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CARMEN LGIA CALDAS
PLANO DE AES ARTICULADAS NA REDE MUNICIPAL
DE ENSINO DE CAMPO GRANDE, MS: O PROCESSO DE
IMPLANTAO DOS CONSELHOS ESCOLARES (2007-2010)
UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO
CAMPO GRANDE- MS
2013
CARMEN LGIA CALDAS
PLANO DE AES ARTICULADAS NA REDE MUNICIPAL
DE ENSINO DE CAMPO GRANDE, MS: O PROCESSO DE
IMPLANTAO DOS CONSELHOS ESCOLARES (2007-2010)
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao - Mestrado e Doutorado em
Educao da Universidade Catlica Dom
Bosco, como parte dos requisitos para
obteno do grau de Mestre em Educao.
rea de Concentrao: Educao.
Orientadora: Prof Dr Regina Tereza Cestari
de Oliveira
UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO
CAMPO GRANDE- MS
2013
Ficha catalogrfica
Caldas, Carmen Lgia
C141p Plano de aes articuladas na rede municipal de ensino de Campo
Grande, MS: o processo de implantao dos conselhos escolares (2007- 2010) /
Carmen Lgia Caldas; orientao Regina Tereza Cestari de Oliveira. 2013.
147 f. + anexos
Dissertao (mestrado em educao) Universidade Catlica Dom Bosco, Campo Grande, 2013.
1. Escolas pblicas 2. Conselhos escolares 3. Plano de aes articuladas
4. Poltica educacional I. Oliveira, Regina Tereza Cestari de II. Ttulo
CDD 371.2
PLANO DE AES ARTICULADAS NA REDE MUNICIPAL DE
ENSINO DE CAMPO GRANDE, MS: O PROCESSO DE
IMPLANTAO DOS CONSELHOS ESCOLARES (2007-2010)
CARMEN LGIA CALDAS
REA DE CONCENTRAO: EDUCAO
BANCA EXAMINADORA:
Campo Grande, 21 de outubro de 2013.
UNIVERSIDADE CATLICA DOM DOSCO - UCDB
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO MESTRADO E DOUTORADO
Dedico este trabalho:
Aos meus pais, Arlindo (in memorian) e Maria, a
quem devo hoje e para sempre tudo o que sou.
Ao meu filho Joo Pedro, e meu esposo, Pedro,
amores da minha vida.
AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus por conceder-me mais esta oportunidade...
minha amada famlia, por acreditar que seria possvel realizar este sonho e pela
compreenso em minhas ausncias.
minha querida Orientadora, Prof Dr Regina Tereza Cestari de Oliveira, pelos
ensinamentos, pela orientao com competncia e dedicao, pela ateno, pelo incentivo e
carinho... Meu eterno agradecimento e admirao!
ANPED/IPEA, pela bolsa de estudo concedida para este curso.
Prof Dr Mariluce Bittar, competente professora, que incentiva e valoriza seus
alunos, sempre apontando a importncia do estudo para a pesquisa com muito carinho e
dedicao. Obrigada pelos ensinamentos e pela valiosa contribuio na Banca Examinadora.
Ao Prof. Dr. Jefferson Carriello do Carmo, pelas excelentes reflexes durante as
aulas e pela contribuio por meio de anlises crticas e sugestes por ocasio da Banca de
Exame de Qualificao.
Prof Dr Marlia Fonseca, por aceitar participar da Banca Examinadora,
contribuindo com seguras anlises e sugestes.
Prof Ms. Maria Ceclia Amndola da Motta e ao Prof. Jos Chadid, Secretrios
de Educao do Municpio de Campo Grande no perodo da realizao deste Mestrado, por
me dispensarem para participar das aulas e das atividades complementares inerentes ao curso.
Ao amigo Paulo Vitor de Oliveira, diretor-adjunto da E.M. Pe. Jos Valentim,
pela compreenso e por assumir minhas responsabilidades quando necessrio.
comunidade escolar Pe. Jos Valentim, pelo incentivo e pela compreenso
em minhas ausncias, em especial ao Warley e ao Maurlio que me auxiliaram com as
transcries das entrevistas.
s tcnicas da SEMED e aos membros do CE das Escolas Municipais
participantes da pesquisa, pela ateno na coleta de dados.
Agradeo tambm s companheiras e aos companheiros do Mestrado em
Educao e do Grupo de Estudos e Pesquisas Polticas Pblicas e Gesto da Educao
(GEPPE), pelos prazerosos momentos de socializao e de construo dos nossos
conhecimentos, em especial Maria Edinalva, com quem dividi publicaes, apresentaes
em eventos e tambm angstias.
Enfim, minha profunda gratido ao PPGE da Universidade Catlica Dom Bosco
(UCDB), por me proporcionar uma boa estrutura para a construo de meus conhecimentos.
CALDAS, Carmen Lgia. Plano de Aes Articuladas na Rede Municipal de Ensino de
Campo Grande, MS: O processo de implantao dos Conselhos Escolares (2007-2010).
Campo Grande, 2013. 147 p. Dissertao (Mestrado em Educao), Universidade Catlica
Dom Bosco.
RESUMO
O objetivo geral desta Dissertao analisar o processo de implantao dos Conselhos
Escolares na Rede Municipal de Ensino de Campo Grande-MS, no contexto do Plano de
Aes Articuladas (PAR), perodo 2007 a 2010, integrante do Plano de Desenvolvimento da
Educao (PDE), institudo em 2007, no segundo mandato do Governo Luiz Incio Lula da
Silva (2007-2010). A pesquisa vincula-se ao Grupo de Estudos e Pesquisas Polticas Pblicas
e Gesto da Educao (GEPPE), pertencente Linha de Pesquisa Polticas Educacionais,
Gesto da Escola e Formao Docente da UCDB, e contou com bolsa de estudo do
IPEA/ANPEd. Os objetivos especficos so: a) verificar o processo de elaborao do PAR e
as aes definidas pelo Municpio de Campo Grande-MS, referentes dimenso gesto
educacional, com base nas recomendaes da Carta Constitucional, de outros textos legais e
da proposta do Plano; b) examinar as estratgias utilizadas pela Secretaria Municipal de
Educao para a implantao dos Conselhos Escolares na Rede Municipal de Ensino de
Campo Grande-MS; c) verificar como os Conselhos Escolares se constituram nas Unidades
Escolares da Rede Municipal de Ensino de Campo Grande-MS, e qual a sua implicao para a
participao de segmentos internos e externos na gesto escolar. Os procedimentos
metodolgicos compreenderam: pesquisa bibliogrfica, levantamento e anlise de documentos
oficiais que regulamentam a poltica educacional em estudo, com destaque para o PDE, o
Plano de Metas Compromisso Todos pela Educao e o PAR do Municpio de Campo
Grande; e entrevistas semiestruturadas com representantes da Secretaria Municipal de
Educao (SEMED), responsveis pelo PAR e com sujeitos de duas unidades escolares da
Rede Municipal de Ensino de Campo Grande-MS, localizadas na zona urbana. Os dados
mostram a implantao dos Conselhos Escolares por fora do Decreto n. 10.900, de 13 de
julho de 2009, e da Resoluo SEMED n. 130, de 15 de julho de 2009. Conclui-se que os
Conselhos Escolares foram implantados nas escolas da Rede Municipal de Ensino de Campo
Grande-MS, em atendimento a um dos Indicadores do Plano de Aes Articuladas (PAR),
evidenciando a induo do governo central, por meio do MEC, na sua implantao, como um
dos instrumentos de gesto democrtica.
PALAVRAS-CHAVE: Poltica Educacional. Plano de Aes Articuladas (PAR). Conselho
Escolar.
CALDAS, Carmen Lgia. Joint Action Plan on Municipal Schools of Campo Grande, MS:
The process of implementation of School Councils (2007-2010). Campo Grande, 2013. 147 p.
Thesis (Mastering in Education). Dom Bosco Catholic University.
ABSTRACT
The general objective of this dissertation is to analyze the deployment process of School
Councils in Municipal Schools in Campo Grande, in the context of the Joint Action Plan
(PAR), in the period from 2007 to 2010, belonging to the Education Development Plan
(PDE), established in 2007, Luiz Incio Lula da Silvas second term of government (2007-2010). The research is linked to the Studies and Research Group of Policy Public and
Management Educational (GEPPE) belonging to Educational Policy Line Research, School
Management and Teacher Training of UCDB, this work had IPEA / ANPEd scholarship. The
specific objectives are: a) verify the process of preparing the PAR and actions set by the
Campo Grande city, referring to the educational management dimension, based on the
recommendations of the Constitutional Charter, other legal texts and the proposal of the PAR;
b) examine the strategies used by the Municipal Education Department for the
implementation of School Councils in Campo Grande- MS Municipal Schools; c) verify how
the School Councils were constituted in Teaching Units of Municipal Schools in Campo
Grande - MS, and what is its implication for the involvement of internal and external
segments in school management. The methodological procedures included: literature review,
survey and analysis of official documents that govern educational policy in this study,
focusing the PDE, the Everyone for Education Target Plan Commitment and the PAR of the
Municipality of Campo Grande and semi-structured interviews with representatives of the
Municipal Education Department (SEMED) responsible for PAR and subject of two school
units of Campo Grande- MS, located in the urban area. The data show the implementation of
the School Councils by Decree n. 10.900 of July 13th
2009, and SEMED Resolution n.130 of
July 15th
, 2009. It is concluded that the School Councils were implemented in the Municipal
Schools in Campo Grande - MS, in response to one of the indicators of the Joint Action Plan
(RAP), suggesting the induction of central government, through the Ministry of Education, in
its implementation, as a democratic management instrument.
KEYWORDS: Educational Policy. Joint Action Plan (PAR). School Councils.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACCs - Atividades Curriculares Complementares
ACP - Sindicato Campo-Grandense dos Profissionais da Educao Pblica
APM - Associao de Pais e Mestres
CE - Conselho Escolar
CEE - Conselho Estadual de Educao
CEINF - Centro de Educao Infantil
CF - Constituio da Repblica Federativa do Brasil
CME - Conselho Municipal de Educao
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
CNTE - Confederao Nacional dos Trabalhadores em Educao
CONAE - Conferncia Nacional de Educao
CONSED - Conselho Nacional de Secretrios de Educao
DIGEB - Diviso de Gesto da Educao Bsica
EJA - Educao de Jovens e Adultos
ETI - Escola em Tempo Integral
ETR - Escola em Tempo Regular
FACSUL - Faculdade Mato Grosso do Sul
FATEC - Faculdade de Tecnologia
FIES - Fundo de Financiamento Estudantil
FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao
FUNDEB - Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de
Valorizao dos Profissionais da Educao
FUNLEC - Fundao Lowtons de Educao e Cultura
GEPPE - Grupo de Estudos e Pesquisas Polticas Pblicas e Gesto da Educao
GIFE - Grupo de Instituto Fundaes e Empresas
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDEB - ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica
IESF - Instituto de Ensino Superior da FUNLEC
IFET - Instituto Federal de Educao Cincia e Tecnologia
IFMS - Instituto Federal de Mato Grosso do Sul
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira
IPEA - Instituto de Pesquisa Econmica e Aplicada
LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
MEC - Ministrio da Educao
MS - Mato Grosso do Sul
MT - Mato Grosso
MTPE - Movimento Todos pela Educao
OCDE - Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmico
PAC - Programa de Acelerao do Crescimento
PAR - Plano de Aes Articuladas
PCdoB - Partido Comunista do Brasil
PDDE - Programa Dinheiro Direto na Escola
PDE - Plano de Desenvolvimento da Educao
PDT - Partido Democrtico Trabalhista
PMDB - Partido do Movimento Democrtico Brasileiro
PMDE - Programa de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
PNAES - Plano Nacional de Assistncia Estudantil
PNE - Plano Nacional de Educao
PNFCE - Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares
PPA - Plano Plurianual
PPP - Projeto Poltico-Pedaggico
PRB - Partido Republicano do Brasil
PROEJA - Programa Nacional de Integrao da Educao Bsica com a Educao
Profissional na Modalidade de Educao de Jovens e Adultos
PROJOVEM - Programa Nacional da Incluso de Jovens
PROUNI - Programa Universidade para Todos
PSB - Partido Socialista Brasileiro
PT - Partido dos Trabalhadores
REME - Rede Municipal de Ensino
REUNI - Reestruturao e Expanso das Universidades Federais
SEB - Secretaria de Educao Bsica
SEMED - Secretaria Municipal de Educao
SENAI - Servio Nacional de Aprendizagem Industrial
SINAES - Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior
SIPS - Sistema de Indicadores de Percepo Social
TPE - Todos Pela Educao
UCDB - Universidade Catlica Dom Bosco
UEG - Universidade Estadual de Gois
UEMS - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
UEx - Unidade Executora
UFBA - Universidade Federal da Bahia
UFES - Universidade Federal do Esprito Santo
UFGD - Universidade Federal da Grande Dourados
UFMS - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
UnB - Universidade de Braslia
UNDIME - Unio Nacional de Dirigentes Municipais de Educao
UNICEF - Fundo das Naes Unidas para a Infncia
UNIDERP - Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Regio do Pantanal
UNIGRAN - Centro Universitrio da Grande Dourados
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Dissertaes e Teses relacionadas aos descritores: gesto democrtica e
conselhos escolares no perodo de 1996 a 2009 ................................................... 20
Tabela 2 - Nmero de Estabelecimentos de Ensino de Educao Bsica em Campo
Grande-MS na rea Urbana e Rural no perodo de 2007-2010 ........................... 85
Tabela 3 - Matrculas na Rede Municipal de Ensino de Campo Grande-MS no perodo de
2007-2010 na rea Urbana e Rural ...................................................................... 86
Tabela 4 - Nmero de Docentes na Rede Municipal de Ensino de Campo Grande- MS na
rea Urbana e Rural ............................................................................................. 86
Tabela 5 - Percentual de Docentes por nvel de formao da Rede Municipal de Ensino de
Campo Grande-MS - 2010.................................................................................... 87
Tabela 6 - Taxa de Aprovao, Reprovao e Abandono no perodo de 2007 a 2010 na
Rede Municipal de Ensino de Campo Grande-MS............................................... 87
Tabela 7 - IDEB e Metas do Brasil, Mato Grosso do Sul e Campo Grande perodo 2005-
2009 ...................................................................................................................... 88
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Poltica Educacional do Governo Lula - PPA 2004-2007 .................................. 47
Quadro 2 - Objetivos do Governo Lula: PPA 2008-2011 .................................................... 53
Quadro 3 - Propostas para os Eixos Norteadores do Plano de Desenvolvimento da
Educao (PDE) ................................................................................................. 62
Quadro 4 - Movimento Todos pela Educao: empresas mantenedoras e empresas
parceiras ............................................................................................................. 69
Quadro 5 - Sntese das Dimenses do PAR do Municpio de Campo Grande-MS - 2007-
2010 .................................................................................................................... 95
Quadro 6 - PAR do Municpio de Campo Grande 2007-2010 - Dimenso Gesto
Educacional: indicadores, pontuao e demanda de aes ................................ 96
LISTA DE APNDICES
Apndice A - Carta de autorizao para realizao da coleta de dados da Pesquisa ............ 132
Apndice B - Termo de consentimento livre e esclarecido para Pesquisa ........................... 133
Apndice C - Instrumento de pesquisa para os Tcnicos da SEMED .................................. 134
Apndice D - Instrumento de pesquisa para Integrantes do Conselho Escolar .................... 136
LISTA DE ANEXOS
Anexo A - Dimenses, reas e Indicadores do Plano de Aes Articuladas (PAR) ........... 139
Anexo B - O PAR do Municpio de Campo Grande 2007-2010: Dimenso, reas,
Indicadores, e Aes ........................................................................................... 143
Anexo C - A Dimenso Gesto Educacional no PAR do Municpio de Campo Grande-
MS: rea Gesto Democrtica e Indicador Existncia e Funcionamento de
Conselho Escolar ................................................................................................ 146
SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................................... 16
CAPTULO 1 - POLTICA E GESTO EDUCACIONAL NO BRASIL NA
PRIMEIRA DCADA DO SCULO XXI ........................................................................ 30
1.1 Elementos presentes nos ajustes estruturais e administrativos da Reforma do Estado
nos anos 1990 .................................................................................................................. 31
1.2 Gesto democrtica da educao nos marcos legais ....................................................... 34
1.3 Gesto democrtica da educao: elementos constitutivos e estratgias ........................ 38
1.4 Conselho escolar como mecanismo de gesto democrtica ............................................ 42
1.5 Proposta de gesto democrtica no Governo Luiz Incio Lula da Silva (2003-2010) .... 44
CAPTULO 2 - PLANO DE AES ARTICULADAS (PAR) NO MBITO DO
PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO (PDE)...................................... 57
2.1 O Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE) ......................................................... 57
2.1.1 O Movimento Todos pela Educao ...................................................................... 64
2.2 Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educao: Decreto n. 6094/2007 ................. 70
2.3 Plano de Aes Articuladas (PAR) no cumprimento das metas do compromisso e o
regime de colaborao ..................................................................................................... 76
2.3.1 Estrutura do Plano de Aes Articuladas (PAR) .................................................... 78
CAPTULO 3 - IMPLANTAO DOS CONSELHOS ESCOLARES NA REDE
MUNICIPAL DE ENSINO DE CAMPO GRANDE MS .............................................. 81
3.1 O Municpio de Campo Grande-MS: caracterizao ...................................................... 81
3.2 Plano de Aes Articuladas do municpio de Campo Grande-MS ................................. 89
3.3 Instituio de Conselhos Escolares na Rede Municipal de Ensino ................................. 97
3.4 Conselhos Escolares nas Unidades de Ensino ................................................................. 106
CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 116
REFERNCIAS .................................................................................................................. 121
APNDICES ........................................................................................................................ 131
ANEXOS .............................................................................................................................. 138
INTRODUO
O objeto de anlise desta pesquisa o processo de implantao dos Conselhos
Escolares na Rede Municipal de Ensino de Campo Grande-MS, no contexto do Plano de
Aes Articuladas (PAR), correspondente ao segundo mandato do Governo Luiz Incio Lula
da Silva, no perodo de 2007 a 2010.
A pesquisa vincula-se ao Grupo de Estudos e Pesquisas Polticas Pblicas e
Gesto da Educao (GEPPE), pertencente Linha de Pesquisa Polticas Educacionais,
Gesto da Escola e Formao Docente do Programa de Ps-Graduao em Educao
Mestrado e Doutorado da Universidade Catlica Dom Bosco (UCDB). Integra o projeto
denominado Plano de Aes Articuladas: Implicaes para a Oferta e Gesto Educacional1.
Esse projeto, por seu turno, articula-se pesquisa interinstitucional denominada Gesto das
Polticas Educacionais: O Impacto do Plano de Aes Articuladas (PAR) em Municpios Sul-
Mato-Grossenses, desenvolvida com apoio do CNPq, sendo coordenada pelas Professoras
Regina Tereza Cestari de Oliveira (UCDB) e Elisngela Alves Scaff (UFGD), cujo objetivo
geral analisar os impactos do Plano de Aes Articuladas (PAR) em municpios do Estado
de Mato Grosso do Sul, no perodo de 2007 a 2010.
Este projeto insere-se no grupo nacional em rede cuja pesquisa intitula-se Gesto
das Polticas Educacionais no Brasil e seus Mecanismos de Centralizao e Descentralizao:
O Desafio do Plano de Aes Articuladas (PAR), desenvolvida com a participao de
pesquisadores e estudantes de diversas universidades brasileiras, entre elas a Universidade
Catlica Dom Bosco (UCDB), sob a coordenao geral da Professora Marlia Fonseca (UnB),
com apoio do CNPq.
1 Projeto coordenado pela Prof Dr Regina Tereza Cestari de Oliveira (docente da UCDB e pesquisadora do
CNPq).
17
Esta pesquisa contou com bolsa do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
(IPEA), em parceria firmada com a Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em
Educao (ANPEd), por meio do Acordo de Cooperao Tcnica que visa a estimular
integrao de aes de pesquisa em rede nas reas temticas definidas pelo IPEA, concedida
mediante seleo no concurso de bolsas de estudos para curso de Mestrado em Educao,
conforme Edital n. 01/2011 ANPEd/IPEA.
A escolha da temtica pesquisada est relacionada com a minha trajetria
profissional de educadora de escola pblica, atuando na Educao Bsica e interessada em
compreender como as polticas pblicas educacionais so implementadas no contexto escolar
(cho da escola), concordando com Melo (2006, p. 252) quando afirma [...] ser nesta
instituio que se materializam as polticas e programas governamentais para a educao, dela
retornando para a sociedade.
Como educadora de escola pblica e atualmente na condio de diretora de uma
escola municipal de Campo Grande-MS, acredito na importncia do dilogo como base das
relaes democrticas. No entanto, percebo a existncia da falta de consulta e informao aos
educadores que atuam na escola com relao implantao e a implementao de muitas
polticas educacionais, no oportunizando a participao dos mesmos, e ainda, em muitos
casos, responsabilizando-os pela materializao sem a devida conscientizao/compreenso
do estabelecido.
Ao considerarmos o acima destacado, gostaramos de refletir que a presena da
gesto democrtica, definida como princpio do ensino, entre outros, na Constituio Federal
(BRASIL, 1988), tem sido deste ento um dos temas mais estudados e pesquisados na rea
educacional, haja vista a abrangncia desse princpio e a importncia de sua incorporao na
gesto do sistema e da escola.
Assim, a gesto democrtica como princpio da educao nacional [...]
presena obrigatria em instituies escolares pblicas, a forma dialogal, participativa com
que a comunidade educacional se capacita para levar a termo um projeto pedaggico [...]
(CURY, 2007, p. 489).
Fundamentamos dessa forma, o entendimento de que a gesto democrtica da
educao supe a transparncia de processos e de atos (CURY, 1997, p. 205), o que implica
[...] um ou mais interlocutores com os quais se dialoga pela arte de interrogar
e pela pacincia em buscar respostas que possam auxiliar no governo da
educao, segundo a justia. Nesta perspectiva, a gesto implica o dilogo
como forma superior de encontro das pessoas e soluo dos conflitos
(CURY, 2005, p. 14).
18
Neste sentido a gesto democrtica um princpio constituinte dos Conselhos
intra-escolares, como os Colegiados, o Conselho da Escola, os Conselhos dos Professores e
outras formas colegiadas de atuao (CURY, 2002).
Na mesma tica, Vieira (2009, p. 46) [...] afirma que mais do que simples
espectadores, os educadores tm anseios de maior participao na formulao e gesto da(s)
poltica(s). A gesto democrtica da escola um desses espaos de interveno que se articula
com outros [...]. E ainda, como assinala Gracindo (2005, p. 40), [...] para a concretizao do
Estatuto da Gesto Democrtica, estabelecido em lei exige-se, entre outras coisas, a criao de
espaos propcios para que novas relaes entre os diversos segmentos escolares possam
acontecer.
Entre esses espaos encontram-se os Conselhos Escolares como rgos
representativos nas instituies escolares, destinados ao de conciliar, isto , entrar em
comum acordo nas tomadas de decises, utilizando o dilogo. Cury (2006), esclarece que a
expresso Conselho
[...] vem do latim Consilium. Por sua vez, consilium provm do verbo
consulo/consulere, significando tanto ouvir algum quanto submeter algo a
uma deliberao de algum, aps uma ponderao refletida, prudente e de
bom senso. Trata-se, pois de um verbo cujos significados postulam a via de
mo dupla: ouvir e ser ouvido. [...] Conselho tambm o lugar onde se
delibera. Deliberar implica a tomada de uma deciso, precedida de uma
anlise e de um debate (CURY, 2006, p. 47-48).
Analisar, debater e tomar uma deciso implica em participar. E participar dar
parte e ter parte. O primeiro movimento visa informar, dar publicidade, e o segundo estar
presente, ser considerado um parceiro nas grandes definies (CURY, 2006, p. 53).
Desse modo, elegemos nesta pesquisa as seguintes categorias de anlise: gesto
democrtica, participao e Conselhos Escolares, ancorados nos conceitos acima definidos.
A escolha da temtica tambm est atrelada ao compromisso com o Grupo de
Estudos e Pesquisas Polticas Pblicas e Gesto da Educao (GEPPE), do qual sou membro
desde o ano de 2010, anterior ao ingresso no curso de mestrado em educao, e entendo que
esta condio significa responsabilizar-me em materializar o objetivo a que o Grupo se
prope, como estudar, pesquisar e contribuir com a construo do conhecimento no campo da
poltica pblica educacional, sobretudo relacionada Educao Bsica.
Desse modo, compreendemos que estudar o processo histrico de implantao dos
Conselhos Escolares em uma Rede Municipal de Ensino, no mbito de uma poltica
educacional nacional, consiste na possibilidade de analisar a materializao de uma poltica
19
pblica do governo federal em uma realidade especfica e de contribuir cientificamente com
dados relevantes para a discusso das provveis implicaes na construo da gesto
democrtica, tanto no mbito do sistema de ensino como da escola.
Este ato, alm de justificar a relevncia da pesquisa, integra o projeto em rede que
consolida um campo de pesquisa no Programa de Ps-Graduao em Educao - Mestrado e
Doutorado da UCDB, relacionado ao planejamento e gesto democrtica da educao.
Entendemos que para estudar uma poltica pblica se faz necessrio conhecer o
contexto histrico em que ela foi construda, considerando as foras e contradies presentes
que interferiram na sua implantao, bem como compreendermos a poltica educacional como
uma poltica de corte social que [...] consiste em estratgia governamental e normalmente se
exibe em formas de relaes jurdicas e polticas, no podendo ser compreendida por si
mesma (VIEIRA, 1992, p. 22).
Dessa forma, cabe esclarecer que o contexto poltico nacional da implantao
dessa poltica decorre no segundo Governo do presidente Luiz Incio Lula da Silva (PT), em
abril de 2007, quando foi lanado o Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE), com o
objetivo principal de melhorar a qualidade da educao brasileira, sendo este considerado a
mais importante poltica educacional em voga no Brasil, pois abrange todos os nveis de
ensino do pas. Trata-se de uma poltica que tem [...] como eixo articulador estratgico de
descentralizao o Plano de Metas Compromisso todos Pela Educao, e a execuo dos seus
programas e aes ocorre por meio da vertente do Plano de Aes Articuladas (PAR) [...]
dos entes federados (CAMINI, 2009, p. 13), com destaque para o princpio da gesto
democrtica articulado participao, por portar a estratgia da descentralizao.
Considerando o contexto poltico acima para a definio do nosso objeto de
pesquisa, procedemos ao levantamento da produo do conhecimento relacionada esta
temtica, caracterizando esse levantamento como estado do conhecimento2.
Para realizarmos o estado do conhecimento, delimitamos Teses e Dissertaes,
utilizando como descritores os termos gesto democrtica e Conselhos Escolares, alm do
tema PDE/PAR. Por tratar-se de uma poltica educacional recente, os estudos e pesquisas
relacionados ao PDE/PAR ainda esto sendo desenvolvidos.
2 Segundo Ens e Romanowski (2006, p. 39-40) [...] embora recentes, os estudos de estado da arte que
objetivam a sistematizao da produo numa determinada rea do conhecimento j se tornaram
imprescindveis para apreender a amplitude do que vem sendo produzido. Esses estudos so justificados por
possibilitarem uma viso geral do que vem sendo produzido na rea e uma ordenao que permite aos
interessados perceberem a evoluo das pesquisas na rea, bem como suas caractersticas e foco, alm de
identificar as lacunas ainda existentes [...]. Sendo que, [...] o estudo que aborda apenas um setor das
publicaes sobre o tema estudado vem sendo denominado de estado do conhecimento[...].
20
Assim, levando em conta ser este um projeto relacionado a uma pesquisa
interinstitucional, optamos, em um primeiro momento, por fazer um levantamento no site da
Coordenao de Aperfeioamento de Nvel Superior (CAPES) sobre as pesquisas cadastradas,
segundo os descritores citados, realizadas nos Programas de Ps-Graduao em Educao das
Universidades vinculadas ao Grupo Nacional 3 delimitando como recorte temporal 1996 a
20094, considerando para tal o ano em que foi instituda a Lei de Diretrizes e Bases da
Educao Nacional (LDBEN), Lei n. 9394/96, que deu nfase gesto democrtica, em
decorrncia da Constituio Federal de 1988.
O quantitativo de pesquisas encontradas nos Programas das Universidades
selecionadas, de acordo com o critrio e perodo estabelecido acima, se encontra discriminado
na Tabela 1.
Tabela 1 - Dissertaes e Teses relacionadas aos descritores: gesto democrtica e conselhos
escolares no perodo de 1996 a 2009.
Universidades do
Grupo Nacional 1996 - 2000 2001 - 2005 2006 - 2009
Dissertaes Teses Dissertaes Teses Dissertaes Teses
UCDB - - 02 - 01 -
UEG - - - - - -
UEMS - - - - - -
UFBA 02 04 07 02 14 05
UFES 02 - 01 - 08 -
UFGD - - - - - -
UFMS 01 - 02 - 03 -
UnB 12 01 23 03 20 07
Total 17 05 35 05 46 12 Fonte: Banco da CAPES - Disponvel em: . Acesso em: 30
maio 2011. Tabela elaborada pela autora para esta Dissertao.
O nmero de pesquisas encontradas nessas instituies totalizou 120. Segundo os
termos definidos no perodo delimitado, desse nmero, seis se relacionam, de alguma forma,
com a temtica deste trabalho, sendo descritas a seguir.
3 Universidades do grupo nacional: Universidade Catlica Dom Bosco (UCDB), Universidade Estadual de
Gois (UEG), Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Universidade Estadual da Bahia
(UFBA), Universidade Estadual do Esprito Santo (UFES), Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e Universidade de Braslia (UnB). 4 Justifico como limite o ano de 2009, devido ao fato de que o banco da CAPES estava atualizado at esse ano
no perodo correspondente ao levantamento.
21
Na UnB foram encontrados os seguintes trabalhos: o primeiro, uma Dissertao
de Mestrado denominada Participao dos pais de alunos no Conselho Escolar: uma
conquista do processo de gesto democrtica ou uma concesso das direes eleitas?. Nessa
dissertao, Costa (2002) buscou verificar se o processo de gesto democrtica no Distrito
Federal (DF), aps a implantao da Lei n 957/95 no DF, especificamente em trs escolas
pblicas de Ceilndia, colaborou para que pais de alunos tivessem ampliadas as formas de
participao nas decises da escola nos aspectos administrativos e pedaggicos.
A autora buscou identificar os obstculos encontrados para a consolidao da
participao dos pais no processo de gesto. A pesquisa analisou como a participao desse
segmento, indicada pela referida lei como mecanismo privilegiado de gesto democrtica,
configurou-se no cotidiano escolar (COSTA, 2002).
Outra Dissertao de Mestrado foi defendida na UnB por Abicalil (2005),
intitulada Plano Nacional de Educao na Repblica Federativa do Brasil: um instrumento
de retrica ou poltica pblica para a realizao do direito a Educao Bsica?. O autor
analisou os aspectos essenciais do Plano Nacional de Educao (PNE), institudo pela Lei
10.172 de 2001, realizando um exame crtico das proposies de origem parlamentar e
apreciadas/deliberadas dentro da mesma legislatura que deu concretude ao Plano, em especial
no que concerne cooperao entre os entes da Federao (Unio, Estados, Municpios e o
Distrito Federal) e a prevista colaborao entre os sistemas de ensino. Segundo o autor, o
exame envolveu consideraes de diferentes ordens: o processo de tramitao, a interferncia
do modelo econmico, a influncia de pressupostos neoliberais, os vetos presidenciais, o
confronto entre as disposies do PNE elaborado pelo Executivo e o PNE como proposta da
sociedade brasileira (ABICALIL, 2005).
Falco (2007), tambm em Dissertao de Mestrado, intitulada Primeira
experincia de gesto democrtica da Educao no DF- 1985-1986, caracterizou e analisou o
processo de implantao da primeira experincia institucional de gesto democrtica realizada
na Rede de Ensino Pblico do Distrito Federal, no perodo de 1985 a 1986. De acordo com a
autora, a sistematizao dos dados empricos coletados em documentos que regulamentaram a
experincia de gesto democrtica e as entrevistas com atores que participaram desse
processo foram analisados com base em trs categorias que foram definidas pela incidncia
com que surgiram nos documentos e nas falas dos entrevistados e pela sua capacidade de
aglutinar informaes consideradas relevantes. So elas: concepo de educao, influncia
do movimento sindical e dos partidos polticos e a democratizao da gesto escolar
(FALCO, 2007).
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Farias (2008), na Dissertao de Mestrado Gesto Escolar no DF: a comunidade
local e o local da comunidade, analisou a forma de participao da comunidade local na
gesto escolar de duas escolas da Rede Pblica de Ensino do Distrito Federal. A metodologia
escolhida para o desenvolvimento dessa investigao situou-se na abordagem qualitativa.
Segundo o autor, na anlise dos dados encontrados buscou-se um olhar dialtico
sobre a realidade concreta e objetiva, tendo a contradio uma das importantes categorias
dessa anlise. Apresentou uma viso crtica da democracia liberal e de suas limitaes.
Analisou tambm a relao entre a sociedade civil e o Estado, por meio da democratizao da
educao. Compreendendo a participao como elemento central na realizao de um
processo democrtico, o autor realizou uma incurso na legislao educacional e analisou
diversas concepes de gesto e de Conselhos e concluiu que possvel criar novos espaos
para a participao da comunidade local, oferecendo-lhe condies efetivas de participao,
pois ela se mostra interessada nisso.
Na UFES foi identificada a Dissertao de Mestrado de Nascimento (2005),
intitulada Modos de funcionamento do Conselho de Escolas na Rede Municipal de Colatina:
prticas instituintes?. A autora deu visibilidade construo histrica das organizaes
coletivas, por meio das experincias concretizadas em diferentes tempos e lugares, focando as
foras em luta que forjaram modos de participao e funcionamento. As anlises
empreendidas sinalizaram para a potncia instituinte dos Conselhos de Escola na construo
cotidiana de outras possibilidades de exerccio democrtico na gesto da escola pblica
(NASCIMENTO, 2005).
Na UFBA, encontrei a dissertao de Raic (2009), Sistema de Ensino e Regime
de Colaborao: o dito e o por dizer - um estudo de caso no municpio de Jequi. O trabalho
traz como objetivo compreender e explicar como se efetiva, na prtica, o regime de
colaborao entre os sistemas de ensino, tendo como referncia o municpio de Jequi, o
Estado da Bahia e a Unio, por meio de um estudo de caso, apoiando-se na anlise
documental e nas entrevistas focadas como as fontes de evidncia. O trabalho aponta que os
programas e projetos entre os sistemas tm mais se configurado em polticas de governo e
menos em polticas de Estado, inviabilizando uma ao de corresponsabilidades e de gesto
compartilhada (RAIC, 2009).
Ao realizar em um segundo momento, o levantamento das produes relacionadas
ao PDE/PAR, encontrei trs pesquisas concludas recentemente e consideradas relevantes por
se aproximarem mais especificamente do objeto desta pesquisa.
23
No Instituto de Educao da UFMT, a Dissertao de Mestrado de Souza (2010),
intitulada O Plano de Aes Articuladas - PAR - das Redes Municipais de Ensino de Mato
Grosso, discute o instrumento de diagnstico e analisa, alm dos dados levantados, os limites
e avanos no processo de implementao do Plano de Aes Articuladas (PAR) nas redes
municipais de ensino de Mato Grosso.
Segundo Souza (2010), a anlise do diagnstico apontou para um quadro
preocupante em relao ao descumprimento de orientaes e diretrizes nacionais, a baixa
participao no controle social da educao e carncias estruturais nas escolas municipais do
estado de Mato Grosso. Considerou que o processo de implantao do PAR conseguiu
aproximar o MEC da realidade dos municpios mato-grossenses, iniciando o processo de
efetivao de regime de colaborao entre o estado e os municpios, previsto na Constituio
Estadual de Mato Grosso de 1989 e na Lei Complementar n 49, que desde 1998 prope a
instituio do Sistema nico de Educao Bsica no estado. Na anlise da autora, o PAR
avaliado como orientador para os sistemas educacionais em relao aos itens diagnosticados e
serve como ponto de partida para a proposio do Sistema Nacional Articulado de Educao
(SOUZA, 2010).
Na UFGD, a Dissertao de Mestrado de Alves (2010), Fortalecimento de
Conselhos Escolares: Propostas e Prticas em Municpios Sul-Mato-Grossenses examina o
apoio tcnico especfico da Unio aos Conselhos Escolares, o impacto na gesto municipal
para elevao do IDEB e o que revela essa relao entre Unio e municpios (2005-2008). Foi
realizada uma investigao segundo a abordagem qualitativa, tendo como campo emprico
dez redes escolares municipais sul-mato-grossenses destaques no IDEB de 2007.
Ao analisar iniciativas da poltica brasileira voltada para a gesto da educao
bsica, com especial ateno ao Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos
Escolares (PNFCE), Alves (2010) constatou que a poltica de fortalecimento desses
Conselhos se constitui numa iniciativa secundria do MEC entre as diversas polticas voltadas
gesto da educao bsica e que o fortalecimento dos Conselhos Escolares no est entre as
maiores preocupaes das redes escolares municipais onde a pesquisa foi realizada (amostra),
pois as maiores preocupaes desde o ano de 2005 so a melhoria do IDEB e a formao de
professores (ALVES, 2010).
A pesquisa de Alves (2010) apontou para o seguinte:
[...] a) nas redes escolares municipais est ocorrendo um desinteresse
gradativo pela democratizao da gesto, o foco maior o bom desempenho
escolar; b) a gesto gerencial continua em ascenso procurando ressignificar
24
mecanismos da gesto democrtica sob uma tica economicista e uma
concepo liberal pluralista de democracia; c) o fortalecimento do Conselho
Escolar no uma poltica nas redes escolares municipais observadas e o
PNFCE no impactou a gesto de suas escolas, indicando baixa colaborao
entre municpios e Unio; d) no h evidncias de que prticas de gesto
democrtica segundo uma concepo republicana de democracia tenham
contribudo para ganhos no Ideb das redes municipais; e) prticas de gesto
direcionadas para a busca de resultados foram encontradas em todos os casos
e podem ter contribudo para a melhoria do Ideb, revelando que a esfera do
monitoramento de metas vem estabelecendo um maior grau de colaborao
entre municpio e Unio (ALVES, 2010, p. 124).
Tambm na UFGD, a Dissertao de Mestrado de Amorim (2011), A Qualidade
da Educao Bsica no PDE: Uma anlise a partir do Plano de Aes Articuladas5, objetivou
explicitar e analisar a concepo de qualidade que vem se efetivando na poltica educacional
recente, com vistas a compreender as implicaes dessa poltica na concepo de qualidade
dos sistemas municipais de educao de dois municpios do Estado de Mato Grosso do Sul,
Dourados e Ponta Por (AMORIM, 2011, p. 2). A metodologia adotada foi a anlise
bibliogrfica, assim como anlise de documentos oficiais. Para complementar as informaes
necessrias foram realizadas entrevistas semiestruturadas com tcnicos e Secretrios de
Educao dos municpios citados.
Amorim (2011) utilizou como parmetro para analisar os dados da pesquisa o
princpio constitucional de garantia da qualidade na educao bsica que aponta para a
efetivao de uma poltica capaz de melhorar a educao bsica pretendida pela sociedade
brasileira. Nesse sentido, assinala que o conceito de qualidade expresso nas polticas
educacionais atuais est pautado no ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica (IDEB).
Constatou que aqueles municpios sul-mato-grossenses esto deixando de construir seu
prprio conceito de qualidade e aderindo ao conceito nacional em troca de maior assistncia
tcnica do MEC e, principalmente, de recursos financeiros (AMORIM, 2011).
Mais recentemente, foi defendida na UCDB a Dissertao de Mestrado de
Antunes (2012), denominada A utilizao dos resultados da avaliao institucional externa
da educao bsica no mbito do Plano de Aes Articuladas (PAR) em municpios sul-mato-
grossenses (2007-2010)6. A autora analisou como os gestores dos municpios de Campo
Grande e Coxim utilizam os resultados da avaliao externa de modo especfico no mbito do
PAR.
5 Essa Dissertao integrou o projeto em rede Gesto das polticas educacionais: o impacto do Plano de Aes
Articuladas em municpios sul- mato-grossenses. 6 Essa Dissertao tambm integrou o projeto em rede Gesto das polticas educacionais: o impacto do Plano
de Aes Articuladas em municpios sul mato-grossenses.
25
A metodologia utilizada baseou-se na anlise de documentos oficiais, com
destaque para o PDE e o PAR dos municpios pesquisados, e na realizao de entrevistas de
carter semiestruturado com as Secretrias de Educao dos municpios e os responsveis
pelo PAR. Antunes (2012) evidenciou que os dois municpios informam os resultados das
avaliaes externas para a comunidade escolar e propem aes voltadas para a avaliao
desses resultados, por meio da introduo de exames simulados e preparao dos professores
de acordo com a metodologia da Prova Brasil, reproduzindo os instrumentos nacionais, e que
a forma de divulgao dos resultados intensifica a perspectiva de responsabilizao desses
resultados pelas escolas.
A autora concluiu que esses resultados no tm sido utilizados por aqueles
municpios como aprimoramento para o planejamento de aes que incentivem a melhoria da
qualidade do ensino de suas redes de ensino (ANTUNES, 2012).
Este estado do conhecimento tambm composto por Teses de Doutoramento,
entre elas a de Aranda (2009), defendida na UFMS, com o ttulo O significado do princpio
da participao na poltica educacional brasileira nos anos iniciais do sculo XXI: o declarado
no PPA Brasil de Todos(2004-2007). Esse trabalho teve o objetivo de apreender o
significado do princpio da participao, presente na poltica educacional brasileira nos anos
iniciais do sculo XXI, e definiu como objeto de estudo o significado do princpio da
participao presente no PPA- Brasil de Todos: incluso e participao (2004-2007),
documento que norteou a primeira gesto de Luiz Incio Lula da Silva (2003-2006).
A autora utilizou na metodologia a pesquisa bibliogrfica e documental e em suas
anlises interpretativas pde constatar que: a nfase na participao no limiar do sculo XXI
continua sendo um meio para consolidar e aperfeioar projetos hegemnicos na sociedade,
demonstrando a prevalncia da participao poltica, agora incrementada pela cidadania
ampliada; que a concepo de participao social/popular declarada demarca nitidamente a
distncia em relao noo presente na orientao dada pelas lutas de classes; a poltica
educacional, no conjunto de suas aes, com destaque feito s voltadas aos Conselhos
Escolares, no dispensa o significado de participao declarada no PPA, cuja concepo
prevalece nos princpios educativos que a encaminha; a noo de participao supera o foco
presente na poltica educacional da dcada de 1990, no sentido de que o sujeito da educao
antes concebido como cliente/consumidor recebe agora a denominao cidado
(ARANDA, 2009).
Aranda (2009, p. 11) concluiu que:
26
O significado do princpio da participao na poltica educacional brasileira,
no limiar do sculo XXI, est fundamentado nos pressupostos da cidadania
ampliada projetada pelos ideais liberais que visam ao bem-estar material ao
nvel da civilizao vigente na sociedade capitalista e no como proposta
alternativa no que concerne superao capital/trabalho, demonstrando que
preciso persistir na continuidade do principal objetivo marxista: a critica
radical ao capitalismo.
A outra tese de Camini (2009), defendida na UFRGS e intitulada A Gesto
Educacional e a relao entre os entes federados na poltica educacional do PDE/Plano de
Metas Compromisso Todos pela Educao, em que se analisam os aspectos da configurao
no tempo-espao compreendido entre o perodo de elaborao e a fase inicial da implantao
nos estados e municpios do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educao.
Camini realizou um estudo de natureza qualitativa e focalizou a relao do MEC
com os entes federados e a gesto educacional, sendo possvel evidenciar um Plano sem
debate com as entidades cientficas e sindicais do campo educacional. Seu estudo revelou a
permanncia da disputa existente na sociedade brasileira entre a concepo de gesto
democrtica e a conduo da gesto gerencialista/burocrtica mantida pelas elites (CAMINI,
2009).
Por fim, a Tese de Doutorado de Felix (2012), defendida na UFMS com o
seguinte ttulo: Polticas de Gesto Educacional no Brasil: o Programa Nacional de
Fortalecimento dos Conselhos Escolares (2004 - 2010), cujo objeto de investigao consistiu
na anlise do Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares (PNFCE) no
mbito das polticas de fortalecimento institucional da gesto educacional do Governo Luiz
Incio Lula da Silva (2003-2010).
A metodologia utilizada por Felix (2012) compreendeu a tcnica de pesquisa
documental, reviso bibliogrfica e entrevistas semiestruturadas que subsidiaram as anlises
dos delineamentos do PNFCE no contexto social e governamental em meio aos mecanismos,
possibilidades e limitaes de induo gesto democrtica das escolas pblicas de educao
bsica no Brasil. O autor constatou que:
No mbito das determinaes da reconfigurao do Estado e do movimento
dialtico e contraditrio das polticas federais em suas relaes com a
realidade concreta, o PNFCE expressou politicamente o discurso de
constituio, legitimao e defesa da democracia e da participao social.
[...] o PNFCE, est situado entre programas e aes focalizados, representou
tanto avanos na conquista de novos espaos e condies de participao e
democratizao sociopoltica, quanto, contraditoriamente, no representou
profundas rupturas com a lgica conservadora da gesto pblica federal
(FELIX, 2012, p. 10).
27
Felix apontou que transformar em poltica de Estado os princpios de
democratizao da gesto pblica implica combater barreiras ideolgicas, culturais, sociais e
econmicas que restringem o investimento necessrio formao poltica e tcnica dos
sujeitos e das instituies para o exerccio da autonomia crtica, democrtica e participativa
(FELIX, 2012).
Os estudos levantados aproximam-se de alguma forma do objeto de anlise dessa
pesquisa e subsidiaram a compreenso da poltica em estudo.
Assim, elegemos como problema central deste estudo: como ocorreu o processo
de implantao dos Conselhos Escolares na Rede Municipal de Ensino de Campo Grande-
MS e quais as estratgias polticas utilizadas para implantao das aes do Plano de aes
Articuladas (PAR), em mbito local, no perodo 2007 a 2010?
Para responder a esse questionamento, definimos como objetivo geral analisar o
processo de implantao dos Conselhos Escolares na Rede Municipal de Ensino de Campo
Grande-MS, no contexto do Plano de Aes Articuladas (PAR), no perodo 2007 a 2010.
Como objetivos especficos foram definidos: a) verificar o processo de elaborao
do PAR e as aes definidas pelo Municpio de Campo Grande-MS, referentes dimenso
gesto educacional, com base nas recomendaes da Carta Constitucional, de outros textos
legais e da proposta do Plano; b) examinar as estratgias utilizadas pela Secretaria Municipal
de Educao para a implantao dos Conselhos Escolares na Rede Municipal de Ensino de
Campo Grande-MS; c) verificar como os Conselhos Escolares se constituram nas Unidades
Escolares da Rede Municipal de Ensino de Campo Grande-MS e qual a sua implicao para a
participao de segmentos internos e externos na gesto escolar.
A pesquisa foi realizada no Municpio de Campo Grande-MS. Justificamos a
escolha desse municpio pelo fato de ser a capital do estado de Mato Grosso do Sul, tendo a
maior Rede de Ensino municipal, com sistema prprio de ensino e Conselho Municipal de
Educao, e s ter constitudo os Conselhos Escolares no contexto da elaborao do PAR.
Segundo Ldke e Andr (1986, p. 1), [...] para se realizar uma pesquisa preciso
promover o confronto entre os dados, as evidncias, as informaes coletadas sobre
determinado assunto e o conhecimento terico acumulado a respeito dele.
Com base nesse entendimento, realizamos levantamento e estudo da bibliografia
referente ao tema polticas pblicas educacionais e Conselhos Escolares (pesquisa
bibliogrfica) que fundamentaram a interpretao das informaes e dos dados coletados, bem
como levantamento e anlise de documentos oficiais (pesquisa documental) existentes e que
regulamentam a poltica educacional em estudo, como: Constituio Federal de 1988; Lei de
28
Diretrizes e Bases da Educao Nacional, Lei n. 9394, de 1996; Decreto n. 6094, de 24 de
abril 2007; Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE); e Plano de Aes Articuladas
(PAR) do municpio definido, entre outros.
Com a finalidade de coletar informaes dos envolvidos no processo, realizamos
entrevistas semiestruturadas com base em um roteiro de questes abertas, focalizando os
objetivos especficos desta pesquisa. As entrevistas ocorreram na Secretaria Municipal de
Educao (SEMED) e em duas unidades escolares da Rede Municipal de Ensino de Campo
Grande-MS, localizadas na zona urbana.
Para a realizao das entrevistas na Secretaria Municipal de Educao (SEMED),
os sujeitos escolhidos foram dois tcnicos, selecionados com base nos seguintes critrios: um
membro da Equipe Local7, representante da SEMED e responsvel pela demanda municipal
de implantao dos Conselhos Escolares no PAR 2007-2010, identificado neste trabalho
como Tcnica A; e outro membro da Equipe Local, representante da SEMED e responsvel
pela sistematizao das respostas no levantamento diagnstico, denominado de Tcnica B.
Com relao s unidades escolares, estabelecemos como critrios de escolha a
organizao temporal, as etapas de ensino oferecidas e o nmero de alunos matriculados.
Assim sendo, selecionamos dentre as unidades escolares da Rede Municipal de Ensino de
Campo Grande-MS uma escola em que os alunos permaneam em tempo integral (08 h e 30
min.) e que oferece a Educao Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental e tem o maior
nmero de alunos matriculados entre as escolas com essas caractersticas; essa escola foi
denominada ETI. Na outra escola os alunos permanecem no horrio regular (04h) e ela
funciona em trs turnos (matutino, vespertino e noturno), oferecendo a Educao Infantil, os
Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental e tendo o maior nmero de alunos matriculados
entre as escolas com essas caractersticas, sendo denominada de ETR. Justificamos a
definio desses critrios por se tratar de estruturas diferentes de organizao escolar e que
poderiam oferecer informaes importantes sobre a organizao da gesto escolar e a
constituio de um Conselho Escolar.
Os sujeitos escolhidos nas referidas escolas foram trs membros integrantes do
Conselho Escolar, utilizamos como critrios de seleo os diferentes nveis de representao e
sua atuao na estrutura escolar. Dessa forma, foram entrevistados o diretor escolar (membro
7 Equipe Local a equipe tcnica que elabora o PAR no municpio, composta do dirigente municipal de
educao, tcnicos da Secretaria Municipal de Educao, representantes dos diretores de escola, dos
professores da zona urbana e rural, dos coordenadores, do quadro tcnico administrativo das escolas, dos
Conselhos Escolares, do Conselho Municipal de Educao(quando houver) (BRASIL, MEC, 2007d, p. 6).
29
nato), um representante do segmento pais/responsvel e um representante do segmento dos
professores.
As entrevistas foram realizadas de 18/09/2012 a 22/11/2012 no campo emprico
mencionado, todas com prvio agendamento dentro desse perodo.
Os dados coletados foram sistematizados, analisados e contextualizados para a
elaborao do texto dissertativo desta pesquisa. Para anlise dos documentos e das entrevistas,
foram considerados alguns eixos, entre eles: processo de elaborao do PAR no municpio;
estratgias do municpio para elaborao do PAR: a dimenso gesto educacional; apoio
tcnico e financeiro do MEC; processo de implantao do Conselho Escolar (CE) na Rede
Municipal de Ensino (REME); receptividade da comunidade escolar implantao do CE;
composio do Conselho Escolar; e relao Conselho Escolar e Associao de Pais e Mestres
(APM) (atribuies, aes).
Observamos ainda que a tica na coleta das informaes foi contemplada, entre
outros procedimentos, pelo consentimento prvio dos entrevistados em participar da pesquisa,
registrado no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A utilizao dos dados das
entrevistas no texto da pesquisa ocorreu devido autorizao dos participantes contidas nesse
Termo, e a adeso pesquisa foi voluntria.
Diante do exposto, este trabalho est organizado em trs captulos. O primeiro
captulo, intitulado Poltica e Gesto Educacional no Brasil na Primeira Dcada do Sculo
XXI, onde contextualizamos a poltica e a gesto educacional no Governo Luiz Incio Lula
da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), com nfase no segundo mandato (2007-2010),
ressaltando a presena da gesto democrtica nos marcos legais e nos documentos relativos ao
Governo Lula.
No segundo captulo, Plano de Aes Articuladas (PAR) no mbito do Plano de
Desenvolvimento da Educao (PDE), caracterizamos o Plano de Desenvolvimento da
Educao (PDE), estabelecido por meio do Decreto n. 6.094/2007 para a Educao Bsica, e
o instrumento que o viabiliza, ou seja, o Plano de Aes Articuladas (PAR).
Quanto ao terceiro captulo, Implantao dos Conselhos Escolares no Municpio
de Campo Grande - MS analisamos o processo de implantao dos Conselhos Escolares,
realizado na Rede Municipal de Ensino de Campo Grande-MS no mbito do PAR, bem como
verificamos como os mesmos se constituram nas unidades escolares.
As consideraes finais (re) visam destacar os aspectos relevantes do estudo em
questo.
CAPTULO 1
POLTICA E GESTO EDUCACIONAL NO BRASIL NA PRIMEIRA
DCADA DO SCULO XXI
O presente captulo tem por objetivo contextualizar a poltica e a gesto
educacional no Governo Luiz Incio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), nos
dois mandatos, ou seja, de 2003-2006 e de 2007-2010, com nfase no segundo, pelo fato de
ser o perodo em que foi institudo o Plano de Aes Articuladas (PAR), no mbito do Plano
de Desenvolvimento da Educao (PDE), uma das principais polticas reguladoras para a
Educao Bsica.
Para a compreenso dessa poltica no mencionado governo, consideramos ser
necessrio retomar os principais elementos das polticas educacionais a partir da dcada de
1990, tomando como referncia a Constituio Federal de 1988 e a Reforma do Estado
efetivada em 1995, sob o comando, poca, do ministro Bresser Pereira.
Assim, iniciamos este captulo abordando alguns dos elementos que influenciaram
e por sua vez justificaram a poltica de gesto educacional da ltima dcada do sculo XX e
da primeira dcada do sculo XXI, porm em conjunturas8 polticas diferenciadas.
8 Referimo-nos a conjuntura no sentido que [...] no o tempo cronolgico que define uma conjuntura, mas a
natureza dos acontecimentos e dos fatos, e as foras sociais que os produzem (FRIGOTTO, 2010, p. 237).
31
1.1 Elementos presentes nos ajustes estruturais e administrativos da Reforma do Estado
nos anos 1990
As polticas pblicas no Brasil, a partir da dcada de 1990, foram marcadas pelas
transformaes ocorridas no Estado para adequao s orientaes neoliberais, em voga no
mundo capitalista, e suas estratgias para a gesto pblica, sobretudo a educacional. Essas
transformaes foram responsveis pela implantao da gesto nos moldes gerenciais nas
instituies pblicas. Conforme afirmam Fonseca e Oliveira:
A administrao pblica adquiriu um formato gerencial, mais gil e flexvel,
com o objetivo de imprimir eficincia ao desempenho do Estado, tornando-o
mais compatvel com a atual fase do capitalismo global e competitivo. Uma
das aes prioritrias foi a descentralizao, pela qual foram transferidas
funes da burocracia central para os estados e municpios [...] (2009, p.
234).
O discurso da descentralizao mencionado pelos autores ganha destaque na
Amrica Latina e no Brasil a partir da dcada de 1980, aps o perodo de centralizao por
parte do governo federal, decorrente dos governos militares (1965-1985).
Os autores consideram, tambm, a intensa mobilizao de educadores naquela
dcada, em prol de mudanas na sociedade brasileira para que aes democratizantes fossem
implantadas na esfera da poltica pblica e da sociedade. Ainda que suas reivindicaes no
tenham se materializado in totum, alguns quesitos significativos foram includos na Carta
Constitucional, na LDBEN/96 e nos planos nacionais de educao.
Fonseca e Oliveira (2009, p. 235) assinalam que, na dcada de 1990, [...] as
mudanas que orientaram a reforma do Estado brasileiro tiveram efeitos imediatos na gesto
do sistema educacional [...], pois nessa dcada
[...] foram desenvolvidas modalidades de gesto que prometiam a melhoria
dos indicadores de evaso e repetncia, alm do rendimento dos alunos, a
autonomia e a participao da famlia, da comunidade educacional e da
sociedade em geral em decises afetas escola.
Marcadamente, os anos finais de 1980, correspondentes ao Governo Sarney
(1985-1990), at a metade dos anos de 1990, no primeiro mandato do Governo Fernando
Henrique Cardoso (1995-1998), so assinalados por Vieira como de transio para a
democracia, caracterizando um perodo em que as discusses sobre polticas pblicas no
sentido de democratizar a educao no Brasil so efervescentes, pois a [...] poltica
32
educacional autoritria, concebida em tempos ureos da ditadura no mais se sustenta [...]
(VIEIRA, 2000, p. 20), voltando-se a nfase para os direitos sociais.
As orientaes que acompanharam as reformas nas polticas educacionais foram
expressas e enfatizadas nos elementos orientadores como: descentralizao, autonomia,
participao, responsabilizao e qualidade (eficincia/eficcia) no mbito de um modelo
globalizado9 de sociedade.
Segundo Barroso (2005, p. 726), com medidas pautadas nesses elementos e em
funo de critrios de modernizao, desburocratizao e combate ineficincia do
Estado, que decorrem os modos de regulao do poder pblico a partir daquele perodo,
configurando caractersticas da chamada poltica neoliberal10.
O autor tambm afirma que a influncia das ideias neoliberais na educao
importou valores como: competio, concorrncia, excelncia, entre outros, do modelo de
gesto empresarial (BARROSO, 2005, p. 741). Esses valores resultaram, por exemplo, na
nfase em resultados por meio das avaliaes como estratgia para garantia do ensino de
qualidade.
Krawczyk e Vieira (2010, p. 3), ao realizarem estudo comparado sobre a reforma
educativa nacional dos anos 1990 ocorrida na Amrica Latina, o fizeram sob o ponto de vista
histrico-sociolgico e enfatizam que:
[...] importante destacar que o consenso construdo acerca da reforma
educacional nos diferentes pases foi consequncia da fetichizao da
necessidade do conhecimento instrumental para a insero competitiva dos
pases latino-americanos no mercado mundial. Assim, a reforma do Estado -
vetor das transformaes educacionais foi apresentada sociedade como
uma estratgia necessria para racionalizar os investimentos e a gesto
pblica e no como a finalidade ltima do projeto de desenvolvimento
neoliberal.
Essa reflexo das autoras nos remete compreenso das ingerncias dos
organismos multilaterais nas polticas social e econmica dos pases de capitalismo perifrico
que ocorreram naquele perodo, com destaque para o Brasil. As autoras tambm salientam que
9 A globalizao, conforme Machado e Machado (2008, p. 44), [...] resultado da acelerao de conjunto de
processos relacionados luta competitiva entre empresas capitalistas. Assim, verifica-se [...] a propagao do pragmatismo educacional com a priorizao dos critrios de utilidade e satisfao das necessidades do
mercado e [...] assiste-se, tambm a apologia dos mtodos de gesto das empresas privadas como modelo adequado melhoria da eficcia educacional e das escolas.
10 Barroso (2005, p. 741) afirma que por meio do tatcherismo, referindo-se a Margarete Tatcher na Inglaterra, e
do reganismo de Ronald Regan nos EUA, assistiu-se ao surgimento das chamadas polticas neoliberais, que preconizam a reduo do papel do Estado e a criao de mercados, ou quase-mercados, nos setores
tradicionalmente pblicos, como a sade, educao, transportes, etc. Essas polticas neoliberais foram,
segundo o autor, adotadas como referenciais para os programas de desenvolvimento conduzidos por
organizaes internacionais, como o FMI, Banco Mundial, OCDE e outros na Amrica Latina.
33
o eixo dessa reforma foi a nova relao estabelecida entre o Estado e a sociedade, que resultou
em um tipo de regulao baseado na distribuio de responsabilidades por parte do Estado,
assinalando que:
O compartilhamento de deveres foi incentivado pelos governos nacionais
com a definio de mecanismos que objetivavam a autonomia das
instituies e a participao dos diferentes segmentos sociais no mbito local
e principalmente, no gerenciamento das unidades escolares (KRAWCZYK;
VIEIRA, 2010, p. 15).
Os mecanismos apontados pelas autoras constituem-se o foco da reforma dos anos
1990, que trouxe srios problemas para a implementao de polticas educacionais, pois na
realizao dos ajustes para a descentralizao, estados e municpios nem sempre estiveram em
condies de assumir as obrigaes repassadas pelo governo federal (RODRIGUEZ, 2004, p.
18). A descentralizao administrativa da educao redefiniu as funes atribudas ao Estado,
trazendo um [...] processo reformista precedido na maioria dos casos, da transformao que
os pases procuravam, como:
1) Uma maior eficincia administrativa, maior rapidez na tomada de
decises e relaes menos burocrticas.
2) Redistribuio da responsabilidade financeira da educao, aliviando o governo central.
3) Maior democratizao nas decises e fortalecimento da participao da
sociedade.
4) Maior flexibilidade na gesto escolar, maximizando o processo
informativo para facilitar a tomada de decises por parte da comunidade, de
forma a responder s necessidades locais.
5) Subsdio demanda, mediante uma educao regulada pelas leis do
mercado, baseada na livre escolha, e fortalecimento da concorrncia na
oferta.
6) Neutralizao de diferentes centros de poder (burocracias estaduais e
municipais, organizaes sindicais, entre outros).
7)Transferncia de poder e recursos de certos grupos de influncia a outros.
8) Melhoria da qualidade da educao, propiciando a tomada de decises
mais prxima do nvel escolar, promovendo um maior compromisso e
melhoria dos resultados (RODRIGUES, 2004, p. 18).
Os pontos acima se fazem presentes, de alguma forma, nas legislaes
educacionais dos pases que passaram por modificaes na estrutura administrativa e poltica
nos anos 1990, como o Brasil, adotando polticas educacionais com vistas a atender ao
mecanismo da descentralizao que, segundo Rodriguez (2004, p. 18-19), encontra-se
valorizado em aes que priorizam eixos como os da gesto, da equidade e da qualidade, da
34
capacitao dos professores e do financiamento, uma vez que estes orientam as polticas de
educao dos pases latino-americanos desde a ltima dcada do sculo XX.
Assim, esses pontos podem ser identificados nos marcos regulatrios que
fundamentam e legalizam as reformas educacionais brasileiras, como por exemplo, o item trs
(3), relacionado democratizao nas decises, bem como ao fortalecimento da participao
prescrito na Constituio Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educao
Nacional (LDBEN), Lei n. 9.394, sancionada em 20 de dezembro de 1996.
1.2 Gesto democrtica da educao nos marcos legais
A Constituio Federal (CF), promulgada em 5 de outubro de 1988 no Governo
Jos Sarney, foi resultado de um longo debate e de grandes mobilizaes da sociedade em
geral.
Essa Constituio ficou conhecida como Constituio Cidad, pelo nvel de
participao e pelas conquistas geradas e que se fazem presentes em seus captulos e artigos.
Conforme o prescrito em seu prembulo e no art. 1, a Repblica Federativa do Brasil,
formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrtico de Direito11 e tem como fundamentos: a soberania, a cidadania, a
dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, assim como o
pluralismo poltico (BRASIL, 1988).
Autores como Vieira (2000, p. 63) costumam afirmar que a Constituio de 1988
apresenta o mais longo captulo sobre a educao de todas as constituies brasileiras. Em
seu Ttulo VII- Da Ordem Social o Captulo III, na Seo I, dez artigos so destinados
inteiramente estrutura organizacional da educao no pas. Oliveira (2007, p. 23) acentua
que o texto de 1988 apresenta vrias novidades em relao ao tema. Pela primeira vez em
nossa histria constitucional, explicita-se a declarao dos direitos sociais, destacando-se,
com primazia, a educao.
Dentre os dez artigos relacionados educao, destacamos o art. 205, que assim
define: A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia, ser promovida e
11
Segundo Cury (2002, p. 172), o Estado Democrtico de Direito aquele que reconhece e explicita concretamente a soberania da lei e do regime representativo e por isso um Estado de Direito. Ao mesmo
tempo, reconhece e inclui o poder popular como fonte do poder e da legitimidade e o considera como
componente dos processos decisrios mais amplos de deliberao pblica e de democratizao do prprio
Estado.
35
incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho (BRASIL,
1988).
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN), essa
responsabilidade reafirmada em seu art. 2, com a seguinte redao: A educao, dever da
famlia e do Estado, inspirada nos princpios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho (BRASIL, 1996). Ao analisar esses
artigos da Constituio Federal e da LDBEN, Saviani alerta para a inverso da ordem das
palavras famlia e Estado na redao dos artigos e comenta:
Chama ateno, porm, a modificao de alguns detalhes no texto
constitucional. O primeiro deles a inverso operada no enunciado do art.
205. Enquanto ali se l dever do Estado e da Famlia, na lei est escrito dever da famlia e do Estado. Dir-se-ia que tanto faz, que a ordem dos fatores no altera o produto. Pode ser. Mas no deixa de ser estranho
(SAVIANI, 2008, p. 202).
O autor ainda lembra que [...] coincidncia ou no, o fato que o grande mentor,
ao lado de Hayek, do neoliberalismo, Milton Friedman, tambm defende explicitamente a
precedncia da famlia sobre o Estado em matria de educao (SAVIANI, 2008, p. 202).
Outro artigo da CF que merece destaque, aqui, o art. 206, referente aos
princpios12 norteadores do ensino no pas, em que se prescreve:
O ensino ser ministrado com base nos seguintes princpios:
I - igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte
e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepes pedaggicas, e coexistncia de
instituies pblicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino pblico em estabelecimentos oficiais;
V - valorizao dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei,
planos de carreira para o magistrio pblico, com piso salarial profissional e
ingresso exclusivamente por concurso pblico de provas e ttulos;
VI - gesto democrtica do ensino pblico, na forma da lei;
VII - garantia de padro de qualidade (BRASIL, 1988, grifos meus).
12
O termo princpio empregado para designar, na norma jurdica escrita, os postulados bsicos e fundamentais presentes em todo Estado de direito, ou seja, so afirmaes gerais no campo da legislao a
partir das guias devem decorrer as demais orientaes legais (ADRIO; CAMARGO, 2007, p. 65).
36
Esses princpios so ainda reafirmados no art. 3 da LDBEN/9394. Ao princpio
da gesto democrtica do ensino pblico (VI), foi acrescido na forma desta Lei e da
legislao dos sistemas de ensino. Importante destacar a atribuio do municpio como ente
federado e autnomo pela Constituio Federal de 1988 (BRASIL, 1988), portanto,
responsvel pela implantao da legislao local.
Adrio e Camargo (2007, p. 65) assinalam que esse princpio ao mesmo tempo
em que se configurou conquista, [...] representou uma conquista parcial, pelo fato de que o
termo na forma da lei possui o sentido de regulamentao posterior e, segundo os autores
significou que sua aplicabilidade foi protelada, referindo-se ao art. 14 da LDBEN, que
transfere a responsabilidade da gesto democrtica aos sistemas de ensino.
A gesto democrtica como princpio, portanto, presente na CF de 1988 objetivou
trazer para o interior das unidades escolares a alterao reivindicada na dinmica das relaes
de poder, apoiando-se em uma gesto coletiva, conforme Adrio (2006, p. 57): eleio para
dirigentes escolares, participao da comunidade usuria na definio das metas e objetivos,
constituio de instncias coletivas de trabalho docente e da exclusividade do financiamento
da escola pblica pelo poder pblico, isto , a democratizao da gesto escolar e
educacional, ilustrando a importncia da gesto democrtica naquele perodo.
No entanto, o contexto dos anos 1990, segundo Adrio (2006, p. 620), [...] trouxe
alteraes no contedo e gesto das polticas educacionais e, por conseguinte, nos discursos
que as justificam, sendo que [...] a nfase numa necessria reestruturao institucional das
unidades escolares e dos rgos gestores da educao pblica assume forma do aumento da
responsabilizao das prprias escolas frente ao fracasso do sistema pblico, passando,
portanto, o entendimento do termo gesto democrtica por uma ressignificao.
Ento, o termo gesto comea a ser utilizado com maior frequncia nas polticas
educacionais a partir dos anos 1990, com a Reforma do Aparelho do Estado 13
, no primeiro
governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998).
De acordo com Vieira (2000, p. 171), esse governo
[...] d continuidade poltica econmica inaugurada na dcada de noventa,
mantendo a abertura s exportaes, o programa de privatizao de grandes
empresas estatais e outras iniciativas, visando a insero do pas no contexto
de uma economia globalizada. No campo da educao, explicita-se um
13
De acordo com Bresser Pereira, [...] a Reforma do Aparelho do Estado significa tornar a administrao pblica flexvel e eficiente; reduzir seu custo; garantir ao servio pblico, particularmente aos servios sociais
do Estado, maior qualidade e levar o servidor pblico a ser mais valorizado pela sociedade ao mesmo tempo
em que valoriza mais o seu trabalho, executando-o com mais motivao (PEREIRA, 2000, s/p).
37
projeto poltico que guarda sintonia com as grandes linhas estabelecidas pela
Conferncia Mundial sobre Educao para Todos (grifos da autora).
A Conferncia acima mencionada, [...] apesar de ter sido organizada por vrias
entidades, teve como orientao predominante, a da Cepal, que influenciou muito a poltica
educacional brasileira no inicio dos anos 1990 (PERONI, 2003, p. 9).
A esse respeito, Oliveira (1997, p. 90) explicita que a partir da dcada de 1990
percebe-se uma mudana nas orientaes presentes nas reformas educativas no Brasil, em
mbito federal, estadual e municipal, assinalando que:
Estas reformas so na sua grande maioria, congruentes com os
compromissos assumidos pelo Brasil na Conferncia Mundial de Educao
para Todos, realizada em maro de 1990, em Jontiem, na Tailndia, e na
declarao de Nova Delhi de dezembro de 1993 de atendimento demanda
de universalizao do ensino bsico. So proposies que convergem para
novos modelos de gesto do ensino pblico, calcados em formas mais
flexveis, participativas e descentralizadas de administrao dos recursos e
das responsabilidades.
Os acordos firmados nessa Conferncia direcionaram a implantao e a gesto das
principais polticas educacionais, construindo um novo cenrio para a educao brasileira. As
reformas promovidas em torno do setor das polticas sociais, em especial o educacional,
aliam as demandas de maior acesso s questes de ineficincia produtiva do sistema
(OLIVEIRA, 1997, p. 93). A autora acentua que o argumento utilizado para essas reformas no
Brasil de que a Constituio Federal de 1988 ampliou as obrigaes do Estado para com o
setor educacional, acolhendo interesses e aspiraes dos diversos segmentos sociais, sem a
necessria avaliao da efetiva possibilidade de ao governamental (OLIVEIRA, 1997, p.
94). Diante das questes apontadas no trecho acima pela autora, o que se constata a adoo
nessa reforma de mecanismos de gesto semelhantes ao empresarial.
Por esse motivo, justificam-se os elementos norteadores das polticas educacionais
na definio das polticas pblicas como: autonomia, eficincia, eficcia, padro de qualidade,
competncia, produtividade responsabilizao, participao e outros que marcam os tempos
de transio (VIEIRA, 2000, p. 201), ou novos modelos de gesto inerentes essa lgica
capitalista, sem contar o importante papel desempenhado pelos organismos multilaterais na
formulao de polticas educacionais no perodo (DOURADO, 2007, p. 926), bem como a
influncia nas legislaes que promoveram a reforma que levou a gesto democrtica a
ganhar outro sentido nesse contexto.
38
1.3 Gesto democrtica da educao: elementos constitutivos e estratgias
Desde a promulgao da CF/1988 e a aprovao da LDBEN/1996, o termo gesto
democrtica da educao tem passado por vrias anlises, entre elas, a realizada por Arelaro
(2000), em que a autora indica a gesto democrtica da educao como o marco divisrio
das reformas educacionais na dcada de 1990.
Segundo a autora, nos anos de 1990 a 1994 o esprito da Constituio Federal
ainda est muito presente, e nela a categoria cidadania a mais presente orientando a
formulao dos direitos sociais (ARELARO, 2000, p. 101). Assim, nesse perodo, o conceito
de gesto democrtica est mais relacionado ao sentido de participao popular nos diferentes
nveis de gesto da organizao pblica.
Naquele perodo, o Ministrio da Educao [...] promove reunies regionais e
nacionais plurais, entendidas como oportunidade para discusso de suas polticas, coerente
com o momento poltico da recm consolidada democracia (ARELARO, 2000, p. 102).
possvel identificar nessas aes a importncia conferida participao, elemento primordial
na construo da gesto democrtica. nesse contexto que, aps grande movimentao
popular, aprovado o Estatuto da Criana e do Adolescente, um grande avano na legislao
nacional no tocante s polticas sociais e que teve repercusso internacional (ARELARO,
2000).
De 1995 a 1999, devido Reforma do Estado, quando a poltica educacional
assume contedos da ideologia neoliberal, a gesto democrtica passa por uma reconceituao
e se constitui em [...] uma das diferenas mais significativas nas reformas educacionais que
se seguem no perodo [...] (ARELARO, 2000, p. 102).
Assim, nesse perodo a estratgia da descentralizao ganha fora na gesto das
polticas pblicas, sobretudo nas educacionais, decorrendo a relao do conceito de
democracia ao de descentralizao.
Cabral (2011), ao discutir sobre essa questo, acentua que:
No mbito do iderio do gerencialismo, a descentralizao valorizada
porque propicia as condies favorveis para tornar mais eficazes as
polticas pblicas; aproxima o centro de decises dos servios pblicos dos
consumidores, assegurando-lhes o direito de escolher os equipamentos
sociais que oferecem melhor qualidade; permite que os cidados participem
das decises que afetam suas vidas. O fulcro desse processo est centrado
em uma dinmica na qual se materializa uma desconcentrao de
responsabilidades [...] (CABRAL, 2011, p. 264).
39
E ainda comenta que:
A descentralizao, nessa tica, no cria os mecanismos essenciais para
edificar a participao de setores mais significativos da sociedade,
interessados na poltica pblica, no processo de tomada de deciso,
limitando, desse modo, o seu poder de influir nos destinos dessa poltica. A
participao com essas caractersticas se configura notadamente como uma
tcnica de gesto propiciadora de coeso e consenso, despolitizando, assim,
o processo de participao dos setores sociais na formulao, implementao
e avaliao da poltica (CABRAL, 2011, p. 264).
As anlises do autor nos permitem inferir que a concepo de gesto democrtica
reivindicada nos anos 1980 altera-se a partir dos anos 1990, para atender ao contexto em voga
e que, desse modo, a descentralizao estruturada como estratgia de redimensionamento
do papel do Estado, em relao s suas obrigaes sociais (CABRAL, 2011, p. 265).
Embora a gesto democrtica tenha sido definida na Constituio Federal de 1988
como um dos princpios do ensino (art. 206), ainda h contradies na sua materializao no
contexto educacional. Nesse sentido, convm refletir com Peroni (2003, p. 124):
[...] atualmente, a gesto democrtica, que inclusive princpio
constitucional, est na prtica, cada vez menos sendo construda. Muitas
vezes, escutamos o termo como algo que ficou no passado, quando, na
realidade, estava ainda dando os primeiros passos, j que a gesto
educacional que tivemos historicamente teve grande influncia do
patrimonialismo, da burocracia, e como parmetro o mercado. Assim, o
novo, historicamente a ser construdo a gesto democrtica. O que temos
vivenciado que o novo passou a ser a gesto gerencial, e a gesto
democrtica ficou no passado.
Concordamos com a anlise da autora, pois a gesto democrtica um processo
ainda em construo e por isso mesmo alvo de estudos e discusses, principalmente no
mbito das relaes presentes nas instituies escolares. Em outras palavras, no mbito
educacional, a gesto democrtica tem sido defendida como dinmica a ser efetivada nas
unidades escolares, visando garantir processos coletivos de participao e deciso
(OLIVEIRA; MORAES; DOURADO, s/d., p. 3).
Entre os processos coletivos de participao, destacamos os Conselhos Escolares,
objeto de estudo desta pesquisa. Esses Conselhos no interior das escolas pblicas brasileiras
encontram-se respaldados na legislao educacional, conforme podemos observar nos artigos
da LDBEN, que estabelecem como as escolas devem se organizar para garantir o princpio
constitucional concernente gesto democrtica:
40
Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as
do seu sistema de ensino, tero a incumbncia de:
I - elaborar e executar sua proposta pedaggica;
II- administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros;
III- assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas;
IV- velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;
V- prover meios para a recuperao dos alunos com menor rendimento;
VI-articular-se com as famlias e a comunidade, criando processos de
integrao da sociedade com a escola;
VII- informar os pais e responsveis sobre a freqncia e o rendimento dos
alunos, bem como sobre a execuo de sua proposta pedaggica.
Art. 13. Os docentes incumbir-se-o de:
I- Participar da elaborao da proposta pedaggica do estabelecimento de
ensino;
[...]
VI- colaborar com as atividades de articulao da escola com as famlias e a
comunidade.
Art. 14. Os sistemas de ensino definiro as normas da gesto democrtica do
ensino pblico na educao bsica, de acordo com as suas peculiaridades e
conforme os seguintes princpios:
I- participao dos profissionais da educao na elaborao do projeto
pedaggico da escola;
II- participao das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes.
[...] (BRASIL, 1996, grifos meus).
Ao analisarmos o art. 12, percebemos que seus incisos relacionam-se com a forma
de organizao de uma unidade escolar e sua autonomia. Dois desses incisos (VI e VII) [...]
tendem a produzir importantes reflexos sobre a gesto democrtica da escola pblica, na
medida em que estabelecem o dever da escola de levar em conta a famlia e a comunidade,
integrando-as s atividades escolares (PARO, 2007, p. 78).
Os artigos 13 e 14 complementam-se ao estabelecerem a articulao possvel entre
os principais sujeitos da unidade escolar, ou seja, os docentes e os pais, chamados a participar
da elaborao do projeto pedaggico da escola e de entidades representativas constitudas nos
rgos colegiados.
Segundo Bordignon e Gracindo (2006, p. 148),
[...] a gesto democrtica da educao requer mais do que simples mudanas
nas estruturas organizacionais; requer mudana de paradigmas que
fundamentem a construo de uma proposta educacional e o
desenvolvimento de uma gesto diferente da que hoje vivenciada. Ela
precisa estar alm dos padres vigentes, comumente desenvolvidas pelas
organizaes burocrticas.
De acordo com Melo (2006, p. 252-253), [...] a escola tem um papel
fundamental na construo de uma sociedade democrtica e, desse modo, [...] nesse
41
aspecto, a proposta da escola, democraticamente construda, implementada, gerida e avaliada,
vai fazer grande diferena. Levando em conta tal af