superar já que nada consta do PE-2020.

8. APENAS UMA PARCELA DO AUMENTO DE CAPITAL FOI PARA CAPITAL SOCIAL E O RISCO DE COM ISSO SE REDUZIR A CGD A UMA “CAIXINHA”

Uma análise dos Capitais Próprios à data de 31.3.2017, revela que os 7.827 milhões € que o constituiam naquela data se repartem fundamentalmente em 3.844 milhões € de Capital social (em 31.12.2016, eram 5.900 milhões €) e 3.166 milhões € de “Outros resultados e resultados transitados”, o que facilita o levantamento destes logo que a situação da CGD o permita, o que não seria possível se fossem integrados em Capital social. Será porque se pretende transformar a CGD numa “mini-CGD” o que determinaria menores exigências de capital?. É uma dúvida importante que interessaria esclarecer, pois ignora-se quais os objetivos do acionista mas não os da Comissão Europeia que é transformar a CGD numa “Caixinha” para não fazer muita “sombra” aos grandes bancos privados de agrado da Comissão Europeia.

Como consequência da forte recapitalização da CGD feita com dinheiro dos contribuintes, os rácios de capital da CGD registaram uma variação positiva importante, de acordo com o relatório e contas referentes a 2016 e ao 1º Trimestre de 2017, embora os valores da CGD continuem a não ser superiores aos dos outros bancos : CET 1: CGD: 2015: 10,9%; 2016: 7%; 1º Trim.2017:12,3%; (1º Trim.2017: BCP: 13%; BPI:11,9%; Santander-Totta: 15,3%); Rácio Total: CGD: 2015:10%; 2016: 8,1%; 1º Trim.2017: 14,2% (1º Trim.2017: BCP: 14,2%; BPI:13,3%). Como a análise revela, a recapitalização da CGD não resolveu os problemas da CGD, nem a deixou

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01. ESTUDOS

a salvo da necessidade de novas recapitalizações se o negócio bancário e os resultados positivos não aumentarem significativamente. E neste campo vital, a atual administração da CGD ainda não mostrou nada de novo.

9. O AUMENTO DO PRODUTO BANCÁRIO “CORE” À CUSTA PRINCIPALMENTE DA REDUÇÃO DO CUSTO DO “FUNDING” (JUROS DOS DEPÓSITOS)

Uma análise que é importante sempre fazer é a da variação do “produto bancário core”, ou seja, o “produto” que resulta por excelência da atividade bancária e que é constituída pela “Margem Financeira” e pelas “Comissões Liquidas” que são, por isso, mais constantes e menos sujeitas a grandes flutuações de ano para ano, como acontece com os “resultados das operações financeiras”, e depois comparar o valor obtido com os “custos operacionais”, para se ficar a saber que parcela (%) destes são cobertos pelo “produto bancário core”.

Entre o 1º Trim.2016 e o 1º Trim. 2017, o “produto bancário core” aumentou de 388 milhões € para 455 milhões €, ou seja, em 67 milhões €, determinado fundamentalmente pelo aumento verificado na Margem Financeira que cresceu em 51 milhões €, aumento este devido principalmente à redução significativa do custo do ”funding” e não ao aumento do negócio bancário, como se vai mostrar a seguir mais detalhadamente. No 1º Trim.2016 o “produto bancário core” cobriu 76,7% dos “custos operacionais” e no 1º Trim.2017, 79,4%, registando-se assim uma pequena melhoria. Em 2016 (todo o ano), o “produto bancário core” cobriu 67,1% dos “custos operacionais” do ano.

É um indicador para avaliar também a qualidade da gestão, que embora registando uma pequena melhoria, a sua sustentabilidade não está garantida a não ser que o negócio bancário aumente, no entanto face à queda deste o que se está a fazer é aumentar significativamente as comissões o que poderá ter efeitos perversos.

E é importante analisar mais detalhadamente a forma como o aumento da Margem Financeira tem sido conseguido porque não é, a nosso ver, sustentável. Efetivamente, uma análise fina da evolução da Margem Financeira revela que o seu aumento, por ex. em 2016 e no 1º Trimestre de 2017, não foi conseguido através do aumento do negócio bancário que, como se referiu, até diminuiu, mas sim à custa da redução do custo do “funding” que foi muito superior à redução dos juros das operações ativas, que também diminuiu.

Entre 2015 e 2016, a Margem Financeira aumentou de 1.085 milhões € para 1.145 milhões € (+60 milhões €) porque, embora os juros e rendimentos, nomeadamente de crédito concedido, tenham diminuído em 277 milhões € (passaram de 2.905 milhões € para 2.628 milhões €), o custo do “funding”, ou seja, dos depósitos diminuiu muito mais em 337 milhões € (passou de 1.820 milhões € para 1.483 milhões €). Uma situação muito semelhante também se verificou no 1º Trim.2017. Entre o 1º Trim.2016 e o 1º Trim.2017, os juros e rendimentos das operações ativas diminuíram em 63 milhões €, mas o custo do “funding” (depósitos) reduziu-se em 114 milhões €, o que determinou que a Margem Financeira tivesse aumentado em +51 milhões €

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É evidente que esta forma de aumentar a Margem Financeira, feita fundamentalmente à custa dos depositantes, não pode continuar indefinidamente. No entanto, na CGD ainda não foi apresentado um plano aos trabalhadores para inverter a queda continuada no negócio bancária e para alterar a forma como tem aumentado a Margem Financeira.

10. A REDUÇÃO DO “COST-TO-INCOME” Á CUSTA DE MAIS CORTES NOS CUSTOS OPERACIONAIS E NÃO ATRAVÉS DO AUMENTO DO NEGÓCIO BANCÁRIO

O “cost-to-income” é uma medida normalmente utilizada para medir a eficiência na banca. Ele obtém-se dividindo os Custos operacionais (Despesas com pessoal + Gastos gerais administrativos + Amortizações) pelo Produto bancário (o VAB da banca). E quanto mais baixo é maior é a eficiência. No entanto, ele tem o inconveniente de não ser um indicador totalmente seguro da qualidade da gestão nomeadamente a nível de crédito e de aplicações em outros ativos. A sua redução poderá ser obtida através do aumento do Produto bancário, e para isso é necessário que o negócio bancário cresça, ou por meio de cortes nos custos operacionais, que parece ser a opção escolhida pela atual administração e por Bruxelas.

O “Produto bancário” da CGD aumentou, entre o 1º Trim.2016 e o 1º Trim.2017, em 194 milhões €, pois passou de 296 milhões € para 435 milhões €. Este aumento foi conseguido por meio do aumento do “Produto bancário core” que, como já referimos, foi conseguido fundamentalmente à custa dos depositantes e não do aumento do negócio bancário, mas também através dos “resultados de operações financeiras”, que é uma receita aleatória, e que, no período considerado, teve uma variação positiva de 179 milhões € (passou de -98 milhões € para +81 milhões €). Como consequência, verificou-se uma melhoria no “cost-to-income” da CGD que, entre 1º Trim.2016 e o 1º Trim.2017, diminuiu de 99% para 70,5%, valor este ainda distante dos 45% do Plano Estratégico 2020 ou 40% defendido por Paulo Macedo.

É evidente que perante tal pressão para reduzir o “cost-to-income” para um valor tão baixo, a administração da CGD, face à incapacidade/desinteresse em aumentar o negócio bancário, é tentada em o obter através de uma enorme redução dos custos operacionais, nomeadamente, dos custos de pessoal, o que determinará, a concretizar, despedimentos e fecho de mais balcões que, a avançar, perante a passividade do governo e seus apoiantes, causaria certamente a destruição da CGD da forma como é atualmente e a diminuição do papel da CGD na economia e na sociedade portuguesa e não resolveria os seus problemas.

Seria importante que a atual administração da CGD procurasse recuperar e consolidar a CGD, e não reduzi-la a uma “mini-CGD” como Bruxelas pretende. No entanto, o “plano de despedimentos por mutuo acordo”, agora melhor explicitado que analisaremos detalhadamente mais à frente, destinado a trabalhadores até aos 55 anos, em que a ameaça do corte das remunerações variáveis poderá ser utilizado como chantagem contra cerca de 50% dos trabalhadores, o “programa de pré-reformas”, bem com a intenção anunciada pela administradora da área de pessoal de manter o congelamento das remunerações dos trabalhadores até 2020,

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01. ESTUDOS

remunerações estas que se mantêm inalteráveis desde 2010, parece confirmar que estratégia escolhida pela atual administração foi a 1ª opção, ou seja, a de transformar a CGS numa “mini-CGD” ou numa “Caixinha”

11. O CORTE NAS DESPESAS COM PESSOAL, A AMEAÇA REAL DE DESPEDIMENTOS NA CGD, E A INVERSÃO NAS DESPESAS DE PESSOAL NO 1º TRIMESTRE DE 2017

Um dos instrumentos que a banca está a utilizar para reduzir custos e assim poder apresentar resultados positivos, face à incapacidade revelada pelas administrações para aumentar o negócio bancário num contexto económico e social difícil, é a redução de trabalhadores e o fecho de agências, ou seja, “encolhendo”. A CGD não foge a essa regra.

Entre 2015 e 2016, a nível das contas consolidadas, os “Custos com pessoal” diminuíram de 803,9 milhões € para 705,8 milhões €, ou seja, em -12,2%. Nestes totais estão incluídos 61,6 milhões € em 2015 e 5,5 milhões € em 2016 para “provisão para acordos de suspensão de prestação de plano de trabalho” (Plano Horizonte),ou seja, para reduzir o numero de trabalhadores que são despesas, em principio, que não deviam ser repetidas, a não ser que se queiram fazer mais reduções e fechos de agências. Mas as “remunerações dos empregados”, que já não incluem aquele tipo de encargos, a nível de contas consolidadas, diminuíram, entre 2015 e 2016, de 529 milhões € para 497,7 milhões € (corte de -5,9%).

A nível de contas individuais, os “Custos com pessoal”, ou seja, das contas só da CGD, e não do “grupo Caixa” como as anteriores, também diminuíram pois, entre 2015 e 2016, passaram de 590,8 milhões € para 503,7 milhões € (-14,7%), e as “Remunerações com empregados” também registaram uma redução pois, entre 2015 e 2016, passaram de 360,4 milhões € para 339,6 milhões €, ou seja, sofreram um corte de -5,7%. Entre 2010 e 2016, a CGD Portugal, e não o “grupo Caixa”, perdeu 1.559 trabalhadores no nosso país (297 em 2016), pois passou de 9.672 de trabalhadores para apenas 8.113, e 152 agências (tem atualmente 717 agências bancárias), tendo perdido 47 agências em 2016.

Apesar disso, o chamado Plano Estratégico 2020 elaborado por António Domingues e aprovado pelo governo e por Bruxelas, que a atual administração está a aplicar, prevê uma nova redução de trabalhadores para 6.650 e as agências para 470. Parece (as evidências parecem apontar todas nesse sentido), que o objetivo é tornar a CGD numa “mini-CGD”, de forma que ela ocupe um papel subalterno no setor financeiro português, deixando de ser o banco líder com maior quota de mercado e, consequentemente, de ter um papel fundamental na recuperação da economia e no desenvolvimento do país, entregando o controlo do setor a bancos dominados por estrangeiros. E isto apesar de se afirmar que o objetivo não é esse, mas factos são factos.

As contas consolidadas como individuais do 1º Trimestre de 2017 apresentam aumentos dos “Custos com pessoal” em cerca de 53 milhões € quando comparados com os do período homólogo

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de 2016. Assim, entre o 1º Trim.2016 e 0 1º Trim.217, os “Custos com pessoal” aumentaram de 175,7 milhões € para 228,8 milhões € (+53,1 milhões €) a nível das contas consolidadas, e de 123,7 milhões € para 177,7 milhões € (+54 milhões €) a nível de contas individuais. Mas como não é dada qualquer explicação nem os “Custos com pessoal” são apresentados desagregados ignora-se a razão deste aumento, mas a razão certamente não deve ser o aumento das “Remunerações com empregados” já que estas se mantêm congeladas desde 2010. Uma das hipóteses explicativas poderá ser a afetação de uma parte de custos que se preveem ter com a redução significativa do número de trabalhadores da CGD. É uma questão que a administração devia esclarecer.

Como os “Custos de pessoal” se tornaram o instrumento preferencial das sucessivas administrações para melhor o rácio de eficiência, ou seja, o “cost-to-income”, para assim apresentar resultados, face à incapacidade revelada para aumentar o negócio bancário, é de prever que a atual administração não queira atualizar as remunerações dos trabalhadores da CGD, embora estas estejam congeladas desde 2010. O demorar e adiar em responder à proposta de atualização do ACT apresentado pelo sindicato, parece ser a estratégia do atual conselho de administração. A afirmação da administradora responsável pelos recursos humanos da CGD de que é intenção da atual administração manter o congelamento das remunerações dos trabalhadores até 2020, veio confirmar o tipo de gestão que se pretende seguir, sacrificando mais uma vez os trabalhadores para compensar os enormes desmandos praticados no passado pelas administrações da CGD que se pretendem esconder sob a capa de confidencialidade em relação à própria comissão de inquérito parlamentar. E isto torna-se ainda mais insólito e injusto quando se constata que não se observou igual tratamento nas remunerações dos órgãos sociais da CGD, o que está a causar um sentimento generalizado de injustiça, de mal-estar, de desmotivação e mesmo revolta.

A juntar a tudo isto, e contrariando a declarações e compromissos tanto do 1º ministro como do ministro das Finanças, a administração da CGD divulgou em 26/6/2017 um designado “Programa de Revogações por Mutuo Acordo” (RMA) em que é dado a todos os trabalhadores das “entidades do grupo CGD” a “oportunidade” para se candidatarem “livremente”, até 26 de Setembro, ao despedimento voluntário ou àquilo, que a administração da CGD designa por programa para “cessar os respetivos contratos”, ou então sujeitam-se a inclusão no programa RMA ser realizada “por iniciativa da CGD ou de Entidades do grupo CGD, de trabalhadores cujos postos, atentas as necessidades de reorganização e os objetivos estabelecidos deverão ser suprimidos”. E os trabalhadores a “suprimir”, de acordo com a administração da CGD, vão ser identificados com base na “avaliação de desempenho, o custo, o absentismo, e as habilitações académicas” . E ainda se tem a desfaçatez de afirmar que não há a intenção de fazer despedimentos na CGD.

Os que aceitem “voluntariamente” o despedimento teriam direito a uma compensação (os abrangidos pela CGA, 2,1 remunerações mensais por cada ano de antiguidade; os abrangidos pela Segurança Social apenas 1,6 mensais por cada ano de antiguidade, mas o valor da indemnização tanto num caso como no outro não podia ser superior a 60 vezes a remuneração mensal do trabalhador).

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01. ESTUDOS

No entanto, esta compensação elevada é mais aparente que real.

E isto porque a administração da CGD “esqueceu-se”, intencionalmente ou por ignorância, de informar os trabalhadores que o valor da indemnização que ultrapasse a remuneração mensal do trabalhador está sujeita a IRS, e como a será paga apenas num ano, dá um valor elevado, e por isso aplica-se uma taxa de IRS muito elevada, o que levará uma parcela substancial da indemnização. Para além disso os trabalhadores abrangidos pela CGA, no caso de não arranjarem emprego, só se poderão aposentar quando atingirem a idade normal de acesso à aposentação que, atualmente, é 66 anos e 3 meses (e cresce em média um mês em cada ano), e que os trabalhadores abrangidos pela Segurança Social, que não conseguirem arranjar emprego, só poderão pedir a reforma antecipada se cumprirem as condições para se poderem reformar no âmbito do regime de reforma antecipada após desemprego de longa duração, ou então só quando tiverem pelo menos 60 anos de idade e 40 anos de contribuições para a Segurança Social. Por outras palavras, os trabalhadores que aceitarem o despedimento ou que forem despedidos na CGD, receberão uma indemnização consideravelmente reduzida devido ao IRS que incide sobre ela, e ainda correm o sério risco de serem considerados velhos para trabalharem e novos para se reformarem. É esta a “prenda” que a atual administração pretende dar a muitos trabalhadores.

Como é evidente, o comunicado do atual administração dando a conhecer a intenção de proceder a despedimentos selecionados pela administração gerou inevitavelmente a insegurança e o medo generalizada na CGD, destruindo a motivação dos trabalhadores para recuperar e consolidar a CGD. Mas será isso que a atual administração da CGD pretendia efetivamente? – É a questão que fica para reflexão dos portugueses.

12. UMA POLITICA DE DOIS PESOS E DE DUAS MEDIDAS NA CGD: AUMENTO ENORME DAS REMUNERAÇÕES DA ADMINISTRAÇÃO E DO ÓRGÃO DE FISCALIZAÇÃO, E A PRETENSÃO DE CONTINUAR A CONGELAR OS SALÁRIOS DOS TRABALHADORES ATÉ 2020

Um dos pontos também críticos (weaknesses) da atual equipa de gestão é o facto de subestimar, na prática, a importância dos trabalhadores, e da sua mobilização para a recuperação da CGD. A prová-lo está o facto de que enquanto se procura reduzir significativamente ainda mais o número de trabalhadores da CGD mesmo à força, e prolongar o congelamento das remunerações dos trabalhadores até 2020, a nova administração, que se nega negociar a atualização do AE, usufrui já os elevados aumentos que começaram a vigorar a partir de Agosto de 2016 com a entrada da Administração de António Domingues (quadro 3, dados do relatório da CGD).

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QUADRO 3 – AUMENTO DAS REMUNERAÇÕES DOS ÓRGÃOS DE GESTÃO E DE FISCALIZAÇÃO DA CGD

Os dados do quadro 3 (pág. 686 do relatório e contas de 2016 da CGD), revelam aumentos entre 79,6% e 131% para os membros dos órgãos de administração e de fiscalização.

Os aumentos anteriores só ganham o seu verdadeiro significado se se tiver presente que as remunerações dos trabalhadores da CGD se mantêm congeladas desde 2010 e que, como aconteceu em toda a Administração Pública, sofreram cortes que só foram repostos ao fim de vários anos, o que não sucedeu na restante banca e, apesar de tudo isto, o atual conselho de administração continua a não responder a uma proposta de atualização do AE e, consequentemente, das remunerações dos trabalhadores, apresentada pelo sindicato (STEC) há mais de um mês, apesar de estar obrigado por lei a responder. Tudo isto revela uma política de remunerações de dois pesos e de duas medidas num banco público que devia ser rapidamente corrigida. E isto porque está a gerar descontentamento, revolta e desmotivação..

13. A EVENTUAL VENDA DOS ATIVOS DA ATIVIDADE INTERNACIONAL DA CGD, CONSEQUÊNCIAS PARA A CGD (FAZER DA CGD UMA MINI-CGD) E PARA O PAÍS

As sucursais da CGD no estrangeiro e a atividade internacional que daí resulta, têm sido importantes não só sob o ponto de vista estratégico (estar presente em países onde a comunidade portuguesa é importante ou onde empresas portuguesas desenvolvem uma atividade importante, para apoiar), mas também como uma fonte importante de resultados para a CGD que tem contribuído para equilibrar e compensar uma parcela dos resultados negativos da atividade doméstica, ou seja, para o seu equilíbrio.

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01. ESTUDOS

QUADRO 4- A ATIVIDADE INTERNACIONAL DA CGD – RESULTADOS 2015, 2016 E O 1º TRIM.2017

A eventual venda de ativos que a CGD possui em França (onde existe uma comunidade portuguesa muito importante), em Macau, Moçambique ou Angola e eventualmente em Timor (onde o Portugal tem interesses estratégicos), e em Espanha (merece uma análise atenta , pois é para onde Portugal mais exporta, e donde mais importa) afetará profundamente o papel e importância da CGD, quer em termos estratégicos, quer em termos de dimensão, quer ainda em termos de sustentabilidade. É contributo também para a sua transformação numa mini-CGD após o significativo encolhimento já verificado (entre 2010 e 2017, a CGD perdeu 23,2% do seu Ativo liquido total, reduzindo-se em 29.258 milhões €). Aceitar aquela eventual imposição da Comissão Europeia (venda dos ativos) é não valorizar os interesses do País a curto, médio e longo prazo, submetendo-os aos interesses defendidos pela C.E. que não são os portugueses.

Era importante que tanto a administração atual da CGD como o próprio governo, que é o único acionista, não fossem submissos a Bruxelas e que defendessem os interesses nacionais e os da CGD até porque a maioria das sucursais, que referimos, têm sido rentáveis para o banco público como revela o quadro 4.

A este propósito interessa referir o contrato que o governo PSD/CDS impôs à CGD, aquando da privatização Fidelidade, que parece não constituir uma preocupação para atual administração. E esse contrato, traduz-se na imposição de durante 20 anos à CGD de ter de vender produtos daquela seguradora recebendo, em contrapartida; apenas metade das comissões praticadas no mercado, o que acarreta à CGD um prejuízo estimado em 860 milhões € durante o contrato. Seria importante que a CGD renegociasse este contrato leonino que a impede de obter os ganhos que tem direito pelo serviço que presta.

14. REFLEXÕES FINAIS SOBRE A MISSÃO DA CGD COMO BANCO PÚBLICO

É evidente que a missão para a CGD que se defende neste estudo é mais ampla e mais ambiciosa do que aquela que a atual administração e Bruxelas pretendem impor à CGD.

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A missão deste importante banco público, líder do mercado, confunde-se e coincide com os interesses do crescimento económico equilibrado e o desenvolvimento sustentado do próprio país, com os interesses nacionais e estratégicos de Portugal.

Não pode ser mais uma CGD que promova a especulação imobiliária e financeira e que apoie fundamentalmente as grandes empresas, como aconteceu no passado recente, o que causou enormes prejuízos à própria CGD, ao país e aos contribuintes, pois acumulou enormes prejuízos que tiveram de ser pagos pelo país e pelos contribuintes.

Também não pode ser uma CGD interessada exclusivamente em dar lucros e ser rentável para o acionista, esquecendo-se que é um banco com uma importante missão.

O que se defende é que a CGD seja um grande banco público identificado com os interesses nacionais, quer estratégicos quer de crescimento e desenvolvimento sustentado do país, uma CGD que não apoie a especulação imobiliária e financeira, uma CGD fundamentalmente empenhada em apoiar a atividade produtiva e as PME´s, que constituem a esmagadora maioria do tecido empresarial do país, uma CGD que também apoie a internacionalização das empresas portuguesas, estando onde elas estão.

O que se defende é uma CGD que tenha também um comportamento ético irrepreensível com os seus trabalhadores, que são o elemento fundamental em qualquer empresa, e não os considerar um simples fator de produção descartável, que se subestima e despreza, e cujos interesse e direitos se secundariza, não valorizando adequadamente as suas condições de remuneração e de vida, e que, em momentos de dificuldades, se descarta facilmente como de simples números se tratassem esquecendo-se, em atos, que são base de recuperação da CGD e do importante papel que tem ou deve ter na economia e na sociedade, e cujo empenhamento, mobilização e participação é fundamental para que tais objetivos da CGD como banco público sejam alcançados.

O que se defende é uma CGD que seja também bem gerida e rentável pois se o não for não será sustentável nem poderá cumprir os seus objetivos e a sua missão como banco público. E tem de ter lucros para poder gerar internamente capital (o objetivo do PE-2020 é acumular cerca de 1.200M€ até 2020 para ter CET1=14%)), e assim cumprir as exigências crescentes dos supervisores e poder manter e consolidar a sua posição como principal banco (líder) em Portugal não necessitando de recorrer novamente aos contribuintes para se recapitalizar e também para consolidar a posição de liderança que ocupa no setor, e que é fundamental para poder ter, como banco público, um importante papel na recuperação da economia e no desenvolvimento do país. Para isso, a sua gestão terá de ser transparente, responsável e responsabilizante, envolvendo e mobilizando os seus trabalhadores nos objetivos a alcançar, o que nem sempre aconteceu no passado e ainda não acontece agora.

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01. ESTUDOS

ANEXO

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Na magna questão da Produtividade qual o lugar dos Serviços?

MÁRIO BAIRRADA

PRELÚDIO: LEVANTAR O PROBLEMA DOS SERVIÇOS NA AVALIAÇÃO DA PRODUTIVIDADE FAZ SENTIDO

“A produtividade ora aí está..quer dizer...há tanto nesta terra que ainda está por fazer”. Esta frase de José Mário Branco (FMI, 1979) chega-nos à memória sempre que o pensamento dominante evoca este conceito com claros objetivos de colocar em causa aumentos salariais. Mais enfaticamente, a produtividade surge no discurso oficial para legitimar “reformas estruturais”, eufemismo para “flexibilizar o mercado de trabalho”.

Vejamos exemplos recentes:

• atendendo aos indicadores de produtividade, crescimento da economia e inflação, a CIP defende um aumento do salário mínimo inferior àquele montante (530 €), sem no entanto indicar qual o valor desejável. (entrevista a António Saraiva, novembro 2015, expectativas com o novo governo)

• “existem fragilidades estruturais na economia, elevados níveis de desemprego, pouco aumento da produtividade...” Valdis Dombrovskis (vice-presidente da união Europeia- fevereiro, 2017)

Estas afirmações caem claramente no campo ideológico (luta de classes – em que a produtividade desempenha um papel essencial pela identificação, senso comum, ao esforço físico) dado que utilizam uma variável cuja medida sempre foi problemática, particularmente com o crescimento dos serviços. Ou seja, os autores das afirmações acima deveriam (?) conhecer o seguinte aviso incluído na página divulgadora de dados sobre a produtividade total dos factores (PTF) para os sectores não industriais por um instituto estatístico (BLS – Bureau of Labor Statistics) do país mais desenvolvido do planeta, em que os serviços representam mais de 70% do PIB: “Output and corresponding inputs for nonmanufacturing industries are often difficult to measure and can produce productivity measures of inconsistent quality. Customers should be cautious when interpreting the data”.

Será esse o objetivo deste texto: desenvolver o que apresentámos na Revista nº3, fazendo a

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01. ESTUDOS

crítica ao conceito e medida da produtividade quando são os serviços o sujeito da observação.

O texto tem um carácter mais divulgador e menos científico (daí, por exemplo, não seguirmos as normas em matéria de referências bibliográficas e citações), embora se faça frequentemente apelo a questões do “foro estrito” dos economistas.

No ponto 1 divulgaremos as principais referências quer do ponto de vista da crítica a partir dos serviços, quer do ponto de vista dos textos que se enquadram nas teorias dominantes sobre a produtividade (sem recorrermos aos textos teóricos originais).

Os pontos 2 e 3 representarão o lado do mainstream. Assim, no ponto 2 apresentaremos a relação da produtividade com a teoria económica, bem com variáveis fundamentais da macroeconomia. No ponto 3 analisaremos sucintamente os principais métodos de medida, surgindo desde logo problemas comuns aos diversos sectores de atividade.

Os pontos 4 e 5 constituem a crítica a partir dos serviços. Primeiro ao conceito e depois à medida quando temos os serviços, grande parte deles, sob análise. Finalmente no ponto 6 será feita a síntese, tendo por horizonte a apresentação de algumas propostas.

1 - ABERTURA: PRINCIPAIS ESCRITOS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE SERVIÇOS E PRODUTIVIDADE

1. O artigo publicado no Wall Street Journal em Outubro de 2016, “While service sector booms, productivity remains elusive”, é sugestivo sobre a matéria que nos preocupa: a relação entre a produtividade (ou a sua estagnação, ou o seu lento crescimento) e os serviços (atividades de serviço como designámos num artigo no nº 8 desta Revista).

Esta preocupação com a “productivity slowdown” inicia-se afinal na década de 70 do século passado (final dos “30 gloriosos”). Curiosamente, passados cerca de 40 anos o problema da “productivity slowdown” mantém-se e há quem atribua explicitamente a responsabilidade a um problema de medida em economia, como se pode ler num artigo de Julho de 2015 do mesmo jornal: “Silicon Valley doesn´t believe U.S. productivity is down – contrarian economists at Google and Stanford say the U.S. doesn´t have a productivity problem, it has a measurement problem”.

2. A utilização de artigos publicados no ano anterior, tem por objetivo deixar expresso que não foi considerada uma área que ganhou alguma autonomia: a “economia dos serviços”, em que o problema da produtividade foi (utilizamos o pretérito porque não conhecemos novos desenvolvimentos) amplamente discutido.

Com efeito, entre a década de 70 do século passado e a atualidade, o crescente peso dos serviços no Produto, a sua relação com a Produtividade e, como resultante, a articulação entre crescimento económico e emprego, suscitaram numerosos estudos na sequência das

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primeiras abordagens de Alan Fisher, Colin Clark, Jean Fourastié, Vitor Fuchs e, numa outra perspetiva, do modelo “cost disease” de William Baumol (o crescimento económico tende para zero pelo crescimento dos serviços estagnantes do ponto de vista da produtividade).

3. Sem esgotar, citemos as contribuições críticas que nos parecem mais significativas:

• um conjunto de investigadores de universidades e institutos franceses que, com origem em Jacques de Bandt reconhecido economista da área da economia industrial, desenvolveu importante trabalho crítico sobre o conceito e a medida do produto e da produtividade dos serviços. Destacamos os seguintes autores e obras que constituem as referências da nossa exposição:

• Jean Gadrey principal autor que impulsionou decisivamente a problematização da produtividade dos serviços. Salientamos:

• (1986) “Productivité et Evaluatios des Services: La construction sociale du produit”, Ermes

• (1996) “Services: la productivité en question”, Desclée de Brouwer

• (2002) “Productivity, Innovation and knowledge in Services”, Edward Elgar (editor com Faïz Gallouj)

• (uma nota adicional: colaborador da revista Alternatives Économiques, publicou nos últimos anos: “Socio-économie des services”; “Les nouveaux indicateurs de richesse”; “En finir avec les inegalités”; “Adieu à la croissance”)

• (2008) Faridah Djelall e Faiz Gallouj “Measuring and Improving Productivity in Services – Issues, Strategies and Challenges”, Edward Elgar;

• (1988) o artigo de Thierry Noyelle e Thomas Stanback “Productivity in Services: a Valid Measure of Economic Performance?” defende a ideia que para 60% dos serviços a medida do produto em volume e, como consequência da produtividade, não tem sentido;

• (1992) o trabalho coletivo “Output Measurement in the Service Sector” - National Bureau of Economic Research, editado e apresentado por Zvi Griliches, assinala a incerteza, pricipalmente de natureza concetual, na medida do produto de vários serviços. Como prova dessa incerteza, o estudo revela a disparidade de valores para a produtividade calculados pelo BEA (Bureau of Economic Analysis) e pelo BLS (Bureau of Labor Statistics). Assim, entre 1967 e 1987 no caso do transporte aéreo a taxa de crescimento anual médio é de 1,6% para o BEA e de 5,2% para o BLS, no caso dos bancos de 1,9% e 3,6% respetivamente;

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01. ESTUDOS

• 1996) o 6º colóquio de Contabilidade Nacional promovido pela Association de Comptabilité Nationale em que uma sessão é dedicada aos “Novas aspectos da análise dos serviços”.

4. Numa linha mais apologética, digamos mais de acordo com o mainstream, destacamos os seguintes momentos (omitindo obviamente os principais autores que lhe dão origem (de Cobb-Douglas a Solow, Denison, Jorgenson, etc.):

• (1993) William Baumol, Richard Nelson e Edward Wolff editam um livro, “Convergence of Productivity – cross-national studies and historical evidence”, em que são realizadas comparações internacionais da produtividade de bens e serviços;

• (1999) o número 2 do volume 32, da revista “Canadian Journal of Economics” - Special Issue on Service Sector Productivity and the Productivity Paradox, em que, como o título do número especial indica, os 14 artigos divididos em 4 partes estão centrados na resposta à questão: porque o desenvolvimento das tecnologias de informação não tem reflexos no crescimento da produtividade (paradoxo da produtividade)? Em artigo posterior (2004), dois dos autores, Jack Triplett e Barry Bosworth, declaram o problema resolvido: “Productivity Measurement. Issues in Service Industries: Baumol´s Disease has been cured” com base no assinalável crescimento da Produtividade Total dos Fatores (PTF) nos Serviços. Parece ter sido prematura esta conclusão…;

• (2001) publicação do Manual de referência para os países da OCDE: “OECD Productivity Manual: A guide to te measurement of industry level and aggregate productivity growth”. Não é questionado o conceito, há a preocupação exclusiva, mas didaticamente muito importante, de propor metodologias de medida da produtividade. Constitui o Manual de referência para os institutos produtores de estatísticas;

• (2009) sob a direção de Dale W. Jorgenson, uma autoridade na matéria, são reunidos 23 artigos de diferentes autores publicados em diversas revistas no livro “The Economics of Productivity”, Edward Elgar. A principal preocupação reside na medida da produtividade associada às tecnologias de informação, utilizando o instrumental analítico derivado da função de produção Cobb-Douglas, bem como o recurso a técnicas estatísticas e econométricas sofisticadas. Neste contexto, apenas um artigo é dedicado aos serviços – comparação internacional da produtividade dos bens e serviços. Destaque-se o excelente resumo histórico de D. Jorgenson sobre a medida da produtividade.

2 – SOLO (1): PRODUTIVIDADE E TEORIA ECONÓMICA

5. A Produtividade ocupa um lugar central nas diferentes escolas do pensamento económico: clássicos, neoclássicos, marxistas, a que podemos acrescentar, mais recentemente, a teoria

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dos custos de transação (nível micro) e a teoria da regulação.

Duas notas: a) a exclusão de Keynes é justificado pela nula importância da produtividade num objeto teórico definido pelo subemprego, ou seja, pela maior importância dada aos fluxos monetários em detrimento dos fluxos físicos (de outro modo, preocupação pelo lado da procura em detrimento da preocupação pelo lado da oferta, onde se situa a produtividade). Poderíamos, ainda assim, incluir a lei de Verdoorn-Kaldor, mas onde a produtividade surge endogenamente associada ao crescimento; b) a teoria da regulação e os seus conceitos centrais, regime de acumulação e relação salarial, é, digamos, adequada para o período “fordista” mas com menos poder explicativo no período “pós fordista”.

6. Comum às teorias assinaladas, o lugar central da produtividade tem por referência os bens com origem na produção industrial. É assim com a função de produção neoclássica (definidora do mainstream em matéria de análise da produtividade) ainda que se reclame da sua generalização, é assim com Marx na antinomia entre mais-valia absoluta e mais-valia relativa, é assim com a teoria da regulação em que os aumentos de produtividade e a respetiva partilha entre trabalho e capital, geradores de consumo de massa, são as características determinantes do regime de acumulação fordista.

Refira-se, novamente, que estas correntes do pensamento económico não isolaram o conceito serviço. Aliás, nas teorias clássica ou neoclássica a produção é o resultado dos serviços dos factores.

7. Naturalmente, a Produtividade ocupa um lugar central na relação com outras variáveis económicas. Explicitemos resumidamente.

Relação da Produtividade com o crescimento económico

A mais evidente e que tem origem formal nos neoclássicos. Na célebre equação de Solow, o crescimento é decomposto nas componentes crescimento do capital, crescimento do emprego e produtividade total dos fatores (PTF), identificado ao progresso técnico (eficiência) sob certas condições (o célebre resíduo explicativo do crescimento económico). O modelo de Solow foi melhorado pela decomposição do referido resíduo (Denison), ou mesmo alterado pela consideração do progresso técnico como endógeno (Romer), continuando a ser o eixo de referência teórico para a maioria das análises empíricas sobre a produtividade.

Poderíamos incluir nesta relação a utilização do modelo de Solow e consequentemente da PTF em contexto de determinação do Produto Potencial (Produto atingível com utilização eficiente de todos os factores), decisivo para determinar o défice (saldo estrutural). Diríamos ser a consagração do mainstream em matéria de política económica (aqui orçamental).

(Para uma abordagem crítica do conceito e da utilização da PTF deve ser (re)lido o texto de Mariana Mortágua, Público de 9/2/2016, “Défice estrutural: magia negra”)

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01. ESTUDOS

Relação da produtividade com o emprego

Complementar da anterior relação pela expressão tautológica

taxa crescim. Emprego = taxa crescim. Produto – taxa crescim. Produtividade

Tendo presente esta relação ouvia-se com frequência “para crescer o emprego, o produto deve crescer acima de 2%”. Esta vulgata caiu em desuso, dado que tem sido verificado, Portugal é um exemplo recente, que o emprego pode crescer com taxas de crescimento do Produto inferiores.

Com efeito, a interferência crescente dos serviços torna a relação entre alterações tecnológicas e emprego cada vez mais complexa. As relações causais tornam-se, direta ou indiretamente, contraditórias. Ou seja, a crescente complexidade dos sistemas económicas, para a qual tem contribuído o peso dos serviços, inviabiliza qualquer resposta global e inequívoca.

A teoria económica encarou a relação emprego-produtividade numa ótica de compensação (os empregos perdidos pela inovação tecnológica, de que a produtividade é a expressão, são recuperados pelo mecanismo de mercado que assegura novos empregos em outras empresas/sectores). No entanto, verifica-se que na variação do emprego interferem outras variáveis para além da inovação, como sejam a procura e as alterações institucionais.

Relação da produtividade com os padrões de vida

Relembrando a equação divulgada na Revista (nº3)

onde N – população total; L – emprego; H – nº de horas de trabalho e admitindo que a evolução do padrão de vida é medido pelo PIB por habitante, verifica-se que este depende quase exclusivamente da produtividade do trabalho, PIB/L, dado que a evolução do volume de emprego (tempo de trabalho multiplicado pela taxa de emprego) não é, normalmente, significativa.

Portanto, a relação entre padrões de vida e produtividade fica evidente, e é neste evidência empírica que se baseia o pensamento dominante para defender o aumento de produtividade como única alternativa à melhoria dos padrões de vida. Simplesmente, os aumentos de produtividade, admitindo a sua existência, têm associado um problema de repartição entre salários e lucros.

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Relação da produtividade com a competitividade

Relação determinante do ponto de vista da política económica dado que o indicador utilizado para medir a competitividade, nos planos micro ou macroeconómico, é o custo unitário do trabalho (CUT) definido do seguinte modo:

CUT = remuneração horária x nº de horas de trabalho / nº unidades produzidas, ou

CUT = remuneração horária / produtividade

ou seja, o custo unitário do trabalho varia em razão inversa da produtividade (sem discutir por agora a respetiva medida) ficando explícita a razão das confederações patronais reivindicarem aumentos salariais iguais ou inferiores à produtividade e/ou os economistas pertencentes ao pensamento dominante elegerem este como o principal, único (?), indicador sobre a competitividade no plano externo.

No entanto, retomando o que dissemos na Revista nº3, “a associação que define a competitividade, mais não é que uma aproximação à eficiência económica (rendibilidade) e, como tal, a diminuição do custo unitário do trabalho significa o aumento da rendibilidade (lucro nas empresas, excedente na economia)”.

3 – SOLO (2): MEDIDA DA PRODUTIVIDADE: DEFINIÇÃO E SÍNTESE DE PROBLEMAS

8. A passagem do conceito (teoria) para a medida não é feita sem problemas. Em geral encontramo-nos perante a fração

Output / Recursos

definidora da produtividade.

Tratando-se de um bem homogéneo poderemos definir o output pelas quantidades produzidas (é neste contexto que se afirma sem dificuldade que a Autoeuropa apresenta a maior produtividade do trabalho no contexto do grupo Volkswagen). Estamos naturalmente no campo dos bens (indústria). A evolução do valor da produção = preço x quantidade é facilmente acompanhada ao longo do tempo separando os efeitos preço e quantidade (quando se retira o efeito preço, falando-se de preços constantes – deflação, ficamos com volume=quantidade).

Mas aqui falamos de um bem homogéneo. A questão complica-se quando consideramos um conjunto de bens. É o caso da medida da produtividade em termos sectoriais ou nacionais, ou seja, temos de agregar diferentes produtos e respetivas quantidades (e como sabemos, desde

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a escola primária, não podemos somar batatas com laranjas).

Temos, assim, um problema para resolver: qual a definição e medida do output (numerador da fração que define a produtividade)? A que se acrescenta um segundo problema: quais os recursos a incluir e como são avaliados (denominador da fração)?

9. No caso do output, atualmente identificado ao PIB, mas que nos estudos iniciais sobre a produtividade, corrente teórica identificada acima, era utilizado o Produto Nacional (hipótese naturalmente criticável), a solução passa, na grande maioria dos casos, por utilizar índices sintéticos que resultam da aplicação de ponderadores ao vetor de produtos. Sendo esses ponderadores os preços do ano base resulta da sua aplicação a determinação de índices sintéticos de volume (as quantidades). Donde a conclusão que as quantidades (produção a preços constantes) assim obtidas são uma representação da realidade, uma abstração, dado que permanece válida a impossibilidade de somar batatas com laranjas.

Admitindo esta questão “resolvida”, confrontamo-nos com a dupla possibilidade: produtividade bruta ou líquida? Ou seja, não consideramos os consumos intermédios (produtividade bruta), ou consideramos que os ganhos de produtividade, quando existentes, derivam não só dos fatores de produção utilizados, mas também da melhor ou pior qualidade dos consumos intermédios (matérias primas, produtos semi-acabados, serviços fornecidos, etc.). Neste segundo caso estamos perante a produtividade líquida calculada a partir do valor acrescentado

Valor Acrescentado = Produção - Consumos Intermédios

sendo esta naturalmente a concepção em termos nacionais (o Produto é a soma dos valores acrescentados) a qual é normalmente levada à prática por uma processo de dupla deflacionação (retirar o efeito preço do output dividindo-o por um índice de preços na produção e retirar o efeito preço nos consumos intermédios por um índice de preços igualmente apropriado).

Voltamos a chamar a atenção para o facto de que ao ficarmos com o valor acrescentado em termos reais (quantidade, volume), estamos no campo de uma abstração (não temos uma quantidade adicional concreta - não acrescentámos batatas às batatas e laranjas às laranjas)

Poderemos acrescentar uma nova dificuldade no plano da medida do output (bruto ou líquido), reconhecida há muito e crescentemente significativa: a variação da qualidade e/ou a introdução de novos produtos. Num contexto de variação pouco acentuada não haverá grandes problemas, a variação da qualidade e os novos produtos serão introduzidos na nova amostra para cálculo do índice de preços. Situação diferente ocorrerá quando existe rápida variação da qualidade e/ou introdução de novos produtos – o exemplo imediato é-nos dado pelas novas tecnologias de informação e comunicação, sendo neste caso muito provável que essa variação não seja refletida nos preços incluídos na amostra, com prejuízo da produtividade calculada (tecnicamente os preços hedonísticos, preços sombra, introduzidos por Griliches, pretendem atenuar este problema ao atribuir hipotéticos preços para o período anterior à entrada no

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mercado dos novos produtos ou qualitativamente diferentes).

10. No caso dos recursos existirão duas hipóteses:

• utilizar indicadores monofactoriais – falamos de produtividade (aparente) do trabalho, produtividade (aparente) do capital

• utilizar todos os factores integrados numa equação explicativa do crescimento económico (falamos da produtividade total dos factores - PTF, referenciada acima)

De passagem, consideramos preferível a utilização da produtividade do trabalho presente, até porque são os serviços onde se concentra a maior parcela da produção, considerando que os outros fatores são fruto de trabalho passado.

(Num nota à margem, poder-se-á demonstrar, o que não faremos aqui, que a PTF é inferior à produtividade aparente do trabalho pela parcela de substituição de trabalho por capital)

11. Finalmente damos nota que, para além do método baseado nos índices, utilizado pela generalidade dos sistemas estatísticos para medir a produtividade, foram desenvolvidos outros métodos, com recurso a uma maior sofisticação matemática e baseado no conceito fronteira de produção (microeconomia). Estes métodos, paramétricos ou não paramétricos, com origem em Farrell / Debreu, são particularmente usados no contexto dos serviços mercantis e não mercantis (nas obras referidas acima como mais apologéticas, estes métodos constituem o principal eixo de referência).

4 – DUO (1): CONCEITO PRODUTIVIDADE PROBLEMATIZADO A PARTIR DOS SERVIÇOS

12. A definição de serviço, apresentada no nº 8 da Revista, constitui o ponto de partida para a discussão da aplicação do conceito (neste ponto) e da medida (ponto seguinte) da produtividade quando estamos perante a sua produção.

Recupero-mo-la.

“Um serviço é a transformação da condição de um indivíduo, ou de um bem pertencente a qualquer agente económico, resultante da atividade de outro agente económico, por procura ou concordância do primeiro agente” (Peter Hill).

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Em esquema (Jean Gadrey)

13. Desta definição resulta de imediato o curto-circuito da relação de produtividade estabelecida para os bens implicando que a avaliação da produtividade nos serviços não pode ser efetuada “como se” fossem bens.

Em esquema (J. Gadrey)

14. Não significando que seja abandonado o conceito de produtividade aplicado aos serviços, ele deve ser colocado noutro plano, expressamos as seguintes questões essenciais que diferenciam bens e serviços.

Definição do output (a questão física) - o numerador

Não temos qualquer dúvida sobre o output da indústria automóvel ou da indústria de

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computadores. O mesmo não sucede com muitos serviços. Poderá haver resposta, mas será consensual a resposta à pergunta sobre o output de uma empresa de consultadoria? de um banco? de uma escola? de um hospital? de um gabinete de advogados? Não parece ser razoável uma resposta do tipo “número de prestações”. A produtividade de um hospital, se existe, pode ser medida pelo número de operações? O output do sector dos transportes é o número de passageiros transportados? Dos quilómetros percorridos? Uma combinação de ambos?

A definição agrava-se quando existe identificação entre o serviço prestado e os fatores de produção, em particular o fator trabalho. É aqui que surge o célebre problema de Baumol (cost disease) que generaliza aos serviços: a produtividade de um quinteto de cordas na interpretação de uma obra de Beethoven é igual nos sécs. XIX, XX, ou XXI com simultâneo aumento dos salários reais dos músicos (mais tarde “melhora” a análise perante a parte tautológica do seu modelo distinguindo dos serviços estagnantes os assintoticamente estagnantes). Diga-se que esta tautologia, identificação entre o numerador e o denominador está presente em muitos serviços, em particular os públicos. Finalmente, podemos aproveitar este caso para acrescentar aos exemplos acima a pergunta sobre o output do “sector da cultura”. Obviamente não valerá uma resposta, afinal aquela que é dada pelas contabilidade nacionais, baseada no volume de negócios.

Qualidade e estandardização

Juntamos estas duas variáveis pela sua evidente articulação. Sendo difícil a definição do output torna-se particularmente penoso avaliar as inovações e melhorias na prestação de serviços (que já eram difíceis no caso dos bens, mas agora trata-se de novos serviços). Dois simples exemplos: o recente recenseamento da população idosa a viver isolada efetuado pela GNR vai refletir-se na “produtividade” desta instituição? na tão referida articulação entre produtividade e novas tecnologias é percebido um aumento de produtividade quando uma empresa de transportes inova através do serviço de afixação de tempos de espera das diversas carreiras?

Por outro lado, para medir a eficiência técnica é necessário que o output do enésimo serviço seja idêntico ao output do serviço enésimo -1. Ora este não é claramente o caso de muitos serviços. Percebemos duas coisas: fica evidente a ligação ao problema da qualidade enunciado antes e, por outro lado, a procura para a estandardização dos serviços, configurando o que se pode apelidar, como alguns autores o fazem, de estarmos perante a “industrialização dos serviços”.

Efeito (Outcome)

Contido na definição de serviço está o respectivo efeito. Daí que seja importante, decisiva, a distinção entre output (O) e outcome (Oc). O caso da saúde será o mais emblemático nesta

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distinção (a que poderíamos acrescentar os serviços de consultadoria, os serviços públicos, grande parte dos serviços pessoais). Evidentemente que não consideramos este problema resolvido pela introdução do conceito utilidade retirado do pensamento neoclássico (microeconomia). Aliás, esta transferência da “produtividade” para o lado dos consumidores contrariaria o próprio conceito de produtividade, que está colocado do lado da oferta.

Co-produção

Igualmente na definição de serviço encontramos a possibilidade dos consumidores/utilizadores participarem no processo de produção de um serviço. Esta participação conduz ao esvaziamento do conceito produtividade, neste caso em termos do fator de produção (denominador da fração). A designação de “economia self-service” (Gershuny) parte desta constatação (alguns autores introduzem em funções de produção neoclássicas para o comércio um novo fator de produção associado ao “trabalho” dos consumidores). Como quer que seja, ainda que não generalizável, esta co-produção é evidente em alguns serviços (consultadoria, advocacia, saúde, são casos exemplares) hipotecando, como dissemos pelo denominador, o conceito produtividade.

Procura / tempo de produção

Reconhecendo-se o papel determinante da procura na produção de serviços e estando a produtividade do lado da oferta, acresce uma nova variável que compromete a utilização deste conceito no caso dos serviços: a diferença entre tempo de trabalho e tempo de produção (questão amplamente discutida por Marx). Com efeito, com diminuição da procura aumenta esta diferença e, portanto, diminuição do output para um mesmo tempo de trabalho (a solução “banco de horas” criada objetivamente para fazer diminuir aquela diferença, terá validade nos serviços mais estandardizados, comércio por exemplo).

5 – DUO (2): CRÍTICA AO CÁLCULO DO OUTPUT DOS SERVIÇOS E, PORTANTO, DA PRODUTIVIDADE

15. Os métodos para medir o “Volume” (produção real) de serviços produzidos varia de sector para sector e dentro do mesmo sector de país para país (não nos concentramos nesta questão, mas ela já é demonstrativa da fiabilidade das comparações).

Poderemos distinguir 4 grupos de métodos

a) baseados em indicadores físicos

Claramente o melhor método para avaliar a produtividade, relembre-se o que se disse antes sobre o cálculo da produtividade na Autoeuropa, não interferindo o problema dos índices

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de preços. Simplesmente, este é um método pouco adequado à maior parte dos serviços, ficando circunscrito aos exemplos de processos mais estandardizados e mensuráveis quantitativamente - transportes (passageiros x kms; toneladas x kms); banca (número de operações bancárias); telecomunicações (índice de diversos tipos de comunicações).

b) vendas (volume de negócios) deflacionadas

Tecnicamente oferece alguma garantia de avaliação do “volume” do output (vendas deflacionadas por um índice de preços) desde que seja possível construir um painel estável de serviços com identificação dos respetivos preços (não esquecendo o que se disse sobre a avaliação de volume como uma abstração) desde que:

• o painel escolhido seja representativo;

• os serviços selecionados são estandardizados e, portanto, qualitativamente comparáveis no tempo

Do que temos afirmado sobre a caracterização dos serviços percebemos a dificuldade destas condições serem preenchidas, sendo este o método mais utilizado.

c) valor acrescentado deflacionado

À partida diríamos da vantagem teórica deste método dado que considera o valor acrescentado e não as vendas (o serviço acrescenta valor à realidade C no esquema acima). No entanto, o processo de deflacionação, passagem do valor nominal ao “volume de forma direta ou por dupla deflacionação, é realizado com múltiplas dificuldades (que não abordaremos aqui).

d) inputs

Designamos assim o método de cálculo do output que utiliza os custos do respetivo ramo de atividade, índices de volume de emprego, ou os salários deflacionados. Como facilmente se percebe, não há qualquer mensuração do produto dos serviços prestados, logo da produtividade.

16. Vejamos alguns casos com mais pormenor que, pela sua importância no total do PIB, demonstram que o cálculo da produtividade global deve ser questionado.

Comércio

Sem fazer distinção entre o grosso e o retalho, o princípio básico que define o output desta atividade está ligado ao volume de transações considerando que o comércio tem por função principal efetuar trocas mercantis.

Para medir o output (em termos reais, o “volume”) poderemos estar confrontados com diversos critérios. Vejamos:

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a) número de transações - aparentemente este critério físico seria o mais apropriado. Imediatamente se percebe o inconveniente traduzido pela diferença entre o grande número de transações de micro-objetos e o pequeno número de transações de macro-objetos;

b) volume de negócios a preços constantes (assumido como o “volume” dos objetos trocados, numa aplicação tradicional dos índices de volume) - neste critério não é medido o serviço comercial em si mas um serviço determinado pelo “volume” das trocas efetuadas, isto é, numa aproximação ao critério anterior, o valor do serviço é proporcional ao valor das trocas efetuadas;

c) margem comercial em volume (critério adotado pelo SEC 2010) - constitui uma aproximação ao método, valor acrescentado, utilizado para a indústria. A primeira nota crítica assenta na verificação que são excluídas do output comercial as compras para revenda, exatamente o “volume” dos objetos vendidos.

Do ponto de vista nominal, preços correntes, a margem comercial será um bom indicador do output comercial. O problema coloca-se quando se passa para o lado do “volume”, preços constantes e, portanto, para a avaliação da produtividade (seria necessário considerar a margem representativa de um conjunto de serviços estandardizados e afetados cada um deles de um preço de mercado, o que não é visivelmente a situação).

Vejamos um exemplo, utilizando índices, de aumento da margem (por integração de novos serviços, por exemplo) com nulo efeito na produtividade (comércio a retalho no exemplo)

Momento 0 - compras (vendas do comércio por grosso): 100

Vendas: 115 (margem=15)

Momento 1 - compras:100 (mesma quantidade de produtos a preços idênticos, por hipótese)

Vendas: 125 (margem=25 em termos nominais)

Deflacionando as vendas a margem permanece igual a 15.

Esta situação paradoxal deriva do facto que este método ignora, por definição, os serviços prestados (assistência aos clientes, fornecimento ao domicílio, serviços pós venda, etc.) e a respetiva variação.

Ou seja, não é avaliado o real output comercial mas os fluxos de transações envolvidos nas trocas comerciais.

Bancos

Digamos que este é o sector, tal como os serviços não mercantis (analisados abaixo), em que a definição do output é convencional.

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Tal como no comércio o produto da atividade bancária pode ser analisada segundo duas perspetivas:

• técnica, isto é, a atividade bancária seria analisada de acordo com os actos (serviços) prestados pelos trabalhadores dos bancos (número de escrituras, gestão de contas, número de cheques compensados, etc.). Nesta perspetiva, a relação entre serviço prestado e tempo de trabalho que lhe é afetado é mensurável correspondendo ao sentido clássico de produtividade;

• contabilística, isto é, utilização dos pressupostos de medida da produção industrial na tentativa de determinar o valor acrescentado. Neste sentido o produto bancário resulta da diferença: serviços faturados aos clientes + serviços de intermediação financeira – consumos intermédios (comissões pagas, custos gerais, etc.)

(Nota: originalmente apenas faziam parte das receitas os serviços faturados aos clientes o que gerava um valor acrescentado negativo, que era resolvido pela Contabilidade Nacional pela introdução de um ramo fictício que anulava esse valor negativo).

Daquela definição de produto resulta que não há aproximação ao conceito de produtividade mas a uma noção de rendibilidade, ou seja, o valor acrescentado calculado tem uma lógica de resultado. Daí que a consulta estatística da “produtividade bancária” transmita grandes flutuações nos resultados, ao contrário do que se passa com o sector industrial, por exemplo.

Serviços mercantis

O caso dos serviços de I&D é paradigmático das dificuldades em medir o “volume” da produção deste tipo de serviços tendo em conta as dificuldades na avaliação das quantidades e dos preços. Com efeito, tratando-se de produção contínua será o caso mais evidente em que o serviço n não é idêntico ao serviço n-1 e, portanto, onde a avaliação da produtividade, de acordo com os métodos tradicionais, não fará sentido. Acresce que, mesmo considerando o outcome (resultado) ele é, normalmente, afastado no tempo.

(a Task Force promovida pelo Eurostat recomenda a utilização dos inputs, ou seja, dos custos para avaliar o volume deste sector. Dito de outra forma, reconhece a impossibilidade de avaliar a produtividade).

O exemplo dos serviços de I&D serve naturalmente, assim pensamos, para os casos dos serviços de consultoria, engenharia, arquitetura, e outros como advocacia (lembramo-nos de citar em 1990 o caso da advocacia nos EUA apresentado como exemplo da importância dos serviços naquele país e da sua desindustrialização, dado que o seu valor acrescentado, segundo os métodos de medida utilizados, era superior ao da siderurgia).

Poderemos ainda acrescentar o domínio dos transportes (aéreo ou ferroviário) onde a recente tendência de flutuação dos preços em função da taxa de ocupação implica, pelo menos teoricamente, a necessidade de considerar serviços diferentes dadas as condições diferentes

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01. ESTUDOS

de transporte.

Estas dificuldades na medida do output (da produtividade) não são estranhas em função da definição de serviço apresentada antes.

Serviços não mercantis (educação, saúde, Administração Pública)

O método mais utilizado pelas contabilidades nacionais é o método que designámos acima de input. Ou seja, não existindo preços neste tipo de serviços estima-se o preço que teriam a partir do respetivo custo avaliado aos preços do período anterior, acrescentando, ou não, uma margem.

O resultado é evidente. Se o volume de produção é medido a partir dos custos não é permitida a medida da produtividade: o numerador é igual ao denominador.

São conhecidos numerosos estudos sobre esta problemática tentando aplicar o método de cálculo do volume a partir das quantidades produzidas (serviços prestados), mas que genericamente concluem como o manual do Sistema europeu de contas nacionais (SEC 2010): existe grande dificuldade de distinguir produtos homogéneos (por exemplo, no caso da saúde são conhecidos os Grupos de Diagnósticos Homogéneos, bom ponto de partida mas ainda sem impacto nas contas nacionais).

São utilizados dois critérios para equivalência dos serviços não mercantis na ausência da referida homogeneidade: custo unitário e resultado (outcome). Sem nos alongarmos, diremos que a grande parte dos estudos referidos acima é dedicada a este critério, sendo reconhecida a dificuldade na medida do resultado perante objetivos definidos (no caso da saúde e educação, por exemplo, não é difícil perceber a ausência de unanimidade na definição de objetivos). Daí que, no momento atual, a Contabilidade Nacional renuncie à aplicação deste critério.

Tentativa “desesperada” - medir o output não pela quantidade mas pela qualidade. Ficaríamos no terreno da microeconomia (a utilidade marginal é medida pelo preço). Simplesmente, os serviços sendo não mercantis não têm preço determinado pelo mercado e não sendo determinadas com precisão as unidades não é possível conhecer o preço equivalente do mercado.

17. Alguns dados que confirmam a problematização da medida da produtividade nos serviços (dados para Portugal, retirados das estatísticas da OCDE). As atividades de serviço incluídas representam cerca de 50% do PIB

Taxa de crescimento do Valor acrescentado bruto por hora de trabalho (preços constantes):

2000-2016 (encadeamento das variações anuais)

• Indústria (incluindo energia): 46,1%

• Comércio, grosso e retalho, Horeca, transporte e armazenagem: 14,9 %

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• nformação e Comunicação: 0,8 %

• Atividades financeiras e seguros: 46,9 %

• Atividades consultoria, científicas, técnicas, administrativas, serviços de apoio: - 6,4 %

Verificamos assim que o crescimento do “volume” produzido por hora de trabalho:

• oi quase nulo ou mesmo negativo em atividades onde não custa perceber, de modo empírico, a evolução técnica e a introdução crescente de novos serviços;

• foi muito reduzido (14,9% em 17 anos) em atividades sujeitas a grande concentração (comércio, armazenagem) e melhorias tecnológicas (transporte);

• foi equivalente na indústria e atividades financeiras e seguros. Mas a equivalência é aparente. O crescimento do “volume” por hora de trabalho nas atividades financeiras e seguros teve a seguinte evolução: crescimento de 100% até 2009 e elevado decréscimo a partir daí, confirmando, tal como afirmámos acima, que com os métodos atuais não é avaliada a produtividade mas o resultado destas atividades.

6 – FINAL: CONCLUSÕES. PROPOSTAS

18. Concluímos:

i – em termos gerais:

• tendo a ciência económica nascido com Adam Smith, o objeto e a medida correspondiam a um período em que o desenvolvimento da Revolução Industrial significava o incremento da riqueza das nações, ou seja, o problema era aumentar a capacidade de produção de bens materiais através da utilização crescente de novos instrumentos;

• como tal, a produtividade é um conceito saído da Revolução Industrial e, na origem associada aos clássicos, incluindo Marx;

• a teoria económica neoclássica dá origem ao “growth accounting”, isto é, decomposição explicativa do crescimento através da contribuição dos factores trabalho e capital, bem como da produtividade total dos factores (PTF). Não há qualquer distinção conceptual e na medida entre bens e serviços;

• do ponto de vista da medida, a utilização de índices para avaliar o “volume de produção” não é feita sem problemas, mesmo para os bens. Transformar valores (preços x quantidades) em quantidades (deflacionando através de índices de preços) tem sido uma tarefa longe de conclusiva e agravada pela sistemática inclusão de novos produtos (inovadores ou qualitativamente distintos). A forma

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01. ESTUDOS

como é medido o “volume”, uma abstração, não permite mais do que uma aproximação à medida da produtividade.

ii – em termos específicos (serviços):

• a consideração dos serviços como objeto autónomo e a respetiva definição faz explodir, digamos assim, a noção de output, mais facilmente identificável, apesar de tudo, em termos dos bens. Dever-se-á lembrar que a definição do output e respetiva valorização é uma construção social submetida a escolhas que dizem respeito a realidades que se pretendem avaliar.

• para um conjunto de serviços com expressivo peso no total da produção, comércio, sector financeiro, administração pública, a medida do output e, portanto, da produtividade, são realizadas através de métodos inconsistentes para os objetivos pretendidos;

• o “curto-circuito” estabelecido pelos serviços numa representação definida para os bens significa a necessidade de uma nova abordagem, um “pauzinho na engrenagem” do paradigma teórico e estatístico dominante, que não faça depender a criação de empregos da relação entre crescimento e produtividade, isto é, uma outra visão do progresso económico e social que não dependa exclusivamente daquela relação.

17. Poderíamos situar-mo-nos como alguns autores que colocam a interrogação sobre a obsolescência dos conceitos crescimento e produtividade. Não pensamos ser essa a alternativa porque estaríamos perante uma sociedade que não existe, isto é, estamos num mundo em que o trabalho é a origem do que se produz.

Ou seja, do ponto de vista conceptual é importante articular o conceito produtividade com outros conceitos que lhe são próximos mas que não devem ser confundidos. Para tal aproveitemos as definições apresentadas no nº 3 da Revista:

Desempenho (performance) – conceito colocado no patamar mais elevado e que significa a capacidade de uma organização “alcançar determinado número de objetivos gerais, predefinidos, relativos a dados aspetos do seu desenvolvimento” (ex. no caso de um país: crescimento do produto de x% e melhoria de y p.p. da parte do trabalho no rendimento);

Eficácia – avaliada pelo nível de alcance dos objetivos definidos, desejavelmente mensuráveis (económicos, sociológicos, ecológicos, etc.);

Eficiência – avaliada pelo nível dos objetivos conseguidos com a minimização dos recursos.

E é neste conceito que devemos fazer a distinção decisiva entre eficiência entendida do ponto de vista económico e do ponto de vista técnico.

Portanto, em conclusão

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produtividade = eficiência técnica

implicando a obrigatoriedade de definir rigorosamente o output (as quantidades), o que objetivamente não é conseguido com os métodos utilizados pelas contabilidades nacionais.

Em definitivo: se a resultante de uma atividade não é associada aos actos que lhe dão origem, isto é, a processos de trabalho identificáveis, ou se depende mais de fatores externos a esses processos de trabalho do que do próprio trabalho, o conceito produtividade deve ser abolido.

(à margem, fica “resolvido” o paradoxo de Ha-Joon Chang, in: “23 coisas que nunca lhe contam sobre economia”, - um motorista sueco ganha 50 vezes mais que um motorista indiano, sendo exigido a este maior perícia)

Efetividade – medida do efeito, que pode ser positivo ou negativo. Decisivo para os serviços, distinguindo output e outcome.

3. Finalmente, duas propostas:

i – do ponto de vista da atuação política

• (prioritário) contrariar a referência à produtividade na discussão do salário mínimo, no plano da Concertação Social (o que naturalmente implica formação sindical nesta matéria) e no plano legislativo, na tentativa de retirar a produtividade como eixo balizador. Dito de outra forma, quando se verificar a referência à produtividade deve ser perguntado: “de que produtividade se fala?”; “existe conhecimento dos problemas de medida, em particular nos serviços, reconhecidos pelas mais diversas instituições?” de modo a afirmar: “aceita-se a produtividade como integradora da discussão salarial desde que ela reflita com fiabilidade as quantidades produzidas”;

• (importante) contrapor aos dados globais sobre produtividade a segmentação em termos de produtividade industrial e dos serviços;

• (ainda importante) procurar, à luz dos conceitos defendidos acima, (re)discutir o QUAR, definido numa lógica top-down, onde são evidentes exatamente no topo concepções erróneas, desde logo por ter por referência a produtividade da Administração Pública

ii – do ponto de vista da análise económica

• com base em estudos iniciados nos finais dos anos do séc. passado, não aplicados em Portugal e que não tiveram tanto quanto sabemos sequência, desenvolver um sistema de contabilidade em tempo de trabalho;

• incluir os serviços como “3º sector” nos esquemas de circulação do capital

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02. AS CONTAS PÚBLICAS

O verdadeiro teste ao saldo estrutural pode estar perto...

RICARDO CABRAL

Na passada quinta-feira a Comissão Europeia apresentou em Lisboa o “Pacote da Primavera e as Recomendações Específicas por País” para Portugal.[1]

No caso de Portugal, as quatro principais recomendações da Comissão Europeia são, de forma simplificada, as seguintes: continuar a política de consolidação orçamental e de redução do défice; incentivar a criação de contratos de trabalho a tempo indeterminado e evitar que aumentos de salário mínimo resultem num aumento do desemprego; resolver o problema do crédito malparado da banca; e melhorar processos de insolvência e processos fiscais, bem como minorar “obstáculos regulamentares” nos sectores da construção e dos serviços.

No que respeita à primeira recomendação – continuação da política de consolidação orçamental e de redução do défice público – é de salientar que a Comissão prevê um défice público de 1,8% em 2017, acima do previsto pelo Governo (1,5% do PIB). É provável, porém, que na sequência dos últimos dados do INE sobre a economia portuguesa e da recente posição do FM – que na sexta-feira, 30 de Junho, anunciou que o défice de 1,5% do PIB será atingido confortavelmente – a Comissão venha a rever em baixa a sua previsão do défice público.

Mais interessantes são as previsões do saldo estrutural – conceito técnico, como se sabe, muito controverso – que a Comissão estima agora em 2,0%, 2,2% e 2,4% do PIB, respectivamente, para 2016, 2017 e 2018, na ausência de “medidas de política adicionais”.

Por um lado, essas previsões sinalizam que se não forem adoptadas medidas restritivas adicionais, Portugal não cumpriria as recomendações do Conselho da União Europeia (Eurogrupo), de 12 de Julho de 2016, para a redução do saldo estrutural em 0,6 p.p. do PIB em cada ano. O desvio no défice estrutural seria de 0,8 p.p. do PIB, em 2017 (=2,2%-(2,0%-0,6%)), e outro tanto em 2018 (=2,4%-(2,2%-0,6%)), i.e., mais de 1500 milhões de euros em cada ano. Em 2018 o desvio acumulado seria de cerca de 3100 milhões de euros. Ou seja, ao avançar com estas estimativas para o saldo estrutural em 2017 e 2018, que revêem em baixa as estimativas anteriores, a Comissão está a defender que, em comparação com a execução orçamental de 2016, seria necessário reduzir muito a despesa pública em 2017 e

AS CONTAS PÚBLICAS

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2018, até porque o saldo estrutural exclui receitas e despesas públicas que sejam consideradas temporárias.

Por outro lado, a Comissão estima um défice nominal, sem medidas extraordinárias, de 2,3% do PIB em 2016 e de 1,8% do PIB em 2017. Ou seja, entre 2016 e 2017, registar-se-ia, segundo a Comissão, uma deterioração de 0,7 p.p. do PIB [=(2,3% – 2,0%) – (1,8% –2,2%)] da relação entre défice nominal e défice estrutural, excluindo medidas extraordinárias, o que é uma diferença elevada (a explicação técnica, resulta das estimativas da Comissão tanto para a taxa de crescimento do produto potencial como do efeito da componente orçamental cíclica).

De salientar ainda que a Comissão argumenta que, para atingir a redução do saldo estrutural em 0,6 p.p. do PIB, em cada ano, será necessário assegurar que a despesa líquida primária (com pequenos ajustamentos) não cresça, em cada ano, mais de 0,1%, em termos nominais. Este requisito afigura-se constituir um enorme colete de forças que muito condiciona as opções de política económica do Governo, nomeadamente, porque limita a utilização da despesa pública como instrumento de política orçamental e porque cria um enviesamento para realizar o ajustamento orçamental através da redução da despesa pública.

Ganha, por isso, importância a carta assinada por vários ministros das finanças da zona euro, incluindo o ministro das finanças português, em que são propostas algumas melhorias a esse conceito económico, ainda que marginais.

Se as contas públicas e o crescimento económico do País evoluírem bem nos próximos dois anos, será interessante analisar a revisão da estimativa do saldo estrutural pela Comissão Europeia. Porque, o défice nominal pode ser medido. Mas o défice estrutural é inferido com base em estimativas não observáveis e não mensuráveis. Ora, não faz sentido contrapor a um défice nominal de, por exemplo, 0,5% do PIB, um défice estrutural, por exemplo, de 2,5% do PIB. Números que teriam de ser apresentados e defendidos pela Comissão Europeia junto dos ministros das finanças da zona euro para, eventualmente, justificar a exigência de medidas adicionais de política restritiva! Certamente, a maior parte dos ministros das finanças da zona euro não compreenderia as razões para tal diferença e isso seria (ou deveria ser) a “sentença de morte” para o conceito de saldo estrutural.

Será que as contas públicas portuguesas, nos próximos anos, vão contribuir para esse desfecho há muito necessário?

Com efeito, parece necessária muita ginástica “estrutural”, por parte da Comissão, nos próximos dois anos, para manter vivo o conceito de saldo estrutural como instrumento de política orçamental.

Um tema (demasiado técnico) a seguir com interesse…

Artigo publicado originalmente em: http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2017/07/02/o-verdadeiro-teste-ao-saldo-estrutural-pode-estar-perto/

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02. AS CONTAS PÚBLICAS

O andamento das contas públicas nos primeiros cinco meses de 2017

RICARDO CABRAL

Na segunda feira, ficou a conhecer-se a execução orçamental nos primeiros cinco meses de 2017, em contabilidade pública, isto é, numa óptica de entrada e saída de dinheiro da tesouraria pública.

Nos primeiros 5 meses do ano, o défice das Administrações Públicas derrapa (aumenta) 359 milhões de euros em comparação com o período homólogo de 2016.

Mas o Governo argumenta que os reembolsos de IRS e de IVA estão a ser feitos mais cedo do que no ano anterior, com um aumento dos reembolsos de 1 546 milhões de euros, em comparação com o período homólogo.

Por outro lado, o aumento de 135 milhões de euros da despesa com juros, observado nos primeiros cinco meses deste ano, poderá resultar da alteração do perfil de emissão da dívida ao longo de um ano, isto porque em anos recentes, o IGCP tem emitido mais dívida nos primeiros meses do ano. Note-se que o Governo anunciou recentemente que espera uma poupança de 250 milhões de euros, em 2017, na despesa com juros, pelo que a despesa com juros em 2017 deverá ser próxima da registada em 2016 (cerca de 8 mil milhões de euros, em contabilidade nacional).

Por último, estão a ser comparados dados preliminares relativos à execução de Janeiro até Maio de 2017 com os dados definitivos (e revistos) relativos à execução orçamental de Janeiro até Maio de 2016, o que poderá também introduzir um pequeno desvio na análise comparativa. De facto, os défices das Administrações Públicas, entre Janeiro e Maio de 2016, foram revistos em baixa, com o défice acumulado entre Janeiro e Maio de 2016 a cair de 395 (estimativa preliminar da DGO) para 339 milhões de euros (estimativa final da DGO).

Ao comparar dados definitivos de 2016 com dados preliminares de 2017 que, a ocorrer o mesmo que em 2016, serão revistos posteriormente em baixa, tende-se a subestimar a redução do défice que está a ocorrer este ano.

A confirmar-se, e com estimativas muito simples, a execução orçamental nos primeiros cinco meses do ano, poderá ter melhorado cerca de 1 378 milhões de euros[1] em comparação com o período homólogo de 2016.[2]

Se se mantivesse a tendência até ao resto do ano (extrapolação linear), então o saldo das Administrações Públicas em contabilidade pública em 2017 melhoraria cerca de 3 300 milhões

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de euros [=(1 378/5)*12] em relação a 2016, o equivalente a uma melhoria nas contas públicas de 1,7 p.p. do PIB de 2017 (=3 300/192 000), muito acima do esforço que é necessário para reduzir o défice público de 2,0% do PIB (ou mesmo de 2,4% do PIB) para 1,5% do PIB.

Parece bom demais para ser verdade.

Evidentemente, outras variáveis, não incluídas explicitamente na explicação fornecida pelo Ministério das Finanças, poderão estar a correr menos bem. E é também possível que a tendência se altere nos próximos meses.

Ou seja, embora os cálculos acima sejam apenas aproximações simplistas, e se possam afastar muito dos valores que se irão observar, dão pistas interessantes sobre a execução orçamental em 2017 e são úteis para balizar as estimativas obtidas com outras metodologias.

Tenha-se presente que o INE estimou o défice, em contabilidade nacional, no 1º trimestre de 2017 em 2,1% do PIB, 1,2 pontos percentuais abaixo do registado no trimestre homólogo, o que também indicia que será possível cumprir (e exceder) o objectivo para o défice de 1,5% do PIB em 2017, se se mantiver esta tendência no resto do ano.

 

[1] ~=1 546 M€ (de reembolsos de IRS e IVA que em 2017 já estão contabilizados no défice, quando não estavam em 2016) + 135 M€ (de aumento da despesa com juros entre Janeiro em Maio) – 359 M€ (de deterioração do défice nos primeiros cinco meses de 2017 em comparação com o período homólogo de 2016) + (395 – 339) M€ (que resultam da revisão em baixa do défice entre Janeiro e Maio de 2016).

[2] Uma parte do aumento dos reembolsos poderá ser explicado por um maior nível de reembolsos em 2017 em comparação com 2016, o que tenderia a resultar numa melhoria menos acentuada do défice público.

Artigo publicado originalmente em:

http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2017/06/28/o-andamento-das-contas-publicas-nos-primeiros-cinco-

meses-de-2017/

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03. CMEC E EDP

CMEC E EDP

Os famosos CMECMARIANA MORTÁGUA

Quando a EDP era pública investiu na construção e manutenção de várias centrais elétricas. Quando preparava a venda da empresa a privados, o Estado criou os Contratos de Aquisição de Energia (CAE), que obrigavam à compra de toda a energia produzida naquelas centrais e barragens.

Depois da privatização, a propaganda do capitalismo popular depressa terminou (chegou a ter 800 mil pequenos acionistas) sob a pressão dos grandes interesses financeiros e a empresa acabou nas mãos do Estado chinês. Mais, a liberalização do mercado que, garantiam, ia trazer a Portugal as maravilhas da concorrência, não resolveu nenhum problema. O mercado continuou concentrado, dominado pela EDP, e a conta da luz astronómica. Porquê? Porque os donos da EDP instalaram-se no melhor de dois mundos: lucros privados com subsídios públicos. A partir de 2007, por ação de governos do PS e depois do PSD, os CAE dão lugar aos Custos de Manutenção de Equilíbrio Contratual (CMEC) a pagar pelos consumidores para sustentar os lucros da empresa. Em poucas palavras, são contratos que garantem que a rentabilidade daquelas centrais da EDP não será inferior a 14% ao ano.

Descobrimos então o segredo do sucesso da EDP, a empresa que lucra mil milhões ao ano, e do seu supergestor milionário, António Mexia. O truque são estas rendas excessivas que a EDP coloca na fatura com a cumplicidade dos governos. Os CMEC já chegaram a atingir um terço dos lucros da elétrica. É também por isto que pagamos uma das eletricidades mais caras da Europa. A promessa de “capitalismo popular” da privatização da EDP mostra a sua verdadeira face: os cidadãos são postos a pagar o suposto sucesso dos gestores no mercado livre.

Artigo publicado originalmente em: http://www.jn.pt/opiniao/mariana-mortagua/interior/3-8537447.html

Mercado com pés de barroPEDRO ADÃO E SILVA

Registei a preocupação de António Mexia em colocar as decisões políticas relevantes sobre o tema das rendas elétricas nos anos de 1995 e 2004. Talvez o propósito tenha sido afastar o

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assunto o mais possível do universo ‘Operação Marquês’ e afirmar que não é novo. Em todo o caso, é sabido que foi em 2007 que os princípios que regem o sistema foram operacionalizados.

Mas este deslocar no tempo teve um efeito de revelação. Se considerarmos os anos referidos, notamos que, por coincidência, os dois protagonistas da conferência de imprensa estavam, então, sentados no Conselho de Ministros. Mexia como ministro das Obras Públicas em 2004 e Catroga como titular das Finanças em 1995. O mesmo Catroga que foi depois responsável pela negociação do memorando de entendimento em nome do PSD, para logo migrar para a EDP, (re)nacionalizada por um Estado estrangeiro. Esta espantosa transumância é uma das marcas do setor energético português e não é exclusivo da direita. Basta recordar que Manuel Pinho passou de titular do setor a professor em Nova Iorque sponsorizado pela EDP e, antes, já Pina Moura tinha ido da Horta Seca para a Iberdola, mandando às urtigas princípios éticos que deveria ter aprendido na casa de partida (o PCP).

Processo judicial à parte, há matéria política suficiente para o tema da energia nos deixar de pé atrás.

Estamos face a um exemplo muito português do capitalismo com pés de barro. As virtudes do mercado são enaltecidas, privatiza-se e herda-se negócios privados sustentados por recursos públicos e, pior, à custa da captura do interesse comum (visível nos preços exorbitantes da eletricidade). O Estado permitiu/promoveu a assinatura de contratos leoninos, que nos amarram a um princípio, aliás explicitado com clareza por Mexia: “garantir a neutralidade financeira”. Ou seja, iniciativa privada sem risco para quem investe, mas com custos intermináveis para o contribuinte.

O tema não é novo, sobreviveu com robustez a vários executivos e até à troika. No que é mais um exemplo da aplicação assimétrica do MdE, as rendas na energia provam que havia margem política para fazer escolhas. Chegada a altura da privatização, o Governo escolheu descartar um secretário de Estado e vender uma EDP com lucros garantidos (os CMEC asseguram cerca de um terço dos lucros anuais da empresa), em lugar de renegociar as rendas (que com Sócrates eram vistas como virtuosas).

Provavelmente tarde, talvez tenha chegado uma oportunidade para enfrentar o problema. Começando pelo essencial: perceber que não é possível privatizar sem ter estruturas de regulação fortes e que é chocante continuar a fazer depender a determinação dos montantes anuais das compensações de dados fornecidos pelos próprios interessados. Aliás, pode bem ser aqui que se encontra o problema judicial.

Artigo publicado originalmente em: http://expresso.sapo.pt/opiniao/opiniao_pedro_adao_e_silva/2017-06-09-Mercado-com-pes-de-barro

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04. UNIÃO BANCÁRIA

UNIÃO BANCÁRIA

A União Bancária morreu?

NUNO TELES

No passado Domingo soubemos de mais um resgate bancário na Zona Euro. O Estado italiano comprometeu-se a pagar até 17 mil milhões de euros na resolução de dois “pequenos” bancos: o Veneto Banca e o Banca Popolare di Vicenza. Depois de anos de resgates milionários nada aqui parecia muito estranho numa UE povoada por bancos zumbis. No entanto, o facto de termos um resgate público do Estado italiano, pouco mais de um ano depois da entrada em vigor da União Bancária na Zona Euro, desfere um aparente golpe na última.

A criação de uma União Bancária Europeia servia dois propósitos explícitos: 1) impedir que sejam os Estados a arcar com os custos de bancos em falência, penalizando em alternativa os credores destes últimos (entre eles, os grandes depositantes); 2) quebrar a excessiva proximidade da banca com os diferentes Estados europeus, fonte de instabilidade monetária na zona Euro (um euro num banco alemão está mais seguro e, portanto, vale mais do que um euro num banco grego).

Em Portugal, a União Bancária teve efeitos ainda antes de entrar em vigor. O BANIF foi vendido rapidamente, a preço de saldo, ao Santander por forma a evitar os custos para os depositantes e o Novo Banco aparentemente foi vendido à pressa ao “fundo abutre” Lone Star devido ao calendário imposto pela UE.

Ora, os dois bancos italianos escaparam ao “mecanismo de resolução europeu”, já que este não considerou que estes colocassem algum risco sistémico à banca italiana e europeia. Em alternativa, a falência destes bancos foi gerida e financiada pelo Estado Italiano, que se apressou a garantir que depositantes e credores seniores, nomeadamente outros bancos italianos, não seriam atingidos. Ou seja, o Estado Italiano interveio por forma a evitar o risco sistémico, cuja hipotética ausência serviu de subterfúgio para a não intervenção europeia. Confuso, não?

Ao abrir excepções tão flagrantes ao seu funcionamento, a União Bancária parece ter falhado estrondosamente nos seus propósitos. Tudo permanece como dantes? Não. A solução encontrada para estes bancos italianos vai de encontro ao projecto do BCE para a banca europeia: integração da banca regional e nacional em grandes conglomerados europeus. Em Portugal e Espanha (com o Banco Popular) foi o Santander, em Itália é o Intesa Sanpaolo, um

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grande banco italiano, que irá ficar com os activos de qualidade destes bancos e não terá de arcar com os custos dos seus empréstimos a estes dois bancos.

Finalmente, importa notar que, se o objectivo da União Bancária é criar grandes conglomerados europeus, esta política tem com consequência (ou causa?) um tratamento político diferenciado dos países da zona euro, favorecendo as grandes economias, com bancos de tamanho suficiente para terem um alcance europeu, como agora se testemunhou com o tratamento de excepção dado a Itália.

Artigo publicado originalmete em: http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2017/06/a-uniao-bancaria-morreu.html

O BCE “manda liquidar” dois bancos italianos

RICARDO CABRAL

O BCE determinou este fim-de-semana que dois “pequenos” bancos italianos, Veneto Banca S.p.A. and Banca Popolare di Vicenza S.p.A (BPVi), 2,3 e 2,9 vezes a dimensão do Banif, com activos totais de cerca de 28,1 e 32,4 mil milhões de euros no final de 2016, respectivamente, estavam a “falhar ou iriam provavelmente falhar” porque, de forma recorrente, violariam os rácios de capital.

Neste caso, o BCE não chegou a esta determinação em resultado de uma corrida aos depósitos mas porque, alegadamente, os bancos estariam insuficientemente capitalizados, com o BCE aparentemente a exigir um aumento de capital de mais 6,4 mil milhões de euros. Os bancos não teriam apresentado planos de recapitalização credíveis.

Ao fazer essa determinação, o BCE passa a decisão para o Conselho Único de Resolução (CUR) que, estranhamente, indica explicitamente que não é do interesse público e não existe suficiente fundamentação para a aplicação da medida de resolução aos dois bancos e, por conseguinte, indica que os dois bancos serão liquidados de acordo com os procedimentos “normais” de insolvência pelas “autoridades nacionais”.

Esta é uma decisão sui generis. Com efeito, julgo ser a primeira vez que esta figura é utilizada pelas autoridades europeias. Como compreender esta decisão?

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04. UNIÃO BANCÁRIA

ALGUMAS NOTAS:

1. O BCE recusou pressões do governo italiano que pretendia seguir a metodologia que utilizou para o Monte dei Paschi di Siena – recapitalização pública, na prática sem “bail-in” de credores. Ocorreram negociações nos últimos meses em que a questão chave era qual o nível de injecção de capital por privados (o Estado italiano estaria disponível para recapitalizar os dois bancos com dinheiros públicos). Os investidores privados recusaram investir mais para recapitalizar os dois bancos.

2. O CUR não tem o poder para liquidar um banco. Apenas tem o poder de aplicar a medida de resolução a um banco ou, em alternativa, submeter um pedido a um tribunal de insolvência para que este determine a liquidação do banco, à luz da lei geral de insolvência e liquidação, aplicável à generalidade das empresas.

3. A figura de liquidação ordeira (“orderly winding down”) para um banco só aparece uma vez no texto da directiva europeia sobre resolução bancária e é um conceito que se afigura “académico”. Por isso, é que o CUR, no seu comunicado, indica que o banco será liquidado recorrendo aos procedimentos “normais” de insolvência vigentes em Itália, legislação essa que é pouco apropriada para bancos de dimensão média ou grande, como no caso actual.

4. O Fundo Atlante, o banco mau italiano, apoiado indirectamente e de forma controversa pelo Estado italiano, investiu 2,5 mil milhões de euros na recapitalização do BPVi e do Veneta Bank, em Junho de 2016, colocando os rácios de capital dos dois bancos acima dos níveis exigidos pelo BCE (10,25%). E já este ano terá injectado mais 938 milhões de euros. Cerca de um ano depois da primeira injecção de capital, perde tudo! Ou seja, a decisão do BCE agrava a situação financeira dos restantes bancos italianos, accionistas do Fundo Atlante e coloca o futuro do banco mau italiano em causa.

5. O BCE dá a entender que o processo de recapitalização dos dois bancos se arrasta, sem sucesso, desde 2014, mas não será bem assim. Os rácios de capital cumpriam os requisitos do BCE em 2016, mas a constituição de mais imparidades, provavelmente sob pressão do próprio BCE, volta a resultar numa queda dos rácios de capital dos dois bancos em 2017.

6. Por último, o rácio de capital CET1 do Veneta Banca e do BPVi e, no início de 2017, era de 6,65% e 8,21%, respectivamente, ou seja, só no primeiro caso abaixo do mínimo oficial de 8% mas muito inferior aos requisitos de capital definidos pelo BCE, arbitrariamente, afigura-se, para os dois bancos (10,25%, com um mínimo absoluto de 8,75% por decisão do BCE do final de 2016). Ou seja, os dois bancos são tecnicamente solventes.

7. A proposta de liquidação deve ser entendida como uma solução de recurso. Parece que o CUR não conseguiu encontrar uma fórmula para a resolução dos dois bancos no tempo que dispunha e, por isso, remete o assunto para que o governo italiano possa intervir e aplicar a medida de resolução à sua maneira. Ou seja, afigura-se que este caso prova que a medida de

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resolução da União Bancária é demasiado complexa e somente aplicável em casos em que existe uma solução “fácil e rápida”.

8. Aparentemente, a solução que se perfila é criar um banco mau e um banco bom, e vender o banco bom por 1 euro ao Intesa Sanpaolo, com um custo para o erário público que a imprensa indica  poderá atingir 17  mil milhões de euros. Isto é, uma resolução e não uma liquidação, mas conduzida pelo governo italiano, desconhecendo-se o enquadramento jurídico para tal. E, novamente, um grande banco que é criado a partir dos escombros de dois pequenos bancos, retirando património a uns para dar a outros.

Em suma, o caso destes dois bancos italianos suscita novamente dúvidas. Se já tinha sido reconhecido, desde 2014, que os dois bancos estavam insuficientemente capitalizados, como se atrasa este processo durante tanto tempo? E como se aumentam os requisitos de capital mínimo de forma tão brusca?

Por outro lado, como é possível mandar bancos desta dimensão para a liquidação? Dado o elevado número de clientes destas instituições (mais de dois milhões), é provável algum contágio e pânico. E como é aceitável que tendo o Fundo Atlante investido vários milhares de milhões de euros em 2016, agora perca tudo? Acresce que é também provável que credores subordinados bem como credores seniores sofram perdas significativas.

Com estes casos, o BCE sinaliza que é arriscado participar em aumentos de capital da banca, porque pode alterar os requisitos de capital de um dia para outro!

Enfim, o BCE avança pelo caminho da resolução e do uso agressivo dos seus novos poderes, mas cada caso continua a ser, aparentemente, um caso!

Artigo publicado originalmete em: http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2017/06/25/o-bce-manda-liquidar-dois-bancos-italianos/

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05. EMPREGO E REFORMAS NEOLIBERAIS

EMPREGO E REFORMAS NEOLIBERAIS

Draghi, Temer, Macron e Centeno

JOÃO RAMOS DE ALMEIDA

“As reformas estruturais que reforçaram a negociação salarial ao nível das empresas podem ter tornado os salários mais flexíveis para baixo, mas não necessariamente para cima.” A afirmação não é de Manuel Carvalho da Silva, mas de Mario Draghi, na sua intervenção no Fórum do BCE, que se realiza até hoje na Penha Longa, em Sintra.

Há alguma ironia, como assina Sérgio Aníbal neste artigo do Público, de ver o presidente do BCE a criticar a excessiva moderação salarial. Mas a sua preocupação não tem directamente a ver com a vida desgraçada de quem recebe baixos salários, na sua vida em gueto social que força a um injusto adiamento do seu futuro, ou no futuro de países em desigualdade social, sem pleno emprego, em desequilíbrio constante e submisso por inerência.

Os macroeconomistas, uns certos macroeconomistas, têm esta carapaça associal que os faz aceitar a desgraça alheia sem revolta, porque supostamente as suas ideias serão melhores para esses desgraçados. A sua preocupação não está no desemprego que provoca esses baixos salários, mas no facto de que a retoma não está a traduzir-se em mais inflação, o que implicaria um fim mais rápido das polémicas medidas expansionistas (taxas de juro muito baixas e compra de dívida pública nos mercados).

Draghi até pode estar sinceramente tenso. Mas o problema é que esse tipo de reformas estruturais ainda se encontra em preparação por todo o mundo, como que conduzido por uma batuta geral, impregnada de uma filosofia vitoriosa. Não se trata de uma questão de eficácia económica e social, mas de uma questão de poder social, do enfraquecimento social de uma determinada visão do mundo, aquela que Corbyn gritou no festival Glastonbury como sendo possível caso a maioria da população lesada se mantenha unida.

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É, aliás, significativo que aquilo que Draghi assinala - com punhos de renda - seja precisamente o que visam as reformas laborais defendidas por Temer, Macron (aprovada hoje) e até por... Mário Centeno, fosse ele ministro da área laboral. Aliás, resta saber se o adiamento para 2018 das mexidas na legislação laboral portuguesa não se prenderá, tanto com pressões comunitárias para nada mexer na reforma de 2012, como para evitar medidas mais gravosas, sem fazer perigar o entendimento parlamentar à esquerda.

Veja-se um resumo dos vários programas.

O QUE DEFENDE TEMER?

Se quer ouvir uma reforma com banda sonora, veja aqui. E depois diga se acredita. Nalguns aspectos, Portugal está bem “à frente” do que se visa...

Acordos de empresa: a lei vai ser revista para permitir a assinatura de acordos de empresa, regulamentando para tanto a eleição dos representantes dos trabalhadores nas empresas com mais de 200 trabalhadores. Terão mandatos de dois anos, podendo ser reeleitos. Esses acordos de empresa passarão a poder abranger a divisão dos períodos de férias (quando hoje são indivisíveis), aumentar a jornada de trabalho para 12h diárias e 48h semanais (hoje de 8h a 10h diárias e 44 semanais), exclusão do tempo de transporte como horário de trabalho (hoje está incluído caso não haja transporte público), intervalos de trabalho no mínimo de 30m e que o intervalo seguinte seja suprimido (quando hoje são de uma hora para repouso e alimentação em caso de mais de 6h de trabalho num dia e, em caso de ser feito apenas 30m o Supremo Tribunal considera que o intervalo seguinte será de 1h30).

Acções contra empresas: se o trabalhador interpuser uma acção judicial contra a empresa terá de pagar as custas periciais, só sendo gratuito para quem não tiver recursos.

Limites na jurisprudência: Diz a Edição do ElPais: O novo projeto quer requisitos mínimos para a edição de súmulas e outros enunciados de jurisprudência do TST, tomando por base procedimentos já previstos no Código de Processo Civil e para o STF. “Assim, com a redação dada ao art. 702 da CLT, pretendemos limitar as interpretações ampliativas, e em alguns casos criativas, por parte do TST.” Claro, não é?

“Terceirização” para todas as actividades e para algumas do Estado: a duração dos contratos temporários passa de três para seis meses, com possibilidade de extensão por mais 90 dias, ou seja, até nove meses de trabalho temporário. Segundo o El Pais, o texto aprovado inclui a possibilidade de contratação de temporários para substituir grevistas, se a greve for declarada abusiva ou houver paralisação de serviços essenciais. Cada vez mais claro! Não há vínculo contratual entre a empresa e o trabalhador “terceirizado”, nem há qualquer garantia (hoje 4% do valor do contrato é retido como garantia do cumprimento dos direitos laborais). O pagamento de direitos laborais fica limitado à empresa que directamente o contrata (quando hoje, escreve

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05. EMPREGO E REFORMAS NEOLIBERAIS

o El Pais, “o trabalhador terceirizado poderia cobrar o pagamento de direitos trabalhistas tanto da empresa que terceiriza quanto da tomadora de serviços, a chamada responsabilidade solidária”). Vantagem suprema: “O empregador não poderá demitir o trabalhador efetivo e recontratá-lo como terceirizado durante de 18 meses. Depois de ano e meio... Ao que parece, o projecto recupera um projecto de Fernando Henrique Cardoso, com 19 anos. Os seus apoiantes vêem a capacidade de criação de empregos – sempre naquela lógica, quanto mais selvagem, maior o estímulo para a criação de emprego (nunca falando dos que morrem). O projecto foi criticado pelas centrais sindicais por fragilizar e precarizar as relações laborais, reduzindo salários e elogiado pelo Governo porque “ajuda muito porque facilita a contratação de mão de obra temporária, e facilita a expansão do emprego”.

Corte nas quotizações sindicais: Passam a ser facultativas (quando hoje era de um dia de trabalho por mês, qualquer coisa como 3% do salário, sejam sindicalizados ou não).

Despedimento por mútuo acordo: O trabalhador pode rescindir por mútuo acordo que continua a receber o fundo criado em seu nome, reduzindo-se a multa da empresa de 40 para 20%: pode retirar 80% desse Fundo, mas perde o direito a receber o seguro-desemprego (quando hoje pode ter acesso aos seus fundos do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço).

E O QUE DEFENDE MACRON?

A edição de hoje do Mediapart consagra a sua manchete ao tema. O governo pediu um pedido de legislação para alterar a legislação laboral, que deverá ser apresentado no conselho de ministros hoje, a 28/6/2017.Foi no Mediapart que encontrei um artigo clarificador das intenções. Mas também aqui.

Como é possível de verificar no projecto de autorização legislativa, é dada grande atenção à negociação de condições laborais ao nível de empresa, seja no quadro de relações individuais como colectivas. Essas alterações incluem as áreas em que a negociação não pode ultrapassar a negociação colectiva sectorial (o mesmo é dizer: as áreas em que se sobrepõe à negociação sectorial), rescisão de contrato em caso de recusa pelo trabalhador, primazia ao diálogo em concertação ao nível de empresa, amálgama da representação dos trabalhadores (das áreas laborais e de higiene e segurança no trabalho), tudo a par de uma representação dos trabalhadores na administração e órgãos de supervisão.

Sobre outros temas, veja-se aqui. Eis um resumo:

Tudo definido na empresa: Despedimento: fazer depender as razões de despedimento das condições de cada empresa, definidas pelo patronato (quando hoje os despedimentos, se podem ocorrer devido a baixas de actividade, têm de ser observáveis durante um dado período de tempo consoante a dimensão da empresa). Definição das condições para contratos a prazo: o patronato definiria a duração, o motivo, o número de renovações, o período de carência, a

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forma de rescisão. Acordos de empresa: Os acordos sectoriais apenas aconteceriam em casos marginais e os acordos de empresa teriam primazia sobre as condições contratuais sectoriais.

Apoio aos sindicatos minoritários: o patronato poderá colocar à votação dos assalariados um acordo assinado com sindicatos com pelo menos 30% dos votos nas eleições profissionais. O projecto prevê mesmo que o patronato poderá colocar à votação um acordo cuja negociação não tenha sido concluída... 

Reduções de indemnizações por despedimento: O projecto prevê um limite máximo às indemnizações por despedimento sem justa causa. 

Despedimento facilitado: Nos casos dos trabalhadores pertencentes a multinacionais, é admitido como válido razões nacionais para o despedimento de trabalhadores, mesmo que o grupo tenha lucros a nível internacional. Redução de 12 para dois meses o prazo fixado para recorrer à primeira instância judicial em caso de litígio laboral. Aumento de número de trabalhadores a partir do qual a empresa, em caso de despedimento, tem de desencadear um plano de salvaguarda de emprego.

E O QUE DEFENDE CENTENO?

Mário Centeno não é o ministro da área laboral, mas tem um pensamento estruturado sobre essa área. Partindo do livro publicado pela Fundação Manuel Soares dos Santos, com o sugestivo título: “O Trabalho, uma visão de mercado”, que resume as suas ideias, aproveita-se a própria síntese feita por Mário Centeno.

Uma ideia interessante: quem despede deve ter uma taxa social única agravada. Porque, na prática, essas empresas transferem para toda a comunidade aquilo a que Centeno frisa ser o “custo privado” do despedimento que realizaram. Mas esta ideia de “internalização” nas empresas do custo do desemprego tem, porém, outras vertentes.

Centeno defende que o subsídio de desemprego deveria se tornar em contas individualizadas, que o trabalhador ia usando ao longo da sua vida activa. Quando se reformava recebia o remanescente – “é o seu dinheiro”. Mais uma individualização versus solidariedade. E com mais cambiantes: 

1)      privilégio da relação negocial ao nível da empresa: “Empresários e trabalhadores têm de compreender que o alargamento das possibilidades de negociação directa é benéfico para ambos. Esta atomização do paradigma social tornaria a determinação salarial um fenómeno essencialmente interno à empresa e, como tal, mais próximo da realidade económica”. Ou seja, como se não houvesse uma relação de poder enfraquecida que puxasse o salário para baixo. Centeno defende a consagração de um Acordo Geral de Empresa, figura que, embora seja semelhante ao acordo de empresa, pode ser negociado “sem intermediação do sindicato sectorial” e “permitindo acomodar ciclos económicos próprios de cada empresa”. Ou seja, como se vivêssemos num mundo perfeito. “A concorrência entre sindicatos e comissões de

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05. EMPREGO E REFORMAS NEOLIBERAIS

trabalhadores só pode trazer bons resultados”. Até agora a concorrência entre centrais sindicais apenas tem trazido maus resultados...

2)    Contrato único: Centeno defende o fim dos contratos a prazo e a existência de apenas um tipo único de contrato. Mas isso requereria “um quadro legal que estipule um novo equilíbrio entre a componente processual da protecção dos direitos dos trabalhadores e das empresas”. Mas a sua ideia de “direito” tem um enfoque conceptual muito economês, mesmo quando se fala da vida dos trabalhadores: “direito tem o significado muito preciso de garantir o retorno dos investimentos de cada um dos intervenientes na relação laboral”. Como? Compensações “mais generosas” por despedimento – ao contrário do que feito desde 2010, quando se cortou 30% – , períodos de pré-aviso mais alargados (supõe-se para o trabalhador procurar emprego, algo que o patronato recusará...), mas, por outro, “prolongar o período experimental” – “suficientemente longo é um ingrediente essencial para promover a formação de pares trabalhadores-empresa (...), mas não pode ser demasiado longo, caso contrário, corre o risco de promover a rotação ineficaz de trabalhadores”. Limitar a intervenção judicial aos despedimentos por causas não económicas e de justa causa, “sem interferir nas decisões económicas das empresas”. O resto pressupõe-se que não aconteça porque o patronato não necessitará de outras figuras. O risco desta ideia é o de que a instabilidade existente hoje, se alargue aos contratos únicos, supostamente permanentes.

Draghi poderá estar preocupado com o fim da política expansionista. Mas o mundo real é outro. E a poderosa política dominante, por muito que diga o contrário, quer um mundo do Trabalho de baixos salários e trabalhadores dominados, com a justificação de que assim se criarão mais postos de trabalho. Até é possível que sim. Mas que vida será essa? Que país será esse? 

O dilema não está entre quem tenha trabalho e quem não tenha (ou seja, na distribuição entre assalariados), mas na repartição do rendimento que assentam os baixos salários e, sistematicamente articulado, os “buracos negros” dos paraísos fiscais, por onde certo rendimento - bastante avultado - se esquiva à tributação geral. 

Tudo o resto pode ser discutido, mas nunca se chegará ao fim do tema.

Artigo publicado originalmente em: http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2017/06/draghi-temer-macron-e-centeno.html

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População, serviços públicos e propriedade

RENATO CARMO

A tragédia de Pedrogão Grande impeliu o país a discutir e a debater pela enésima vez a gravidade dos fogos florestais e a sua relação com o desordenamento territorial, o despovoamento e o envelhecimento das populações rurais.

Parte da discussão tem sido rica e até pedagógica. Aliás, convém realçar o esforço de certa comunicação social em qualificar o debate e a análise ao contrário do que sucedeu num passado recente. Face a este debate não é possível avançar com argumentos inovadores relativamente ao que tem sido refletido e discutido. Contudo, gostaria de identificar três questões estruturais que estão a montante dos problemas que o país tem vivido e na base dos seus grandes desequilíbrios territoriais: a questão da população, a questão dos serviços públicos e a questão da propriedade. Estas serão apresentadas sinteticamente, correndo o risco de algum reducionismo.

Como tem sido referido por vários especialistas, não é difícil depreender que a saída continuada de população das aldeias e o respetivo abandono das terras contribuiu decisivamente para o aumento do risco de incêndios que se tornaram mais frequentes, extensos e devastadores. É assim evidente que o problema do mundo rural é cada vez mais uma questão de falta população. No entanto, nestes tempos em que Portugal sofreu e ainda sofre uma profunda crise económica e social, observa-se que o desequilíbrio populacional deixou de ser exclusivo das zonas mais deprimidas. As estatísticas já vinham evidenciando que certos espaços urbanos e suburbanos, alguns deles em contexto metropolitano, estão a envelhecer e em perda de população. A emigração, que atingiu níveis similares aos da década de 60 do século passado, acelerou esta tendência. Neste sentido, parece-me particularmente difícil que, numa altura em que até determinadas áreas urbanas estão perda, se considere como possível a recuperação demográfica de parte significativa dos espaços rurais. Na verdade, dificilmente isto irá acontecer, mesmo que a emigração diminua drasticamente e que os fluxos imigratórios

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aumentem significativamente. Muitas aldeias vão mesmo definhar no futuro.

Mas esta inevitabilidade não significa o desaparecimento do rural. Bem pelo contrário, é um erro conceber as zonas rurais apenas como territórios de fixação. Recente investigação tem demonstrado que estas são crescentemente zonas de circulação e de mobilidade. Ou, dito de outro modo, os espaços rurais não vivem somente das pessoas que neles habitam, vivem também das pessoas que por eles circulam e que momentaneamente podem fixar-se. De facto, a atração de muitas localidades deriva fundamentalmente de fatores que cruzam o tradicional com o moderno, como o turismo, o consumo, o lazer, a segunda habitação, o desporto, o mero desfrute paisagem, mas também o património, as festas e as romarias, as feiras de produtos tradicionais, etc. Na verdade, este rural de circulação está bem vivo. O problema é que parte da sua dinâmica tende a assentar em pés de barro, correndo, entre outros, o risco de se transformar numa mera montra e não numa realidade com vida própria que derive da relação frutífera entre as atividades económicas, os serviços prestados e as comunidades locais.

E isto remete-nos para a questão dos serviços públicos. Durante as últimas décadas a maior parte dos espaços rurais padeceram de uma certa bipolaridade resultante de políticas públicas contraditórias, que tentarei balizar de forma um tanto redutora. Assim, de um lado, particularmente a nível municipal, verificou-se, desde os anos 80, uma melhoria significativa dos equipamentos e das infraestruturas com consequências relevantes na vida das pessoas. Do outro, sobretudo a nível central, o Estado foi explanando, principalmente a partir dos finais dos anos 90, uma política de redução e de encerramento de serviços públicos prestados às comunidades locais, designadamente nos de apoio social, educativo e de saúde. Esta lógica de desmantelamento teve como resultado a criação de um enorme fosso entre as populações locais e a sua ligação às funções sociais e administrativas do Estado. É no âmbito desta senda regressiva que, por exemplo, se decide acabar com o corpo e a rede de guardas florestais que tanta falta fazem à proteção e à gestão da floresta. Todavia, numa perspetiva de racionalização dos recursos públicos, alguns destes fechos poder-se-iam justificar. No entanto, na maior parte dos casos as medidas foram tomadas sectorialmente, não se desenvolvendo qualquer estratégia global e transversal de articulação entre os diversos ministérios.

Assim, à medida que se investiu no saneamento básico, na construção de equipamentos, no alcatroamento das ruas, nas acessibilidades viárias, deu-se, paralelamente, um desmantelamento dos serviços públicos mais próximos. Estas duas tendências não foram completamente coincidentes no tempo, mas acabaram por acontecer em muitas zonas rurais. Ou seja, o país ficou com vilas e aldeias melhor apetrechadas e limpas, mas mais desprotegidas em termos de serviços públicos. Este paradoxo representou uma das causas principais para que muitos destes territórios não detivessem a capacidade necessária em fixar parte das suas populações.

Perante este estado de coisas, a resposta no presente momento não deve ser a de reabrir escolas e centros de saúde. Isso não só não é financeiramente viável na maior parte das situações como, inclusivamente, não é desejável (tirando algumas exceções). O Estado central

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tem de se virar para as comunidades rurais mas a partir de soluções inovadoras que não passam necessariamente por reabrir o que no passado foi encerrado. Isto representa um grande desafio para as políticas públicas para o qual as universidades e os institutos politécnicos deveriam ser mobilizados no aprofundamento dos estudos e na conceção de políticas de base territorial capazes de promover a equidade social.

O objetivo passa efetivamente por reforçar a presença dos serviços públicos nestes territórios, todavia, isto não significa inventar a roda, mas sobretudo dar condições de viabilidade às instituições públicas que ainda resistem nestas regiões, como é o caso das instituições de ensino superior instaladas nas capitais de distrito e em certas sedes de concelho e que podem prestar um serviço valiosíssimo nas áreas rurais. A título de exemplo, o país detém uma rede descentralizada de escolas superiores agrárias com competências acumuladas no conhecimento da região onde se inserem. Estas podem ser utilizadas e mobilizadas para o estudo, a elaboração e a conceção das melhores soluções relativamente aos necessários planos de reflorestação e de ordenamento locais, assim como, definir as melhores estratégias a desenvolver no que diz respeito ao levantamento e identificação do cadastro da propriedade rústica e agrícola.

A propriedade é outra das grandes questões do mundo rural. Como se sabe, esta enquadra diferentes configurações fundiárias e lógicas de gestão conforme o contexto territorial, topográfico, ambiental e agrícola. Isto significa que devem existir soluções diferenciadas para a gestão da propriedade agrária que vão desde a constituição de um banco de terras, o emparcelamento de micro propriedades, até à possibilidade de expropriação e nacionalização de zonas florestais completamente abandonadas. A aplicação destas e de outras medidas depende dos variados contextos e dos seus desequilíbrios e necessidades particulares. Também a este respeito o conhecimento produzido pelas escolas agrárias e institutos superiores pode ser decisivo no sentido de implementar as melhores estratégias e as respostas mais viáveis e acertadas. Não existe uma única solução para a questão da propriedade, contudo todas a soluções são difíceis e requerem vontade e até coragem política.

Nem o mundo rural, nem a agricultura acabaram ou vão acabar como, alguns autores vaticinaram no passado. No entanto, estas realidades transformaram-se profundamente e com elas vieram novos desafios em relação aos quais a maior parte dos governantes fecharam os olhos. É hora de os abrir e de enfrentar de vez o que tem de ser enfrentado. O país não pode continuar a esperar e a persistir neste desalento que nos atormenta a todos e corrói o nosso futuro coletivo.

Artigo publicado originalmente em:

http://www.jornaleconomico.sapo.pt/noticias/populacao-servicos-publicos-e-propriedade-176033