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... " , -;:;';:'-""'1'0 UNICl\MP TEXTOS NEPO 4 MALTHUS E MARX FALSO ENCANTO E DIFICULDADE RADICAL Francisco de Oliveira NOCLEO DE ESTUDOS DE POPULAÇAo - NEPO UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS _ UNICAMP CAMPINAS (SP) BRASIL NOVEMBRO 1985

1985 - Teorias Classicas Marx e Malhus [Francisco Oliveira]

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Geografia da população, Marx, Malthus, Oliveira, teorias

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  • ... " , -;:;';:'-""'1'0

    UNICl\MP

    TEXTOS NEPO 4MALTHUS E MARX

    FALSO ENCANTO E DIFICULDADE RADICAL

    Francisco de Oliveira

    NOCLEO DE ESTUDOS DE POPULAAo - NEPO

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS _ UNICAMP

    CAMPINAS (SP) BRASIL

    NOVEMBRO 1985

  • = DE FSTUIXlS DE POPlJLI\1O - NEPOlN.IVERSIDJ\DE ESTADUAL DE CAMPINAS - lIiIICAMPCAIXA POSTAL 1170

    REITOR

    Jos Aristodemo Pinotti

    COORDENADOR GERAL DA UNIVERSIDADE

    Ferdinando de Oliveira Figueiredo

    COORDENADOR GERAL DOS INSTITUTOS

    Ubiratan d'Ambrsio

    COORDENADOR GERAL DAS FACULDADES

    Antonio Carlos Neder

    ASSESSOR TtCNICO NA REA DE

    DESENVOLVIMENTO UNIVERSITRIO

    Geraldo Giovanni

    DIRETORA DO NCLEO DE ESTUDOS DE POPULAAO

    Elza Berqu

    FICHA CATALOGRFICA

    OL4rn

    Lb.S'IF: 12,J "...3"" ...u, cR: ~i.:nL .~-~:q"t~

    ,,;r:[f:fo/I'JJf

    Oliveira, Francisoo de

    Malthus e Marx : falso encanto e difieul-dede radical. / Francisco de Oliveira.Campinas : NEPO . UUCAMP 1 1985

    (Textos NEKl, 4)

    1. ropulaco - Fator ecornnco. I. Titulo

    19. CDD- 304.62

    frrlice para cat.joc sistemtioo:1. Populao : Fator eoon5mico 304.62

    41

  • MALTHUS E MARX, FALSO ENCANTO E DIFICULDADE RADICAL

    Francisco de Oliveira

  • SUMRIO

    MALTHUS E MARX, FALSO ENCANTO E DIFICULDADE RADICAL

    Resumo

    Um Parto na Histria das Cincias:

    Economia poltica e Demografia

    Pastoral e Luta de Classes, as

    Bases Paradigmticas

    o Encanto do Paradigma Malthusiano

    A Radicalidade do paradigma Marxista

    Bibliografia sumria

    3

    4

    5

    11

    18

    26

  • RESUMO

    Trata-se de fazer uma explorao das contribuiesde Malthus e Marx para a fundao da Demografia. Bus cou-vseressaltar a interdisciplinaridade com a Economia poltica ,de cujas questes no resolvidas ronstitli-se um campo de problemas que veio a ser a Demografia. Os dois autores, toma~dos como exemplares, situam-se no terreno da Economia Cls-sica e suas ingadaes a respeito de problemas que terminavam na populao constituIran-se em questes fundamentais para O nascimento da nova cincia. Malthus tomado como pa=trono da Demografia Formal. A postulao do chamado "princfpio da populao", original em Malthus, por assim dizer apedra fundamental da qual parte a Demografia em geral, maisespecialmente a Demografia Formal.

    O chamado "princpio da populao" de Malthus pri-vilegia uma espcie de movimento prprio da populao, aqual conferida autonomia prpria. Buscou-se ressaltar aoriginalidade da postulao malthusiana, apesar da fraquezae da singeleza tericas do seu paradigma.

    De outro lado, Marx inscreve suas especulaes emtorno da populao, tema que nunca abordou diretamente, umcampo multiplamente determinado. Ele , assim, o patrono datendncia interdisciplinar. Ao contrrio de Malthus, o paradigma marxista extremamente complexo, e por uma srie derazes que vo desde sua complexidade at aos preconceitosideolgicos, a influncia de Marx sobre a Demografia queveio a se constituir mnima. Ele recusa uma postulao dotipo "Lei Geral de Populao" e a transparncia dos fenme-nos demogrficos. .

    De qualquer modo, as pistas sugeridas tanto porMalthus quanto por Marx esto presente, nos problemas popul~cionais contemporneos, percorrendo-se evidentemente traje-tos metodolgicos radicalmente diferentes. A tenso dialtica entre os temas propostos por Malthus e Marx continua fecundar as pesquisas na Demografia contempornea.

    LieselHighlight

    LieselHighlight

    LieselHighlightprincpio da populao: autonomia e movimento prprio

    LieselHighlight

  • MALTHUS E MARX, FALSO ENCANTO E DIFICULDADE RADICAI:

    I, UM PARTO NA HISTORIA DAS CIENCIAS: ECONOMIA POL!TICA E DE

    MOGRAFIA

    Nossa tentativa ir no sentido de tentar perceber,

    no cruzamento com os problemas da Economia poltica, como

    vai se constitundo um campo prprio, vo se espessando cer-

    tas questes que deixaro de pertencer ao campo estrito da

    Economia poltica para, finalmente, constiturem o campo da

    Demografia. Desse ponto de vista, a demografia talvez mos

    tre, em grau exemplar, a interdisciplinaridade como

    necessrio para a constituio de um campo especfico.

    mtodo

    Essa dmarche pode mostrar como questes anterior-

    mente tratadas em outros campos cientficos, pelos prprios

    impasses que elas levantam, terminam por se transferir e

    constituir um campo prprio de investigaes. A interdisci-

    plinaridade est presente, portanto, na constituio da demo

    grafia: ela no construiu seu objeto seno antes de passar pelo

    crivo de mltiplas determinaes que estavam sendo examina-

    das em outros campos cientficos. Essa interdisciplinarid~

    (') - Este texto orIgInou-se da exposio proferida no SeminrioTeoria e Metodologia em Cincias Sociais do Doutorado emcias Sociais do Instituto de Fisolofia e Cincias HumanasUNICAMP, em maio de 1985.

    deCin

    d:

    LieselHighlightconstituio do campo da demografia a partir de problemas da Economia Poltica

    LieselHighlight

    LieselHighlight

  • S

    de vaI conviver intensa e dialeticamente com os requisitos

    de autonomia, de circunscrio rigorosa, que qualquer campo

    cientfico requer. Atravs do percurso das proposies de

    Malthus e Marx, exemplares a respeito da interdisciplinarid~

    de, observaremos COIVO essas questes vo saindo de um campo

    difuso da Economia poltica para terminar desaguando num cam

    po de pesquisas prprio.

    H uma tenso, portanto, entre interdisciplinarida-

    de e autonomia. A autonomia ser aquele momento em que um

    campo de questes j surgiu, com propriedades tericas e me-

    todolgicas para indagar sobre questes no satisfatoriamen

    te resolvidas por campos afins, e no caso mais preciso sob

    exame, pela Economia poltica.

    2. PASTORAL E LUTA DE CLASSES, AS BASES PARADIG~~TICAS

    B difcil dizer se Malthus estava genuna e exclusi

    vamente interessado nas questes d~ populao "per se", per-

    gunta alis que nao fazia sentido no seu tempo. Pode-se di-

    zer que ele estava interessado em entender a determinao da

    taxa de salrios e por a chegou s questes populacionais.

    A taxa de salrios tem, no modelo econmico de Malthus, in-

    fluncia decisiva sobre a forma e a taxa de acumulao de c~

    pital e sobre a renda, e mais particularmente, no sentido

    malthusiano, sobre a constituio e as causas da pobreza.

    LieselHighlight

    LieselHighlightPastoral: ver foucault e a questo do governo

    LieselHighlightinteresse de Malthus: determinao da taxa de salrios

    LieselHighlightproblema da pobreza

  • 6

    Mas, ao postular a populao como varivel independente, Ma!

    thus patroniza toda a tendncia de autonomizao no campo da

    demografia. Essa postulao a gnese da constituio de

    um campo especfico que examinaria as questes demogrficas

    em si mesmas, relativizando bastante, a partir de Malthus,

    a contribuio das outras cincias sociais, e com os neomal

    thusianos chegando a dissorciar-se at de seu inspirador,que

    via no comportamento dos salrios o fatar corretivo da auto-

    nomia da populao.

    A demografia formal, como herdeira principal do

    chamado "princpio da populao" de Malthus, vai exagerar

    nessa tendncia autonomizante, construindo tcnicas quantit~

    tivas que seriam apropriadas para pesquisar as "leis endge-

    nas" do movimento da populao, com o auxlio da matemtica,

    da estatstica e da aturia. Abandona a tradio metodolgl

    ca das cincias sociais em geral, que estudam principalmente

    a relao entre os fenmenos; este o modo de construo

    dos objetos tericos nas cincias sociais. Alm disso, es-

    tas distingUem o todo das partes; h um movimento formal de

    totalizao que diferente da soma dos indivduos abrangi-

    dos pelo fenmeno, ou em termos marxistas, h uma transfor-

    mao da quantidade em qualidade.

    A demografia formal constri totais nao totalida

    des - a partir da contagem dos indivduos e os rei fica como

    totalidades; noutras palavras, no h momento de abstrao

    formal na demografia. A mortalidade de uma determinada pop~

    LieselHighlight

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  • 7

    lao nao diferente qualitativamente e formalmente da soma

    das mortalidades individuais, por exemplo. Pode-se obter a

    mdia de mortalidade (uma relao entre o total de mortos e

    o total da populao) ou a idade mdia em que ocorre a mor-

    te (uma relao entre a idade em que ocorrem as mortes e o

    total da populao), mas esse valor no tem nenhuma influn

    cia sobre a idade de cada indivduo, morto ou sobrevivente.

    Diverso o que se passa na economia ou na sociologia: por

    um movimento de abstrao formal, pode-se dizer de algum

    que capitalista ou burgus ou operarlO, sem necessidade de

    nomear-se suas rendas ou seu salrio, e a figura do indiv-

    duo recorta-se nitidamente por uma determinao que advm da

    totalidade. Assim, paradoxal que um campo cientfico que

    se tem esmerado no desenvolvimento de tcnicas de mensurao

    e de anlise complexas, permanea to pobre em termos de abs

    trao.

    A demografia f ot-ma L assim, toma a "nuvem por Juno",

    isto , a simples soma dos indivduos imediatamente trans

    parente; por isso, ela consegue avanar do ponto de vista da

    tcnica quantitativa, mais do que os outros ramos da demogr~

    fia, reforando seu isolamento. A concorrncia da interdis-

    ciplinaridade com as outras cincias sociais serve apenas

    para qualificar atributos intrnsecos dos sujeitos demogrfi

    cos, mas jamais pode transformar esses atributos. Isto se

    deriva principalmente do reforo que vem de Halthus ao esta-

    belecer o "princpio da populao" como um princpio em si

  • 8

    mesmo, e isso e muito mais uma reinternretaao do trabalho

    de Malthus e muito menos sua preocupao inicial. Sua preo-

    cupaao inicial, quando ele aborda a populaao, estava dire-

    clonada no sentido de entender "relaes sociais", porque o

    capital se acumulava neste ou naquele ritmo, porque popul~

    o e capital vo determinar uma taxa de salrios; porque o

    movimento da populao pode contrabalanar a tendncia da

    acumulao em fazendo baixar ou aumentar os salrios.

    Era 50 essa sua preocupao, mas os que desenvolve-

    ram a teoria rnalthusiana se esquecem de que o que estava em

    causa era o entendimento de uma relao social, com o que se

    fecharam sobre si mesmos para perseguir algo como o movimen-

    to estrutural dos prprios agregados populacionais. Corno re

    sultados, o crescimento, a expansao, a melhoria das tcnicas

    de anlise quantitativa, mas de outro lado um distanciamento

    da ampla temtica e do concurso das outras cincias sociais;

    at o ponto que a prpria Economia poltica, espcie de par-

    teira da Demografia, passou a ser inteiramente estranha ao

    campo da demografia formal. Os demgrafos formais, de ontem

    e de hoje, quase desconhecem inteiramente at o prprio Mal-

    thus, para no falar dos outros.

    Doutro lado, tem-se Marx, no extremo oposto em rel~

    ao a Malthus. Em primeiro lugar, Marx privilegia sobretudo

    a questo da interdisciplinaridade (embora a crtica vulgar

    ainda se delicie em denunciar o "economicismo" de Marx, pro-

    va apenas de que no entendeu nada). Os diversos textos on-

    LieselHighlight

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  • 9

    de abordou a questo da populao deixam perceber que ele

    nao estava interessado diretamente na questo da populao,

    que no foi objeto de sua investigao. No famoso prefcio

    Crtica da Economia Poltica. ele d a chave mediante a

    qual pretendia realizar sua obra principal e mais acabada,c~

    locando a populao num dos ultimos captulos. No 50 por

    colocar nos ultimos captulos, mas sobretudo porque a "popu-

    lao em geral" era uma abstrao vazia. A populao, seus

    movimentos, seus volumes, so produtos de mltiplas determi-

    naoes que advm no de "leis endgenas" da populao, nao

    de uma lei geral de populao, mas como adverte no prefcio

    e sobretudo no captulo de O Capital que trata da produo

    de uma superpopulao relativa, cada modo de produo tem

    sua lei de populao prpria. Convm sublinhar para o enten

    dimento das diferenas radicais entre Marx e Malthus a pala-

    vra "produo" de uma superpopulao. No existe para Marx

    aquela "lei geral de populao" de Malthus, e portanto, tam-

    pouco existe urna progresso geomtrica da populao e urna

    progresso aritmtica dos meios de sobrevivncia e sobretudo

    dos bens destinados alimentao. Alis, a histria d mui

    to mais razo a Marx que a Malthus~ embora o prestgio deste

    na demografia seja muito maior.

    Marx trabalhar essa questo do ponto de vista do

    processo de acumulao, isto , de como um processo de acumu

    lao vai construir vai "produzir" - pela sua prpria di.

    nmica, um exrcito de pessoas que trabalham ou esto na ati

    LieselHighlight

    LieselHighlight

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  • 10

    va e simultaneamente outra parcela de pessoas que esto na

    reserva da fora de trabalho.

    E a partir da, dessa relao entre ativa e reser

    va, determinada pelo processo de acumulao, que surgem as

    pistas, nunca completamente elaboradas pois no h uma demo-

    grafia marxista como tal, presentes nao apenas no conjunto

    da obra de Marx como em geral no amplo campo ter-ico marxista. Pis

    tas para, a partir dos processos que poderiam ser chamados

    analogicarnente de "mortalidade" e "fecundidade" da fora de

    trabalho chegar-se aos processos demogrficos mais abrange~

    teso A vantagem de um tal procedimento e que se abandona um

    conceito indiscriminado por um campo de conceitos determina

    dos.

    Na tenso entre autonomia e interdisciplinaridade,

    Marx certamente o pai da tendncia interdisciplinar. Mas,

    ao contrrio do que ocorreu com Malthus, as proposies de

    Marx no deram lugar a desenvolvimentos extraordinrios dos

    mtodos e tcnicas de anlise demogrfica. Mesmo os que se

    opoem a Malthus utilizam-se apenas de expedientes ad hoc pa-

    ra ponderar os principais agregados demogrficos. Relacio-

    nam-se populao e nveis de renda, populao e nveis de

    escolaridades, variveis que no chegam a repercutir sobre

    os totais previamente construdos. No balano dessa polm!

    ca, a posio de Marx claramente perdedora, embora fosse

    gratificante pensar que se substituiu um paradigma de dif-

    cil execuo por anlises concretas; a rigor, o paradigma

    LieselHighlight

  • 11

    que orienta as anlises empricas - que no chegam a ser

    concretas no sentido formal - continua ancorado nos princ-

    pios malthusianos. Este funciona como "latente", isto , se

    a histria at agora no desmentiu as previses malthusia

    nas, porque as condies em que finalmente emergir a ver-

    dade do paradigma malthusiano ainda nao ocorreram. Essa l-

    tima verso est presente, s vezes de forma subreptcia, ~s

    vezes de forma clara, em certas postulaes do movimento eco

    logista, e na verso do famoso "Clube de Roma", em que se

    anunciava para j a catstrofe final, ajudada inclusive pela

    crise do petrleo nos meados dos anos setenta.

    3. O ENCANTO DO PARADIGMA MALTHUSIANO

    A contribuio de Malthus para a formao da demo-

    grafia decisiva, pese falha intrnseca de seu racioc-

    nio, Sua "aritmtica de coelhos", base de um paradigma t e r

    co extremamente singelo. Malthus ~poe progresso geomtrl

    ca de crescimento da populao uma progresso aritmtica de

    crescimento dos meios de consumo ou especificamente dos bens

    de alimentao: animais e plantas, segundo ele, tm tendn-

    cia a se reproduzirem geometricamente, e os homens, formando

    parte do reino animal, tambm obedecem a mesma tendncia. Me

    diante um truque de raciocnio, a rigor um silogismo, Mal-

    thus trabalha os fatores que impedem a produo de alimentos

    LieselHighlight

    LieselHighlight

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  • 12

    crescer segundo a progressao geomtrica. Entram a solos

    ruins, perda de sementes e de produo, a famosa "lei de

    rendimentos decrescentes", enquanto a populao continuaria

    a se reproduzir segundo a progresso geomtrica. Para isso

    ele se utiliza de dados principalmente dos Estados Unidos,

    que mal saa da condio de colnia inglesa, sofismando Com

    um perodo de extraordinrio crescimento populacional que

    era comandado na verdade por mecanismos opostos ao argumento

    de Malthus: o fcil acesso terra, a liberao, nos Estados

    Unidos, das restries feudais, estas sim embotadoras do pr~

    gresso agrcola na velha Europa. Quem se der ao trabalho de

    uma lei tura cuidadosa dos textos clssicos de MaLthus encon

    trar o truque silogstico que e, surpreendentemente na his-

    tria da cincia, o fundamento de sua teoria de populao.

    Mais tarde o desenvolvimento histrico desmentiria Malthus

    de forma contundente - enquanto a populao, na velha Euro

    pa, hoje relativamente estacionria, a produo agrcola

    nao cessa de crescer - mas seu paradigma se mantm de p.

    O paradigma cativante, na sua singeleza. E algo

    corno o senso comum elevado condio de teoria cientfica.

    Porisso, por sua compreensibilidade, ele desperta simpatias

    primeira e desatenta leitura. Apesar disso, a verdade e

    que o problema proposto por Malthus no irrelevante. Em

    outras palavras, se no existe um "princpio de populao",

    algo como um movimento de acumulao no interior das estrutu

    ras demogrficas, tambm no verdadeiro o outro extremo,de

    LieselHighlight

    LieselHighlight

  • que a populao meramente uma varivel dependente em qual-

    quer situao histrica. Isto o que resta da postulao

    maLt.hu s i an a , e este "resta" muito para a demografia.

    Por exemplo, quando se trata de sociedades primiti-

    vas, para a guerra, entre uma tribo de 200 membros e outra

    de IDO, o tamanho da populao no irrelevante; isto e,nes

    te evento, tomando-se a hiptese de que o nvel tcnico das

    duas seja equivalente, o tamanho da populao pode ser deci-

    -sivo, e pode, pelo menos, elevar-se a categoria de elementoco-determinante nas relaes travadas entre duas sociedades

    tribais.

    Noutro caso, no caso da poltica, e em sociedades

    nao primitivas, a quantidade de eleitores que votam em fula-

    no ou sicrano no irrelevante, outra vez; pelo contrrio,

    na constituio de sociedades democrticas competitivas, que

    se baseie nos princpios da representao e da delegao, a

    quantidade dos eleitores um dado decisivo. 2 evidente que

    no exemplo nao se est desconhecendo as outras determinaes

    de carter estrutural que esto pOT trs das opoes eleito-

    rais, mas no momento da eleio a quantidade altamente re-

    levante, co-determinante do sentido, da direo e do rumo

    que podem tomar certos processos sociais e polticos.

    Assim, a pretenso malthusiana de erigir a popula-

    ao como um princpio independente terminou, apesar da sing~

    leza de seu paradigma, por colocar uma questo relevante, a

    saber, que a populao em si mesma foi introduzida como um

    LieselHighlight

    LieselHighlight

    LieselHighlight

  • 14

    elemento pelo menos cc-determinantes de certas relaes e

    certos processos sociais. Abriu-se o passo autonomia dos

    processos populacionais, que tem vantagens tcnicas conside-

    rveis e desvantagens metodolgicas j assinaladas.

    Indo mais adiante, no estudo da mortalidade a rela-

    ao que Malthus estabeleceu entre salrios e condies de

    vida extremamente importante. No nos termos globais em

    que ele o fez, nem no sentido de causalidade indicada(de que

    uma maior populao pressiona os salrios para baixo). Sob

    outra forma, radical e oposta, a meSma relao val reapare-

    cer em Marx. Este um problema moderno. Toda vez que se

    estuda a mortalidade infantil, por exemplo, tomando-se o pe-

    rodo do chamado "milagre brasileiro", o problema que Mal-

    thus colocou que est em tela de JU1Z0.

    A relao entre o total da populao a ser alimenta

    da e o total de meios de sobrevivncia sua disposio e

    crucial, contemporaneamente em termos de uma sociedade capi-

    talista, ou para uma sociedade primitiva. Pode atuar, pas-

    sando por certas mediaes, como d~terminante da mortalidade

    e da fecundidade. Pode causar desgaste precoce da populao

    ou da fora de trabalho, assim como adiar casamentos e

    unies, determinar o nmero de filhos. Era esta relao que

    estava presente nos diversos modos pelos quais todas as so-

    ciedades historicamente conhecidas praticaram ou praticam o

    controle da natalidade. Quem no se lembra da admirvel e

    terrvel "Balada de Narayama", onde a questo crucial para

    LieselHighlight

    LieselHighlightMesmo argumento de Herve le Bras

  • IS

    determinar o fim da vida dos velhos da comunidade e a possi-

    bilidade de novos nascimentos era a quantidade de meios de

    subsistncia numa remota e miservel aldeia do Medievo jap~

    ns?

    Do ponto de vista do estudo da natalidade e maIS

    precisamente da fecundidade, termos at ento no utiliza-

    dos, conceitos que no estavam ainda construdos pela embri~

    nria cincia demogrfica, Malthus apontou a questo do casa

    menta, sua precocidade, seu retardamento, corno um dos mais

    importantes fatores, para ele talvez o mais importante, na

    determinao da fecundidade, que os modernos estudos de demo

    grafia recuperam constantemente. O papel da tradio, dos

    usos e costumes na sociedade, tinham pesos decisivos em Sua

    opinio, somente contrabalanados pela deteriorao do sal

    rio.

    A deciso sobre casar-se, e quando - que social-

    mente determinada -, tendo em vista as condies de vida,

    algo que a moderna demografia recupera tentando entender

    como que alterando-se o padro de casamento, ou alterando-

    se a idade ao casar, pode-se alterar ao logno de um certo pe

    rodo a fecundidade. Em sua preocupao em salientar os

    efeitos do nmero de nascimentos sobre as condies de vida,

    Malthus chegou a conceder varivel "casamento" uma relati-

    va autonomia, devido aos j mencionados usos, costumes e tra

    dies sobre os quais dificilmente se pode atuar, salvo a

    partir das consideraes do prprio casal sobre a convenin

    LieselHighlightde acordo com Herve Le Bras, todas as sociedades adotam um ou diferentes mtodos de controle de natalidade, no sendo observado

    LieselHighlightalteraoes nos padres de casamento

  • 16

    eia de ter ou nao ter filhos numa perspectiva liberal, ou a

    partir dos "hbitos" sociais numa perspectiva a la Bourdieu.

    Nos estudos modernos, inclusive alguns que se reali

    zam no Brasil, este um problema importante. Na vertente

    "economicista tl da demografia, a deciso do casal depende de

    se economicamente possvel ou impossvel, conveniente ou

    inconveniente, rentvel ou no rentvel, ter filhos; leva a-

    quilo que se poderia chamar uma contabilidade econmica da

    deciso de procriar. Este foi um problema que Malthus colo-

    cou com propriedade, pois tem um alto grau de influncia so-

    bre o comportamento da fecundidade em prazos mdios e lon-

    gos; e este o centro do que V10 a ser o malthusianismo e

    o neo-malthusianismo, no apenas na demografia mas nas cin-

    Cias sociais em geral.

    Retomando o tema do controle da populao ou moder-

    namente do planejamento familiar, o irnico que Malthus

    nao era explicitamente um "controlista" ou talvez ele pudes-

    se dizer dele mesmo, parodiando seu ferrenho adversrio

    Marx, que ele no era um "malthusiano". Confiava muito mais

    no prprio ajustamento entre salrios e condies de vida

    como meio de controlar a expanso da populao, e menos nas

    possibilidades de controle e planejamento social dos usos,

    costumes e tradies. Talvez por preconceito religioso

    convm no esquecer que ele era um pastor anglicano - e por

    conhecer demasiadamente a Bblia e no conhecer, como nao

    poderia, o papel da moderna mdia na moldagem dos usos ecos

    LieselHighlight

    LieselHighlight

    LieselHighlightproblema da diviso da propriedade

    LieselHighlighttema fundamental do controle da populao, especialmente para o governo. No s da fecundidade e da natalidade como tambm das migraes, que se tornam, na atualidade a questo central dos governos.

  • 17

    tumes e na produo de outra "tradio". Mas o seu "prin-

    cpio de populao" que constitui a pedra angular do contra-

    lismo moderno, cuja diferena com relao ao controle impl-

    cito do prprio Malthus, que busca alterar os comportamen-

    tos reprodutivos sem alterar as condies de vida.

    Malthus e tambm o patrono do chamado "crculo vi-

    cioso da pobreza". Ao erigir o "princpio da populao" co-

    mo algo imanente, que no poderia ser perturbado a no ser

    quando a prpria populao se encontrasse em condies extre

    mas de pobreza, MaLthus deu lugar ao teorema de que "os po-

    bres so pobres porque sao pobres", o que de certa forma,

    uma ironia post-mortern dos efeitos do seu "princpio" sobre

    o prprio fundador, que apesar de sua postura conservadora,

    demonstrava de alguma forma um genuno interesse pela sorte

    dos pobres da Inglaterra de seu tempo.

    Cabe assinalar ainda a importncia que Malthus con-

    cedeu s diferenas etrias na construo dos diferenciais

    de mortalidade, fecundidade e natalidade. Assim fazendo,

    ele abriu um enorme campo explicativo de pesquisas dos com-

    portamentos diferenciais dos principais fenmenos demogrfl

    cos, no interior deles mesmos e que se combinam com os ou-

    tros diferenciais de classe e.de grupos sociais.

    O erro malthusiano bsico consistia emque o "p r nc f

    pio de populao" era uma espcie de a tributo prprio de ca-

    da pessoa, e como na sociedade capitalista os pobres so a

    maior parte, aquele atributo trabalha contra os pobres. O

    LieselHighlight

    LieselHighlightcomportamentos diferenciais dos principais fenmenos demogrficos

  • 18

    pensamento de Malthus termina por ser conservador e reacion

    rio por tratar o "princpio da populao" corno um atributo,

    e portanto no social. Essa naturalidade, posta no sistema

    de produo capitalista, constri o famoso silogismo do cr-

    culo vicioso da pobreza.

    4. A RADICALIDADE DO PARADIGMA MARXISTA

    Marx teria uma importncia semelhante de Malthus

    na constituio do campo de problemas, cruzando-se com a ec~

    nomia poltica, que viria a ser a demografia. J se assina

    lau que essa influncia no deu lugar a uma demografia de

    inspirao marxista, p015 a pista de Marx de que cada modo

    social de produo e cada etapa do mesmo modo tem "leis" de

    populao diferentes, requer um conjunto de mediaes que o

    afastamento entre a demografia e as outras cincias sociais

    no permitiram. De outro lado, convm esclarecer que o cam-

    po da produo cientfica fortemente minado por preconcei

    tos ideolgicos, e um campo de lutas de interesses cient-

    ficos e no-cientficos.

    Do ponto de vista da histria das idias, o maIor

    desenvolvimento das tcnicas demogrficas, sobretudo das

    quantitativas, deu-se nos Estados Unidos e na Inglaterra, on

    de a influncia de Marx foi irrelevante, e essa hegemonia an

    glo-saxnica, inclusive em quase todos os campos das cin-

  • 19

    elas, um elemento que tem forte peso na trajetria dos pa-

    radigmas "vencedores". Em segundo lugar I convm nao esque-

    cer que o marxismo um campo terico construdo para comba

    ter as classes dominantes, e parisso tambm ele no gozou do

    estatuto de paradigma para orientar pesquisas, para constru

    ir os sistemas de informaes e de estatsticas. A funo

    de qualquer paradigma cientfico no a de ser demonstrada

    ou negada empiricamente, mas a de abrir pistas de investig~

    o; submetido prova emprica, o paradigma malthusiano j

    teria falido h muito.

    O problema maior da contribuio marxista, o princi

    paI, que o caminho pelo qual Marx chega a tocar nos pro-

    blernas de populao requer uma multiplicidade de mediaes

    que se choca imediatamente contra a aparncia ou a impresso

    de aparncia do fenmeno demogrfico - os indivduos e seus

    nmeros. O caminho metodolgico de Marx nega precisamente

    essa impresso de transparncia, ponto de partida alis da

    maioria das cincias sociais. Uma teoria da populao a

    partir de Marx toma o movimento de acumulao de capital co-

    mo determinante; este movimento que produz a fora de tra-

    balho na ativa e na reserva, e sao os movimentos da fora de

    trabalho que esto no cerne das mediaes entre a populao

    e seus estoques. Fora de trabalho um conceito abstrato

    dificilmente assimilvel pela demografia formal, posto que

    a fora de trabalho no reside exclusivamente na pessoa de

    cada trabalhador, mas uma potncia resultante da aplicao

    LieselHighlight

    LieselHighlight

    LieselHighlight

  • 20

    dos meios de produo sobre o trabalhador, na etapa da coop~

    raao, e sobre o conjunto da classe operria na etapa da ma-

    nufatura e da grande indstria. Ela s pode ser apreendida

    no produto ou na mercadoria, nunca na pessoa de um trabalha

    dor. O mesmo trabalhador pode empregar diferentes quantida-

    des de fora de trabalho se est sendo consumido em 1 hora

    ou em 2 horas, se est sendo consumido por um equipamento ve

    lho ou por um novo; o conjunto da classe operria gera mais

    fora de trabalho que a soma de cada indivduo da classe op~

    rarla. Uma classe operria de um pas como a Frana, cuja

    populao corresponde mais ou menos a 43% da brasileira, colo

    ca no produto social francs mais fora de trabalho que a

    classe operria brasileira coloca no produto social brasilei

    roo

    Isto coloca problemas metodolgicos dificilmente

    ultrapassveis pela abordagem demogrfica hegemnica, sobre

    tudo porque esta profundamente impregnada da iluso da

    aparncia que finalmente decorre da postulao malthusiana

    original. O paradigma marxista retira da compreenso dos

    fenmenos demogrficos essa aparente facilidade, essa trans-

    parncia de contar-se os indivduos, de contabilizar seu n-

    mero e de ponderar os resultados por variveis que no fundo

    no modificam o sujeito original que permanecem sendo osindi

    vduos.

    Seguindo essas pegadas, verifica-se que as contri-

    buies de Marx podem voltar a constituir hoje, no momento

    LieselHighlight

  • 21

    em que o reinado indisputado do malthusianismo na demografia

    formal j um reinado contestado, importantes ferramentas

    para o avano terico na demografia. Do ponto de vista da

    mortalidade, se se observa o consumo da fora de trabalho,

    que nao algo que se consome apenas para aparecer no produ-

    to como mais valor, mas que se consome fisicamente, sabe-se

    que quanto mais primitivos os processos de utilizao da fo!

    a de trabalho tanto pior, pois a fora de trabalho nestes

    quase que exclusivamente o potencial de energia do prprio

    trabalhador; quanto mais intermediado pelas mquinas, o con-

    sumo da fora de trabalho pode ser menos desgastante fisica-

    mente (embora do ponto de vista do valor continue a haver

    sua incorporao). Isto pode levar a entender pelo menos as

    pectos diferenciais da mortalidade, para chegar a estabele-

    cer movimentos prprios desta em grupos sociais menos abran-

    gentes que a populao total.

    Se se compara a esperana mdia de vida de popula-

    oes como a do Nordeste em relao de So Paulo, mediando

    entre as duas uma diferena de pelo menos quinze anos, pode-

    -se dizer, sem exagero, que algo dessa diferena e determinada pelas formas de consumo da fora de trabalho nas duas re-

    gies. Em outras palavras, uma fora de trabaho que tem uma

    jornada de 16 horas e outra que tem uma jornada mdia de la

    horas (a jornada legal sendo de 8 horas) sofrem desgastes

    diferenciados que vo repercutir sobre as respectivas taxas

    de mortalidade. De outro lado, parece evidente tambm --ap~

  • 22

    sar de requerer-se, para uma afirmao peremptria, outTOS

    desdobramentos - que uma populao cuja fora de trabaho se

    desgasta mais precocemente se repe mais rapidamente, o in-

    verso se passando com uma populao cuja fora de trabalho

    se desgasta mais lentamente.

    Convm recordar que a fonte principal das pesquisas

    empricas de Marx, mergulhado no Museu Britnico, eram os

    relatrios da Inspetoria de Sade Pblica da Inglaterra. In

    meras notas de rodap de O Capital foram extradas de relat

    rios da referida Inspetoria, com riqueza de detalhes sobre

    os processos de trabalho e as condies ambientais do traba-

    lho, fundando a disciplina-ponte entre a medicina e a demo-

    grafia, as chamadas "doenas ocupacionais", como causas fun-

    damentais de uma certa morbidade que, nas condies de vida

    do proletariado ingls do sculo XIX terminavam por ser tam-

    bm causas de mortalidade em linha mais ou menos direta. E

    o que fica a dever medicina ambiental e as preocupaoes

    ecolgicas contemporneas o clssico de Engels sobre a situa

    o da classe operria na Inglaterra do sculo XIX, cujo ca-

    ptulo sobre habitao continua a ser de leitura obrigat-

    ria? Para no falar de sua condio de precursor do prprio

    Marx. Se a leitura dos clssicos do marxismo for muito cha-

    ta e rida - coisa que no se aplica a Engels, cuja escri-

    tura na referida obra quase como a de Dickens - basta lem

    brar Como era verde o meu vale, de Richard Llelewhyn, e to-

    dos os romances da minerao de A. Cronin, cuja matria era

    LieselHighlight

    LieselHighlight

  • 23

    precisamente as "doenas ocupacionais" e a alta mortalidade

    dos operros do carvo da Cronmwlia e do Pas de Gales. Da

    vid Copperfield, de Dickens, quase uma traduo literria

    de Engels.

    Do ponto de vista da fecundidade, problema que Marx

    nunca abordou nem direta nem indiretamente, estudos recentes

    esto pondo o acento em questes que dentro do campo marxis-

    ta so tratados no captulo da alienao. A alienao con-

    siste em subjetivar os processos reais objetivos da insero

    na diviso social do trabalho. Isto . o processo real de

    subordinao ao capital molda os comportamentos, at o nvel

    de cada indivduo. Estudos contemporneos esto chamando a

    ateno de como essa objetivao na insero da diviso so-

    cial do trabalho ou da mercantilizao geral das condies

    de vida, terminam por subjetivar-se, nao s em grandes grup~

    mentos sociais, como vo projetar-se na estratgia das pessoas,

    con~ a evidncia mostra: nUmero de filhos, estratgia de casamento ou u-

    nio, enfim um conjunto de comportamentos que vm da sociedade para os

    grupos e destes at s pessoas. Um tal enfoque pode ajudar a esclarecer

    inclusive os processos chamados da "transio demogrfica". onde padres

    tradicionais re Iat.ivarrente estveis so substitudos por padres chama-

    dos modernos, que outra coisa no so seno a subjetivao de processos

    reaIS ordenados pelo mercado.

    Remetendo-se aos processos da sociedade de massas,

    que em larga medida corresponde mais profunda subjetivao

    histrica da objetividade do mercado capitalista, com tudo

  • que eles tm de des-identificao, segmentao, anomIa,

    24

    possvel supor-se que uma certa "contabilidade de filhos", em

    relao portanto com a fecundidade, no seja outra coisa se-

    no a subjetividade de um oramento domstico recortado, de-

    finido e sem possibilidade de expanso, dado pela - -lnseraona diviso social do trabalho e a consequente rnercantiliza-

    o das condies da reproduo social. Uma espcie de

    "ethos" social, introjetado como "conscincia" dos indiv-

    duas, para o deslindamento do qual o campo marxista da alie-

    naao mostra-se muito mais adequado, pertinente e esclarece-

    dor que toda a balfa teorizao funcionalista sobre a socie

    dade de massas.

    Tpicos como a reduo da jornada de trabalho, f-

    rias, seguro social, revoluo tecnolgica nas formas do ca-

    pital, tem muito mais a ver com a reduo da mortalidade co-

    mo tendncia j duplamente secular nos pases mais desenvol-

    vidas; onde as taxas de mortalidade, (com a mudana de rural

    para urbana, de processos puramente fsicos de consumo da

    fora de trabalho para processos potenciados pelas mquinas

    e equipamentos1 infletiram para baixo muito antes de que as

    grandes conquistas mdicas atuassem em escala de massaS. Os

    estudos de srie longa, feitos sobretudo pela demografia his

    trica inglesa e francesa, mostram que a queda da mortalida-

    de comeou a ocorrer antes da socializao de qualquer das

    grandes conquistas cientficas mdicas contemporneas, tais

    como vacinas, assepsia hospitalar, anestesia, a descoberta

  • 25

    dos grandes vrus e bacilos, a descoberta dos antibiticos

    (estes, j nas vsperas da 2~ Guerra Mundial). Sugerindo

    que as conquistas sociais antes referidas explicam mais a Te

    duo da mortalidade enquanto expresso de certas formas de

    consumo predatrias da fora de trabalho. E a passagem de

    uma "classe em si" para uma "classe para si", nos tempos de

    Marx, que corresponde no apenas subjetivao pela classe

    operria de sua condio de fora de trabalho mas sua org~

    nizao sindical e poltica corno negao daquela subjetiva -

    ao, esto no cerne das conquistas sociais.

    As sugestes aqui contidas de certo nao esgotam o

    universo de temticas e pistas encontrveis tanto em Malthus

    quanto em Marx; elas visaram apenas sublinhar os aspectos cen

    trais de um debate que terminou por constituir um "campo de

    problemas" para cuja investigao se estruturou um campo

    cientfico prprio, a demografia. Como tambm de assinalar

    algumas lacunas e insuficincias que advm da hegemonia de

    um dos principais paradigmas. Entretanto, cumpre mais uma

    vez recalcar, ser o estudo de situaes concretas e nunca a

    pretenso de estatuir-se "leis de populao" imutveis, e a!!.

    ti-histricas, o caminho correto. Que requer, alm disso,

    uma investigao metodolgica que se revela crucialmente no

    caso da demografia, onde a ausncia de momentos formais de

    abstrao responde, em alguma medida, por lacunas e inadequ~

    es da demografia formal hegemnica. H que se repetir tam

    bm a necessidade de no se incorrer n risco ou no equvoco

  • 26

    de desconhecer as especicificidades de cada campo de proble-

    mas, como por exemplo, o de no superporem-se conjuntura e

    estrutura em demografia e economia poltica. Este um ter-

    reno metodolgico ainda pouco estudado. Na tentativa de en-

    contrar explicaes, o acento deve ser posto no encontro de

    pontos de contacto e de recproca determinao, entre os ci-

    tados campos cientficos e os demais, como bvio. Parisso,

    apesar do anacronismo terico do paradigma malthusiano, tra-

    tou-se de ressaltar sua originalidade em assinalando uma au-

    tonomia relativa dos fenmenos demogrficos, ou pelo menos

    sua condio de elementos cc-determinantes, ao lado dos de

    natureza econmica, poltica e social. Mas, da tenso dia

    ltica posta e proposta pelos dois fundadores da demografia,

    aqui brevemente estudados - e certamente entre os demgrafos

    profissionais Marx no um dos "pais fundadores", mas "je

    m'en passe" - que se pode esperar ainda por muito tempo a

    melhor fertilizao do campo de problemas que a demografia.

    5. BIBLIOGRAFIA SUMRIA

    a) Malthus. Organizao e introduo de Tams Smereczanyi.

    Coleo Grandes Cientistas Sociais. Editora Atica,

    So Paulo.

    b) Marx. O Capital. Especialmente o captulo "Leis de acumu

    lao" e o item "Produo de uma superpopulao rela-

  • 27

    tiva".

    c) ~arx and Engels OTI the population bomb, edited by Ronald

    L. Meek, The Ramparts Press, 1971, Berkeley, Califr-

    nia.

    d) Oliveira, Francisco de, "Notas sobre a reproduo da popu-

    lao sob o capital", in, do mesmo autor, A Economia

    da Dependncia Imperfeita, Rio, Edies do Graal.