17376 Dissertacao de Mestrado Pensar e Agir Para

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Dissertao de Mestrado

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CINCIAS DA EDUCAO

PENSAR E AGIR PARA VIVER MELHOR: A AUTOREGULAO E O COPING NA ADAPTAO DOS INDIVDUOS COM DIABETES MELLITUS DE TIPO II

Ana Raquel Mendes Filipe

MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA Seco de Psicologia Clnica e da Sade Ncleo de Psicoterapia Cognitivo-Comportamental e Integrativa

2008

Dissertao de Mestrado

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CINCIAS DA EDUCAO

PENSAR E AGIR PARA VIVER MELHOR: A AUTOREGULAO E O COPING NA ADAPTAO DOS INDIVDUOS COM DIABETES MELLITUS DE TIPO II

Ana Raquel Mendes Filipe Dissertao orientada pela Prof. Dra. Adelina Lopes da Silva

MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA (Seco de Psicologia Clnica e da Sade Ncleo de Psicoterapia Cognitivo-Comportamental e Integrativa)

2008

AgradecimentosA pura verdade que estas pginas so apenas um resumo de todo o esforo desenvolvido, considerando as muitas horas de pesquisa, as vrias horas de leitura e as inmeras horas passadas na biblioteca e em frente a um ecr de computador a reflectir, a tentar compreender e a escrever. No final, agradeo o esforo de ter permanecido fiel minha inteno e alcanado o objectivo desejado, e desta forma alcanando mais um patamar na aprendizagem dos mistrios do que sinto, do que penso e do que fao. Ao longo dos ltimos meses, algumas foram as pessoas que deram um contributo essencial para a concretizao desta monografia, sem as quais no conseguiria ter terminado: Ao Henrique por ter motivado todo o interesse, toda a pesquisa e toda a dedicao a esta problemtica, que eu tanto anseava compreender. Isabel por estar sempre presente e, por em todos os momentos saber utilizar as melhores palavras de conforto e incentivo. Ao Paulo por tentar compreender, por apoiar e por acreditar incondicionalmente nas minhas capacidades e no meu trabalho. Andrea e ao Hugo uma palavra especial, que por estarem na mesma situao, partilharam as suas dificuldades e souberam compreender e incentivar-me nos altos e baixos que todos os desafios apresentam. Prof Adelina Lopes da Silva que com a sua sinceridade e exigncia me fez evoluir e apaixonar-me pouco a pouco por este trabalho, esquecendo as hesitaes e todos os avanos e recuos. Obrigada por todo o conhecimento e experincia partilhados, pela ateno, pela disponibilidade e pela enorme pacincia. Prof Ana Ferreira pela disponibilidade e pelos esclarecimentos metodolgicos. A todos os que se cruzaram comigo nesta jornada e me souberam dar fora e tranquilidade, a todos os que se preocuparam sinceramente. A todos o meu mais sincero obrigada

Pensar e agir para viver melhor - Auto-regulao e Coping na Diabetes Mellitus de Tipo II

ResumoNo campo da Psicologia, acreditamos que o que pensamos sobre determinado aspecto influencia a forma como nos comportamos e o que sentimos. Esta monografia tem como objectivo estudar as relaes existentes entre percepes de doena, estratgias de coping e adaptao em indivduos com Diabetes Mellitus de tipo II (DMT2), de ambos os sexos, com idade prxima aos 40 anos e que tenham sido diagnosticados mais de 6 meses e menos de um ano. Para tal projectou-se a adopo de uma metodologia longitudinal, sendo os participantes avaliados em trs momentos distintos ao longo de um ano (incio do estudo, aps 6 meses e aps 12 meses). A avaliao ser realizada por meio do IPQ-R, CSI e das anlises da hemoglobina glicosilada (HbA1c). A par deste estudo quantitativo est igualmente prevista a aplicao de um questionrio com duas questes abertas, cujas respostas sero tratadas segundo o procedimento metodolgico de anlise de contedo. O leque dos resultados esperados engloba vrias possibilidades: efeito directo das percepes de doena na adaptao; efeito directo das estratgias de coping na adaptao; efeito de moderao da associao entre percepes de doena e estratgias de coping na adaptao; e efeito de mediao exercido pelo coping. Os resultados mais proeminentes referem-se ao padro de relaes que se estabelecem entre as variveis, ao longo do tempo. Os resultados podem vir a indicar que a adaptao do indivduo com DMT2 condicionada pela evoluo das variveis em estudo. Palavras-chave: Diabetes Mellitus de Tipo II, Estratgias de Coping, Percepes de doena, Adaptao, Metodologia Longitudinal.

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AbstractIn the Psychology field we believe that the way we think has an influence on the way we behave and feel. The main purpose off this dissertation is to study the relationship between illness perceptions, coping strategies and adjustment in individuals with Type 2 Diabetes, men and women, with an average age of 40 and that have been diagnosed for over six months but under a year. In order to achieve this objective a longitudinal methodology was designed, so subjects could be evaluated in three distinct moments during one year (at the beginning, 6 and 12 months after the beginning). The evaluation method will include the IPQ-R, CSI and the results of glycosylated hemoglobin (HbA1c). To complete this quantitative method, it is projected that there will also be a questionnaire with two open-questions. The answers will be analysed resourcing to the content analysis method. The range of expected results includes the possibility of: a direct effect between illness perceptions and adjustment; a direct effect between coping strategies and adjustment; a moderation effect between illness perceptions and coping strategies on adjustment; and a mediation effect via coping. Also the most relevant results are those on the pattern of relationships that establish between the three variables across time. The results way lead do conclusion that individuals adjustment to illness in influenced by the variables in study. Keywords: Type 2 diabetes, Coping strategies, Illness perceptions, Adjustment, Longitudinal Methodology.

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ndiceI - Introduo............................................................................................................. 4 II - Enquadramento terico e Estudos empricos ....................................................... 6 Diabetes Mellitus O que ?................................................................................. 6 Diabetes e Variveis Psicolgicas Reviso de Literatura.................................... 7 Auto-regulao Caractersticas e Definies .................................................... 11 Auto-regulao e Diabetes Mellitus de Tipo II ..................................................... 14 Auto-regulao e Avaliao............................................................................. 16 Coping Definies e Caractersticas................................................................. 18 Coping e Diabetes Mellitus de Tipo II .................................................................. 19 Estilos e Estratgias de Coping ....................................................................... 19 Coping e Avaliao.......................................................................................... 23 Coping e Interveno....................................................................................... 26 Auto-regulao e Coping (na Diabetes Mellitus de Tipo II) .................................. 27 Evoluo das percepes de doena e estratgias de coping............................. 31 Sntese ................................................................................................................ 34 III - Metodologia ...................................................................................................... 38 Questes de Investigao ................................................................................... 38 Objectivos e Hipteses........................................................................................ 38 Populao, amostra e participantes..................................................................... 41 Investigao (Desenho)....................................................................................... 42 Tcnicas e Instrumentos de recolha e tratamento de dados................................ 44 Tcnicas e Instrumentos de recolha de dados................................................. 44 Tcnicas e Instrumentos de tratamento de dados ........................................... 47 IV - Discusso ......................................................................................................... 52 Resultados .......................................................................................................... 52 Concluses gerais e Reflexes para a prtica..................................................... 54 Limitaes ........................................................................................................... 55 V - Referncias bibliogrficas.................................................................................. 57

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I - IntroduoAs investigaes dos ltimos anos tm-se esforado por compreender as implicaes que o diagnstico, a progresso da doena e as suas condicionantes tm na vida do indivduo, tendo sempre em conta que uma doena crnica, tal como o nome indica, acompanhar o indivduo durante toda a sua vida. As implicaes fsicas, psicolgicas e sociais parecem ser diferentes consoante a idade do aparecimento da mesma, tempo de progresso, grau de limitao e nvel de gravidade. Verificou-se recentemente que o nmero de indivduos com doenas crnicas tem vindo a aumentar, o que produziu um maior nmero de mortes, bem como elevados custos para os sistemas de sade. No seio desta comunidade, a percepo e a reaco ao diagnstico, s caractersticas e consequncias da doena podem tomar diversos contornos. Existem pessoas que apesar de terem uma doena crnica, no deixam de prosseguir, adaptando a doena ao seu estilo de vida. Assim sendo, a pergunta impe-se: Afinal o que pode fazer a diferena? Do ponto de vista da investigao psicolgica, a tarefa reside na compreenso dos factores que contribuem ou inibem a adaptao do indivduo s mltiplas exigncias da sua doena nos diferentes domnios em que se movimenta. necessrio no esquecer que o indivduo um ser bio-psico-social, idiossincrtico e que deve ser um agente activo num processo que revela dinmico e complexo. Existe uma larga panplia de doenas crnicas que afectam de forma diferente os indivduos diagnosticados, de acordo com as caractersticas da mesma. Uma vez que seria impossvel realizar uma anlise de todas as doenas, este estudo incidir sobre uma das doenas actualmente mais preocupantes, a Diabetes Mellitus, com particular nfase sobre a diabetes mellitus de tipo II (DMT2), dado que a maior percentagem de indivduos, cerca de 90%, est diagnosticado com este subtipo (OMS, 2008) , sendo o que mais se relaciona com a rea comportamental. O interesse nesta temtica , em primeiro lugar, pessoal, uma vez que existe o desejo intenso de compreender as dificuldades de viver com diabetes, de encontrar formas de ajudar a ultrapassar os obstculos constantes e de obter um entendimento sobre a desvalorizao das consequncias de viver com esta doena. Por outro lado, e paralelamente, existe um interesse crescente por parte da comunidade cientfica em perceber como que os indivduos com diabetes gerem a sua doena, de forma a intervir da maneira mais eficiente.

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De acordo com estatsticas internacionais, estima-se que o nmero de casos diagnosticados aumente significativamente nas prximas decdas (Wild, Roglic, Green, Sicree & King, 2004). Sabe-se que, em Portugal, segundo o 4 Inqurito Nacional da Sade, concretizado em 2005/2006, 6,5% da populao referiu sofrer de diabetes, sem distino no que diz respeito ao tipo. O impacto econmico da doena relevante. Nesta perspectiva o estudo realizado com populao europeia (Jonssom, 2002), estimou um gasto de, aproximadamente, 29 bilies de euros em despesas com a DMT2, correspondendo grande parte deste valor aos custos dos internamentos hospitalares decorrentes das complicaes associadas a um controlo inadequado nos nveis de glicose. Aos internamentos so acrescidos os custos com consultas, medicamentos e exames complementares de diagnstico. De salientar que uma das dificuldades na adeso ao tratamento encontradas num estudo europeu o facto dos indivduos apenas percepcionarem a diabetes como uma doena, aps o aparecimento das complicaes (Vermeire e colaboradores, 2007), complicaes essas que devem ser evitadas a todo o custo, com avaliao e interveno precoces. Em suma, a Diabetes Mellitus uma doena caracterstica dos pases industrializados, sobre qual se torna urgente compreender para intervir. A doena tem obviamente uma componente orgnica, contudo outros aspectos, tais como os psicolgicos influenciam de forma determinante o curso da doena. A interveno e acompanhamento da populao diabtica deve ser realizada por uma equipa multidisciplinar. Verifica-se que a qualidade de vida relacionada com a sade na populao com DMT2 diminui com a progresso da doena, com a progresso do tratamento (medicao oral para insulina) e com o desenvolvimento de complicaes, micro e/ou macrovasculares (Koopmanschap, 2002). O estudo apresentado nesta monografia visa compreender como se relacionam as percepes de doena (crenas/ representaes/ modelos/ cognies/ ideias que os indivduos constroem sobre a sua doena), as estratgias de coping adoptadas e os resultados obtidos em individuos com DMT2. A particularidade do estudo reside no facto destas relaes serem estudadas ao longo do tempo (mtodo longitudinal). Para tal, servir como base terica o modelo da auto-regulao postulado por Leventhal, Meyer e Nerenz (1980) por ser um modelo de aplicao exclusiva no mbito da sade e explicar de forma consistente as relaes que se pretendem estudar (Hagger & Orbell, 2003).

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A monografia est organizada de forma a ser possvel compreender a Diabetes Mellitus enquanto doena crnica, apreender, de forma breve, as mltiplas influncias psicolgicas no ajustamento a esta doena, aprofundar os conhecimentos sobre os estudos do coping e auto-regulao, relacionando-os no seio da problemtica, e no final, esboar a metodologia de um estudo nesta rea, bem como os resultados esperados e o seu impacto na prtica.

II - Enquadramento terico e Estudos empricosDiabetes Mellitus O que ?A Diabetes Mellitus, ou simplesmente Diabetes, uma doena crnica do tipo metablico que surge devido ausncia ou insuficiente produo de insulina, hormoma libertada pelo pncreas para facilitar a entrada dos acares nas clulas, que se transformam em energia, e para regularizar os nveis de glucose1 no sangue. A Diabetes pode apresentar-se segundo trs tipos Diabetes Mellitus de tipo I, Diabetes Mellitus de tipo II e Diabetes Gestacional. A Diabetes Mellitus de tipo I (DMT1) resulta da ausncia de produo de insulina, o que exige que os indivduos a obtenham de forma articial, atravs de injeces ou outros mecanismos com o mesmo propsito. Este tipo tambm se designa por Diabetes insulino-dependente e , habitualmente, diagnosticada na infncia e na adolescncia (juvenile-onset), o que lhe confere implicaes fsicas, psicolgicas e sociais com caractersticas particulares, que tm sido amplamente estudadas. O segundo tipo de diabetes denomina-se por Diabetes Mellitus de tipo II (DMT2) ou Diabetes no insulino-dependentes, que tal como o nome indica, no exige que indivduos estejam dependentes da recepo externa de insulina. O organismo dos indivduos com DMT2 consegue metabolizar insulina, mas f-lo de forma insuficiente. A DMT2 manifesta-se, habitualmente, entre os 40 e os 60 anos, isto , na fase adulta (adult-onset) e o seu aparecimento parece estar associado aos hbitos alimentares e estilo de vida do individuo, nomeadamente, problemtica dos pases industrializados, a obesidade. Segundo dados da Sociedade Americana de Diabetes (2000), o risco de desenvolver DMT2 aumenta significativamente na presena de1

A glucose referida igualmente como glicose.

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antecedentes familiares, elevados nveis de colesterol e triglicridos, obesidade2 (IMC > 27), hipertenso e antecedentes de diabetes gestacional. A gesto da DMT2 exige que o indivduo adopte um conjunto de comportamentos relacionados com a alimentao, o exerccio fsico, a medicao, a monitorizao, entre outros, para que os nveis de glicose se mantenham dentro dos parmetros3, de forma a evitar o aparecimento de complicaes, nomeadamente as cardiopatias, nefropatias e retinopatias, que podem comprometer acentuadamente a qualidade de vida e o bem estar da pessoa. O terceiro tipo designa-se por Diabetes Gestacional e manifesta-se durante o perodo de gestao e tem as mesmas caractersticas dos restantes tipos de diabetes. Um dos maiores riscos o desenvolvimento de ms formaes fetais. Este tipo de diabetes tende a desaparecer aps a gravidez, contudo factor de risco para o desenvolvimento da DMT2.

Diabetes e Variveis Psicolgicas Reviso de LiteraturaRelativamente Diabetes, Gonder-Frederick, Cox e Ritterband (2002) identificaram na literatura 3 tipos de variveis psicolgicas, sociais e ambientais que assumem um papel relevante na adeso teraputica/adaptao. Torna-se necessrio reforar que a adeso teraputica/adaptao em indivduos com DMT2 implica a adopo de um conjunto de comportamentos exigentes, nem sempre compatveis com o estilo de vida do indivduo e nem com o que este entende como prioritrio para si. Nesta fase, o indivduo tem necessidade de estruturar de forma significativa a sua condio, com recursos a diversas fontes de informao. Esta estrutura/ conceptualizao Nerenz, 1980). Aps o diagnstico de DMT2, o indivduo confrontado com um conjunto de comportamentos que deve adoptar, isto , com um conjunto de objectivos impostos por uma entidade exterior ao si. Nesta fase, e segundo os modelos de autoregulao aplicados sade, os objectivos teraputicos devem ser negociados com2 3

ir

ajud-lo

a

compreender

os

acontecimentos

e

as

particularidades da doena e orientar os seus comportamentos (Leventhal, Meyer &

O IMC corresponde ao ndice de massa corporal e os valores adequados oscilam entre os 18 e os 24. Os nveis desejados de glucose no sangue oscilam entre as 4 e as 7 milimoles por litro de sangue (Walker &

Rodgers, 2006)

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o cliente. Este aspecto apresenta-se fundamental, uma vez que ao definir objectivos pessoais e significativos, existe uma maior probabilidade do indivduo se comportar de forma congruente com os mesmos. Contudo, a transio de auto-gesto (selfmanagement) para auto-regulao (self-regulation) no nem obrigatria, nem linear, da que seja importante compreender os mecanismos que esto por detrs deste processo complexo. O objectivo final que o indivduo adopte os comportamentos adequados e necessrios ao longo do tempo e nos vrios contextos em que se desenvolve, uma vez que se trata de uma doena crnica. Assim sendo, implica escolha, continuidade e consistncia (Boekaerts, Maes & Karoly, 2005). A literatura que analisa as relaes entre as variveis psicolgicas e a DMT2 extensa, refere a utilizao de diferentes instrumentos e enuncia resultados, por vezes, contraditrios e difceis de compreender e integrar de forma clara e objectiva. As variveis psicolgicas identificadas pela reviso de literatura (GonderFrederick, Cox e Ritterband, 2002) foram, entre outras, a psicopatologia (depresso, perturbaes da ansiedade, fobias e perturbaes do comportamento alimentar), as competncias de coping e o stresse psicolgico (relacionado ou no com a doena), as crenas pessoais de sade (auto-eficcia, locus de controlo e percepo de custos-benefcios). No que diz respeito ao mbito da psicopatologia, um dos aspectos mais estudados a depresso, nomeadamente a comorbilidade com a diabetes, porm os resultados dos estudos parecem ser ambivalentes. Nesta perspectiva, a depresso pode ser estudada, relativamente a diabetes, de vrias formas, isto , pode assumir-se que a depresso antecedeu o aparecimento da diabetes, precedeu a diabetes ou, por outro lado, est relacionada com as dificuldades em lidar com as exigncias da doena. Os resultados da investigao variam de acordo com o tipo de anlise. Segundo a meta-anlise apresentada por Anderson e colaboradores (2001), a taxa de depresso duplica em indivduos com diabetes, quando comparados com indivduos sem diabetes. Estes resultados no diferem no que diz respeito ao sexo, tipo de diabetes, origens e mtodo de avaliao. Clarificando, espera-se que os individuos com diabetes, sem diferenciao relativamente ao tipo, tenham o dobro da probabilidade de apresentar depresso, comparativamente com indivduos no diabticos, seleccionados em contextos semelhantes. Contudo, os estudos parecem longe de clarificar qual o mecanismo que explica a interaco. Por outro lado, e na sequncia do acima mencionado, outros estudos indicam que a percentagem de depresso na populao em geral igual 8

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encontrada na populao diabtica, compreendendo assim a depresso como desencadeada por uma combinao de mltiplos factores (Fisher e col., 2001) ou desencadeada pela presena concomitante de outra doena orgnica (Engum e col., 2005). Em suma, os resultados parecem ser influenciados pelos mtodos utilizados nos estudos para diagnosticar a depresso (Anderson e col., 2001; Lustman e col., 2000), bem como pelos contextos e populao estudada, o que impossibilita generalizaes. Resultados semelhantes foram encontrados no campo da ansiedade (Grigsby e col., 2002). Segundo um estudo portugus, a ansiedade est modesta e negativamente associada adopo de comportamentos de auto-cuidado (Silva, Pais-Ribeiro & Cardoso, 2005). A ideia que alguns autores tentam transmitir que existem factores que influenciam o curso da doena, sem estarem necessariamente associados a ela como o caso do gnero, etnia, escolaridade, situao laboral, estado civil, qualidade de vida, entre outros (Fisher e col., 2001). De forma a adaptar-se sua condio crnica, o doente necessita de lidar com um conjunto de exigncias que o vo acompanhar ao longo da sua vida. Este facto remete-nos para as estratgias de coping passveis de serem utilizadas. Esta varivel ser alvo de uma reviso detalhada nesta monografia, pelo que aqui apenas so referidos aspectos gerais. No que diz respeito DMT2, o indivduo avalia o conjunto de exigncias comportamentos de auto-cuidado e reage de acordo com os seus recursos e experincia. A forma como o indivduo lida com a doena parece ter repercusses na qualidade e resultados da adaptao doena. Uma das formas mais utilizadas para avaliar, do ponto de vista orgnico, a adequao do controlo glicmico a anlise da Hemoglobina Glicosilada (HbA1c), uma medida que permite revelar os nveis de glicose presente no sangue durante um perodo de 4 a 8 semanas (Karlsen, Idsoe, Hanestad, Murberg & Bru, 2004). Esta medida utilizada para avaliar os resultados da doena, a adequao do indivduos s mltiplas exigncias, do ponto de vista fisiolgico. Outro dos aspectos estudados a influncia do distresse (distress) psicolgico, directamente associado ou dissociado da doena. H provas da existncia de uma influncia bidirrecional entre o stresse e a diabetes. Segundo consta, a experincia de stresse tende a desencadear reaces

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biolgicas que conduzem elevao dos nveis de glicmia4 e, no sentido contrrio, a hiperglicmia5 desencadeia stresse (Cox e Gonder-Frederick, 1992. Em qualquer situao necessrio ter em conta a intensidade, a durao e o tipo de stressor, bem como a heterogeneidade das reaces (Lloyd, Smith & Weinger, 2005). Estamos perante mais uma relao complexa. Posto isto, parece interessante hipotetizar que ao promover a aquisio e a mobilizao de recursos do indivduo para lidar com as situaes stressoras acontecimentos de vida negativos estaremos a promover o controlo glicmico, bem como a diminuio da probabilidade de desenvolver complicaes. No estudo desenvolvido por Silva e colaboradores (2004) no foram encontradas diferenas significativas no que concerne ao stresse negativo em indivduos com e sem complicaes, excepo de uma complicao especfica. Os resultados parecem-me questionveis, uma vez que parece no ser igual, do ponto de vista psicolgico, ter ou no uma retinopatia ou uma cardiopatia. O risco e o confronto com a sobrevivncia so acentuados, desencadeando no indivduo reaces emocionais, que quando prolongadas no tempo tendem a diminuir a qualidade de vida (Taylor & Aspinwall, 1990). Relativamente s crenas pessoais sobre a sade e a doena, chamo a ateno ao modelo de Leventhal e colegas (1980) que remete exactamente para as percepes de doena que incluem crenas acerca da identidade, das causas, das consequncias, da progresso e da cura/controlo sobre a doena, que decorrem nomeadamente da experincia passada do indivduo e da cultura onde se insere. Schiaffino, Shawaryn e Blum (1998), dentro desta perspectiva assumem a influncia das crenas no ajustamento mesma. Segundo alguns dados, as representaes mais adequadas e desenvolvidas so preditoras do aumento do envolvimento em comportamentos especficos desejveis, relevantes para a gesto da doena e para promoo da qualidade de vida (Watkins e col., 2000). Este aspecto ser aprofundado nas prximas seces. Paralelamente e, no seio deste contexto, necessrio prestar ateno ao conceito de auto-eficcia, foi integrado na teoria cognitiva da aprendizagem social, elaborada por Bandura (1989), na qual conceptualizou as expectativas de autoeficcia como crenas pessoais quanto s capacidades para realizar uma aco especfica necessria obteno de um determinado resultado, chegando ideia de que se a mudana comportamental exigida na adaptao diabetes depende das

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A glicmia corresponde quantidade de glicose presente no sangue. A hiperglicmia corresponde elevao dos nveis de glicose no sangue (>160 mg/dl)

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expectativas de eficcia pessoal, ento a adopo dos auto-cuidados estar facilitada se existir um maior nvel de auto-eficcia (Bandura, 1989). Os mesmos autores Pereira e Almeida (2004) chamam a ateno para a importnica da autoeficcia, igualmente, na formao da inteno de mudana, bem como na implementao e manuteno do comportamento. Parece ser possvel ajudar o indivduo a mobilizar os recursos necessrios execuo do comportamento, de forma a que no haja uma diminuio dos nveis de auto-eficcia, que prejudicar o esforo e o tempo dispendido a superar dificuldades (Pereira & Almeida, 2004). O conceito de auto-eficcia permanentemente relacionado com o da auto-regulao. O locus de controlo outra das variveis estudadas e parece haver provas de que indivduos com um locus de controlo externo, isto , que acreditam que os acontecimentos tm origem em fenmenos externos, tm uma menor probabilidade de adoptarem os comportamentos recomendados, quando comparados com indivduos com um locus de controlo interno, isto , que acreditam que so responsveis pelos acontecimentos e, neste caso, pela sua sade (Ryan (1997) cit. por Silva, Pais-Ribeiro & Cardoso, 2005). Existe, como foi possvel verificar, um conjunto diversificado de variveis que tm sido estudadas com a inteno de compreender quais os aspectos que promovem e inibem, e em que condies, a adaptao dos indivduos com diabetes. A questo central e a que motiva as investigaes reside na importncia da adaptao, considerada como objectivo final de qualquer doena crnica, uma vez que a condio acompanhar o curso de vida do indivduo. Contudo, o indivduo no precisa de viver subjugado s exigncias da doena, uma vez que pode escolher e reunir esforos no sentido de as integrar, isto , opta por um processo de autoregulao. O estudo da auto-regulao permite, neste contexto, compreender de uma forma mais abrangente e integrada os mecanismos de adaptao, e neste sentido, ajuda a melhorar a assistncia que os tcnicos prestam a esta populao.

Auto-regulao Caractersticas e DefiniesA Auto-regulao teve origem nos estudos e na teoria scio-cognitiva de Bandura, desenvolvida a partir de meados da dcada de 70, que direccionavam as atenes para a intencionalidade do comportamento do indivduo e para o facto deste ser orientado por determinados objectivos. A Auto-regulao um constructo recente que se extende a mltiplas reas Personalidade, Motivao/Emoo, Psicologia Social, Psicologia Clnica, Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia da

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Sade/Medicina Comportamental, Educao, Psicologia Organizacional, Psicologia Experimental (Karoly, 1993) e, por conseguinte, gera diversos modelos que recorrem a diferentes terminologias para representar aspectos semelhantes. Desta forma, torna-se dificil encontrar um definio global para auto-regulao. No campo da Sade, e tal como expresso por Maes e Gebhardt (2000), a auto-regulao entendida como a tentativa individual para guiar o comportamento e organizar o contexto, ao longo do tempo, de forma a conseguir alcanar os objectivos definidos pela pessoa (pp. 345). Ao longo das mltipas definiees, um dos aspectos comuns a existncia de um ou mais objectivos que dirigem o comportamento do indivduo. A definio expressa na reviso de Karoly (1993) parece esboar de forma conveniente a complexidade deste construto:A auto-regulao refere-se aos processos, internos e/ou transaccionais, que permitem ao indivduo guiar as suas actividades para alcanar os seus objectivos ao longo do tempo e das circunstncias (contextos). A regulao implica a modulao do pensamento, do afecto, do comportamento ou da ateno atravs do uso automtico ou deliberado dos mecanismos especficos e meta-competncias de apoio. O processo de auto-regulao inicia-se quando uma actividade quotidiana contrariada ou quando o esforo/motivao/necessidade para alcanar os objectivos se torna determinante. A autoregulao engloba 5 fases relacionadas e interactivas: 1. Seleco de objectivos; 2. Cognio dos objectivos; 3. Manuteno da direco; Mudana direccional e repriorizao e 5. Finalizao (p.25) .6

Os objectivos organizam-se segundo uma hierarquia e uma estrutura global de metas pessoais, uma vez que o indivduo estipula para si um conjunto de objectivos em diversos contextos, que podem tender a competir, fazendo com que haja necessidade de priorizar a concretizao dos mesmos. O conflito pode constituir-se como um obstculo mudana comportamental. Torna-se necessrio salientar que a hierarquia de objectivos constituda por objectivos com diferentes graus de abstraco objectivos de nvel superior (ter sade) e objectivos de nvel inferior (praticar exerccio fsico regularmente; comer6

"Self-regulation refers to those processes, internal and/or transactional, that enables and individual to guide his/her

goal-directed activities over time and across changing circumstances (contexts). Regulation implies modulation of thought, affect, behavior, or attention via deliberate or automated use of specific mechanisms and supportive metaskills. The process of self-regulation are initiated when routinized activity is impeded or when goal-directedness is otherwise made salient. Self-regulation may be said to encompass up to five interrelated and iterative components phases: 1. Goal selection, 2. Goal cognition, 3. Directional maintenance, 4. Directional change and reprioritization, and 5. Goal termination. (p.25).

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alimentos saudveis) (Maes & Gebhardt (2000). Uma ideia semelhante contemplada por Bagozzi e Edwards (2000), no estudo em que exploraram a regulao do peso corporal. Estabelecem a presena de objectivos subordinados que expressam como que o indivduo atinge o seu objectivo central (focal) e de objectivos superordinados que expressam o porqu de atingir determinado objectivo. Paralelamente, preciso ter em ateno que os objectivos no so estticos e sofrem influncias pessoais e contextuais, da que a mudana comportamental seja entendida como um processo ao longo do tempo, processo este que integra diferentes fases pr-contemplao, contemplao, aco e manuteno (Prochaska & DiClemente, 1982) no sentido de transformar o comportamento actual no comportamento desejado. Cada fase deste processo alvo de uma autoavaliao, a qual pode resultar na continuao ou desvinculao por parte do indivduo da procura da obteno de um determinado objectivo (Maes & Gebhardt, 2000). Dentro da mesma perspectiva, aparece o modelo das fases de aco que postula a existncia de quatro fases pr-deciso, pr-aco, aco e ps-aco de acordo com as quais o indivduo transforma os seus desejos em intenes e, consequentemente, em aces concordantes com o seu objectivo. A fase de pr-deciso caracterizada pela contemplao dos desejos e preferncias pessoais, estipulados de acordo com a sua facilidade e desejabilidade e culmina com a formao de uma inteno, que se traduzir ou no em aco. De acordo com os modelos scio-cognitivos, este fenmeno pode ser explicado pela influncia de variveis, como a percepo de risco, as expectativas de resultados, a influncia social e a competncia percebida (que corresponde ao conceito de autoeficcia, postulado por Bandura) (Maes & Karoly, 2005). A fase seguinte diz respeito fase pr-aco, durante a qual pedido ao indivduo que gere intenes de implementao, que devem reflectir um plano para concretizar a sua inteno (onde, quando, como e durante quanto tempo) (Gollwitzer & Oettingen, 2006). Depois de estipulado o plano, necessrio passar concretizao, entrando o indivduo na fase de aco. Aps a implementao do plano, imprescindvel avaliar a eficcia as estratgias adoptadas e a necessidade de reestruturao do plano. Daquilo que me dado a entender, este modelo pode ser compreendido no apenas como uma sequncia, mas como um ciclo, e uma vez que o indivduo possui um conjunto de objectivos, estariamos na presena de um conjunto de ciclos, que ocorrem simultaneamente. Os objectivos estipulados para uma rea podem influenciar outros objectivos associados a outra rea, por exemplo, na rea da sade 13

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(praticar exerccio fsico diariamente) e na rea interpessoal (passar mais tempo com os amigos e colegas). Isto , os objectivos podem competir ou complementarse entre si, no sentido de alcanar um objectivo de maior nvel de abstrao (ser feliz). De forma genrica e demasiado simplista, os modelos de auto-regulao acentuam o papel activo e intencional do comportamento do indivduo para atingir o alvo desejado, que enquanto processo integra a seleco e o estabelecimento de objectivos pessoais, o planeamento e a implementao de um conjunto de comportamentos para alcanar um determinado intuito e a manuteno de um comportamento perseguido e desejado, nas diversas reas da vida do indivduo. necessrio ter em conta que as definies apresentadas apelam com maior salincia para os aspectos cognitivos, contudo a auto-regulao incorpora igualmente os aspectos emocionais, que de igual forma podem ser regulados.

Auto-regulao e Diabetes Mellitus de Tipo IIUm dos campos em que a auto-regulao tm sido aplicada diz respeito rea da Sade, tendo como o objectivo compreender como as pessoas podem regular os seus comportamentos para promover a sade ou evitar a doenas. Neste domnio, existem vrios modelos de auto-regulao que tentam explicar a adopo e manuteno dos demais comportamentos de sade. O modelo de auto-regulao postulado por Leventhal, foi um dos primeiros a ser aplicado exclusivamente sade, e est de acordo com uma perspectiva de etapas/fases. O modelo acima mencionado tambm conhecido por Commom Sense Model (Leventhal, Meyer & Nerenz, 1980) e assume que os indivduos criam representaes da sua doena, com base na sua experincia, na informao recolhida da interaco com os outros significativos e nos dados somticos e sintomticos, de forma a darem significado ao seu problema. As representaes de doena so, por um lado, cognitivas e englobam os aspectos de identidade, causa, consequncias, progresso e cura/controlo, e por outro lado, emocionais, o que representa um processamento paralelo. A identidade diz respeito s crenas acerca da definio de doena e dos conhecimentos sobre os sintomas. A causa representa as crenas sobre os factores responsveis pelo aparecimento da doena. As consequncias correspondem s crenas sobre o impacto da doena sobre a qualidade de vida do indivduo e

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respectiva capacidade de funcionamento. A progresso ou evoluo faz referncia s crenas sobre o curso da doena (aguda, crnica ou ciclca) e escala temporal do aparecimento dos sintomas. A cura/controlo diz respeito percepo de capacidade para o desempenho dos comportamentos de coping e a crenas sobre a eficcia do tratamento. As representaes cognitivas incitam a adopo de estratgias de coping evitamento/negao, reavaliao cognitiva, expresso emocional, coping focado no problema e procura de apoio social que se transformam em resultados mais ou menos adaptativos. As representaes emocionais despoletam estratgias de coping para lidar com a reaco emocional inerente ao estado de doena, e da deriva o estado emocional do indivduo. Estes resultados so avaliados e, de acordo com um mecanismo de feedback, essa avaliao influencia e pode alterar as representaes da doena, bem como as estratgias de coping adoptadas. De salientar que o modelo postula que o coping medeia a relao entre as representaes e os resultados da doena (Hagger & Orbell, 2003). A meta-anlise realizada por Hagger e Orbell (2003) tinha como objectivo compreender os resultados das investigaes que recorreram ao modelo de Leventhal e colaboradores para explicar as relaes entre representaes, coping e resultados, tentando averiguar sobre a consistncia dos mesmas. O modelo foi aplicado a vrias patologias, com caractersticas diversas e, na sua maioria crnicas, entre as quais se destaca o estudo da Diabetes Mellitus (tipo 1 e tipo 2). Partindo que um conjunto de hipteses retiradas da literatura, foi possvel concluir que: 1. Indivduos com uma elevada percepo de cura/controlo apresentam uma menor identidade com a doena assumem na como tendo menos consequncias e como sendo menos crnica. 2. Indivduos que assumem uma forte identidade e percepcionam consequncias severas para a sua vida tendem a adoptar estratgias de coping de evitamento/negao e de expresso emocional. 3. Indivduos que assumem a doena como controlvel tendem a adoptar estratgias de coping direccionadas para a reavaliao cognitiva, coping focado no problema e procura de apoio social. 4. Indivduos com uma elevada percepo de consequncias, forte identidade e progresso crnica tendem a relatar menor bem estar psicolgico e social, funcionamento entre os papis pessoais e vitalidade, e maior distresse psicolgico.

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5. Indivduos

com

uma

elevada

percepo

de

controlo

relatam

consistentemente bem estar psicolgico e vitalidade. Os resultados encontrados vo ao encontro das hipteses colocadas, o que confere validade aos contedos do modelo estudado, no deixando de se verificar algumas limitaes. Um dos aspectos mais questionados nesta meta-anlise prende-se com o facto da relao de mediao exercida pelo coping entre as representaes e os resultados no ser clara, devido metodologia utilizada (cross-sectional), pelo que sugerem a adopo de uma metodologia longitudinal em futuras investigaes. No que diz respeito problemtica da DMT2, o modelo de auto-regulao, nomeadamente o apresentado por Kanfer (1975, cit. por Wing, Epstein, Nowalk & Lamparski, 1986), que engloba trs momentos auto-observao, auto-avaliao e auto-reforo foi aplicado ao controlo da Diabetes atravs da regulao dos nveis de glicmia. Assumem que, em indivduos no diabticos, o sistema ao observar uma discrepncia entre o nvel actual e o ideal, d indicaes para repr os valores atravs da libertao da insulina, contudo, os indivduos diabticos precisam de meios externos para concretizar uma tarefa que o sistema faz de forma mais ou menos automtica. Pressupe-se que o indivduo observaria os seus nveis de glicmia atravs de um aparelho de medio (auto-observao), avaliaria a discrepncia entre nvel actual e ptimo (auto-avaliao), e reuniria formas para ajustar a sua alimentao, exerccio e medicao (auto-reforo). A ideia de reposio do estado de equilbrio reconhecida nos estudos de Leventhal (Odgen, 1999).

Auto-regulao e AvaliaoA auto-regulao um construto complexo e que cuja avaliao constitui um desafio para grande parte dos investigadores nesta rea. Actualmente, existem alguns instrumentos estandardizados que tentam apreender a dimenso do construto, contudo a maioria dos instrumentos est direccionado para aspectos mais especficos, diminuindo a probabilidade de erro na explicao dos fenmenos. O Questionrio de Auto-Regulao7 est formulado de acordo com a teoria da auto-determinao (ver Ryan & Deci, 2000), que postula a existncia de vrios

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Self-regulation questionnaire (SRQ)

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nveis de motivao, que reflectem o grau de inteno do indivduo. A motivao entendida como regulao. Esta escala pretende avaliar as diferenas indivduais no que diz respeito aos tipos de motivao (regulao externa, regulao introjectada, regulao identificada e regulao integrada), no seio de uma determinada rea. Por conseguinte, existe o mesmo tipo de questionrio para domnios como o acadmico, o social, o da sade, o da aprendizagem, o do exerccio, o da religio e o das amizades. O questionrio que, por ventura, tem mais interesse no mbito desta monografia o que diz respeito sade Questionrio de Auto-regulao do Tratamento8. Este pertende avaliar o grau de motivao do indivduo para desempenhar um determinado comportamento no mbito da sade, isto , possibilitar-nos-ia compreender o nvel de empenho do indivduo diabtico na adeso ao conjunto de exigncias comportamentais associadas sua condio. Este instrumento foi desenvolvido por Williams, Grow, Freedman, Ryan, and Deci (1996), tendo sido aplicado populao diabtica (Williams, Freedman, & Deci, 1998). A escala dirigida populao diabtica constituda por duas frases referncia (Eu tomo a minha medicao para a Diabetes e/ou verifico os meus nveis de glicose porque e A razo pela qual eu sigo a minha dieta e fao exerccio regularmente que), seguidas das quais se encontram algumas afirmaes (8 frases para o primeiro item mencionado e 11 frases para o segundo item), que se pretendem ver classificadas no que diz respeito ao seu grau de veracidade para o indivduo. Este ter que avaliar as frases de acordo com uma escala de lickert de 7 pontos, onde 1 significa nada de verdade e 7 significa tudo de verdade. Verifica-se que a escala no incorpora os quatro tipo de motivao avanados inicialmente. Este facto parece prender-se com a dificuldade em avaliar de forma diferenciado os varios tipos. Os resultados obtidos encontram-se divididos em duas escalas: regulao autnoma (ex. um desafio aprender como viver com a Diabetes) e regulao controlada (ex. Eu apenas o fao porque o mdico assim me disse). A regulao autnoma est associada integrao e a uma forte motivao, enquanto que a regulao controlada, a motivao/empenho/regulao depende de factores para se desenvolver.

8

Treatment Self-Regulation Questionnaire (TSRQ).

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Bem como outros, tambm o questionrio da auto-regulao acima mencionado apenas se refere a um dos domnios da auto-regulao, a componente motivacional. Como a inteno desta monografia expressar conhecimento sobre as percepes de doena, apresento em seguida e de forma resumida um dos instrumentos mais utilizados dentro da rea da doena/sade e que se baseia no modelo do senso comum (Leventhal, Meyer e Nerenz, 1980). O IPQ Illness Perception Questionnaire (Weinman, Petrie, Moss-Morris & Horne, 1996) um dos instrumentos mais utilizados, que ao longo do tempo sofreu diversas alteraes e especificaes, de acordo com as necessidades dos investigadores. Deste questionrio podemos encontrar igualmente uma verso revista (IPQR) (Moss-Morris, Weinman, Petrie, Horne, Cameron e Buick, 2002) e uma verso breve (Brief-IPQ) (Broadbent, Petrie, Main & Weinman, 2006). O IPQ e o IPQ-R apresentam adaptaes para a problemtica da diabetes, mas apenas o IPQ-R apresenta uma adaptao para a populao portuguesa, doente e saudvel. O Brief IPQ apresenta uma verso adaptada para a populao portuguesa. Todas as verses respeitam os componentes identidade, causa, consequncias, progresso e controlo. Este questionrio ser explorado com maior detalhe na seco da metodologia instrumentos e tcnicas de recolha e anlise de dados.

Coping9 Definies e CaractersticasA Diabetes, como j foi mencionado, uma doena crnica que implica mltiplas exigncias que se mantm ao longo do tempo. Assim sendo, as exigncias so tidas como o factor de stresse constante com o qual o indivduo deve lidar. A sua constncia implica esforos acrescidos e pode produzir severas alteraes no bem estar do sujeito (Grey, 2000). Neste sentido, a monografia tentar expressar qual o papel do coping na DMT2 na preveno do aparecimento das complicaes. O estudo do coping tm-se vindo a desenvolver desde os anos 60, contudo foi apenas nos anos 80 que os horizontes se alargaram com a introduo de uma9

Por forma a abranger todas as dimenses do constructo do coping, optou-se por no traduzir o termo. A traduo

portuguesa menciona o coping como confronto.

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nova perspectiva por Lazarus, que coloca a nfase na avaliao cognitiva que o indivduo faz sobre os estmulos, afastando o coping dos mecanismos de defesa e da patologia (Folkman & Moskowitz, 2004). Segundo Lazarus e Folkman (1984), o coping entendido como os esforos cognitivos e comportamentais constantes para gerir as exigncias especficas externas e/ou internas que so avaliadas como limitando ou excedendo os recursos da pessoa (p. 141). Este modelo integra-se na corrente transaccional, A definio est longe de ser nica, contudo a mais aceite pela comunidade cientfica. Por exemplo, Skinner e Zimber-Gembeck (2007) entendem o coping como processo de regulao em condies stressoras, considerando esta definio mais adequada no campo do desenvolvimento. Tendo por base o modelo cognitivo do coping, os indivduos avaliam a situao (1 avaliao) e os seus recursos (2 avaliao) de acordo com as suas caractersticas, experincias, expectativas e crenas. Esta situao depoleta impreterivelmente emoes, positivas e/ou negativas, que este vai tentar regular, ao mesmo tempo que assume comportamentos de aco ou de evitamento. Caso os resultados obtidos no sejam os esperados, o indivduo pode proceder a uma reavaliao e reestruturar as suas estratgias. De salientar que as estratgias utilizados pelo indviduos sero percepcionadas como mais ou menos adequadas de acordo com os resultados, contexto e as suas contingncias (Folkman & Moskowitz, 2004). esta dinmica constante, ao longo do tempo e das situaes, que torna o processo de coping to complexo e difcil de ser compreendido na sua plenitude, da surgiram mltiplas questes. Algumas delas dizem respeito avaliao e s dimenses do coping (para uma reviso consultar Folkman & Moskowitz, 2004).

Coping e Diabetes Mellitus de Tipo II

Estilos e Estratgias de CopingAo longo dos anos de investigao, a identificao de estratgias e estilos/ dimenses tem sido um dos aspectos mais trabalhados, vista a complexidade e diversidade das respostas dadas pelo indivduo quando est perante uma situao de ameaa ou desafio. Isto , o nmero de respostas passveis de serem dadas so

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infinitas devido idiosincrasia de cada um, e ao mesmo tempo, uma mesma resposta pode servir diversos propsitos (Skinner & Zimber-Gembeck, 2007). A tipologia/taxonomia mais divulgada a apresentada por Lazarus e Folkman (1984) que diferencia um tipo de coping centrado no problema, no qual o indviduo lida com a situao stressora de forma activa, atravs de um conjunto de medidas instrumentais, e um tipo de coping centrado nas emoes, no qual o indivduo lida com as emoes geradas pela situao adversa. Estes tipos ou estilos integram uma multiplicidade de comportamentos e cognies. Contudo, e apesar de ser a mais divulgada, outros autores deram contornos diferentes, e por ventura mais especficos, s estratgias de coping e, de acordo com as suas conceptualizaes, desenvolveram teorias e instrumentos de avaliao, sem os quais no se conseguiria comprovar a influncia do coping no processo de gesto do stresse. Com o intuito de melhorar a tipologia mencionada, Parker e Endler (1992) acrescentaram um novo tipo coping por evitamento que corresponde s cognies e comportamentos do indivduo que tm como objectivo afast-lo da situao adversa. Este novo tipo aparece com uma conotao negativa, contudo esta particularidade , na prtica, contrariada. O artigo de reviso apresentado por Skinner, Edge, Altman e Sherwood (2003) prope-se clarificar as taxonomias aplicadas s estratgias de coping, apresentadas nas ltimas duas dcadas, revelando vantagens e desvantagens, avaliando a sua utilidade. O primeiro passo considerado foi definir quais os critrios que transformam uma taxonomia razovel, de acordo com uma teoria, numa taxonomia mais abrangente e coerente. Os critrios definidos dizem respeito estrutura, funo e espectro das categorias. Os autores acreditam que numa taxonomia de qualidade, as categorias esto definidas de forma clara, do ponto de vista conceptual; so mutuamente exclusivas; o conjunto de categorias exaustivo; so funcionalmente homogneas e distintas; das categorias estipuladas passvel derivar os seus componentes; e estas so flexveis. Posto isto, os autores afastam-se das taxonomias mais utilizadas e adoptam como mais proveitosa uma abordagem hierarquica, compreendendo a existncia de mltiplos tipos de respostas instncias que, por sua vez, so aglomeradas em grupos elementares estratgias de coping (categorias de nvel inferior), que de acordo com as suas caractersticas, sero integrados em famlias10

10

O termo famlias (families) adoptado pelos autores do artigo em causa, pelo que se optou por manter a

terminologia, traduzindo-o literalmente.

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dimenses/estilos do coping (categorias de nvel superior), que se aproximam dos processos adaptativos. Est aqui bem presente a noo de nvel de abstraco. Skinner e colaboradores (2003) adoptando as duas abordagens utilizadas para estudar a estrutura do coping descendentes (top-down) e ascendentes (bottom-up) - criaram um sistema hierrquico multidimensional. Este sistema de famlias inclui trs grupos: competncia (controlo), autonomia (auto-determinao) e relacionamento11. No seio de cada grupo, foram definidos dois subgrupos, desafio e ameaa, que por sua vez se subdividem em orientado para o eu (self) e orientado para o contexto. Alm disso, para cada subgrupo, as estratgias esto organizadas de acordo com aspectos comportamentais, emocionais e motivacionais (figura 1).Relacionamento Competncia Autonomia

X

Desafio Ameaa

X

Dirigida ao indivduo Dirigida ao contexto

X

Comportamento Emoo Motivao

Figura 1 - Esquema representativo do conjunto de famlias do sistema hierrquico multidimensional (Skinner e col., 2003)

A conjuno acima mencionada d origem s seguintes famlias: Relacionamento - auto-confiana, procura de apoio, delegao e isolamento; Competncia resoluo de problemas, procura de informao, desesperana e fuga; Autonomia - acomodao, negociao, submisso e oposio O objectivo do artigo era compreender se estas famlias faziam sentido e eram integradas no seio de estudo de sistemas hierrquicos e classificao racional. Concluram que no seio do conjunto das famlias, as estratgias resoluo de problemas, procura de apoio, evitamento, distraco, reestruturao cognitiva positiva, ruminao, desesperana, afastamento social, regulao emocional, procura de informao, negociao, oposio e delegao so consideradas boas referncias para o estudo da estrutura do coping. Estas estratgias assumem nomes diferentes consoante o autor e teoria subjacente. Alm de analisar e mostrar uma nova e mais abrangente perspectiva sobre a estrutura do coping, o artigo ajuda-nos a interpretar de forma mais coerente e cuidada as taxonomias existentes e os resultados delas derivados.11

Adaptao do termo ingls relatedness.

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Relativamente aos estudos que adoptam uma viso do tipo funcional e que nos oferecem referncias, indicam que a utilizao de estratgias de coping orientadas para o problema parece ser a mais adequada em situaes controlveis e passveis de serem alteradas, enquanto que a utilizao de estratgias de coping orientadas para as emoes parece ser a mais adequada quando o indivduo est perante condies que esto fora do seu controlo e que so inalterveis. Em condio de doena crnica, os individuos apresentam uma tendncia para adoptar estratgias de coping mais direccionadas para a emoo e para a reduo dos elevados nveis de stresse, uma vez que nada podem fazer para alterar a sua condio (De Ridder & Schreus, 2001). H indcios de que, perante uma experincia extremamente adversa, como pode ser o diagnstico de uma doena crnica, o indviduo adopte inicialmente uma estratgia de coping orientada para as emoes e de evitamento, o que se considera ser benfico a curto prazo. Por sua vez, a longo prazo pode mostrar-se desajustado (De Ridder & Schreus, 2001). Assim sendo, e reforando o que j foi referido anteriormente, parecem no existir priori estratgias mais ou menos adequadas, ou, de outra forma, todas as estratgias podem ser consideradas ajustadas segundo determinadas circunstncias (Skinner e col., 2003) Desta forma, verificamos, mais uma vez, que o coping um processo dinmico de ajustamento, cujas respostas podem e devem mudar ao longo do tempo e consoante os objectivos do indivduo e as condies do meio. Na populao diabtica insulino-dependente (tipo 1), verifica-se que o uso de estratgias de coping orientadas para o problema est associado a um melhor controlo metablico, estado emocional e ajustamento global (Lundman & Norberg, 1993), bem como a melhores auto-cuidados e bem estar psicossocial (Grey, 2000). No seio da Diabetes, Karlsen e Bru (2002) tentaram perceber se existem ou no diferenas entre os estilos de coping adoptados por indivduos com DMT1 e com DMT2, uma vez que tm caractersticas diferentes. Verificaram que existe uma maior tendncia dos indivduos com DMT1, comparativamente com os com DMT2, para procurarem mais apoio, planearem mais e auto-culpabilizarem-se mais. Contudo, estes resultados podem ser explicados pela diferena de idades e nvel educativo. No geral, e excepo da procura de apoio, os indvduos com DMT1 e DMT2 em nada diferem no que diz respeito aos estilos de coping adoptados. parte dos resultados, preciso ter a preocupao de rever o conceito idade, pois este pode ser entendido, por exemplo, numa perspectiva de desenvolvimento, de experincia adquirida ou exposio a tarefas de desenvolvimento.

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A meta-anlise realizada por Duangdao e Roesch (2008) teve como objectivo compreender a relao de duas taxonomias (aproximao vs. evitamento e coping orientado para o problema vs coping orientado para as emoes) com os ndices de ajustamento gerais e especficos (ansiedade, depresso, controlo glicmico) por tipo de diabetes (tipo 1 ou tipo 2). Apesar das limitaes avanadas dimenso da amostra, enfoque nas estratgias gerais em detrimento das mais especficas, diferenas entre as estratgias utilizadas pelo tipo 1 e pelo tipo 2, populao europeia-americana concluram que os indivduos que utilizam mais estratgias de coping de aproximao e centradas no problema experienciam melhor ajustamento global e menos depresso e ansiedade. Neste estudo no foi encontrada qualquer relao significativa entre o ajustamento global e o uso de estratgias de evitamento ou centradas nas emoes. Uma explicao avanada para a obteno destes resultados diz respeito construo das taxonomias, uma vez que a dimenso aproximao contm estratgias centradas nas emoes, como, por exemplo, expectativas positivas/ optimismo e auto controlo, ao mesmo tempo que integra estratgias focadas no problema (ver Duangdao & Roesch, 2008). As diferentes taxonomias podem conduzir a resultados discrepantes, mesmo quando a inteno estudar o mesmo fenmeno.

Coping e AvaliaoA avaliao do coping um dos aspectos mais explorados na literatura, uma vez que tambm um dos mais polmicos. De acordo com os estudos de reviso, os instrumentos desenvolvidos para avaliao do coping podem diferir em trs vertentes: a) Disposicional vs. Situacional; b) Retrospectivos vs Imediatos; c) Gerais vs Especficos (Folkman & Moskowitz, 2004; Todd, Tennen, Carney, Affleck & Armeli, 2004; Schwarzer & Schwarzer, 1996; Carver, Weintraub & Scheier, 1989): a) Os instrumentos de avaliao do coping disposicional procuram medir como costumam reagir os indivduos perante as adversidades, tentando apreender a tendncia e preocupando-se em compreender as diferenas interindividuais. Por outro lado, os instrumentos de avaliao do coping situacional esto preocupados em medir como que os individuos reagem perante uma determinada situao. A situao pode ser definida partida ou escolhida pelo indivduo, consoante o instrumento. Estes ltimos tm em ateno o estado e procuram apreender as diferenas intraindividuais.

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No estudo elaborado para relacionar coping, controlo e ajustamento diabetes, Macrodimitris e Endler (2001), assumiram que a melhor forma de medir o coping era adoptar uma abordagem situacional, uma vez que consideraram que apenas esta lhes daria informaes sobre os tipos de coping utilizados numa determinada situao, definida para um grupo de indivduos com a mesma doena. Entendendo o processo de coping como dinmico, Carver, Weintraub e Scheier (1989), autores responsveis pelo criao e desenvolvimento do COPE, assumem que devem ser integrados itens que digam respeito a aspectos disposicionais e a aspectos situacionais para uma compreenso mais abrangente e fidedigna da realidade. b) Os instrumentos podem recolher informaes sobre contedos de forma retrospectiva, isto , perguntam aos indivduos o que eles costumam fazer perante as adversidades ou perante uma determinada situao passada, ou de forma imediata, isto , pedir que os indivduos relatem os seus esforos dirios para lidarem com os obstculos. A questo intrnseca a este tema reside no facto dos instrumentos retrospectivos apelarem memria dos indivduos, que segundo Todd e col. (2004), tendem a apresentar relatos influenciados pela sua percepo e estado actual. Para colmatar esta limitao, os instrumentos momentneos apelam a uma descrio mais imediata dos factos. Contudo, os instrumentos retrospectivos e momentneos parecem no ter uma correspondncia quando comparados, podendo isto dever-se ao facto dos primeiros apelarem a situaes de stresse mais severas e os segundos a situaes de menor intensidade (Todd e col., 2004). c) Esta questo est direccionada para a construo de instrumentos orientados ou no para uma populao em especfico. H instrumentos que medem o coping, utilizando um conjunto de itens ou outras estratgias para perceberem, por exemplo, como que as mulheres com cancro da mama lidam com as especificidades da sua situao. Segundo a literatura, existem aspectos comuns em diferentes populaes, da que seja importante recorrer a instrumentos mais gerais (ver quadro 1), balanceando a sua utilizao com os especficos (ver quadro 2), uma vez que estas medidas no permitem a deteco das semelhanas entre as doenas (De Ridder & Schreus, 2001), contudo possibilitam a integrao de situaes relevantes para a populao em causa.

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Quadro 1 Instrumentos gerais de avaliao do copingInstrumento Miller Behavioral Style Scale (MBSS) Coping Strategies Inventory Mainz Coping Inventory Billing and MoosCoping Measures Ways of Coping Questionnaire (WCQ) Coping Strategy Indicator (CSI) Adolescent Coping Orientation for problems experiences Inventory (A-COPE) Life Situations Inventory (LSI) Coping Inventory for Stressful Situations (CISS) COPE Scale Measure of Daily Coping Stress and Coping Process Questionnaire (SCPQ) Coping Resposes Inventory Coping with Health injuries and problems scale (CHIP) Coping Inventory for stressful situations (CISS)12 Childrens Coping Strategy Checklist (CCSC) Autor Miller Tobin e colaboradores Krohne Billings & Moos Lazarus & Folkman Amirkhan Patterson & McCubbin Feifel & Strack Endler & Parker Carver e colaboradores Stone & Neale Pernez & Reicherts Moos & Schaefer Endler & Parker Endler & Parker Ayers e colaboradores 1990 1987 1989 1990 1989 1984 1992 1993 2000 1990 1996 Ano 1987 1989 1993

* Parcialmente adaptado de Schwarzer & Schwarzer, 1996O Diabetes Coping Measure (Welsh, 1994) um instrumento que mede o coping cognitivo e comportamental na diabetes, isto , pretende saber quais as estratgias de coping (estilo) tendencialmente utilizadas para lidar com os constrangimentos da diabetes. Quadro 2 Instrumentos especficos de avaliao do coping, para populao diabtica.

Instrumento Diabetes Coping Measure (DCM) Diabetes Enpowerment Scale (DEM) Coping With Diabetes Scales (children and parents) Problem Areas in Diabetes Scale (adults)

Autores Welch e colaboradores Anderson e colaboradores Kovacs e colaboradores Welch, Jacobson e Polonsky

Ano 1994 2000 1986 1997

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O instrumento apresenta propriedades psicomtricas adequadas para estudos com populao diabtica (Smri &

Valtysdttir, 1997).

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Outro dos aspectos a evidenciar diz respeito aos estudos que recorrem a questionrios de auto-relato ou a entrevistas semi-estruturadas, uma vez que este facto pode influenciar os resultados obtidos, impossibilitando comparar os dados obtidos e as respectivas concluses. Este facto foi comprovado para o problemtica da depresso (Anderson e col, 2001).

Coping e IntervenoNo que diz respeito ao campo da interveno, a anlise exaustiva realizada por De Ridder e Schreus (2001), na qual tentaram clarificar a utilidade do conceito de coping no desenvolvimento de intervenes em doentes crnicos, verificaram que a maior parte das intervenes clnicas recorre psicoterapia, s estratgias educativas, a grupos de apoio, s intervenes cognitivo-comportamentais ou a uma combinao das estratgias mencionadas, que, na sua maioria, obtiveram resultados positivos. Os autores apontam para a necessidade de explorar todas as vertentes do coping estilos, estratgias, avaliao e recursos alargando o espectro da interveno. Nesta mesma linha, Grey (2000) resume que a interveno realizada se baseia na aprendizagem de competncias resoluo de problemas sociais, treino de competncias comunicacionais (inclui treino de assertividade), modificao cognitivo-comportamental e resoluo de conflitos com o objectivo de aumentar os recursos disponveis. Os indivduos podem utilizar estas competncias para lidar com a doena e com as restantes adversidades, ao longo da sua vida. Este facto expressa uma perspectiva de capacitao do indivduo (enpowerment). Uma questo interessante expressa pelos autores Smri e Valtysdttir (1997) diz respeito ao foco da interveno, isto , ser que esta se deve centrar nas disposies do coping (aspectos gerais) e/ou deve atender a aspectos mais especficos, para obter os melhores resultados possveis, aproximando o indivduo do objectivo ltimo. Relativamente aos estudos realizados com a populao diabtica de tipo II, a anlise acima mencionada (De Ridder e Schreus, 2001) faz referncia s intervenes desenvolvidas por: Glasgow e colaboradores, em 1992, tendo como populao adultos idosos, recorreram a estratgias educativas sobre o regime alimentar e o exerccio fsico, o planeamento de actividades e o treino de resoluo de

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problemas, tendo verificado melhorias apenas ao nvel do controlo glicmico e regime alimentar; Gilden, Hendryx, Clor, Casia e Singh, em 1992, recorrendo igualmente a uma populao adulta idosa, educou-a no que diz respeito aos conhecimentos sobre a diabetes, o estilo de vida e os servios sociais, fomentando as competncias de gesto de stresse e as tcnicas de auto-cuidado. A interveno foi feita em grupo. Os resultados apontam para uma melhoria nos conhecimentos, no funcionamento psicossocial, na qualidade de vida e no controlo metablico resultante da educao e da melhoria dos conhecimentos, do funcionamento psicossocial, da depresso e do menor envolvimento das famlias no cuidado com a diabetes resultante da existncia de um grupo de apoio; Wierenga, realizado em 1994, que numa interveno com 5 sesses para indivduos com DMT2, tinha como objectivo mudar progressivamente os padres de alimentao e de exerccio. Verificou que os indivduos melhoraram as suas prticas de sade, e que estas explicam a variao do seu estado. Mais recentemente, Karlsen, Idsoe, Dirdal, Hanestad e Bru (2004) desenvolveram um programa de aconselhamento, em formato de grupo, para colmatar as necessidades comportamentais, cognitivas e psicossociais de indivduos com diabetes, com idades compreendidas entre os 25 e os 70 anos. O objectivo final era reduzir o stresse associado, melhorar as capacidades de coping, elevar o bem estar psicolgico e estabilizar o controlo glicmico (HbA1c 7-8%). O estudo surge com o intuito de ultrapassar o obstculo de traduzir investigao em interveno. Os autores verificaram que, no final do programa de base cognitivocomportamental, os indivduos se tornaram mais activos e motivados para lidar com a sua condio, contudo esta atitude pode no se traduzir em aces que melhorem o seu estado e, consequentemente, o seu bem estar. A inteno/motivao nem sempre traduzida em aco.

Auto-regulao e Coping (na Diabetes Mellitus de Tipo II)A literatura aponta no sentido do coping estar intrinsecamente relacionado com a auto-regulao, uma vez que a escolha de estratgias de coping corresponde avaliao das competncias pessoais para lidar com os acontecimentos

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stressantes (Lazarus & Folkman, 1984) e reestruturao das mesmas no caso do resultado esperado no ser alcanado. Habitualmente, o processo de auto-regulao e processo de coping podem ser entendidos como processo paralelos, mas que em determinados momentos so capazes de se cruzarem. Perante uma adversidade, o individuo v-se na necessidade de lidar com a situao, seja de uma forma mais ou menos adequada, que, por sua vez, pode conduzir a uma alterao de objectivos e planos de aco, isto , pode afectar o processo de auto-regulao. No caso dos indivduos sujeitos a exigncias permanentes, como a Diabetes, ambos os processos parecem ter uma ligao mais estreita e constante. Segundo o modelo de Leventhal, o coping parte integrante da autoregulao. Numa outra abordagem, o coping pode ser compreendido como os esforos que os indivduos fazem para atingir objectivos a longo prazo, lidar com as frustraes associadas e resistir s tentaes do imediato, para alcanar o estado ideal (De Ridder & Kuijer, 2006) Por outro lado, o coping proactivo, defendido por Aspinwall e Taylor (1997, cit por De Ridder & Kuijer, 2006), permite ao indivduo antecipar os potenciais stressores causadores de desconforto e reunir os recursos necessrios para lidar com os obstculos antes de que eles se constituam como tal. O coping , de acordo como os autores, uma estratgia de auto-regulao. Contudo, consideram que a antecipao, sem desconforto, pode no conduzir a qualquer aco. A questo central para De Ridder e Kuijer (2006) assenta sobre duas ideias: o desconforto causado pelas distraces na obteno dos objectivos a longo prazo tem um papel relevante na mobilizao e utilizao de recursos, e o desconforto pode no ser suficiente para o indivduo continuar a perseguir determinado objectivo. O desconforto compreendido como uma resposta adaptiva. A integrao dos estudos do coping nos estudos da auto-regulao apresenta-se difcil porque o coping pode ser pensado como uma resposta mais ou menos automtica perante as adversidades no imediato, enquanto que a autoregulao se considera um processo de reflexo e deciso ponderada, com repercusses apenas a mdio ou longo prazo. Tendo como populao-alvo mulheres com artrite reumatide, Carlisle, John, Fife-Schaw e Lloyd (2005) investigaram o papel das estratgias de coping, tendo por base o modelo de auto-regulao. O objectivo central do estudo era perceber qual a influncia que as representaes da doena tinham sobre os resultados e se o coping funcionava como mediador entre representaes e resultados. Confirmando parcialmente a teoria da auto-regulao defendida por Leventhal, verificaram que as 28

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percepes de identidade, de consequncias, de progresso e de controlo esto correlacionadas com os resultados e, que apenas o coping por evitamento ou resignao medeia a relao entre representaes (identidade) e resultados (perturbao e morbilidade psiquitrica). Os resultados devem ser tidos em conta, mas com cautela, uma vez que o estudo apresenta limitaes, nomeadamente no que diz respeito ao mtodo e medidas utilizadas. Como expresso por Coyne e Racioppo (2000, cit por Carlisle e col., 2005), existe necessidade de realizar investigaes recorrendo a mtodos prospectivos, afastando-se dos crosssectional. Neste sentido, Searle, Norman, Thompson e Vedhara (2007) desenvolveram um estudo com indivduos com diabetes de tipo 2 utilizando a metodologia sugerida por Coyne e Racioppo. Constataram que as representaes da doena tm um efeito directo nas cognies de coping e nos comportamentos de coping. Por cognies de coping entendem aquilo que o indivduo pensa que faz relativamente adversidade (aspecto medido pelas escalas do coping). Contudo, e ao contrrio do que postulado pela teoria de Leventhal, o coping (cognies) no medeia a relao entre representaes de doena e comportamentos de coping (resultados). Os resultados globais do estudo apontam para o uso de um conjunto de estratgias de coping para lidar com a diabetes, o que congruente com a literatura (ver Macrodimitris & Endler, 2001). O estudo realizado por Benyamini, Gozlan e Kokia (2004) com uma populao de mulheres que se estavam a submeter a um tratamento de infertilidade, tinha como objectivo estudar as representaes emocionais, as estratgias de coping para lidar com as emoes associadas e as respectivas relaes com medidas de distresse e bem estar emocional. A infertilidade no considerada uma doena crnica, mas uma condio, e aqui expressa porque os autores explicaram a influncia das representaes emocionais, luz do modelo de Leventhal. De relembrar que existe um processamento paralelo de representaes cognitivas e emocionais, no seio do modelo de base. O foco incide nas representaes emocionais uma vez que considerado como o aspecto mais preponderante e com maiores variaes nesta populao, devido aos sentimentos de perda e frustrao associados. Na adversidade emergem mltiplas emoes, positivas e negativas, que interpelam o indivduo, e tal como foi expresso por Skinner e Zimber-Gembeck (2007), as emoes so um domnio integrante e permanente do processo de coping, ligando-se este regulao emocional.

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No que diz respeito aos resultados encontrados (Benyamini, Gozlan e Kokia, 2004), estes esto de acordo com o pressuposto do modelo de auto-regulao, sendo de salientar a presena de um efeito mediador do coping entre as percepes de consequncias e o distresse emocional. A existncia ou ausncia de um efeito de mediao parece estar relacionado com a forma de avaliao do coping (Searle e col, 2007; Benyamini, Gozlan & Kokia, 2004). Por outro lado, a metodologia cross-sectional no permite identificar a direco das relaes de causalidade. Este o tipo de metodologia mais utilizada (Hagger & Orbell, 2003). Kaptein e colaboradores (2006) obtiveram resultados diferentes no que diz respeito ao efeito de mediao do coping em indivduos com doena de Huntington, tal como preconizado no estudo de Scharloo e colegas (1998) com indivduos com artrite reumatide, obstruco pulmonar crnica e psorase, no qual no foi possvel confirmar a hiptese de mediao assumida pelo modelo de Leventhal, Meyer e Nerenz (1980). O modelo de auto-regulao de Leventhal serviu igualmente como base terica para o recente trabalho de Timmers e colaboradores (2008) realizado com pacientes com insuficincia renal sujeitos a dilise (hemodilise ou dilise peritonial). Os autores partiram do pressuposto que existe uma associao negativa entre uma forte identidade, consequncias severas, progresso crnica e funcionamento fsico, e que uma elevada percepo de controlo tem uma associao positiva com o funcionamento fsico e mental. O estudo corrobora os dados da literatura para esta populao-alvo (ver Hagger e Orbell, 2003). A importncia do estudo das representaes/percepes e das estratgias de coping reside nas repercusses que estas variveis tm sobre os resultados, ou melhor dizendo, sobre os aspectos fisicos, psicolgicos e sociais inerentes ao indivduo. Aps reflexo sobre os resultados dos estudos j citados, verifica-se que existe a hiptese das percepes de doena influenciarem de forma directa ou indirecta, atravs do coping, os resultados obtidos. Os resultados globais obtidos pelos estudos parecem estar na dependncia da populao e no mtodo escolhido. O estudo realizado por Vaughan, Morrison e Miller (2003), dirigido Esclerose Mltipla, reala e refora a ideia da existncia de um efeito directo entre os componentes das representaes, de acordo com o modelo de Leventhal, e resultados nvel de intruso, funcionamento fsico, depresso e ansiedade e autoestima. O modelo das crenas de sade (Becker & Maiman, 1975, cit. por BrownLeeDuffeck, Peterson, Simons, Kilo, Goldstein & Hoette, 1987) foi usado pelos autores 30

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para explicar a influncia das crenas de sade sobre os resultados adeso e controlo metablico em duas populaes de diabticos insulino-dependentes agrupados por idades. A mdia de idades do grupo jovem era de 18 anos e a mdia do grupo mais velho era de 36,8 anos. Concluram que a adeso e o controlo metablico no grupo mais velho esto associados s percepes de benefcios e que no grupo jovem, a adeso esta associada percepo de custos e o controlo metablico s percepes de severidade e susceptibilidade doena. Apesar de diferente do modelo apresentado por Leventhal, possvel identificar alguns aspectos comuns e perceber que as percepes influenciam os comportamentos. Alm deste aspecto, de salientar o facto dos resultados estarem associados a diferentes tipos de percepes nos dois grupos, logo plausvel assumir que a idade, no que concerne ao desenvolvimento e tempo de diagnstico (experincia a lidar com a doena), acompanhe modificaes nas crenas de sade e percepes de doena.

Evoluo das percepes de doena e estratgias de copingUma vez que um dos objectivos estudar a relao entre as percepes de doena, as estratgias de coping e os resultados ao longo do tempo, torna-se necessrio compreender como que estas variveis tendem a evoluir, isto , se o factor tempo exercer algum tipo de influncia. Perceber a evoluo procurar na literatura estudos que emparelham as variveis percepes de doena e resultados; estratgias de coping e resultados; e percepes de doena e estratgias de coping -, e analisem as suas alteraes ao longo do tempo, verificam possveis influncias. De salientar o facto do tipo de resultados alvo variam consoante o estudo e respectivos autores. Partindo da ideia expressa por Leventhal, Nerenz e Steele (1984), espera-se que as percepes de doena se modifiquem e evoluam ao longo do tempo, pelo que a necessidade reside em perceber como que se d a mudana. Recuperando o acima mencionado, no estudo de BrownLee-Duffeck, Peterson, Simonds, Kilo, Goldstein & Hoette (1987), os autores recorreram a duas amostras com mdias de idade e tempo de diagnstico diferentes e perceberam que medida que a idade e a experincia avana, existe uma mudana na percepes de doena que predizem os melhores resultados, isto , a adaptao do indivduo do ponto de vista fisiolgico.

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Contrapondo a investigao anterior, quando consideramos uma populao com idades mais aproximadas, verifica-se que as percepes de doena continuam a exercer influencia sobre o ajustamento fisico e psicolgico ao longo do tempo, porm, no se verifica qualquer alterao das mesmas (Groarke, Curtis, Coughlan & Gsel, 2005). Este estudo foi realizado com uma populao de mulheres com artrite reumatide por um perodo de 3 anos. Numa perspectiva semelhante mas com relao s estratgias de coping, a reviso de Aldwin e Park (2004) apresenta vrios estudos que reforam a ideia de que o coping est intimamente relacionado com os resultados fisiolgicos a longo prazo, sendo que os seus efeitos variam consoante o tipo de doena. Por exemplo, verifica-se que a adopo de estratgias de coping passivas por parte de indivduos jovens infectados com VIH/SIDA conduzem, a longo prazo, a um aumento da sintomatologia (Stein & Rotheram-Borus, 2004). Por outro lado, as estratgias de coping mais activas esto associadas a melhores resultados quando as condies so tidas como controlveis, o que est de acordo com a literatura. No que diz respeito aos resultados, a maior parte dos estudos recorre Hemoglobina glicosilada como a medida mais fivel para avaliar o controlo metablico. Esta medida j obteve associaes modestas com instrumentos de auto-relato da adeso teraputica, no seio da populao diabtica de tipo 1 (BrownLee-Duffeck e col., 1987). Neste sentido, o estudo recente de Tsenkova, Love, Singer & Riff (2008) tenta explorar a influncia das estratgias de coping adoptadas nas oscilaes dos nveis de HbA1c ao longo do tempo. A particularidade deste estudo reside na metodologia e no facto de terem recorrido a uma populao de mulheres idosas no diabticas. Partem do pressuposto que as oscilaes da HbA1c so igualmente relevantes na populao no diabtica. Os autores verificaram que a adopo de estratgias de coping activas, apoio social instrumental e eliminao de actividades competidoras predizem baixos nveis de hemoglobina glicosilada, ao longo do tempo. Acreditam que os dados recolhidos indicam que existe uma maior influncia dos factores psicolgicos no controlo glicmico, do que contrrio. O estudo permite, ao contrrio de outros que utilizam uma metodologia cross-sectional, tirar concluses sobre a direccionalidade. Por fim, e de modo a averiguar sobre as relaes entre percepes de doena, estratgias de coping e resultados, Llewellyn, McGurk & Weinman (2007), utilizando o modelo de base deste estudo e optando por uma metodologia longitudinal, proposeram-se averiguar sobre a utilidade do modelo para explicar as associaes entre as percepes de doena, o coping e um conjunto de resultados em doentes com cancro de cabea e pescoo. Verificaram que as percepes de 32

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doena e as estratgias de coping se encontram relacionadas ao longo do tempo e se constituem como bons preditores do conjunto de resultados, num determinado momento, contudo, as associaes obtidas nesse momento no se verificam ao longo do tempo, com excepo da varivel depresso, para a qual as crenas de durao crnica predizem o seu resultado. Este facto indica que, apesar de potencialmente til, o modelo do senso comum apresenta algumas limitaes na explicao deste tipo de associaes ao longo do tempo, neste tipo de doentes, com caractersticas bastante particulares.

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SnteseO objectivo central desta monografia prende-se com a compreenso das relaes entre as percepes de doena, as estratgias de coping e os resultados de adaptao em indivduos com Diabetes Mellitus de tipo II (DMT2), ao longo do tempo. A Diabetes Mellitus de tipo II (DMT2) uma doena crnica, e como tal, o seu diagnstico introduz na vida do indivduo exigncias relacionadas com a alimentao, o exerccio fsico, a medicao, a monitorizao, entre outras, que este deve satisfazer, de forma a ajustar a doena ao seu estilo de vida. Inicialmente, e como de esperar, as necessidades no so pessoais, mas impostas. O descontrolo da doena pode conduzir ao aparecimento de complicaes em reas vitais como a cardiovascular, a renal e a oftalmolgica, que condicionam de uma forma mais significativa o bem estar do indivduo. Estas complicaes tm, no s repercusses ao nvel individual, como ao nvel da economia, uma vez que acarretam elevados custos. Este facto comprovado por estudos que tentaram apreender a dimenso deste fenmeno (Jonssom, 2002; Wild e col., 2004). Ao longo do tempo, muitas tm sido as variveis associadas Diabetes com o objectivo de perceber em que condies a adaptao do individuo ao regime teraputico mais favorvel. Verificou-se que os resultados apresentados so, por vezes, ambivalentes e pouco objectivos, estando na dependncia do formato do estudo e do tipo de avaliao. No contexto das variveis podemos identificar a depresso, a ansiedade, o stresse, as crenas de sade/doena, as estratgias de coping, a auto-eficcia e o locus de controlo. Uma das particularidades da DMT2 reside no facto da mesma se associar fortemente aos comportamentos do indivduo, o que leva a pressupor que uma mudana de comportamentos no sentido adaptativo pode melhorar a condio do doente. Contudo, no s os comportamentos influenciam a condio actual do sujeito, tambm as suas crenas exercem um papel fundamental. A auto-regulao tem vindo a ser desenvolvida em diversas reas que criaram para si modelos que explicam de forma mais ou menos adequada os fenmenos. Na rea da Sade, optou-se por usar o modelo do senso comum apresentado por Leventhal, Meyer e Nerenz (1980), modelo este consistentemente estudado e passvel de ser aplicado populao em causa. Segundo este modelo, os indivduos tendem a construir representaes baseadas em vrias fontes de informao, de forma a dar significado aos 34

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acontecimentos, contudo, as suas percepes so exactamente isso, suas, e devem ser compreendidas no seio de um contexto e experincia de vida. Perante um acontecimento ameaador ou desafiante, o indivduo cria, paralelamente, representaes cognitivas e emocionais que lhe permitam compreender a situao. O ponto de vista clinico, a diabetes enquanto doena crnica, considerada como controlvel, contudo, a percepo de cada um pode no contemplar esta possibilidade. aqui que comea a fazer sentido o estudo das percepes de doena em todo o processo de auto-regulao. Neste caso, a auto-regulao deve ser entendida como uma integrao consciente e deliberada de um conjunto de exigncias que, a partir do momento que fazem parte do indivduo deixam de o limitar de forma externa e passam a englobar a sua vivncia. Qualquer uma das situaes acompanhada por emoes que tambm devem ser tidas em conta, uma vez que desempenham um papel fundamental neste processo. O modelo permite-nos perceber, por um lado, que o facto de o indivduo assumir que a sua doena controlvel, indica que ele no associa um elevado nmero de sintomas sua doena, considera-a como tendo menos impacto e como sendo menos crnica, e por outro lado, que ao possuir determinadas crenas implica a adopo de determinadas estratgias, por exemplo, os indivduos que, no mesmo sentido, acreditam que a sua doena pode ser controlvel, tendem a adoptar estratgias mais activas para lidar com a situao, o que lhes permite, em ltimo caso, uma melhor adaptao doena. Tal como pode ser provado, a mudana comportamental apesar de altamente possvel, implica verdadeiros esforos na transformao do comportamento actual no comportamento desejado. Este processo normalmente dirigido por objectivos, que conduzem o indivduo por um conjunto de etapas, durante as quais h a possibilidade de avaliar o estado actual, comparativamente com o estado inicial e/ou estado final. O processo pode ser pautado por avanos e recos, envolvimentos e desistncias, que esto na dependncia do indivduo. Concretizando, o indivduo pode considerar que o objectivo a que se props no faz sentido ou colide com outros mais prioritrios e desvincula-se, ou pode aperceber-se que os meios que mobilizou para concretizar as suas intenes no so os mais adequados e necessita de repensar a sua estratgia. Tudo isto possvel no seio do processo de auto-regulao, sendo que o que o torna to complexo e dinmico a extenso a todas as reas em que o indivduo se estabelece e desenvolve. Tal como foi referido inicialmente nesta seco, a adaptao diabetes implica a adopo de uma conjunto de exigncias inerentes condio e o coping compreendido, na definio de Lazarus e Folkman (1984), como os esforos que o 35

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indivduo faz para conseguir lidar com as exigncias que ele considerou como limitadoras ou que excedem os recursos disponveis. Desta forma, a fase inicial do diagnstico da Diabetes implica que o indivduo compreenda se o que lhe pedido mais do que ele pode conseguir e se os recursos que tem lhe permitem fazer face s necessidades. Esta consciencializao conduz o indivduo a dar respostas, mais ou menos adequados conforme a sua avaliao e contexto. Segundo a literatura consultada, e de um ponto de vista geral, as estratgias orientadas para o problema revelam-se mais adequadas em situaes controlveis e passveis de serem alteradas e conduzem a melhores resultados, enquanto que as estratgias orientadas para as emoes parecem mais adequadas em condies no controlveis e inalterveis, considerando-se benficas quando utilizadas a curto prazo. A complexidade do estudo do coping prende-se com as inmeras possibilidades de resposta perante uma situao, e com a forma como os muitos autores organizaram essas respostas e as avaliam. A taxonomia mais aceite a postulada por Lazarus e Folkman (1984), que agrupam as respostas em duas categorias coping orientado para o problema e coping orientado para as emoes. Outros tm dado os seus contributos para um melhor entendimento do construto, tal como Skinner e colaboradores (2003), que postulam que a estrutura do coping ser melhor compreendida adoptando um viso hierrquica, com diferentes nveis de abstraco instncias estratgias de coping famlias de coping cujo objectivo conseguir uma aproximao aos processos adaptativos. Relativamente avaliao, muitos so os instrumentos que podem ser usados na rea do coping, os quais oscilam entre disposicionais e situacionais, retrospectivos e imediatos, e gerais e especficos, e cuja dificuldade reside exactamente na escolha do instrumento mais adequado para medir o fenmeno em causa. A essncia do modelo de Leventhal reside na integrao de dois construtos que se revelam intrinsecamente associados, uma vez que as representaes pessoais orientam a escolha das estratgias adoptadas para lidar com a situao, ao mesmo tempo que a avaliao das estratgias permitem rectificar o curso da aco de forma a atingir os objectivos de forma mais eficiente. Alm de se poderem considerar processos paralelos, que, em determinados momentos, se estreitam e se influenciam, o coping tido como um processo mais ao nvel do imediato, enquanto que a auto-regulao requer um maior nvel de esforo e abstraco, cujas implicaes s se materializam a mdio e a longo prazo.

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