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1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUÍZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA- GO. Somos culpados de muitos erros e muitas falhas, mas nosso pior crime é abandonar as crianças, desprezando a fonte da vida. Muitas das coisas que precisamos podem esperar. A criança não pode. É exatamente agora que seus ossos estão se formando, seu sangue é produzido, e seus sentidos estão se desenvolvendo . Para ela não podemos responder "Amanhã" Seu nome é "Hoje". Gabriela Mistral O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por intermédio da Promotora de Justiça que ao final subscreve, no uso de suas atribuições legais, com espeque nos art. 127 e 129, II e III, 208, VII, todos da Constituição Federal, bem como no art. 1º, IV da Lei Federal nº 7.347/85 e art. 54, VII, c/c art. 201, V, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, vem à presença de Vossa Excelência propor a presente: 1 Av. Maranhão, esq, com Rua 10 , QD. 101, Setor Alto Alegre – Edifício do Fórum CEP 76590-000 - Tel/fax: 0xx62 - 3364-1020

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA · seguem anexos, desde o mês de fevereiro do corrente ano este órgão de Execução do Ministério Público tem recebido diversos

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1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE

SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUÍZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA-GO.

Somos culpados de muitos erros e muitas

falhas, mas nosso pior crime é abandonar as

crianças, desprezando a fonte da vida. Muitas

das coisas que precisamos podem esperar. A

criança não pode. É exatamente agora que

seus ossos estão se formando, seu sangue é

produzido, e seus sentidos estão se

desenvolvendo. Para ela não podemos

responder "Amanhã" Seu nome é "Hoje".

Gabriela Mistral

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS,

por intermédio da Promotora de Justiça que ao final subscreve, no uso de suas

atribuições legais, com espeque nos art. 127 e 129, II e III, 208, VII, todos da

Constituição Federal, bem como no art. 1º, IV da Lei Federal nº 7.347/85 e art. 54,

VII, c/c art. 201, V, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, vem à

presença de Vossa Excelência propor a presente:

1 Av. Maranhão, esq, com Rua 10 , QD. 101, Setor Alto Alegre – Edifício do FórumCEP 76590-000 - Tel/fax: 0xx62 - 3364-1020

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONDENATÓRIA, COM PRECEITO MANDAMENTAL, em TUTELA DE URGÊNCIA, consistente na imposição de fazer,

em face do ESTADO DE GOIÁS, pessoa jurídica de

direito público, inscrita no CNPJ com nº 01.409.580/001-38, na Pessoa do

Excelentíssimo Senhor Governador Marconi Ferreira Perillo Júnior, representado

pelo Procurador-Geral do Estado Alexandre Eduardo Felipe Tocantins, com sede

no Palácio Pedro Ludovico Teixeira – Rua 82, S/N Setor Sul, CEP: 74088-900,

Goiânia – GO, pelos fatos e fundamentos a seguir aduzidos :

I. DA RESENHA FÁTICA

Consoante pode ser observado pelos documentos que

seguem anexos, desde o mês de fevereiro do corrente ano este órgão de

Execução do Ministério Público tem recebido diversos expedientes, os quais

informam a calamitosa situação de saúde vivenciada pelo menor Wellington Dias da Silva, que conta atualmente com 11 (onze) anos de idade, portador de

moléstia grave em seu aparelho digestivo, necessitando em caráter urgentíssimo

de intervenção cirúrgica.

Assim, no dia 14 do mês de fevereiro de 2012, aportou

no pier desta Promotoria de Justiça, relatório sobre o caso do infante, lavrado pela

equipe gestora e pedagógica da Escola Municipal Santa Lúcia, noticiando que:

“(...) devido ao seu problema de saúde causa ao mesmo e aos colegas um certo

desconforto na sala de aula, pois a criança passou por uma cirurgia no

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intestino grosso, passando a defecar pela barriga, seria necessário passar

novamente por uma cirurgia para reverter a situação porém sua mãe não

tomou as devidas atitudes para que isso acontecesse, sendo assim a criança tem

mau cheiro, por ter o ânus exposto (...)”.

Diante desta triste situação, o Ministério Público do

Estado de Goiás, imediatamente oficiou ao Conselho Tutelar da Criança e do

Adolescente de São Miguel do Araguaia/GO requisitando informações atualizadas

quanto ao real estado de saúde do infante, o que foi prontamente atendido,

consoante se infere do relatório que instrui o procedimento administrativo, onde

informa que o menor passou por cirurgia pediátrica em 03.10.2011, junto ao

Hospital das Clínicas em Goiânia/GO, oportunamente em que foi colocado no

paciente um bolsa de colostomia, visando fazer com que o intestino grosso do

infante passasse a funcionar normalmente.

A colostomia é um procedimento cirúrgico onde se faz

uma abertura no abdome (estoma) para a drenagem fecal (fezes) provenientes do

intestino grosso (cólon). É feito geralmente após a ressecção intestinal. Ela pode

ser temporária ou permanente. É feita uma incisão no abdome enquanto o

paciente está sob anestesia profunda e sem dor (anestesia geral). O tecido sadio

do intestino é preso no abdome (colostomia). Em seguida, uma bolsa adesiva para

drenagem (dispositivo para o estoma) é posicionada em torno da abertura. A

incisão abdominal é fechada.

Após a realização do citado procedimento médico, o

menor retornou à Goiânia/GO nos dias 23 e 26 de março do corrente ano para

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nova avaliação médica. Instada, a genitora do infante informou ao Conselheiro

Tutelar de São Miguel do Araguaia/GO que o médico havia proscrito diversos

exames, com objetivo de avaliar o quadro, bem como a possibilidade de nova

intervenção cirúrgica, porém não designou data para o retorno do infante, haja

vista que a unidade de saúde estava de greve.

Em razão do movimento paredista, o exame de

“Manometria Anorretal” somente foi realizado em 19 de setembro de 2012, cujo

laudo também instrui o procedimento anexo, junto ao Hospital das Clínicas em

Goiânia, sendo acompanhado pelo Conselho Tutelar da Criança e Adolescente de

São Miguel do Araguaia/GO. Tal exame visa averiguar a possibilidade de

reconstrução do trânsito intestinal do infante.

Decorridos 15 (quinze) dias após a realização do exame

alhures citado, o laudo foi devidamente entregue ao Conselheiro Tutelar que

acompanha o caso, momento em que foi designado o retorno do infante para o dia

23.11.2012, para a análise da conclusão do exame e aquilatar a possibilidade de

realizar-se nova cirurgia.

Nessa esteira, na data assinalada, mesmo diante das

diversas dificuldades, empecilhos e obstáculos encontradas, pois o infante reside

há 483km (Quatrocentos e oitenta e três quilômetros) da Unidade de Saúde que o

acompanha, mas por se tratar de uma pequena vida em desenvolvimento, o

menor devidamente acompanhado pelo Conselho Tutelar compareceram à

consulta médica.

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No entanto, após análise acurada do caso, o médico

responsável encaminhou Wellington Dias da Silva ao Serviço de Arquivo Médico

e Informações de Saúde – SAMIS, do Hospital das Clínicas, para o agendamento

de nova consulta pediátrica, pois o médico que atendeu o infante somente realiza

procedimentos cirúrgicos em adultos.

Incontimenti, o Conselheiro Tutelar se dirigiu ao SAMIS

para marcar o retorno, porém foi noticiado que o agendamento deveria ser feito

por telefone. Após retornar a esta cidade, entabulou contato telefônico com a respectiva central, mas não logrou êxito em marcar o retorno, pois no corrente ano não há mais vagas disponíveis. Frise-se que o infante está há 01 (um) anos aguardando a realiza do procedimento cirúrgico.

Destarte, apesar dos esforços do Conselho Tutelar da

Criança e do Adolescente de São Miguel do Araguaia/GO junto ao Hospital de

Clínicas de Goiânia/GO no sentido de ver regularizada a situação com a enfática

argumentação de que perdurando a omissão na realização do procedimento

cirúrgico estaria ocorrendo flagrante violação ao direito subjetivo à Saúde por

omissão do Estado de Goiás, ainda permanece sem definição o reprovável

contexto ora retratado.

Diante da indefinição do Serviço de Arquivo Médico e

Informações de Saúde – SAMIS, do Hospital das Clínicas, e frente a grave

situação da criança, que corre risco real de vir a óbito, torna-se, necessário e

urgente a transferência para um Hospital que ofereça o Serviço de Cirurgia

Pediátrica, para salvar sua vida.

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Importa mencionar que em nenhum momento se está

pleiteando que seja alterada a fila de espera estabelecida pelo SUS para o

aguardo de internação, que é formada com base em critérios e protocolos clínicos

firmados pelo Ministério da Saúde, mas sim, determinar ao Requerente que arque

com sua responsabilidade de proporcionar à população o livre acesso à rede

pública de saúde, que é direito de todos.

Conforme se verá adiante comprovado, a criação e

manutenção de vagas proporcional à população do Estado é atribuição

constitucional do Acionado que, por não tê-la cumprido, gerou a situação ora

vivenciada pela criança, que precisa de intervenção cirúrgica com urgência e não

consegue uma vaga para isso.

Descortinado este contexto fático, a intervenção do

Poder Judiciário mostra-se indeclinável e imediata, posto que configurado o sério

risco de prejuízos irreversíveis para ao infante, pois a patente omissão do Estado

de Goiás causa sério risco à saúde de Wellington Dias da Silva e até mesmo à

sua vida, pois sua enfermidade possui alto risco de gravidade e a interrupção de

seu tratamento poderá até mesmo levá-lo a óbito.

II- DO DIREITO

a) Da Competência da Justiça da Infância e Juventude

Dispõe o art.148, inciso IV, do Estatuto da Criança e do

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Adolescente que a Justiça da Infância e Juventude é competente para conhecer

de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos, afetos à

criança e ao adolescente, observado o disposto no art.209, que preceitua que

referidas ações serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a

ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa.

É imprescindível asseverar que o escopo do Estatuto da

Criança e do Adolescente em concretizar a jurisdição no foro do local do dano,

determinando a competência funcional do juízo, estava atrelada em permitir ao

destinatário das provas, a concretização, com maior clareza possível, sobre a

extensão dos fatos e de suas consequências. Mister anotar que, no confronto entre a competência privativa da Fazenda Pública Municipal e a regra estampada na legislação especial em comento, a saber, ECA, prevalece a última, conforme aresto adiante transcrito.

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE. DIREITO À SAÚDE. CONFLITO ENTRE O JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE E A VARA CÍVEL (VARA DA FAZENDA PÚBLICA). As ações em que a fundamentação se baseia no Estatuto da Criança e Adolescente são de competência do Juizado da Infância e Juventude. Conflito desacolhido, reconhecendo-se a competência do Juizado da Infância e Juventude para o julgamento do feito.” (TJ-RS; CC 70025484049; Pelotas; Sétima

Câmara Cível; Rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel; Julg. 23/07/2008;

DOERS 30/07/2008; Pág. 37)

Logo, a competência desta Vara da Infância e

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Juventude para conhecer da presente ação é induvidosa, posto que se destina a

sanar a oferta de transporte escolar as crianças e adolescentes matriculadas na

Rede Estadual de Ensino do Município de São Miguel do Araguaia-GO.

b) Da Legitimidade Ativa do Ministério Público

A Constituição Federal, em seu artigo 127 atribui ao

Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis. Por sua vez, o Estatuto da Criança e

do Adolescente, por sua vez, conferiu legitimidade ao Ministério Público para

promover o inquérito civil e ação civil pública para a proteção dos interesses

individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência (art.201, V),

prevendo expressamente tal legitimidade ao tratar da proteção judicial a estes

interesses (art.210, I, ECA).

Essa situação de Direito Fundamental, dada aos

direitos da criança e do adolescente, volta a ser reafirmada no art. 4º, da Lei nº

8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que repete o mesmo texto do

dispositivo constitucional, acrescido e reforçado pelo conceito da proteção integral

da criança e do adolescente, previsto no art. 3º, da mesma Lei, sendo que a

doutrina dominante entende da mesma maneira:

“A análise do Estatuto da Criança e do Adolescente, como um

todo, reforça a referida norma constitucional (art. 227, caput), seja

quando cuida dos seus direitos fundamentais (direito à vida e à

saúde; à liberdade, ao respeito e à dignidade; à convivência

familiar e comunitária; à educação, ao esporte e ao lazer; à

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profissionalização e à proteção ao trabalho), seja quando cuida

de seus interesses individuais.” (MAZZILI, Hugo N. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 13. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 455).

Insta destacar, por oportuno, que é pacífico o

entendimento do STJ no sentido de que o Ministério Público tem

legitimidade para defesa dos direitos individuais indisponíveis, mesmo

quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada (art. 127,

CF/88) (REsp 688052/RS).

Logo, compete ao Ministério Público promover a ação

civil pública para compelir o Estado, genericamente falando, a garantir o acesso

de crianças e adolescentes aos seus direitos assegurados na regra constitucional

e infraconstitucional, no que tange ao livre e prioritário acesso à rede pública de

saúde, de modo a afastar qualquer dúvida quanto à legitimidade do Parquet.

c) Da Legitimidade Passiva 'ad causam' do Estado de Goiás

A Constituição da República de 1988, vaticina que a

saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e

econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao

acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação, nos termos do seu artigo 196, bem como no artigo 2º, § 1º, da Lei

Federal n.º 8.080/90.

Conforme é cediço, as ações e serviços de saúde, são

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executados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sendo que sua direção é única,

nos termos do artigo 198, inciso I, da Constituição da República/1988, sendo

exercida em cada esfera de governo, federal, estadual e municipal, e serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente.

Desse modo, evidente que todas as esferas do

governo, de acordo com sua possibilidade, observados os níveis de complexidade, é que deverão arcar com a responsabilidade de assegurar o

acesso aos serviços de saúde, devendo o Estado prover as condições

indispensáveis ao seu pleno exercício, tendo imputado, portanto, o legislador aos

entes federativos o dever de promoção da saúde para a população.

Na presente hipótese, a responsabilidade para efetuar

os procedimentos médicos que necessita o menor Wellington Dias da Silva é do

Estado de Goiás, pois trata-se de procedimento pediátrico de alta complexidade, tal seja, a reconstrução do trânsito intestinal, sendo público e

notório que o carente município de São Miguel do Araguaia/GO não dispõe da

estrutura necessária para a realização deste tipo de procedimento de alto risco.

Imprescindível destacar, que o ordenamento jurídico

pátrio, ao imputar ao Estado a obrigação pela saúde de seu povo, não faz

distinção entre as entidades federativas, o que nos remete concluir pela

solidariedade quanto ao bem-estar coletivo e individual.

Por seu turno, a Constituição do Estado de Goiás

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estabelece no artigo 153, que:

“ao Sistema de Saúde unificado e descentralizado de saúde

compete, além de outras atribuições:[...]

IX - prestar assistência integral nas áreas médica, odontológica,

fonoaudiológica, farmacêutica, de enfermagem e psicológica aos

usuários do sistema, garantindo que sejam realizadas por

profissionais habilitados.”

Tem-se, assim, pela própria disposição literal das

normas acima analisadas, que o Estado tem o dever constitucional de fornecer às

pessoas dispensação dos serviços saúde necessários à sua sobrevivência e bem-

estar, por tratar-se de serviços de relevância pública.

A propósito, o Sodalício Goiano:

MANDADO DE SEGURANÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. DIREITO FUNDAMANTAL À SAÚDE. REALIZAÇÃO DE CIRURGIA. DEVER DO ESTADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE OS ENTES DA FEDERAÇÃO. PROVA PRÉ-

CONSTITUÍDA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO COMPROVADO. 1-

Sendo solidária, entre os entes federados, a obrigação de assegurar o direito a saúde, não há falar em ilegitimidade do

Poder Público Estadual. 2- A saúde se constitui em direito

fundamental, indissociável do direito à vida, cabendo ao poder

público, garantir providências no sentido de efetivá-lo, sob pena de

ofensa aos artigos 6º e 196, da Constituição Federal, art. 153 da

Constituição Estadual e Lei nº 8.080/90. 3- Não há que se falar em

necessidade de dilação probatória, quando se verifica a existência

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de prova pré-constituída para comprovar o direito buscado nos

autos. Segurança concedida. (TJ/GO, MANDADO DE

SEGURANCA 919-46.2012.8.09.0000, Rel. DES. GILBERTO

MARQUES FILHO, 4A CAMARA CIVEL, julgado em 26/04/2012,

DJe 1065 de 18/05/2012) – grifei.

À guisa de fundamentação, sobre a responsabilidade

solidária do entes da federação, no que pertine ao serviços de saúde, em casos

semelhantes assim se manifestou o Eminente Desembargador do Tribunal de

Justiça do Estado de Goiás, Dr. Gilberto Marques Filho, in verbis:

“(…) não há falar em ilegitimidade passiva do Estado de

Goiás, haja vista ser a responsabilidade dos entes

federativos solidária, isto significando que cada um

deles poderá ser demandado sem que haja a

necessidade da intervenção dos demais, pois o

sistema é único.” - grifei.

Em conclusão, de acordo com a Lei 8.080/90 Lei

Orgânica da Saúde(SUS), o fornecimento de tratamento de saúde está garantido a

todos que necessitam. O SUS funciona solidariamente e é um sistema indivisível,

solidário e único, sendo que o paciente pode eleger qual autoridade irá acionar

para adquirir o tratamento, podendo ser a União, o Estado ou os Municípios.

d) Da Ilegitimidade Passiva 'ad causam' da Secretaria de Saúde do Estado de Goiás

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Nesse aspecto, necessário efetuar uma breve

consideração de ordem processual sobre os motivos em que a Secretaria de

Saúde do Estado de Goiás não figurará no polo passivo.

Impende sublinhar, que a Secretaria de Saúde do

Estado de Goiás não será arrolada no polo passivo , pois não pode figurar como

parte nesta ação, porque as Secretarias de Estado são órgãos públicos

despersonalizados, frutos do fenômeno que Celso Antônio Bandeira de Mello

chama de “desconcentração” (in Curso de Direito Administrativo. 11a ed. São

Paulo, Malheiros Editores, 1999. Pág. 97).

Conforme é cediço, a Secretaria de Saúde do Estado

de Goiás não passa de simples repartição que integra a estrutura administrativa

do Estado de Goiás e que dele não se distingue. Portanto, se alguma omissão

existe no tocante à política pública voltada para o fornecimento de transporte

escolar regular, quem deve ser responsabilizado é o Estado de Goiás, e não a sua

Secretaria de Saúde. Nesse espectro jurisprudencial, confira-se:

“EMENTA – TJRS - A Secretaria Municipal do Meio Ambiente é parte ilegítima para integrar o pólo passivo de ação ordinária que visa à renovação de alvará de comércio ambulante, uma vez que, como ente despersonalizado, opera como mero agente da pessoa jurídica de direito público a qual pertence, no caso, o Município de Porto Alegre” (TJRS, Agravo interno n. 70031382690, da Comarca de Porto Alegre, rel. Des. João Carlos Branco Cardoso, j. Em 02.09.2009).

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“EMENTA – TJMG - PROCESSUAL CIVIL - ILEGITIMIDADE PASSIVA 'AD CAUSAM' - SECRETARIA DE ESTADO - ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL - AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA - INDEFERIMENTO DA INICIAL -

APLICAÇÃO DO ART. 295, II, DO CPC. Sendo a Secretaria de Recursos Humanos e Administração órgão da Administração Pública Estadual, sem personalidade jurídica, não tem legitimidade para figurar no pólo passivo de ação judicial, já que não poderá arcar com os efeitos oriundos da sentença.

Recurso a que se nega provimento” (TJMG, Ap. cível n.

000322824/00, da Comarca de Belo Horizonte, rel. Des. Kildare

Carvalho, j. em 07.08.2003).

Por esses motivos, o Ministério Público do Estado de

Goiás não arrolou a Secretaria de Saúde em referência no polo passivo.

e) Do Direito à Saúde

Inicialmente cumpre destacar que a Constituição

Federal instituiu em seus artigos 1º a 4º os princípios fundamentais do Estado

Democrático de Direito, direcionando a interpretação de todo ordenamento jurídico

nacional para os fins estampados nestes dispositivos. Assim, o direito ao acesso

gratuito, irrestrito e integral das crianças e adolescentes à saúde está previsto em

diversos dispositivos da Magna Carta.

O constituinte originário considerou a cidadania e a

dignidade da pessoa humana como fundamentos do Estado Democrático de

Direito Brasileiro, sendo certo que toda conduta do Poder Público deve ser voltada

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para a concretude de tais fundamentos, sendo que no caso em debate, o não

oferecimento e a oferta irregular do acesso à rede única de saúde às crianças e

adolescentes por parte do requerido viola frontalmente os fundamentos

constitucionais supramencionados.

É cediço, que a Carta Política da República, em seu

artigo 1º, III, eleva a dignidade da pessoa humana à posição de fundamento do

Estado Democrático de Direito, estabelecendo dessa forma que qualquer ação

estatal deverá ter como objetivo precípuo o tratamento digno e igualitário dos

próprios semelhantes.

Destarte, pode-se afirmar que a finalidade do princípio

da dignidade humana é assegurar a proteção contra o arbítrio do poder estatal e

implementar o desenvolvimento da personalidade humana por meio de condições

mínimas de vida com dignidade.

Ademais, a Carta Magna, em seu artigo 5º, prevê a

inviolabilidade do direito à vida, consolidando-o como um dos direitos

fundamentais do homem.

Com efeito, o direito à vida, inserido no contexto dos

direitos fundamentais, tais como os demais, traz as prerrogativas de: a)

imprescritibilidade (não se perde pelo decurso do prazo); b) inalienabilidade

(inexiste possibilidade de transferência); c) irrenunciabilidade (não pode ser objeto

de renúncia); d) inviolabilidade (impossibilidade de desrespeito); e) universalidade

(engloba todos os indivíduos); f) efetividade (o Poder Público deve atuar para

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garantir a sua implantação) e g) indivisibilidade (não deve ser analisado

isoladamente).

Há que se destacar, também que a Constituição

Cidadã, elencou os direitos sociais do cidadão ao patamar de direito

constitucional, estabelecendo em seu artigo 6º (norma constitucional de eficácia

plena) que, in verbis:

“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a

moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a

proteção da maternidade e à infância, a assistência aos

desamparados, na forma desta Constituição”.

O Direito à Saúde, configurando-se corolário do Direito

à vida, fora pelo legislador Constitucional elevado ao patamar de Direito social,

tutelando a prestação pelo Estado de um Sistema de saúde inclusivo, capaz de

garantir o acesso digno universal ao sistema de saúde nacional, preservando-se,

desta forma, o princípio norteador de todo o sistema jurídico, qual seja ele, o já

aludido princípio da dignidade da pessoa humana.

A Constituição Brasileira tutelou esse bem jurídico

essencial por meio de previsão expressa nos artigos 196 a 200, sendo necessária

a transcrição dos seguintes artigos:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do

risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e

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igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede

regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único,

organizado de acordo com as seguintes diretrizes: […]

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades

preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

[...]

Constata-se, pois, que o direito à vida, à saúde e à

dignidade humana devem prevalecer, ainda que em detrimento de gastos

públicos, já que configuram meio de resguardo de bens jurídicos essenciais para

um regular convivência social entre os homens.

Da mesma forma o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL posicionou-se sobre a matéria, veja-se:

“Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica

como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria

Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer

prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse

financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado

esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao

julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito

indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles que

têm acesso, por força de legislação local, ao programa de

distribuição gratuita de medicamentos, instituído em favor de

pessoas carentes. (Pet 1246 MC/ SC- MIN. CELSO DE MELO”

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Nesse passo, analisando-se as circunstâncias trazidas

para conhecimento deste Poder Judiciário, depreende-se que o Acionante vem

solicitar o resguardo dos direitos sociais deferidos pela carta Magna à parcela

mais carente da população que, acometida de patologia grave, busca apoio da

Administração Pública para realização de um procedimento cirúrgico seja na rede

pública ou privada, diante do caos vivido pela população e evidenciado pelos

meios de comunicação em massa, onde as filas e o desespero imperam pelo

descaso das autoridades em buscar as políticas públicas imprescindíveis para

esse fim.

Por seu turno, a Constituição Federal de 1988 tornou

obrigatória a tutela da saúde a todos os entes da Federação, consoante se extrai

do seu artigo 23, inciso II:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios: […]

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia

das pessoas portadoras de deficiência.”

Preceituando o mesmo a Lei 8.080/90, que preconiza

em seu artigo 2º, que “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo

o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício, tendo

imputado, portanto, o legislador aos entes federativos o dever de promoção da

saúde para a população”.

Assim, pela própria conceituação dos direitos sociais,

chega-se à conclusão de que ao Poder Público cabe a tarefa primordial de efetivá-

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los, por meio das políticas públicas necessárias a este escopo. Dessa forma,

evitar-se-iam as constantes violações destes direitos, apesar de sua previsão

constitucional.

No procedimento administrativo instaurado pelo Ministério Público, no entanto, observou-se que o direito à saúde do pequeno Wellington Dias da Silva, tem sido constantemente violado, não passando de mera previsão constitucional a proteção a que teria direito.

Reitera-se, pois, que a legislação pátria (artigo 54, VII,

do ECA) determina que é dever do Poder Público assegurar os direitos garantidos

e citados na Constituição Federal, portanto, incumbindo ao Estado, no seu sentido

amplo, propiciar os serviços relativos à saúde.

Impende sublinhar, que a atuação ministerial e do

Poder Judiciário na garantia da aplicação concreta dos princípios e normas acima

mencionados são absolutamente necessárias, principalmente em um momento em

que se busca a proteção dos direitos humanos fundamentais, inúmeras vezes

violados pela própria ação ou omissão estatal, visando com isso a efetivação dos

princípios do Estado Democrático de Direito.

E nem se diga que a omissão do Estado de Goiás seria

justificável pela falta de recursos financeiros. Estamos tratando de direitos de

crianças e dos adolescentes, os quais gozam de proteção integral e devem ser

garantidos com absoluta prioridade pelo Poder Público (art. 227 da CF/88 e arts.

3o e 4o do ECA). Não pode alegar falta de recursos um Estado que investe

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milhões de reais em propaganda do governo e deixa em último plano a reserva de verbas para concretizar os direitos das crianças e adolescentes,

omitindo-se de fornecer o adequado acesso à rede pública de saúde. Inaplicável

aqui, portanto, a chamada “cláusula da reserva do possível”. Essa tese ministerial

encontra amparo na jurisprudência do STF:

“CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ABUSO E/OU

EXPLORAÇÃO SEXUAL. DEVER DE PROTEÇÃO INTEGRAL À

INFÂNCIA E À JUVENTUDE. OBRIGAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE SE

IMPÕE AO PODER PÚBLICO. PROGRAMA SENTINELA–PROJETO

ACORDE. INEXECUÇÃO, PELO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC,

DE REFERIDO PROGRAMA DE AÇÃO SOCIAL CUJO ADIMPLEMENTO

TRADUZ EXIGÊNCIA DE ORDEM CONSTITUCIONAL.

CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO

INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO. DESRESPEITO À

CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-

819). COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI

FUNDAMENTAL (RTJ 185/794-796). IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL SEMPRE QUE PUDER RESULTAR, DE SUA APLICAÇÃO, COMPROMETIMENTO DO NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191- -197). CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS. PLENA LEGITIMIDADE JURÍDICA DO CONTROLE DAS OMISSÕES ESTATAIS PELO PODER JUDICIÁRIO. A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES

INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL

FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E

TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO

JURISPRUDENCIAL DO DIREITO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ

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174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219- -1220) . RECURSO

EXTRAORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL

CONHECIDO E PROVIDO” (STF, RE 482.611/SC, Decisão Monocrática, rel. Min. Celso de Mello, j. em 23.03.2010).

Detectada a violação do direito fundamental e social de

saúde de crianças da Comarca de São Miguel do Araguaia-GO, uma vez que a ausência da realização do procedimento médico poderá advir ao infante mal injusto e grave, cabendo, pois ao Ministério Público Estadual cumpriu com o seu

dever de defensor da ordem jurídica, da cidadania, dos direitos humanos

fundamentais, da infância e juventude, e de interesses difusos e coletivos da

população, trazendo estes fatos à apreciação do Poder Judiciário para que ele

corrija esta grave omissão. Sobre o tema do controle judicial das omissões do

Poder Público, cito o seguinte julgado do STF:

“(...) se o Estado deixar de adotar medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a

inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é

nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a

medida efetivada pelo poder Público (...). As situações configuradas de omissão inconstitucional – ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário – refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente,

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como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário” (STF, ADI 1.458 MC/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Celso de Mello, j. em 23.05.1996).

Compete, então a este conceituado Poder, na pessoa

do insigne magistrado titular da Vara da Infância e Juventude desta Comarca,

proferir a sua decisão, promovendo o controle judicial da omissão do Poder

Público Estadual, levando em conta os fatos e argumentos jurídicos acima

ventilados.

f) Da Proteção Integral garantida à Crianças e Adolescentes

Perpassado este ponto, cuidando mais especificamente

do Direito menoril, destaca-se ainda a Carta Constitucional quando diz:

“Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado

assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,

ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à

liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-

los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão.”

Esse dispositivo institui no nosso ordenamento jurídico

a doutrina da proteção integral, que se traduz como a imposição de um corpo

normativo de proteção em todos os níveis.

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Desta maneira, percebe-se claramente que o legislador

constitucional deferiu aos direitos e garantias da criança e do adolescente um

status fundamental e superior, de modo a que ficassem eles protegidos de

qualquer ameaça ou violação.

Portanto, decorrente dessa ilação, fica claro concluir

que a posição da Lei Federal 8069, de 13 de julho de 1990, está numa posição

superior às demais normas federais, por conter regras especiais de conduta sobre

o tema da infância e juventude.

Dessa forma, determina o artigo 4º, caput, da Lei

Federal nº 8069, de 13 de julho de 1990, repetindo o artigo 227, caput, da

Constituição Federal:

“Art. 4º – É dever da família, da comunidade, da sociedade em

geral e do Poder Público assegura, com prioridade absoluta, a

efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e

comunitária.”

Neste diapasão, é importante frisar outra passagem

desse mesmo texto legal, que em seu art. 11, § 2º, in verbis:

“Art. 11 – É assegurado atendimento médico à criança e ao

adolescente, através do Sistema Único de Saúde, garantido o

acesso universal e igualitário às ações e serviços para a

promoção, proteção e recuperação da saúde. […]

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§ 2º – Incumbe ao Poder Público fornecer gratuitamente

àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou

reabilitação.”

Nesta linha de raciocínio é o entendimento do Superior

Tribunal de Justiça, vejamos:

“PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. RECURSO

ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SUS. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO, PELO ESTADO, À PESSOA HIPOSSUFICIENTE PORTADORA DE DOENÇA GRAVE. OBRIGATORIEDADE. LEGITIMIDADE

PASSIVA. SECRETÁRIO DE ESTADO DA SAÚDE.

POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. ART.

515, § 3º, DO CPC. INEXISTÊNCIA DE SUPRESSÃO DE

INSTÂNCIA. EFETIVIDADE. AFASTAMENTO DAS

DELIMITAÇÕES. PROTEÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER CONSTITUCIONAL. ARTS. 5º, CAPUT, 6º, 196 E 227 DA CF/1988. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR E DO COLENDO STF.1. A proteção do bem jurídico tutelado (vida e saúde) não

pode ser afastada por questões meramente formais, podendo o

Secretário de Estado da Saúde figurar no polo passivo de ação

mandamental objetivando o fornecimento de medicamento à

hipossuficiente, portadora de doença grave (hepatite B crônica).

2. A necessidade de dar rápido deslinde à demanda justifica

perfeitamente o julgamento da ação pelo mérito. O art. 515, § 3º,

do CPC permite, desde já, que se examine a matéria de fundo,

visto que a questão debatida é exclusivamente de direito, não

havendo nenhum óbice formal ou pendência instrumental para que

se proceda à análise do pedido merital. Não há razão lógica ou

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jurídica para negar a esta Corte Superior a faculdade prevista pelo

aludido dispositivo legal. Impõe-se, para tanto, sua aplicação.

Inexistência de supressão de instância.

3. “Uma vez conhecido o recurso, passa-se à aplicação do

direito à espécie, nos termos do art. 257, RISTJ e também em

observância à regra do § 3º do art. 515, CPC, que procura dar

efetividade à prestação jurisdicional, sem deixar de atentar para o

devido processo legal” (REsp nº 469921/PR, 4ª Turma, DJ de

26/05/2003, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira). 4. Os arts. 196 e 227 da CF/88 inibem a omissão do ente

público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) em garantir o efetivo tratamento médico à pessoa necessitada,

inclusive com o fornecimento, se necessário, de medicamentos de forma gratuita para o tratamento, cuja

medida, no caso dos autos, impõe-se de modo imediato, em face da urgência e consequências que possam acarretar a não

realização.

5. Constitui função institucional e nobre do Ministério

Público buscar a entrega da prestação jurisdicional para obrigar o Estado a fornecer medicamento essencial à saúde

de pessoa carente, especialmente quando sofre de doença grave que se não for tratada poderá causar, prematuramente,

a sua morte. 6. O Estado, ao negar a proteção perseguida nas

circunstâncias dos autos, omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde, humilha a cidadania, descumpre o seu

dever constitucional e ostenta prática violenta de atentado à dignidade humana e à vida. É totalitário e insensível.

7. Pela peculiaridade do caso e em face da sua urgência, hão de se afastar as delimitações na efetivação da medida

sócio-protetiva pleiteada, não padecendo de ilegalidade a

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decisão que ordena à Administração Pública a dar

continuidade a tratamento médico. 8. Legitimidade ativa do Ministério Público para propor

ação civil pública em defesa de direito indisponível, como é o direito à saúde, em benefício de pessoa pobre.

9. Precedentes desta Corte Superior e do colendo STF. 10. Recurso provido." (RMS 23184 / RS ; RECURSO

ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2006/0259093-6

Relator(a)Ministro JOSÉ DELGADO (1105)Órgão Julgador T1 -

PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 27/02/2007 Data da

Publicação/Fonte DJ 19.03.2007, p. 285.)

g) Da Antecipação de Tutela

O Estado, ao vedar a chamada “justiça pelas próprias

mãos” ou autotutela, assumiu o monopólio da jurisdição e, assim, obrigou-se a

solucionar os conflitos de interesses que inevitavelmente nascem da convivência

humana. Cabe ao Estado, e mais especificamente, ao Poder Judiciário, o

monopólio da jurisdição.

A garantia constitucional de acesso à justiça insere-se

no rol dos direitos fundamentais do cidadão. A busca da efetividade do processo

advém do direito constitucional, da garantia constitucional de acesso à adequada

tutela jurisdicional. A efetividade processual como direito fundamental passa,

inevitavelmente, pela busca da tutela jurisdicional adequada.

A efetivação almejada pela parte decorre tanto do

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direito constitucional de ação, como do devido processo legal; cabendo ao Poder

Judiciário apreciar o pedido de prestação jurisdicional requerido pela parte de

forma regular e concreta.

Buscando dar efetividade a garantia constitucional do

acesso à justiça, foi criado o instituto da tutela antecipada. O artigo 273 Código de

Processo Civil esclarece:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou

parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial,

desde que, existindo prova inequívoca, se convença da

verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;

ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto

propósito protelatório do réu.

§ 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo

claro e preciso, as razões do seu convencimento.

§ 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver

perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

§ 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e

conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§

4o e 5o, e 461-A.

§ 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a

qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o

processo até final julgamento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de

13.12.1994)

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§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um

ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se

incontroverso.

§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer

providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes

os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter

incidental do processo ajuizado.

O § 4º do art. 461 do Código de Processo Civil autoriza

a concessão de tutela antecipada nas obrigações de fazer e não fazer, nos

seguintes termos:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de

obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela

específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará

providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do

adimplemento.

(...);

§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo

justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao

juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou

modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na

sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de

pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação,

fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

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Há, como se vê, apenas dois requisitos para a

concessão da tutela antecipada na obrigação de fazer: a) que o fundamento da demanda seja relevante; b) que haja justificado receio de ineficácia do provimento final. O artigo 273 do CPC ainda prevê que juiz poderá antecipar, de

forma genérica, os efeitos da tutela pedida na inicial, desde que, existindo prova

inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio

de dano irreparável ou de difícil reparação à parte.

Cabe grifar, também, que os requisitos para concessão

de medida liminar previstos no artigo 461, §3º, do CPC (repetidos no Código de

Defesa do Consumidor e na Lei da Ação Civil Pública), em face da relevância das

questões envolvidas, são menos rígidos que os exigidos para a concessão da

medida de antecipação de tutela prevista no artigo 273 do Estatuto Adjetivo. É o

que explica Nelson Nery Júnior em seu Código de Processo Civil Comentado,

Revista dos Tribunais, 2002, p. 763:

“É interessante notar que, para o adiantamento da tutela de mérito,

na ação condenatória em obrigação de fazer ou não fazer, a lei exige menos do que a mesma providência na ação de

conhecimento “tout court” (CPC 273). É suficiente a mera probabilidade, isto é, a relevância do fundamento da demanda,

para a concessão da tutela antecipatória da obrigação de fazer ou não fazer, ao passo que o CPC 273 exige, para as demais

antecipações de mérito: a) a prova inequívoca; o convencimento

do juiz acerca da verossimilhança da alegação; a) ou o “periculum

in mora (CPC 273 I) ou o abuso do direito de defesa do réu (CPC

273 II).” (grifei)

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O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

corrobora o entendimento:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE TUTELA

ESPECÍFICA FUNDADO NO ARTIGO 461 DO CPC. REQUISITOS

MENOS ABRANGENTES DO QUE OS NEC ESSÁRIOS PARA A

CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA PREVISTOS NO

ARTIGO 273 DO CPC. CONCESSÃO DA MEDIDA POSTULADA.

COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA EM CASO DE

DESCUMPRIMENTO. AGRAVO PROVIDO. Agravo de instrumento

nº 70004255006. Relator Des. Antônio Guilherme Tanger Jardim.”

Assim, torna-se possível o deferimento da liminar em

razão da relevância do fundamento da demanda e em razão de justificado receio

de ineficácia do provimento final.

De tal sorte, é indubitável que a demora no provimento

jurisdicional final pode acarretar danos irreparáveis, que têm esta demanda judicial

como alternativa eficaz para tentar modificar o cotidiano enfrentado pelo infante

Wellington Dias da Silva, que no auge de seus 10 (dez) anos de idade sofre cotidianamente com uma bolsa de colostomia anexada ao seu abdome, e que certamente o impede e o impossibilita de viver como uma criança normal, restringindo, pois outros direitos e ele garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Ademais, destaca-se que o menor está há 01 (um) ano aguardando a realização desta cirurgia.

A concessão de medida liminar, inaudita altera pars, é

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imprescindível no caso em análise.

O fumus boni juris advém das provas produzidas em

cede de procedimento administrativo, em anexo, e nos dispositivos da

Constituição da República, Constituição Estadual, no princípio da dignidade da pessoa humana, no próprio direito à vida e à saúde, que estão

constitucionalmente garantido como dever do Estado, consoante artigos 5º,

"caput" e 196 da Carta Magna, citados na presente demanda.

Presente, ainda, o periculum in mora,

consubstanciado no risco de ineficácia do provimento final, haja vista o sério risco

à vida e à saúde do menor impúbere Wellington Dias da Silva, facilmente evitável

se o Poder Público for compelido a atuar em prazo razoável.

No caso em tela, essa situação cristaliza-se ao se verificar que cada dia de atraso na correção da situação ora contestada, implica em mais e mais prejuízos contra a saúde da referida criança, necessitando da realização de uma cirurgia, que encontra-se privada de gozar intensamente de seus direitos fundamentais, bem como em eminente risco de infecções que a expõem a sérios riscos, principalmente colocando em xeque sua própria vida, haja vista que esta cidade está há aproximados 500Km dos centros especializados neste tipo de procedimento cirúrgico, buscando-se salvar a sua vida, que está à mercê de um sistema que não atentou para suas necessidades básicas de saúde.

A liminar deverá ser concedida, logicamente, sem

justificação prévia do réu (inaudita altera pars), pois não há tempo necessário para

a citação, a designação de audiência e a efetiva justificação, pois é importante destacar que estamos lidando com vida humana, em especial, uma criança

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que necessita de pronto e imediato atendimento médico-hospitalar, para a reconstrução de seu intestino.

O que se busca impedir é a continuidade no desrespeito

das normas constitucionais e infra-constitucionais. Se o Poder Judiciário, não tem

o poder de impedir a lesão ou ameaça ao direito, quem o tem? Por se tratar de

Estado Democrático de Direito, vigora em nosso ordenamento o princípio da

inafastabilidade da tutela jurisdicional: “a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito” (inciso XXXV do art. 5º da Constituição

Federal).

Ao Poder Judiciário foi confiada a tarefa de zelar pela

estrita obediência dos preceitos contidos na Constituição da República e na

legislação infraconstitucional; quer advenham de norma expressa; quer sejam

conseqüência da densificação dos princípios exarados pelo sistema. Em razão

disto, é defeso ao legislador infraconstitucional excluir da apreciação do Poder

Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da Constituição

Federal).

Indispensável, pois, é a imposição de multa diária ao

réu em caso de não cumprimento da medida judicial. Pede-se, neste caso, a

cominação de multa diária no valor mínimo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) no

caso do descumprimento da medida liminar, mais a cominação de crime de

desobediência pela não observância da ordem judicial.

Por fim, curial frisar que, não se está a exigir nada além

do que a obrigação constitucional do Estado de Goiás, o qual mantém-se inerte,

sem qualquer demonstração de interesse para com a vida e a saúde de crianças e

adolescentes os quais possuem prioridade absoluta. Ademais, não se pode correr

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o risco de continuar o enfrentamento de péssimas estradas com destino aos

nosocômios mais próximos, sem que se tenham tomado providências no sentido

de compelir o Estado de Goiás a melhorar o atendimento à saúde, sob pena de,

inclusive, esta e outras vidas se perderem.

Não obstante a dicção legal, o Tribunal de Justiça do

Estado de Goiás têm firmado o entendimento pela relativização do referido

dispositivo em razão da possibilidade de graves danos decorrentes da demora no

cumprimento da liminar em caso do cumprimento da referida norma. Vejamos:

EMENTA - TJGO - AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA. VIOLAÇÃO DO ART. 2º DA LEI Nº 8437/92. NULIDADE

NÃO CONFIGURADA. I- Não é ilegal a decisão judicial proferida na ação civil pública sem a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público para pronunciamento no prazo de setenta e duas (72) horas, pois tal ordem encontra-se mitigada no nosso ordenamento jurídico em face da possibilidade de ocorrer graves danos decorrente da demora no cumprimento da liminar, mormente se há nos autos provas suficientemente fortes. AGRAVO DE INSTRUMENTO

CONHECIDO E PROVIDO. (TJGO, AGRAVO DE INSTRUMENTO

260359-57.2010.8.09.0000, Rel. DES. JEOVA SARDINHA DE

MORAES, 6A CAMARA CIVEL, julgado em 05/04/2011, DJe 800 de

14/04/2011)

III – DOS PEDIDOS

Em razão do exposto e de tudo o que dos autos consta,

requer o Ministério Público:

33 Av. Maranhão, esq, com Rua 10 , QD. 101, Setor Alto Alegre – Edifício do FórumCEP 76590-000 - Tel/fax: 0xx62 - 3364-1020

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a) o recebimento da petição inicial;

b) a adoção do rito ordinário, nos termos do disposto no

artigo 19 da Lei 7.347/85 c/c artigo 282 e seguintes do Código de Processo Civil;

c) A CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA, nos

termos do artigo 273, inciso I, do Código de Processo Civil, inaudita altera pars,

consistente na imposição de obrigação de fazer ao réu de:

1) promover, às suas expensas, e m caráter de prioridade

absoluta, frente às demais execuções de políticas públicas em

curso, o imediato agendamento de consulta médica ao menor Wellington Dias da Silva, filho de Donizete Pereira da Silva e Isabel Simone Dias da Cruz, nascido aos 28.01.2001, em estabelecimento de saúde público ou particular, com médico pediatra especializado em cirurgia do aparelho digestivo, para a análise do quadro clínico do infante, sob pena de pagamento

de multa diária no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), a ser

revertida ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do

Adolescente, a ser paga pessoalmente pelo Governador do

Estado de Goiás, por cada dia de descumprimento, para garantir

seu efeito inibitório, sendo revertida em favor do Fundo Municipal

da Criança e do Adolescente de São Miguel do Araguaia-GO (CEF

– AG: 0794 – C/C: 65-2, OP: 006);

2) promover, às suas expensas, e m caráter de prioridade

absoluta, frente às demais execuções de políticas públicas em

34 Av. Maranhão, esq, com Rua 10 , QD. 101, Setor Alto Alegre – Edifício do FórumCEP 76590-000 - Tel/fax: 0xx62 - 3364-1020

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curso, o custeio e/ou a realização, em estabelecimento de saúde público ou particular, de todos os exames, pré-operatórios ou não, necessários, exigidos e proscritos pela equipe médica que avaliar o menor Wellington Dias da Silva, filho de Donizete Pereira da Silva e Isabel Simone Dias da Cruz, nascido aos 28.01.2001, sob pena de pagamento de multa

diária no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), a ser revertida ao

Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, a ser

paga pessoalmente pelo Governador do Estado de Goiás, por cada

dia de descumprimento, para garantir seu efeito inibitório, sendo

revertida em favor do Fundo Municipal da Criança e do

Adolescente de São Miguel do Araguaia-GO (CEF – AG: 0794 –

C/C: 65-2, OP: 006);

3) promover, às suas expensas, e m caráter de prioridade

absoluta, frente às demais execuções de políticas públicas em

curso, o custeio e/ou a realização, em estabelecimento de saúde público ou particular, do procedimento cirúrgico necessário para a reconstrução do trânsito intestinal do menor Wellington Dias da Silva, filho de Donizete Pereira da Silva e Isabel Simone Dias da Cruz, nascido aos 28.01.2001, arcando com todas as despesas necessárias após o término do procedimento cirúrgico até o recebimento de alta do hospital, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$5.000,00

(cinco mil reais), a ser revertida ao Fundo Municipal dos Direitos da

Criança e do Adolescente, a ser paga pessoalmente pelo

Governador do Estado de Goiás, por cada dia de descumprimento,

para garantir seu efeito inibitório, sendo revertida em favor do

Fundo Municipal da Criança e do Adolescente de São Miguel do

Araguaia-GO (CEF – AG: 0794 – C/C: 65-2, OP: 006);

35 Av. Maranhão, esq, com Rua 10 , QD. 101, Setor Alto Alegre – Edifício do FórumCEP 76590-000 - Tel/fax: 0xx62 - 3364-1020

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4) promover, às suas expensas, e m caráter de prioridade

absoluta, frente às demais execuções de políticas públicas em

curso, a dispensação dos medicamentos que serão utilizados no pós-operatório do menor Wellington Dias da Silva, filho de Donizete Pereira da Silva e Isabel Simone Dias da Cruz, nascido aos 28.01.2001, devendo promover a dispensação até o recebimento de alta definitiva, sob pena de pagamento de

multa diária no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), a ser

revertida ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do

Adolescente, a ser paga pessoalmente pelo Governador do

Estado de Goiás, por cada dia de descumprimento, para garantir

seu efeito inibitório, sendo revertida em favor do Fundo Municipal

da Criança e do Adolescente de São Miguel do Araguaia-GO (CEF

– AG: 0794 – C/C: 65-2, OP: 006);

5) promover, às suas expensas, e m caráter de prioridade

absoluta, frente às demais execuções de políticas públicas em

curso, o acompanhamento médico do menor Wellington Dias da Silva, filho de Donizete Pereira da Silva e Isabel Simone Dias da Cruz, nascido aos 28.01.2001, até o término definitivo do tratamento, sob pena de pagamento de multa diária no valor

de R$5.000,00 (cinco mil reais), a ser revertida ao Fundo Municipal

dos Direitos da Criança e do Adolescente, a ser paga

pessoalmente pelo Governador do Estado de Goiás, por cada dia

de descumprimento, para garantir seu efeito inibitório, sendo

revertida em favor do Fundo Municipal da Criança e do

Adolescente de São Miguel do Araguaia-GO (CEF – AG: 0794 –

C/C: 65-2, OP: 006);

36 Av. Maranhão, esq, com Rua 10 , QD. 101, Setor Alto Alegre – Edifício do FórumCEP 76590-000 - Tel/fax: 0xx62 - 3364-1020

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d) a citação do ESTADO DE GOIÁS, na pessoa do

Procurador-Geral do Estado de Goiás, no endereço indicado na introdução desta

petição inicial, para que conteste o pedido no prazo legal;

e) a produção de todas as provas em direito admitidas;

f) a comunicação dos atos processuais a esta

presentante do Ministério Público, nos termos do artigo 236, § 2º, do Código de

Processo Civil, e do artigo 41, inciso IV, da Lei n. 8.625/93;

g) a isenção do pagamento de taxas e emolumentos,

adiantamentos de honorários periciais e quaisquer outras despesas processuais;

h) Seja determinada a inversão do ônus da prova, nos

moldes do artigo 6º, VIII da Lei nº8.078/90, ante a verossimilhança das alegações

apresentadas;

Postula, por fim, a PROCEDÊNCIA DO PEDIDO,

confirmando-se, em sentença, todos os requerimentos formulados em sede de tutela antecipada.

Embora haja determinação para identificação do valor

da causa, vê-se que o objeto da lide, por estar atrelado à imposição de fazer,

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comporta parâmetros certos, porém o direito que se busca tutelar, qual seja o

acesso a educação, tem valor inestimável. Portanto, para fins apenas de

atendimento ao artigo 259, do CPC, dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 ( mil

reais).

Nestes Termos

Pede deferimento.

São Miguel do Araguaia-GO, 08 de novembro de 2012.

Cristina Emília França Malta Promotora de Justiça

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