1999 Questao Social1 Pobreza Telles

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    A nova questo social brasileira:

    ou como as figuras de nosso atraso viraram smbolo de nossa modernidade

    Vera da Silva Telles

    1999

    Com pequenas alteraes de reviso, texto publicado in: Pobreza e Cidadania, So Paulo:Editora 34, 2001, p. 139-166

    Nesses tempos de mudana e futuro incerto, a pobreza brasileira est no centro denossas inquietaes e perplexidades diante dos rumos da modernizao brasileira nocenrio de um mundo globalizado. Se durante dcadas a pobreza foi figurada como sinal deum atraso que haveria, quem sabe, algum dia, de ser superado pelas foras do progresso,agora parece se fixar como realidade inescapvel, dado incontornvel posto pelosimperativos do mercado em tempos de acelerao econmica e revoluo tecnolgica. A

    atual modernizao por que passa a sociedade brasileira, ao mesmo tempo em quedramatiza enormemente nova velha e persistente questo social, vem erodindo asreferncias pelas quais nos acostumarmos a pensar ou imaginar as possibilidades dessepas conquistar regras de civilidade em seus padres societrios. Em torno dessas imagensde uma pobreza sem redeno possvel talvez se tenha uma chave para decifrar os dilemasque os tempos vem abrindo ou reabrindo nesse pas situado na periferia do capitalismo.

    E para comear a conversa, no resisto tentao de lembrar Roberto Schwarz(1993) quando discute em artigo no qual comenta o livro ento recm-publicado de RobertKurz (O colapso da modernizao, 1992), o quanto o mito da convergncia providencialentre progresso e sociedade brasileira j no convencej que a norma civilizada na qual,

    desde sempre, o pas se espelhou, apenas nos promete, nesses tempos de capitalismoglobalizado, uma modernizao que no cria o emprego e a cidadania prometidos, mas queengendra o seu avesso na lgica devastadora de um mercado que desqualifica e descarta povos e populaes que no tm como se adaptar velocidade das mudanas e s atuaisexigncias da competitividade econmica. As ambivalncias e contradies de umamodernidade pretendida como projeto, a comdia do progresso, no questo nova,sabemos disso (cf. Arantes, 1992) - a visada ctica e demolidora em relao a essa normacivilizada que contm, no seu interior, a barbrie de todos os dias, a operao narrativa

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    que Schwarz identifica em Machado de Assis, nos mostrando com isso no apenas agenialidade do autor, mas a sua contemporaneidade (cf. Schwarz, 1997). A novidade, hoje,vem no entanto da desestabilizao do quadro de referncias pela qual essa modernidadefoi, para o bem ou para o mal, pensada no apenas como possvel, mas como ponto certo eseguro de chegada, vencidos os obstculos interpostos pela m-formao brasileira. Mas

    ento, a questo que Schwarz nos prope, como pensar o pas se o aspecto damodernizao que nos coube, assim como a outros, for o desmanche ora em curso, fora edentro de ns?

    Diria que essa uma questo que nos interpela diretamente no centro de nossasquestes quando fazemos (ainda?) a aposta em uma cidadania ampliada. Pois o desmancheora em curso, para usar os termos de Schwarz, no diz respeito demolio de direitos que,aqui em terras brasileiras, nunca chegaram a se consolidar como referncia de uma normacivilizada nas relaes sociais. Mas o desmanche de um horizonte de futuro e de umconjunto de referncias a partir dos quais a cidadania era (e ainda) formulada como umaaposta poltica possvel.

    O desmanche desse horizonte d o que pensar. De um lado, fica a sugesto de queno rumo que as coisas esto tomando, esse desmanche tem o peculiar efeito de desativar,neutralizar, o foco de inquietao que as ambivalncias e contradies que os percursoshistricos da modernizao brasileira sempre suscitaram o senso das dualidades, o mal-estar face distncia que nos separava do moderno. Ao que parece, ficamos finalmentemodernos e as figuras de nosso atraso foram metamorfoseadas nos smbolos de nossoprogresso. Hoje, no Brasil, nossa velha e persistente pobreza ganha contemporaneidade eares de modernidade por conta dos novos excludos pela reestruturao produtiva. Mas nos por isso: lanando mo dessa fico regressiva do mercado auto-regulvel, nossas elitespodem ficar satisfeitas com sua modernidade e dizer, candidamente, que a pobreza lamentvel, porm inevitvel dados os imperativos da modernizao tecnolgica em uma

    economia globalizada. E sendo assim, entre os resduos do atraso de tempos passados eas determinaes da moderna economia integrada nos circuitos globalizados do mercado, apobreza fixada onde sempre esteve como paisagem na qual figurada como algoexterno a um mundo propriamente social, como algo que no diz respeito aos parmetrosque regem as relaes sociais e que no coloca por isso mesmo o problema das injustias einiqidades inscritas na vida social TF1FT.

    Nas figuras dessa gente que no tem como ser absorvida pelas fora do progresso, opas por subtrao no precisa mais da mediao narrativa para construir as suas imagenspalatveis e promissoras porque modernas. A subtrao, mais do que evidncia sociolgica,vira fato bruto, sem mediao, dado da natureza desprovido por isso mesmo de algum

    sentido que pudesse fornecer a medida ou o parmetro para avaliar em sentido crtico, aomenos abalar, as certezas acerca dos rumos da modernizao brasileira. E esse o outrolado do desmanche, pois nessa pobreza transformada em dado bruto da natureza h tambmo esvaziamento da funo crtica das noes de igualdade e justia. Mas nisso tambm

    T

    1T. A respeito, ver Captulo 1 dessa coletnea, Pobreza e cidadania: figuraes da questo social no Brasil

    Moderno, in Pobreza e Cidadania (So Paulo, Editora 34, 2001), p. 13-57

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    ficamos modernos. Sabemos que aqui, em terras brasileiras, essas noes nunca tiveramfuno crtica - na melhor das hipteses viram assunto de uma eterna desconversa que ,para Roberto Schwarz, a marca registrada do que ele chama de desfaatez de classe. Poishoje isso ganha atualidade j que em sintonia fina com esse espantoso deslizamento, emoperao no mundo inteiro, do campo semntico no qual as noes de direitos e cidadania

    foram formuladas como promessas da modernidade, aparecendo agora como seu avesso,como figuras de atrasos e anacronismos, privilgios e corporativismos que obstam apotncia modernizadora do mercado. Quanto aos desempregados e excludos, esses no temlugar na atual fase do capitalismo globalizado, sua pobreza apenas evidncia de suaincapacidade de se adequar ao progresso contemporneo, gente que por falta dequalificao e competncia se tornou dispensvel no atual ciclo de uma modernizaoglobalizada. Ao mesmo tempo em que estamos sendo lanados no movimento vertiginosodas mudanas do mundo atual, tudo aparece, aqui abaixo da linha do equador, com umtoque de familiaridade, apenas abalada, no pelo tamanho da tragdia social, mas por essaespcie de verso popular do neoliberalismo que o trfico de drogas e o crime organizado(alis tambm organizado em escala global) que a porta que restou para os excludosforarem a sua entrada no mercado.

    Mas essa familiaridade tambm enganosa. Pois essa reciclagem e atualizao denossas mazelas se do em um campo de conflitos que ser preciso averiguar. E por esselado que o atual desmanche nos obriga a procurar os termos pelos quais apreender osimpasses atuais, para alm da constatao da nossa barbrie cotidiana. O que se est aquisugerindo que esse campo de conflito fornece uma outra medida para avaliar o desmancheem curso. Mais ainda, circunscreve um terreno a partir do qual avaliar o sentido polticodesse desmanche. Pois o que parece estar em jogo nisso tudo a eroso das mediaes reais e simblicas pelas quais a reivindicao por direitos pode ser formulada e ganharvisibilidade pblica como questo que diz respeito s regras da vida em sociedade. Esseparece ser o sentido mais devastador da atual demolio dos desde sempre precriosservios pblicos e da destituio de direitos por via das atuais tendncias de precarizaodo trabalho e desregulamentao do mercado. Para alm do agravamento das condies devida de maiorias, trata-se aqui da demolio das referncias pblicas pelas quais os dramasde cada um podem ser desingularizados e traduzidos no apenas como experinciascompartilhadas, mas como problemas pertinentes vida pblica de um pas. Essa aoperao simblica que a linguagem dos direitos permite. Ou permitia, pois essalinguagem que vem sendo privada de sua potncia simblica e capacidade de interpelao.

    A questo no retrica. Pois para alm das garantias formais inscritas na lei, osdireitos estruturam uma linguagem pblica que baliza os critrios pelos quais os dramas daexistncia podem ser problematizados e avaliados nas suas exigncias de eqidade e

    justia. E isso significa um certo modo de tipificar a ordem de suas causalidades e definir asresponsabilidades envolvidas, de figurar diferenas e desigualdades e de conceber a ordemdas equivalncias que a noo de igualdade e da justia sempre coloca, porm comoproblema irredutvel equao jurdica da lei, pois pertinente ao terreno conflituoso eproblemtico da vida social (Ewald, 1986). por esse prisma que se pode avaliar o sentidodemocrtico e universalista dos movimentos operrios e sociais que agitaram a vidapblica brasileira no correr dos ltimos anos. Seria mesmo possvel dizer que toda essamovimentao teve o efeito de reconfigurar nossa velha e persistente questo social

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    historicamente definida entre a tutela estatal e a gesto filantrpica da pobreza. Poisprojetou a questo social no cenrio poltico brasileiro sob uma figurao plural quecolocava em foco e sob o foco do debate as possibilidades de se firmar os direitos comoprincpios reguladores da economia e sociedade.

    Sem a pretenso de esgotar o tema, vale no entanto pontuar alguns fatos eacontecimentos que caracterizam o campo de conflitos que vem se armando desde o inciodos anos 80 e que tem na Constituio de 1988 um marco importanteTF2FT. Para ficar apenasnos exemplos que interessam mais de perto ao tema aqui em discusso, lembremos osembates em torno no novo texto constitucional. Ao definir um sistema de SeguridadeSocial que incorpora Previdncia, Sade e Assistncia Social, a nova Constituio acenoucom a promessa de incorporar cidadania uma maioria que, margem do mercado formalde trabalho, sempre esteve fora de qualquer mecanismo de proteo social. Esse o terrenono qual transita cerca de metade ou mais da populao trabalhadora, entre desempregados etrabalhadores do mercado informal, sem contar com as crianas, idosos e mais todos osque, por razes diversas, esto fora do mercado de trabalho. Para falar apenas da populaotrabalhadora, os dados so impressionantes: em 1990, estimava-se que entre o desempregoe o trabalho no mercado informal, cerca de 52% da populao ativa estavam desprovidas dequalquer garantia e proteo social (PNAD, 1990), formidvel contingente de trabalhadoresque vem sido acrescido, nos ltimos anos, dos novos excludos do mercado de trabalho porconta do efeito conjugado de crise econmica e reestruturao produtiva, chegando, em1995, a considerveis 59,8% da populao ativa.

    Essa uma gente desprovida de qualquer sistema pblico de proteo social. Mas tambm uma gente, e isso particularmente relevante para as questes que se pretende aquienfatizar, que transita em um mundo social que no existe do ponto de vista legal. No

    existe pois margem das regras formais da cidadania regulada construdas no estreitofigurino corporativo da tradio getulista e que, apesar de todas as mudanas por quepassou o pas nas ltimas dcadas, mantm operante o princpio excludente montado nosanos 30. No deixa de ser espantosa uma arquitetura institucional que mantm e sempremanteve mais da metade da populao fora e margem do Brasil legal. Fora e margemdo Brasil legal, porm submersa em uma intrincada e obscura rede de relaes quearticula, margem do mundo pblico das leis, mirades de organizaes filantrpicas e oprprio Estado (cf. Sposati, 1988 e Puc/CNAS, 1994).

    Esse o universo da pobreza, no porque toda essa populao viva sempre enecessariamente em condies de pauperizao ou misria. Mas porque o avesso do

    mundo do trabalho onde vigoram as regras formais do contrato de trabalho, os direitos aele indexados e as protees garantidas pelo Estado contra os riscos do trabalho e da vida -acidentes de trabalho, doena e invalidez, maternidade e orfandade, alm das garantias eprotees negociadas por organizaes sindicais nas convenes coletivas de suasrespectivas categorias. E porque constitui o terreno de atuao das organizaes de

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    2T. O que segue retoma questes tratadas por mim in Telles, 1998

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    filantropia e benemerncia que montaram, no correr das dcadas, uma trama fragmentada edescontnua de servios e programas sociais que promovem iniciativas morais de ajuda aonecessitado, que no produzem direitos e no so judicialmente reclamveis (Raichelis1997:7).

    Retirar os programas sociais da esfera da benemerncia, coloc-los na tica dosdireitos e sob a gide de polticas pblicas pautadas pelos critrios universais da cidadania,romper com a invisibilidade e fragmentao em que sempre foram mantidos e organizarfruns pblicos de representao, abertos participao da sociedade civil, foi um embateque mobilizou e continua mobilizando foras sociais diversas com o objetivo de inscreverdireitos e prerrogativas no texto legal, abrir um debate pblico sobre os mnimos sociais aserem garantidos atravs de polticas pblicas abrangentes e promover um conjunto deprogramas, projetos e servios sociais capazes de garantir certezas e segurana quecubram, reduzam ou previnam riscos e vulnerabilidades sociais (Sposati 1995:24). AConstituio de 1988 acenava, assim, com a promessa de colocar o enfrentamento dapobreza no centro mesmo das polticas governamentais e de retirar portanto os programassociais dessa espcie de limbo em que foram, desde sempre, confinados fora do debatepblico e da deliberao poltica, aqum da representao poltica e dos procedimentoslegislativos j que submersos nessa obscura trama construda pelas organizaes caritativase filantrpicas.

    Mais, muito mais, do que retrica poltica ou objetivos genricos, os direitosdefendidos e os princpios universais da cidadania circunscreveram um duro campo dedisputas aberto ainda nos tempos dos debates constituintes, prolongando-se pelos anos 90at os dias atuais. Parte considervel desses embates deu-se em torno da regulamentao daLeis Orgnica da Assistncia Social (Loas) e da criao de Fruns e Conselhos deAssistncia Social, propostos como espaos democrticos de representao, abertos participao de organizaes da sociedade civil para gesto partilhada das polticas e

    programas de assistncia socialTF3FT. E para retomar as questes que dizem respeito mais deperto aos nossos temas, os embates em torno da construo dessa nova institucionalidadedemocrtica deram-se grandemente em torno do que se entende ou pode se entender pormnimos sociais. A obstruo contra a sua formulao mais ampla e universal foipoderosa, e o exemplo do direito dos idosos e deficientes a uma renda garantida apenasum exemplo, talvez o mais evidente e conhecido: direito sacramentado na Constituio de1988, o que poderia ter sido um antecedente virtuoso dos atuais programas de rendamnima, transformou-se em caso exemplar de como conquistas podem ser negadas oudesvirtuadas por conta de artifcios legais manipulados de acordo com convenincias einteresses na partilha dos recursos pblicos TF4FT. O que era para ser uma poltica regida por

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    3T. A regulamentao da Loas aconteceu 4 anos depois (em 1992) de promulgada a nova Constituio e

    essa demora j registro evidente das dificuldades e embates para inscrever e formalizar no texto legal osprincpios de cidadania previstos na Constituio de 1988. Como mostra Maria Carmelita Yazbek (1995:13), aLoas resultado de um amplo movimento da sociedade civil organizada, resultado de mobilizaes enegociaes que envolveram fruns polticos, entidades assistenciais e representativas dos usurios dosservios de assistncia social como idosos, portadores de deficincia, crianas e adolescentes, trabalhadoresdo setor, universidades, ONGs e outros setores comprometidos com os segmentos excludos da sociedade.

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    4T. A Previdncia Social estipulou em setenta anos a idade mnima para ter acesso a esse benefcio e a

    fronteira da pobreza em um quarto do salrio mnimo, inferior fronteira da indigncia de um salrio mnimo,

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    critrios universalistas da cidadania virou um simulacro - caso exemplar de como, noBrasil, a excluso se d no modo mesmo como a lei formulada, no nos seus princpiosgenricos, mas nas formas de sua regulamentao, nos modos como tipifica situaes eprescreve as condies para o acesso a direitos que em princpio a lei deveria garantir. Ofato que a definio do corte de renda mensal para o credenciamento desses indivduos

    para o exerccio de um direito constitucional to irrisrio (renda mensalper capita de umquarto de salrio mnimo) e os rituais de credenciamento to complicados, burocrticos evexatrios que a implantao do benefcio realizou o que uma reportagem da revista Vejachamou, ao comentar esses e outros programas sociais, de milagre de reduo dos pobres,uma espcie metodologia oficial que consegue a proeza de fazer os pobres desaparecemdo cenrio oficial pois so poucos os que conseguem se credenciar para o acesso aosbenefcios distribudos pelo governo TF5FT.

    Como mostra Raquel Raichelis (1997:132-133), a definio do corte de renda eidade como critrios para a concesso do benefcio de prestao continuada foi o

    resultado de um duro embate poltico entre as foras organizadas da sociedade civil e os

    responsveis pela poltica econmica do (ento) governo Itamar ... e nesse embate

    prevaleceu a tica liberal conservadora do critrio de menor elegibilidade, do teste de

    meios constrangedores e da seletividade das categorias consideradas merecedorasTF

    6FT.

    Cinco anos depois da regulamentao da Loas, os benefcios, servios e programas deenfrentamento pobreza previstos no texto legal no foram implantados, o governo insisteem reduzir ainda mais a cobertura dos benefcios aos idosos e deficientes TF7FTe a poltica de

    considerada por organismos internacionais, como as Naes Unidas. Dos 3,8 milhes de idosos abaixo dalinha da pobreza (ou linha de indigncia, na definio dos organismos internacionais) foram enquadrados nascondies da previdncia social e cadastrados para acesso renda mensal vitalcia apenas 500.000 pessoasem 1997, chegando-se deciso final de que apenas cerca de 200.000 pessoas, entre idosos e deficientes,

    sero atendidos neste ano! Isso implica descumprir a regulamentao recm-estabelecida pelo prpriogoverno, reduzindo um direito constitucional ao manejo discricionrio de magros recursos para um nmero deidosos e deficientes indigentes, ou pobres no conceito do governo. A renda mensal vitalcia, benefcio quesintetiza a rede de proteo aos deficientes e idosos informais no-rurais, de mais de setenta anos (quetenham milagrosamente sobrevivido com renda de um quarto de salrio mnimo) era, de fato, o nicobenefcio assistencial reconhecido como direito de cidadania. Este governo o reps na vala comum dosgastos assistenciais de carter discricionrio, pela limitao extremada das condies de acesso e do nmerode indigentes efetivamente assistidos(Lessa et alii, 1997:70).

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    5T. A paisagem social do pas continua povoada por mendigos nas caladas e meninos nos sinais de trnsito,

    mas pelo menos nos papis da burocracia pblica, os miserveis parecem um grupo em extino.Examinando-se os programas sociais de combate misria, constata-se que os critrios para definir quemest na pobreza e tem direito ajuda oficial so to miserveis que difcil encontrar um brasileiro pobre obastante para ser includo nesses programas. O milagre da reduo dos pobres virou metodologia oficial emprogramas oficiais dos municpios, dos Estados ou do governo federal. Veja. Procura-se um miservel, no.

    1440, pp.66-69, 17/04/1996.T

    6T. Uma das principais questes que vem mobilizando os Conselhos e Fruns de Assistncia Social em todo o

    pas relaciona-se definio do corte de renda e de idade relativos ao benefcio de prestao continuada aidosos e deficientes fsicos ... Mas o procedimento adotado tem impedido, na prtica, que seja cumpridas asprprias metas definidas pela Secretaria Nacional de Assistncia Social (Raichelis, 1997:131, nota 1).

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    7T. Conforme reportagem da Folha de So Paulo, inteno do atual governo reduzir ainda mais a cobertura

    desses benefcios, atravs de uma Medida Provisria que altera as regras de acesso. O argumento oficial que o nmero de candidatos ao benefcio superou as expectativas e que no h recursos para tanto. E mais:o argumento oficial que esse aumento decorre do fato dos requisitos que determinam o perfil do beneficiadoserem muito flexveis e permitirem que idosos e deficientes com renda per capita superior a R$30,00 mensaisrecebam a ajuda (Folha de So Paulo, Governo deve reduzir ajuda a deficiente e idoso carente, 11/07/97

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    reduo dos gastos pblicos vem sistematicamente degradando a qualidade dos servios jexistentes, e isso num momento em que a populao empobrecida recorre cada vez maisaos servios pblicos gratuitos para enfrentar a sobrevivncia (Yazbeck, 1995:12).

    Apesar das obstrues e derrotas nas negociaes em torno dos princpiosnorteadores da Seguridade Social, importante no entanto notar que, aos poucos, de mododesigual e no sem dificuldades e obstculos de todos os tipos, os Conselhos e Fundos deAssistncia Social, previstos no texto legal, vem sendo implantados em muitos estados emunicpios brasileiros. Apesar de serem poucos os que esto de fato funcionando TF8FT,representam a abertura de mediaes democrticas que prometem dar continuidade edesdobramentos os debates e embates em tornos dos princpios cidados para a implantaode programas e servios sociais. E sendo assim, esse campo de conflito, estruturado emmbito nacional, converge com uma dinmica societria tambm ela atravessada por umanova conflituosidade que, nos anos recentes, se desdobrou, como conquista de cidadania,na construo de uma tessitura democrtica na interface entre Estado e sociedade.

    Como bem notou Faleiros (1996), a intensa mobilizao social que marcou o pasnos ltimos anos terminou por atingir a tradicional clientela do Servio Social. Moradorespobres das periferias da cidade, mulheres, negros, crianas e adolescentes, idosos eaposentados, vem se mobilizando e se organizando, transformando-se por isso mesmosujeitos polticos que se pronunciam sobre as questes que lhes dizem respeito, exigem apartilha na deliberao de polticas que afetam suas vidas e por isso mesmo dissolvem afiguras do pobre carente e desprotegido como sempre foram vistos na sociedade, para seimporem como cidados que exigem direitos. A partir do final dos anos 80 e maisintensamente nos anos 90, multiplicaram-se organizaes de defesa dos direitos humanos ede luta contra formas diversas de discriminao e racismo; as lutas em defesa da crianas eadolescentes desdobram-se na implantao de conselhos de direitos e conselhos tutelares, emovimentos sociais se constituram em interlocutores constantes nas Secretarias Sociais. Eisso significa que o tradicional e obscuro universo da filantropia foi tambm sofrendo umprocesso de eroso pela existncia desses vrios fruns de participao e representao,alm de uma rede hoje bastante ampla e diversificada de organizaes de prestao deservios e de defesa dos direitos.

    O fato que esse processo organizativo, certamente desigual e muito diferenciadoconforme cidades e regies do pas, ocorre em um terreno fertilizado pelos inmerosmovimentos sociais que, desde a dcada 70, fazem parte da realidade poltica das cidades.Mais recentemente e tendo por referncia possibilidades de uma cidadania ativa abertaspela Constituio de 1988, essa movimentao ampla e multifacetada desdobrou-se em umatessitura democrtica, construda na interface entre Estado e sociedade, aberta prticas de

    representao e interlocuo pblica: nos anos recentes multiplicaram-se fruns pblicosnos quais questes como direitos humanos, raa e gnero, cultura, meio ambiente equalidade de vida, moradia, sade e proteo infncia e adolescncia se apresentaram

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    8T. At 1997, em todos os 27 Estados da Federao j haviam sido criados Conselhos e Fundos de Assistncia

    Social, de acordo com o prescrito na Lei Orgnica da Assistncia Social (Loas). No mbito municipal foramcriados at esse ano 2.908 Conselhos e 2.467 Fundos. No entanto, dos 2908 conselhos municipais deassistncia social criados, apenas 1859 (34%) estavam em funcionamento at 1997. Cf. RAICHELIS, 1997:8

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    como questes a serem levadas em conta numa gesto partilhada e negociada da coisapblica. Sob formatos diversos e representatividade tambm desigual, nesses frunspolticas sociais alternativas vem sendo elaboradas e debatidas: alternativas para aconstruo de moradia popular so discutidas em fruns que articulam organizaespopulares, ONGs, empresrios da construo civil, profissionais liberais e representantes

    governamentais; medidas efetivas contra a discriminao racial ou de gnero soigualmente discutidas, desde polticas sociais pautadas pelo princpio da ao afirmativa ata elaborao de instrumentos polticos e jurdicos que permitam dar efetividade a direitosgarantidos (e conquistados) na Constituio de 1988; ONGs, grupos de defesa dos DireitosHumanos e at mesmo sindicatos se mobilizam entorno de programas de interveno juntos crianas de rua, buscando alternativas que escapem polaridade entre tutela e repressoque sempre caracterizou a ao pblica junto a essa populao; sindicatos elaboram ediscutem em fruns sindicais ou polticos, junto com empresrios e/ou representantes degovernos locais, alternativas contra o desemprego, desde polticas de requalificao detrabalhadores demitidos at apoio a micro empreendimentos que atuam nas fronteiras dochamado mercado informal, ou ainda, em alguns lugares, possibilidades de constituio decooperativas de trabalhadores que possam atuar nas brechas abertas pelos processos emcurso de terceirizao das indstrias.

    Nesse cenrio, a Campanha da Fome no foi um acontecimento menor. No correr de1993 e 1994, os comits se multiplicaram por todo o territrio nacional, organizaram pertode 3 milhes de pessoas e mobilizaram 30 milhes de brasileiros em alguma forma deapoio e contribuio. Alm de suas realizaes concretas, o que parecia de fato umanovidade na histria desse pas era um debate feito em fruns diversos (das universidadess ONGs, passando por empresrios, tcnicos, funcionrios pblicos e profissionaisliberais) que colocava em pauta a dimenso tica envolvida no problema da misria,

    interpelando a opinio pblica no seu senso de responsabilidade pblica e obrigao social.De fato, a Campanha desencadeou um amplo debate que mobilizou tcnicos e especialistasde diversas reas, lideranas polticas e representantes de governos locais, sobre as difceisrelaes entre economia e direitos, polticas sociais e qualidade de vida. Em torno doproblema da fome, tudo era ento discutido em um debate que ganhou lugar nas pginascentrais da grande imprensa: questes relativas produo e distribuio de alimentos, asrelaes entre sade e nutrio, tecnologia e desenvolvimento local, solues para asmazelas das poltica sociais existentes ou ento possveis polticas sociais alternativasenvolvendo o tema das parcerias Estado-Sociedade, o papel da iniciativa privada e tambmdas organizaes no-governamentais. Naqueles anos, a questo da pobreza foidecididamente projetada no centro do debate poltico, e esse talvez tenha sido o maior feito

    da Campanha da Fome.

    Mas tambm preciso dizer que mais do que a acolhida generosa da populaobrasileira TF9FT, a promessa da Campanha da Fome ia alm, muito alm, de um apelo genrico

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    9T. Pesquisa do Ibope, realizada em 1994, mostrou que 68% da populao tinham conhecimento da campanha

    e que 32% participavam dela de alguma forma.

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    solidariedade dos brasileiros, pois estava conectada, e isso muitas vezes deixa-se deenfatizar, com o que talvez tenha sido, na histria recente do pas, a tentativa mais sria earticulada, no apenas de combate fome em seus aspectos mais urgentes e emergenciais,mas de enfrentamento da pobreza. Alimentao como bem pblico e direito universal foi oprincpio que regeu a criao, em abril de 1993 (Governo Itamar Franco), do Conselho de

    Segurana Alimentar, o CONSEA, com a participao de 21 membros da sociedade civil e9 de representantes governamentaisTF10FT. A parceria democrtica entre Estado e sociedade foidefinida como princpio norteador e item programtico de planos de ao. E o objetivo eraa elaborao de uma proposta orgnica de combate fome que fosse alm das costumeiraspolticas emergenciais e assistenciais (distribuio de alimentos, por exemplo) e enfrentassequestes relativas produo e distribuio de alimentos, passando pelo difcil problema doacesso terra e tambm alternativas de gerao de renda e desenvolvimento local. Emjunho de 1994 foi realizada, em Braslia, a I Conferncia Nacional de Segurana Alimentarcom a participao de mais de 2000 delegados vindos de 26 Estados e do Distrito Federal,indicados a partir de centenas reunies e conferncias preparatrias nos estados emunicpios brasileiros. Comits da Ao da Cidadania organizados por empresas estatais,

    realizaram seminrios e apresentaram contribuies;e as universidades pblicas noficaram, elas tambm, fora dessa mobilizao: no Rio de Janeiro criaram o FrumPermanente de Segurana Alimentar e as universidades paulistas realizaram um seminriono Campus da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) para elaborar propostas aserem encaminhadas na ConfernciaTF11FT. Alm do prprio conceito de segurana alimentar,estava na pauta dos debates a relao Estado-sociedade, aes locais de cidadania, aquesto agrria e o desenvolvimento rural, poltica agrcola, sade, educao, gerao deempregos e polticas de renda. Antnio Ibanez Ruiz, membro do CONSEA e representantedo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras no Movimento pela tica naPoltica, sintetiza, em artigo de abril de 1994, muito do que ento era percebido como osentido poltico inovador do evento: a importncia estratgica de todo esse processo que

    levar conferncia nacional deixar muito claro que a discusso do que foi chamado de"segurana alimentar" passa por uma reviso profunda do atual modelo de

    desenvolvimento, substituindo-o por outro, que nasa desse amplo e intenso debate

    popular, e que permita o crescimento sustentvel da economia, com eqidade social. Isto

    implicar necessariamente a existncia de polticas pblicas integradas, traduzidas em

    medidas concretas nos vrios campos da estrutura social, da educao sade, da

    T

    10T. Conforme esclarece Flavio Valente (1997), o CONSEA surge como resultado do processo de negociao

    entre o movimento (pela tica na Poltica), uma dos principais atores na articulao da campanha cvica peloimpeachment do presidente Collor e o governo Itamar Franco. Imediatamente aps o impeachment, oMovimento pela tica na Poltica ... lana as primeiras sementes da Ao da Cidadania pela Fome, a Misriae pela Vida, que vai ser o grande parceiro civil no CONSEA. Em 1993, em paralelo criao do CONSEA eem sintonia com as demandas da sociedade civil, o governo federal, de forma absolutamente indita nahistria do pas, reconheceu o crculo vicioso formado pela fome, a misria e a violncia, e definiu o seuenfrentamento como prioridade de governo. A fragilidade da base poltica do novo governo e sua necessidadede legitimao junto sociedade civil, abriu amplas perspectivas para a construo de mecanismos concretosde parceria entre setores da sociedade civil organizada e setores governamentais interessados em enfrentaros graves problemas sociais enfrentados pela sociedade brasileira.

    T

    11T. Cf. RUIZ, Antonio Ibanez. Cidadania e combate fome. Folha de So Paulo, 28/07/1994, p.2-2.

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    habitao ao transporte, e, sobretudo, ao pleno emprego que assegure a todo homem, toda

    mulher, a todas as famlias, as condies mais dignas possveis de existnciaTF

    12FT.

    Naqueles anos, sobretudo entre 1993 e 1994, a questo da pobreza estavadecididamente na pauta do debate pblico. E mais: a novidade que isso representava na

    histria do pas era a projeo da pobreza como problema pblico problema pblico noporque simplesmente todos falavam do tema, mas porque punha em foco as alternativas defuturo do pas e porque em torno dela e a partir dela eram figurados e tematizados osdesafios da cidadania e da construo democrtica em uma sociedade desigual eexcludente.

    Mas a referncia aqui Campanha da Fome tambm importa porque nos d umamedida dos rumos que o pas tomou a partir daTF13FT. Menos de dois anos depois de ter sidodesencadeado, j em 1994 com o anunciado Plano Real, toda essa cartografia do debatepblico como que se desfez, sem deixar rastros. Questo por si s inquietante pelo quesugere da tradio de um pas em que as coisas parecem, nunca, ter continuidade, por conta

    de uma peculiar lgica poltica que produz algo como um curto-circuito na dinmica quevem desde baixo, da sociedade civil, provocando o desacontecimento do que entoaparecia como novas realidades, novos fatos, novas possibilidades. Por certo, o legadodaqueles anos continua operante na sociedade e nos experimentos democrticos que vem sedando, mesmo que fragmentariamente e isoladamente em vrios pontos do pas. Oproblema que essas experincias tendem a ser privadas de sua potncia poltica e tambmsimblica no sentido de pautar o debate pblico e construir uma medida que possa lhes darenvergadura e sentido poltico para alm das suas circunstncias locais mais imediatas. ocurto-circuito a que se fez referncia. E sob esse prisma que, talvez, possamos avaliar oefeito devastador da atual corroso dos direitos.

    Alm da evidente fragilizao das condies de trabalho e de vida das maiorias, adestituio dos direitos - ou, no caso brasileiro, a recusa de direitos que nem mesmochegaram a se efetivar - significa tambm a eroso das mediaes polticas entre o mundosocial e as esferas pblicas, de tal modo que estas se descaracterizam como esferas deexplicitao de conflitos e dissenso, de representao e negociao. E isso muda tudo noque diz respeito questo social. Pois no cenrio poltico atual h um deslocamento dapobreza como questo e como figurao pblica de problemas nacionais, de um lugarpoliticamente construdo - lugar da ao, da interveno e da inveno, da crtica, dapolmica e do dissenso - para o lugar da no-poltica, onde figurada como dado a seradministrado tecnicamente ou gerido pelas prticas da filantropia. O campo social

    despolitizado e fixado como esfera que escapa ao responsvel pois inteiramente

    T

    12T. RUIZ, Antonio Ibanez.A gente no quer s comida. Folha de So Paulo, 13/04/1994, p.1-3.

    T

    13T . A Conferncia Nacional de Segurana Alimentar no teve os desdobramentos esperados e o prprio

    CONSEA teve vida curta: entre as primeiras medidas do governo Fernando Henrique Cardoso, nos primeirosdias aps a posse do novo presidente, em janeiro de 1995, o CONSEA foi extinto e substitudo pelo ProgramaComunidade Solidria, subordinado diretamente Presidncia da Repblica, dirigido pela primeira-dama ecomposto por conselheiros escolhidos pelo prprio governo

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    dependente dessa verso moderna das leis da natureza hoje associada economia e seusimperativos de crescimento.

    Mas aqui reatamos a discusso com as questes do incio desse artigo a pobreza esuas figuraes no cenrio pblico brasileiro. Na verdade esse deslocamento que permiterequalificar o universo da pobreza. Pois trata-se um campo poltico construdo pelaconvergncia de vrias temporalidades: o pesado legado de um passado excludente; osmovimentos sociais, as reivindicaes por direitos e as promessas de uma cidadaniaampliada; a reestruturao produtiva e a redefinio do poder regulador do Estado em ummundo globalizado, o que projeta as polticas sociais no centro da crise ou redefinio dosmodos de regulao social, j que ganham uma nova centralidade pelo aumento crescenteda populao excluda do contrato mercantil e contributivo. E isso significa tambmreconhecer que em torno desse mundo da pobreza configura-se algumas das questescruciais dos tempos que correm terreno de enfrentamentos, embates e disputas em tornodo atual reordenamento das relaes entre Estado e sociedade.

    Com isso o que se est aqui propondo que esse universo da pobreza, hojeamplificado e dramatizado, no pode ser entendido apenas como o outro lado que mostrao avesso da modernizao brasileira. Pois h uma operao em curso que engendra umdiagrama poltico e um jogo social que desafia, por dentro, os termos pelos quais oproblema poltico da cidadania pode ou poderia ser formulado.

    Esse mundo da pobreza, mundo da filantropia, o terreno, como vimos, no qual sederam alguns dos embates cruciais dos ltimos anos pela conquista de uma cidadania

    ampliada. E o terreno no qual a destituio de direitos, destituio real e simblica, vemse traduzindo no que Yazbek (1995) chama de refilantropizao da pobreza em umcenrio de reduo de investimentos pblicos na rea social e de obstruo dosinstrumentos de interveno social previstos na Constituio de 1988 e na Loas. Analistas eprofissionais do servio social so praticamente unnimes em dizer que o ProgramaComunidade Solidria, instalado no bojo da reforma administrativa que inaugura o novogoverno j no seu primeiro dia de funcionamento (01.01.1995) pea central nessaoperao

    TF

    14FT pois opera como uma espcie de alicate que desmonta as possibilidades de

    formulao da Assistncia Social como poltica pblica regida pelos princpios universaisdos direitos e da cidadania: implode prescries constitucionais que viabilizariam integrar aAssistncia Social em um sistema de Seguridade Social, passa por cima dos instrumentos

    previstos na Loas, desconsidera direitos conquistados e esvazia as mediaes democrticasconstrudas - os debates e propostas em fruns, conferncias, seminrios e encontros noso considerados, da mesma forma como os esforos dos movimentos sociais em

    T

    14T . A propsito, ver Sposati (1995, 1997), Yasbek (1995a, 1995b, 1997), Faleiros (1995, 1996), Raichelis

    (1997), Ribeiro (1996). Os argumentos aqui desenvolvidos seguem de perto a anlise critica desses autores.Para uma analise mais detalhada e circunstanciada dos fatos e questes em pauta, remeto o leitor leituradesses autores.

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    construir mltiplos conselhos de gesto paritria nas reas da sade, criana e adolescncia,da assistncia social, entre outros, e em articular fruns e conferncias municipais,estaduais e nacionais, tem sido desvalorizados (Sposati, 1995).

    Mais importante ainda do que a denegao de conquistas que vinham sendoalcanadas desde 1988 o esvaziamento do campo poltico no qual essas conquistasvinham se processando. esse o efeito da montagem de uma estrutura de atuao queestabelece uma articulao direta com organismos do executivo federal, de um lado e, deoutro, a seleo pelo alto das parcerias a serem feitas no mbito da sociedade para aexecuo dos programas sociais. E isso significa muito concretamente a eroso dos espaospolticos construdos e o esvaziamento da tessitura democrtica a que se fez refernciapginas atrs, na medida mesma em que so destitudos de eficcia e privados deressonncia pblica. Seria possvel argumentar que o PCS no tem e nem poderia tertamanha fora poltica, pois sua atuao muito localizada, fragmentada e circunscrita aalguns poucos municpios (os mais pobres nas regies mais atrasadas) no territrionacional. No entanto, sua fora no vem do impacto dos programas que chega aimplementar. O problema est no campo poltico que circunscreve.

    De um lado, como sugere Vanda Costa Ribeiro (1996), ao operar margem dosinstrumentos legais e jurdicos definidos na Constituio e na Loas, o PCS abre caminhopara a desintegrao do padro de seguridade social (que nem mesmo chegou a consolidar-se) definido na Constituio de 1988 e prepara o terreno para a redefinio conservadora deprogramas sociais, de carter compensatrio e perfil seletivo e focalizado, desvinculadosde uma definio jurdico-legal para a distribuio de benefcios e dissociados de instnciasdemocrticas de participao e deliberao polticas. Alm de institucionalizar a dualizaoentre trabalhadores integrados nos circuitos modernos da economia e os pobres assistidospor programas sociais, esse um modelo de proteo social que parece cristalizar aconcepo hoje corrente de que pobreza um dado inevitvel, que nada existe a ser feito

    alm da gesto da misria para minorar seus efeitos mais perversos e tambm neutralizarseu eventual potencial conflitivo.

    Por outro lado, sob o discurso edificante da solidariedade e sob o formatomoderno da parceria com a sociedade civil, o PCS parece conferir validade eplausibilidade a uma redefinio conservadora das relaes entre Estado e sociedade, queelide a questo dos direitos por via da transferncia das responsabilidades pblicas naprestao de servios sociais para a assim chamada comunidade, seja a famlia, sejam asorganizaes no-governamentais, sejam as organizaes filantrpicas tradicionais e suasformas modernas, a incluindo a chamada filantropia empresarial. E isso significa tambmreconhecer que a desmontagem do campo poltico democrtico em construo nos ltimos

    anos no significa to simplesmente um retorno s velhas e tradicionais prticas da gestofilantrpica da pobreza. uma outra forma de gesto do social gesto das populaespobres, poderamos dizer, que tende a se realizar em um encapsulamento comunitrio aorevs dos princpios universalistas da igualdade e da justia social e que tem por efeitoerodir a prpria noo de direitos e cidadania pela neutralizao da tessitura democrticaconstruda na interface entre Estado e sociedade. E isso projeta as organizaes dasociedade civil construdas nos ltimos anos, a incluindo o que muitos chamam de novasformas de associativismo identificadas com esse universo to amplo quanto heterogneo (e

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    nebuloso quanto s suas caractersticas) que so as assim chamadas organizaes no-governamentais, no centro mesmo dos embates e desafios atuais. Pois o que est em pautaso precisamente as mediaes democrticas construdas, sem as quais a dinmicaassociativa sobre a qual essa sociedade civil se estruturou corre o risco de um retraimentocomunitrio, encapsulado na particularidade de grupos sociais diversos. esse retraimento

    e esse encapsulamento que conferem ou podem conferir plausibilidade a novas formasde gesto da pobreza, entre a administrao tcnica das necessidades sociais (mas afinal,o que so essas necessidades? E quem as define?) e discurso humanitrio da filantropia quefaz apelo a um sentido de solidariedade constitutivo dessa trama associativa, mas bloqueia asua dimenso poltica e a reduz aos termos estritos da responsabilidade moral.

    preciso que se diga que essas so tendncias em curso no cenrio brasileiro e nopodem ser tomadas como fatos inteiramente objetivados e j consolidados. Mas no impossvel adivinhar o horizonte que vem se delineando. De um lado, o que parece estar vista um reordenamento comunitrio de programas sociais subsidiados pelo Estado emediados pelos critrios de eficincia e competio do mercado (Faleiros, 1996). E nesseterreno que entra em cena o chamado Terceiro Setor. Em nome das suas virtudes solidriase empreendedoras, as organizaes do Terceiro Setor so celebradas como alternativaseficientes, flexveis e dinmicas na prestao de servios sociais. nesses termos que oento Ministro Bresser Pereira faz a defesa das organizaes sociais, nova figura jurdicacriada em outubro de 1997, apresentada como uma forma moderna de gesto dos serviossociais capaz de defender os direitos sociais de forma competitiva e portanto maiseficientes, ao contrrio da rigidez e anacronismos prprios de um Estado Burocrtico. E nesses termos que faz a defesa do Terceiro Setor definido como um espao pblico no-estatal no qual atividades de interesse pblico podem ser desenvolvidas sem osconstrangimentos burocrticos do Estado e margem dos imperativos de lucro domercado TF15FT.

    No deixa de ser significativo o modo como a noo de espao pblico no-estataltantas vezes enunciada por Tarso Genro, para ficar no exemplo de uma figura pblicaconhecida por suas posies amplamente expostas ao debate pblico, vem sendo redefinidae submetida a uma ressignificao que elide a questo da alteridade poltica e o princpio darepresentao em espaos pblicos de explicitao de conflitos e dissensos, de negociao einterlocuo em torno de questes pertinentes vida em sociedade. Mas precisamenteessa neutralizao desse campo poltico democrtico que permite um deslizamentosemntico pelo qual bem pblico passa a ser identificado com interesses coletivos degrupos sociais e espaos pblicos so traduzidos nos termos da participao comunitria

    TF

    16FT.

    E essa operao semntica que permite, sob a denominao genrica de Terceiro Setor,colocar como equivalentes entidades filantrpicas (velhas e novas), organizaes no-governamentais, associaes de moradores e grupos comunitrios de perfis diversos. Essaequivalncia no inteiramente falsa, na verdade construda por referncia a uma medidano-poltica que faz referncia uma noo moral de responsabilidade, entendida como

    T

    15T. Entre os inmeros artigos publicados na grande imprensa, cf. O Estado do sculo 21, Folha de So Paulo,

    28.11.1996, p.1-2.

    T

    16T. Para uma discusso sobre as diferenas entre espao pblico, comum e coletivo, ver TASSIN 1991

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    dever de solidariedade em relao aos pobres. No por acaso o discurso hoje corrente sobreo Terceiro Setor omite a tessitura democrtica construda na interface entre Estado esociedade atravs de espaos de participao, de representao e negociao poltica. H aum peculiar deslocamento do campo em que a noo de espao pblico no-estatal definido, de uma noo poltica e politicamente construda, para uma verso comunitria

    apresentada como terreno da solidariedade no a solidariedade dos direitos sociais, mascomo diz Aldaiza Sposati (1996), a solidariedade na benemerncia. No casual portanto arecente valorizao da filantropia como figura de solidariedade e fraternidade face aosdeserdados da sorte. Sinal inquietante de um cenrio em que a prpria noo deresponsabilidade pblica e de bem pblico sem vendo erodidas como referncias ouidias reguladoras pelas quais a crtica das mazelas brasileiras pode ser formulada eimaginados outros horizontes possveis de futuro.

    Para alm da retrica edificante da solidariedade, essas novas formas de gesto dosocial terminam tambm por descaracterizar a prpria noo de cidadania e direitos: acidadania passa a ser entendida como participao comunitria e no lugar de sujeitos dedireitos, entra em cena a figura do usurio de servios. Como diz Faleiros (1996), no atravs da garantia de direitos de cidadania social que os indivduos e grupos tem acessoaos servios, mas por intermdio de critrios focalizados, seletivos e particularizados,estabelecidos sempre de modo ad hocpelas agncias, grupos comunitrios ou organismosno-governamentais que os gerem. Nas situaes nada hipotticas de indivduos ou gruposdiscriminados ou excludos desses servios, quais as instncias pelas quais esse direitopode ser demandado? No h, parece claro, nenhuma instncia: a distribuio de servios ebenefcios sociais depende em tudo e por tudo da aleatoriedade da boa vontade oucompetncia dessas mesmas organizaes. E esse um ponto importante a ser enfatizado,pois trata-se aqui exatamente da desmontagem das mediaes (institucionais e polticas)sem as quais os direitos viram uma fico retrica: no podem ser formulados, no tmcomo ser reivindicados e so privados das mediaes pelas quais o litgio pode serconfigurado e processado nas formas possveis de sua negociao. Esse o aspectopragmtico da desmontagem dos campos de conflitos e, no limite, da eroso da prpriapoltica.

    Seria possvel dizer que, nesse cenrio, vem se configurando na verdade adesmontagem da prpria idia de bem pblico e responsabilidade pblica. Bem sabemosque essas noes nunca chegaram a se constituir plenamente na sociedade brasileira. Mas precisamente isso que torna a questo mais problemtica. Pois trata-se da demolio dasreferncias cognitivas e valorativas pelas quais essas noes poderiam ser formuladas como

    horizonte possvel de futuro. Pois para alm de uma privao da palavra e diferente darepresso de outros tempos, trata-se do seqestro da possibilidade de sua prpriaenunciao, ou por outra: a possibilidade de nomeao da questo pblica obstruda. nisso que se tem o registro do processo descrito por Francisco de Oliveira (1998) quandochama a ateno para a produo da experincia subjetiva da desnecessidade do pblico,contrapartida da anulao da poltica, pois disso que se trata, que destri as refernciassimblicas de uma universalizao possvel. isso o que bloqueia a possibilidade daresistncia social se transformar em alternativa poltica. E o que d plausibilidade a essa

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    mutao de sentidos pelos quais direitos so figurados como nus e custos, privilgios eanacronismos corporativos.

    Mas pelo ngulo societrio que os impasses atuais se qualificam. Sob o risco deuma simplificao exagerada, seria possvel dizer que estamos testemunhado a construode um social por enclaves. E nesse caso, esse reordenamento comunitrio das polticassociais (na verdade, formas de gesto do social) tem que ser visto em perspectiva comprocessos em curso na esfera do trabalho. Para os que ainda tem a sorte de se manteremintegrados nos ncleos organizado da economia, as atuais tendncias de desregulamentaoe flexibilizao dos direitos (e normas contratuais) esto significando a configurao deuma sociabilidade privada e privatizada que transfigura direitos em benefcios concedidoscomo recompensa s competncias individuais e individualizadas nas novas prticas degesto da fora de trabalho, minando por baixo as prticas de representao pela eroso dasmedidas possveis de universalizao, ao mesmo tempo em que cria a desnecessidade deservios pblicos agora encapsulados nas formas diversas de um welfare privado.

    Para os demais, desempregados e todos os que transitam nas franjas do mercado de

    trabalho entre formas diversas e hoje crescentes de trabalho precrio, resta o discursohumanitrio que prega a solidariedade como dever moral em relao aos pobres essafigura annima, inteiramente construda em negativo, no registro da carncia e daimpotncia. So os excludos, essa noo que se tornou moeda corrente dos debatesatuais e que constri a imagem de uma sociedade dualizada como se fossem dois mundosseparados, que correspondem, de um lado, atual celebrao da empresa como locus damodernidade e da riqueza e, de outro, os que no so ou no podem ser incorporados pelomercado. Se os que provaram suas qualidades e competncias no mercado merecem arecompensa dos benefcios concedidos pelas empresas, para os outros, para o mundo dapobreza, trata-se, no de garantir direitos, mas de atender suas necessidades.Concretamente, para esses trabalhadores a privao de direitos significa uma experincia na

    qual mercado parece operar com a aleatoriedade prpria dos fenmenos da natureza e asadversidade do emprego e do desemprego tendem a se confundir com os azares de cada um.Sempre foi assim. o cenrio das classes inacabadas que se constituem nesse imenso ehoje crescente mercado informal. A novidade dos tempos atuais que essa figura clssicade nosso atraso foi metamorfoseada em smbolo de nossa modernidade e referncia pelaqual transformar direitos consagrados em privilgios que nos atam aos anacronismos detempos passados. Essa a dimenso talvez a mais perversa da atual demolio dasmediaes polticas e referncias pblicas, demolio pela qual a modernizao neoliberalhoje em curso mostra o seu lado regressivo na sua tentativa, como diz Francisco de Oliveira(1998), de fazer as relaes humanas retrocederam ao estatuto de mercadoria, ao mesmotempo em que implode o contrato mercantil que no Brasil nunca foi slido e nunca se

    generalizou como norma e medida de sociabilidade.

    E por esse ngulo que os impasses atuais se qualificam. Pois h a questes quenos desafiam no ncleo mesmo de nossas questes: como pensar e propor direitos ecidadania em um contexto (societrio, econmico e poltico) que desfaz as equaesclssicas pelas quais essas noes foram construdas, conceitualmente e politicamente? Soquestes que nos projetam em um novo diagrama de questes que desafia os modos pelosquais nomeamos e formulamos o problema poltico da cidadania. Certamente a noo de

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    direitos e cidadania so referncias de valor pelas quais a barbrie dos tempos atuais podeser nomeada, descrita e denunciada. Mas tambm certo que direitos e cidadaniasignificam um modo de nomear (e imaginar) as formas pelas quais as relaes sociaispodem ser reguladas e construdas regras civilizadas de sociabilidade e exatamente poresse ngulo que estamos sendo desafiados no ncleo mesmo de nossas questes.

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