182471365 o Homem de Desejo

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    O HOMEM DE DESEJO

    Por

    Louis Claude de Saint Martin

    Traduo:

    Sociedade das Cincias Antigas

    Apresentao

    Louis Claude de Saint- Martin, o "Filsofo Desconhecido", pensador profundo egrande iniciado, nasceu a 18 de janeiro de 1743 em Amboise, Tourraine, no centro

    da Frana, no seio de uma famlia nobre, mas pouco abastada e desconhecida.Logo depois do nascimento de Saint- Martin, sua me faleceu, e ele foi criado pelopai e por uma madrasta, pessoa amvel e de bom corao, que o iniciou na leiturade Jacques Abbadie, ministro protestante de Genebra. Com esse autor, aprendeu

    a conhecer a si mesmo, relegando a um plano secundrio a anlise decepcionante

    e estril dos filsofos em voga na poca.

    " obra de Abbadie, A Arte de Conhecer a Si Mesmo, que devo meuafastamento das coisas mundanas; a Burlamaqui que devo minha inclinaopelas bases naturais da razo; a Martinez de Pasquallys que devo meu ingresso

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    nas ver dades superiores; a Jacob Boheme que devo meus passos maisimportantes nos caminhos da Verdade."

    Outro autor que influenciou o Filsofo Desconhecido desde sua juventude foi

    Pascal. Aos 18 anos, em meio s discusses filosficas dos livros que lia, deu -seconta de que, existindo o Criador do Universo e uma alma, nada mais seria

    necessrio para ser sbio. Foi com base nessas concepes que fundou suadoutrina posterior. Na poca de seus estudos no Colgio de Pontlevoi, oOcultismo j fazia parte de suas meditaes. Na Faculdade, igualmente, eram osestudos metafsicos que o atraam. Estudou Direito conforme a vontade de seupai, e esse ambiente proporcionou- lhe maior contato com o mundo filosfico e

    literrio da poca. Conheceu as obras de Voltaire, Rousseau , Montesquieu eoutros autores no iniciados, mas sem ceder inclinao dos enciclopedistas. "Li,vi e escutei os filsofos da matria e os doutores que devastam o mundo comsuas instrues; nenhuma gota de seus venenos penetrou -me; nem as mordidasde uma s dessas serpentes prejudicaram -me."

    O jovem estudante procurava tudo o que pudesse conduzi-lo ao conhecimento da

    Verdade, particularmente as cincias e princpios exatos. Dedicou -se assim aoestudo filosfico dos nmeros e, por algum tempo, esteve ligad o a Lalande e suaescola filosfica, sintetizada em Cincia dos Nmeros. Esse convvio, entretanto,no foi longo, pois seus pontos de vista eram divergentes e nosso Filsofo passoua estudar Jean Jacques Rousseau. Como ele, pensava ser o homem naturalmente

    bom; mas entendia que as virtudes perdidas originalmente, em razo da Queda,poderiam, ser reconquistadas desde que o homem o desejasse ardentemente.

    Acreditava que o naufrgio no materialismo era conseqncia mais das

    associaes viciosas e desvirtuadas do que do pecado original. E, nisso, afirma-nos seu discpulo Gence, ele se diferenciava de Rousseau, a quem consideravaum misantropo por sua excessiva sensibilidade, ao olhar os homens, no comoeram, mas como gostaria que fossem.

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    Saint-Martin amava a humanidade e considerava-a melhor do que parecia ser; e o

    encanto da sociedade da poca levou nosso Filsofo a pensar que a vivncia nasrodas sociais poderia lev -lo ao melhor conhecimento do homem e conduzi- lo intimidade mais perfeita com os seus princpios. Assim, agiu conforme seupensamento: freqentou os saraus musicais e toda sorte de recreaes da altanobreza, desde os passeios ao campo at as conversas com amigos; os atos degentileza eram a manifestao de sua prpria alma.

    "Foram de sua intimidade as pessoas da mais alta classe, dentre as quais

    podemos citar o Marqus de Lusignan, o Marechal de Richelieu, o Duque deOrlans, a Duquesa de Bourbon, o Cavaleiro de Fouflers e tantos outros que seria

    longo enumerar. Devotou- se inteiramente busca da Verdade e prtica dasVirtudes, que foram o objeto constante de seus estudos, dos seus trabalhos e das

    suas realizaes."

    Iniciado, pois, no estudo das leis e da jurisprudncia, aplicou -se mais pesquisadas bases naturais da Justia, relegando a um plano secundrio as regras da

    jurisprudncia. Paralelamente, desenvolvia seus estudos sobre os mistriosocultos e logo descobriu que no poderia dedicar -se inteiramente magistratura,como desejava sua famlia. No encontrando sua vocao no Direito, aband onoua magistratura que exerceu em Tours durante seis meses. Alistou-se aos 22 anos

    de idade no Regimento de Foix, ento aquartelado em Bordeaux, onde podeencontrar mais tempo para dedicar-se ao estudo do Ocultismo, que era sua

    verdadeira vocao. Aps ter lido os autores mais em evidncia no gnero,procurou a iniciao de uma maneira mais efetiva.

    Foi graas a um colega do Regimento, Grainville, que bateu s portas do Templo.Grainville era iniciado em uma sociedade oculta muito importante, cujo chefe era

    Martinez de Pasquallys. Este era casado com uma sobrinha do major,

    comandante do Regimento, que se encontrava na mesma cidade de residncia deMartinez. A Escola de Pasquallys, seu iniciador nas prticas tergicas, era aOrdem dos Elus Cohens do Universo (Sacerdotes Eleitos), revigorada mais tarde

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    Iniciao pde receber de seu primeiro mestre, com o qual permaneceu cincoanos. Soube reconhecer mais tarde sua grandeza (porque bom que s e afirmeque Martinez de Pasquallys foi um adepto de grande iluminao).

    "Havia coisas preciosas em nossa primeira Escola", relata Saint-Martin a seu

    discpulo Kircheberger. "Sou mesmo induzido a pensar que o Sr. Martinez dePasquallys, que era nosso mestr e, possua a chave ativa referente a tudo o quenosso prezado Jacob Boheme expe em suas teorias, mas no julgava quefssemos capazes de entender to altas verdades, naquela poca. Ele erasabedor de alguns pontos que nosso amigo Boheme no conhecia, ou p elo menosno revelou, como a resipiscncia do ser perverso , contra o qual o primeiro

    homem teria tido a misso de trabalhar... Quanto Sofia e ao Rei do Mundo, elenada nos revelou, deixando- nos com as noes comuns de Maria e do Demnio.Mas no afirmarei que ele no teve conhecimento delas e estou convicto de quechegaramos a esse conhecimento, se o tivssemos conosco por mais tempo..."

    Saint- Martin nunca concordou com a iniciao realizada fora do silncio e darealidade invisvel, que chamava de cent ro ou via interior. Para ele, o interior deveser o termmetro, a verdadeira pedra de toque do que se passa fora... ; e o estudoda Natureza exterior s teria sentido se conduzisse senda interior, ativa. Esseestudo poderia, pois, ser til na medida em que conduzisse Verdade, mas aIniciao, explicava ele a Kircheberger, deve agir no ser central.

    "No lhe ocultarei que anteriormente entrei nesse caminho externo, e atravs deleme foi aberta a porta de minha carreira. Meu condutor era um homem de muitas

    virtudes ativas, e a maioria daqueles que o seguiram, inclusive eu, receberam

    confirmaes que talvez tenham sido teis para nossa instruo edesenvolvimento. Todavia, em todos os instantes, eu sentia forte inclinao para ocaminho intimamente secreto, o externo nunca me seduziu, nem em minha

    juventude."

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    Entendia Saint- Martin que todo o aparato exterior no era necessrio paraencontrar Deus e que, ao contrrio, em muitas ocasies dificultava essa busca.Discordava das numerosas e freqentes comunicaes sensveis de todos ostipos, manifestadas nos trabalhos de que tomava parte na sua primeira Escola,

    embora o signo do Reparador sempre estivesse presente, manifestando a ao daCausa Ativa e Inteligente no mundo objetivo. Afirmava, no entanto, que sua senda

    interior, desenvolvida depois, proporcionava-lhe resultados mil vezes superiores

    aos produzidos pela senda que denominava exterior e que era preconizada por

    Pasquallys.

    Afirmava, no entanto, e bom repetir, que deveria haver trabalhos internos da

    Orde m que no lhes foram transmitidos por causa de sua curta passagem pelosistema e por no terem ainda passado pelos estgios iniciais. O Mestre nopoderia ter agido de modo diferente, revelando- lhes os mistrios de ordem maiselevada. Acreditava, ademais, que os Princpios Divinos poderiam mesmo nascernaquele sistema, mas os trabalhos para esse efeito deveriam ser mais secretos;

    isso teria certamente ocorrido se tivesse trabalhado mais alguns anos com

    Pasquallys.

    No apenas Saint -Martin discordava do sistema de Martinez, uma vez que osresultados no se produziam de imediato; todos os discpulos reclamavamresultados espirituais que, em verdade, dependiam deles prprios. Willermozparece ter sido o primeiro a manifestar a Saint-Martin seu descontentamento no

    que dizia respeito ao desenvolvimento das faculdades adormecidas do ser

    humano; o que constatamos atravs da leitura de uma carta endereada porSaint- Martin, do Oriente de Bordeaux, com data de 25 de maro de 1771.

    "Quanto confiana que vos dignais a testemunhar-me, abrindo-me semescrpulos vosso pensamento sobre nossas cerimnias, no me compete, tendoem vista nossa dignidade, fazer qualquer observao a respeito; e, diante de meu

    juiz, eu s deveria escutar e calar. Entretanto, as disposies puras que trazeis Sabedoria fazem- me supor que podereis perdoar -me antecipadamente se ouso

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    acrescentar, s vossas, algumas idias prprias. Procuro, como vs, esclarecer -me... Confesso que o objetivo que buscamos na iniciao parece -me muito difcilde ser atingido.

    Acredito que, mesmo nos encontrando nas melhores condies, quando todas ascerimnias so empregadas com a maior regularidade, a Coisa pode aindaguardar seu vu para ns tanto quanto quiser; ela est to pouco disposio dohomem que ele no pode, jamais, apesar de seus esforos, estar certo de obt -la.Ele deve esperar e orar sempre, eis nossa condio. O esprito conduz seu soproonde quer, quando quer, sem que saibamos de onde vem e para onde vai... Se o

    poder no se manifesta agora, ele poder ocorrer mais tarde; se no se opera

    pela viso, ele prepara a forma daquele que se mantm puro para receber asimpresses salutares, quando o esprito assim quiser. No atribuais, ento, oestado em que vos encontrais a algum problema de vossa parte ou invalidadedas cerimnias."

    Willermoz procurava obter por carta maiores esclarecimentos acerca dos

    problemas que iam surgindo no transcorrer de sua jornada inicitica. Pelo queconstatamos, os resultados prticos da iniciao no apareciam to rapidam entecomo os discpulos desejavam. Era necessrio muito trabalho, como em qualquersistema de iniciao, para que surgisse alguma manifestao de aprimoramentoespiritual.

    A correspondncia entre Saint -Martin e Willermoz, iniciada em 1768, estendeu-seat 1773. Em 1771, Saint-Martin abandonou a carreira militar para dedicar-seexclusivamente ao Ocultismo. Durante dois anos empregou todo o tempo

    disponvel para trabalhar ao lado do mestre; foi durante esse perodo que sefamiliarizou com a ritualstica dos Cohens e com a doutrina de Martinez, bemcomo com todas as suas prticas iniciticas.

    Partiu de Bordeaux em maio de 1773, na ocasio em que Martinez preparava -separa viajar para as Antilhas. Antes de se despedir, entretanto, Saint-Martin foi

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    recebido no ltimo grau dos Cohens, aquele de Raux -Croix, como atesta umacarta de Martinez, datada de 17 de abril de 1772: "Aps ter examinado ereexaminado os candidatos Saint- Martin e Seres, por nossa votao ordinria eem conseqncia das ordens que recebemos, ns os ordenamos Raux -Croix..."

    Em 1773, finalmente, Saint- Martin conheceu Willermoz, em Lyon, aps teremtrocado correspondncia durante cinco anos. Seu crculo de amizade limitava -seaos irmos da Ordem: Granville, Balzac, Hauterive, Bacon de la Chevalerie , o

    Abade Fournier e Willermoz. Permaneceu um ano em Lyon, seguindo para sua

    cidade natal e, posteriormente, para Paris. Em abril de 1785, Willermoz obteve

    sucesso com suas operaes: a " Coisa ativa e inteligente " finalmente mostrou-se

    aos homens.

    Saint-Ma rtin, sabendo da notcia, partiu de Paris em junho do mesmo ano, comdestino a Lyon, levando consigo uma bblia em hebraico e um dicionrio, paraentreter-se na viagem. Ficou seis meses em Lyon, partindo mais tarde para

    Npoles e Londres, onde tomou conhecimento das publicaes de William Law,morto em 1761, e que pertencia tradio de Jacob Boheme.

    "Seramos excessivamente prolixos se procurssemos seguir as pegadas donosso Filsofo Desconhecido, ao longo de sua jornada terrena, onde a cadapasso, no obstante, encontraramos o exemplo dignificante e o trao indelvel daimensa esteira de luz que marcou sua trajetria neste mundo. Difcil ainda seriapenetrarmos na profundeza do seu pensamento, da sua filosofia, da sua doutrina

    de elevao e regenerao do homem na busca da iluminao e da paz..."

    Foi inicialmente de Lyon que o Filsofo Desconhecido procurou irradiar a luz, apsa partida de Martinez para o Oriente Eterno. A direo da Ordem dos Elus Cohenno ficou com Saint-Martin nem com Willermoz, mas nas mos de pessoas menospreparadas para levar adiante um sistema que ainda necessitava de

    aperfeioamento. Coube a Saint -Martin e a Willermoz a resignao decontinuarem ocultamente a pesquisa da Verdade por suas prprias foras. O

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    "Agente Incgnito " te ria ditado inmeras instrues e partes de um livro que LouisClaude de Saint-Martin publicou, destinado a lutar contra o materialismo vigente

    na poca.

    Talvez por esse motivo Saint- Martin tenha iniciado uma srie de viagens,verdadeiros apostolados, para realizar propaganda das idias espiritualistas,recolher dados e informaes iniciticas e entrar em contato com discpulos ehomens de cincia. Em todos esses contatos sempre conquistava novas amizadese discpulos para continuarem sua obra. Saint -Martin tinha uma conversa muitoagradvel, uma vez que seu verbo no fazia seno expressar sua paz interior,seus conhecimentos e a nobreza de sua alma.

    Os sales mais aristocrticos de Paris disputavam sua presena. Essasqualidades eram agradveis s mulheres, que no hesitavam em convid -lo paraas festas, pensando em casar suas filhas. Mas o Filsofo Desconhecido quisdedicar- se integralmente sua obra de divulgao do Esprito. Em 1778, emToulouse, esteve prestes a se casar; contudo, esse projeto desvaneceu-se como

    todos os demais a esse respeito. Afirmava sentir uma voz no seu interior que lhe

    dizia ser ele originrio de um lugar onde no existem mulheres.

    O Agente Incgnito desapareceu de cena em 1788, poca em que Saint -Martinretornou Lyon, mas reapareceu em 1790 para destruir uma srie de cadernos deinstrues por ele prprio ditados: "Eu devolvi ao Agente", conta-nos Willermoz, "aseu pedido, mais de 80 cadernos manuscritos inditos, que destruiu."

    Com a morte de Pasquallys, ocorrida em 1774 em So D omingos, o centro ocultoda iniciao Cohen passou a Lyon e foi l, como contam seus bigrafos, "que oFilsofo Desconhecido, armado com a Sabedoria Divina, passou a fazer oposio doutrina materialista dos Enciclopedistas. Combatendo o materialismorevo lucionrio e sua doutrina errnea inserida em uma pretensa filosofia danatureza e da histria, Saint -Martin chamou o homem de volta Verdade,

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    fundamentando- se no princpio do conhecimento de si mesmo e na natureza doser inteligente".

    Saint-Martin, entre tanto, nunca ficou muito ligado ao rigor das instituies

    iniciticas, mas, em razo da problemtica da poca, em pleno desenvolvimentoda Revoluo Francesa, procurou, para a salvaguarda das suas prprias doutrinase das tradies de que ento j era depositrio, unir -se a grupos ou formar gruposcujos membros desejassem, sinceramente, dedicar- se ao culto da Verdade e prtica das Virtudes. Estudava, paralelamente, as doutrinas de Pasquallys e deSwedenborg, as primeiras mostrando- lhe a cincia do Esprito e as segundas acincia da Alma.

    "A Revoluo, em todas as suas fases, encontrou Saint -Martin sempre o mesmo,dedicado a seu objetivo. Por princpio, esteve acima das consideraes denascimento e opinies, por isso no emigrou; enquanto se mantinha ao s eu redortodo o horror das desordens e dos excessos, acreditou sempre que o bem podia

    surgir do terrvel advento da Revoluo Francesa, pela intermediao da DivinaProvidncia; pensou ver um grande instrumento temporal no homem que selevantou para suprimir seus excessos.

    "Foi em 1793, quando a famlia e a sociedade dissolviam -se, que vendeu as suasltimas posses para manter e cuidar de seu pai, velho e paraltico. Na mesmapoca, no obstante os estreitos limites a que ficou reduzida a sua fortuna,contr ibuiu para as necessidades pblicas de sua comunidade. Retornando capital, foi atingido pelo decreto de expulso dos nobres. Saint -Martin submeteu-se e deixou Paris."

    Durante o terror revolucionrio, era necessria muita prudncia, mesmo para osassuntos iniciticos. Saint-Martin recebeu um mandado de priso, embora vivessemergulhado nos estudos e na meditao, sem nunca ter feito poltica. No subiuao cadafalso porque Robespierre caiu em seguida. Havia a proteo do Alto, queo guiava na terra, obscure cida pela agitao dos homens.

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    "Uma corrente de prestgios inundou a inteligncia humana em geral, e a dosparisienses em particular, porque a cidade, que comporta sbios e doutores detoda espcie, possui poucos que orientam seu pensamento na direo dosconhecimentos verdadeiros, e h menos ainda que buscam esses conhecimentoscom um esprito reto. A maior parte deles no fazem mais que dissecar as cascasda Natureza, medir, pesar e enumerar todas as suas molculas. Eles tentam,insensatos, a conquista de tudo que se encontra em composio no Universo,como se isso lhes fosse possvel. Esses sbios, to clebres e to ruidosos, nosabem que o Universo (ou o Tempo) a imagem reduzida da indivisvel euniversal eternidade; eles podem contemplar e admirar, pelo espetculo de suaspropriedades e de suas maravilhas, ... mas jamais podero conquistar o segredode sua existncia."

    Saint- Martin, para cumprir seu dever cvico, serviu na Guarda Nacional e, em Amboise, foi escolhido para ser um dos instrutores da Escola Normal Superior,

    que formava jovens professores; tomou parte em 1795 da primeira AssembliaEleitoral, sem contudo tornar-se membro efetivo de qualquer corpo legislativo. O

    que buscava era o Conhecimento e a difuso de suas doutrinas. Jamais fezprose litismo e procurava ter por discpulos amigos fiis da Verdade. Quem visseseu jeito humilde jamais poderia suspeitar de sua elevada espiritualidade. Sua

    docilidade para com o tratamento, sua serenidade, manifestava no entanto o

    sbio, O Novo Homem formado pela filosofia profunda do aperfeioamento morale espiritual. A luz que irradiava de seu centro fazia justia sua condio deHomem- Esprito, o grande sol da transio ao sculo XIX.

    Foi em 1788, em Estrasburgo, que Saint-Martin tomou conhecimento das obras de

    Jacob Boheme, o Tesofo Teutnico, atravs de Rodolphe de Salzmann.Surpreso, constatou que essa doutrina combinava com a de seu antigo mestre

    Martinez Pasquallys, sendo idnticas em essncia. Coube a ele a tarefa de fazer ofeliz casamento das du as correntes doutrinrias, elaborando um sistema sinttico,

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    capaz de satisfazer seus anseios e colocar disposio de todos os Homens deDesejo um caminho seguro para chegar Iluminao.

    A sntese inicitica foi obtida em poucos anos de trabalho pelo nosso FilsofoDesconhecido, secundado que foi por seu colega Jean Baptiste Willermoz.

    Necessitava, entretanto, de uma transmisso inicitica da corrente de Bohemepara associar sua, advinda de Pasquallys. Essa corrente alem de JacobBoheme foi obtida ao s er iniciada pelo Baro de Salzmann, em Estrasburgo, econfirmada na linha mais antiga dos Templrios, ao associar -se com a EstritaObservncia Templria, do Baro de Hund.

    Willermoz foi o encarregado, em Lyon, de organizar o sistema manico do RitoEscoc s Retificado, fruto do Convento de Wilhelmsbad de 1782. Coube a Saint-Martin a chefia e a realizao de iniciaes individuais da Ordem Interior dosFilsofos Desconhecidos. Vrios alemes foram iniciados no novo sistema (muitosdos quais j eram discpulos de Martinez de Pasquallys), ingressando na iniciaoreal que conduz Iluminao e Reintegrao a partir deste mundo na UnidadeDivina.

    Saint-Martin considerava as obras de Jacob Boheme de uma profundidade e deum valor inestimveis e no se achava digno nem de desatar as sandlias deJacob Boheme; entendia que seria necessrio que o homem se tivesse tornadopedra ou demnio para no tirar proveito de tais obras.

    Foi assim que passou a estudar o alemo, com quase 50 anos de idade, paramelhor penetrar no sentido oculto e no pensamento do autor. Procurou traduzir

    para o francs as principais obras do Mestre. A partir de ento, sempre que sereferia a Jacob Boheme dizia que o Iluminado teutnico foi a maior luz que veio aeste mundo depois daquele que era a prpria Luz, isto , o Cristo.

    Aps ter percorrido parte da Europa, estabeleceu seu apostolado em Toulouse,Versailles e Lyon, sempre lanando a semente espiritual em uma terra que se

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    tornou fecunda, recolhendo ele prprio as doutrinas mais apropriadas para o seuesprito e seu sistema. Mais tarde, centralizou sua ao em trs cidades:Estrasburgo, Amboise e Paris, que eram, como confessou, seu paraso, seuinferno e seu purgatrio. Fora dessas cidades possua membros correspondentesde sua sociedade, co mo o Baro de Kircheberger, que no chegou a conhecer,mas a quem enviou um emissrio, o Conde Divonne, para certamente lhetransmitir a iniciao. Kircheberger era grande admirador das obras de Saint -Martin; pertencia Escola de Boheme, da qual tomaram p arte igualmenteKhunrath e Gichtel.

    Kircheberger escreveu a Saint-Martin que, segundo uma lenda corrente em sua

    Escola, a Virgem Celeste, a Divina Sofia, nos dias das npcias compareceu comseu corpo celeste de Glria e escolheu Gichtel como esposo; teria sido no natal de1673. Segundo contam, ele se deu inteiramente a Sofia, pois ela no admitia teruma rival. A esposa prometera fidelidade conjugal, que cumpriu mesmo aps amorte do General Gichtel, vindo sua casa, colocando em ordem seus papis ecomple tando com seu prprio punho os manuscritos por ele deixados inacabados.Em vida teria igualmente recebido favores de sua esposa celeste, pois como

    general venceu o exrcito de Luiz XIV, que pretendia conquistar Amsterdam,cidade onde o adepto residia. Dura nte toda a batalha, o general no teria sado doquarto.

    No somente Saint -Martin acreditava no relato de Kircheberger, como lhe pediamaiores detalhes sobre Gichtel. "Se estivssemos um perto do outro, escreveu -lheSaint- Martin, eu tambm teria uma histr ia de casamento para vos contar. Osmesmos passos foram dados por mim, mas de um modo um pouco diferente,

    embora chegando aos mesmos resultados. Creio, com efeito, ter conhecido aesposa de Gichtel... mas no de modo to particular como ele. Eis o que mea conteceu por ocasio do casamento de que falei: eu estava orando... e me foidito intelectualmente, mas de modo muito claro, o seguinte: Depois que o Verbo feito carne, nenhuma carne deve dispor dela prpria sem que Ele o permita. Essas

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    palavras penetrar am profundamente em meu ser; ainda que no tenhamsignificado uma proibio formal, recusei-me a toda negociao posterior."

    Acreditava que a chave da iniciao est no desejo do homem de purificar -se, de

    evoluir e de atingir a iluminao. Essa evoluo necessria para remediar adegradao a que o homem se submeteu aps a Queda Original. Antes, o homempodia obrar em conformidade com a Vontade do Pai, sendo dessa maneira

    poderoso, mas aps ter se revestido de um envoltrio material, suas capacidadesespirituais atrofiaram-se e a Vontade e a pureza de outrora aniquilaram-se. Foi na

    cidade de Estrasburgo que Saint- Martin deu a um discpulo a chave de O Homemde Desejo, que, por extenso, serve para a prpria Iniciao:

    A Chave do Homem de Desejo

    Avant quada m manget la pomme,Sans effort nous pouvions oeuvrer.Depuis,l'oeuvre ne se consomme.Qu'au feu pur d'un ardent soupir;

    La Clef de l'Homme de Dsir

    Doit naitre du dsir de l'homme.

    Isto , antes de Ado ter comido a ma, o homem podia realizar sua obra sem esforo; depois, a obra no se concretiza a no ser com a ajuda do fogo puro,emanado de um ardente suspiro, advindo do grande esforo individual. Assim, achave do Homem de Desejo deve nascer do desejo do homem.

    Seu livro O Homem de Desejo, publicado pel a primeira vez em 1790, so litaniasno estilo do salmista, nas quais a alma humana evolui para o seu primeiro estgio,num caminho que o Esprito pode ajud -la a percorrer.

    Saint- Martin escreveu este livro por sugesto do filsofo religioso Thiaman,duran te suas viagens a Estrasburgo e a Londres. Lavater, ento clrigo emZurique, elogiou essa obra como um dos livros que mais tinha gostado, embora

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    reconhecesse no ter tido condies de penetrar nas bases da doutrina exposta.Kircheberger, mais familiar aos princpios do livro, considerou-o como o mais ricoem pensamentos iluminados. O prprio Saint -Martin concordou que nesse livroencontram- se os germes do conhecimento que ignorava at a leitura das obras deJacob Boheme.

    O objetivo de seu livro O Homem de Desejo mostrar que o homem deve confiarna Regenerao, chamando sua ateno para a necessidade do retorno aoMundo Divino de onde saiu e ao trabalho que dever realizar para alcanar esseobjetivo, isto , concentrando suas foras pelo desejo ardente de aperfeioar -se etornar-se um homem de vontade forte.

    "No h nenhum outro mistrio para se chegar a essa sagrada inicia o, senopenetrando cada vez mais no fundo de nosso ser e no esmorecendo at quepossamos produzir a viva e edificante raiz; porque , ento, todos os frutos quehaveremos de gerar, conforme nossa espcie, sero produzidos dentro de ns esem ns, naturalmente; o que ocorre com nossas rvores terrestres, porque elasaderem s prprias razes e, incessantemente, retiram sua seiva."

    Compreende-se, assim, que o ensinamento deixado por Saint-Martin, e que veiode Martinez de Pasquallys e de Jacob Boheme, era muito profundo e de natureza

    divina. Constituiu-se uma Escola de Homens de Desejo, vidos por adquiriremconhecimentos, uma elite do pensamento, embasada em um sistema filosficoinicitico, tendo como objetivo o desenvolvimento moral e espiritual do homem.No uma Escola de especulao abstrata, mas um centro onde os membrosprocuram conhecer a doutrina e a experincia dos mestres e onde procuram viv -

    la na vida diria, para atingir a perfeio interior, atravs de um processo de auto -transformao.

    Os grupos de homens livres eram formados por um pequeno nmero de pessoasinteligentes e de mente s, escrupulosamente examinadas. Saint -Martin dizia queas grandes verdades s podem ser bem ensinadas no silncio. Todos aqueles que

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    no sabem calar, que falam mais do que observam, no podem ser recebidos nasenda interior. Saber guardar o silncio condio indispensvel para que ohomem se torne digno de receber outros ensinamentos cada vez mais profundos,

    emanados no apenas de seu iniciador, como do prprio Mundo Invisvel. Paraisso, necessitamos de treinamento, que se efetua guardando- se o silncio emrelao s pequenas coisas, mesmo profanas. Qualquer sociedade inicitica nopode ser aberta, pois assim perderia a fora que porventura tivesse recebido doAlto. Guardar o silncio significa fechar -se s influncias exteriores, s opiniescontrrias que s trazem aes conflitantes. Fech ar- se em torno de si mesmo magnetizar- se; evitar que as prprias foras divinas se dispersem na Natureza,passando por ns. criar um plo de atrao; tornar -se um receptculo dasinfluncias celestes; tornar -se a taa que recebe o influxo divino.

    A Iniciao um processo interior de aperfeioamento do homem, tornando -o aptoa receber as foras divinas. O homem a soma de todos os problemas daexistncia; a sntese, o enigma dos enigmas, a pedra bruta que deve ser talhadae aperfeioada. Esse d esenvolvimento deve ocorrer de tal modo que o ser criadose religue ao Criador, atravs da aproximao da natureza impura com a naturezapura. Por isso, a primeira deve ser trabalhada at ficar quase no mesmo estado dasegunda; somente depois haver uma atrao tal, que a Natureza Superiordescer at a inferior, purificando -a em definitivo e deixando-a conforme elamesma: a Iluminao do Iniciado.

    Aquele que possuir o conhecimento de si mesmo ter acesso cincia do mundo,dos demais seres. O conhecimen to de si prprio somente em si que devebuscar. no esprito do homem que se devem encontrar as leis que dirigem sua

    origem. preciso, pois, que o iniciado encontre seu centro inicitico, a divindadeem si, para adquirir o pleno conhecimento de si mesm o. necessrio conhecersuas fraquezas para melhor domin -las e no voltar a praticar os mesmos erros.Jesus Cristo dizia aos homens para no pecarem mais. Hoje, os mestres pedemque os homens procurem errar cada vez menos, at o dia em que, tendo

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    encontr ado seu equilbrio inicitico, possam chegar a no pecar mais. Sua lutadeve ser constante, contra as paixes, suas contrariedades internas e a ira. Adocilidade representa a presena de Deus no centro inicitico; a ira representa asua ausncia.

    "O homem no pode ser integralmente livre da ira e do pecado porque osmovimentos do abismo deste mundo tampouco so totalmente puros ante ocorao de Deus; o amor e a ira sempre lutam entre si."

    A doutrina de Saint-Martin difundiu- se na Alemanha e na Rssia, atravs de seusdiscpulos. Na Rssia, a doutrina martinista encontrou um grande divulgador emJoseph de Maistre, que afirmava a existncia de Deus no interior de cadaindivduo e, por conseguinte, que o segredo de toda a iniciao consistia emdescobrir o cen tro inicitico prprio, a senda interior, a fim de proceder ao prpriodesenvolvimento espiritual. Assim, a iniciao uma senda real, interior,individual, e - no se encontra no exterior, nas sociedades ou no Enciclopedismo.

    Em 1803, o Filsofo Desconhecido dava seus ltimos passos em direo Eternidade, pois sua sade mostrava -se dbil. Mas no se afligiu com essa

    perspectiva; ao contrrio, dizia que a Providncia sempre lhe havia dispensadomuito cuidado, de modo que s poderia render -lhe graas.

    Conta-nos Gence que certa vez, visitando um amigo comum, Saint-Martin

    confessou-lhe que estava partindo para o Oriente Eterno e no dia seguinte,

    visitando seu amigo o Conde Lenoir la Roche, em Aulnay, aps leve refeio,retirou-se para o quarto; sofreu um ataque de apoplexia e partiu. Era o dia 13 de

    outubro de 1803. Foi ento que seus discpulos e amigos perderam a convivnciafsica com o Mestre, mas ganharam a eterna e permanente proteo espiritual quenos envia do Reino da Glria, atravs dos Mundos Invisveis.

    Hoje, a obra de Louis Claude de Saint- Martin continua atravs dos Grupos deIniciados que seguem sua doutrina. A Conquista da Iluminao o objetivo ltimo

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    de todos os Homens de Desejo, que encontram nas obras do Mestre e no seu

    exemplo, como Homem e como Iniciado, o respaldo necessrio para prosseguir nasenda sem desnimo.

    Que cada um possa transformar-se em um Novo Homem, renascido pela Luz, que

    resplandece na alma de todos, e que engendrar, no futuro, o Homem- Esprito,onovo Sol que acalentar os coraes de todos com seu procedimento e com suaserenidade.

    OBRAS DE LOUIS CLAUDE DE SAINT-MARTIN

    01. Des Erreurs et de Ia Vrit, ou les Hommes Rappels au Principe Universel de

    la Science. dimbourg, 1775, 2 vol.

    02. Suite des Erreurs et de la Vrit. A Salomonopolis, Androphile, 1784. (Apesarde ser assinado por um Phil... Desc... muitos consideram que esse livro no deautoria de Saint- Martin, mas de um crtico.)

    03. Tableau Naturel des Rapports qui Existent entre Dieu, l'Homme et l'Univers.

    dimbourg, 1782.

    04. LHomme de Dsir. Lyon,1790.

    05. Ecce Homo. Paris, Cercle Social, 1792.

    06. Le Nouvel Homme. Paris, Cercle Social, 1792.

    07. Letre un Ami, ou Considrations Philosophiques et Religieuses sur laRvolution Franaise. Paris, Louvet, Palai s, galit, 1796.

    08. clair sur l'Association Humaine.Paris, Marais, 1797.

    09. Le Crocodile ou la Guerre du Bien et du Mal, Arrive sous le Rgne de LouisXV. Paris, Cercle Social, 1798.

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    10. Rflexiones d'un Observateur sur la Question Propose por l'Ins titut: "Quellessont les Institutions les plus Propres Fonder la Morale d'un Peuple?". Paris,1798.

    11. De l'Influence des Signes sur la Pense (inserido inicialmente no Crocodile).Paris, 1799.

    12. LEsprit des Choses ou Coup d'Deil Philosophique sur la Nature des tres etsur l'Objet de leur Existence. Paris, 1800, 2 vol.

    13. Le Ministre de l'Homme -Esprit. Paris, 1802.

    14. Oeuvres Posthumes de Saint-Martin. Tours, 1807, 2 vol.

    15. Trait des Nombres. S/1, M. Lon, 1844.

    16. Correspondence de Saint-Martin avec Kircheberger, Baron de Liebisdorf, des

    annes 1792 a 1799, S. n. t.

    TRADUES DAS OBRAS DE JACOB BOHEME

    17. L'Aurore Naissante ou la Racine de la Philosophie, de l'Astrologie et de laThologie. Paris, 1800.

    18. Des Trois Principes de l'Essence Divine ou de l'Eternel Engendrement sans

    Origine de l'Homme, d'o il a t Cre et pour quelle Fin.Paris, 1802, 2 vol.

    19. Quarente Questions sur l'Origine, l'Essence, l'Etre, la Nature et la Proprit del'me, suivies des "Six Poit" . Paris, 1807.

    20. De la Triple Vie de l'Homme selon le Mystre des Trois Principes de laManifestation Divine. Paris, 1809.

    Sociedade das Cincias Antigas

    O Homem de Desejo

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    1

    As maravilhas do Senhor parecem lanadas sem ordem e sem desgnio no campoda imensido.

    Brilham esparsa s como as flores inumerveis com que a primavera colore nossosprados.

    No procuremos um plano mais regular para descrev -las. Princpio dos seres,todos esto ligados a ti.

    a ligao secreta contigo que lhes d valor, qualquer que seja o lugar e aposio que ocupem.

    Ousarei erguer os olhos ao trono de tua glria. Meus pensamentos vivificar -se- oao considerar teu amor pelos homens e a sabedoria que reina em tuas obras.

    Tua palavra subdividiu-se desde a origem, como uma torrente que do alto das

    montanhas precipita-se sobre rochas pontiagudas.

    Vejo- a irromper em nuvens de vapor; e cada gota d'gua que lana aos aresreflete a meus olhos a luz do astro do dia.

    Assim, todos os raios de tua palavra fazem brilhar aos olhos do sbio tua luz vivae sagrada; ele v tua ao produzir e animar todo o universo.

    Objetos sublimes de meus cnticos, serei muitas vezes forado a desviar de vs omeu olhar.

    O homem acreditou-se mortal porque encontrou em si algo de mortal;

    E mesmo aquele que d vida a todos os seres foi co nsiderado pelo homem comono tendo vida nem existncia.

    E a ti, Jerusalm, que censuras no tero a fazer os profetas do Senhor!

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    Tomaste o que servia para te paramentar, disse o Senhor, e que era feito de meu

    ouro e de minha prata, que eu te havia dado; f ormaste imagens de homens, squais te prostituste.

    Gritos de dor, misturai- vos a meus cantos de alegria; a alegria pura j no feitapara a triste morada do homem.

    Provas irrefutveis sobre as verdades primeiras j no foram manifestadas snaes?

    Se ainda vos restam dvidas, ide purificar -vos nessas fontes. Depois retornareispara unir vossa voz minha.

    E juntos celebraremos as alegrias do homem de desejo, que ter tido a felicidadede chorar pela verdade.

    2

    Bendita sejas, luz brilhante, esplendor vi svel da luz eterna, de onde meupensamento recebeu a existncia.

    Se meu pensamento no fosse uma de tuas centelhas, eu no teria o poder de tecontemplar.

    No poderia admirar tua grandeza, se no tivesse semeado em mim algunselementos de tua medida.

    Home ns clebres, no digais mais: a luz de uma chama comunica -se com outraschamas sem diminuir, e assim que os espritos so produzidos por Deus.

    No mais desonreis a luz visvel, ao nos falar apenas de seu mecanismo material.

    A chama representa a manuteno, e no a lei da gerao.

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    No ser necessria uma substncia exterior chama, para que esta lhecomunique a luz visvel?

    Mas nosso Deus a luz; retira de si prprio a substncia luminosa do esprito.

    Tudo o que emana das mos do princpio de tudo comp leto. Ele quis que asensao da luz visvel se vinculasse vida de meu corpo.

    Ele quis que o sol despertasse em meus olhos essa sensao da luz visvel.

    Mas ele mesmo quis despertar em minha alma a sensao da luz invisvel;

    Porque ele mesmo retirou desta luz o germe sagrado que anima a alma humana.

    No saem ramos do candelabro vivo, e sua seiva no o leo santo que nutre emmim a luz?

    No ela esse leo que se consome sempre e jamais se esgota?

    Que a vida se una minha vida, e que regenere em mim a v ida que em mimproduziu.

    Que meu crescimento imortal e divino seja contnuo, como o de minha fonteeterna.

    penetrando nos seres que Deus os faz sentir sua vida; esto na morte quando jno esto em comunho com ele.

    Vs todos, habitantes da terra, estre mecei de alegria; podeis contribuir para a

    comunho universal.

    Podeis, tal como vestais, conservar o fogo sagrado e faz -lo brilhar em todas aspartes do universo.

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    Por que os sbios e os prudentes apreciam a luz? Porque sabem que a luz e aalma do homem so duas chamas que jamais se podero extinguir.

    E tu, agente supremo, por que no podes cessar de penetrar em tudo, de tudo vere de levar a todos os lugares tua claridade?

    que o leo santo tirado de tua fonte est disseminado por todas as regies, etua luz encontra em toda parte um alimento que lhe prprio.

    3

    Espraiei meu olhar pela natureza.

    Rios, para onde correis com tanta impetuosidade?

    Vamos ajudar a preencher o abismo e a sepultar a iniqidade sob as guas.

    Vamos apagar esses vulces, essas tochas fumegantes que so como os restosdo grande incndio.

    Quando tivermos cumprido essa obra, nossas fontes se estancaro.

    O limo se acumular nos abismos.

    Plancies frteis se elevaro no lugar dos precipcios.

    Os rebanhos pastaro em paz nos lugares onde n adavam os peixes vorazes;

    E os habitantes pacficos vivero felizes em meio a seus campos frteis, ondeoutrora as vagas do mar eram agitadas por tempestades.

    O homem despreocupado e desatento atravessa este mundo sem abrir os olhos

    de seu esprito.

    As diferentes cenas da natureza sucedem-se diante dele sem que seu interesse

    se desperte e que seu pensamento se amplie.

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    S veio a este mundo para abarcar o universo com sua inteligncia, e permitecontinuamente que sua inteligncia seja absorvida pelos menores objetos que ocercam.

    Ser preciso que as catstrofes da natureza se repitam para despertares de seutorpor? Se no ests preparado, elas te assustariam e no te instruiriam.

    A face da terra apresenta as marcas de trs leis que dirigiram suas revolues.

    Todos os elementos agitados, que puseram o globo em convulso e produziramas montanhas secundrias e os vulces:

    Eis o fogo e o nmero.

    As ondulaes lentas e sucessivas das vagas, que produziram as colinas e osvales:

    Eis a gua e a medida.

    E a fora pacfica e tranqila que produziu as plancies:

    Eis a terra e o peso.

    Por toda parte a vida se esfora por se mostrar; todas as desordens eramestranhas natureza.

    A alma humana por toda parte anuncia a fertilidade; anuncia por toda parte que feita para a vida.

    Tem tambm em si marcas das horrveis convulses que sofreu.

    Mas pode, como a chama dos vulces, elevar -se acima destes abismos e vagarnas regies puras da atmosfera.

    4

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    Homem, desejarias afligir teu amigo? No desejarias renunciar a faz -lo sofrer?

    E le sofre, no entanto, enquanto o homem no procura conhecer a obra do Senhor.

    Quem poderia, portanto, conceber o quanto os prevaricadores devem fazer Deussofrer, quando levam seu erro at o ponto de agir contra ele?

    No, homem, no suportarias a viso de um quadro to opressivo. Quem alm deDeus teria a fora para isso?

    Tambm s ele perdoa e s com ele aprendemos a caridade.

    Abre a cada dia as sendas dessa escola, se queres aprender o que a obra doSenhor.

    Que o mestre que a ensina encontre em ti o mais assduo dos ouvintes.

    Podes julgar inteis a teu amigo teus sofrimentos interiores causados pelacaridade?

    No exagero dizer que eles te aproximam de Deus, que agradam a Deus, pois teassociam a ele e te tornam semelhante a seu amor.

    Eis a obra; eis o primeiro degrau da obra. Que todas as naes me ouam.

    Que se tornem suficientemente puras para sentir os sofrimentos interiores da

    caridade.

    Vejo duas palavras escritas nesta rvore da vida: Espada e Amor.

    Pela espada da palavra submeterei todos os inimigos de meu Deus, e os

    prenderei e impedirei que causem dor ao meu Deus.

    Pelo amor eu lhe suplicarei com fervor que derrame sobre mim um raio de sua

    caridade;

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    E que faa com que o eu alivie, encarregando -me de alguns dos sofrimentos deseu amor.

    No te ofendas, meu Deus, com a ousadia desta idia; foste tu que a fizeste

    nascer em meu corao;

    E ela est to viva que nela creio ver traados os mais belos ttulos de minhadestinao primitiva.

    So nossos vnculos terrestres que velam para ns esta antiga e d ivina destinao.

    Ela no pode deixar de se fazer conhecer naturalmente por aqueles cuja alma tema fora de levantar seus ferros.

    5

    No produzistes nenhum ser, sabedoria profunda! Sem lhe dar uma medida dedesejo e de fora para conservar -se.

    Fundastes todos os seres sobre esta base, porque so todos um reflexo de vossapotncia e porque desejais manifestar -vos em todas as vossas obras.

    Destes ao homem a mais abundante medida desse poder.

    Ora! de onde lhe adviriam esta arte de multiplicar seus prazeres, esta habilidade

    de afastar de si os males e cur -los?

    S poderiam vir de uma medida suprema desse desejo conservador e desse

    instinto que repartisses entre os seres!

    E s ele junta medida suprema deste desejo conservador a medida suprema dapotncia oposta!

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    Somente ele pode combater e sufocar esse instinto vivo, mais imperioso nele do

    que em qualquer outro ser!

    E s ele, enfim, pode matar -se! S ele pode combinar e escolher os meios de sedar a

    morte!...

    Doutrina de mentiras, aplaude teu triunfo, cegaste completamente o homem.

    S o fizeste ver, nestes dois extremos, um nico e mesmo princpio;

    Tu o fazes querer que o nico e mesmo agente se conserve e se destrua;

    Tu o fazes crer que a morte e a vida, a produo e a destruio pertencem aomesmo germe.

    Em vo procuras justificativas nos exemplos dos animais; e neles no encontrasnada que diminua aos olhos do pensamento esta terrvel contradio.

    6

    Se est dito: dente por dente, olho por olho, nos rigores da ordem material;

    Por que na ordem benfazeja do esp rito esta verdade no teria um emprego quefosse vantajoso para ns?

    D de tua vida, se queres receber vida.

    D de tua vida sem reserva, se queres que a vida se d a ti na plenitude de suaunidade.

    Enquanto te definhares em teus desejos, ou mesmo enquanto te detiveres na

    contemplao de teus prazeres, a vida no estar ainda em ti na plenitude de suaunidade,

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    Quando esse momento houver chegado para ti, j no ters de acalmar tuainquietao pelos sacrifcios, nem de te precaver contra tuas santas satisfaes.

    O esprito de verdade te pressionar, te atormentar e te empurrar para odeserto.

    E tu dirs s naes: Tornai retos os caminhos do Senhor.

    Poderes celestes, poderes terrestres, poderes universais, respeitar a alma

    humana: o Senhor acaba de renovar sua aliana com ela; ligou-a a si por um novotratado de paz.

    Abriu-lhe os arquivos divinos, onde ela admirou todos os tesouros preparadospara o homem de paz.

    Contemplou neles as chamas da inteligncia, sempre acesas, e as fontes vivas doamor, que jamais interrompem seu curso.

    Percorreu os livros da vida, de onde so retiradas as leis das naes.

    Leu a histria dos povos passados, presentes e futuros.

    Respirou o doce vapor dos blsamos empregados diariamente para curar aschagas dos mortais.

    Viu as armas terrveis destinadas a destruir os inimigos da partida.

    A alma do homem pode entrar hoje como bem quiser nestes diversos depsitos,de acordo com suas necessidades e as de seus irmos.

    Alma humana, eleva- te em direo a teu Deus pela humildade e penitncia. Soestes os caminhos que conduzem ao amor e luz.

    Depois, tornars a descer cheia de ternura por teus irmos e virs partilhar comeles os tesouros de teu Deus.

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    Abris vossos tesouros pecunirios ao pobre, mas acaso pensais mais ainda nasnecessidades d e seu esprito do que naquelas de seu invlucro passageiro?

    Desejais que ele recupere, por estes socorros, uma parte de sua liberdade e de

    sua atividade, que lhe so tiradas por sua misria?

    Desejais que recupere por esta liberdade o meio de louvar mais facilmente e mais

    constantemente seu Deus, e de se enriquecer pela prece?

    Eis a verdadeira finalidade da esmola; eis como a esmola pode promover a obra

    divina.

    Deus esprito; ele quer que tudo o que realizais sejaespiritualizado.Se, ao fazer vossa esmola, vos contentais em dizer

    ao pobre que rogue por vs,Estais pedindo mais do que dando;estais pensando mais em vs do que nele.E, contudo, ele menoslivre que vs para entregar -se prece.Espiritualizai vossas obras, sequereis que estejam inteiramente de acordo com a justia.

    7

    Intrpretes de mitologia, por que dizeis que ela velava apenas a marcha dosastros e as leis da natureza material e corruptvel?

    Que proporo haveria entre a figura e a coisa figurada? No ser intil a alegoriaquando superior a seu objeto?

    No deixar de ser alegoria? Sim, ento ela ser poder e agir abertamente.

    Ainda se vos tivsseis elevado at os princpios ativos da natureza, cujoconhecimento e emprego devem permanecer ignorados pelo vulgo!

    Mas ergue- se um novo obstculo: a mitologia e a fsica estariam em litgio.

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    A mitologia, para ser admissvel, deveria ao menos repousar sobre os princpiosativos da natureza;

    E a fsica nega esses princpios; e pretende formar tudo por agregados.

    Porm, se h somente uma unidade, com o que se poderia agreg -la?

    Mitologia, fsica, s vos podereis conciliar abandonando cada uma seu sistema eelevando-vos juntas a um grau mais simples, onde cada uma encontraria a chave

    de seu templo.

    Quando a tiverdes encontrado, usai- a ainda com prudncia. Todas as alteraes

    esto ligadas fonte putrefata:

    Todas as retificaes esto ligadas fonte pura. Sem o olhar superior, comoaplicareis vossos princpios?

    Que fazeis, doutos ignorantes, quando nos descreveis as leis da formao domundo?

    com a morte que compondes a vida; extrais toda a vossa fsica dos cemitrios.

    De que esto cheios vossos gabinetes de cincia? De esqueletos e de cadveres,cuja forma e cores tendes o cuidado de conservar, mas cujo princpio e vida estoseparados.

    No vos dir vosso pensamento que h uma fsica melhor do que esta, na qualsomente os princpios importam e da qual os corpos mortos esto afastados?

    Mas no! Lanastes esse olhar morto e destruidor sobre todos os objetos devossas especulaes.

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    Vs o lanastes sobre a base do retngulo issceles que tentastes conhecer,porque encontrastes relaes materiais entre seus resultados e os resultados deseus lados;

    No entanto o nmero e a verdadeira relao desta base jamais nos serorevelados, uma vez que, se os conhecssemos, poderamos criar espritos.

    No vos suficiente calcular a base com dois centros, quem ousou tentar imit -loe quem abre concomitantemente uma fonte inesgotvel para vossas lgrimas,vossa inteligncia e vossa admirao?

    Lanastes, ainda, esse olhar destruidor sobre um assunto bem mais prximo devs, pois o lanastes sobre a palavra.

    Faculdade suprema e distintiva, j no s para eles mais do que o fruto daacumulao dos sinais sensveis.

    As lnguas lhes parecem apenas um agregado, em vez de serem a expresso e ofruto da prpria vida.

    E s procuram sua origem em nossas relaes elementares;

    E no entanto lhes foi ensinado claramente que a palavra fora necessria instituio da palavra;

    E no entanto vem por que meio as crianas aprendem as lnguas, e que h umas lei que convm a todas as necessidades e a todas as idades.

    Matria, matria, que vu funesto estendeste sobre a verdade!

    A palavra surgiu sobre a terra apenas como por um renascimento; ela havia sido

    inicialmente reduzida para ns.

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    S podia renascer atravs de semente como as vegetaes; mas era preciso quetivesse fornecido primeiro seu prprio germe, para poder depois produzir seusfrutos entre a espcie humana.

    Desmoronai, andaimes das cincias abusivas: reduzi -vos a poeira; no podereissustentar- vos contra o menor princpio luminoso.

    8

    No ser a verdadeira maneira de pedir socorro ir corajosamente procur -lo ondeele est?

    E no ser pela ao que se nutre a fora?

    Tambm s grande aquele que sabe combater, pois , este o nico meio d esaber desfrutar;

    E o primeiro segredo para ser elevado acima de nossas trevas e de nossas faltas

    elevarmos a ns mesmos,

    So as provas enviadas por Deus, que nos do o direito de invoc -lo, e no osdanos que causamos a ns mesmos por nossa covardia.

    Quando teu cora o estiver repleto de Deus, emprega a prece verbal, que serento a expresso do esprito, como sempre deveria ser.

    Quando teu cora o estiver seco e vazio, utiliza a prece muda e concentrada; ela que dar a teu corao o tempo e o meio de se reaquecer e se preencher.

    Aprenders logo a conhecer, por estes segredos simples, quais so os direitos daalma do homem.

    Quando mos vivas a comprimiram para exprimir sua corrupo e ela retomadepois sua livre extenso por sua elasticidade natural .

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    Aprenders logo a conhecer qual sua autoridade sobre o ar, o som, a luz e astrevas.

    Vela, vela enquanto estiveres entre os filhos da violncia. Eles te persuadiriam de

    que tm algum poder, e eles nada podem.

    Como seriam os amigos da verdade, se as com paraes que eles nos apresentamso sempre falsas?

    Nos seres aparentes, no resta nenhuma impresso da ao dos seresverdadeiros; eis por que as trevas no podem compreender a luz.

    Se desejas compreend -la, no a compares a nada daquilo que conheces.

    Purifica- te, roga, recebe, age: toda a obra est nestes quatro tempos.

    Purificar- se no orar, j que combater?

    E que homem ousaria caminhar sem se purificar, j que no pode dar um passosem colocar o p sobre os degraus do altar?

    No suficiente deixar de duvidar do poder do Senhor; preciso ainda noduvidar do teu.

    Porque ele te concedeu um poder, pois te deu um nome e pede apenas que o

    utilizes.

    No deixes, portanto, a obra inteira a cargo de teu Deus, pois ele quis deixar -tealgo para fazer.

    Est se mpre pronto a derramar em ti todos os bens; pede-te apenas para vigiaresos males que te cercam e no te deixares surpreender.

    Seu amor expulsou estes males do templo em teu benefcio; chegaria tuaingratido ao ponto de deix -los retornar?

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    Homem, homem, o nde encontrar um destino que sobrepuje o teu, uma vez que schamado para fraternizar com teu Deus e trabalhar em harmonia com ele?

    9

    Quem dar ao homem inteligncia para compreender a marcha da palavra?

    Deus disse pela boca de seus profetas: Eis como sabereis se aquele que profetiza

    verdadeiro, ou se fala por um esprito de mentira:

    Quando o que ele tiver dito acontecer, acreditareis ento na verdade do profeta.

    Mas no consumiu ele toda a lei? E, depois do grande sinal, no se tornaramfrgeis todos os antigos sinais?

    No devem aparecer profetas de erro e de mentira, que tero o poder de seduziros prprios eleitos?

    Vejo- os fazer obras maravilhosas, anunciar os acontecimentos que viro.

    Vejo- os, como Elias, fazer cair o fogo do cu.

    Ai do tempo futuro, e m que a mentira poder to bem assemelhar -se verdade!

    Em todos os tempos, precavei-vos contra os imitadores. Desde que o homem foi

    vendido para ser submetido ao pecado, o pecado serve-se dele, assim como a

    sabedoria.

    Ser preciso, pois, que o homem cave mais profundamente em si mesmo, para a

    encontrar novos sinais.

    O profeta humilde e doce? Prega pelo reino de Deus, e no pelo seu?

    Mostra, por suas lgrimas e soluos, os impulsos da caridade? Est pronto a dar avida por seus irmos? junta a estas virtudes uma doutrina segura e inabalvel?

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Voltai-vos para ele, segui seus passos, uni- vos a seu esprito; a caridade docorao e a segurana na doutrina so dons que no se podem simular.

    Mesmo que estiverdes no meio da confuso e das trevas, um crculo lumi noso vos

    cercar e vos manter separados.

    Quanto mais o tempo avana para o complemento de sua desordem, mais devero homem avanar para seu termo de luz.

    Como poder avanar, a no ser deixando -se penetrar pelo esprito de vida etransportando para ele com ardor, como se fosse levado por uma fome

    devoradora?

    No, no h alegria comparvel de caminhar nas sendas da sabedoria e daverdade.

    10

    As obras de Deus manifestam- se pacificamente e seu princpio permaneceinvisvel.

    Toma este modelo em tua sabedori a, no a faas conhecer a no ser pela dourade seus frutos; os caminhos doces so os caminhos ocultos.

    Se o ar fosse visvel como as substncias que compem os corpos, ocuparia eleum lugar to maravilhoso na natureza?

    Que relaes existem entre a vida do esprito e a morte deste universodesordenado? O homem promete mais do que d, o esprito dar um dia mais doque promete,

    O Senhor conduziu seu povo por uma via obscura, a fim de que seus desgnios secumprissem. Falou a seu povo por parbolas; sem isso, os judeus no teriampodido desconhecer a salvao das naes.

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    E ento no poderia ser desculpvel o fato de o terem sacrificado; e se no otivessem sacrificado, as naes no teriam recebido a herana.

    Vus das profecias, favorecer a ignorncia da filha de meu povo, pois assim a

    porta de misericrdia lhe permanece aberta.

    Deus queria conter os judeus, e no reprov -los.

    Ora! que sangue pediram, que recaiu sobre eles e sobre seus filhos? Este sangue

    era esprito e vida, acaso poderia dar -lhes a morte?

    A industriosa caridade de meu Deus ocupa-se apenas dos meios de salvar seus

    filhos.

    A ignorncia dos povos o recurso que ele utiliza continuamente para perdo -los.

    Que abismo a sabedoria, o poder e o amor de nosso Deus!

    Homens, condenais vossos semelhant es a suplcios, quando so culpadossegundo vossas leis: no o seremos bem mais segundo as leis do Senhor?

    E, contudo, podemos satisfazer sua justia com uma prece, com um impulsosecreto, produzido na profundeza de nosso ser.

    E, quanto mais esse impulso f or concentrado, maior ser sua eficcia e poder,pois conter mais do carter da unidade, da invencvel e irresistvel unidade.

    11

    Por que todas as guas que o globo encerra comunicam -se umas com as outras?

    Por que nada mais fazem alm de circular e passar alternadamente porprecipcios infectos e por veios puros que as clareiam?

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Por que o ar que enche a atmosfera segue a mesma lei, introduzindo-se em

    nossos pulmes e nos canais das plantas?

    Por que todos os fluidos da natureza passam incessantemente de um lugar para

    outro, para o benefcio de tudo o que existe?

    Por que so como se os emprestssemos uns aos outros, como se bebssemostodos o mesmo licor e no fizssemos mais do que passar o clice uns aosoutros?

    para nos ensinar que essa a lei do esprito sobre ns; e que toda a atmosferada inteligncia contgua.

    Unidade suprema e universal, sim, participamos todos do mesmo pensamento. O

    mesmo esprito circula em todos os seres pensantes, haurimos sem cessar damesma fonte.

    Nossos espritos comunicam -se por nosso alimento intelectual, e nossos corpospela circulao dos elementos.

    Como seramos, pois, separados da vida? Tudo vivo. Como teramos inimizadepelos homens? Estamos todos sentados mesma mesa e bebemos todos doclice da fraternidade.

    Os h omens no procuram as obras vivas. Tudo o que fazem, tudo o queescrevem, suas ocupaes, seus tratados cientficos, no so dirigidos vida.

    No entanto, um s instante de atividade poderia coloc -los em unio com o

    verdadeiro, para dele jamais se separarem!

    Fora natural do homem, tu te concentras, te absorves, mas no te destris pelosacidentes involuntros. Passada a tempestade, s a mesma, e tens a mais ostesouros da experincia.

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Suspiras pela paz universal? O pndulo foi colocado em movimento desde ocrime. Suas oscilaes s podem diminuir por progresso.

    preciso esperar o fim dos sculos para que o pndulo marque sua ltima batidae os seres entrem novamente em repouso.

    Que surpresa para aqueles que, em sua passagem pela terra, tiverem acreditado

    nada haver no alm e desconhecido a circulao universal!

    Seria Deus to paciente se no tivesse meios de surpreender a posteridadehumana, quando ela chega regio da vida e da luz?

    Quando ela chega a essa regio, em que pode contemplar esse fluido sim ples efixo, princpio e fonte de todos os movimentos, que leva a toda parte a plenitudeda vida?

    Onde obter a idia das luzes e claridades que acompanham o nascimento dohomem? Aqui embaixo, s estamos nadando sob uma sombra, e na atmosferadas imagens.

    S abedoria, deves ser to bela que o prprio perverso se tornaria teu amigo, sepudesse perceber o menor de teus raios.

    12

    Minha vida ser um cntico contnuo, pois os poderes de meu Deus so ilimitados.

    Eu o louvarei, porque formou a alma humana do extrato de suas prprias virtudes.

    Eu o louvarei, uma vez que todos os seres pensantes so testemunhas vivas desua existncia.

    Eu o louvarei, uma vez que a alma humana manifesta-se, como ele, pela palavra.

    Eu o louvarei, porque no abandona o homem em sua misria .

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Eu o louvarei, porque ele o dirige como uma me terna dirige seu filho e o fazensaiar seus primeiros passos.

    Eu o louvarei, porque deu ao homem o poder de empregar os animais na cultura

    da terra.

    Homens, cessai de provar Deus apenas pela natureza material. Assim provais

    apenas o Deus poderoso e fecundo.

    E se essa natureza material tivesse j esgotado todos os seus exemplares e nomais existisse, como provareis ento aquele que a formou?

    E se a tornais eterna, dai- lhe tambm, como o vosso Deus, a inteligncia e asantidade. Anulai, pois, todos os exemplares que ela deve oferecer e que desde

    ento se tornam suprfluos.

    E as desordens evidentes que ela anuncia, como as explicareis, se ela no temnem a liberdade, nem o pensamento?

    Os cus anunciam a glria de Deus; mas o verdadeiro testemunho de seu amor e

    sua sabedoria est escrito no corao do homem.

    na extenso ilimitada de nosso ser imortal que se encontra o sinal eloqente doDeus santo e sagrado e do Deus benfazejo a quem se devem todas as nossas

    homenagens.

    O universo pode passar, as provas de meu Deus no sero menos imutveis,porque a alma do homem sobreviver aos restos do mundo.

    Se extinguis a alma humana, ou se a deixais entorpecer- se pela inao, no hmais Deus para ela, no h mais Deus p ara o universo.

    Manterei minha alma em atividade, para ter continuamente em mim a prova de

    meu Deus.

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Mant-la- ei ocupada na meditao sobre as leis do Senhor.

    Mant-la- ei ocupada na prtica e no hbito de todas as virtudes.

    Mant-la-ei ocupada em regenerar-se nas fontes vivificadoras.

    Mant-la- ei ocupada em cantar todas as maravilhas do Senhor e a imensido desua ternura pelo homem.

    Que instantes podero restar -lhe que no sejam preenchidos pela prece? Minhavida ser um cntico contnuo, pois o poder e o amor de meu Deus so ilimitados.

    Logo que eu me aproximar do Senhor para louv -lo, ele me enviar o Santificador.

    O Santificador me enviar o consolador.

    O consolador me enviar o amigo da ordem.

    O amigo da ordem me enviar o amor da casa do meu Deus.

    O am or da casa do meu Deus me enviar a libertao.

    E as trevas se afastaro de mim e sero precipitadas para sempre em seusabismos.

    13

    Uma taa de cristal cai no cho e se quebra. Momentos antes, era til, podeisaproxim-la de vossos lbios e dela beber um licor agradvel e fortificante.

    Agora seus fragmentos cortantes podem apenas ensangentar a mo.

    Uma taa de cristal cai no cho e se quebra: tal o curto intervalo entre a amizadede um homem poderoso e sua clera.

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Tranqilo e doce quando sua glria no est exposta; se esta estiver em perigo,ele preferir tomar os carves do altar e lan -los em vosso rosto a deixar dedefend -la.

    No precisa de sua razo para ganhar, desde que tenha meios de empregar seupoder.

    Ai do cordeiro que se encontrar sob seu gldio! Ele o degolar e dir depois queera um tigre; e sua palavra ser recebida como verdadeira.

    Consolai- vos, pequenos deste mundo. Os homens poderosos tm, em si prprios,dois tribunais. Por um eles vos condenam, mesmo quando sois inocentes; pelo

    out ro, so obrigados a anular a sentena.

    Pode a palavra falsa e perversa ter morada fixa e estvel? Ela ser errante, poissomente aos ouvidos do homem leviano e decepcionado poder mendigar algumasilo.

    Verdade santa, ests ainda como que encerrada nos sepu lcros; mas fosteenterrada viva.

    Renascers de todas as regies da terra e lanars a morte de volta a seu tmulo,para que a se converta em podrido.

    O Senhor mesmo te reerguer e far flutuar tuas insgnias aos olhos das naes.

    Que vos disse ele? As ar mas que tiverem sido preparadas para vos ferir no vosatingiro; e vs mesmos julgareis todas as lnguas que se tiverem erguido contra

    vs, para vos fazer condenar. Eis a herana dos servidores do Senhor; assimque encontraro justia junto a mim, diz o Senhor.

    Portanto, tristes vtimas das aflies humanas, redobrai vossos esforos para nodeixar extinguir em vs a chama das consolaes.

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    O trajeto curto: j vedes a outra margem. Se vos restou apenas uma centelha davivificante esperana, conservar p reciosamente.

    Quando chegardes s regies da vida, no vos ser preciso mais do que esta

    centelha para abras -las inteiramente e torn -las perenemente luminosas paravs.

    Porque as substncias que as compem so mais fceis de inflamar do que as doprprio raio e mais mveis que os relmpagos.

    14

    Toma tua lira e no a deixes mais. No ds repouso ao teu esprito. Quando eletiver alcanado o ocidente, que retorne ao oriente para recomear um novocaminho.

    Quando tiver chegado ao norte, que se volte para o meio-dia. Que do fundo do

    abismo ele se eleve a cada dia at o fogo de onde emanam ondas de luz.

    O Senhor instar o homem a escutar a verdade que o chama. Ele o inquietar emseus falsos prazeres e o impressionar com grandes exemplos.

    Ele o vivificar pela atrao secreta da virtude e o instruir atravs de sonhosleves. Assim conduzi algumas vezes meus profetas.

    Homens fracos e preguiosos, se tivsseis cado em uma gua lodosa e de vastaextenso, no tereis de vos agitar vivamente para alcanar a margem ?

    Foi uma ao que os fez sair de seu posto original. Somente por uma aopodero retornar.

    Procurai as cidades de refgio, pois estais em uma noite to espessa, que nopassais talvez um s momento sem derramar involuntariamente o sangue devossos irmos .

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Seus pais vos perseguem sem cessar para se vingarem. Vossos dias esto emperigo; mas o Senhor quer salvar vossas vidas.

    Voai, voai para essas cidades de refgio, com que sua misericrdia encheu a terraque ele vos deu.

    Deus de paz! Recorda-te que teus e leitos pediram para serem antemas, para asalvao de seus irmos.

    Era por ti, e no contra ti, que formulavam tais votos. Teu amor os seguir nodeserto e os nutrir a at que seus irmos tenham sado dele.

    Eles se tornam refns da morte; tu os resgatars.

    Somente a caridade pode encarar este sacrifcio, somente a caridade podecompreend -lo. S teu amor imortal pode dirigir sua realizao.

    15

    Mortais! No digais que vossa sede da verdade s vos dada para vosso suplcio.

    A verdade no pune; ela melhora e aperfeioa.

    A sabedoria no pune; instrui.

    O amor no pune; prepara docemente os caminhos. Como o amor poderia punir?

    Eis portanto, mortais, o que constitui a essncia de vosso Deus.

    A sabedoria no deixaria entrar em vs desejos verdadeiros, se no vos tivessedado tambm meios seguros para satisfaz -los. Ela a prpria medida, e s ageem relao a vs dentro dessa medida.

    Mas vs, juizes imprudentes e insensatos, perturbais esta medida nos fracosmortais!

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Se comeardes cedo demais a vos fazer mestres, no lhes oferecereis mais doque frutos precoces ou roubados, que terminam por vos deixar confusos.

    Se exaltardes demais suas idias, dar -lhes-ei desejos antecipados e perigosos.

    Se inclinardes seus espritos sobre as coisas compostas, fareis nascer nele sdificuldades que os levaro a se perder.

    Sabedoria, sabedoria, somente tu sabes dirigir o homem sem fadiga e sem perigo,

    nas tranqilas gradaes da luz e da verdade.

    Deste tempo a teu rgo e teu mediador; ele tudo ensina, como tu, de um modo

    doce, impe rceptvel, e mantendo -se continuamente em silncio; enquanto que oshomens nada nos ensinam com a contnua e excessiva abundncia de suaspalavras.

    O Senhor avana como um fogo vivo; apodera -se de todas as pores de fogoque esto difundidas nos seres.

    Ac ende suas chamas diante da alma humana e ele prprio a acompanha para

    faz-la chegar da forma mais segura at as portas do amor.

    Homem! quanto gemers um dia, quando com as influncias da desordem comque te ters impregnado, te aproximares da regio da or dem!

    Como, com as maravilhas com que a sabedoria viva havia formado minha

    existncia, pude tornar -me o mercenrio e o fabricante de iluso?

    Como pude acusar de injustia a mo que s se havia ocupado em me encher defavores?

    A palavra s havia vencido o tempo e entrado no homem, s se tinha gravadonele, s se fazia ouvir continuamente em seu ntimo, para que ele fizesse ressoar

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    fora de si seus sons harmoniosos e celebrasse os louvores da misericrdiauniversal.

    16

    No, Senhor, no permitido ao homem poss uir neste mundo todos os bens queseu pensamento o faz entrever.

    Bem que desejas no lhe recusar essa esperana, pelo receio de que sedesencoraje; mas a justia no pode ainda conceder -lhe o prazer total, pois eleno poderia suport -lo.

    Oh! Como a realid ade do mundo futuro ser bela aos nossos olhos, j que a ilusodeste mundo atual, passageiro e aparente, to imponente e magnfica!

    Na regio da vida, o ato do esprito perptuo.

    O homem regenerado espraia seu olhar por ela, sem interrupo, sobre os seresvivos e puros, cujo aspecto o santifica.

    Todos esses motivos atingem- no sucessivamente, e nele no resta uma sfaculdade que no esteja plenamente preenchida.

    Quando se precipitar o tempo de forma a j no impedir ao homem a alegria e osdireitos de seu ser?

    Durante o tempo podemos apenas procurar penosamente a sabedoria e a

    verdade. Acima do tempo ns as possumos. Abaixo do tempo vomitam -se injriascontra elas.

    Regies santas, essas maldies jamais prevalecero contra vs.

    O sangue da terra j no se elevar por cima de sua cabea; o Eterno derrubou -ocom a voz de seu trplice trovo, e f -lo entrar em seus canais.

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Ele ligou os cus terra, semeando na alma de seus eleitos o germe do espritoda verdade.

    Ligou a terra aos cus, fazendo frutificar na alma desses mesmos eleitos essegerme divino.

    Que todos os seres, no tempo passado, no tempo presente e no tempo futuro,

    bendigam seu nome.

    pela procura de seu nome, e pelo louvor de seu nome, que conseguirei iludir otempo.

    Naes da terra, gerae s futuras, aproveitei meus segredos.

    O tempo ser precipitado abaixo de vs, obtereis a alegria e o repouso de vossasalmas. Eis a recompensa e as bnos que descero sobre meus cnticos.

    Os homens desejariam levar-vos a Deus por labirintos, alguns vos le variam at aconsiderar um crime procur-lo.

    Mistrios do reino de Deus, sois menos inexplicveis que os mistrios do reino doshomens.

    17

    Quem ousar dizer que o mal no seja um desvio do bem? Quem ousar v -locomo uma estagnao na linha reta?

    S h estagnao ao lado do leito dos rios, ela no pode existir nas correntes.

    Na regio da vida, esta linha uma grande e eterna corrente, que por sua rapidezarrasta tudo em seu curso e atrai tudo aquilo que se encontra nas margens.

    Onde estariam suas margens, uma vez que age por toda parte? No haver nadana regio da vida que possa resistir a seu impulso?

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Neste mundo, esta linha procede tambm sem alterar seu curso; age sem cessarsobre o prprio mal, para retificar seu desvio.

    Mas opera apenas em correntes parciais e atenuadas, e o mal tem o poder de

    opor- se sua ao.

    Princpio do mal, tu te depravaste voluntariamente em tuas faculdades, porqueno so fixas; no poders jamais depravar -te em tua essncia, que imperecvel.

    pouco sensato procurar em ti u ma chave mais positiva e uma outra origem paratua existncia.

    Se a vida , a morte no pode ser, pois haveria duas coisas. Inferes tua origemdepravada apenas de teu apego s imagens do ser.

    No por te haveres contemplado, tu, que no eras mais que imag em de Deus,que caste nas trevas?

    No foi o mesmo crime que se repetiu universalmente? E em nossas artes, em

    nossas paixes, em nossas supersties populares e materiais, no vemos portoda parte a contemplao dos signos e das imagens, em lugar do culto dosprincpios e dos modelos?

    O homem, ao aproximar- se do mal, gera uma imagem de sua ao falsa, que setorna seu tormento quando ele se eleva e a contempla. Aproximando-se do bem,

    engendra uma obra viva que se torna sua consolao de todos os momentos.

    Consultai pois vossas duas substncias e no haver nada entre as causas finaisou as razes das coisas que no vos possa ser desvendado.

    Senhor, pusestes nos germes, sintetizadas, todas as propriedades de seu

    princpio; visto que sois vs mesmo nosso princpio, todas as luzes e todas asvirtudes podem brilhar em ns.

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Mas, infelizes mortais, quanta lama lanastes sobre esta chama, em vez delibert-la incessantemente de seus invlucros, e depois vos queixastes de j no aenxergar.

    18

    No mais tempo de dizer, como Davi: Senhor, clamei por vs dia e noite e nome escutastes.

    As portas do templo no estavam ainda abertas; os povos se mantinham sentadosnos degraus do trio.

    Esperavam, com as mos envoltas em suas vestes, que a aurora surgisse e queos portei ros, chamados pela hora propcia, viessem dar acesso prece.

    O dia chegou, podemos avanar at o altar. J no precisamos, profetas, gritarcomo vs, at romper nossas entranhas, para sermos ouvidos.

    Estamos perto do grande sacerdote; com um olhar ele jul ga se nossa f sincerae se nossa oferenda pura.

    O amor anima vossos olhos e enche- os de doces lgrimas? Eis vosso pedido, eisvossa prece.

    Sois atendidos, o grande sacrificador est de acordo convosco. Retornai a vossascasas, cheios de bens.

    A cada dia, renovai os mesmos pedidos com a mesma sinceridade e recebereis as

    mesmas bnos.

    Os patriarcas desbravaram o campo da vida;

    Os profetas semearam; o Salvador deu a maturidade: podemos a cada instante

    recolher a mais abundante colheita.

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Ele no venceu o inimigo? No foi tentado em seus sentidos e em sua matria,porque seu corpo era formado de elementos puros, e porque o caminho do amor,

    e no o do pecado, o colocara na regio dos corpos.

    No foi tentado em seus sentidos e em sua matria, porque no fora pelossentidos e pela matria que o crime do homem tinha comeado.

    S foi tentado quando junto da matria, pois a matria o caminho da desordem eda mentira.

    Mas foi tentado em seu amor e em sua fidelidade, porque o esprito o haviaconduzido ao deserto;

    Porque o amor o levara a deixar a morada de sua glria para mergulhar emnossos abismos;

    Porque tendo sado de seu lugar para aproximar -se da desordem, no podiadeixar de sentir o choque de suas influncias venenosas;

    Porque somente ele, como fonte do p oder, podia levar ao homem a fora e os

    meios de vencer o inimigo;

    E porque, quando a alma venceu o inimigo no esprito, ele no podia mais tent -la,nem em sua matria, nem por sua matria.

    Mas com que armas venceu ele o inimigo? Com que respostas fez calar o

    tentador?

    Com trs passagens extradas das Escrituras; e as Escrituras vos pareceriam,mesmo assim, indignas de vossa ateno!

    19

    To impetuosa quanto os aquiles desencadeados, to ardente como os fogos doEtna, to perseverantes como o movimento dos astros:

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Assim deve ser a prece do homem; no deve conhecer o repouso e a interrupo,assim como a eternidade no conhece o tempo e os intervalos.

    Imitarei Jac, no te deixarei enquanto o anjo no me houver abenoado. Minhaalma languesce por ti.

    Abenoa-me com a bno terrestre.

    Abenoa-me com a bno celeste.

    Abenoa-me com a bno divina.

    Abenoa-me com a bno do santurio.

    Abenoa-me com a bno da fora, da inteligncia e do amor.

    E celebrarei a imensido de tua misericrdia e de teu poder, e h umilharei teusinimigos!

    Deus me dar um penhor dessa aliana, e este penhor no mais me deixar.

    Colocar guardas fiis sobre toda a minha pessoa; meu corpo, minha alma e meuesprito sero guardados pelas sentinelas do Senhor.

    Minha palavra subiu em dire o a meu Deus, elevou -se em direo a seu trono,tocou as fontes da vida.

    Sinto-as descerem em mim. Procuram por toda parte em mim o que lhes pertence.

    So a vida. Tudo o que vive em mim seu prprio bem.

    So a paz, a alegria, a felicidade: como no terminaria tudo por cnticos?

    Moiss, Dbora, Zacarias, todos os santos de Deus completaram suas obras poraes de graas ao Eterno.

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    O fim da obra ser um concerto universal.

    Os cnticos so contnuos na regio superior. Ser no seio da vida que se podeconhecer o torpor?

    Israel, foste escolhido para ser o chantre da terra. No interrompas jamais teusconcertos, e que a terra no mais esmorea no sono.

    20

    Que ofcio pode comparar -se ao de ser batizado para os mortos? Ao de lavarcontinuamente com nossos sofrimentos as manchas que os homens se fizeram,

    se fazem e se faro, e suportar todas as dores terrveis que da decorrem?

    Onde quer que v este homem, faa ele o que fizer, sua obra persegue -o e oamargor da ferida fermenta nele.

    S o ocupa e o atormenta o des ejo da cura da grande chaga.

    Deus de paz! Se entre meus irmos h aqueles que agem como se no selembrassem de ti, no ajas em relao a eles como ages para com aqueles dequem j no te lembras.

    No est o zelo da casa do Senhor ligado ao amor do homem? No o homem oobjeto da obra e do amor do Senhor?

    Havias prometido a Israel dar a ele povos e reinos; mas deste mais ainda aos

    povos e aos reinos, pois tu te deste por eles. O Senhor uma infinita progressode mistrios. Tem claridades e luzes para tod as as eras.

    Ele nos deu, no primeiro slido, uma prova material de que seu nome permanecesobre a terra.

    Demonstrou- nos assim a atividade universal de seus poderes e como sua aopreenche todas as regies e todos os degraus do tempo.

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Ensinou- nos que, sua imagem, devemos preencher o universo com sua justiadistribuidora, at nos lugares onde a injustia se estabeleceu.

    Eis o fardo que deve carregar o homem de dor; deve at se encarregar do fardo

    de seus irmos, se a covardia os detm.

    Deve carregar esse peso opressivo atravs das rudes sendas do tempo, atravsdos matagais e espinhos, apesar do granizo e das geadas, at o lugar de seudestino.

    Ao nula, podes, sem dvida, perturbar a harmonia. Como deve perturb -la,ainda mais, a ao falsa e censurvel!

    Nada se perde: no ser preciso que algum dia a colheita se mostre e vossoscrimes tragam luz os frutos que semeiam hoje na sombra?

    Para no tremer diante do estado futuro, seria preciso ter a medida dele. Mascomo o estado atual nos serviria de base?

    Vede se a linha circular no pelo menos neutra em relao espiritualidade,

    pois ou ela tem conformao precisa, ou m.

    E verificar de onde vm as dores dos profetas e os sofrimentos em que a grandechaga retm todos os seres.

    21

    Vs, que estais instal ados em tronos de luz! Por que os homens encontram tantasdificuldades para conciliar seus sistemas?

    No ser para que todos sejam obrigados a submeter -se ao jugo divino ereconhecer o soberano dos seres como nico sbio e nico mestre?

    Quando me estendere is uma mo segura para colocar -me a vossos ps, sobre osdegraus de vosso trono?

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Deste ponto elevado, eu contemplaria, com a viso da inteligncia, as maravilhasde todos os universos.

    Sentiria viva e fixamente em meu corao o aguilho imortal de vida divina quedeveria orientar e santificar todo o meu ser!

    Atravs de vs, eu participaria desta unidade, a nica que pode conciliar todos osmortais.

    Enquanto a serpente conservar sua pele endurecida pelo frio do inverno, poderreceber as influncias benignas da primavera? E como ela obtm a pele nova queser penetrada pela vida?

    esfregando -se dolorosamente contra os espinhos, passando pelos matagaiscerrados e dilacerantes, que ela se desfaz de seu despojo e se torna lisa e gilcomo nos primeiros dias de sua juventude.

    Todas as violncias do inimigo so como a peneira, onde o gro selecionado e separado. Todos os espinhos que ele me far sentir,destacaro a cada atrito uma dobra de minha roupa

    antiga.

    Ento traaro em mim os sinais de nossa co -eterna aliana; estreitaro minhamo, e a mo de minha alma, em testemunho de nossa unio; tero ordem desel -la com o selo sagrado.

    Razo natural, prudente observao, podeis esclarecer -nos sobre nosso estado

    primitivo.

    Somente a regenerao e a renovao de t odo o nosso ser podem nos fazersenti-lo.

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Qual mesmo o objeto das duas leis? No se limita a restituir -nos a pureza doestado secundrio?

    Tambm vs todos, eleitos do Senhor, vos ocupastes com esta obra e pouco nos

    instrustes sobre o primeiro estado.

    As tradies sagradas deviam ser preenchidas com fatos do esprito, no comespeculaes da inteligncia.

    Mundo, mundo, por que no eras digno de que ele se desenvolvesse diante dosdiscpulos de Emas?

    Que maravilhas poderia ele ter-lhes ensinado, pois no momento em que lhesfalava, j no estava na morada da morte!

    22

    Uma me perder de vista o filho que ela pune pelas leves faltas da infncia? Afasta-o de si alguns passos, prescreve-lhe um recinto sob seus olhos, e no

    mesmo lugar em que ela habita.

    Assim age Deus com o homem culpado.

    Criana, se conhecestes o corao de tua me! No sero os gritos de clera quea tocaro. Ela espera que faas ouvir os da amizade e do arrependimento.

    Manda- te mesmo, secretamente, amigos fiis, que parecem sugerir -te, reve liadela, que implores sua misericrdia.

    Segues este conselho salutar! Vem, criana querida, no h mais barreira para ti,no h mais distncia entre ns e podemos abraar -nos.

    Deus de paz, como essa me terna esperas apenas a humildade do corao dohomem e o retorno de seus olhos para ti, para o tirares de seu cativeiro.

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    No ousa mais chamar -te seu pai, porque retirou de si mesmo esse direito porsuas ofensas e mculas. Mas tu continuas chamando -o teu filho, porque operdoas e j no lembras de seus crim es.

    E o esprito do homem acredita -se abandonado, quando punido! Acredita -se nonada quando j no est na abundncia da vida!

    Como se o amor no acompanhasse a justia por toda parte! Como se os simplessoberanos da terra no fornecessem eles mesmos o necessrio aos ilustresculpados cuja opulncia e liberdade so forados a restringir!

    Sim, sim, o Senhor s vezes mergulha o universo no abismo, mas no querprecipit-lo a para sempre.

    Do alto de seu trono, ouve os gritos dos hebreus na terra do Egito. Esses gritos

    fazem descer seu prprio nome, esse nome que no fora dado nem mesmo aAbrao, a Isaac e a Jac.

    Porque quanto mais extremos so nossos males, mais o benfazejo autor de nossavida apressa-se a enviar-nos socorros eficazes.

    23

    Um homem foi envia do em testemunho para atestar o imprio da verdade sobre oerro, e da realidade sobre o nada.

    Tornou- se um homem de dor, no encontrando em parte alguma onde repousar acabea de sua inteligncia.

    Deus dissera: Reunirei as disperses de Israel. Eles disser am: Dividamos ascongregaes de Israel.

    Um galho caiu da rvore. Os insensatos o recolheram. Mas por acaso oobservaram para reconhecer a natureza da rvore?

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Levantaram- no contra essa rvore; golpearam -na com ele para mutil-la edesfigurar todos os seus frutos.

    Mortais, sabei que aqueles que tiverem sido talhados como foices sero

    devolvidos forja e bigorna, antes de tornarem -se novamente relhas de arado.

    Os poderes do tempo talham as pedras para o edifcio futuro. Preparam os metaispara ornar o temp lo do Eterno; lanam-nos na fornalha para que nela sepurifiquem de suas escrias.

    Os homens mais dcteis e mais doces so os que mais sofrem. imagem doouro, pode- se faz -los passar pela fieira mais estreita sem quebr -los.

    Os metais quebradios no res istem a essa prova.

    O que poder separar o homem da Divindade, quando estiver ligado a ela peloamor e pela dor? A porta do amor foi aberta, o homem tem dois caminhos hoje.

    Outrora tinha apenas o do seu nome, assim como o perverso.

    Se ele se unir ao amor d esde este mundo, tomando Deus por seu nico mestre e

    a alma do homem por sua esposa mais querida, tornar-se- impecvel no reinofuturo.

    Glria primitiva do homem, devias crescer e estiveste diminuindo. As leistemporais do esprito vieram em seu socorro n o grau de inferioridade a que elehavia descido;

    E devem reconduzi-lo a esta linha de crescimento infinito que lhe estava destinada

    por sua origem. A vestimenta da caridade no se estendeu sobre a chaga paracobri-la?

    O blsamo no penetrou nela para cur -la? A chaga, a vestimenta e o blsamo,que campo para o estudo da palavra e para a consolao do homem!

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Senhor, Senhor, verdade que o homem no se pode furtar aos teus olhos, poisteu esprito e teu amor ocupam toda a terra.

    Mas tambm verdade que no te podes furtar aos olhos do homem que tedeseja e te procura.

    Homem de desejo, no deixes mais, portanto, tua confiana se abalar pelasinjustias de teus semelhantes.

    24

    Faamos de modo que, em nossa ltima hora, somente nossos herdeiroslegtimos partilhem nosso esplio. Eis como se distribuir nossa herana.

    Os agentes puros da natureza herdaro nossas substncias elementares.

    Os homens de bem em todas as idades herdaro nossas influncias salutares.

    Os sculos herdaro nossa memria.

    Os eleitos de Deus herdaro as obras vivas que tivermos realizado sobre a terra.

    Os ministros do conselho herdaro nossa eqidade e nosso juzo.

    Os anjos de luzes herdaro descobertas e verdades que tivermos introduzido nocomrcio do pensamento.

    A mulher pura herdar nossa s virtudes e nosso respeito pelas leis da natureza.

    O esprito herdar nosso zelo e devotamente.

    O divino reparador herdar nosso amor.

    O soberano dos seres herdar nossa santidade.

    Nada ficar para os ladres e para os briguentos.

  • 8/13/2019 182471365 o Homem de Desejo

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    Mas o que preciso fazer para obter tal graa? preciso manter uma ordemperfeita em todas as nossas posses.

    Ser necessrio, na poca do acontecimento, suplicar ao grande juiz para quevenha pessoalmente colocar seu selo e seu nome sobre tudo o que nos pertence;

    Para que o ter ror e o respeito inspirados por este grande nome faam recuar todosaqueles que se apresentariam na casa com maus desgnios,

    25

    A rvore desceu s guas amargas para ado -las e torn -las frteis; voltou asubir em direo sua terra natural.

    Enviou reben tos que encontraram as guas preparadas. Criaram razes eproduziram frutos.

    Rebentos poderosos, abraareis as plantas fracas e lhes servireis de apoio comoa uma vinha nova.

    Torrente da vida, abri- vos um caminho at a raiz do corao humano. Arrastaitudo o que a circunciso do ferro afiado tiver cortado de heterogneo e enchei oscampos ridos com vossas guas to lmpidas como o diamante.

    Posso ir a vosso encontro? Ligado terra como a relva dos campos, no estou,como ela, condenado a toda a aridez do inverno?

    No deverei esperar que o doce calor da primavera venha fundir as guassalutares, retidas nas montanhas sob a