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1 http://respostasaoateismo.blogspot.com A Alma da Ciência Devo dizer que este é um dos melhores livros que tenho lido. Sua análise histórica precisa e crítica o faz mais do que uma simples apologia ao cristianismo, mas sim uma total e clara refutação ao suposto conflito entre ciência e religião, causado pela adoção da visão positivista pela ciência. Quero agradecer ao blogueiro Cristiano, que escreve no Nerd Protestante , por ter me indicado esta maravilhosa leitura. E é claro, recomendo a todos! Para adquirir o livro, clique aqui ou procure no Google (Obs: eu consegui comprar há alguns meses atrás no Mercado Livre por R$ 30,00, mas infelizmente o link não está mais disponível... se você achar mais caro em outro lugar, não pense duas vezes sobre comprar o livro... ele vale muito mais do que eu paguei!). A autora Nancy Pearcey é escritora científica e editora colaboradora do Pascal Centre for Advance Studies in Science and Faith. O co-autor Charles Taxton é Ph.D. em Química e pós-doutor em História da Ciência pela Universidade de Harvard. Farei minha análise sobre os pontos iniciais do livro nos próximos artigos do blog. Assim você terão uma 'amostra grátis' da leitura que os espera e ainda ficarão mais curiosos para conhecer sobre o que mais o livro fala.

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  • 1 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    A Alma da Cincia

    Devo dizer que este um dos melhores livros que tenho lido. Sua anlise histrica

    precisa e crtica o faz mais do que uma simples apologia ao cristianismo, mas sim

    uma total e clara refutao ao suposto conflito entre cincia e religio, causado

    pela adoo da viso positivista pela cincia. Quero agradecer ao blogueiro

    Cristiano, que escreve no Nerd Protestante, por ter me indicado esta maravilhosa

    leitura. E claro, recomendo a todos!

    Para adquirir o livro, clique aqui ou procure no Google (Obs: eu consegui comprar

    h alguns meses atrs no Mercado Livre por R$ 30,00, mas infelizmente o link no

    est mais disponvel... se voc achar mais caro em outro lugar, no pense duas

    vezes sobre comprar o livro... ele vale muito mais do que eu paguei!).

    A autora Nancy Pearcey escritora cientfica e editora colaboradora do Pascal

    Centre for Advance Studies in Science and Faith. O co-autor Charles Taxton Ph.D.

    em Qumica e ps-doutor em Histria da Cincia pela Universidade de Harvard.

    Farei minha anlise sobre os pontos iniciais do livro nos prximos artigos do blog.

    Assim voc tero uma 'amostra grtis' da leitura que os espera e ainda ficaro mais

    curiosos para conhecer sobre o que mais o livro fala.

  • 2 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    Hoje em dia, vemos cada vez mais o mundo indo em direo secularizao, e a

    cincia caminhando em direo ao materialismo (isto se j no est totalmente

    imersa neste). Mas pode parecer surpreende para alguns que figuras-chave da

    cincia trabalharam dentro de uma estrutura crist, inclusive que suas expresses

    cientficas foram inspiradas e motivadas por suas convices crists.

    A forma que os livros didticos abordam os temas cientficos tende a esconder

    estes detalhes. Alis, v-se uma clara influncia do pensamento positivista: de que

    o progresso da cincia alcanado medida que nos libertamos dos "grilhes" da

    religio e da metafsica. O aluno acaba acreditando (erronaeamente) que os

    principais personagens histricos que promoveram este desenvolvimento tinham

    tal conceito sobre a religio e filosofia.

    Anlises relativamente recentes de historiadores da cincia vem desacreditando

    o Positivismo; e reconhecendo a importncia da cosmoviso crist; para o

    nascimento e estabelecimento da cincia. At o incio do sculo XX, a influncia

    cultural predominante no mundo ainda era a crist. No podemos entender textos

    de Newton, Descartes ou Cuvier sem investigar as motivaes religiosas e

    filosficas de seus trabalhos cientficos.

    Loren Eiseley, escritor cientfico, diz que o aspecto mais curioso do mundo

    cientfico em que vivemos justamente o fato de ele existir. Poderamos pensar

    que apenas uma questo de tempo para que uma civilizao acumule

    conhecimento e ento naturalmente desenvolva a sua prpria cincia, mas no

    assim que se observa historicamente. Diversas civilizaes surgiram e

  • 3 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    desapareceram na Terra sem ao menos criar nenhum tipo de filosofia cientfica. O

    que hoje chamamos de mtodo cientfico surgiu em uma cultura especfica - a

    Europa ocidental - e em nenhuma outra. Eiseley conclui que a cincia no de

    modo algum natural ou instintiva humanidade, mas que "ela exige um substrato

    nico para se desenvolver". Sem esse substrato a cincia desapareceria da Terra,

    como qualquer outra religio ou poltica de governo. Segundo Eiseley (e a

    argumentao deste texto), esse substrato seria a f crist.

    Desde o Iluminismo costuma-se dividir a histria em Antiguidade, Idade Mdia e

    Idade Moderna. A definio iluminista simplista em vrios aspectos,

    particularmente tem-se uma ideia de que a Idade Mdia foi um tempo de

    desolao intelectual e cultural. Esta ideia vem sendo h muito questionada.

    O fsico e filsofo francs Pierre Duhem (1861-1916), ao investigar a histria

    da Esttica, pressups que esta teve sua origem em Arquimedes, e que a prxima

    contribuio significativa s teria sido dada por Leonardo da Vinci, no

    Renascimento. Duhem se surpreendeu ao encontrar relatos bibliogrficos de

    Jordanus de Nemore (sculo XIII), Alberto da Saxnia, Jeane Buridom e Nicole

    Oresme (do sculo XIV), que se anteciparam a da Vinci e Galileu nos fundamentos

    da esttica.

    Pressupostos para o surgimento da Cincia

    Interessante como hoje se veem cincia e religio numa imagem de conflito e

    hostilidade, quase de oposio... mas isto muito recente. Passamos trs sculos

    inteiros (XVI a XIX) onde a relao entre ambas podia ser vista como uma aliana.

    Os primeiros cientistas no viam a devoo religiosa e a investigao cientfica

    como incompatveis, pelo contrrio, uma era motivao para a outra. Um dos que

    comeou a viso contra a dominncia cultural foi o bilogo ingls Thomas

    Huxley (mais conhecido como o "buldogue de Darwin"). O prprio Huxley sabia e

    declarava que o que ele fazia no era nada mais do que substituir uma religio por

    outra. Dizia frequentemente que seu objetivo era a "instituio da igreja

    cientfica" e chamava as suas palestras de "sermes leigos".

    Entretanto apenas o fato de que a cincia moderna surgiu numa cultura

    impregnada pela f crist j sugestivo. Conhecemos vrias outras culturas, como

    os chineses ou os rabes, que produziram um nvel de erudio e tecnologia

    inclusive superiores ao da Europa medieval. Mesmo assim foi no Ocidente que

    sistematizou-se o mtodo cientfico emprico. No se nega que outros fatores da

    poca tambm influenciaram o surgimento da cincia: crescimento das profisses

  • 4 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    liberais, fundao de vrias instituies cientficas, crescente nmero de

    publicaes peridicas, etc. Estes foram elementos essenciais para o

    desenvolvimento da cincia, mas no propriamente para a sua origem. A

    investigao cientfica depende de certos pressupostos, que precisam ser aceitos,

    acerca do mundo. A cincia no pode existir at que estes sejam plenamente

    estabelecidos.

    1. preciso conferir natureza atributos que a tornam um objeto possvel do

    estudo cientfico, ou " preciso ter f que a Cincia pode existir";

    Este pressuposto se baseia na legitimidade da natureza, que por sua vez vem

    diretamente da ideia crist de uma criao divina objetiva. Mesmo que nem todos

    os precursores do movimento cientfico fossem cristos devotos, eles estavam

    imersos dentro de uma sociedade onde a influncia e o apelo cultural cristo

    estavam devidamente enraizados.

    A cincia tambm depende da atitude do indivduo em relao natureza. Devem

    ser aceitos vrias outras premissas acerca da natureza:

  • 5 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    2. A natureza deve ser real;

    Isto pode parecer bvio, mas existiram e existem outros povos que consideram a

    natureza irreal. No pantesmo e no idealismo, por exemplo, as coisas finitas so

    apenas manifestaes do Ser absoluto e infinito; a individualidade e separaes

    no passam de iluso. Segundo o Hindusmo, que pantesta, "o mundo fsico

    uma iluso". Com tal sistema de crenas como premissa seria muito difcil inspirar a

    ateno voltada ao mundo que a cincia exige. Por outro lado, a doutrina crist

    ensina que Deus criou os objetos, estes no so apenas mainfestaes do divino,

    portanto possuem existncia real, e so passveis de estudo.

    3. A natureza deve ser, alm de real, digna de estudo.

  • 6 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    Esta convico est relacionada a valores. Os gregos clssicos no a tinham.

    Frequentemente relacionavam o mundo o mal e ao caos. Trabalhos manuais eram

    reservados aos escravos, e os filsofos, tidos como homens mais elevados,

    dedicavam-se ao cio e ao pensamento, buscando as ideias. Muito provavelmente

    foi por isso que os gregos nunca desenvolveram uma cincia experimental.

    Opostamente, o cristianismo ensina que o mundo, como criao de Deus, tem

    grande valor: "e viu Deus que o mundo era bom" Gn < > O trabalho manual

    era digno de orgulho, notadamente entre os cristos medievais. Os artesos eram

    vistos com respeito. A partir da Reforma Protestante, difundiu-se muito o conceito

    de que o homem deveria servir a Deus, no se retirando numa vida monstica, mas

    realziando qualquer trabalho honesto e til com honestidade e diligncia". E era

    assim que os primeiros cientistas viam seu trabalho:

    "Graas te dou, Criador e Deus, pois tu me concedeste esta alegria em tua

    criao e me alegro nas obras de tuas mos. V, pois, que completei o

    trabalho para o qual fui chamado. Nele, usei todos os talentos que tu

    concedestes ao meu esprito."

    Johannes Kepler, sobre a concluso dos seus trabalhos como astrnomo.

    "A busca da cincia uma boa ddiva concedida por Deus."

    Jean-Baptiste von Helmont

    4. A natureza deve ser boa, mas no uma divindade, apenas um objeto.

    Religies animistas, totemistas e pantestas tratam o mundo natural como uma

    habitao de ser(es) divino(s), ou como uma emanao da prpria essncia dos

    deuses. O homem pago costuma ver o mundo como uma espcie de floresta

    encantada, onde tudo- vales, bosques, pedras, rios, rvores - est repleto de

    espritos. Biblicamente, Deus no habita no mundo da mesma maneira que um

    habita numa rvore. Ele no a "alma" do mundo, mas sim seu

    Criador. Isto enfatizado desde as primeiras linhas do Gnesis. Sol, Lua e estrelas

  • 7 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    so claramente vistos como meros objetos da criao de Deus, enquanto na

    maioria esmagadora das outras culturas estes eram vistos como vivos, divinos. A

    "desdeificao" da natureza essencial para o surgimento da cincia. Pois deve-se

    encarar a natureza sem o medo de estar ofendendo ou desrespeitando ela prpria

    como um ser divino, faz-la um objeto de estudo em vez de um objeto de

    adorao.

    5. A natureza deve ser um sistema onde os acontecimentos ocorrem de maneira

    regular e confivel;

    Isto obviamente necessrio, se queremos encar-la como objeto de estudo. O

    paganismo em geral via o mundo como uma confuso de deuses, cada um

    manipulando uma parte especfica do mundo ao seu bel-prazer, para satisfazer os

    seus caprichos. O cristianismo, entretanto, ensina um nico Deus, transcendente e

    de vontade firma e constante, que criou um Universo coerente e unificado.

    Obs: perceba que a ideia da confiabilidade da natureza no supe somente a

    existncia de um Deus, mas tambm faz implicaes sobre o carter deste Deus.

    Ele deve ser fidedigno, a ponto de criar um mundo ordenado e regular. Coprnico,

    por exemplo, buscava em seu trabalho uma cosmologia que fosse mais adequada

    que a de Aristtoles e a de Ptolomeu. A concluso de seu trabalho foi um sistema

    mais organizado, que condizia mais com a regularidade e simetria atribuda obra

    de Deus.

    6. A natureza deve ser regida por "leis naturais";

  • 8 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    Os outros povos consideravam a natureza como uma entidade viva, regida por

    foras misteriosas. Entretanto, se queremos estudar o mundo, precisamos

    acreditar que seus fenmenos so compreensveis a ns. O Deus bblico visto

    tanto como Criador quanto como Legislador do mundo. O filsofo francs Ren

    Descartes (1596-1650) acreditava piamente neste ponto, sendo que via as leis

    matemticas do Universo como sendo regidas por Deus, da mesma maneira que

    um Rei dita leis para seu reino.

    O surgimento do conceito de "lei natural", na Idade Mdia, foi um fator-chave no

    distanciamento de nvel cientfico entre a Europa e o resto do mundo. E observe

    que a argumentao aceita pelos homens da poca no era "Existem leis naturais

    racionalizveis, logo existe um Deus racional". Era justamente o contrrio: "Existe

    um Deus racional, logo existem leis naturais racionalizveis". Assim esse argumento

    dava mais certeza ainda para a existncia das leis naturais, j que estes homens

    acreditavam fortemente na existncia de Deus. Se o argumento tivesse sido da

    forma que apresentei primeiro, talvez no tivesse havido a motivao suficiente

    para o surgimento de uma cincia bem estabelecida. Alm disto, este argumento

    foi aceito por f, e no pela observao. Pois os outros povos antigos tambm

    observavam alguma regularidade na natureza. Mas bastavam encontrar uma

    discrepncia, que a consideravam natural e no procuravam explicar a fundo.

    7. As leis da natureza devem ser exatas, ou "Deus fez o Universo exatamete da

    maneira que Ele quis";

    O fato de as leis naturais poderem ser expressas de maneira precisa atravs de

    frmulas matemticas foi mais um ponto para o surgimento da cincia no

    ambiente cristo. Em vrias culturas antigas, os mitos de criao geralmente

  • 9 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    comeavam com uma substncia preexistente dotada de natureza inerente. O

    criador no poderia assim moldar o mundo exatamente de acordo com sua

    vontade.

    Os filsofos gregos pr-socrticos postulavam a arch, que seria a substncia

    primordial que daria origem a tudo. Sculos depois Plato pregava que o "criador"

    (a causa primeira) no fez o mundo a partir do nada, apenas inseriu razo (ideias)

    na matria irracional, e mesmo assim isto no foi executado de maneira perfeita, j

    que a matria tem a capacidade de resistir racionalidade transmitida pela

    matria. Era assim que os gregos explicavam as imprecises da natureza. Objetos

    fsicos eram apenas meras aproximaes das ideias perfeitas.

    A criao ex nihilo proposta pela tradio judaico-crist destri estas concluses, j

    que assume um Deus com total liberdade para mover o Universo da forma mais

    ordenada posvel. Johannes Kepler, por exemplo, em suas observaes

    astronmicas encontrou um desvio de 8 minutos entre o tempo calculado e o

    medido da rbita de Marte. Segundo a filosofia grega, isto seria plenamente

    aceitvel, j que o mundo fsico nao passa de distores de quadrados e crculos

    perfeitos. Mas Johannes Kepler, crendo num mundo ordenado por Deus, no podia

    acreditar que o problema tratava-se apenas de um crculo distorcido. Isto levou-o a

    criar o conceito de rbitas elpticas em vez de circulares, abandonando o modelo

    astronmico vigente j h mais de 2 mil anos. O prprio Kepler se refere a esses 8

    minutos como uma "ddiva de Deus". Logo, a matemtica aplicada ao estudo da

    natureza uma consequncia da considerar a natureza como criao de um Deus

    Onipotente.

    8. O homem deve ser capaz de descobrir a ordem presente na natureza;

  • 10 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    Este pressuposto teve que ser aceito simplesmente por f no incio dos estudos

    cientficos. A garantia de que a mente humana possui preparo necessrio para

    adquirir conhecimento verdadeiro sobre o mundo veio da ideia de que o homem

    foi criado imagem de Deus.

    Na China, por exemplo, desenvolveu-se uma tecnologia blica e de engenharia

    muito avanada desde aproximadamente o primeiro milnio depois de Cristo.

    Entretanto, os chineses nunca desenvolveram um estudo cientfico sistemtico

    porque no acreditavam nem em uma mente racional legisladora de um ordem,

    nem na capacidade humana de decodificar esta ordem, caso ela existisse. Embora

    percebessem uma certa regularidade na natureza, acreditavam ser apenas uma

    necessidade humana de ver ordem nas coisas. Se a natureza no ordenada por

    um Ser racional e pessoal, no h nenhuma possibilidade de que outros seres

    pessoais e racionais possam descrev-la e explic-la. Um cristo, entretanto,

    facilmente poderia pensar que Deus no cometeria o desperdcio ou a ironia de

    colocar o homem na terra e ento ceg-lo para a verdadeira natureza do mundo ao

    seu redor.

    9. Deve existir um modelo especfico de epistemologia do conhecimento

    Dizer que a natureza inteligvel ao ser humano depende do conceito da palavra

    inteligvel. A lgica de Aristteles, por exemplo, entende que o que define um

    objeto no sua base material, mas sim seu propsito. Descobrindo o propsito

    para qual o objeto existe, no necessria mais nenhuma observao, pode-se

    ento deduzir logicamente todas as suas outras propriedades. Esse um conceito

  • 11 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    adaptado da geometria, onde ao sabermos por exemplo que um tringulo tem trs

    lados, podemos deduzir todas as suas propriedades matematicamente. Assim, a

    "cincia" dos gregos enfatizava a intuio racional dos propsitos dos objetos (ou

    "Formas"), seguidas da deduo, e no da experimentao. Este modelo foi

    inclusive adaptado ao cristianismo por So Toms de Aquino no sculo XIII.

    Esta filosofia crist, conhecida como escolstica, comeou a ser combatida ainda no

    sculo XIII. Quando se coloca a natureza com uma necessidade inerente de

    propsito ou Forma, limita-se a ao de Deus sobre estes objetos. Alguns cristos

    escolsticos afirmavam por exemplo que Deus no podia permitir outra forma de

    movimento planetrio que no posse o circular, j que esse o mais simtrico e

    perfeito possvel. O combatimento da escolstica intensificou-se na poca da

    Reforma Protestante, quando surgiu uma tendncia a enfatizar a Soberania de

    Deus e a passividade dos seres em relao aos preceitos que so impostos por Ele.

    Esta nova teologia inspirou e justificou uma metodologia experimental. J que Deus

    criou o mundo por sua livre vontade e no por necessidades lgicas, no podemos

    deduzir sua Criao unicamente pela lgica. preciso sair, observar e

    experimentar. Assim, o prprio cristianismo, propondo a ordem da natureza como

    uma imposio da vontade arbitrria de Deus, influenciou a investigao

    experimental sobre o mundo.

    10. Mesmo sabendo que o mundo causado pela ao livre e arbitrria de um

    Criador, ele no deve ser catico, mas ordenado, por refletir a racionalidade de

    seu Criador;

  • 12 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    Deus no seria, como dizia a escolstica, restringido por uma necessidade inerente

    de lgica ou por qualquer agente externo, mas restringido pela sua prpria

    natureza. O mundo necessariamente ordenado e racional, mas no porque possui

    uma racionalidade inerente, e sim por refletir a racionalidade de Deus.

    Isto nos leva a uma condio importante: nem sempre podemos prever como a

    racionalidade de Deus se revela na criao, j que a racionalidade de Deus

    ilimitada, e a nossa inferior. Assim, apesar de esperarmos um padro inteligvel

    para a natureza, no podemos saber de antemo qual padro ela seguir, e isto

    mais uma vez nos leva a incentivar a experimentao e observao dos fenmenos

    naturais. Um exemplo oportuno dado por Galileu, que quebrou os paradigmas da

    poca sobre investigao cientfica; nem ao menos perguntou se era razovel que

    um determinado peso, lanado de certa altura ao cho, cai com a mesma

    velocidade de um peso menor, lanado da mesma altura. Ele simplesmente subiu

    na torre de Pisa e fez a experincia, levando ao resultado no intuitivo: os dois

    caem com a mesma velocidade. Galileu argumentou que no podemos presumir

    como Deus pensa; devemos antes sair e olhar para o mundo que Ele criou.

    11. O homem deve agir ativamente na natureza, afim de atribuir glria a Deus e

    benefcios a si prprio;

    Para que se possa avanar da cincia para a tecnologia necessrio um sistema de

    crenas que permita a interveno humana nos processos naturais para

    desenvolver os propsitos humanos.

    No animismo ou no pantesmo, o divino imanente ao Universo, seja como

    deidades habitando nos elementos naturais ou como um esprito permeando o

    todo. Assim, o Universo a nica realidade, e o indivduo uma expresso da

    natureza, que no pode transcender seu meio, tendo uma posio passiva ante o

  • 13 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    mundo fsico. Nessas filosofias religiosas o papel do homem de interesse pela

    natureza visando apenas a adaptao, e no a subordinao de suas foras para o

    prprio benefcio.

    O conceito bblico parte de um Deus transcendente e a criao da humanidade

    Sua imagem. A mente humana consegue transcender a natureza e confront-la

    como um objeto de estudo, e no apenas amoldam-se realidade, mas so livres

    para manipular os fenmenos tanto teoricamente quanto na prtica. Assim, foi o

    cristianismo que desenvolveu uma estrutura intelectual e motivaes para a

    tecnologia. Segundo os prprios primeiros cientistas, o objetivo da cincia era

    buscar "a glria de Deus e o benefcio da humanidade".

    Vemos em Gn 1.28 e 2.19,20 a prpria ordem de Deus de que o homem dominasse

    sobre Sua criao e que Ado nomeasse os animais do jardim onde vivia. No idioma

    hebraico, em que a Bblia foi escrito, o nome tem uma simbologia muito mais

    profunda do que tem na cultura ocidental, assim nomear no seria algo aleatrio,

    mas sim baseado em observao, estudo e classificao, pois o nome deveria

    refletir a essncia de cada ser. Mais adiante, houve o pecado e a queda do homem,

    mas como disse o filsofo britnico Francis Bacon (1561-1626), "o homem caiu, ao

    mesmo tempo, de seu estado de inocncia e de seu domnio sobre a criao. (...)

    essas duas perdas podem, ainda nesta via, serem parcialmente reparadas; a

    primeira, pela religio e a f; e a segunda, pelas artes e cincias". Isto despertava

    motivao para, atravs da cincia, aliviar os sofrimentos impostos pela queda. Por

    isso a cincia no incio era permeada de preocupao religiosa com os menos

    favorecidos. A religio bblica atribui um valor infinito at pessoa mais humilde,

    j que todos so potencialmente filhos de Deus. Houve um mpeto para minimizar

    a misria, o trabalho intenso e montono, enfim, melhorar a condio humana. At

    esta viso de que a condio humana deve ser melhorada era algo revolucionrio,

    que vem da Bblia. A maioria das outras vises religiosas apresentam uma viso

    cclica e fatalista do tempo, dentro das quais poderia ter sido impossvel despertar

    um interesse tecnolgico.

    Concluso

    Vimos at aqui que:

    Os ensinos cristos serviram de pressupostos para o surgimento da cincia (por exemplo, a convico de que h leis racionais governando a natureza);

    Os ensinos cristos sancionaram a cincia (por exemplo como justificativa para amenizar a labuta e o sofrimento humanos);

  • 14 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    Os ensinos cristos motivaram o estudo cientfico (para que pudesse ser revelada a glria e sabedoria do Criador, por exemplo);

    O Cristianismo desempenhou um papel na regulamentao da metodologia cientfica (atravs da nfase na experimentao e na crena da racionalidade impressa no Universo).

    Esta informao tem destrudo a imagem de guerra entre cincia e religio entre

    muitos historiadores. Falta ainda que ela passe do mundo acadmica para o meio

    popular.

    O prximo texto, complementando a argumentao, explica sobre as controvrsias

    histricas entre a igreja e a cincia, e porque elas no devem ser consideradas um

    argumento contra o que est sendo proposto aqui.

    Controvrsias entre a Igreja e a Cincia

    Ao comear a ler o texto anterior, a reao de muitas pessoas deve ter sido de

    surpresa ou ceticismo. Como havia sido dito, este conceito no est muito

    difundido no meio popular, ao longo do ltimo sculo as polmicas anti-religiosas

    exageraram sobre a oposio da Igreja cincia.

    Alguns historiadores ainda criticam muito os reformadores, como Calvino e Lutero,

    por supostamente terem atacado severamente a cincia de Coprnico. A verdade

    que h poucos ou nenhum relato sobre a posio destes homens. H alguns

    fragmentos de comentrios ou sermes, mas que a autenticidade deles pode ser

    posta em dvida.Geralmente pensa-se que a cosmologia copernicana, com seu

    heliocentrismo, causaria uma grande revoluo na poca, fazendo a Terra deixar de

    ser o centro do Universo para ser apenas um ponto sem nada de especial.

    Entretanto, naquele tempo j havia uma outra ideia entre o meio popular:

    associava-se o centro do Universo ao inferno, e a abbada celeste ficava mais

    nobre, medida de que afastava-se do centro. Assim, a Terra como terceiro

  • 15 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    planeta ao redor do Sol, no ficaria nem em uma posio exaltada, nem em uma

    posio depreciativa. A interpretao clssica sobre este acontecimento muito

    influenciada pelo tipo de pensamento que temos hoje, notadamente a influncia

    positivista. Ou seja, no passa de um anacronismo.

    Para que possa se compreender melhor o apoio cristo iniciativa cientfica,

    preciso distinguir a Instituio denominada Igreja Crist ou Catlica Romana e os

    cristos em si daquele tempo. realmente um fato que muitos dos primeiros

    cientistas enfrentaram conflitos com a poltica eclesistica, entretanto todos eles

    ao mesmo tempo permaneceram firmes em suas convices religiosas pessoais.

    Galileu Galilei (1564-1642) o exemplo mais recorrente deste conflito. E o pior

    que normalmente se exibe uma imagem caricaturstica do evento a ele

    relacionado, enquanto a prpria histria mostra que foi algo muito mais complexo

    que uma simples embate entre cincia e f. O livro "The Crime of Galileo",

    de Giorgio de Santillana, diz exatamente isto. Na verdade, a maior parte dos

    intelectuais da Igreja defendia Galileu (o prprio Papa tinha sido, antes do conflito,

    um dos seguidores de Galileu). A oposio mais clara a ele vinha de ideias

    seculares, de filsofos acadmicos. Afinal, a Igreja no tinha em si nenhum

    argumento contra as teorias de Galileu. Sua oposio era, de fato, contra a viso

    depreciativa da filosofia aristotlica, e as consequncias metafsicas e sociais

    implicadas (como dito no texto anterior, a filosofia de Aristteles estava de tal

    modo ligada ao Cristianismo que, naquela poca, j a consideravam necessria

    para a formulao das leis religiosas e morais). As doutrinas de Galileu eram

    revolucionrias neste ponto, e portanto, perigosas. Alm disso, deve-se lembrar

    que at Newton formular o mecanismo fsico da gravidade (71 anos depois da

    condenao de Galileu), no havia nenhum motivo consistente para acreditar na

    fsica galileana. Quando as provas no sustentam a teoria, a resistncia uma

    atitude justificvel at mesmo pela prpria cincia.

    preciso tambm considerar a abordagem sociolgica do que estava acontecendo:

    na sua luta contra o crescimento do protestantismo, a Igreja havia recentemente

    reafirmado sua base no aristotelismo, assim aceitar as ideias de Galileu era a

    mesma coisa que dar a vitria para os rivais protestantes. Assim como a Igreja pode

    ter interpretado a prpria iniciativa de Galileu como um ataque premeditado.

    Outro fato que na poca havia um recorrente conflito entre a elite antiga das

    Universidades e uma elite mais nova, com tendncias mais pragmticas (a qual

    Galileu pertencia). A publicao de Galileu foi interpretada como um insulto

    declarado s elites em voga. Alm disso, ambos os lados se rebaixaram a tticas

    reprovveis: a Igreja lanou mo de mtodos desonestos e incitar o rancor pessoal

  • 16 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    para censurar Galileu; enquanto o prprio usou meios polticos: publicou o livro

    "Dilogo sobre os dois principais sistemas do mundo", onde h um personagem um

    tanto irritante chamado "Simplcio", que no ningum seno uma caricatura do

    Papa, o mesmo que dantes era seu amigo.

    Mesmo assim, Galileu nunca repudiou a sua f. Afirmou ser cristo e nunca

    questionou nenhuma doutrina religiosa, apenas a estrutura derivada de Aristteles

    que se entranhou de tal modo na religio que era difcil separar as coisas.

    Ainda deve-se reconhecer que os cristos em geral se opuseram a muitas ideias

    novas. Isto no uma deficincia de um povo ignorante e fechado ao progresso,

    mas sim uma tendncia universal de resistir ao novo at que hajam provas

    suficientes. Os crticos continuam censurando os reformadores por no aceitarem

    Coprnico, mas se esquecem de que naquela poca no havia qualquer motivo

    para aceitar a teoria, sem provas suficientes. A prpria cultura em geral repudiava

    o copernicanismo. Muitos reformadores daquele tempo foram geocentristas pelo

    mesmo motivo que os do sculo seguinte foram newtonianos: apenas estavam

    aceitando as teorias cientificas que eram reconhecidos e estabelecidos na

    sociedade.

    Mudar conceitos sobre o mundo nunca fcil. Hoje, parece-nos muito bvio e

    aceitvel, mas isto porque fomos ensinados desde crianas sobre o assunto.

    Entretanto, fatos como o heliocentrismo e a circulao do sangue, por exemplo,

    demoraram muitos anos para serem aceitos pelas massas.

    Se o Cristianismo foi de fato um empecilho para o avano da cincia, difcil

    explicar porque Paracelsus, Boyle, Kepler, Newton e tantos outros escreviam tanto

    sobre cincia quanto teologia, e incluam oraes e louvores nas suas anotaes.

    Como foi sustentado aqui, a crena religiosa, particularmente a crist, serviu muito

    mais como uma motivao do que um empecilho. Newton tinha como objetivo que

    suas obras fossem utilizadas para a apologtica. Mersenne e Descartes esperavam

    oferecer atravs de suas obras novas armas para a religio, num tempo em que j

    comeavam a surgir duras crticas contra a mesma.

    Concluso

    J fomos explicados agora sobre a contribuio do Cristianismo para cincia atual.

    Agora, o que ser da cincia sem os seus pressupostos fundamentais? A cincia

    ainda vive dos restos do apelo cultural herdado pela cristandade, mas at quando?

  • 17 http://respostasaoateismo.blogspot.com

    Em menos de quatrocentos anos conseguiu-se inverter a relao entre a f e a

    cincia, e pode ser que agora ela se auto-sustente apenas pela curiosidade

    intelectual e justificada pelo sucesso da tecnologia. Entretanto, com toda a sua

    base filosfica repudiada, inclusive a principal: que a natureza regida por leis.

    David Hume (1711-1776), o primeiro filsofo assumidamente ateu, negava toda a

    racionalidade da cincia, j que o empirismo puro no oferece bases para

    princpios to fundamentais como, por exemplo, a causa e efeito. Por isso, deve

    existir uma "f cientfica" na ordem da natureza. Resta a dvida a respeito de

    quanto tempo esta "f cientfica" sobreviver sem a base racional oferecida pelo

    cristianismo.

    Abraos, Paz de Cristo.