1750_ Pereira Passos Vida e Obra Re 221

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Pereira Passos, vida e obra O Rio Estudos desta edio apresenta uma sntese da vida e da obra do prefeito Francisco Pereira Passos (1836-1913), comemorando, hoje, os 170 anos do seu nascimento.1 O estudo destaca o trabalho exercido por Pereira Passos, na condio de engenheiro, com notveis realizaes para a Engenharia Ferroviria brasileira. E, como prefeito da Cidade do Rio de Janeiro (1902-1906), pela Reforma Urbana empreendida saneamento, abertura e alargamento de ruas, embelezamento do Rio de Janeiro e abertura da Avenida Central, que valorizou o porto, integrando-o cidade, pela ligao mar a mar. Antes da administrao Pereira Passos, o Rio de Janeiro era conhecido como a Cidade da Morte e, ao fim do seu mandato, recebeu o ttulo de Cidade Maravilhosa. Contudo, o plano urbanstico teve alto custo social, com parte da populao sendo obrigada a se deslocar para os morros, iniciando o surgimento das favelas. O prefeito tambm enfrentou a Revolta da Vacina e alguns meses de estado de stio. Sem julgar os prs e os contras, Pereira Passos tornou-se conhecido como o administrador que mudou a cara do Rio

PEREIRA PASSOS, VIDA E OBRA N0 221 Francisco Pereira Passos nasceu em 29 de agosto de 1836, no Municpio de Pira, Estado do Rio de Janeiro. Faleceu em 12 de maro de 1913, a bordo do navio Araguaia, em viagem para a Europa. Filho de Antnio Pereira Passos, o Baro de Mangaratiba, e Dona Clara Oliveira Passos, Francisco foi criado numa grande fazenda de caf, a Fazenda do Blsamo, situada no municpio fluminense de So Joo Marcos que, antes de ser elevado condio de vila por D. Joo VI em 1813, pertencera vila e Municpio de Resende e atualmente distrito de Rio Claro. O engenheiro Pereira Passos Pereira Passos fez seus primeiros estudos na casa paterna e, ao completar 14 anos de idade, seguindo o costume da oligarquia rural, seu pai determinou que fosse estudar na Corte, matriculando-o no Colgio So Pedro de Alcntara, no Rio de Janeiro, no qual completou seus estudos preparatrios. Foram seus colegas de turma Floriano Peixoto e Oswaldo Cruz. Em maro de 1852, ingressou na Escola Militar, futura Escola Politcnica do Rio de Janeiro, obtendo, em 24 de dezembro de 1856, o grau de Bacharel em Cincias Fsicas e Matemticas, que lhe dava direito ao diploma de engenheiro civil. Pereira Passos foi marcadamente influenciado pelas idias positivistas que ganharam fora no Brasil aps a II Revoluo Francesa. Tornou-se amigo de outro ilustre colega de turma: Benjamin Constant, que se tornaria um dos arautos do republicanismo no Brasil.O texto foi elaborado pelos tcnicos Manoel Carlos Pinheiro e Renato da Cunha Fialho Jnior, do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos. 11

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Como outros jovens bem nascidos de seu tempo, Pereira Passos ingressou na carreira diplomtica e, em 1857, foi nomeado adido legao brasileira em Paris, onde permaneceu at fins de 1860. Neste perodo, completou seus estudos de engenharia na cole Nationale des Ponts et Chausses, na qual foi admitido em 4 de setembro de 1858 e freqentou, como ouvinte, os cursos de arquitetura, estradas de ferro, portos de mar, canais e melhoramentos de rios navegveis, direito administrativo e economia poltica. Praticou depois como engenheiro na construo da Estrada de Ferro ParisLion-Mediterrane, nas obras do porto de Marselha e na abertura do tnel no Monte Cennis. Tambm assistiu a uma das fases mais delicadas da reforma empreendida por Georges Eugne Haussmann, prefeito do Departamento de Seine (1853-1870) nomeado por Napoleo III. Sob o calor e os auspcios da Revoluo Liberal de 1848, dos escombros dos bairros populares mais densos de Paris, arrasados, viu emergirem os contornos da nova metrpole que serviria, mundialmente, de modelo para renovaes urbanas similares. No perodo de 18 anos (1852 a 1870), Georges Eugne Haussmann remodelou todo o espao urbano de Paris, envolto na necessidade de conter o crescimento das jornadas proletrias e impor a nova ordem social e poltica, pois a econmica j se desenvolvia. Deste cenrio poltico pode-se dizer que emergiu o urbanismo francs em sua verso moderna baseado em ruas largas, grandes avenidas e bulevares. Os contatos com a Europa foram decisivos em dois aspectos fundamentais da formao profissional de Pereira Passos: a engenharia ferroviria e o urbanismo. De volta ao Brasil, em 1860, Pereira Passos dedicou-se construo e expanso da malha ferroviria brasileira, num momento em que a economia cafeeira crescia em importncia. Foi partcipe na construo da ferrovia Santos-Jundia, inaugurada em 1867, que muitos embaraos traria ao Imprio. Substituto de J. Whitaker na comisso encarregada dos estudos e explorao do traado de prolongamento da Estrada de Ferro D. Pedro II at o Rio So Francisco (1868), trabalhou decisivamente na integrao da primeira malha ferroviria nordestina; em conseqncia, em setembro de 1869, foi nomeado engenheiro-presidente da E. F. D. Pedro II. Em 10 de dezembro de 1870, foi alado ao cargo de consultor tcnico do Ministrio da Agricultura e Obras Pblicas. No ano seguinte, em companhia do Baro de Mau, viajou novamente Europa, na condio de Inspetor Especial das Estradas de Ferro subvencionadas pelo governo imperial, o qual confiou-lhe a delicada misso de firmar, em Londres, um acordo liqidando a questo do capital garantido E. F. So Paulo Railway, que ligava Santos a Jundia. Permaneceu na Europa at a assinatura definitiva do acordo, em 1873. Sua outra tarefa na Europa teve um carter mais tcnico. Durante a sua permanncia em Londres, Pereira Passos teve oportunidade de visitar vrios pases da Europa. Na Sua, conheceu a estrada de ferro que subia o Monte Righi, com rampas de at 20o, utilizando um sistema novo, com trilho central dotado de encaixes, nos quais uma roda dentada se apoiava para impulsionar o trem. A pedido de Mau, Pereira Passos estudou esse sistema, mais tarde usado na subida da serra para Petrpolis. O primeiro trecho foi construdo por iniciativa de Mau e ligava Porto Mau a Raiz da Serra. Foi a primeira estrada de ferro construda no Brasil. Pereira Passos usou esta tcnica, de cremalheira, na expanso do trecho entre Raiz da Serra e Petrpolis cidade onde morou em seu retorno ao Brasil e na construo, em 1882, da primeira estrada de ferro turstica do pas, a Estrada de Ferro Corcovado. Nessa mesma poca, a convite do Baro de Mau, Pereira Passos adquiriu e2

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assumiu a direo do Arsenal de Ponta da Areia, inaugurado pelo prprio Mau dez anos antes e em condies precrias desde o fim da Guerra do Paraguai. Modernizado por Pereira Passos, o arsenal passou tambm a produzir trilhos, vages etc. Mas, por ausncia de uma poltica protecionista, voltada aos interesses nacionais, a empresa sucumbiu, anos depois, frente concorrncia externa e aos ventos de liberalismo econmico. Continuando sua escalada pblica, em 1874 foi nomeado engenheiro do Ministrio do Imprio, presidido ento pelo Conselheiro Joo Alfredo conhecido por seus ideais abolicionistas. Com o novo cargo, Pereira Passos ficou com a incumbncia de acompanhar todas as obras de engenharia do governo imperial. Um pouco mais tarde, por solicitao do Conselheiro, Pereira Passos integrou a comisso responsvel por apresentar um plano geral de reformulao urbana para a capital, que deveria prever alargamentos de ruas, construes de grandes avenidas, arrasamentos de morros, canalizaes de rios e mangues e outras medidas de grande impacto para uma cidade reconhecidamente insalubre e exposta a toda sorte de doenas e epidemias. Do levantamento, realizado nos anos 1875 e 1876, resultaram dois relatrios extremamente minuciosos que serviram de esboo para o futuro plano diretor da cidade sob a administrao Pereira Passos. Entre 1876 e 1880, Pereira Passos dirigiu a E. F. D. Pedro II. No perodo, conduziu a ampliao da estao da Corte e as construes do ramal ferrovirio e da estao martima, na Gamboa. Este complexo foi inaugurado em junho de 1880. Nesse ano, Pereira Passos viajou de novo para a Europa. Durante sua estada em Paris, no inverno de 1880 a 1881, freqentou cursos na Sorbonne e no Collge de France e escreveu uma nota contendo Renseignements statistiques sur ls chemins de fer au Brsil, que foi publicada na Revue Generale des Chemins de Fer, em julho de 1881. Na mesma ocasio, visitou fbricas, empresas de transporte, siderrgicas e obras pblicas na Blgica e na Holanda. Em abril de 1881, foi contratado como engenheiro consultor pela Compagnie Gnrale de Chemins de Fer Brsiliens que detinha os direitos para a construo de uma ferrovia no Paran, ligando o porto de Paranagu capital da provncia, Curitiba. Ao regressar ao Brasil, com plenos poderes para resolver todos os assuntos tcnicos relativos ferrovia do Paran, Pereira Passos fixou-se naquela provncia e, em 1882, aps a ferrovia entrar em operao, voltou ao Rio de Janeiro e assumiu a presidncia da Companhia de Carris de So Cristvo, em substituio ao Visconde de Taunay. Em 1884, aps sanear a empresa, props aos seus maiores acionistas a aquisio do projeto do italiano Giuseppe Fogliani, de construo de uma grande avenida. A proposta foi aprovada pelos 30 maiores acionistas, a concesso foi obtida, mas a idia no chegou a sair do papel. Contudo, era uma antecipao da futura Avenida Central, que seria construda em sua gesto como prefeito da capital da repblica, 20 anos depois, tornando-se o grande marco de sua administrao. Aps diversas proposies, segundo Vaz e Cardoso, foi o projeto de Bernard Savaget, de 1890, que deu a melhor soluo para a nova avenida: uma pequena inclinao em relao s demais ruas permitiria Avenida passar rente s encostas dos morros, sem tneis ou arrasamentos. Vencera a proposta de mar a mar, centrada na valorizao do porto do Rio. No perodo republicano, Pereira Passos foi designado fiscal na construo da Estrada de Ferro Bahia So Francisco, de 573km de extenso, inaugurada em 1896.

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O prefeito Pereira Passos Antecedentes Um perodo bastante tumultuado adveio com a Proclamao da Repblica, em 15 de novembro de 1889. De fato, o Imprio fora duramente golpeado com a Abolio da Escravatura (1888), iniciativa exigida, sobretudo, pelo capital ingls. Outros fatores contriburam para tanto, como a influncia do republicanismo francs e a opo gradual da elite cafeeira pelo uso da mo-de-obra assalariada. So emblemticos desta conjuntura: a cassao dos ttulos de nobreza, a instalao do Governo Provisrio, a Revolta da Armada, a ditadura dos marechais e sua transio para a Repblica Civil, efetuada atravs do voto direto censitrio. Da primeira eleio direta republicana redundou o governo de Prudente de Moraes (1894-1898), que enfrentou forte depresso econmica proveniente do Encilhamento (1888-1891), como ficou conhecida a crise provocada pela poltica econmica mal dimensionada de Rui Barbosa. J o governo Campos Salles (18981902) buscou sanear poltica e economicamente o pas. Utilizou-se, para isto: do Funding Loan (1898), do acordo da dvida; da execuo de um plano financeiro; e da poltica dos governadores. No Governo Rodrigues Alves (1902-1906), a Repblica conseguiu, enfim, respirar aliviada. Convidado ento pelo ministro da Justia, J. J. Seabra, a colaborar com o novo governo, Pereira Passos exigiu poderes discricionrios para assumir o cargo de prefeito do Distrito Federal. Com base nesta solicitao, foi aprovada, em 29 de dezembro de 1902, lei especial que adiava as eleies do Conselho Municipal (Poder Legislativo) e estabelecia plenitude de poderes ao prefeito. A este era vetado apenas criar e elevar impostos. Estavam dadas as condies de execuo do gigantesco e controvertido plano de reforma da Cidade, elaborado em 1875. Neste perodo, o Rio de Janeiro enfrentava graves problemas sociais, acentuados pelo rpido e desordenado crescimento. Com o declnio do trabalho escravo, a cidade passara a receber grandes contingentes de imigrantes europeus e de ex-escravos, atrados pelas oportunidades de trabalho assalariado. Entre 1872 e 1890, a populao duplicou, passando de 274 mil para 522 mil habitantes. A exploso demogrfica e, sobretudo, o aumento da pobreza, agravaram a crise habitacional que perdurava desde meados do sculo XIX. Na Cidade Velha e suas adjacncias, rea central do Rio, o problema era mais acentuado, pois ali se multiplicavam as habitaes coletivas e eclodiam as violentas epidemias de febre amarela, varola e clera-morbo que conferiam cidade fama internacional de porto sujo. Este quadro favorecia o discurso articulado dos higienistas sobre as condies de vida na cidade, os quais propunham intervenes drsticas para a restaurao do equilbrio da cidade, vista como um organismo doente. O primeiro plano urbanstico para o Rio de Janeiro foi elaborado entre duas epidemias muito violentas (1873 e 1876), mas graas estabilidade poltico-econmica, a duras penas alcanada no governo Campos Sales, Rodrigues Alves pde promover, entre 1903 e 1906, o ambicioso programa de renovao urbana da capital. Apoiada nas idias de civilizao e beleza, de regenerao fsica e moral, a reforma urbana, tratada como questo nacional, sustentou-se no trip: saneamento, abertura de ruas e embelezamento, e objetivou a atrao de capitais estrangeiros para o pas. Com a reforma, houve intensa valorizao do solo urbano da rea central,4

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determinante na expulso da populao de baixa renda ali concentrada. Cerca de 1.600 velhos prdios residenciais foram demolidos. Parte considervel da imensa massa atingida pela remodelao permaneceu no centro, em suas franjas e fendas deterioradas, pois a Zona Norte e os subrbios, apesar do rpido crescimento, no constituam alternativa de moradia para os que sobreviviam de biscates ou recebiam dirias irrisrias. Apenas os de remunerao estvel e suficiente para as despesas de transporte, aquisio de terreno, construo ou aluguel de uma casa mudaram-se para a Zona Norte e os subrbios. Desta forma, ao lado das tradicionais habitaes coletivas que se disseminaram nas reas adjacentes ao Centro (Sade, Gamboa e Cidade Nova), surgiu nova modalidade de habitao popular: a favela. Em fins de 1905, uma comisso nomeada pelo governo federal para examinar o problema das habitaes populares constatou que as demolies de prdios iam alm de todas as expectativas, forando a populao a ter a vida errante dos vagabundos e, o que pior, a ser tida como tal. O relatrio da mesma comisso fazia referncia ao Morro da Favela, atual Providncia pujante aldeia de casebres e choas, no corao mesmo da capital da Repblica, a dois passos da Grande Avenida. A partir de ento, o termo favela designaria, de forma genrica, o mais destacado cone da segregao social no espao urbano da cidade. O mandato Em O Rio de Janeiro de Pereira Passos: Uma cidade em questo II, Giovanna Rosso Del Brenna (org.) divide a Administrao Pereira Passos em quatro fases: 19021903 - Projetos e Estratgias; 1904 - O ano das Demolies; 1905 - Represso e Consenso; e 1906 - O Ano das Inauguraes. Nomeado em 30 de dezembro de 1902, Pereira Passos assumiu no mesmo dia e, desde os primeiros momentos, iniciou uma srie de atos e decretos com o propsito de extirpar velhos hbitos citadinos e impor uma disciplina consoante nova ordem republicana, comprometida que estava com os capitais franceses e ingleses em sua fase imperialista calcada no escoamento da produo fabril e na exportao de capitais. Exemplares neste particular foram os decretos de 9 de janeiro de 1902 que proibiram, no Centro da Cidade, o comrcio ambulante de leite, efetuado com o auxlio do gado bovino, a venda de midos de reses em tabuleiros descobertos e a venda de bilhetes lotricos em ruas, praas e bondes. Outro decreto suspendeu construes e obras de reforma, em 15 freguesias da cidade, sem licena da Prefeitura. O decreto de 11 de abril de 1903 regulou a apanha e extino de ces vadios. Como resultado, foram capturados 2.212 ces apenas entre abril e maio daquele ano, chegando a mais de 20 mil ces, dois anos depois. Outras proibies decretadas: esmola nas ruas, pingentes dos bondes, cuspidura no assoalho do bonde e criao de porcos no Distrito Federal. Aps alguma preparao de campo, iniciou-se, ainda naquele abril, um pequeno ensaio de demolies para alargamento e extenso de ruas e avenidas. Quase ao mesmo tempo foi apresentado o plano de remodelao da cidade. As aes republicanas se pautavam no discurso sobre a necessidade de sanear e higienizar a cidade, livr-la das doenas, impor populao novos hbitos e atitudes, condizentes com as descobertas recentes da biologia e da medicina, ampliar espaos, orden-los, embelez-los, moderniz-los. claro que, por trs dessa ideologia, estava a consolidao, entre outros, dos interesses: da oligarquia cafeeira, de escoamento de sua produo com ampliao das estradas de ferro e do Porto do Rio; das construtoras francesas; das companhias inglesas de energia5

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e bondes; e da nascente indstria automobilstica norte-americana. Marcado por um conjunto grande de demolies, 1904 foi um ano de insatisfaes e muitos questionamentos jurdicos, efetuados, sobretudo, por moradores e comerciantes do Centro. Ao mesmo tempo, Pereira Passos sofreu pesadas crticas da imprensa, o que, alis, foi uma constante em seu governo. O processo de desapropriao e despejo, aliado instaurao da vacinao obrigatria, liderada pelo Ministro Oswaldo Cruz, redundou na Revolta da Vacina, iniciada em 14 de novembro de 1904, aps a revolta da Escola Militar na Praia Vermelha. Com forte adeso popular, a revolta durou sete dias e resultou na decretao de estado de stio, prorrogado por Pereira Passos at fevereiro de 1905, e no desterro dos insurretos (os chamados quebra-lampies) para o Acre. No ano de 1905, novas aes repressivas e taxativas foram adotadas a fim de garantirem o grosso das inauguraes do ano seguinte, o ltimo do seu mandato, tais como: desapropriaes e demolies, a poltica do bota-abaixo; criao de um imposto de 25% para a renovao do calamento das ruas, cobrado aos proprietrios de imveis, etc. Em maro de 1906, diante das enchentes que assolaram a cidade, o governo foi acusado de negligenciar o atendimento s vtimas, sobretudo as dos subrbios. Os volumosos emprstimos tambm foram objeto de crticas. Ironizava-se o modus faciendi do governo, como numa charge da poca: Derrocam-se casebres; constroemse palcios... Em vez do Z Pereira... a burguesia, a Belle poque e o seu glamour. Apesar das crticas, inegvel que o mandato de Pereira Passos mudou definitivamente o perfil da Cidade. Sua atuao privilegiou as regies que atualmente compem as reas de Planejamento 1 e 2, e resultou num incrvel e colossal remodelamento da cidade. Dentro de uma perspectiva ideolgica pragmticopositivista e de evidente compromisso com os capitais franceses e ingleses, a cidade colonial cedeu lugar, de forma definitiva, cidade burguesa, moderna, do sculo XX, que tinha como parmetros as metrpoles europias. Aps as reformas empreendidas na administrao Pereira Passos, o Rio de Janeiro, remodelado e saneado, recebeu o ttulo de Cidade Maravilhosa. Principais Obras da Administrao Pereira Passos 1903: inaugurao do Pavilho da Praa 15 (21/6); prolongamento da Rua do Sacramento atual Avenida Passos, at a Rua Marechal Floriano (27/06); inaugurao do Jardim do Alto da Boa Vista (11/10); incio do alargamento da antiga Rua da Prainha (atual Rua do Acre); 1904: trmino do alargamento da antiga Rua da Prainha atual Rua do Acre (fevereiro); demolies do Morro do Castelo (8/03); construo do aqurio do Passeio Pblico (18/9); melhoramento da Rua 13 de Maio. 1905: incio da construo do Theatro Municipal (03/01); inaugurao da nova estrada de rodagem da Tijuca (4/1); alargamento e prolongamento da Rua Marechal Floriano at o Largo de Santa Rita (2/2); decreto de alargamento da Rua do Catete (28/4); alargamento e prolongamento da Rua Uruguaiana (setembro); decreto de construo da Avenida Atlntica, em Copacabana (4/11); inaugurao da Avenida Central (atual Av. Rio Branco), marco da administrao Pereira Passos (15/11); inaugurao da Escola-Modelo Tiradentes (24/11); decreto de abertura da Rua Gomes Freire de Andrade, entre a Rua Riachuelo e a do Nncio (29/12); decreto de abertura da Avenida Maracan (30/12). 1906: alargamento da Rua da Carioca (janeiro e fevereiro); inaugurao da fonte do6

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Jardim da Glria (24/2); inaugurao da nova Fortaleza na Ilha de Lage (28/6); inaugurao do palcio da exposio permanente de So Luiz (futuro Palcio do Monroe), para os trabalhos da 3 Conferncia Pan-Americana (22/7); inaugurao do alargamento da Rua 7 de Setembro no trecho entre a Av. Central e 1 de Maro (6/9); concluso das obras de melhoramento do porto do Rio de Janeiro e do Canal do Mangue (9/11); inaugurao das obras de melhoramento e embelezamento do Campo de So Cristvo jardim e escola pblica (11/11); inaugurao da Avenida Beira-Mar (23/11); melhoramento do Largo da Carioca; inauguraes dos quartis do Mier, da Sade, So Cristvo e Botafogo; aterramento das praias do Flamengo e Botafogo, com construo de jardins; construo do Pavilho Mourisco, em Botafogo; construo do Restaurante Mourisco, prximo estao das barcas, no Centro; melhorias no abastecimento de gua para a capital. Alm destas, merecem registro: melhoramentos da zona suburbana do DF; saneamento da cidade; arborizao de diversas reas da cidade; renovao do calamento da cidade; e inaugurao de calamento asfltico; alargamento da Rua Camerino; abertura da Avenida Salvador de S; canalizao do Rio Carioca (da Praa Jos de Alencar ao Cosme Velho); construo da Avenida Atlntica; inaugurao da Escola-Modelo Rodrigues Alves, no Catete; liberao de verbas para a construo da Biblioteca Nacional; incio da construo do novo edifcio da Escola Nacional de Belas Artes; incio das obras do edifcio do Congresso Nacional; criao do novo Mercado Municipal. Realizaes de Pereira Passos O Plano de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro O Plano de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro foi elaborado, entre 1875 e 1876, pela Comisso de Melhoramentos dirigida por Pereira Passos, que o implementou, cerca de 30 anos depois, na condio de prefeito. As grandes obras preconizadas pela comisso de salubridade e saneamento, abertura e alargamento de ruas, criao de praas e parques, retificao e embelezamento de logradouros, canalizao de rios, obras virias, remodelao arquitetnica das edificaes e outras mudariam o aspecto do Rio. Nas palavras do prprio Pereira Passos, as ruas estreitas, sobrecarregadas de um trfego intenso, sem ventilao bastante, sem rvores purificadoras e ladeadas de prdios anti-higinicos deveriam dar lugar a vias de comunicao duplas e arejadas. As avenidas tornaram-se o principal instrumento da remodelao da cidade, atendendo a dois objetivos: a circulao urbana e a transformao das formas sociais de ocupao dos espaos abertos pelas novas artrias. A reforma urbana desafogou o intenso trfego entre o Centro e os diversos bairros da cidade. Porm, a questo da circulao urbana no se restringia estrutura fsica da cidade, mas tambm os meios de transporte, considerados incompatveis com o trfego urbano. A Prefeitura promoveu, ento, a regulamentao do transporte de carga, com alterao nas dimenses de veculos, proibio de rodas que esburacassem as ruas e interdio de veculos de trao animal que sujassem os logradouros. Alm disso, propiciou a modernizao da estrutura dos servios pblicos, com reorganizao das redes subterrneas de abastecimento de gua e gs, o esgotamento sanitrio, as redes areas de telegrafia e telefonia e, ainda, a previso de postes de iluminao eltrica pblica.7

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Outro aspecto da reforma urbana foi o banimento de atividades rurais, como estbulos, criadouros e hortas, do centro da cidade. Em nome da higiene e da beleza, foram proibidos os antigos quiosques de madeira que vendiam alimentos e a exposio de artigos em umbrais e vos de portas em vias pblicas, permitidos apenas em vitrines. A Prefeitura tambm reprimiu o que considerou como maus hbitos e costumes: urinar e cuspir nas ruas, embaralhar cabos de energia eltrica, acender fogueiras, soltar fogos de artifcio, pipas e bales, festas populares, sagradas e profanas, como: carnaval, batuque, serenata, cultos afro-brasileiros e bumba-meu-boi. Projeto de lei encaminhado ao Conselho Municipal visava a acabar com a vergonha e a imundcie injustificveis dos em mangas-de-camisa e descalos nas ruas da cidade. Aps a reurbanizao, a Cidade do Rio de Janeiro, anteriormente marcada por traos coloniais, deixou de ser conhecida como Capital da Morte e passou a ser chamada de Cidade Maravilhosa. Cidade mapeada Na virada do sculo XIX para o XX, os esforos de redefinio do ambiente urbano caracterizaram os projetos de interveno urbanstica da administrao municipal, com reflexo na produo cartogrfica sobre a cidade. A renovao modernizadora do espao urbano da administrao Pereira Passos redefiniu os parmetros da imagem cartogrfica do Rio de Janeiro. Pereira Passos, num dos primeiros atos como prefeito, incorporou a Comisso da Carta Cadastral Diretoria de Obras e Viao, submetendo a cartografia ao programa de obras da Prefeitura. Em 1903, uma carta foi includa no texto da mensagem do Prefeito, que anunciava seu plano de reformas urbanas. Tambm o relatrio de concluso de trabalhos, a Mensagem de Ouro , de setembro de 1906, incluiu a imagem cartogrfica da cidade que registrava a interveno urbanstica realizada. A mesma base cartogrfica, elaborada pela Comisso da Carta Cadastral, serviu a inmeras outras plantas publicadas no mesmo perodo e nos anos seguintes. importante frisar que estas plantas registraram uma imagem especial da cidade. Curiosamente, a paisagem natural foi incorporada nesta cartografia, destacando parques e praas arborizados, no seio do espao urbano, e enfatizando os trabalhos de paisagismo no ambiente urbanizado. Alm disto, o poder pblico recorreu divulgao da ilustrao cartogrfica do seu programa de aes sociais, transformando a cartografia em instrumento legitimador das aes governamentais. Por isto mesmo, as reas pblicas, campo de ao do poder pblico, foram destacadas nas cartas elaboradas e o arruamento tornou-se o tema bsico, com valorizao de praas e ruas. As plantas da Cidade do Rio de Janeiro dos primeiros anos do sculo XX tm como ttulo: melhoramentos executados ou projetados. As plantas que apresentavam temas como arruamento, relevo e hidrografia, passaram a apresentar as obras em execuo, no concludas. Essa caracterstica da imagem cartogrfica confere uma natureza processual, ao contrrio do carter esttico, em geral identificado com a geografia. Os novos mapas evidenciavam, como autores, a Prefeitura do Distrito Federal, associada ao nome de Pereira Passos e, em menor destaque, o Governo Federal. A imagem cartogrfica abrangia a rea que se estende do Morro do Pasmado, junto Enseada de Botafogo, at a regio prxima do Canal do Mangue, alcanando o incio do bairro de So Cristvo, ou seja, a regio diretamente afetada pelas reformas urbanas, excluindo as reas no contempladas pelo projeto urbanstico, mas tambm sob controle do poder municipal. Se toda a rea do municpio fosse incorporada imagem da cidade, seria evidenciada a ao localizada, restrita, do Estado.8

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A Caderneta de Campo Quando esteve em Londres (1870 a 1872), Pereira Passos publicou um livro intitulado Caderneta de Campo. Um trabalho notvel de grande utilidade para os engenheiros brasileiros que se destinavam ao trabalho ferrovirio e, mais tarde, aos engenheiros rodovirios.

A estrada de ferro de cremalheira Pereira Passos introduziu o uso do sistema com trilho central dotado de encaixes, nos quais uma roda dentada se apia para impulsionar o trem, conhecido como cremalheira, no trecho entre Raiz da Serra e Petrpolis, e na construo da Estrada de Ferro do Corcovado. A Estrada de Ferro Corcovado Esta foi a primeira estrada de ferro turstica do Brasil. Foi um sonho que Pereira Passos acalentou durante muitos anos, juntamente com os engenheiros seus amigos, Marcelino Ramos, Lopes Ribeiro e Joo Teixeira Soares. Em 1872, de forma audaciosa, Pereira Passos constituiu a Cia. da E. F. do Corcovado, considerado, na poca, um empreendimento temerrio. Hino Bandeira Nacional O Boletim do 1 Trimestre de 1906 da Intendncia Municipal, publicado pela Diretoria Geral de Polcia Administrativa, Arquivo e Estatstica, da Prefeitura do Rio de Janeiro, apresenta a letra e a partitura do Hino Bandeira. O prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, solicitou ao poeta Olavo Bilac que compusesse um poema em homenagem Bandeira, encarregando o professor Francisco Braga, da Escola Nacional de Msica, de criar uma melodia apropriada letra. Em 1906, o hino foi adotado pela Prefeitura, passando, desde ento, a ser cantado em todas as escolas do Rio de Janeiro. Aos poucos, sua execuo estendeu-se s corporaes militares e s9

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demais unidades da Federao, transformando-se, extra-oficialmente, no Hino Bandeira Nacional, conhecido de todos os brasileiros. Fonte: Noticirio do Exrcito n 9.352, de 4 de fevereiro de 1998.

Notcias da pocaFonte: 100 Anos de Repblica: um retrato ilustrado da histria do Brasil. Vol.I (1899-1903), Vol.II (1904-1918). So Paulo, Editora Nova Cultural Ltda., 1989.

Governo vai embelezar o Rio (1902) Meu programa de governo vai ser muito simples. Vou limitar-me quase que exclusivamente ao saneamento e melhoramento do porto do Rio de Janeiro. Estas foram palavras informais do Presidente Rodrigues Alves, um paulista de Taubat, assim que deixou a cidade rumo ao Rio, para sua posse no dia 15 de novembro. No manifesto oficial, ao tomar posse, ele confirmou: A capital no pode continuar a ser apontada como sede de vida difcil, quando tem fartos elementos para constituir o mais notvel centro de atrao de braos, de atividades e capitais nesta parte do Mundo. Rodrigues Alves fazia eco da impresso de muito mais gente, especialmente os cariocas. No s o porto uma rea precria, desorganizada, como tambm grande parte da cidade cresceu de modo desordenado. Cortios malfeitos amontoam-se em subrbios de ruas mal traadas. A sujeira geral. Servios pblicos atendem mal. A capital do pas v, impaciente, outros centros, como a cidade de So Paulo, ganharem cores modernas, exibindo riqueza e deixando-a para trs. Para seus planos, o governo destinou verba de 990 contos para higiene, principalmente e nomeou Francisco Pereira Passos, que, como prefeito plenipotencirio, comandar a grande remodelao urbana. Para outras reas, Rodrigues Alves escolheu Ministrio sem dvida competente: Lauro Muller est em Obras Pblicas. O Baro do Rio Branco cuidar das Relaes Exteriores, o general Francisco de Paulo Argolo fica com o Exrcito, o empresrio J. Seabra, na Justia e Interior, e Leopoldo Bulhes Jardim, na Fazenda, entre outros.Vol. I pgina 54

A eletricidade a marca do sculo nas ruas do Brasil (1902) Sculo novo, vida nova. Ainda ontem, nas ruas das cidades, s os tlburis e os bondinhos de burros quebravam o silncio. No fim da tarde, o acendedor de lampies passava, de poste em poste, anunciando a noite. O novo sculo trouxe uma agitao enorme. Ruas so esburacadas, dormentes e trilhos so enfileirados, cabos de ao estendem-se pelo alto levando a eletricidade pelo caminho dos bondes. O Rio de Janeiro tem bondes eltricos desde 1892, em diversas linhas. Em So Paulo ele j circulava na Barra Funda, Rua So Bento, alcana a Liberdade. Acaba de ser inaugurado tambm esse servio em Belo Horizonte. Mais velocidade, mais barulho. So os outros nomes do progresso.Vol. I pgina 55

Casas velhas caem, ruas se alargam: o Rio est em obras (1903)COLEO ESTUDOS DA CIDADE / AGO2006 10

A carta Cadastral do Distrito, plano urbanstico do Rio de Janeiro, aprovado em abril, inclui a demolio dos casarios das atuais avenidas Beira-Mar, Mem de S, Passos e Central. Faz parte do projeto tambm o alargamento das ruas da Assemblia, Carioca, Frei Caneca e outras vias adjacentes. Como era de esperar, os protestos j se fazem ouvir, pois quase todos esto insatisfeitos. Reclamam os tamanqueiros do beco do Fisco, os bacalhoeiros da Rua do Mercado e principalmente os proletrios e principalmente os proprietrios de quiosques, essa verdadeira praga que assola o Rio de Janeiro. Seus donos, que formam uma verdadeira confraria, alm de no pagarem impostos e de subornarem fiscais, no tm a mnima preocupao com a higiene. Conseqentemente, os insetos proliferam no lugar, e ao seu redor os restos de comida exalam mau cheiro e atraem ces vadios. E so exatamente os proprietrios que mais investem contra o plano urbanstico da cidade.Vol. I pgina 56

Inimigos ironizam a campanha contra a febre amarela (1903) S no ano passado a febre amarela matou quase mil pessoas no Rio de Janeiro principalmente no vero, quando os ricos se refugiam nos casares de Petrpolis e cercanias, deixando a capital entregue aos ratos, mosquitos e aos pobres. De acordo com o novo plano de saneamento da cidade, o cientista Oswaldo Cruz promete mudar esse panorama e garante que tal doena no transmitida por contgio ou infeco, mas por um mosquito rajado, o Stegomia fasciata, que prolifera em guas paradas. Tendo em mos um plano idntico ao que j executam em So Paulo, pelos mdicos Adolfo Lutz e Emlio Ribas, ele reuniu seus 85 homens tinha pedido 1.200 e mandou-os percorrer quintais, jardins, varejar pores, lacrar caixasdgua nos telhados, jogar querosene em alagados e entrar em residncias, perseguindo mosquitos. L vai o mosquiteiro-mor, diziam as pessoas zombando do Dr. Carneiro de Mendona, chefe do batalho. O prprio cientista Cruz foi apelidado de o czar dos mosquitos. No demorou para que a zombaria se tornasse hostilidade. Adversrios do governo j duvidam das teses de Cruz e acusam-no de invadir a propriedade privada.Vol. I pgina 56

Com a vida cara, novidades do sculo so s para quem pode (1903) Este mundo mesmo dos ricos. Pelo menos, para viver no Rio de Janeiro, s as pessoas bem situadas tm acesso a todos os confortos do novo sculo. Um gramofone, por exemplo, custa 700 mil-ris. Uma viagem de paquete para a Europa no fica por menos de 3 contos e 400 mil-ris. Para construir uma boa casa preciso 50 contos. E assim por diante. Na capital federal s vivem bem os grandes comerciantes e altos funcionrios pblicos. Um caixeiro de loja pode chegar a ganhar 300 mil-ris por ms e com esse salrio j pode se casar. Um quarto mobiliado em penso custa 10 mil-ris, um terno bom est na ordem de 80, e a jovem senhora se quiser comprar um vestido de ir missa pode dirigir-se s lojas populares da Rua Uruguaiana e adquiri-lo pelo mesmo preo. Mas geralmente a esposa do caixeiro econmica e costuma comprar tecido e costurar suas roupas. Para que fiquem com aparncia elegante, ela orienta-se pelos moldes da revista mensal La Mode Parisienne, que custa 4 mil-ris o exemplar. Se o salrio do rapaz for modesto, ele vai pagar 40 mil-ris por ms para morarCOLEO ESTUDOS DA CIDADE / AGO2006 11

num cortio. Conseguir uma casa, mesmo velha, nem pensar. Os aluguis chegam a 200 mil-ris. A moa que sonha em ter uma cozinheira deve procurar no mnimo um pequeno comerciante. As criadas ganham 30 mil-ris, o que no muito, porm pesa nos pequenos oramentos. O preo da alimentao est razovel: 1 quilo de queijo-reino custa 6 mil ris; o da manteiga mineira est por 3 mil e 500 ris; o da carne pode ser adquirido at por 500 ris. O do acar, 400; o de feijo-preto, 200; o de arroz ingls, 220; o do toucinho, mil ris; o de banha de lata, marca Navio, 2 mil e 500 ris; e uma lata de Leite Moa custa 800 ris. Prximo ao centro e nos subrbios, a nascente classe mdia constri casas singelas. So os funcionrios pblicos, pequenos negociantes, mdicos, militares de mdia patente, pessoas que se orgulham de ter mesa todos os dias almoo e jantar. E isso realmente um privilgio na capital federal. Essas so despesas tpicas da classe mdia mas os realmente pobres s de vez em quando podem sonhar com elas. O jeito, para eles, sobreviver , o que significa que at meninos so colocados em indstrias ou pequenas lojas, para trabalhar 12 ou mais horas por dia. O pequeno comrcio espalha-se por todo canto. incalculvel o nmero de tendas de sapatarias, fbricas de massas, tinturarias, manufaturas de roupas e chapus, que funcionam em fundos de estalagens, de armazns, lugares que o pblico no v, descreveu um estudioso.Vol. I pgina 57

A rua dos elegantes, dos bomios, das damas e das cocotes (1904) Ser que o prestgio da Rua do Ouvidor vai acabar? Muitos acham que, quando for aberta a Avenida Central, a Rua do Ouvidor vai deixar de ser a passarela do Rio de Janeiro. Mas, por enquanto, esse beco de luxo sinuoso continua sendo praticamente a nica opo de consumo para a clientela chique da capital. Espremidos um ao lado do outro, os 313 prdios da Ouvidor oferecem atraes irresistveis em matria de artigos importados. Sem falar no frisson das suas confeitarias e cafs.Vol. II pgina 4

A cidade quer ficar nova e torna-se um canteiro de obras (1904) Em outubro, os cariocas esto tontos. Toneladas de pedras se amontoam no porto, o centro da cidade lembra uma rea bombardeada, Oswaldo Cruz vacina todoCOLEO ESTUDOS DA CIDADE / AGO2006 12

mundo. A msica mais tocada do ano, a polca Rato, Rato, de Casemiro Rocha e Cludio Costa, satiriza a caada aos ratos comandada pelo Dr. Oswaldo Cruz, para acabar com a peste bubnica. Oswaldo Cruz deixou a tranqilidade da direo do Instituto Manguinhos, a chamado de Rodrigues Alves, para sanear o turbulento Rio de Janeiro. Indiferentes s crticas, as autoridades seguem em frente. Dar um jeito no Rio de Janeiro a meta do Presidente Rodrigues Alves, que chamou o engenheiro Pereira Passos para a prefeitura. Pereira Passos convoca dois engenheiros, Francisco Bicalho, encarregado de reconstruir o porto, e Paulo de Frontin, que fica com o Centro. Em fevereiro, foi lanada a pedra fundamental da Avenida Central. Para constru-la, preciso derrubar casas e cortios: o bota-abaixo, com exrcitos de demolidores explodindo habitaes e removendo entulho.Vol. II pgina 6

O Rio de Janeiro no sculo XX (1906) O Rio de Janeiro fez uma rpida viagem no tempo para chegar ao sculo XX. E a nova cara da cidade surge graas a dois inimigos pblicos que se transformaram em heris. O odiado Oswaldo Cruz agora reverenciado como o exterminador das molstias tropicais. Pereira Passos, comandante do turbulento bota-abaixo, merece a admirao geral. O carioca se orgulha de viver na cidade mais linda do mundo. Os estrangeiros podem descer sem sustos no porto novo, andar pela bela Avenida do Mangue, ou contemplar as praias caladas da Avenida Beira-Mar. Mas o grande carto-postal da cidade a Avenida Central. Com quase 2 quilmetros de comprimento e 33 metros de largura, a avenida custou 46 772 contos de ris, contando despesas de demolio, Prefeitura carioca. O mundo elegante esqueceu a Rua do Ouvidor. Todo o comrcio de primeira linha de concentra nos prdios imponentes da nova avenida. E seu traado, com calamento de macadame, parece ideal para um engenho cada vez mais presente nas ruas, o automvel. Se o Rio se converte em uma metrpole brasileira que mais parecia um pedao da Europa, So Paulo tambm tenta eliminar seus ares de provncia. Remodela o Jardim da Luz, o Largo do Paissandu e constri a Avenida Tiradentes, que dar acesso a toda a zona norte da cidade.

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N0 221 O Rio expe ao mundo as riquezas de nosso pas (1908) Os cariocas, depois de deslumbrados com a remodelao da cidade efetuada pelo Prefeito Pereira Passos, assistiram incrdulos ao aparecimento de uma cidade constituda s de palacetes nos areais da Urca. Um imenso e suntuoso portal que d acesso a um mundo de maravilhas. No interior dos palacetes abrigam-se verdadeiros tesouros: os frutos da terra e os produtos da nossa indstria. A Exposio Nacional, entregue visitao pblica neste 11 de agosto, foi idealizada pelo governo Afonso Pena. Sob o pretexto de comemorar o centenrio da Abertura dos Portos do Brasil ao comrcio mundial, a exposio mostrou aos povos do mundo o melhor da produo nacional. E no faltou empenho para o xito do evento. Construram-se imponentes edifcios para abrigar os stands dos expositores; montaram-se dois restaurantes, um teatro, cervejarias e cafs, e at uma mini via frrea para o pblico se locomover em trenzinhos. Afonso Pena contou com a colaborao dos estados. So Paulo e Minas, que, compareceram com pavilhes monumentais, mas todos tiveram espao para expor suas riquezas: ouro, pedras preciosas, madeiras, tecidos, produtos agrcolas. Visitantes ilustres, como o secretrio de Estado norte-americano, embaixadores de diversos pases e homens de negcios vieram para prestigiar a festa. A Capital Federal reurbanizada tambm foi uma atrao parte. O objetivo do governo, atrair libras e dlares para o pas, foi alcanado.Vol. II pgina 19

Bibliografia 100 ANOS de Repblica: um retrato ilustrado da histria do Brasil. Vol.I (1899-1903), Vol.II (1904-1918). So Paulo, Editora Nova Cultural Ltda., 1989. BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical. Rio de Janeiro, SMCTT, 1990. DEL BRENNA, Giovanna Rosso (org.). O Rio de Janeiro de Pereira Passos: Uma cidade em questo II. Rio de Janeiro, IPP. DE LOS RIOS FILHO, Adolfo Morales. Dois Notveis Engenheiros: Pereira Passos e Vieira Souto. Rio de Janeiro, Editora A Noite, 1991. LAMARO, Srgio Tadeu de Niemeyer . Dos trapiches ao Porto: Um estudo sobre a rea porturia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentao e Informao Cultural, 1991. LENZI, Maria Isabel Ribeiro. Pereira Passos: Notas de Viagens. OLIVEIRA REIS, Jos de. O Rio de Janeiro e seus prefeitos, evoluo urbanstica da cidade. vol.3, Rio de Janeiro, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1977. PADILHA, Sylvia F. Da Cidade Velha periferia. Revista do Rio de Janeiro. V. 1, n. 1, Niteri: UFF, 1985. RUIZ, Roberto. Pereira Passos: O Reformador. Rio de Janeiro, C.D.P.- M.T., 1973. SANTOS, Noronha. Esbo histrico acerca da organizao municipal e dos prefeitos do Distrito Federal. Rio de Janeiro, Oficinas Grficas O Globo, 1945.

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