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FICHAMENTO
12- AUROUX, Sylvain. A Revolução Tecnológica da Gramatização. Campinas: Unicamp, 1992.
Resumo
Auroux sustenta nesta obra duas teses de interesse filosófico: a primeira concerne ao nascimento das ciências da linguagem e a segunda concerne ao que ele chama de gramatização. Auroux acredita que esse processo de gramatização mudou a ecologia da comunicação humana e deu ao acidente um meio de conhecimento/dominação sobre as outras culturas do planeta. Trata-se propriamente de uma revolução tecnológica que Auroux não hesita em considerar tão importante para a história da humanidade quanto à revolução agrária do Neolítico ou a Revolução Industrial do Século XIX.
RESENHA
AUROUX, Sylvain. A revolução tecnológica da gramatização. Tradução de Eni Orlandi. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1992. (134p.).
O livro A Revolução Tecnológica da Gramatização, de Sylvain Auroux,
traduzido por Eni Pulccinelli Orlandi foi publicado pela Editora da UNICAMP, em
1992. Ressalta-se nessa obra uma apuração do processo de gramatização apresentado
pelo autor como uma das grandes revoluções tecnológicas, comparada à Revolução
Industrial do século XIX. A obra encontra-se organizada em três partes inter-
relacionadas, envolvendo o nascimento das metalinguagens; o fato da gramatização
e o conceito de gramatização, acrescido ainda de dois apêndices: um sobre a teoria
das partes do discurso e outro sobre As primeiras gramáticas dos vernáculos da Europa
Moderna:
Os comparatistas consideravam que a cientificidade dos estudos da linguagem
iniciou-se no séc. XIX, com os trabalhos de Bopp. Segundo Auroux, este é o mito que
mais prejudicou o desenvolvimento das Ciências da Linguagem.
Nesse contexto, o comparativismo era concebido como uma “ciência”, por
entenderem que essa disciplina buscava um objetivo de conhecimento inteiramente
desinteressado, por construir a representação dos fenômenos lingüísticos e por não
exercer nenhuma ação sobre esses mesmos fenômenos.
Nessa obra, Auroux, trata de maneira geral três questões: Quando e em que
circunstâncias nasceram as disciplinas consagradas à linguagem? Qual é o impacto
dessas disciplinas sobre o desenvolvimento humano? Quais são os grandes
movimentos das disciplinas referentes à linguagem?
No decorrer de sua obra o autor defende as teses sobre o nascimento das ciências
da linguagem refletindo sobre a linguagem humana e, ao sustentar a tese da
Gramatização, faz a seguinte formulação: ”o Renascimento europeu é o ponto de
inflexão de um processo que conduz a produzir dicionários e gramáticas de todas as
línguas do mundo (e não somente dos vernáculos europeus) na base da tradição greco-
latina”. Essas teses foram elaboradas no percurso de um programa de pesquisas bastante
significativo em que seus resultados possibilitaram a publicação da História das idéias
lingüísticas.
Auroux, ao tratar o nascimento das metalinguagens, procura construir respostas
possíveis a duas questões: Sob que formas se constitui, no tempo, o saber
lingüístico? Como essas formas se criam, evoluem, se transformam ou
desaparecem?
Para Auroux, o historicismo é modelado pelo realismo metodológico, uma vez
que possibilita consistência ao saber e independência aos fenômenos em relação ao
próprio saber. Nesse sentido, ele aponta que o valor dos conhecimentos é ele mesmo
uma causa em sua história.
Com base em Rey-Debove (1978) e em Auroux (1979) o autor postula que o
saber lingüístico é múltiplo e inicia de forma natural na consciência do falante. Ele é
epilingüístico, não colocado por si na representação antes de ser metalingüístico, ou
seja, é representado, construído e manipulado enquanto tal com a ajuda de uma
metalinguagem.
No capítulo I, o saber metalingüístico se constitui o centro do estudo dessa
obra e é determinado por três tipos de domínio: o da enunciação; o das línguas e o
da escrita. Esses domínios dão lugar à constituição de técnicas e formação de
competências específicas, ou seja, a formação de um sistema de signos executáveis.
O autor indica que “o processo de aparecimento da escrita é um processo de
objetivação da linguagem”, com isso quer dizer que se trata de uma representação
metalingüística, ou seja, esse processo propicia o aparecimento de um dos primeiros
ofícios da linguagem na história da humanidade. Sendo esse um marco histórico da
revolução tecnológica da gramatização poder-se-ia dizer que o saber metalingüístico
não se relaciona à pratica e o saber epilingüístico não se transforma em uma técnica
verbalizada.
O capitulo II aborda o fato da gramatização. Nele encontramos diversas
discussões, tais como: o processo de gramatização massiva das línguas começou a partir
da Europa e tomou amplitude significativa tardiamente. Este fato provocou um
problema epistemológico e histórico considerável.
Auroux explica que tal fato ocorreu com pontos divergentes: de um lado,
observou-se o fenômeno de dispersão e fragmentação do Império romano causando o
desaparecimento do papel vernacular do latim e aparecimento das línguas neolatinas e,
de outro lado, a persistência de um potente fator de unificação, ou seja, a conservação
do latim como língua de administração e da cultura religiosa. Esses fatores foram
decisivos para a mudança de orientação prática da gramática.
Vale ressaltar que sem a tradição gramatical latina, simplesmente não
haveria hoje a lingüística em seu duplo sentido: formação discursiva de caráter
cientifico e aplicação a objetos empíricos.
Ainda neste capitulo, o autor desenvolve uma profunda discussão acerca das
causas da gramatização: uma relacionada a interesses práticos, ou seja, a necessidade de
uma aprendizagem de uma língua estrangeira e a outra se refere à política de uma língua
dada.
Essas necessidades práticas podem ser assim relacionadas: acesso a uma língua
de administração, a um corpus de textos sagrados e a uma língua de cultura: relações
comerciais e políticas; viagens; implantação/exportação de uma doutrina religiosa e
colonização. Já as relacionadas à política de uma língua dada, reduzem-se a dois
interesses: organizar e regular uma língua literária e desenvolver uma política de
expansão lingüística de uso interno e externo.
Auroux, no terceiro capítulo, define gramatização como o processo que
conduz a descrever e a instrumentar uma língua tendo como base duas
tecnologias: a gramática e o dicionário.
O autor delimita três tipos de operações para representar as línguas: idealização,
ou seja, abstração das características particulares da língua; longitudinização, isto é, o
deslizamento das representações intelectuais de representação das línguas, sua
constituição, aplicadas a um conjunto de línguas, por um tempo duradouro; e
tematização, que são as operações aplicadas para a constituição e validades do conjunto
de línguas, longitudinalmente.
No apêndice I. a gramática, considerada a maior possuidora de vocabulário
teórico próprio, trata-se das categorias gramaticais, e, mais, especialmente, das
classes de palavras ou partes do discurso, ou seja, o que ele denomina como A teoria
das partes do discurso e, o segundo, As primeiras gramáticas dos vernáculos da
Europa moderna.
A leitura da obra de Sylvain Auroux possibilita aos estudiosos da linguagem, a
percepção de que o caráter desinteressado do conhecimento lingüístico é ilusório, tendo
em vista que esse conhecimento afeta o objeto. Pode-se verificar ainda o modo que na
história da humanidade foram se constituindo saberes sobre a linguagem e dessa forma
obter uma melhor compreensão dos processos de gramatização das línguas, isto é, do
papel da gramática e do dicionário enquanto instrumentos lingüísticos, considerados
ainda hoje os pilares do nosso saber metalingüístico.
Gleide Amaral dos Santos