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l ~ " " \) sas como estão". Assim sendo, a guerra contra Napoleão não termi- nou num coro de ódios, mas num espírito de reconciliação, com o reconhecimento de que a estabilidade de uma ordem internacional de- pende do grau em que seus componentes se julgam comprometidos com sua defesa. Não foi uma paz que levasse em conta os grandes ideais de uma geração impaciente." Sua~motivação foi a segurança, não a realização de idéias abstratas. Mas segurança, depois de um quarto de século de tormentas, não era pouca coisa. Por certo, o equilíbrio europeu ainda não estava completo. As questões complementares da Polônia e da Saxônia esperavam a aten- ção de um congresso europeu. Mas começava a tomar forma a solu- ção. Em Troyes, os elementos da nova ordem européia começaram a aglutinar-se. Pelo Tratado de Paris, a França emergia como um fator possível de equilíbrio. É- bem verdade que só foi convidada ao Congresso para ratificar decisões. Mas a Restauração fizera da França um aliado "aceitável"; nenhum abismo "ideológico" a separava mais do resto da Europa. Aceitaria qualquer nação um veredicto desfavo- rável sem tentar reforçar com a França o seu lado da balança? A resposta a esta pergunta desconcertante quanto aos limites da auto- contenção seria dada pelo Congresso de Viena. o 132 .. f- I 9/0 CONGRESSO DE VIENA I '\ ~!GO XXXII da Paz de Paris estipulava que se realizaria um congressoem Viena para solucionar o problema do equilíbrio europeu, ao qual seriam convidadas todas as potências engajadas em qualquer dos lados durante a guerfã."]Quando esse artigo foi minutado, espe- rava-se que o Congresso viesse a ter um significado eminentemente simbólico, início de uma era baseada no respeito recíproco de Estados soberanos. Os elementos do novo equilíbrio deviam ser acertados em Londres, aonde o Czar, o Rei da Prússia e Metternich acorreram após a conclusão do Tratado de Paris. Foi quase um acidente, portanto, o fato de o Congresso se ter tornado palco de uma disputa não menos rancorosa por causa das festividades que O cercavam e ainda mais áspera em virtude da compreensão de que as questões mais impor- tantes já não podiam ser e~itadas" POiSfelJl Yl~a era preciso decidir de uma vez por todas se da, g..?_~.!L~Lç:ontrq".Nqpoleão poderia brotar uma ordem legítima, quer dizer, uma ordem aceita por todas as gran- de§'J~9~.BÇgs,ou se as relações continuariam "ievôíli§ioIiaríãs,basea- dás em insustentáveis pretiIÍsoesnê -poder:"' " -"" r~Jguer:-~0l;4elliím~nto~1.nt~rnãc!~I!?t""1~~2r_~~nta uma etapa no proc'essopelo qual uJR.a"n~çãoconcilia sua visão. çly3L ÍI\~~:@t!J:;olJ!"a visãõ 'qüetérndela outras potências'[ Para si própria, uma nação apa- rece como úpréssãü'"de"jUstiça, e qtÍ'anto mais espontâneo é o padrão doscontratos. sociais.mais. isso é verdadeiro; pois o governo só fun- ciona eficazmente quando a maioria dos cidadãos obedece voluntária- mente, e estes só obedecerão na medida em que julgarem justas as exigências de seus governantes. Para as demais, ela aparece como uma força ou uma expressão de vontade. Isso é inevitável porque a soberania externa só pode ser controlada por uma força superior e porque a política exterior deve ser planejada a partir"das possibilida- des do outro lado e não simplesmente de suas intenções. Se uma potência pudesse realizar tudo que quer, lutaria pela segurança abso- luta, por"uma ordem mundial livre da sensação de perigo externo e onde todos-os problemas são manejáveis como as questões internas. 133

2. O Congresso de Viena” (Henry Kissinger, p. 133-161)

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sas como estão". Assim sendo, a guerra contra Napoleão não termi-nou num coro de ódios, mas num espírito de reconciliação, com oreconhecimento de que a estabilidade de uma ordem internacional de-pende do grau em que seus componentes se julgam comprometidoscom sua defesa. Não foi uma paz que levasse em conta os grandesideais de uma geração impaciente." Sua~motivação foi a segurança,não a realização de idéias abstratas. Mas segurança, depois de umquarto de século de tormentas, não era pouca coisa.

Por certo, o equilíbrio europeu ainda não estava completo. Asquestões complementares da Polônia e da Saxônia esperavam a aten-ção de um congresso europeu. Mas começava a tomar forma a solu-ção. Em Troyes, os elementos da nova ordem européia começarama aglutinar-se. Pelo Tratado de Paris, a França emergia como umfator possível de equilíbrio. É- bem verdade que só foi convidada aoCongresso para ratificar decisões. Mas a Restauração fizera da Françaum aliado "aceitável"; nenhum abismo "ideológico" a separava maisdo resto da Europa. Aceitaria qualquer nação um veredicto desfavo-rável sem tentar reforçar com a França o seu lado da balança? Aresposta a esta pergunta desconcertante quanto aos limites da auto-contenção seria dada pelo Congresso de Viena.

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9/0 CONGRESSO DE VIENA

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'\ ~!GO XXXII da Paz de Paris estipulava que se realizaria umcongressoem Viena para solucionar o problema do equilíbrio europeu,ao qual seriam convidadas todas as potências engajadas em qualquerdos lados durante a guerfã."]Quando esse artigo foi minutado, espe-rava-se que o Congresso viesse a ter um significado eminentementesimbólico, início de uma era baseada no respeito recíproco de Estadossoberanos. Os elementos do novo equilíbrio deviam ser acertados emLondres, aonde o Czar, o Rei da Prússia e Metternich acorreram apósa conclusão do Tratado de Paris. Foi quase um acidente, portanto, ofato de o Congresso se ter tornado palco de uma disputa não menosrancorosa por causa das festividades que O cercavam e ainda maisáspera em virtude da compreensão de que as questões mais impor-tantes já não podiam ser e~itadas" POiSfelJlYl~a era preciso decidirde uma vez por todas se da, g..?_~.!L~Lç:ontrq".Nqpoleãopoderia brotaruma ordem legítima, quer dizer, uma ordem aceita por todas as gran-de§'J~9~.BÇgs,ou se as relações continuariam "ievôíli§ioIiaríãs,basea-dás em insustentáveis pretiIÍsoesnê -poder:"' " -""

r~Jguer:-~0l;4elliím~nto~1.nt~rnãc!~I!?t""1~~2r_~~ntauma etapa noproc'esso pelo qual uJR.a"n~ção concilia sua visão. çly3L ÍI\~~:@t!J:;olJ!"avisãõ 'qüetérndela outras potências'[ Para si própria, uma nação apa-rece como úpréssãü'"de"jUstiça, e qtÍ'anto mais espontâneo é o padrãodoscontratos. sociais.mais. isso é verdadeiro; pois o governo só fun-ciona eficazmente quando a maioria dos cidadãos obedece voluntária-mente, e estes só obedecerão na medida em que julgarem justas asexigências de seus governantes. Para as demais, ela aparece comouma força ou uma expressão de vontade. Isso é inevitável porque asoberania externa só pode ser controlada por uma força superior eporque a política exterior deve ser planejada a partir"das possibilida-des do outro lado e não simplesmente de suas intenções. Se umapotência pudesse realizar tudo que quer, lutaria pela segurança abso-luta, por"uma ordem mundial livre da sensação de perigo externo eonde todos-os problemas são manejáveis como as questões internas.

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Mas como a segurança absoluta de uma potência significa a insegu-rança absoluta das outras, nunca é atingível como parte de um orde-namento legítimo, e só se obtém através da conquista.

Por essa razão, um ajustamento internacional aceito, e não im-posto, sempreparecerá ....um-tanto·-injusto "para qüalql.iê·r -úm dê-seuscompôriêiúes-:--' Paradoxalmente, a generalidade dessa insatisfação é, s=:>. __ o - ., _._.... • - - ., •• ~ ••

uma condição de estabilidade; põis" seuma das potências estivessetOlàlmentesaÜsfeíta, ··tô<iás as demais teriam de ··estar··tôtalmente - insa-tiSfeJ:iâs .e sucederia .unia situação revolucionária. ° fundamento deunia ordem estável é a segurança relativa - e, portanto, a insegurançarelativa - de seus membros. Sua estabilidade reflete, não a ausênciade reivindicações insatisfeitas, mas a ausência de um. motivo de queixade tal magnitude que o desagravo seja procurado no rompimento doacordo, ao invés de realizar-se por um. reajustam.ento dentro do pró-prio quadro. Uma ordem. de estrutura aceita por todas as grandespotências é "legítima". Uma ordem que inclua alguma potência quelhe considere opressiva a' estrutura é "revolucionária". A' segurançavde uma ordem interna reside no poder da autoridade, a de uma Ordem .'infêiríacional está no balanço de forças e em sua expressão, o equilí-brio.

M3§...~~."lJ.!lla ordem internacional exprime a necessidade de se-gurança e um equilíbrio,. ela. se constrói em. nom.e de um princípiolegITiiílãiitê~'=Uma vez que um. ordenamentô' transforma a força em.aédiação, deve buscar traduzir os requisitos de segurança em. reivin-dicações e as exigências individuais em. vantagem geral. É o princípiolegitimante que estabelece a relativa "justiça" das pretensões con-flitantes e o modo de seu ajustamento. Não quer isto dizer que devahaver uma exata correspondência entre as máxim.as de legitímação eas condições do ordenamento. Nenhuma grande potência abrirá mãode sua reivindicação mínim.a de segurâriçã"-=-:: a 'possibilidade cle. gerirugra:-poIítica: exterior - illdeperidente - simplesmente em "{avór . dalegitimidade. Mas o princípio legitim.ante define o caso marginal. Em.1919':ü:lriipério Austro-Húngaro desintegrou-se menos pelo impactoda guerra que pela natureza da paz, pois a continuação de sua exis-tência era incompatível com a autodeterminação nacional, princípioIegitímante da nova ordem internacional. A ninguém teria ocorrido,no século XVIII, que a legitimidade de um"'Bst"ado -;:lependésse da ()unidade lingüística.' Era inconcebível para os criadores da ordenação "de-'Veisalhes que pudesse'haver qualquer outra base ipara a autori-d,iâ\<:TH~gítim9-.. Princípios legitimantes triunfam. quando, são .. aceitos .como indiscutíveis.

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. El!!!?.Q@j~.!ll.il~s.QÇQlT1l-. uma correspondência exata entre as má-d " .. _-_ ,. ,x~~~ c-, ..iLP!"m~1PJQ.._legltilJlaI!tl? .e...as condições do ordenamento, àe~..t@#JQad~AY.P7ncl~de .uma, ce.(tª-coü~liçãÕ~"·"EXistindéf-úmã·'oiscre::pancia substancial e uma grande potência que selulguCêi:ii'desvah-tag~~~·~orãê~-1~t~~~~i.?nãI~~~O~Iía··Võlâiil;--po!.s'à-ªp~lo~éI~~'ü~aP?t~::<:~~,.. r.e~oluclOnana ã2,:RnI!9J.21O 'legli....@ª-ute-.d.o_acordo .çria uma~Ist<?rçao psicológica, A expressão natural da política de üIDã-pO-tencia do status quo é a lei - a definição de um relacionam.ento per-J?a~ente. Mas contra a ação de um.a potência permanentemente insa-tisfeita que apela para o princípio legitimante da ordem. internacionala fo~ç.a é o único recurso. Aqueles que mais têm a ganhar com. ~e~ta~il:dade tornam-se, então, os expoentes de uma política revolu-cionana. ° apelo de Hitler à autodeterminação nacional na crise dos

) S_u,~~t~s.!em 1?38, .foi um.a invocação à "justiça", ""colitribuinao,por-:anto, p~ra a indecisão da resistência: induziu as potências ocidentaisa tentativa de construção de um.a ordem. "verdadeiramente" legítim.acom a satisfação das reivindicações "justas" da Alemanha. Somentedepois que Hitler anexou a Boêmia e a Morávia, ficou claro que vi-sava à dom.inação e não à legitimidade; só então a contenda passouao nível de pura disputa de força.

.0 problema maior de um acordo internacional, portanto, é cor-re~~Cl~~a..~..9~.t~! f6~m,a as pretensões ~e legitimidade com .·os.'iéguiSi-t?~.~~~~~~~~!'.. que nenhuma potência venha a expressar sua insa-tlsfaç~o por meio de uma política revolucionária, e arranjar de talmaneira o balanço de forças que se dissuada a agressão originada poroutras causas que não sejam as condições do acordo. Não se tratad~ um problema mecânico. Se se pudesse construir a ordem interna-cional c~m a clareza de um axiom.a matemático, as potências consi-derar-se-lam pes?s n~m.a ba~ança e acertariam, seus ajustamentos paraalcanç~r AU~ equilíbno perfeito entre as forças de agressão e as forçasde resistência. Mas o balanço exato é).I11Poss,Iyel, e não só pela difi>cul~ad~ de prever-se o agressor. É rru.imér~co;\ sobretudo, porque ,aspotências, embora apareçam aos estranhos=com., fatores numa mon-tal?e~ d.e se~~a~lÇa, aparecem internamente corno expressões de um.aexistência histórica. Nenhuma potência submeter-se-à a um ordena-mento, por be~_bala~cêãaõ'e-"seguro"'que seja; "que lhê pàrêça negartota~me~te-a- ~vI~ao que tem de si mesmá. Nenhuma consideração deequilíbnolevana a Grã-Bretanha a abrir mão dos direitos marítimosou a Áustria, de sua posição alemã, porque as respectivas noções de"justiça" eram inseparáveis daquelas reivindicações. Há, então, dois ti-p~_~Uibrio, ..um eq~ilí~ri ..()..ls..e~l,,que toma perigoso para uma po"':~cla, ..2~~gr~e_~~ __J2.~t~~cI~S, ~e.~ta.r,)uip~Qr·ll~jLztbittiQ.,ªos=geIgª-t~ ..,e um. equilíBno particular, qüe define a relação histórica de certasI

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potências entre si. O primeiro é o ;~·?s;u-;o/ de ~ma guerra geral; to segundo, ã""Cõndiçãopara a cooperação=harmoniosa. Uma ordem ,Iinternacional, portanto, raramente nasce da consciência de harmo- 1nia, pois, mesmo quando há um acordo quanto à legitimidade, as con-cepções dos requisitos de segurança divergirão da posição geográfica e ida história das potências contendoras. Foi justamente de um conflitodesses, sobre a natureza do equilíbrio, que o Congresso de Viena se j

serviu para modelar UIDi ordenamento que durou quase exatamenteum século. T

Pois o problema em Viena não era simplesmente o confrontbl)das potências do_§.!.t1..t~s_quo, Grã-Bretanha e Áustria, com as potên- ..cia?ãqUi:Sillvas;-'Rllss-ia:-:e::Prússia,enquanto Talleyrand observava sa- "tisfeito, e a distância, os acontecimentos. Nem as pretensões das po-tências aquisitivas nem a resistência dos Estados conservadores eram ,.,' .da mesma ordem. A exigência da Rússia quanto à Polônia ameaçava y---':"," -c,

o equilíbrio da Europa; a insistência da Prússia sobre a Saxônia fazi~/ ---::;'--",\'J perigar simplesmente a balança interna alemã. Quando Ca~r.~ k..:~" falava em eqJ!ilíbr.1Q-,pensava numa Europa de hegemonias impos- '

;» ,~, sÍy-:@is;quándo,-'porém, Metternich invocava o equilíbrio, incluía uma )'.o. . --Áleinanha em que o preciõliiíii1õ]Jrussianofosse impossível. Castle-

reagh estava interessado em criar uma Europa Central suficientementeforte para resistir a ataques do Oriente ou do Ocidente. O mesmoqueria Metternich, mas preocupava-se também com a posição relativada Áustria nessa Europa Central. Para Ca:stlereagh,as nações conti-nentais eram aspectos de um esforço defensivo; mas para as naçõescontinentais, o equilíbrio geral nada significava, se destruía a posiçãohistórica que para elas era a razão da existência. Para ..,Ç.l!§~.agh,o equilíbrio era uma expressão .mecânica, da correlaçãocde..forças;para 'ás' ilãções' ~Qntinentais,upia r~onciliação-de,-aspirações_histó-.'ricas.·,

Isto levou a um impasse diplomático, mais inflexível ainda por-que a Grã-Bretanha e a Áustria haviam garantido a maioria de seusinteresses especiais, o que deixava poucos instrumentos de barganhaà Rússia e à Prússia; impasse que só seria rompido colocando-se umpeso adicional num dos pratos da balança. De vez que a única grandepotência não comprometida era a França, a antiga inimiga emergiucomo a chave do ordenamento europeu. Tomou corpo, assim, a lendasobre o papel de Talleyrand no Congresso de Viena, do cérebro dia-bólico que entrou em cena e esfacelou uma Coalizão de potênciashostis, que depois reagrupou-as à sua maneira pela invocação da pa-lavra mágica "legitimidade", surgindo, finalmente, como árbitro da

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Europa. 14 Esta é uma lenda espalhada pelos que confundem resul-tados com causas, e por diplomatas profissionais acostumados a atri-buir à simples técnica de negociação o que só pode ser alcançadopela exploração de fatores mais profundos. Ganhou voga porqueTalleyrand, cujo monarca não viera a Viena, viu-se obrigado a es-crever relatórios volumosas e, com o fim de cimentar sua instávelposição interna, o ex-Ministro do Exterior de Napoleão mostrou ten-dência a dar ênfase a sua indispensabilidade.

Não há dúvida, uma vez que o Tratado de Paris havia determi-nado as fronteiras da França, que TalleYfaodpodia"permitir-se talveza abordagem mais desinteressada. Seu espírito e seus comentárioscáusticos ficaram famosos, a ponto de Gentz poder dizer que eletinha a seu lado os gargalhadores e os pensadores. Mas argumentosnão diferentes das de Talleyrand, pelo menos com referência à aqui-sitividade da Rússia, tinham sido usados seis meses antes por Napo-leão, sem resultado, porque ninguém confiava nele. A verdadeiratransformação da situação adviera, não dos memorandos de Talley-rand mas da restauração Bourbon e do Tratado de Paris. Talleyrandpôde ser eficiente porque estes atos haviam posto fim a uma situaçãorevolucionária e inaugurado uma era "legítima". Teve sucesso, nãoporque inventasse o conceito de "legitimidade", ma:s porque o con-ceito estava pronto e à sua,disposição.

Nada mais natural que a França, excluída do acordo europeuao ser forçada a renunciar, pelo Tratado de Paris, a qualquer influên-cia fora de suas fronteiras, tentasse aglutinar um grupo de potênciasnuma cunha para fender a Coalizão; natural, também, que resistisseà tentação de deslocar o centro de gravidade da Prússia para dentroda Alemanha, Tais esforços, entretanto, não levariam a nada se aameaça da França não estivesse eclipsada pelo perigo do Leste, seas divergências entre os aliados não se houvessem tornado maioresque seu receio comum da França. Enquanto a Coalizão acreditou quea lembrança do esforço conjunto dos tempos de guerra daria forçae motivo para um ordenamento, Talleyrand nada pôde. No momentoem que essa ilusão se esfumou, o problema passou a ser o dos limitesda autocontenção: saber se uma potência deixaria de se valer deum fator de peso meramente para manter a aparência de harmonia.A lógica da situação forneceu a resposta. A França veio a participar

__"< ~~~_~~:op~~~~g~t?~,~t~~_~~o se P?dlal!l."a.<?ert;:lrserii~~[a.

14 Vide, por exemplo, Nicolson, Congress of Vienlla; Cooper, Talleyrand;Brínton, Talleyrand; Ferrero, The Reconstruction oi Europe.

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Quando os plenipotenciários estavam chegando a Viena, entre-tanto, o rumo dos acontecimentos não estava claro. Pensava-se' aindaque o acordo viria célere, que a França seria pouco mais que espec-tadora, que o restante da Europa teria apenas de ratificar um instru-mento composto em relativa harmonia. A Prússia parecia lutar pelaSaxônia, a Rússia pela Polônia, a Áustria pelo equilíbrio alemão,Castlereagh pelo da Europa, e Talleyrand pela participação francesanos assuntos europeus. Ninguém parece ter acreditado que essas po-sições podiam mostrar-se incompatíveis. ---",

No processo de gerar uma reconciliação das aspirações confli-tantes, o Congresso de Viena atravessoucinco fases: (a) um período.inicial em torno do problema essencialmente processual de organi- II <zar-se o Congresso em volta da Coalizão antifrancesa; (b) uma ten-,tativa, da parte de Castlereagh, de 'Solucionar os problemas penden- ~tes, em particular a questão polonesa-saxônica, primeiro com um \ Y, i'"apelo pessoal ao Czar, depois com a tentativa de reunir as potênciasda Europa contra ele; (c) um esforço complementar de Metternichno sentido de separar os problemas polonês e saxônico e criar umacombinação de potências unidas por um consenso de reivindicações \históricas; (d) a desintegração da Coalizão antifrancesa e a intro- I

dução de Talleyrand nas deliberações aliadas; (e) a negociação do. t

acordo final.

II

Ao preparar-se Castlereagh outra vez para viajar ao Continente,ja não havia mais qualquer dúvida de que os interesses britânicosdeviam ser procurados na estabilidade européia. Por mais reservasque o Gabinete pudesse fazer ao envolvimento de seu Secretário doExterior nos assuntos continentais, o sucesso de sua política durante

-(.;. aquele ano colocara-o a salvo de ataques imediatos, mormente porquea estada do ~.r em Londres causara desencantos. O herói da guerracontra Napoleão surgira como um arbitrário autocrata que chegara aconspirar com a Oposição contra o Governo, só conseguindo indis-por-se com ambos os lados da Câmara dos Comuns. Confundindoaclamação pública com apoio popular, Alexandre ajudou a dar cré-dito aos repetidos avisos de Castlereagh de que a paz da Europa po-dia, muito em breve, ser perturbada pela intransigência do Czar. Aomesmo tempo, mensagens de representantes britânicos nas maisdiversas partes da Europa pintavam um quadro de intriga russa por

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demais coerente para ser ignorado. De Berlim, Jackson relatou o co-mentário de um general russo de que, com 600 mil homens em armas,pouca necessidade havia de negociar. E de Palermo, A'Court queixa-va-se da interferência russa nos assuntos internos da Sicília, Fossemguais fossem as reais intenções do Czar, as atitudes de seus represen-tantes davam lugar ao temor de que um conquistador houvesse sidoderrubado meramente para facilitar a tarefa de outro. Nessas cir-cunstâncias não podia mais restar dúvida de que o assunto da Polô-nia seria controvertido, e a Grã-Bretanha estaria entre os principaisprotagonistas. , ,.:r' ,,! ),,;--,'1'.' \'

Mas Castlereagh partiu da Grã-Bretanha, com três conceitoserrôneos. Ainda tinha esperança.de que Alexandre pudesse ser con-tido quando lhe demonstrassem como eram irrazoáveis as suas rei-vindicações. Se a persuasão falhasse, preferia reunir a necessáriaforça' contra Alexandre dentro da Coalizão antifrancesa e julgavaisso relativamente simples, pelo menos tão simples quanto demonstrara ameaça que representava para o equilíbrio a possessão russa daPolônia.' Finalmente, caso a luta fosse inevitável, ele contava utilizara" França como reserva a entrar em cena quando se chegasse ao im-passe, como se satisfizesse à França um papel tão passivo. Até ondeCastlereagh estava disposto a ir ficou patente num despacho de 7de agosto, dirigido a Wellington, que servia como embaixador britâ-nico em Paris, Wellington foi instruído no sentido de verificar "se aFrança estava preparada para apoiar pelas armas seus pontos de vistasobre a questão [polonesa]" e a solicitar o apoio francês na insistên-cia junto à Prússia para que resistisse às pretensões russas na Polônia,Em 14 de agosto Castlereagh aventou a possibilidade de, a caminhode Viena, deter-se em Paris para uma troca de impressões com Talley-rand. "A situação do mundo", respondeu Wellington a essa proposta,"constituirá naturalmente a Inglaterra e a França em árbitros daEuropa, se estas potências compreenderem uma à outra; esse enten-dimento pode salvar a paz."

Castlereagh chegou a Viena no dia 13 de setembro e iniciouimediatamente conversações preliminares ao Congresso propriamentedito, que devia inaugurar-se a 1.0 de outubro. Tinha ainda esperan-ças de que as decisões básicas pudessem ser tomadas antes daqueladata, e de que lhe fosse possível utilizar o fato de sua passagem porParis para obrigar o ministro russo a concordar. Mias aconteceu,afinal, que o mais das conversas preliminares foi gasto em questõesprocessuais. Logo se evidenciou que o contato de Castlereagh comTalleyrand fora prematuro e que as outras potências só estavam dis-postas a admitir a França em último caso, depois de todas as demaiscombinações terem falhado. É que a lembrança do tempo de guerra

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ainda era a fonte do impulso motor das relações internacionais: Aunidade era considerada ainda um fim em si mesma; a harmoma, acausa, não a expressão, da amizade. E uma vez que a unanimidadena guerra se produzira pela ameaça da França, os aliados trataramapenas hesitante e ambiguamente do mais profundo problema de umaordem "legítima": se ela é capaz de construir relacionamentos espon-tâneos ou requer o mito de um inimigo como força-motriz. Acor-daram em que as decisões seriam tomadas pelos "Quatro Grandes",r'írassuom:etidasà França e à Espanha para aprovação e ao Congressopara r-atificação. Se os aliados estivessem de acordo, seria inútil aoposição. Nem sequer foi considerado o que sucederia em caso dedeSãcõraõ, pois seria admitir que a exigência de unidade não sobre-pujava todas as outras considerações. A única desavença surgiu quan-to à maneira pela qual esse procedimento seria tornado efetivo, sematerializado numa resolução formal do Congresso, conforme propu-nha a Prússia, ou simplesmente executado como arranjo informal,como preferia Castlereagh. A essa altura, no dia 23 de setembro,Talleyrand chegou a Viena, decidido a utilizar o princípio legitimanteda Coalizão antifrancesa para dissolvê-Ia.

Pois se governantes "legítimos" representavam a garantia datranqüilidade da Europa, não havia razão para excluir-se da discus-são a França dos Bourbons. E se o poder "legítimo" era sacrossanto,a Prússia não tinha "direito" de despojar o tradicional Rei da Saxônia,anexando-lhe o território. Naturalmente, os aliados haviam criadoum subterfúgio engenhoso para essa violação de seu princípio legiti-mante, acusando o inditoso Rei de traição, já que não havia aderidoem tempo ao campo aliado. Mas Talleyrand não teve dificuldadeem pôr à mostra a fragilidade desse argumento: "A traição", obser-vou mordaz, "é evidentemente uma questão de datas".

Todavia, o fogo pesado de Talleyrand concentrou-se no esquemaprocessual dos aliados. Protestou contra a exclusão da França edas pequenas potências das deliberações do Congresso. Contestou aexistência legal dos "Quatro Grandes" e ameaçou transformar aFrança em advogada de todas as potências secundárias agastadas comos grandes. Mas a despeito de seu brilho e sarcasmo, Talleyrandobteve apenas algumas concessões sem importância. Decidiu-se adiara abertura formal do Congresso para o dia 1.° de novembro e, nesseínterim, submeter as questões pendentes ao exame dos oito signatá-rios do Tratado de Paris: os "Quatro Grandes", mais a França,Espanha, Portugal e Suécia. Os "Quatro Grandes", entretanto, nãofizeram segredo da intenção de prosseguirem com suas discussõesprivadas e tratar os "Oito" como simples instrumento ratificador oupara solucionar pontos periféricos.

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A primeira incursão de Talleyrand falhou porque uma incoerên-cia lógica não é bastante para dissolver coalizões. O simples apelo'a um princípio legitimante de nada vale contra a oposição unida detodas as outras grandes potências que atuam como se o governopleiteante ainda representasse uma ameaça a sua existência. Exis-tiam, em verdade, dois relacionamentos: um dentro da Coalizão eoutro da Coalizão em relação à França, um misto ambíguo de des-confiança e fingimento de normalidade, que não conseguia decidir sedevia confiar na força ou na legitimidade. Somente depois que apretensão de probidade especial, característica de coalizões, houvessedesaparecido num conflito entre os aliados, poderia Talleyrand as-sumir o status de sócio igual. Mas antes deveria realizar-se mais umteste da eficácia da "legitimidade interna" da Coalizão. Faltava ve-rificar se o Czar podia ser levado a limitar suas reivindicações semameaça de força. Castlereagh firmara-se tão bem como primeirocampeão do equilíbrio europeu que lhe tocou entrar na arena paraexperimentar a resolução do Czar.

III

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,., ." .Até então haviam fracassado todas as tentativas de induzir o

Czar a declarar a natureza de seus desígnios na Polônia, Nem emLangres, nem 'em Troyes, nem mesmo em Paris, Alexandre haviadefinido suas precisas intenções. Sabia-se que desejava restabelecerum reino da Polônia, dotado de uma constituição liberal, ligado àRússia apenas pela pessoa do monarca; mas nada se conseguia saberquanto a sua extensão territorial ou à natureza de suas disposiçõesinternas. Essa reserva não era apenas um solerte artifício de bar-ganha para adiar uma decisão final até que a França fosse eliminadacomo fator na balança e a Grã-Bretanha se desinteressasse do Con-tinente. Nada era assim tão simples na complexa caracterização doCzar. Quando o Czar exigia liberdade de ação na Polônia para cum-prir promessas de sua juventude, era indubitavelmente sincero; masisso tomava uma ordem legítima ainda mais difícil de alcançar. QuandoAlexandre insistia no papel influente da Polônia, não por motivo deconveniência mas corno "direito" moral, não estava transferindo aquestão a plano mais elevado, mas apresentando um dilema que po-dia deflagrar novo ciclo de violência. Pois um "direito" se estabe-lece por âqúie~cê~ não por reivindicação, e uma pretensão nãouniversalIIi'inte-aceita é simples expressão de uma vontade arbitrária.

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Acrescente-se que está na essência de uma alegação moral o nãopoder ser negociada, precisamente por justificar-se em consideraçõesque ultrapassam as razões de conveniência. Assim, se o Czar era"realmente" sincero em seus protestos de dever mOE_c:.!~stava tor-nando inevitável uma contenda revolucionária - ~ónt~a baseadana simples asserção de poder. Esse é o paradoxo qúe-o-fanático, pormais sincero e bem intencionado que seja, introduz nas relações in-ternacionais. Sua própria alegação de superioridade moral conduz auma corrosão de todo freio moral.

Seguiu-se uma série estranha e irreal de entrevistas entre Cas-tlereagh e Alexandre; estranha pela rudeza acompanhada de protes-tos de amizade sem fim, e irreal, porque Alexandre e Castlereaghnunca chegaram a concordar nas premissas básicas. A fim: de obteruma estrutura em que pudessem negociar, os protagonistas mudavamconstantemente de posição, simulando concordar com os princípiosdo outro, mas interpretando-os de maneira a reduzi-Ias ao absurdo.Dessa forma, Castlereagh, em certo estágio, tornou-se um ardentedefensor de uma Polônia completamente independente, enquanto Ale-xandre, noutra ocasião, defendia seu plano polonês como uma con-tribuição à segurança européia. O fato de Alexandre se propor abasear suas reivindicações na santidade de suas máximas ficou pa-tente por ocasião da primeira entrevista com Castlereagh, no dia se-guinte a sua chegada. .Pela primeira vez, foi explícito quanto a seusplanos poloneses. Propôs-se reter todo o Ducado de Varsóvia, comexceção de pequena parte a ser cedida à Prússia em obediência aoTratado de Kalish. Essas reivindicações, proclamava Alexandre, nãoresultavam de ambição; constituíam, isto sim, o desdobramento deum dever moral motivado tão-somente pelo desejo de proporcionarfelicidade ao povo polonês. Quer dizer, uma vez que não eram apre-sentados em nome da segurança, não podiam ameaçar ninguém. Cas-tlereagh, em resposta, insistiu na ameaça representada por uma Po-lônia constitucional para a tranqüilidade das províncias polonesas quepermanecessem com a Áustria e a Prússia, e acrescentou a duvidosaafirmação de que uma Polônia independente seria geralmente bemvista, até mesmo pela Áustria e a Prússia, mas que um apêndicerusso profundamente encravado na Europa Central constituiria per-manente fonte de inquietação. Porém o Czar deixou claro que nãoestava disposto a recuar de sua possessão polonesa e a criar umaPolônia verdadeiramente independente. A primeira conferência entreCastlereagh e Alexandre serviu apenas para demonstrar a dualidadeda natureza do Czar, e que as duas posições não guardavam correla-ção.

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O debate repetiu-se no dia 13 de outubro, com Alexandre pre-tendendo refutar a afirmação de Castlereagh de que a posse da Po-lônia representava uma ameaça ao equilíbrio. Embora não admitisseque as exjgªp.cLas_da segurança {l.i:!!litava_m'suasal~gaçQ.S<.s,.....morais,Alexandre estava sempre pronto ainvódi-las quando pareciliill'=favo-recer suas pretensões. Apresentou, então, o curioso argumento deque seu esquema polonês, longe de estender o poder russo, na rea-lidade o conteria, por levar a um recuo das tropas russas para ~rál>do Niemen. Mas quando Castlereagh fez ver que a segurança de-pende do poderio total dos Estados e não da posição de seus exérci-tos, Alexandre encastelou-se outra vez na tese do dever moral. Emvão Castlereagh apontou as incoerências de Alexandre: suas preten-sões morais de um lado da linha de partição, mas não do outro; suanoção de dever limitada pelos reclamos do interesse nacional russo.Quando Castlereagh declarou que "depende exclusivamente da dis-posição de Vossa Majestade Imperial ( ... ) se o presente Congressoconstituirá uma bênção para a humanidade ou mostrará somente ( ... )uma corrida à margem da lei, em busca de poder", apenas revelavaa exasperação causada pela incapacidade de ambos em concordar como que constituísse uma pretensão razoável. Quando o Czar retrucouque a questão polonesa só poderia acabar de uma forma, já que eleestava na posse efetiva do país; ficou claro que se chegara ao )m-passe. A..~i~puÚlentre ~ c~t e C.âsH~agh e:ridenciara, assim, que

~ a p~r:suasã~'~a inútil eque as relações teriãill de basear-se naforç~l.·õu-:na a~~~a_~U9!~!l' ---- ...-.

IV

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Enquanto negociava com o Czar, Castlereagh teve o maximoempenho em reunir essa força. Como problema abstrato de diplo-macia, sua tarefa parecia simples. Se as pretensões do Czar amea-çavam o equilíbrio europeu, a contramedida evidente era juntar osrecursos da Europa contra ele. Mas embora o equilíbrio possa serindivisível, aos 'seus componentes não parece assim.. Não se podiaresistir ao Czar sem..uma frente unida do resto da Europa, Irias 'aspotências da Europa não estavam em acordo geral quanto ao ver-ô-ade"inqyerigo.-'Não .desejavam ver-suovettido- oequilfbrio geral, masrrão se dispunham a resistir com sacrifício daquela parte dele de quesua posição' histórica dependia. Uma Rússia forte..pode_~iadominar

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a Europa, mas uma Pr~ssi~c~I;ILJ.9.IǪ"_º~!!l~ts._P-.9~i.l!_~?El_antar~Áustria-e--urrra--Alemanha unida ameaçar a França.

- D~í então ocorrer que Castleréagh, representante da potênciainsular, que não tinha posição ~?nt.inental a defender, fosse o .ú?-icoestadista a pugnar por um equilíbrio geral. Hardenberg, o ministroprussiano, mais interessado estava 'na Saxônia do que na Polô?i~;Talleyrand estava quase tão receoso de que o problema da Po~olllase resolvesse sem ele como de que se resolvesse contra ele; e a atitudede Metternich era tão complexa quanto os dilemas com que se depa-rava a Áustria: a Áustria não podia ser indiferente __ª-~XP~~~9. iÍaRússia na Europa-Central, porque isso ameaçava sua posição euro- _péia; nem à ~~R~_~~~_?a P~~i~_.Ea ~!~~anha .Cer:t!~1-p.2r:9-~~_isso t8Jaraeaçava=suã posiçao gerrnanrca. Mas a localização geográfica daÁustria tornava uma imprudência a resistência aberta, que faria oimpacto da ação cair sobre a potência mais exposta, cancelando apolítica de cooperação íntima com a Prússia, que Metternich consi-derava chave da segurança austríaca. A solução óbvia era devolverà Prússia suas províncias polonesas, em troca da independência daSaxônia. Mas as províncias polonesas da Prússia estavam fora dealcance, até que o Czar fosse derrotado. Isto, por sua vez, era im-possível sem o apoio prussiano, que a Prússia condicionava à con-cordância austríaca com a anexação da Saxônia. Por outro lado,Metternich não podia contrariar a Prússia na Saxônia, sem ajuda bri-tânica ou francesa. Mas Castlereagh só trabalharia por interesseseuropeus, não alemães, e o apoio francês, em estágio tão preliminardos trâmites, alarmaria as potências alemãs secundárias.

Nessa circunstância, Metternich optou por uma política de pro-___crastinação, a fim de explorar o único instrumento dê'"b3f,ganlia da

'Áustriã,--õ"fato de que as outras potências necessitavam da -aquiescên-cia da Áustria para tornarem "legítimas" suas anexações. Por váriassemanas esteve indisponível por "doença". Depois que se "recupe-rou", foi um não mais acabar de festividades, e seus enlevos e casosde amor eram notórios. Metternich estava decidido a separar a ques-tão polonesa da questão saxônica, para derrotar seus adversários se-paradamente; a utilizar-lhes a impaciência por uma decisão para levá-los a um passo em falso que lhe fornecesse base moral para a ação.Assumiu, então, o que costumava chamar a posição mais forte: a de-fensiva, expressão do caráter de uma potência do status quo. "Erguiuma barricada por detrás do tempo", disse ele ao enviado da Saxô-nia, "e fiz da paciência minha arma".

Assim, as tentativas de Castlereagh de criar uma frente unidacontra a Rússia conduziram a -uma série ambígua de constelações, decoalizões sem entusiasmo e hipotéticas traições, de promessas de apoio

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inflexível conjugadas a barreiras contra falsidades. Outubro inteiroCastlereagh pelejou infatigável mias, como no ano anterior, encontrouhesitação incompreensível e cavilosas demoras. Novamente atribuiu-sea tarefa de animar os vacilantes enquanto lhes recusava o único re-frigério que poderia incitá-los ao esforço: o ap~~2.l!ritâ~s.uª~ -;reivindicações particulares. Quando Castlereagh ~xortoll;-Hãrdenberg e -s:

Metternich à ação comum, foi forçado a admilit-qlÍe "havia certadesconfiança mútua ( ... ) que não me dá direito de falar em resul-tados com muito otimismo". Queixou-se da incompreensível "timidez"de Metternich e afirmou que o mirIistro austríaco não parecia fixadoem nenhum plano. E admoestou Talleyrand, o qual explorava alegre-mente, dos flancos, as dificuldades dos aliados, que "não competiaaos Bourbons, restaurados pelos aliados, assumir o tom de reproche( ... ) às combinações que haviam mantido unida a aliança".

As questões chegaram finahnente a uma fase crítica sob a açãoda Prússia, a potência que menos se podia permitir delongas. Porcerto, os Tratados de Kalish, Teplitz e Chaurnont haviam garantido àPrússia sua extensão territorial de 1805; mas sem especificar jamaisonde podia a Prússia encontrar os territórios necessários, partioular-mente se perdesse para a Rússia suas possessões polonesas. As com-pensações disponíveis, compostas de ex-províncias OU ex-satélites daFrança, principalmente na Renânia, não lhe serviam. Eram indesejá-veis em virtude da separação geográfica do núcleo central da monar-quia prussiana e da religião católica de seus habitantes. Assim aPrússia pôs os olhos na Saxônia, cobiçada desde os tempos de Fre-derico, o Grande, contígua a seus territórios e de população predo-minantemente protestante. Mas ª-posição debarganha da Prússia ~r~_,a mais :fgg_entre-as-gx:andJ~LP-_otências.Ao contrário da Rússia, nãoestãvã]ãde posse do prêmio. Ao contrário da Áustria, não subor-dinara sua participação na guerra à obtenção de condições especiais.Se, agora, a questão polonesa se resolvesse antes do caso da Saxônia,a Prússia estaria pagando a pena de seu engajamento total; de sehaver lançado à guerra com tal fervor que sua participação nuncase fez negociável; de negligenciar a paz porque a guerra, na verdade,se tornara um fim em si mesma. E a Prússia precisava do consenti-mento da Áustria para a anexação da Saxônia, porque a organizaçãoda Alemanha, condição indispensável à segurança da Prússia, se tor-naria ilusória se a Áustria saísse do caso da Saxônia como protetoradas potências secundárias.

Não é de surpreender, portanto, que no dia 9 de outubro Har-denberg apresentasse um memorando reconhecendo a conveniênciade um ','sistema intermediário baseado na Áustria, Prússia e Grã-Bre-tanha" . Mas ele tornou a cooperação da Prússia na questão polonesa

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, à anexação da Saxônia e .àssentimento austnaco , . rova de sinceri-~~~~~:~t~'~~ist'ia da Saxô~ad~e~~a~~~:' ,:,:~opfetensioso ~fo'a~d de Em sua tateante procur d linha de açao, o memoran o .d! c~nseguir a yantagem de cail:strar o dilema da Prússia: o apoio

- Hardenberg servru apenas Saxô . .. mas não a legitimidade; enqu~a~topodia garantir-lhe a .axoma, Polônia mas não a Saxom~.

russo a oio austríaco podia == a , lica ara que não se dei-qa

ue°emo~ando de Hardenberg fOI umtadsudPOCzic para que se criasse

m d t d boa von a e '. tam-xasse a Prússia de~~n en e da mizade austro-prussíana, masd europeia basea na a, .uma ar em ~' ela Prússia, , . d abém na posse da Sa~oma p ibi ar políticas incompatíveis ~u.

Mas essa tentativa de com m questão polonesa da saxorucaid de de separar a 2 d outubroMettern!ch a oportu;l :uas enredadas manobras. ~m 2 d e relutante

or meio de uma e Castlereagh, cujo tom e~nviou duas notas a Hardenberg eHasdenbe<gocultava o. fato de queconcordância com a pro~osta c~fando para resistir na Polorua ~o~r~~-o quadro moral que, se. es avra resistir na Saxônia, e que Har en e t~se-ia igualmente propno pa.a tornara inevitável sua derrota._ A no n

Iã de cobrir-se dos nscos, sumário das razoes co _no a a ava por um , t dedestinada a Castlereagh co~e.ç. o sinal aziago do destron~men 0dif

,. à eliminação da Saxônia: . e uilíbrio alem ao, a 1-trarias "1 íti o" o pengo para o ~ ~ E t dos inter-m governante egi 1ID , _ ermamca se os s a .~uldade em formar uma cOf,?federa~:Ogr!ndes potências. Mesmo assIm

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'' . d em a con rança n .,. opeu contan omedianos per ess iff pelo equilíbrio eur ,

a Áustria realizaria esse sacr .adc de Varsóvia e concordasse numaue a Prússia resistis~e n~ D.uca o e a Alemanha. Castlereagh ~a:e~edq· . - qüitativa da influência sobr . ortância que a definiçãoivisao e não deu lmp ,

não ter notado, ou, s~ notou, d e uilíbrio europeu marcava. ta~-do sacrifício da Austria ~~ p:o~ ã~ d~ apoio na defesa do equilíbnobé o alcance de sua reivindic ç .' 'til E ignorou uma ressal,:a

em 'f" e mostrasse mu . . _ deviaalemão, caso o sacn lCIO s ão da Saxônia pela Prússia nao ._enigmática: a de que a anexaç . nal" condição claramente nnlevar a um "crescimento desl!ro'porcl~ d~ mais nada retomasse suaspossível de satisfazer, se a Prússia an es .

' ias polonesas. . apelo à íntima coope-provmc d' izid à Prússia combinava ~ _ tri à Prússia

A nota mgI. a relato do apOIO da AUS. naraçãoaustro-p'russIan~. com u~evou ao Tratado de Kahsh,. suben.ten:durante o período cntlco, q~e d . . ua atual posição muito mais a

. Prússia eVIa s . bas r se nasdendo, assim, que a A 1'1" ca austríaca continuana a asea d _oÁustria que à Rús~ia. po 1 I rússia reforçadas por uma Fe eraçamais íntimas relaçoes :?m da~. d~penderia de frustrar~m-se os 1e-Germãnica, ~as. a efetJpvldl~.ea ~~~ essa razão, e a despeito da re u-' . da Rússia na o oru .SIgruOS

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tância da Áustria em endossar a eliminação de um Estado amigo,Metternich concordava com a anexação prussiana da Saxônia, mas sobtrês condições: harmOnia de pontos de vista na questão polonesa, a.fortaleza de Mogúncia como parte do sistema defensivo do sul daAlemanha, e o Mosela como limite meridional do poder prussiano naRenânia. Bastaria isto para demonstrar que Metternich estava maispreocupado com o equilíbrio alemão do que com o europeu. Mas aânsia de cOllseguir a Saxônia cegou Hardenberg e fez Com que lhepassasse despercebida outra ressalva sutil: a de que a oferta de Met-ternich se condicionava não ao fato da resistência na POlônia, masao seu sucesso.

Assim sendo, enquanto Metternich preparava o enquadramentomoral de uma ação para separar a Prússia e a Rússia, Castlereagholhava· somente a Polônia, como se o equilíbrio europeu se pudessemontar Com a mesma exatidão de uma equação matemática. Em 23deoufubró, ele finalmente conseguiu que a Áustria e a Prússia con-cordassem num plano comum de ação contra a Rússia com base nomemorando de Metternich. As três potênCias dispuseram-se a forçaro problema confrontando o Czar com a ameaça de levantarem aquestão polonesa no plenário do Congresso caso não se chegasse auma solução razoável por meio de negociações diretas. Propuseramtrês soluções aceitáveis: uma Polôniaindependente, tal como existiaantes da primeira partilha, 'o remanescente da Polônia nos moldes de1791, ou a restituição, às potências partilhantes, de suas antigas pos-sessões. Evidente que a independência polonesa foi incluída primor-dialmente como ponto de barganha e para consumo interno britânico,pois não era de supor que o Czar concordasse com a cessão de terri-tório considerado russo por duas gerações, e depois de uma guerravitoriosa.

A ameaça de apelo à Europa em Congresso foi o último esforçopara es1:ãOêlé(;~.r:..o..equiIíb!io europeu por uma combinação internadãCoalizãô antifrancesa. Quando 1v1!etternich procurou o Czar paraapresentar' o ultimato sobre a questão polonesa, foi despedido comaltaneria e até desafiado para um duelo, outra indicação de que oCzar concebia relações exteriores em termos pessoais. E quando, em30 de outubro, os três soberanos partiram para uma visita à Hungria,Alexandre recorreu a seus irmãos monarcas Contra os respectivos mi-nistros. Falhou junto ao Imperador austríaco, mas COm o insípido eprosaico Rei da Prússia foi diferente, que este sempre admirara ocaprichoso Czar por SUa intrepidez no desastre e pelo brilho de seuintelecto. Não foi muito difícil convencê-l o, agora, de que as nego-ciações secretas dos três ministros eram Um ato de má-fé. Quandoos monarCas retornaram a Viena, Hardenberg recebeu ordens, na pre-

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sença do Czar, de abster-se de quaisquer novas negociações em sepa-rado com seus colegas austríaco e britânico.

Dessa maneira, eg!.~~_cl.~U1o.Y_emJ)f(;),_a.disputa sobre a Polônia/Ç(\ficou em suspenso ~o~J]JQmí<nto .. Os rogos pessôãisae-Cá:stféfeág;h'.:)hàvlam IiãCãSSãcfopoÍque Alexandre insistira em fundamentar suaspretensões num "direito" que transcendia aos requisitos da segurançaeuropéia; a tentativa de reunir uma força superior mostrou-se inútilporque não houve suficiente resolução na aliança antifrancesa paraobrigar o Czar a concordar e porque problemas complexos não se so-lucionam pela mera declaração de que são simples. O_trabalho dealcançar uma ordem internacional baseada no acordo e não na forçaparecia ter vol~a~~ à. estaca zero.

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Mas esta era uma impressão errônea. Pois se o fracasso de Cas-tlereagh provara que o equilíbrio não podia ser obtido por uma de-monstração de sua necessidade, o trabalho complementar quase im-perceptível de Metter.nich havia criado o quadro moral para reabrir-sea questão por uma invocação à legitimidade. E se a derrota na Polô-nia pudesse traduzir-se em vitória na Saxônia, talvez a vitória naSaxônia pudesse fornecer meios para arrancar concessões na Polônia.A procrastinação, tão irritante para Castlereagh, fora, de fato, o meiomais eficaz para Metternich superar seus dilemas, pois a demora re-forçou a melhor arma de barganha da Áustria: o fato de a legitimi-dade poder ser conferida mas não extorquida, de supor assentimentoe não imposição. Suas atitudes do mês de outubro, portanto, destina-vam-se principalmente a romper a frente russo-prussiana e fornecerum fundamento moral à ação na direção que se mostrasse mais vul-nerável. "A arte mais refinada de Metternich", escreveu Talleyrand,"é a de fazer-nos perder tempo, pois acredita ganhar com isso". Assimas semanas haviam passado enquanto a Europa se queixava da frivo-lidade do ministro austríaco, e a velha escola de diplomatas austría-cos esbravejava que seu ministro "renano", que apelidaram PríncipeScamperlin, traía o Império com a Prússia. Mas na admiração pelafrase famosa do Príncipe de Ligne: "O Congresso dança, mas nãoanda", não se percebia que o Congresso dançava para uma armadilha.Quando Hardenberg ofereceu a Metternich sua cooperação, pode terimaginado que consolidava suas vantagens e obtinha uma garantiaquanto à Saxônia, qualquer que fOS6e o resultado das negociações po-

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lonesas. Mas como a resposta de Metternich deixara a concordânciaaustríaca com a anexação da Saxônia condicional ao SUcesso de suasmedidas comuns, o esforço para ligar os dois casos tornou-se o meiode separá-los. Pois se as negociações polonesas fossem bem sucedidas,a Prússia perderia, aos olhos da Europa, seu direito moral à Saxônia.Se a Prússia retomasse suas possessões polonesas, a anexação da Sa-xônia representaria o "crescimento desproporcional" contra o qualMetternich alertara Castlereagh. Nem seria necessário, nessa eventua-lidade, que Metternich assumisse o esforço maior da oposição. Talley-rand, com toda certeza, resistiria (na verdade foi difícil contê-lo emoutubro), e os Estados alemães secundários se aglutinariam em tornodele. O Czar, frustrado na Polônia, muito possivelmente apreciaria adecepção da Prússia; enquanto Castlereagh, já sob ataque no Parla-mento por causa da Saxônia, não poderia apoiar a exigência prussia-na de anexação. Castlereagh, afinal, parece ter previsto a possibilidadedesse desenrolar. "Na eventualidade de êxito no esforço comum comrelação à Polônia", escreveu a Liverpool, "[a França] teria meiosmais hábeis de impor amigavelmente à Prússia alguma modificaçãoem suas exigências sobre a Saxônia".

Mas se as negociações polonesas falhassem, a Prússia perderiaseu direito à Saxônia aos olhos da Áustria. O isolamento da Prússiaestava assegurado, com mais certeza ainda, porque o fato da sua re-sistência afastaria o Czar quase tão certamente quanto o êxito daresistência. Demonstrada a preocupação européia da Áustria ao cederna Saxônia, a intransigência poderia agora ser defendida pelos requi-sitos do equilíbrio europeu, e não alemão. E Castlereagh, tendo obtidoo apoio austríaco nas negociações polonesas, não podia mais trataro assunto saxônico como um problema interno alemão. Quanto à ati-tude da França ou dos Estados germânicos menores, não podia haverdúvidas. A Prússia, no afã do resseguro, apenas conseguira o isola-mento.

Quando em 7 de novembro Hardenberg informou Metternich dasordens do Rei e da dificuldade em levar a efeito o plano acertadosobre a Polônia, Metternich tinha finalmente a base moral para aação.P Aguardou até 18 de novembro antes de insistir no cumpri-mento das três condições do memorando de 22 de outubro. Sugeriuque, tendo a ordem do Rei tornado impossível a utilização de Cas-

15 Há ainda outro indício, embora não haja prova, de que Metternich nuncaentendeu as negociações polonesas de outra forma senão corno meio de isolara Prússia na questão saxônica: sua melancólica derrota na entrevista comAlexandre. 'Em nenhuma outra ocasião de sua carreira escolheu Metternicho ataque frontal, nem negociou tão inutilmente nem se rendeu tão facilmente.

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tlereagh como intermediário" Hardenberg conduzis.se as negociaçõesCzar Mas isto só serviu para armar Metternich de outra provacom o . " S A'

'da sinceridade austríaca e de outra razão para resI~tIr na, axon~,Iporque, em vista da ascendência do Czar sobre o ReI prussI~~O.' naorestava dúvida quanto ao resultado de uma proposta solItan~ daPrússia. Hardenberg foi obrigado a contar qu: ? Czar outr:..avez I~VO-cara a pureza de suas intenções, mas, que ~ umca .concessao a quv sedispunha era declarar Thorn e Cracoym cidades livres. .?mbora Ale-xandre houvesse dissimuladamente deixado essa concessao An~ depen-dência da concordância austríaca com a anexação da Saxônia, a. ne-gociação saxônica tornou-se, assim, o meio de restabele~~r a fluidezda questão polonesa. Pois a oferta do Czar, n:esmo ::on.dIclOnal, CAO~-tituía sua primeira admissão de que a extensão terntonal da Polônia,afinal de contas não estava de todo assentada.

Metternich 'apresentou a resposta fin.al ~au~tríaca e~ 10 de dezem-bro. A Áustria estava interessada no mais ~ntImo relaclOn~~ento coma Prússia, mas não ao preço do desaparecimento da Saxônia. A: Fe-deração Germânica, da qual dependia o bem-estar ~o.mum, co_ntlll~~-ria natimorta, porque nenhum dos Est~d~s s~cundanos alemães maaderir a uma organização baseada na eliminação ,?e. um d~les. ,Ten~osido forçada a tolerar a expansão russa na Polônia, a Austria naopodia concordar com o crescimento pru~siano na. Alemanha sem rom-per por completo o equilíbrio. Mette~~ch sugenu um plano alterna-tivo que mantinha um núcleo da Saxônia, cedendo u~a grande ~a~tedo país à Prússia juntamente com outras compens~çoes na Renânia.Mas todos os protestos de amizade não obscurecIam, o fato .de tersido a Prússia vencida na manobra, de ter Metternich perdido .naPolônia apenas para vencer na Saxônia e ~epois restaurar parcial-mente a situação na Polônia usando a Saxônia.

Não fez muita diferença que em 8 de novembro o governadormilitar russo da Saxônia passasse a administração provisória para aPrússia, nem que os militares prussian?s ameaçassem com ~ ~erra.A Rússia, na periferia da Europa, podia e,:;co.rar .sua pretensao a Po-lônia no fato da ocupação, mas urna potência situada no centfO"doContinente só podia sobreviver como componente de urna ordem le-gítima" tanto na Alemanha como na Europa. Assim, embora emmeados' de dezembro o Congresso de Viena parecesse haver chegadoa um impasse completo, por trás do pano preparava-se u:na tr~nsfor-mação fundamental. Um impasse não é total enquanto nao estão .en-gajados todos os fatores, e a França ain~ nã? e~tava comprometId~,As contendas de outubro e novembro haviam liquidado o mito da UnI-dade aliada e a ameaça da França já não parecia maior do queaquela representada pelo aliado da véspera. Evidenciava-se que a

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lembrança de uma ação comum ja não bastava para inibir qualquerpotência de tentar somar a França ao seu lado da balança. .__ .._;

Enquanto Castlereagh se lastimava do fracasso polonês e acusava \Metternich de nunca se ter realmente interessado em resistir, ia seformando uma nova combinação sobre a questão saxônica que impri-miria outra direção à disputa. Pois a Coalizão que podia resistir naSaxônia era, por definição, também a Coalizão que podia resistir naPolônia. E se as reivindicações de poder fossem derrotadas numa área,o fato limitaria, quase necessariamente, as asserções de arbitrariedadena outra. Portanto, estava yroY1.ldo, afinal, que -o equilíbrio era indi-visível; embora a solução não tenha surgido de uma consciência disso.Não fqUim noífíe dá 'Europi'que a Europa íôí "salva, mas em nomeda SâXônia. "'-- -

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Mas antes que essa nova combinação se pudesse formar, pressõesdomésticas sobre Castlereagh quase fizeram gorar o plano finamentetraçado de Metternich. Uma potência insular pode fazer suas guerrasem nome do equilíbrio europeu, mas' tem a tendência de identificaras ameaças ao equilíbrio com ameaças à sua segurança imediata. Sendosua política defensiva e não preventiva, isto fará depender a causa daguerra de um ato aberto que "demonstre" o perigo. Mas o perigopara o equilíbrio só fica demonstrado quando este já está transtor-nado, porque um agressor sempre pode justificar cada passo, excetoo derradeiro, crucial, como manifestação de uma pretensão limitada,e conseguir aquiescência como preço da moderação evidenciada. Nãohá dúvida de que a Qrã~]3u~tanhLentrou na luta cOntra N apoleãologo de início, e nela s~IE!anteve, com grande -per~illt~llcia. ' Mas ,aameaça ao equilíbrio se manifestara por um ataque aos Países Baixos,~~a fãlança de poder veio a identificar-secom a posse de Antuérpia." .,' Agoni, no entanto; a questão era a Polônia, país "distante'Çgeo-gráfica e psicologicamente. Não estava claro, até "comprovar-se", quemelhor se defendia o Reno no Vístula, ou que existisse outra ameaçaà paz além da França. Nesta disposição de espírito, o Gabinete con-siderou a disputa polonesa um resultado irritante da rivalidade conti-nental, a pôr em perigo uma paz tão custosamente obtida, e tratou-aprimordialmente sob o aspecto do impacto sobre a política internabritânica, Esse fato levou a uma discussão entre o Gabinete e Castle-reagh, na qual ambos os lados se esforçaram para convencer-se de

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que o ~es~cor~o.era na realidade .u~ mal-entendido, causado por in-formaçao insuficiente, quando a distância entre eles era pouco menorque aquela que separava o Czar de Castlereagh. Pois enquanto o Czartent~va gar~n!ir. a seguran~a .cont~~entalpor meio de sua palavra, o~abmete bnta~co pretendIa identificar a segurança com uma posiçãoInsular. A arbitrariedade do poder e a irresponsabilidade do isola-mento eram o Cila e o Caríbdis entre os quais Castlereagh foi forçadoa navegar.

Em 14 de_outubro Li~erpool escreveu a Castlereagh que "quan-to ffi,?nosa Grã-Bretanha tiver a ver [com a Polônia] ( ... ) melhor"e assmal0t; que, do ponto de vista do Parlamento, o plano do Czar~ra preferível a uma nov~ partilha, pois preservava o princípio daindependência polonesa. Liverpool repetiu esses argumento: em 28 dec.utubro e en~aminhou um memorando do Chanceler do Tesouro, Van-sittart, que simplesmente negava a realidade do perigo russo. Com a.r:etulân;:iada medio~ridade, a convencer-se de que a saída mais fácile também a melhor linha de ação, Vansittart argumentava que a absor-ção da Polônia adicionaria um elemento de fraqueza ao Estado russoao mesmo tempo que conduzia ao comércio britânico. Estas mensa-gens forçaram Castlereagh a enunciar mais uma vez a conexão entrea segurança, bri!â~ca e ~ segurança continental. Insistia em que nãose op~nha a Rússia motivado pela Polônia, e sim pela Europa. Se aquestao polonesa se solucionasse em prejuízo das Potências Centraisas demais questões se resumiriam numa contenda entre a Áustria e aPrússia dentro da Alemanha, transformando a Rússia em árbitro daEuropa Ce~tr~l e ~eixan?o a Holanda indefesa. A segurança até mes-mo, ~os mais :r.ned!~tosI?teresses brit~nicos dependia, assim, de umapolítica europeia: A num me parecia melhor para a Grã-Bretanhalutar p,o.ruma questão européia de primeira grandeza, fiel ao espíritoda política que lhe marcou ~ ~ondut~ ~urante toda a guerra, do que( ) reservar-se para um UlllCO objetivo, a saber, os Países Baixos( ) que podiam ver-se expostos a um desagradável problema numconflito entre as potências germânicas.

. Mas a resposta de Liverpool deixou bem claro que o Gabinetemais receava a França que a Rússia, e a guerra mais do que qualquerameaça ao equilíbrio de potências. Uma guerra agora, sustentava Li-verpool, podia tornar-se um c?nflito revolucionário, :10passo que atémesmo ~Ol~ anos de ~az podiam trazer uma estabilidade em que asguerras limitadas do seculo XVIII seriam novamente a regra. No dia22 de novembro o Gabinete enviou suas primeiras instruções a Cas-tlereagh desde que este chegara a Viena: "Desnecessário aoontar-lhe"escreveu Bathurst, "a impossibilidade de ( ... ) consentir Ánoenvolvi~

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, ;mento deste país em hostilidades ( ... ) por qualquer das matériasque até aqui têm estado em discussão em Viena". '

Assim, no ponto crucial das negociações, Castlereagh foi despo-jado de seu único meio de exercer pressão, e num momento em queo problema se tornava um caso de poder puro e simples. Pois a P.IÚ~-sia, pela contemporização de Metternich, estava sendo con9u?:.!Q.ãauma ação precipitada. À medida que assistia ao desmoronãIDeil1odesua base-moráT e material, sua entonação se tornava cada vez maisbelicosa. Seus militares falavam abertamente em guerra, e até mesmoo moderado Hardenberg insinuava medidas extremas. Mas se a possesem legitimidade era falaz, a legitimidade através da força mostrou-seinútil. Castlereagh simplesmente definia o dilema da Prússia ao dizera Hardenberg que "ele [Hardenberg] não podia considerar de bomtítulo uma reivindicação não reconhecida, e jamais poderia, em cons-ciência, ou com honra ( ... ) fazer de uma simples recusa de aceita-ção causa de guerra". Sendo estas as circunstâncias, Castlereagh nãotencionava seguir as instruções de seu Gabinete. Anunciar o desinte-resse britânico seria remover o maior dissuasor da guerra e, no afãde garantir a paz, o Gabinete teria causado o mal que mais temia.Ou, então, a retirada inglesa da contenda levaria a uma rendição aus-tríaca e ao completo rompimento do equilíbrio.

Foi assim que Castlereagh e Mettemich viram-se outra vez domesmo lado numa batalha cujo' arcabouço moral fora definido peloesperto ministro austríaco.' Quanto 'mais intransigente a atitude daPrússia, mais forte ficava a posição de Metternich. Sem necessidadede discussões abstratas a Áustria apareceu como protetora das po-tências secundárias. Quando Metternich propôs uma aliança à Bavie-ra e Hanover, e a formação de uma Liga Alemã, sem a Prússia, sim-plesmente deu expressão a um consenso geral. Transformando-se adisputa num teste de poder, Metternich ocupava de novo uma posiçãoem que estava resistindo a exigências que podiam ser consideradasexorbitantes e injustas. Mas com a aproximação da prova decisiva deforça, tomava-se necessário, também, arrebanhar o máximo de meios.Foi neste ponto, quando desapareciam os últimos vestígios da alian-ça, que Talleyrand reentrou em cena. Surgiu porque Metternich o co-locou no palco, e sua eloqüência foi apenas o reflexo do desejo deanonimato de Metternich, pois este não estava interessado em apa-recer como agente da humilhação da Prússia. Queria que os aconte-cimentos chegassem "naturalmente", porque isso reduzia o perigo derompimentos pessoais; já Talleyrand desejava que parecessem "cau-sados", o.que consolidaria sua difícil posição doméstica.

Talleyrand recebeu sua oportunidade de Metternich, que lhe co-municou 'a 'resposta austríaca de 10 de dezembro a Hardenberg, e,

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assim, tornou claro que os Quatro Grandes não haviam sido cap.az~sde solucionar a questão. Talleyrand respondeu num IIl:e~~rando mci-sivo, qUe asseverava a superioridade das teses de legitimidade sobreos requisitos de equilíbrio e contestava a possibilidade ?e se deporemreis, pois soberanos não podiam ser julgados, menos ainda por quemlhes cobiçava os territórios. Não cabia à Prússia estabelecer o queiria tomar, sustentava Talleyrand ousadamente, mas ao rei "legítimo"da Saxônia definir quanto podia ceder. Magistral resumo de toda:s asincoerências de dois meses de acrimônia, mas não era esse seu ver-dareiro significado. Talleyrand melhor servira a França por estar "dis-ponível" que por escrever memorandos. A verdadeira importância datroca de correspondência foi o fato de a França participar outra vezdo concerto da Europa.

Entrementes, a Prússia chegava ao pânico. Com o fim de pôr àmostra a velhacaria de Metternich, Hardenberg passou ao Czar algu-mas das cartas de Metternich sobre a questão polonesa, numa quebrasem precedentes da ética profissional diplomática. Mas ainda uma vezneste caso, a ação dilatória de Metternich durante o mês de outubropagou dividendos. Pois praticamente cada atitude de Metternich foraem resposta a uma iniciativa prussiana, e quando Hardenberg se reti-rara do acordo, justificara essa atitude como um adiamento do con-flito com o Czar para tempos mais propícios. Quando, portanto, Met-temich enviou ao Czar todas as suas carta:s, Hardenberg foi outravez ultrapassado, pois não teve coragem de apresentar suas própriascartas. Mas essa troca de alfinetadas teve uma conseqüência salutar,pois mostrou ao Czar o quanto ele inquietara as outras potências comseus planos poloneses. Depois de sua intransigente atitude de outubro enovembro, Alexandre, afinal, atravessara uma das mudanças repenti-nas de disposição que o caracterizavam. Foi-se a militância inicial,substituída pelos primeiros sintomas da exaltação religiosa que iriadominá-lo pela década seguinte. Quando o Imperador Francisco foiprocurá-Ia para esclarecer o mal-entendido, Alexandre, já de acordocom sua nova fase, ofereceu ceder de volta à Áustria, como testemu-nho de sua boa-fé, o distrito de Tarnopol, com uma população de400.000 habitantes. O Czar podia terminar retendo a maior parteda Polônia, mas somente através de um processo de ajustamento,que simbolizava sua necessidade do reconhecimento das outras po-tências.

Em desespero, a Prússia então propôs transplantar o Rei da Sa-xônia para a Renânia, nos territórios destinados à Prússia, Mas nemMetternich nem Castlereagh estavam dispostos a concordar: Metter-nich, porque isso transformaria o Rei da Saxônia de aliado da Áustriaem vassalo da Prússia; Castlereagh, porque, na fidelidade ao Plano

Pitt, queria ver uma potência de primeira ordem protegendo a Re-nânia e apoiando a Holanda. E a balança cada vez mais pendia con-

. tra a Prússia, pOÍJSCastlereagh e Metternich lentamente insinuavam aFrança nos conselhos aliados. Uma vez que parte da disputa entrea Áustria e a Prússia envolvia a questão técnica de saber onde en-contrar os territórios que recolocassem a Prússia na escala de 1805,Castlereagh propôs a criação de uma Comissão Estatística para deter-minar a população dos territórios disputados. Quando se admitiu nessacomissão um delegado francês, sob a pressão dos austríacos e dos in-gleses, tornou-se evidente que a Coalizão contra a França encontrava-se em processo de dissolução.

Apenas um pequeno passo separava Talleyrand da participaçãoplena nas deliberações. Castlereagh, que esperava poder evitar passotão drástico, finalmente concordou no dia 27 de dezembro. Em 31de dezembro, Castlereagh e Metternich propuseram que a partir da-quela data Talleyrand participasse das reuniões dos Quatro Grandes.A Prússia estava agora inteiramente isolada, pois o surgimento deTalleyrand era o símbolo de que as reivindicações especiais da alian-ça haviam acabado antes que a Prússia colhesse os seus frutos daguerra. Nem mesmo o Czar, nas palavras de Castlereagh, "aconselha-ria a Prússia a resistir, já tendo assegurado sua própria solução naPolônia". Assim repelida em seus últimos recursos, a Prússia amea-çou com a guerra.

Todavia, essa reação simplesmente serviu para mostrar a impo-tência da Prússia. Castlereagh replicou duramente que "semelhanteinsinuação podia funcionar com uma potência que tremesse por suaexistência, mas só podia ter efeito contrário sobre aquelas que tinhamconsciência da própria dignidade; e acrescentei que, a prevalecer se-melhante estado de espírito, não estávamos deliberando em situaçãode independência e melhor seria encerrar o Congresso". Naquele mes-mo 1.0 de janeiro de 1815 Castlereagh propôs uma aliança defensivaentre França, Áustria e Grã-Bretanha. Evidentemente exigiu-se deTalleyrand que garantisse os Países Baixos e reafirmasse as estipula-ções do Tratado de Paris. Mas a façanha maior de Talleyrand emViena foi precisamente esse espetáculo de autolimitação, essa recusaa vender a participação francesa na aliança por uma vantagem terri-torial, intento que teria unido todas as demais potências contra ele.Ganhou, em conseqüência, algo muito mais importante: o fim doisolamento da França e o reconhecimento de sua igualdade.

Dessa forma, quase exatamente um ano depois que partiu pelaprimeira vez para o Continente, Castlereagh, numa violação diretade suas instruções, dissolveu a aliança que tanto lutara por criar, embenefício do 'próprio equilíbrio que ela devia perpetuar. Foi um passo

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abrupto e corajoso .. Uma~~c..:E~~~_~~fensiv~_ <!~A_re~aS?~lLint~~~~o-nais envolve o l1eug~dla_.lllJI.~?Q.fuI!~ad~, _a_JÇ.!!9~~Cla,121!rª-.. bªs~,ar apõIffica externa no último p~~go _passqdo,:-~ ~~o_"no. p~r-igo -do-mo-m'errto~TIrprl)1J'Ostíf' e um pacto com o mimigo de ate então, Cas-tiereagh demonstrava saber que política nenhuma, mesmo a mais bemsucedida, pode tornar-se fim em si mesma. Por sua decisão num I?'0-mento crucial, deixou clara sua concepção <Ia-resp'onsabiliôãdê' do

~-estadistã':'que oportunidades perdidasnão se, recuperam; que o tempode-ltnã' proviáêiíêiá não podia.ipelo menos ..nas condições do.jníciodo 'séõülõ' XIX; depender da existência de instruções. O fato de irafé mesmo além" e considerar-se 'livre para violar suas instruções, bemdemonstra tanto a sua supremacia interna quanto a convicção de quesua justificativa residia na confiança do Gabinete em sua política bá-sica, e não na aprovação de cada passo.

,- E a aliança de 3 de janeiro marcou a culminação de outra dessascampanhas diplomáticas pelas quais Metternich isolava seus adversá-rios em nome da razão universal, e não das razões de Estado. Umaaliança com a França contra a Prússia em outubro teria causado oprotesto horrorizado da Europa. Essa mesma aliança, em janeiro, foiaclamada como defesa do equilíbrio. A resistência à Prússia em ou-tubro seria interpretada como expressão de um egoísmo míope; essa

, )<Y mesma resistência, em janeiro, foi saudada como a proteção da legi--I] timidade contra a pretensão da força. Tal como na primavera de- 1813, Metterních havia preparado sua posição moral sabendo esperar

-.$ mais que o adversário, utilizando sua impaciência por uma decisão "('~ para comprometê-Ia inapelavelmente. Necessitando a Prússia da aquieS:')_ cência da Áustria na anexação da Saxônia, Hardenberg propusêra

- ';', '- ações' conjuntas contra o Czar. O problema saxônico viu-se assim!~. transformado de questão alemã em européia, por iniciativa da Prússia,:~ e foi separado tão habilmente do caso da Polônia que Hardenberg só.;.~ compreendeu o que acontecera quando já era tarde demais. E como, o Czar se mostrara ansioso de demonstrar sua beneficência, havia:~ oferecido como livre concessão na Polônia o que CastIereagh não fora

--'6 : capaz de extorquir com ameaças. Foi Castlereagh, não Metternich,que suportou a carga da negociação final na questão saxônica, e foiele, não Metternich, quem alvitrou a aliança de 3 de janeiro. A habi-

-? ~lidade política doe Metternich compreendia o valor da nuança; que o,.,) - modo era tão importante quanto o fato da realização, às vezes até~ mais. A questão em Praga não fora para Metternich o fato da guerra,

i e sim sua causa; a questão em Viena não foi a retomada do equilí-, brio, mas a maneira de salvá-lo. A Saxônia, salva por uma afirmação

do poder austríaco, seria o início de um conflito sem fim; poupadaem nome da Europa, abriu uma ferida que podia cicatrizar..:~-

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VII

Se a aliança _defensiva provocou a crise do Congresso de Viena,abriu tambénió caminho para sua resóluçãü.'-Erii qualquer negocia:"ção está subentendido 'que a força é õúrfimo recurso. Mas é da arteda diplomacia manter latente essa ameaça, deixar indeterminada suaextensão, e empregá-Ia só em último caso. Pois tão logo a força sefaz tangível, as negociações propriamente ditas cessam. Uma ameaçade emprego da força que não seja para valer não recoloca a negocia-ção no ponto em que se achava ao ser feita. Liquida a posição debarganha, pois constitui confissão, não de poder finito mas de impo-tência. Levando as questões a um ponto crítico, a Prússia viu-se frentea três potências cuja determinação não era de se pôr em dúvida, em-bora o tratado propriamente dito permanecesse em segredo. E o Czarmostrou-se um aliado morno. Uma série de soluções parciais isolaraa Prússia, de vez que potências "satisfeitas" não vão à luta por reivin-dicações de outra, se houver uma alternativa honrosa.

Tocava a Metternich tomar providências para que essa alterna-tiva se apresentasse. Já em seu memorando de 10 de dezembro for-mulara um plano pelo qual a Prússia podia ser reconstituída nosmoldes de 1805 pela aquisição de territórios na Renânia juntamentecom uma porção da Saxônia. Esse plano foi agora encampado porCast1ereagh, quando se evidenciou que a Prússia não efetivaria suaameaça de guerra. Em 3 de janeiro, depois de Metternich e Castle-reagh declararem que não negociariam sem Talleyrand, o próprio Har-denberg, para salvar as aparências, recomendou a participação deTalleyrand. Em 5 de janeiro Castlereagh podia dizer que "o alarmade guerra passou". A questão saxônica foi, a partir de então, discutidaoficialmente pelos agora Cinco Grandes, e em grande parte resolvidaatravés de negociações extra-oficiais, nas quais Castlereagh desempe-nhou o papel de intermediário entre Metternich e Talleyrand, de umlado, e o Czar e Hardenberg, de outro.

As negociações que levaram ao acordo final revelaram nova-mente as qualidades especiais de Castlereagh em sua melhor forma.O quadro estava, uma vez mais, determinado; era claro que nenhumadas potências se dispunha à guerra, a Rússia talvez ainda menos quetodas. Restava a tarefa essencialmente técnica de ajustar, com paciên-cia, perseverança e boa-vontade, os pontos de vista conflitantes. Gentzrelata que Castlereagh trabalhou infatigavelmente dia e noite para darsolução ao problema. Havia um motivo especial para isso. Aproxi-mando-se uma sessão do Parlamento, Liverpool pediu-lhe, como noano anterior,' que regressasse; caso contrário, talvez a Câmara dos

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Comuns se mostrasse incontrolável. Mas, como da outra vez, Castle-reagh recusou-se, insistindo em que voltaria assim que fosse possível,mas dizendo que "você bem podia esperar que eu fugisse de Leipzig(estivesse eu lá) no ano passado ( ... ) se acha que vou sair daquiantes que ( ... ) se solucione a disputa; de mais a mais, creio quenão só comete uma grave injustiça com os que o apóiam aí como melisonjeia demais ao supor minha presença assim tão necessária".

Nesse empenho de chegar a um acordo final, Castlereagh teveque resistir a nova tentativa prussiana de remover o Rei da Sa-xônia para a margem esquerda do Reno e a um esforço da Áustriapara garantir à Saxônia a fortaleza de Torgau, no Elba. Mas com aajuda do Czar, ele convenceu a Prússia de que, no interesse do equi-líbrio europeu, ela teria de assumir a proteção da Renânia, e deixouclaro à Áustria que a aliança defensiva apenas se referia a uma ten-tativa real de rompimento do equilíbrio europeu, e não às arrumaçõesalemãs internas. O perigo de guerra também tornara o Czar mais fle-xível. Quando Castlereagh sugeriu algumas concessões na Polônia afim de tornar o esquema saxônico mais apetecível à Prússia, Alexan-dre concordou em devolver a cidade de Thorn à Prússia. Metternichaproveitou imediatamente a oportunidade para tentar atrair o Czar aoutra série de ajustamentos e transferir-lhe o ônus pelas fronteirasinsatisfatórias da Prússia, Propôs ceder de volta à Rússia o distritode Tarnopol em troca de outras concessões à Prússia. Embora o Czarrecusasse, a questão saxônica se estabelecera como o meio de limitaras aspirações russas na Polônia. O que não pôde ser conseguido emnome do equilíbrio geral da Europa foi obtido através de certo nú-mero de concessões que tornaram possíveis arranjos locais. ,

No dia 11 de fevereiro chegou-se a um acordo final. Na Polô-nia, a Áustria conservava a Galícia e o distrito de Tarnopol, enquantoCracóvia se tornou cidade livre. A Prússia ficou com o distrito dePosen e a 'cidade de Thorn, que controlava o alto Vístula. O restante

;. do Ducado de Varsóvia, com uma população de 3,2 milhões de habi-tantes, tornou-se o Reino da Polônia, tendo por monarca o Czar da

,;'~:' Rússia. Na Alemanha, a Prússia obteve dois quintos da Saxônia, a" ... Pomerânia sueca, boa parte da margem esquerda do Reno e o Du-'.~_ cado da Westfália. A Áustria já obtivera garantia de compensação na

) , .." Itália Setentrional e o predomínio em toda a Itália através do estabe-_. lecimento de dinastias dependentes em Parma e na Toscana, ~~!a-

,,,À';' - belecia-se assim, afinal, o equilíbrio da Europa, e com uma tintura" de=hafrnohiá. Não foi alcançado com a precisãoCle um axioma ma-

temático, tal como Castlereagh imaginara, pois embora os Estadospossam, para quem está de fora, parecer simples fatores de um dispo-sitivo de segurança, eles próprios consideram-se expressões de forças ~'---158

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históricas. Não é o equilíbrio como fim que lhes interessa - esta é aconcepção de uma potência insular - mas como meio de realizarsuas aspirações históricas em relativa segurança. Não foi por acidente,então, que a disputa sobre a Polônia, surgida em nome de abstratasconsiderações de equilíbrio de potências, se mostrou inconcludente, eque a contenda sobre a Saxônia, envolvendo o problema histórico daAlemanha, forneceu a chave para a solução.

Em 9 de junho de 1815 as Atas Finais de Viena foram ratifica-das pela Europa reunida em Congresso. Foi esta a única sessão doCongresso de Viena.

VIII

Há duas maneiras de construir uma ordem internacional: pelavontade ou pela renúncia; pela conquista ou pela legitimação. Durantevinte e cinco anos a Europa estivera convulsionada por uma tentativade chegar-se à ordem através da força, e a lição, para os contempo-râneos, não foi o fracasso da tentativa, mas seu quase sucesso. Nãoé de surpreender, portanto, que em seu esforço de criar uma alter-nativa os estadistas de Viena voltassem os olhos para um períodoanterior que conhecera estabilidade, e que identificassem essa estabili-dade com seus arranjos internos. Os estadistas de Viena não estavaminteressados em transformar a humanidade, porque ante seus olhosesforço semelhante conduzira à tragédia de um quarto de século delutas. Transformar a humanidade por um ato de arbítrio, ultrapassaro nacionalismo francês em nome do nacionalismo da Alemanha aeles pareceria fazer a paz pela revolução, buscar estabilidade no des-conhecido, admitir que um mito, uma vez derrubado, não se recupera.

A questão em Viena, portanto, não era reforma contra reação- esta é uma interpretação da posteridade. Em vez disso, o pro-blema era criar uma ordem na qual a mudança pudesse chegar atra-vés de um sentimento de obrigação, de contrato, ao invés de vir pormeio de uma afirmação de poder. Pois a diferença entre uma ordemrevolucionária e uma ordem legítima sadia não é a possibilidade demudança mas o modo de realizá-Ia. Uma ordem "legítima" não estag-nada completa suas transformações pela aceitação, e isso pressupõeconsenso quanto à natureza de um acordo justo. Mas uma ordem re-volucionária, tendo destruido a estrutura de obrigações existente, temque impor suas medidas pela força, e o Reinado do Terror de qualquerrevolução é "inevitavelmente um reflexo quase exato do sucesso que

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ela teve em varrer a legitimidade existente. Um~ o~~em."le~!ima"limita o possível pelo justo; uma ordem revolu~~onana identifica ojusto com o fisicamente possível. Um~ ordem legítima enfr~nta o pro~blema de criar uma estrutura que nao torne a mudança impossível;uma ordem revolucionária confronta-se com o dilema de 9.ue.a mu-dança pode tornar-se um fim em si, tornando, dessa maneira, Impo~-sível o estabelecimento de qualquer estrutura. Em nenhum dos dOIScasos a reforma é efetuada por um ato repentino de intuição; esta éuma ilusão dos utopistas. Tampouco é possível construir uma ordemque não tenha defensores do status quo ou não tenha. ~e~ormad~res,c a tentativa de Iazê-lo leva ao delírio do Estado totalitário ou .a es-tagnação. A higidez de uma estrutura social está em sua calZacldadede traduzir transformação em aceitação, de estabelecer relaçao entreas forças da mudança e as da conservação. Os estadis!as de Vienahaviam feito uma tentativa de estabelecimento dessa relação pela força;não era estranho que tentassem construir uma alternativa baseada na"legitimidade". , _

Como quer que julguemos o conteudo moral de sua soluçao, elanão excluía nenhuma grande potência do concerto europeu e davatestemunho, portanto, da inexistência de cisões insuperávei~. O 0:-denamento não assentou em simples boa-fé, o que seria pedir demaisda autolimitação; nem na eficácia de uma pura avaliação de I?oder,o que tornaria Os cálculos demasiado indeterminados. Antes cnou-seuma estrutura em que as forças eram suficientemente b~lancea?as, afim de que a autocontenção pudesse parecer alguma COIsamais queabnegação, mas que tomava em conta as alegações histó:icas de s~uscomponentes, para que sua existência se pude~se trad':lzrr em_ac.etta-ção. Potência nenhuma houve, na nova ordem internacional, tao msa-tisfeita que não preferisse buscar seus remédios dentro do quadro doajuste de Viena ao invés de procurá-los em sua derrubada. De vezque a ordem política não continha uma potência "revolucionária",s-uas relações tornaram-se cada vez mais espontâneas, baseadas nacerteza crescente da improbabilidade de uma convulsão catastrófica.

Não foi por uma feliz casualidade que a ordenação de Vienaveio a ser tão universalmente aceita. Durante toda a guerra Castle-reagh e Metternich haviam insistido em que sua atuação visava. àestabilidade, não à vingança, e se realizaria, não pelo esmagamentodo inimigo, mas pelo seu reconhecimento de limites. Se compararmoso esboco do acordo de Viena com o Plano Pitt, e sua legitimação coma das instruções a Schwarzenberg, veremos que a sorte, em políticacomo em outras atividades não é senão um resíduo da intenção. Nãoquer isto dizer que a solução revelou uma presciência que fazia. todosos acontecimentos se ajustarem a uma certa visão. Castlereagh, tro-

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cando sua convicção do equilíbrio mecânico pela de um equilíbrio his-tórico mantido através da comunicação íntima entre seus membros,separou-se cada vez mais do espírito de seu país. Metternich, aotentar manter a supremacia tanto na Itália como na Alemanha, foiobrigado a uma política além de 'seus recursos. Sua luta cada vez maisinflexível pela legitimidade revelava uma consciência crescente da in-suficiência da base material da Áustria para a tarefa européia a queele a destinara. Se uma política de poder puro e simples é suicidapara um Império localizado no centro de um continente, a confiançanuma legitimidade não apoiada é desmoralizante e leva à estagnação.O estratagema pode ser um substituto da força quando os objetivossão determinados, mas não substitui a concepção quando os desafiossão internos. E a Prússia, com receios e hesitações, com uma sensa-ção de humilhação nacional e rendição relutante, foi forçada a par-ticipar de uma missão alemã a despeito de si mesma. Estendendo-seagora do Vístula ao Reno, simbolizava a procura da unidade alemã.Espalhada em enclaves por toda a Europa Central, sua necessidadede segurança, senão sua concepção de uma missão nacional?forçou-aa tornar-se, ainda que com relutância, o agente de uma política alemã.Situada de través em relação aos principais cursos d'água e rotas ter-restres a Prússia veio a: dominar a Alemanha economicamente antesde unificá-Ia fisicamente. A derrota na Saxônia, de tão amarga lem-brança, tornou-se o instrumento da 'vitória final da Prússia sobre aÁustria.

Mas isso ainda estava cinqüenta anos no futuro, e uma políticarealmente vitoriosa talvez tenha sido impossível para a Áustria numséculo de nacionalismo. A tragédia pode ser o destino de nações,como o é de pessoas, e seu significado pode muito bem consistir emviver num mundo com que não se é mais familiar. Nesse sentido, aÁustria foi o Dom Quixote do século XIX. Talvez a política de Met-ternich deva julgar-se, não pelo fracasso final mas pelo tempo duranteo qual protelou o desastre inevitável. Ao encerrar-se o Congresso deViena, entretanto, o desastre parecia ultrapassado. Pela primeira vezem vinte e cinco anos, os estadistas podiam voltar-se para O'Sproble-mas da paz em lugar da preparação da guerra. Ainda iriam aprenderque esses problemas, embora menos prementes, podem ser bem maiscomplicados. Mas pelo menos criaram uma estrutura que poderia so-breviver a este processo de ajustamento. E antes que' houvessem se-quer iniciado a tarefa tomaram consciência de que, malgrado suasdiferenças, eram parte de uma unidade maior. Nada ilustra melhor alegitimidade da ordem recém-instituída do que a reação das potên-cias à incrível notícia que então chegou a Viena.

No dia 7 de março soube-se que Napoleão se evadira de Elba.

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