1764-6573-1-PB.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • A PODENRAO DE INTERESSES COMO SUPEDNEO VALORAO DA PROVA ILCITA NO PROCESSO DE FAMLIA

    Danilo de Andrade Ribeiro

    Gabriel Antnio G. do C. Menezes

    Sumrio: 1 Introduo; 2 O direito de famlia e a sistemtico jurdico-processual luz da Constituio Federal de 1988; 3 A prova ilcita; 4 A teoria dos princpios e a viabilidade da valorao da prova ilcita; 5 Concluso.

    Resumo: O escopo da sistemtica-jurdico processual encampada na Constituio Federal a plena efetivao dos direitos fundamentais. Deste modo, no pode a proibio da valorao da prova ilcita consubstanciar bice realizao dos ditames constitucionais, sobretudo ao se tratar dos conflitos de interesses no mago das relaes familiares. Sendo assim, por se tratar de norma jurdica de natureza principiolgica, a proibio da valorao da prova ilcita deve ser relativizada ante a coliso entre bens jurdicos de importncia capital. Para tanto, se faz imprescindvel a devida ponderao de interesses e a observncia de seus vetores de aplicao. Destarte, restar demonstrada a possibilidade de valorao da prova ilcita no processo de famlia, conforme os preceitos do neoconstitucionalismo.

    Palavras-chave: Proibio da prova ilcita; ponderao de interesses.

    1 INTRODUO

    Com o advento do ps-positivismo e, por conseguinte, da teoria dos princpios, erigindo a relativizao dos direitos reconhecidos como fundamentais, quedou-se superada a automatizao da aplicao do direito, alheia carga valorativa e finalstica de suas normas.

    Logo, resta defasada a concepo do Direito como um sistema adrede preparado para solucionar todas as controvrsias surgidas no seio social, sobretudo nas relaes intersubjetivas decorrentes dos vnculos familiares, pois a aplicao da norma jurdica deve ser plasmada nos valores imanentes ao sistema jurdico-social radicados na Constituio Federal, cuja expresso maior consiste na dignidade da pessoa humana. Assim, para a mxima efetivao dos ditames constitucionais, ante a inviabilidade da plena

  • reproduo ftica das circunstncias que circunscrevem os conflitos de interesses postos ao Estado-juiz para a sua anlise, mormente naqueles manifestados no bojo das questes familiares, terreno frtil existncia de direitos fundamentais, impende-se mitigar a vedao da valorao da prova ilcita.

    2 O DIREITO DE FAMLIA E A SISTEMTICA JURDICO-PROCESSUAL LUZ DA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988

    Como sabido, o direito possui como escopo principal a:

    [] coordenao dos interesses que se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperao entre pessoas e compor os conflitos que se verificarem entre os seus membros. A tarefa da ordem jurdica exatamente a de harmonizar as relaes sociais intersubjetivas, a fim de ensejar a mxima realizao dos valores humanos com o mnimo de sacrifcio e desgaste1.

    Nesta senda, a famlia representa a primeira expresso da organizao social, como ressaltam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, h de ver-se que:

    [] a famlia, na histria dos agrupamentos humanos o que precede a todos os demais, como fenmeno biolgico e como fenmeno social, motivo pelo qual preciso compreend-la por diferentes ngulos (perspectivas cientficas), numa espcie de paleontologia social2.

    Deste modo, nas hipteses em que interesses antagnicos se manifestam no bojo das relaes familiaristas, ante a insuficincia dos outros meios de soluo de conflitos interindividuais, se faz imprescindvel a atuao do Estado-juiz a fim de garantir a pacificao social, mediante o exerccio da jurisdio3. Com efeito, sem embargo da proteo dirigida entidade familiar, a nova ordem jurdico-constitucional objetiva sobretudo a defesa da pessoa individualmente considerada, no obstante ser membro de um determinado grupo social4. Neste diapaso, convm destacar, mais uma vez, as lies dos aludidos autores:

    [] a proteo ao ncleo familiar dever estar atrelada, necessariamente, tutela da pessoa humana, atravs dos (democrticos) princpios gerais da Lei Maior. Por isso,

    1CINTRA, Antnio Carlos Arajo; DINAMARCO, Cndido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 23 ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 25. 2FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famlias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 2. 3CINTRA, Antnio Carlos Arajo; DINAMARCO, Cndido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., 2007. 4FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., 2010.

  • desnivelar a proteo da pessoa humana, sob o argumento de proteger a instituio familiar, cometer gravssima subverso hermenutica, violando frontalmente o comando constitucional!5

    Com este sentido, tambm o esclio de Gustavo Tepedino, a saber:

    Pode-se afirmar, em propsito, que a dignidade da pessoa humana alada pelo art. 1, III, da Constituio Federal, a fundamento da Repblica, d contedo proteo da famlia atribuda ao Estado pelo art. 226 do mesmo texto maior: a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalstico da proteo estatal, para cuja realizao devem convergir todas as normas do direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de famlia, regulando as relaes mais ntimas e intensas do indivduo no social6.

    Pois bem, com o advento da Constituio Federal de 1988, o ordenamento jurdico nacional passou a compreender um novo entendimento acerca da fora normativa da Lei Fundamental, alm de reconhecer uma maior importncia normatividade dos princpios jurdicos7. A partir disto, nota-se a manifestao do ps-positivismo no ordenamento jurdico ptrio8, neste passo, convm colacionar a lio de Lus Roberto Barroso:

    [] o ps-positivismo no surge com o mpeto da desconstruo, mas como uma superao do conhecimento convencional. Ele inicia sua trajetria guardando deferncia relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idias de justia e legitimidade. O constitucionalismo moderno promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximao entre tica e Direito. Para poderem beneficiar-se do amplo instrumental do Direito, migrando da filosofia para o mundo jurdico, esses valores compartilhados por toda a comunidade, em dado momento e lugar, materializam-se em princpios, que passam a estar abrigados na Constituio, explcita ou implicitamente9.

    Ora, os princpios jurdicos constituem normas jurdicas que condensam valores10 , neste passo, h de ver-se que:

    no direito das famlias em que mais se sente o reflexo dos princpios eleitos pela Constituio Federal, que consagrou como fundamentais valores sociais dominantes. Os princpios que regem o direito das famlias no podem distanciar-se da atual concepo da famlia dentro de sua feio desdobrada em mltiplas facetas11.

    Logo, no raro que na lide - conflito de interesses qualificado pela pretenso de algum e pela resistncia de outrem12 - envolvendo relaes familiares, o embate seja pertinente

    5FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., 2010, p. 7. 6TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 372. 7BARROSO, Lus Roberto. Curso de direito constitucional contemporneo: os conceitos fundamentais e a construo do novo modelo, So Paulo: Saraiva, 2009a. 8BARROSO, Lus Roberto. Interpretao e aplicao da Constituio: fundamentos de uma dogmtica constitucional transformadora. 7. ed. rev. So Paulo: Saraiva, 2009b. 9Ibidem, p. 328. 10Ibidem. 11DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famlias. 4. ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 57. 12CARNELUTTI, Francesco apud DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 8 ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2007, v.1, p. 73.

  • valores de importncia capital, tutelados constitucionalmente13.

    Nesta senda, o Estado-juiz ao exercer a jurisdio e prestar a tutela jurisdicional, o amparo que, por obra dos juzes, o Estado ministra a quem tem razo num litgio deduzido em processo14, dever pautar o seu ofcio judicante nos postulados normativos aplicativos da ponderao, proporcionalidade e razoabilidade15.

    Para este desiderato, o Estado-juiz, em regra, dever seguir os seguintes passos: [...] o da formulao abstrata dos preceitos normativos; [] o da definio da norma para o caso concreto; [] o da execuo da norma jurdica individualizada16. Assim, na formulao em abstrato do preceito normativo que ser aplicado ao caso concreto, o rgo judicante exercer a atividade cognoscitiva:

    [] ato de inteligncia, consistente em considerar, analisar e valorar as alegaes e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questes de fato e as de direito que so deduzidas no processo e cujo resultado o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo17.

    Deste modo, a fim de garantir a probidade processual, o ordenamento jurdico brasileiro vedou o uso da prova ilcita, em todo e qualquer processo, inclusive, por bvio, no processo que envolva alguma relao de famlia18.

    Como destacam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

    A soluo alvitrada pela Carta Magna imprime um induvidoso carter tico ao uso da prova no processo, coadunando-se com a afirmao da primazia da proteo da pessoa humana em seus aspectos essenciais, tuteladas as garantias fundamentais contra a busca desvairada e obsessiva da verdade sobre certos fatos o que, se admitido, beneficiaria a parte economicamente mais forte19. (Destaques do original)

    Todavia, excepcionalmente, para a plena realizao do mister jurisdicional e garantir a tutela de um dos valores de natureza fundamental objeto do litgio, se far necessria a supresso do enunciado normativo encampado no artigo 5, LVI, da Carta Magna, cujo texto dispe que: So inadmissveis, no processo, as provas obtidas por meio ilcitos.

    Neste sentido, oportuno destacar os ensinamentos de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

    13DIAS, Maria Berenice. Op. cit., 2007. 14Ibidem, p. 104. 15VILA, Humberto. Teoria dos princpios: da definio aplicao dos princpios jurdicos. 10 ed. So Paulo: Malheiros, 2009. 16DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael, Curso de Direito Processual Civil. 2. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2008, v.2, p. 260. 17WATANABE, Kazuo. Da cognio no processo civil. 3. ed. So Paulo: Perfil, 2005, p. 67 18FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., 2010, p. 18. 19Ibidem, p. 18.

  • Com efeito, impossvel olvidar que, se de um lado esto tuteladas em sede constitucional a privacidade e a intimidade, tambm mereceram proteo da Lex Fundamentallis outros valores que podem, em situaes reais, concretas, ganhar dimenso e contornos mais elevados do que o direito de no ter contra si prova ilcita produzida, como, exemplificativamente, o direito perfilhao e integridade fsica, entre outros. Nesse ambiente, avulta a importncia da tcnica de ponderao de interesses, compreendendo que as regras e os princpios constitucionais esto organizados em um verdadeiro sistema, fatal o sacrifcio de um em respeito ao outro (cuja relevncia seja sentida no caso particular), buscando garantir a efetividade da norma que estiver em melhor sintonia com a afirmao da dignidade humana valor mximo da ordem jurdica20.

    Efetivamente, aceitao da utilizao da prova ilcita ou suas consectrias, far-se- necessria a observncia do procedimento atinente ponderao de interesses 21 . Neste sentido, convm destacar a lio de Daniel Sarmento (aps tecer algumas consideraes acerca da utilizao da prova ilcita no processo penal):

    Em outros ramos do processo, porm, onde os valores em conflito so de ordem distinta, a ponderao de interesses ora discutida parece-nos admissvel. Suponha-se, a ttulo de ilustrao, o caso de ao de destituio de ptrio poder, na qual existam provas ilcitas (e.g. gravaes clandestinas) evidenciando a prtica de abuso sexual dos genitores contra o menor. Nesta hiptese, entendemos que o direito dignidade e ao respeito do ser humano em formao, assegurado, com absoluta prioridade, pelo texto constitucional (art. 227, CF), assume peso superior que o do direito de privacidade dos pais da criana, justificando a admissibilidade do uso da prova ilcita.22

    Isto posto, para demonstrar a viabilidade da excepcional valorao da prova ilcita, afigura-se imprescindvel tecer algumas consideraes pertinentes matria probatria, bem como acerca dos postulados da ponderao, proporcionalidade e razoabilidade.

    3 A PROVA ILCITA

    Pois bem, mediante o estudo da origem do termo prova, chega-se a convico de que subjacente ideia de mecanismo de busca da verdade, a prova apresenta um elevado matiz tico, tendo em vista que, provar no consiste, simplesmente, na sinalizao de que um fato ocorreu (sentido objetivo). Evidencia, tambm, um juzo de aprovao (sentido subjetivo), que abrange aprovar e fazer aprovar. Como salienta Trcio Sampaio Ferraz Jr., probatio proveniente de probus, que em portugus adquiriu as formas de prova e probo, e destaca o mesmo autor:

    20FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., 2010, p. 20. 21Cf. SARMENTO, Daniel. A ponderao de interesses na Constituio Federal. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., 2010. 22SARMENTO, Daniel. Op. cit., 2003, p. 182.

  • Fazer aprovar significa a produo de uma espcie de simpatia, capaz de sugerir confiana, bem como a possibilidade de garantir, por critrios de relevncia, o entendimento dos fatos em sentido favorvel (o que envolve questes de justia, equidade, bem comum etc.)23.

    Desta maneira, a prova comumente entendida como o meio tico de descoberta da verdade de uma declarao. Todavia, em seu sentido jurdico, o termo prova pode ser manejado em acepes vrias, conforme preleciona Eduardo Cambi:

    Juridicamente, o vocbulo plurissignificante, j que pode ser referido a mais de um sentido, aludindo-se ao fato representado, atividade probatria, ao meio ou fonte de prova, ao procedimento pelo qual os sujeitos processuais obtm os meios de prova, ainda, ao resultado do procedimento, isto , representao que dele deriva (mais especificamente, convico do juiz)24.

    Nesta esteira, a prova o meio disposio das partes idneo a influir na convico do magistrado sobre a ocorrncia ou do no acontecimento de um determinado fato controverso em um litgio processual.

    Assim, a verdade que se almeja mediante a prova no a verdade absoluta, mas a verdade processual e a certeza a que ela conduz , em verdade, a convico do magistrado, este que tem na prova o instrumento capaz de justificar sua deciso por uma das proposies aventadas pelos sujeitos parciais do processo. Moacyr Amaral Santos afirma que provar convencer o esprito da verdade respeitante a alguma coisa25.

    Neste passo, Luiz Guilherme Marinoni e Srgio Cruz Arenhart conceituam a prova judiciria como todo meio retrico, regulado pela lei, e dirigido, dentro dos parmetros fixados pelo direito e de critrios racionais, a convencer o Estado-juiz da validade das proposies, objeto da impugnao, feitas no processo26.

    Pois bem, a prova, ao atuar com um dos pressupostos de realizao da justia, evidencia a busca da verdade como elemento inerente ao seu conceito. Logo, por meio da argumentao probatria, se criar no processo, racionalmente, a convico da verdade, que no poder estar vinculada lgica e os mtodos das cincias naturais.

    Com entendimento semelhante, Leonardo Greco afirma que:

    [...] quando se diz que a verdade do processo deve ser a mesma verdade da cincia, a

    23FERRAZ JUNIOR, Trcio Sampaio. Introduo ao estudo do direito: tcnica, deciso, dominao.4. ed. So Paulo: Atlas, 2003, p. 319. 24CAMBI, Eduardo. Direito constitucional prova. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 41. 25SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 24. ed. Atualizado por Maria Beatriz Amaral Santos Khnen. So Paulo: Saraiva, 2008, v. 2, p. 341. 26MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Prova. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, 57.

  • mais prxima possvel da verdade objetiva, no se deve alimentar a iluso de que a verdade cientfica seja absoluta. Todo conhecimento humano racional pode ser racionalmente contestado e est sujeito a ser desmentido[...]27.

    Destaca-se que, sendo que o desiderato principal do processo proporcionar ao interessado uma adequada prestao da tutela jurisdicional, o objetivo precpuo do direito de ao conceder para este indivduo a efetiva chance de influir na formao do convencimento do magistrado sobre os fatos que lhe apresenta. Contudo, isto depende de um pleno direito de se manejar do meio ideal para tanto, qual seja, o direito prova. Nesta senda, Jos Carlos Barbosa Moreira leciona que o sistema jurdico que escolhe pela mxima potencialidade do direito prova deve idear que qualquer excluso de uma das fontes desta ser sempre uma medida extraordinria, de imprescindvel justificativa, caso a caso, na premncia de tutelar direitos de maior importncia axiolgica28.

    Eduardo Cambi, por sua vez, destaca a possibilidade de utilizao de diversos outros meios de prova, alm dos constantes no Cdigo Civil, quanto se encontrarem necessrias para o esclarecimento dos fatos deduzidos em juzo, ao averbar que o artigo 5, inciso LV, da Constituio Federal agrega como ferramentas da ampla defesa todos os instrumentos a ela inerentes, sendo apenas sujeitos inadmissibilidade as provas ilcitas 29 . Neste passo, o referido autor afirma que:

    No plano infraconstitucional, a restrio da prova aos estritos limites da lei no se coaduna com a prpria sistematizao probatria presente no Cdigo de Processo Civil vigente, segundo pode-se depreender da interpretao da regra contida no art. 332, a qual prev a possibilidade de se admitirem todos os meios legais, ainda que no especificados, alm dos moralmente legtimos30.

    A livre utilizao dos meios de prova essencial para possibilitar a formao de um convencimento judicial orientado na maior potencialidade da busca pela verdade. Logo, permitir a ideia de um rol taxativo de provas criar um bice sem igual formao de decises judiciais justas. Caso contrrio, o operador do direito estaria vinculado a meios de prova defasados, visto que o direito processual no seria capaz de evoluir, no sentido de acompanhar a dinamicidade tecnolgica e cientfica. Ademais, no dado ao direito processual abrir mo de se aprimorar, ficando margem do desenvolvimento.

    27GRECO, Leonardo. O conceito de prova. In: MARINONI, Luiz Guilherme (coords.). Estudos de direito processual civil. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 366-388. 28MOREIRA, Jos Carlos Barbosa. Alguns problemas atuais da prova civil. Revista de Processo. So Paulo: Revista dos Tribunais, n. 53, 1989 29CAMBI, Eduardo. Provas Atpicas. In: MARINONI, Luiz Guilherme (coords.). Estudos de direito processual civil. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 30Ibidem, p. 328.

  • Em verdade, qualquer justificativa que objetive legitimar a representao de um rol taxativo de provas decairia ante a noo de direito prova, este que apenas pode ser abrandado em face de conflito com outras garantias fundamentais.

    Entrementes, no se pode querer a aceitao de uma prova que ofende garantias fundamentais, como, por exemplo, o contraditrio, com argumento de que no se trata de prova tpica. Destaca Eduardo Cambi, o contraditrio no essencial na constituio do documento atpico, mas indispensvel para a formao do convencimento do juiz, a fim de que a prova atpica possa ter eficcia em relao ao acertamento dos fatos da causa31.

    Sendo assim, no se pode admitir prova ilcita s por ter como fundamento o fato de se tratar de um meio de prova atpica, seja porque no tenha observado as normas que regem a sua criao, ou, simplesmente, por ser expressamente vedada pela lei. O inverso, nas hipteses em que a utilizao do instituto fosse dirigida a legitimar transgresses de direitos constitucionalmente reconhecidos, o que, com efeito, no encontraria apoio no ordenamento jurdico. Ora, o processo no pode ser um instrumento indiferente aos direitos fundamentais que no lhe tocam de forma direta e objetiva, como a integridade, a intimidade, a privacidade, a propriedade privada, a inviolabilidade do domiclio, o sigilo dos meios de comunicao e a prpria dignidade da pessoa humana.

    Neste passo, compreendendo o direito prova como uma necessidade do processo e pressuposto da satisfao de diretos constitucionais de importncia capital, no seria custoso inferir a viabilidade de se emprestar ao juiz a capacidade de valorar toda e qualquer prova suscetveis sua atuao, tendo ela se originado conforme o direito ou no.

    Todavia, convm dar ressaltar a lio de Devis Enchadia, citado por Olvdio Arajo Baptista da Silva:

    [...] o processo civil no um campo de batalha no qual fosse permitido a cada contendor o emprego de todos os meios teis e capazes de conduzir ao triunfo sobre o inimigo; ao contrrio, o processo civil instrumento destinado a tornar efetiva a observncia e aplicao da lei e, em certos casos, organizado para a soluo de conflitos legais de tal modo que seu emprego deve ser feito segundo padres juridicamente vlidos e legtimos, no sendo admissvel que o magistrado tanto no processo penal quanto no de qualquer outra natureza se valha de expedientes e mtodos ilegais, ou moralmente reprovveis, para assegurar o imprio da lei e do direito, movido pelo falso e universalmente recusado princpio de que o fim justifica todos os meios32.

    31CAMBI, Eduardo. Op. cit., 2005, p. 332. 32ECHANDIA, Decis apud SILVA, Ovdio Arajo Baptista da. Curso de processo civil: processo de

  • Logo, so ilcitas as provas obtidas em descompasso com as normas jurdicas decorrentes dos direitos materiais. A ilicitude praticada no mbito do direito substancial reflete no mbito processual, assim, em regra, a prova ser considerada como inutilizvel.

    O art. 5 da Constituio Federal, inciso LVI dispe que: so inadmissveis, no processo, as provas obtidas por meios ilcitos.

    Neste passo, o constituinte compreendeu que no basta apenas criar sanes para coibir que a transgresso de direitos com o fito de produzir provas, mas, tambm, em negar eficcia processual s provas alcanadas em detrimento desses direitos. Assim, consoante as lies de Luiz Guilherme Marinoni e Srgio Cruz Arenhart, o dispositivo constitucional supramencionado no almeja tutelar o direito material nas obtenes de provas, uma vez que isso j est expressamente consolidado em normas especficas, mas, sim, to somente retirar a eficcia dessas provas no processo33.

    Veja-se que, a proibio de utilizao das provas ilcitas no guarda vinculo direto com a garantia da mxima efetividade da atividade probatria, em verdade, no fosse a ofensa ao direito material, no se poderia impedir a eficcia de tais provas, porquanto jungidas na busca pela verdade.

    No que tange possibilidade de utilizao das provas ilcitas, so quatro as correntes doutrinrias bem delineadas que so dignas de destaque: a primeira aceita a prova ilcita, desde que embutidas no processo em consonncia com as normas processuais; a segunda no tolera qualquer exceo sua total vedao; a terceira, derivao da anterior, proibida a utilizao de tais provas apenas quando viola normas de carter constitucional; e, por fim, a quarta corrente dispe que, no obstante se manifestar contra a utilizao das provas ilcitas, vale-se do princpio da proporcionalidade para relativizar a vedao constitucional.

    Neste sentido, se faz oportuno colacionar as lies de Gustavo Bohrer Paim ao esquematizar bem essas teorias:

    A primeira corrente no permite to-somente a prova ilegtima, eis por que afronta o ordenamento processual, aceitando a prova ilcita, quando validamente introduzida no processo. Sustenta essa teoria, que a prova somente pode ser afastada se o prprio ordenamento processual assim o determinar, devendo-se admitir a prova ilcita validamente introduzida, punindo-se, contudo, quem agir contra ius. Da porque dizer que a prova ilcita que no seja tambm ilegtima deva ser validada, sem prejuzo de sano ao responsvel pela ilicitude. o princpio do male captum, bene retentum. Essa posio rejeitada pela doutrina moderna visto que incentivaria a

    conhecimento, 5. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. 1, p. 356. 33MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 6. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 2, p. 387.

  • prtica de atos ilcitos pelos agentes pblicos. A segunda corrente considera inadmissvel a prova ilcita em razo da viso unitria do ordenamento jurdico. Para seus defensores, no se pode admitir a prova mesmo que no viole norma processual, pois a ilicitude conceito geral do direito, contaminando todo o ordenamento, e no apenas o direito material, sendo ineficaz tambm no plano processual. A terceira teoria, melhor fundamentada, no admite as provas obtidas ilicitamente, tendo em vista o prisma constitucional, pois estar-se-ia violando norma constitucional, como a liberdade, a honra, a privacidade e at mesmo a dignidade da pessoa humana. Uma prova colhida com a infringncia de direitos fundamentais do indivduo seria uma prova inconstitucional, devendo ser proibida mesmo que no seja ilegtima, advindo a vedao das normas constitucionais. Finalmente, destaca-se a quarta corrente, que como regra no admite as provas ilicitamente obtidas, mas, excepcionalmente, adotando o princpio da proporcionalidade do direito alemo (semelhante razoabilidade prevista no direito norte-americano), permite a sua utilizao, desde que seja a nica forma possvel e razovel para proteger outros valores fundamentais e tidos como mais urgentes na concreta avaliao do julgador. Abranda-se a proibio em casos excepcionalmente graves e quando a prova ilcita for a nica a ser produzida com o objetivo de tutelar outros direitos constitucionalmente valorados, verificando-se a proporcionalidade entre a infringncia norma e os valores que a produo da prova possa proteger pela via processual34.

    Afigura-se patente, como j salientado pelo citado autor, o carter superior da ltima corrente, porquanto o princpio da proporcionalidade j se encontra integrado no ordenamento jurdico ptrio como metanorma que direciona a aplicao das normas jurdicas que o compem35. Deste modo, convm destacar a viabilidade da utilizao da prova ilcita nas contendas atinentes ao direito de famlia sob o lume da teoria dos princpios, uma vez que o enunciado normativo encampado no artigo 5, LVI, da Constituio Federal expressa, em verdade, um princpio jurdico. Todavia, para tanto, faz-se necessrio tecer algumas consignaes acerca da teoria dos princpios.

    4 A TEORIA DOS PRINCPIOS E A VIABILIDADE DA VALORAO DA PROVA ILCITA

    Como cedio, com o advento da Constituio Federal de 1988, o ordenamento jurdico brasileiro assimilou uma nova concepo acerca da normatividade da Carta Magna e dos princpios jurdicos, e isto se deu em virtude do desenvolvimento do neoconstitucionalismo36, como destaca Dirley da Cunhar Jr.:

    34PAIM, Gustavo Bohrer. A garantia da licitude das provas e o princpio da proporcionalidade no direito brasileiro. In: PORTO, Srgio Gilberto (org.). As garantias do cidado no processo civil: relaes entre constituio e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, 176-177. 35VILA, Humberto. Op. cit., 2009. 36Cf. CUNHA JNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. Salvador: Editora Jus Podivm, 2008; BARROSO, Lus Roberto. Op. cit., 2009a.

  • O neoconstitucionalismo, ou o novo direito constitucional como tambm conhecido, destaca-se, nesse contexto, como uma nova teoria jurdica a justificar a mudana de paradigma, de Estado Legislativo de Direito, para Estado Constitucional de Direito, consolidando a passagem da Lei e do Princpio da Legalidade para a periferia do sistema jurdico e o trnsito da Constituio e do Princpio da Constitucionalidade para o centro de todo o sistema, em face do reconhecimento da Constituio como verdadeira norma jurdica, com fora vinculante e obrigatria, dotada de supremacia e intensa carga valorativa. 37 (Destaques e grifos do original)

    Efetivamente, a partir deste novo direito constitucional, a Constituio foi trasladada para o cerne do sistema jurdico, onde os seus ditames, isto , suas regras e, principalmente, seus princpios, passaram a figurar como paradigma de validade de todo o ordenamento jurdico, servindo-lhe como vetor interpretativo 38 . Como salienta Paulo Bonavides, as novas Constituies promulgadas acentuam a hegemonia axiolgica dos princpios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifcio jurdico dos novos sistemas constitucionais.39

    Pois bem, inobstante representarem espcies de normas jurdicas, j assente a distino entre regras e princpios40. Ora, nos dizeres de Ronald Dworkin, as regras so aplicveis maneira do tudo-ou-nada41, o mesmo no podendo ser dito acerca da sua congnere normativa, veja-se:

    Os princpios possuem uma dimenso que as regras no tm a dimenso do peso ou importncia. Quando os princpios se intercruzam [], aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a fora relativa de cada um. Esta no pode ser, por certo, uma mensurao exata e o julgamento que determina que um princpio ou uma poltica particular mais importante que outra frequentemente ser objeto de controvrsia42.

    Nesta senda, impe-se o registro das lies de Robert Alexy, que ao esmerar-se nas lies de Dworkin, e constatar a insuficincia da maioria dos critrios diferenciadores entre tais espcies normativas43, averba que:

    [] princpios so normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possvel dentro das possibilidades jurdicas e fticas existentes. Princpios so, por conseguinte, mandamentos de otimizao, que so caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfao no depende somente das possibilidades fticas, mas tambm das possibilidade jurdicas. O mbito das possibilidades jurdicas determinado pelos princpios e regras colidentes.

    37CUNHA JNIOR, Dirley da. Op cit., 2008, p. 33. 38BARROSO, Lus Roberto. Op. cit., 2009b. 39BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 264. 40ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Traduo de Virglio Afonso da Silva. So Paulo: Malheiros, 2008 41DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a srio. Traduo de Nelson Boeira. 3 ed. So Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 39. 42Ibidem, p. 42. 43ALEXY, Robert. Op. cit., 2008.

  • J as regras so normas que so sempre ou satisfeitas ou no satisfeitas. Se uma regra vale, ento, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contm, portanto, determinaes no mbito daquilo que ftica e juridicamente possvel. Isso significa que a distino entre regras e princpios uma distino qualitativa, e no uma distino de grau. Toda norma ou uma regra ou um princpio44. (Destaques do original)

    Destarte, denota-se o carter principiolgico do enunciado normativo do artigo 5, LVI, da Constituio Federal, vez que no incide de maneira peremptria, pois se relativiza ante a coliso entre bens jurdicos de demasiada importncia, como se constata quando da sua aplicao no ramo do Direito Processual Penal45.

    Assim, torna-se claro que a problemtica acerca da proibio da utilizao da prova ilcita expressa uma coliso entre princpios jurdicos. Pois, enquanto o conflito entre as regras jurdicas situa-se na esfera da validade, da coerncia dentro do ordenamento jurdico, o embate entre princpios encontra-se no mbito do peso, da importncia da norma jurdica no seu sistema46.

    Neste passo, a fim de solver tal divergncia, impende-se a utilizao dos chamados postulados normativos aplicativos47 , normas imediatamente metdicas que instituem os critrios de aplicao de outras normas situadas no plano do objeto da aplicao48. Pois, nos termos do esclio de Humberto vila, in verbis:

    A compreenso do Direito pressupe tambm a implementao de algumas condies. Essas condies so definidas como postulados normativos aplicativos, na medida em que se aplicam para solucionar questes que surgem com a aplicao do Direito, especialmente para solucionar antinomias contingentes, concretas e externas: contingentes, em vez de necessrias, porque surgem ocasionalmente diante de cada caso; concretas, em vez de abstratas, porque surgem diante de um problema concreto; e externas, em vez de internas, porque no surgem em razo de conflitos internos ao ordenamento jurdico, mas decorrem de circunstncias externas a ele49.

    Logo, para viabilizar a aplicabilidade da prova obtida ilicitamente, convm destacar trs postulados normativos, quais sejam, a ponderao, a razoabilidade e a proporcionalidade50. O primeiro consiste no mtodo destinado a atribuir pesos a elementos que se entrelaam, sem referncia a pontos de vista materiais que orientem esse sopesamento51, ao passo que os dois ltimos lhes serviro de elementos balizadores, uma vez que visam, respectivamente: a

    44ALEXY, Robert. Op. cit., 2008, p. 90-91. 45GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antnio Scarance; GOMES FILHO, Antnio Magalhes. As nulidades no processo penal. 9 ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. 46Cf. ALEXY, Robert. Op. cit., 2008; DWORKIN, Ronald. Op. cit., 2010. 47VILA, Humberto. Op. cit., 2009. 48Ibidem, p. 124. 49Ibidem, p. 136-137. 50Ibidem. 51Ibidem, p. 145.

  • correspondncia entre as normas gerais e as especificidades do caso ao qual sero aplicadas, sob um liame de referncia entre aquelas e o plano ftico, a fim de demonstrar um vnculo de igualdade entre duas grandezas 52 ; a verificao do ato do poder pblico (leis, atos administrativos ou decises judiciais) quanto aos seguintes aspectos: adequao (ou utilidade), necessidade (ou exigibilidade) e proporcionalidade em sentido estrito53.

    Neste ensejo, convm destacar a lio de Luiz Guilherme Marinoni e Srgio Cruz Arenhart, ao salientarem a possibilidade da realizao da ponderao com o fito de permitir a utilizao da prova ilcita:

    No se pretende negar que art. 5, LVI, da CF realizou uma ponderao entre a efetividade da proteo do direito material e o direito descoberta da verdade. Mas preciso evidenciar que, tratando-se de processo civil, incontestvel a possibilidade de uma segunda ponderao, a ser feita no caso concreto. Por meio dessa ponderao, o juiz poder admitir eficcia prova ilcita []54.

    Assim, utilizao da ponderao faz-se indispensvel a observncia de trs etapas, a saber:

    A primeira delas a da preparao da ponderao []. Nessa fase devem ser analisados todos os elementos e argumentos, o mais exaustivamente possvel. [] A segunda etapa a da realizao da ponderao [], em que se vai fundamentar a relao estabelecida entre os elementos objeto de sopesamento. [] A terceira etapa a da reconstruo da ponderao [], mediante a formulao de regras de relao, inclusive de primazia entre os elementos objeto de sopesamento, com a pretenso de validade para alm do caso55. (Destaques do original)

    Sucessivamente, a fim de garantir a idoneidade e probidade do mecanismo da ponderao, vez que sua utilizao sem um vetor de orientao, poderia desvirtuar a sua realizao56, ante a inexistncia de referncias materiais ou axiolgicas para a valorao a ser feita57, deve-se atrelar a observncia dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade58.

    Neste passo, os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade atuam como diretrizes de aplicao da ponderao, a fim de obstar que esta se torne instrumento de arbtrio nas mos dos magistrados59. Assim, estes devero observar os critrios inerentes aos dois primeiros postulados, para realizar uma ponderao idnea soluo do conflito em tratativa.

    Desta forma, convm destacar dois dos preceitos congnitos razoabilidade60. O primeiro

    52VILA, Humberto. Op. cit., 2009. 53CUNHA JNIOR, Dirley da. Op. cit., 2008, p. 220. 54MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Op. cit., 2009, p. 251. 55VILA, Humberto. Op. cit., 2009, p. 146-147. 56Cf. VILA, Humberto. Op. cit., 2009; BARROSO, Lus Roberto. Op. cit. 2009b. 57BARROSO, Lus Roberto. Op. cit., 2009b, p. 363. 58Cf. VILA, Humberto. Op. cit., 2009; BARROSO, Lus Roberto. Op. cit, 2009b. 59BARROSO, Lus Roberto. Op. cit, 2009b. 60VILA, Humberto. Op. cit., 2009.

  • consiste no critrio de equidade61, determina que o rgo judicante analise se a norma que destaca a ilicitude da prova verdadeiramente eficaz na proteo do direito fundamental objeto da futura tutela jurisdicional. Por sua vez, o segundo preceito, o dever de congruncia62, consigna que seja verificado se a proibio do manejo da prova (a medida realizada) encontra apoio no plano ftico, objetiva, precipuamente, impedir que se conceda eficcia aos anacronismos legais, por exemplo, no seria razovel afastar a possibilidade de utilizao das fotografias digitais, tecnologia mais utilizada na atualidade para obteno de imagens, apenas pelo fato do Cdigo de Processo Civil reclamar que sejam acostados aos autos os negativos das fotografias para a sua devida valorao como meio de prova.

    Por sua vez, o postulado da proporcionalidade, consoante os ensinamentos de Paulo Bonavides:

    [] trata-se daquilo que h de mais novo, abrangente e relevante em toda a teoria do constitucionalismo contemporneo; princpio cuja vocao se move sobretudo no sentido de compatibilizar a considerao das realidades no captadas pelo formalismo jurdico, ou por este marginalizadas, com as necessidades atualizadoras de um Direito Constitucional projetado sobre a vida concreta e dotado da mais larga esfera possvel de incidncia fora, portanto, das regies tericas, puramente formais e abstratas63.

    Nesta trilha, se impe a averiguao de seus trs critrios orientadores, quais sejam: Adequao (ou utilidade) E (sic) aquele que exige que as medidas adotadas pelo poder pblico se apresentem aptas para atingir os fins almejados. [] Necessidade (ou exigibilidade) Em razo deste subprincpio, impe-se que o poder pblico adote, entre os atos e meios adequados, aquele ou aqueles que menos sacrifcios ou limitaes causem aos direitos fundamentais. [] Proporcionalidade em sentido estrito Em face deste subprincpio, deve-se encontrar um equilbrio entre o motivo que ensejou a atuao do poder pblico e a providncia por ele tomada na consecuo dos fins visados. Impe-se que as vantagens que a medida adotada trar superem as desvantagens64. (Destaques do original)

    Portanto, para viabilizar a valorao da prova ilcita, aps a realizao da devida ponderao, e observado as diretrizes da razoabilidade, sob a perspectiva da proporcionalidade, faz-se imprescindvel que: a uma, seja ela um meio idneo a conferir efetivao ao direito objeto do litgio; a duas, a valorao e admissibilidade de tal prova consista no nico meio apto a garantir a efetividade do processo; a trs, o direito material que vir a ser tutelado a partir da valorao da prova ilcita seja de importncia superior do que o daquele da parte prejudicada.

    61VILA, Humberto. Op. cit., 2009. 62Ibidem. 63BONAVIDES, Paulo. Op. cit., 2008, p. 434. 64CUNHA JNIOR, Dirley da. Op. cit., 2008, p. 220.

  • Ademais, convm destacar que todo o procedimento relativo a ponderao, sem embargo da observncia dos vetores orientadores da razoabilidade e proporcionalidade, ser acompanhado de uma acentuada argumentao, a fim de garantir a sua mxima racionalidade e viabilidade65, assim:

    [] poder-se- abandonar qualquer simplismo na argumentao jurdica, quer no sentido de reduzir o raciocnio jurdico pura lgica ou pura interpretao literal, quer no sentido de circunscrever a atividade interpretativa ao mero decisionismo ou simples ponderao de valores de natureza inexplicada66.

    Neste passo, h de ver-se a plena viabilidade da utilizao da prova ilcita nas aes familiaristas como ultima ratio proteo do interesse que restar considerado de maior importncia. Como destacam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

    A regra, pois, deve ser a inadmissibilidade da prova ilcita, em face das garantias constitucionais. Excepcionalmente, quando necessria a preservao de bem jurdico de maior realce, em respeito dignidade humana (valor maior da ordem jurdica ptria), possvel permitir a utilizao da prova ilcita, a partir da ponderao dos interesses concretamente colidentes67. (Destaques do original)

    Ante o exposto, resta perfeitamente vivel a utilizao da prova ilcita nas aes familiaristas, conquanto como ltima alternativa. Para tanto, se faz imprescindvel a realizao da devida ponderao de interesses, balizada pelos vetores da razoabilidade e proporcionalidade.

    Nesta trilha, oportuna a concluso de Lus Roberto Barroso:

    O ps-positivismo uma superao do legalismo, no com recurso a idias metafsicas ou abstratas, mas pelo reconhecimento de valores compartilhados por toda a comunidade. Esses valores integram o sistema jurdico, mesmo que no positivados em um texto normativo especfico. Os princpios expressam os valores fundamentais do sistema, dando-lhe unidade e condicionando a atividade do intrprete. Em um ordenamento jurdico pluralista e dialtico, princpios podem entrar em rota de coliso. Em tais situaes, o intrprete, luz dos elementos do caso concreto, da proporcionalidade e da preservao do ncleo fundamental de cada princpio e dos direitos fundamentais, procede a uma ponderao de interesses. Sua deciso dever levar em conta a norma e os fatos, em uma interao no formalista, apta a produzir a soluo justa para o caso concreto, por fundamentos acolhidos pela comunidade jurdica e pela sociedade em geral68.

    Sendo assim, no h falar-se em vedao peremptria valorao da prova ilcita, uma vez que tal circunstncia consubstanciaria mcula ao prprio Estado Democrtico de Direito.

    5 CONCLUSO

    65VILA, Humberto. Argumentao jurdica e a imunidade do livro eletrnico. Revista de Direito Tributrio. So Paulo: Malheiros, 2001, n. 79. 66

    Ibidem, p. 166. 67FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., 2010, p. 21-22. 68BARROSO, Lus Roberto. Op. cit., p. 340.

  • Nestes termos, h de concluir-se que a possibilidade da valorao da prova ilcita, mormente nos processos relativos s relaes familiaristas, representar a plenitude dos preceitos do neoconstitucionalismo, prprio do ps-positivismo, donde a aplicao do direito deve ser sempre acompanhada por uma leitura axiolgica dos institutos jurdicos, a fim de seguir a dinamicidade social e garantir a efetiva proteo ao valor dirigente de todo o ordenamento jurdico ptrio, qual seja, a dignidade da pessoa humana.

    REFERNCIAS

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Traduo de Virglio Afonso da Silva. So Paulo: Malheiros Editores, 2008.

    VILA, Humberto. Teoria dos princpios: da definio aplicao dos princpios jurdicos. 10. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2009.

    ______. Argumentao jurdica e a imunidade do livro eletrnico. Revista de Direito Tributrio (RDTributrio). n. 79. p. 163-183. So Paulo: Malheiros Editores, 2001.

    BARROSO, Lus Roberto. Curso de direito constitucional contemporneo: os conceitos fundamentais e a construo do novo modelo. So Paulo: Saraiva, 2009a.

    ______. Interpretao e aplicao da Constituio: fundamentos de uma dogmtica constitucional transformadora. 7. ed. rev. So Paulo: Saraiva, 2009b.

    CAMBI, Eduardo. Direito constitucional prova. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

    ______. Provas Atpicas. In: MARINONI, Luiz Guilherme (coords.). Estudos de direito processual civil. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 328-336.

    CINTRA, Antnio Carlos Arajo; DINAMARCO, Cndido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 23. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2007.

    CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008.

    DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famlias. 4. ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

    DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2007, v.1.

    DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito

  • processual civil. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2008, v.2.

    DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a srio. Traduo de Nelson Boeira. 3. ed. So Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.

    FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famlias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

    FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introduo ao estudo do direito: tcnica, deciso, dominao. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2003.

    GRECO, Leonardo. O conceito de prova. In: MARINONI, Luiz Guilherme (coords.). Estudos de direito processual civil. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 366-388.

    GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antnio Scarance; GOMES FILHO, Antnio Magalhes. As nulidades no processo penal. 9. ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

    MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Prova. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

    ______. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 6. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 2.

    MOREIRA, Jos Carlos Barbosa. Alguns problemas atuais da prova civil. Revista de Processo. So Paulo: Revista dos Tribunais, n. 53, 1989, p. 122-133.

    PAIM, Gustavo Bohrer. A garantia da licitude das provas e o princpio da proporcionalidade no direito brasileiro. In: PORTO, Srgio Gilberto (org.). As garantias do cidado no processo civil: relaes entre constituio e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 165-190.

    SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 24. ed. Atualizado por Maria Beatriz Amaral Santos Khnen. So Paulo: Saraiva, 2008, v. 2.

    SARMENTO, Daniel. A ponderao de interesses na Constituio Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

    SILVA, Olvdio Arajo Baptista da. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 5. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. 1.

    TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

    WATANABE, Kazuo. Da cognio no processo civil. 3. ed. So Paulo: Perfil, 2005.