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FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – FACS CURSO: PSICOLOGIA A DOENÇA DE ALZHEIMER IMPACTOS NA FAMÍLIA LÚCIA INÊS OLIVEIRA DO AMARAL BRASÍLIA MAIO/2005

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  • FACULDADE DE CINCIAS DA SADE FACS

    CURSO: PSICOLOGIA

    A DOENA DE ALZHEIMER

    IMPACTOS NA FAMLIA

    LCIA INS OLIVEIRA DO AMARAL

    BRASLIA

    MAIO/2005

  • 1

    LCIA INS OLIVEIRA DO AMARAL

    A DOENA DE ALZHEIMER

    IMPACTOS NA FAMLIA

    Monografia apresentada como um dos requisitos

    para concluso do curso de Psicologia do

    UniCEUB Centro Universitrio de Braslia.

    Professora orientadora: Suzana Meira Lopes de

    Castro Joffily

    Braslia/DF, Maio de 2005

  • 2

    Dedico este trabalho ao meu amado Werner Luckow por todo incentivo

    e apoio prestados no decorrer destes cinco anos, por abrir meus olhos

    nos momentos nublados e me fazer sorrir, mesmo quando parecia no

    haver motivo. Por possibilitar que eu no desistisse e chegasse at aqui.

  • 3

    Agradeo a Deus que me guiou do incio ao fim deste curso.

    Agradeo queles que sempre admiraram minha mania de estudar e

    souberam suportar as muitas horas de ausncia minha famlia: meus

    filhos Yuri e Igor e meu irmo Helinho.

    Agradeo a cumplicidade e suporte sempre presentes de minhas amigas

    Grecileine, Marlia, Maria Lcia, Suely, Expedita e Luciana Marina.

    Agradeo aos meus professores Gilberto Hazaa Godoy e Ana Maria

    Schmarczek Beier por haverem acreditado no meu potencial e cujo

    incentivo foi primordial para o alcance desta meta e, especialmente,

    professora Suzana Meira Lopes de Castro Joffily, cuja competncia

    profissional e firme orientao tornaram possvel a concluso desta

    monografia.

  • 4 SUMRIO

    RESUMO INTRODUO ..........................................................................................................................

    1. FUNDAMENTAO TERICA .......................................................................................

    1.1 O que a Doena de Alzheimer (D.A.) .........................................................................

    1.2 Sintomas e Evoluo .....................................................................................................

    1.3 Diagnstico e Tratamento ..............................................................................................

    1.4 Curiosidades ..................................................................................................................

    1.5 Como a Doena de Alzheimer atinge a famlia .............................................................

    1.6 A escolha do cuidador ..................................................................................................

    1.7 Impacto na vida do cuidador .........................................................................................

    1.8 Atitudes benficas para com a pessoa com Doena de Alzheimer ...............................

    1.9 Cuidando do cuidador ....................................................................................................

    1.10 Grupos de Apoio ............................................................................................................

    1.11 Aspectos ticos do diagnstico preditivo .....................................................................

    1.12 Objetivos .......................................................................................................................

    1.12.1 Objetivo geral .....................................................................................................

    1.12.2 Objetivo especfico .............................................................................................

    1.12.3 Questes para pesquisa .....................................................................................

    2. METODOLOGIA ................................................................................................................

    2.1 Instrumentos ...................................................................................................................

    2.2 Contexto .........................................................................................................................

    2.3 Material de coleta de dados ...........................................................................................

    2.4 Sujeitos ..........................................................................................................................

    3. ANLISE DOS DADOS .......................................................................................................

    3.1 Impacto na vida cotidiana/Quebra de padro machista ...................................................

    3.2 Impacto emocional-afetivo ..............................................................................................

    3.3 Impacto ao confrontar-se com a morte ............................................................................

    3.4 Impacto na religiosidade ..................................................................................................

    3.5 Impacto da falta de informao .......................................................................................

    3.6 Impacto na dinmica familiar ..........................................................................................

    3.7 Impacto na representao dos papis familiares ..............................................................

    3.8 Impacto na cobrana social ...............................................................................................

    3.9 Impacto da ameaa de repetio transgeracional da D.A. ...............................................

    4. CONSIDERAES FINAIS .................................................................................................

    5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................................

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  • 5 RESUMO

    Esta monografia tem como tema a Doena de Alzheimer e o impacto que ela provoca na famlia, e especificamente na vida do cuidador, o qual foi analisado por meio da pesquisa qualitativa; usou-se como instrumentos entrevistas semi-diretivas e a metodologia de anlise dos dados foi baseada na proposta da hermenutica-dialtica de Minayo porque se trata de um tema complexo que envolve a subjetividade dos cuidadores e das dinmicas e estruturas familiares. Alm do mais, a D.A. tem tido destaque nos meios de sade pblica e a ateno deve-se voltar, tambm, para os cuidadores. Por isto a pesquisa procurou conhecer quais os impactos na vida destes, os quais foram detectados como: impacto na vida cotidiana/quebra do padro machista; impacto social-afetivo; impacto da confrontao com a morte; impacto na religiosidade; impacto da falta de informao; impacto na dinmica familiar; impacto na representao dos papis familiares; impacto da cobrana social; e impacto da ameaa de repetio transgeracional da D.A. Dentre as sugestes apresentadas destacam-se o incremento do suporte social junto aos cuidadores atravs de maior envolvimento da sociedade e do Estado; reforma do atendimento no sistema de sade; criao de um plano de sade especfico para doentes de Alzheimer e reforma na legislao trabalhista.

    Palavras-chave: Doena, Alzheimer, cuidador, impactos.

  • INTRODUO

    Os avanos da medicina, a assistncia sade e a melhoria das condies de vida, tm

    levado a um aumento da longevidade humana e, conseqentemente, do nmero de pessoas

    com idade crtica para o desenvolvimento de doenas neurodegenerativas. Dentre estas, a

    Doena de Alzheimer - cuja caracterstica a perda progressiva e irreversvel da memria

    e de outras funes cognitivas - tem atingido propores que a colocam em destaque em

    termos de sade pblica e suas implicaes scio-econmicas.

    O ser humano nasce e morre s, entretanto, no vive s. sua volta existe uma rede

    inicial de relaes, que funciona da como uma matriz de identidade, dando-lhe a

    possibilidade de sentir-se pertencente a um grupo especfico e, tambm, de ser

    discriminado e conseqentemente separado e ter participao em subsistemas e grupos

    sociais externos. Campos (2005), cujo trabalho com grupos de suporte baseado na

    dinmica descrita por Winnicott sobre a relao me-beb, particularmente sobre o

    fenmeno do holding que se refere ao conjunto de cuidados que o ambiente representado

    pela me dispensa ao beb, pontua a importncia da funo dinmica do pai diante da me,

    amparando-a, dando-lhe suporte, formando uma dupla parental que cuida

    permanentemente do beb e que se transforma num tringulo indissocivel. A esse

    primeiro grupo no qual o homem est inserido, designa-se por famlia. Quando um de seus

    membros adoece, torna-se imprescindvel a participao da famlia nos cuidados a ele

    dispensados, porque o adoecimento interfere no equilbrio do sistema familiar. As

    mudanas, de modo geral, provocam crises advindas, principalmente, do estresse gerado

    pela quebra na rotina familiar, das redistribuies repentinas e foradas dos papis

    familiares, do aumento dos custos, das inseguranas, das culpas, enfim, das exarcebaes e

    atualizaes de crises antigas e de sentimentos antes no manifestados.

    Velho (1989) chama ateno para a famlia atual, que se apresenta primeira vista

    como nuclear, mas, na verdade, est imersa numa rede de relaes entre as mais diversas

    formas de famlia, num complexo sistema de interdependncia. Esta rede inclui parentes,

    amigos e vizinhos e se revela fortemente atuante em praticamente todos os momentos da

    vida, mas se torna vital, principalmente, nos momentos de crise.

    Baseado na constatao terica de que as conseqncias advindas em decorrncia da

    Doena de Alzheimer provocam um impacto em todo sistema familiar, o tema de

    investigao foi definido a partir do seguinte enunciado: a Doena de Alzheimer e o

    impacto na famlia, especificamente na vida do cuidador - aquele que est sempre presente

  • 7 - considerando que ele tem a responsabilidade maior e permanente sobre a pessoa sobre a

    pessoa que est a seus cuidados.

    Toda investigao principia por indagaes que acionam o pesquisador para o trabalho

    de vinculao do pensamento ao, extraindo dessa insero no real suas razes e seus

    objetivos. No presente caso, a interpelao refere-se a descortinar o universo que envolve

    as pessoas no papel de cuidador, sua motivao para valorizar e cuidar de vidas adoecidas

    e j se aproximando da morte, seus anseios, sua submisso e as conseqncias decorrentes.

    Foram participantes da pesquisa trs cuidadores de uma mesma famlia cuja me tem D.A.

    Inicialmente, foi realizado um estudo terico a respeito da Doena de Alzheimer e a

    forma como a famlia atingida pela doena. Como uma doena tpica de uma das fases

    do ciclo da vida, identificou-se a necessidade de um preparo para enfrentar o

    envelhecimento, tanto no mbito individual quanto social, uma vez que, frente ao

    prolongamento da vida humana, o Estado no oferece condies de atender as demandas

    dessa populao.

    A partir da temtica a escolha do cuidador e a influncia que os distrbios cognitivos e

    comportamentais da D.A. exercem sobre sua vida foram sendo aprofundadas questes

    trazidas pela literatura a respeito do estresse a que esto sujeitas tais pessoas, as

    conseqncias sobre a sade fsica e mental e a necessidade de lhes ser oferecido suporte

    ou cuidados. Foram apresentadas sugestes para facilitar a interao com o portador da

    sndrome e, mais adiante, salientou-se a importncia dos autocuidados, tanto fsicos quanto

    psicolgicos, por parte do cuidador, frente emergncia de suas prprias necessidades.

    Outro aspecto abordado foram as implicaes ticas do diagnstico preditivo no trato

    da D.A., o dilema mdico entre seu dever de informar a famlia para prevenir um dano

    futuro e o direito de no querer saber, por parte de algum familiar.

    Com relao ao mtodo de pesquisa optou-se pelo qualitativo, tendo como principal

    procedimento a aplicao de entrevistas semi-estruturadas cujo contedo das narrativas foi

    analisado de acordo com o mtodo proposto por Minayo, o hermenutico-dialtico, o qual

    proporciona a interpretao de forma mais fidedigna da vivncia das pessoas,

    contextualizando-a e dando-lhe significado.

    Na anlise dos dados foram pontuadas questes trazidas por familiares cuidadores de

    uma pessoa adoecida de Alzheimer e, com embasamento terico, apresentada uma reflexo

    sobre o que se passa no interior de uma famlia que se prope ser cuidadora.

    Finalizando, destacou-se a importncia de um trabalho preventivo para os cuidadores e

    de esclarecimento, junto populao, sobre a Doena de Alzheimer, como uma maior

  • 8 ateno do campo da Psicologia para o estudo do estresse provocados nos cuidadores como

    uma demanda digna de ser mais investigada.

  • 9 1. FUNDAMENTAO TERICA

    1.1 O QUE A DOENA DE ALZHEIMER

    Ao se falar em Doena de Alzheimer (D.A.) a primeira conexo que fazemos com o

    estgio de vida em que se encontra a pessoa que est acometida por essa sndrome. Tem-se

    a impresso que ela s atinge pessoas com mais de 70 anos de idade, ou seja, aquelas que

    esto no estgio de vida caracterizado pelo envelhecimento, entretanto, a D.A. a forma

    mais comum de demncia que atinge a populao situada entre os 40 e 90 anos de idade,

    sendo considerada precoce a incidncia ao redor dos 40 anos (recorrncia familiar) e tardia

    a que ocorre por volta dos 65 anos.

    Com o tempo, os homens haviam se esquecido de tudo. (Freitas, 2005, p. 30). O vai-

    vem dirio, idas ao supermercado, ao Banco, consultas mdicas, conversas com os

    vizinhos, na porta da Igreja, visitas, observar o crescimento da cidade, o excesso de carros,

    de prdios, de gente nas ruas. L se iam esmaecendo as imagens da companheira, do

    companheiro, dos filhos, dos netos, amigos. Tudo tinha se transformado em camadas de

    esquecimento sobre o fundo daqueles dias inigualveis... Haveria algum meio de trazer de

    volta o calor dos dias de criao? (Freitas, 2005, p. 30)

    dessa forma insidiosa que a Doena de Alzheimer apodera-se da mente das pessoas.

    Uma doena cerebral degenerativa, descoberta em 1907 pelo neuropatologista alemo

    Alois Alzheimer, caracterizada pela perda progressiva e irreversvel da memria, que no

    deve ser confundida com aqueles lapsos de memria comuns no envelhecimento, e de

    outras funes cognitivas, que impossibilitam o pleno desempenho social e ocupacional do

    paciente, bem como suas atividades da vida diria. A D.A. atinge o hipocampo, uma parte

    do crebro que fixa importantes cenas de nossa vida. (Bottino, 2002). A doena se

    manifesta por meio das chamadas placas senis, protenas txicas que se desenvolvem sem

    qualquer motivo aparente, dentro e em volta das clulas cerebrais, atrapalhando seu

    funcionamento normal e chegando a mat-las a longo prazo. Outra manifestao da D.A.

    a criao de miocrotbulos, um emaranhado de pequenos fios proticos que atrapalham a

    comunicao entre os neurnios. O Mal de Alzheimer impede que o crebro armazene

    fatos recentes; a pessoa lembra-se bem do passado, mas esquece por exemplo o que fez

    no mesmo dia. No inicio da enfermidade, o doente sofre porque tem conscincia das suas

    limitaes e incapacidade. Procura por vezes ocult-las, manifestando alteraes de

    temperamento e personalidade, caindo em depresso e postergando a visita ao mdico

    achando que a perda da memria faz parte do processo de envelhecer. Quando resolvem ir

  • 10 acabam constatando que j esto num estgio moderado da doena. (Falco, 29 de maro

    de 2005. Palestra de qualificao de tese) A demncia, segundo Machado (2002), pode ser definida como uma sndrome

    caracterizada pelo comprometimento de mltiplas funes corticais superiores. Entre os

    dficits cognitivos, incluem-se os da memria, do pensamento, da orientao, da

    compreenso, da linguagem, do clculo, da capacidade de aprendizagem, do pensamento

    abstrato e do julgamento. A deteriorao no necessariamente difusa nem global e o

    comprometimento das funes cognitivas usualmente acompanhado e, s vezes,

    antecedido por alteraes psicolgicas, do comprometimento e da personalidade. Em

    essncia, a Doena de Alzheimer o resultado do mal funcionamento do crebro

    provocado pela m configurao de duas protenas chamadas amiloide beta e tau.

    De acordo com o Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais - DSM-IV

    (1995), a caracterstica principal de uma demncia o desenvolvimento de mltiplos

    dficits cognitivos, que incluem comprometimento da memria e pelo menos uma das

    seguintes perturbaes: afasia, apraxia, agnosia ou uma perturbao do funcionamento

    executivo. O incio da demncia do Tipo Alzheimer gradual e envolve declnio

    cognitivo contnuo. Na maioria dos casos, uma atrofia cerebral est presente na Demncia

    do Tipo Alzheimer, com sulcos corticais mais largos e ventrculos cerebrais maiores do

    que seria de se esperar pelo processo normal de envelhecimento. (DSM-IV, 1995, pp.

    136-137)

  • 11 1.2 SINTOMAS E EVOLUO

    A Doena de Alzheimer resulta numa vagarosa, mas progressiva, deteriorao do

    funcionamento intelectual e fsico. Os sintomas so, no incio, to sutis e o seu incio to

    gradual que a pessoa portadora de D.A. e a famlia pode nem perceber que h algo errado.

    Embora o declnio fsico possa ocorrer, a doena geralmente resulta numa deteriorao

    mental muito mais rpida do que a fsica se no houver outra complicao devido a outra

    doena. Alzheimer uma doena idiossincrtica: cada experincia da pessoa portadora de

    D.A. de alguma forma diferente. Apesar disso, certos sintomas ocorrem com bastante

    freqncia para serem chamados tpicos da doena que todas as pessoas por ela acometidas

    atravessam.

    Inicialmente a pessoa portadora de D.A. apresenta perda da memria recente, enquanto

    mantm intacta a memria de longa data, e perda da linguagem, que levam ao abandono de

    passatempos como a leitura, o jogo de cartas, evoluindo at o afastamento social. Nessa

    fase ainda consegue executar atividades bsicas da vida diria, mantendo-se independente.

    Na fase moderada aumenta o comprometimento intelectual e o paciente passa a necessitar

    de assistncia para realizar tanto as atividades instrumentais como as atividades bsicas

    dirias. Paralelamente, pode ocorrer alteraes do comportamento, confuso, agitao,

    agressividade, alterao do sono. Na fase avanada o paciente geralmente fica acamado, a

    comunicao se inviabiliza e ele passa a necessitar de assistncia integral. Pode apresentar

    dificuldades de deglutio, sinais neurolgicos, incontinncia urinria e fecal. Essa fase

    marcada pela trade: Afasia (dificuldade ou perda da capacidade para ler ou compreender a

    linguagem falada, escrita ou gestual), Apraxia (incapacidade para efetuar movimentos

    voluntrios) e Agnosia (perda da capacidade para reconhecer os objetos e para que

    servem). O tempo que as pessoas portadoras de D.A. levam de um estgio para outro varia

    e duas pessoas no mesmo estgio podem ter sintomas diferentes e imprevisveis. (Dantas,

    2002)

  • 12 1.3 DIAGNSTICO E TRATAMENTO

    O diagnstico da Doena de Alzheimer (D.A.) complexo e feito por excluso de

    outras doenas com caractersticas semelhantes. Ainda no h exames capazes de detectar

    a doena com preciso, por isso, a identificao feita por meio da avaliao completa do

    paciente, o que inclui anlise clnica, avaliao neuropsicolgica, exames laboratoriais e

    ressonncia magntica do crebro, este ltimo tem como funo excluir a presena de

    outras demncias. Da a importncia de ter o acompanhamento mdico, com Geriatra ou

    Neurologista, desde o aparecimento dos primeiros sintomas. Ainda no existe tratamento

    estabelecido que determine a cura ou reverta a deteriorao causada pelo D.A., entretanto,

    o uso de medicamentos associado a estratgias de atendimento multidisciplinar apontam

    para aliviar os dficits cognitivos e as alteraes de comportamento, bem como a melhoria

    da qualidade de vida do paciente e sua famlia. sabido que quanto mais se mantiver o

    indivduo integrado famlia, menos complicaes ele vai ter e seu espao social ser

    mantido (Sade e vida on line, 2005).

    O tratamento multidisciplinar objetiva complementar o tratamento farmacolgico na

    DA e nesse contexto destacam-se: treinamento cognitivo, tcnica para melhor estruturao

    do ambiente, orientao nutricional, programas de exerccios fsicos, orientao e suporte

    psicolgico aos familiares e cuidadores.

    Sendo a perda paulatina da memria explcita a principal dificuldade na fase inicial da

    doena, a prioridade da maioria das intervenes propostas estabelecer seu uso mais

    eficiente atravs de repetio e treinamento, estratgias de aprendizagem e estratgias

    compensatrias. Para tanto so utilizados agendas, blocos de notas, cartazes, despertadores,

    entre outros, visando contornar os problemas de memria.

    A terapia de orientao da realidade tem como princpio apresentar ao paciente, de

    forma organizada e contnua, dados de realidade, criando estmulos ambientais que

    facilitem a orientao e levando o paciente a engajar-se em interaes sociais e melhorar a

    comunicao atravs do fornecimento de informao contnua, sinalizaes no ambiente,

    linguagem clara ou no verbal e treinamento de habilidades cognitivas.

    A terapia de reminiscncias, que uma variao da terapia de orientao da realidade,

    tem como objetivo estimular o resgate de informaes por meio de figuras, fotos, jogos,

    msicas e outros estmulos relacionados juventude do paciente.

    Outro tipo de interveno fundamental a realizada com as famlias, pois a qualidade

    de vida de pacientes com demncia depende daqueles que so responsveis por seu

    cuidado. O trabalho de grupo visa ajudar a famlia a lidar melhor com a sobrecarga

  • 13 emocional e ocupacional gerada pelo cuidado intensivo e dar subsdios para a famlia

    ajudar o paciente com suas dificuldades.

    Como se trata de uma doena que tem crescido de forma acelerada, os meios

    cientficos tm envidado esforos no sentido de sua preveno e tratamento a fim de que

    daqui a algumas dcadas a Doena de Alzheimer no se transforme em uma terrvel

    epidemia, situao essa incompatvel com uma ecologia social equilibrada.

  • 14 1.4 CURIOSIDADES

    A Organizao Mundial da Sade OMS e a Federao Internacional de Alzheimer

    ADI, com o objetivo de difundir informaes sobre a doena e conscientizar a sociedade e

    as famlias sobre esta enfermidade, instituram o dia 21 de setembro como o Dia Mundial

    da Doena de Alzheimer;

    A D.A. uma doena que atinge cerca de 25 milhes de pessoas em todo mundo e, no

    Brasil, cerca de um milho e duzentas mil;

    erroneamente conhecida pela populao como esclerose ou caduquice;

    Embora no seja hereditria, os parentes biolgicos em primeiro grau de indivduos

    com Demncia do Tipo Alzheimer, com incio precoce, esto mais propensos a

    desenvolver o transtorno. Os casos de incio tardio tambm podem ter um componente

    gentico. Em algumas famlias a D.A. herdada, como um trao dominante com ligao a

    vrios cromossomos, incluindo os cromossomos 14, 19 e 21. (DSM-IV, 1995);

    Pessoas portadoras de Sndrome de Down tm grande probabilidade de desenvolver a

    Doena de Alzheimer;

    Estudos levados a efeito apontam para o fato de que pessoas que ao longo da vida

    cultivam sua inteligncia, com estudos e atividades intelectuais, vo ser mais resistentes a

    perder as faculdades mentais ao chegarem aos 70-80 anos, quando as leses do Alzheimer

    se fazem presentes nos crebros. Essa atividade mental resulta numa reserva cerebral e

    cognitiva que as vai dotar de maior neuroplasticidade, ainda que a D.A. j se avizinhe.

    (Martinez Lage, 2002);

    Em 02/03/2005 foi aprovada, pela Cmara dos Deputados do Brasil, a Lei de

    Biossegurana que permite pesquisas com clulas-tronco que tornaro possvel tratar vrias

    doenas como o cncer, leso de medula espinhal, cardiopatias, reconstituio de pele,

    ossos e dentes e doenas genticas e crnico-degenerativas como Alzheimer e Parkinson

    (Correio Braziliense, 4 de maro de 2005, p. 13).

  • 15 1.5 COMO A DOENA DE ALZHEIMER ATINGE A FAMLIA

    A famlia o primeiro grupo no qual o homem est inserido, ou seja, a rede inicial de

    relaes de um indivduo, que funciona como uma matriz de identidade, dando-lhe a

    possibilidade de sentir-se pertencente a um grupo especfico e tambm de ser separado e

    ter participao em subsistemas e grupos sociais externos. Sendo assim a famlia pode ser

    entendida como um sistema, em que o todo maior que a soma das partes. Isto significa

    dizer que cada elemento da famlia participa em diversos sistemas e sub-sistemas,

    ocupando em simultneo diversos papis em diferentes contextos. O tipo de relaes que

    se desenvolve entre e no interior de cada um dos subsistemas, coincide com a estrutura da

    famlia, ou seja, com a organizao de seus elementos e respectivas funes e papis

    (quem, com quem, para fazer o qu, como, quando e onde). O ciclo vital da famlia

    caracteriza-se por cinco fases: casamento o casal assume o compromisso de ajustar-se

    mutuamente; nascimento marido e mulher assumem os papis parentais; individuao

    independncia das geraes mais jovens da famlia; partida dos filhos autonomia das

    geraes mais velhas; integrao do luto enfrentamento de perdas diversas (Relvas,

    2000).

    Ao se tratar de famlia, os conceitos de tempo e mudana devem ser revistos. Sendo a

    famlia um organismo vivo, o pulsar, a mudana, permanente, o tempo expresso no

    ritmo do dia-a-dia e das fases por que cada famlia vai passando, j a mudana indica que a

    idia de que a cada momento de transformao seguem-se momentos de estabilidade

    absoluta inaceitvel (Relvas, 2000).

    Na atualidade, a famlia possui uma significao que extrapola o tringulo pai, me e

    filhos consangneos. Para alm da concepo biolgica, pode prevalecer uma ligao

    subjetiva entre os membros, resultado das diversas composies que as famlias vivem.

    Dias (1992) aponta para o fato de que o que liga uma pessoa a outra na famlia so os laos

    de parentesco e/ou afinidade. A composio familiar depende do ponto de vista da pessoa e

    pode variar; por exemplo, quando numa famlia um amigo mora na mesma casa, este pode

    ser considerado da famlia, ao passo que a relao entre irmos consangneos pode ser

    distante e sem afeto.

    Seja qual for a configurao familiar, importante que a pessoa portadora de D.A.

    saiba qual a sua famlia uma vez que os familiares funcionam como pontos de referncia.

    Os cuidados prestados por este grupo so de extrema importncia para o enfrentamento da

    doena uma vez que o sistema fica abalado e a famlia via de regra precisar recorrer a seus

    recursos internos e externos para atuar com a doena (Dias, 1992).

  • 16 Frente situao de crise ocasionada pela doena e pelas limitaes por ela causadas a

    famlia pode apresentar trs tipos de reao: primeiro uma reao com o intuito de resgate

    de seu estado anterior. No caso das doenas crnicas e progressivas, esse estado anterior

    no pode ser resgatado exigindo que a famlia alcance uma outra identidade no processo de

    acomodar a enfermidade. O segundo tipo de reao a paralisao frente ao impacto da

    crise que proporcional importncia que o indivduo possua no equilbrio dinmico do

    sistema. O terceiro tipo quando o sistema identifica benefcios advindos da crise e se

    mobiliza para mant-la. O doente colocado como bode expiatrio, sendo o depositrio de

    todas as patologias das relaes dentro da famlia. No caso da doena crnica, tambm o

    paciente ter dificuldades em se adaptar nova realidade, com suas limitaes e perdas,

    devido ao fato de o sistema no abrir espao para que ele se coloque (Santos & Sebastiani,

    2001).

    Rolland (1998) descreve uma tipologia psicossocial que auxilia na identificao de

    respostas e reaes familiares, baseada no impacto psicolgico, s diferentes caractersticas

    e etapas da doena crnica, mencionando algumas reaes esperadas para cada fase.

    Segundo esta descrio se o incio da doena ocorrer de forma aguda vai exigir que a

    famlia se instrumentalize com mais rapidez diante da crise do que se o aparecimento for

    gradual, e tero maior facilidade as famlias que toleram estados afetivos carregados,

    utilizam recursos externos e possuem flexibilidade para troca de papis. Quando o curso

    progressivo, a doena constantemente sintomtica e as limitaes tendem a aumentar

    com severidade. A tenso vivida pela famlia crescente assim como os cuidados em

    relao ao doente. A adaptao contnua, j que as limitaes do paciente ocorrem de

    forma progressiva, podendo levar a famlia exausto. Os familiares se desgastam com os

    cuidados e necessitam de apoio para lidar com as alteraes bruscas de comportamento do

    doente provocadas pelas alteraes das funes intelectuais de base, no reconhecem a

    pessoa em que o paciente se tornou; no se habilitam emocionalmente com as alteraes

    definitivas da doena e para decidir o momento ideal de internao. Tudo isso provoca um

    abalo no sistema emocional familiar. O grau de incapacitao que a doena gera vai

    determinar o stress da famlia. O estresse sofrido vai depender do papel que esse indivduo

    tinha na famlia antes da enfermidade, de como ela tem que reorganizar as funes, os

    recursos disponveis e sua flexibilidade diante dos vrios papis de cada um. H mudanas

    nos papis, nas funes e em todo o funcionamento do sistema que, em meio ao caos,

    busca formas de adaptao. As fronteiras entre os membros tendem a se redefinir,

    mudando toda a estrutura a que a famlia est acostumada a funcionar. H uma demanda

  • 17 para que todos, num esforo contnuo, auxiliem na adaptao para busca de um novo

    funcionamento (Guterman & Levcovitz, 1998).

    Segundo reportagem da Revista Veja (9 de maro de 2005) foi constatado que em cerca

    de 2 milhes de lares brasileiros existe um adulto responsvel pelo cuidado de um parente

    idoso portador de doenas tpicas da velhice. Essa situao traz em seu bojo as dificuldades

    enfrentadas tanto em relao aos integrantes da gerao mais nova (filhos, netos e

    cnjuges) quanto em relao ao idoso. Como no sabem quanto tempo a situao perdurar

    e tampouco inicialmente como envolver os demais familiares nos cuidados necessrios, a

    pessoa que precisa assumir o cuidado fica dividida entre o sentimento de culpa por no

    poder atender os dois lados de maneira efetiva e tambm passa a se sentir usada e

    injustiada pois muitas vezes tem que abandonar suas atividades de lazer e s vezes o

    trabalho. So freqentes os desentendimentos entre os cnjuges e as cobranas dos filhos,

    que sentem suas demandas colocadas em segundo plano. Entre os vrios depoimentos

    colhidos pela reportagem est o da dentista Andra Santiago Cordeiro, 37 anos, que cuida

    do pai, Luiz Gonzaga, de 84 anos, que tem Alzheimer, e do filho, Marcelo, de 8 anos:

    Convenci meu pai a vir morar comigo h um ano e meio, quando ele comeou a se perder

    na rua. S ento percebi como ele estava doente. Foi um caos. Ele, que sempre foi amvel

    com o neto, passou a agredi-lo, e meu filho ficou apavorado, sem entender o que estava

    acontecendo. Meu pai comeou a ter cime do meu filho e passou a agir pior que criana

    para chamar minha ateno. Se me dedico mais a meu pai, meu filho quem fica

    enciumado e pergunta: Por que voc est cuidando mais dele do que de mim? Um dia

    quando meu filho crescer, ele vai entender o que est acontecendo hoje. Lamento que isso

    nunca v ocorrer com meu pai. (p. 65) complicado ter que cuidar de duas geraes,

    administrar seus prprios anseios e incumbir-se bem da tarefa de cuidar de um idoso, que

    por ser difcil, cansativa, fatalmente acarreta conflitos emocionais e sintomas

    psicossomticos tais como dores musculares, dor de cabea, insnia, problemas

    gastrointestinais e fadiga. Segundo pesquisa desenvolvida pela filial brasileira International

    Stress Management Association - Isma, as pessoas submetidas dupla responsabilidade,

    por exemplo, quando o familiar alm de trabalhar tambm se ocupa do cuidado do doente,

    encontram dificuldade para se concentrar no trabalho, apresentam alto ndice de

    absentesmo no trabalho e queda na produtividade. um problema social para o qual as

    famlias no esto preparadas, ainda mais levando-se em conta que a expectativa de vida

    daqui a vinte anos ser de 75 anos e o pas ter 30 milhes de idosos (Revista Veja de 9 de

    maro de 2005). Cabe aqui uma reflexo sobre o impacto provocado nessa rea da vida do

  • 18 cuidador: ser que o Empregador est preparado ou interessado em aceitar esse

    trabalhador, levando-se em conta a sociedade capitalista em que vivemos?

    Envelhecer um processo natural da vida que pode ser experienciada com qualidade,

    entretanto, tambm uma fase em que podem aparecer doenas caractersticas, tais como o

    Mal de Alzheimer, da a premente necessidade de uma conscientizao, de um preparo

    para enfrentar o envelhecimento, tanto no mbito individual quanto social. Estudos sobre

    as mudanas no curso da vida e relaes intergeracionais apontam que o crescimento da

    populao idosa em virtude do prolongamento da vida humana um dos fenmenos

    marcantes do sculo XX, entretanto, esse ganho coletivo traz consigo um perigo

    reproduo da vida social uma vez que o Estado no oferece condies de assumir os

    custos de aposentadorias e cobertura de planos de sade. No Brasil essa situao chega a ser catica porque aqui as famlias no contam com qualquer tipo de rede de suporte de

    sade ou social, a despeito da Poltica Nacional de Sade do Idoso, (regulamentada pela

    Portaria n 1.395, de dezembro de 1999) e da Portaria n 703/GM/2002, esta ltima criada

    para dar cobertura a um programa de assistncia a portadores de Doena de Alzheimer e

    suporte a seus familiares dentro do mbito do Sistema nico de Sade SUS. Infelizmente

    apenas a distribuio gratuita de remdios, assim mesmo de forma irregular, que

    conseguiu ser implantada, at o momento (Santos & Rifiotis, 2003). No sem razo que

    ainda perduram concepes pessimistas da velhice que apontam para a pessoa considerada

    velha, no Brasil, como uma vtima do sofrimento, discriminada, empobrecida, isolada,

    dependente da famlia ou do Estado. Entretanto, a tendncia contempornea nas sociedades

    ocidentais a inverso da representao da velhice como um processo de perdas e a

    atribuio de novos significados aos estgios mais avanados da vida, que passam a ser

    tratados como momentos privilegiados para novas conquistas, em busca do prazer. No

    Brasil os especialistas no envelhecimento, os gerontlogos, tm buscado implantar

    programas que visam ao resgate da auto-estima e integrao do idoso nos diversos

    segmentos da sociedade numa tentativa de rever os preconceitos com que vista a velhice

    em nossa sociedade (Debert, 1992).

    Outro fator preponderante a dificuldade de enfrentar a inevitabilidade da morte.

    Apesar do jargo de que a nica certeza que temos na vida a morte, todos a tememos e

    evitamos coment-la, como se ela estivesse muito distante de ns. O ato de morrer um

    ato biolgico que rege toda a nossa vida, e esse terror s existe na raa humana e apenas

    tenuemente no reino animal, na viso de Bailey (1998). Ainda sob ponto de vista da autora

    o medo da morte se baseia em: terror dos processos finais de rompimento, no ato da

  • 19 prpria morte; horror do desconhecido e do indefinvel; dvida quanto imortalidade final;

    infelicidade em deixar os entes queridos ou de ser por eles deixado; antigas reaes a

    mortes violentas, guardadas no subconsciente; apego vida da forma, e mente identificada

    com o lado formal das coisas; introjeo de ensinamentos relativos a cu e inferno,

    desagradveis para certos temperamentos.

    Um mecanismo psicolgico que muitas vezes nos protege do sofrimento, a negao

    do conhecimento de um fato que nos incomoda. Quando um diagnstico da D.A.

    apresentado, tanto a pessoa que est acometida da doena quanto seus familiares se vem

    diante de uma morte anunciada. Terminal todos ns somos, s que quem tem o diagnstico

    da D.A. fica em evidencia e sem saber quanto tempo durar o processo, podendo o

    cuidador vir a morrer antes do doente. Muitos pacientes recorrem negao da Doena de

    Alzheimer e se essa postura no os leva a recusar tratamentos necessrios, deve ser

    respeitada. Elizabet Kbler-Ross, psiquiatra sua, em seu livro Sobre a Morte e o Morrer:

    o que os doentes terminais tm para ensinar a mdicos, enfermeiros, religiosos e aos seus

    prprios parentes (2002) descreve os estgios que muitos dos pacientes percorrem desde o

    recebimento de um diagnstico maligno at a aceitao - que nem sempre acontece,

    principalmente se no dada a chance para o paciente expressar seus sentimentos. As fases

    que o paciente terminal pode percorrer so: 1) negao, 2) raiva, 3) barganha, 4) depresso

    e 5) aceitao. Ao negar a chance de falar a respeito da morte, profissionais e parentes

    muitas vezes esto evitando o confronto com a sua prpria finitude e com o fato de que

    chegar a vez de cada um se despedir da vida e daqueles que continuaro a viver. Debater

    o tema poderia ajudar a reduzir o nmero de acidentes provocados conscientemente como

    forma de reao ao diagnstico, como, por exemplo, o grande ndice de pessoas que se

    excedem em drogas (lcitas ou no) antes de dirigir, se acidenta e morre; bem como

    poderia ajudar a mudar comportamentos sexuais, provavelmente daqueles que adotam

    relaes sexuais sem usar preservativos, se expondo mais ao risco de contrarem doenas

    sexualmente transmissveis, erigiram defesas para combater a angstia de morte. Tais

    comportamentos, incompreensveis diante da quantidade de informaes de que se

    dispem hoje em dia, mostram o quanto jovens e adultos podem fantasiar que so

    inatingveis e invulnerveis, ou que - em alguns casos - escondem a crena de que so

    especialmente "protegidos" por Deus. Desta forma, comportamentos de risco que, a

    princpio, so interpretados como desejos suicidas podem, na verdade, ter por trs a crena

    de que se um indivduo especial, que se est a salvo, e cuja morte s ocorrer quando

  • 20 tiver vivido muito, e de forma suave. No entanto, nunca tarde para lembrar: ningum est

    a salvo de morrer.

    Alm da viso existencialista, focada no aqui-e-agora, uma abordagem holstica em

    psicoterapia no exclui as tradies religiosas e seus ensinamentos acerca do momento em

    que o corpo morre e a alma se liberta. E bom lembrar que cientistas j provaram que a

    matria nada mais do que energia condensada. Assim, no se pode mais negar a

    existncia de alma - sem alma, o corpo apenas um cadver... Para onde esta alma ir,

    depois de deixar a matria? O cuidado e preparo que dedicamos para quando tivermos de

    deixar esta vida, partindo em direo do que parcialmente desconhecido, decerto nos

    ajudaro - tanto a ter uma existncia mais autntica e menos temerosa, quanto tambm

    ajudaro pessoas nossa volta a lidarem melhor com a terminalidade - presente que todos

    os existentes recebemos ao nascer. Cada pessoa adoecida que chega traz suas crenas,

    herana de famlia ou de sua prpria escolha: todas devem ser acolhidas. O consultrio

    pode - e deve - ser um lugar para se falar destas dvidas, angstias e medos que todos

    temos, sem medo de ser julgado ou criticado pelo terapeuta, com uma viso diferente da

    sua (Kbler-Ross, 2002).

  • 21 1.6 A ESCOLHA DO CUIDADOR

    Quando do acometimento da Doena de Alzheimer em um de seus membros, a vida

    familiar sofre uma reviravolta que se assemelha invaso provocada por um tsunami. H

    mudanas nos papis, onde os filhos passam a cuidar dos pais, nas funes e em todo o

    funcionamento do sistema que, em meio ao caos, busca formas de adaptao. As fronteiras

    entre os membros tendem a se redefinir, mudando toda a estrutura a que a famlia est

    acostumada a funcionar. O aparecimento da doena faz com que a rotina familiar sofra

    mudanas e altere fortemente o psiquismo de sua constelao. Quase que

    inconscientemente o grupo familiar elege um membro, que se deixa colocar no lugar de

    cuidador, aquele que vai cuidar do outro que foi atingido pela doena, auxiliando-o em

    suas atividades da vida diria e que tambm vai ser alvo das dores produzidas na famlia,

    tendo que suportar as exigncias impostas pela D.A., pela famlia e por si mesmo. Essa

    escolha na maioria das vezes recai sobre um membro da famlia que j mora com o idoso,

    um familiar prximo que no incio tambm acha que essa misso naturalmente sua. O

    que ele no sabe o que o espera nem o quanto lhe ser exigido. Quem mais assume o

    papel de cuidador responsvel so as mulheres: a esposa, a filha, a irm, a sobrinha, a

    cuidadora profissional, a enfermeira.

    Com a expectativa de vida rondando os 80 anos j se fala em 4 idade e cabe aqui um

    esclarecimento sobre um dos mitos que acompanham o envelhecimento: o do abandono

    familiar na fase da velhice. Algumas estatsticas apontam para o fato de que a maior parte

    dos adultos com mais de 65 anos vivem com os familiares e que s 4% vivem em

    instituio cuja idade mdia de admisso de 80 anos. No que se refere prestao de

    cuidados 2/3 dos idosos (americanos) vivem com a famlia e por ela so tratados. Estes

    dados levantam uma questo interessante que o papel da mulher na dinmica familiar

    nesta fase. Se numa famlia existe normalmente um prestador de cuidados principal

    (ajudado ou no) a proporo de duas mulheres para cada homem, como indica Relvas

    (2000). O idoso do sexo masculino , na maior parte das vezes, tratado pela mulher, com

    65 anos ou mais, ou pelas filhas e noras com idades entre 55 60 anos. Parece haver, em

    lugar de abandono, uma alterao na questo de quem cuida de quem, resultante da

    evoluo scio-cultural e demogrfica, mas em que o papel da mulher mantm-se como

    fundamental. Essa mais uma questo cultural visto que, em nossa sociedade, a mulher,

    desde pequena, ensinada a cuidar do outro, seja atravs da observncia de um modelo

    parental, seja quando lhe imposta a responsabilidade pelo cuidado de um irmo mais

  • 22 novo. Na seqncia, medida que se desenvolve -lhe atribuda a funo de cuidar da casa,

    mais tarde do companheiro, dos filhos e netos.

  • 23 1.7 IMPACTO NA VIDA DO CUIDADOR

    O desenvolvimento de distrbios de comportamento um dos problemas que emergem

    durante a evoluo da doena. Assim, a vida do cuidador passa a ser influenciada tanto

    pelos aspectos cognitivos como comportamentais da demncia. Existem ainda os aspectos

    objetivos e subjetivos que provocam interferncia. O primeiro refere-se s dificuldades

    sociais advindas do ato de cuidar do paciente, quais sejam, rotina do lar, relaes

    familiares, relaes sociais, lazer, finanas; o segundo diz respeito ao stress fsico e mental

    sofrido pelo cuidador e demais familiares. Sentimentos de raiva, fadiga, falta de esperana,

    solido, so comuns. O desenvolvimento de quadros depressivos e ansiosos bem como a

    deteriorao das condies fsicas esto em relao direta com a presena dos transtornos

    psiquitricos apresentados pelos pacientes. A insatisfao do cuidador com a assistncia

    recebida de parentes ou amigos, as muitas horas de cuidado dirio devido a dificuldade do

    paciente em realizar tarefas rotineiras, resultam numa situao sentida como um fardo pelo

    cuidador. Em contrapartida, apesar da sobrecarga, muitos cuidadores se sentem

    gratificados com os aspectos do cuidar. Pode-se inferir que uma das razes que

    determinam essa disposio seja a firme convico de que h doenas incurveis, mas no

    h doentes intratveis. o pleno exerccio da compaixo, o sair de seu mundo particular

    para ir ao encontro do Outro, com ele sofrendo, alegrando-se, responsabilizando-se, numa

    vivncia de fraternura (Boff, 1999, p. 86). Outro motivo seria o sentimento de

    solidariedade, caracterstica humana que leva a atitudes de altrusmo, exaltada pela cultura

    crist, independente de racionalizaes que muitas vezes levam indiferena e

    paralisao frente a situaes que urgem providncias. Pode-se, ainda, aventar a hiptese

    de que o cuidado amoroso para com seu semelhante ajuda a superar a tristeza provocada

    pela constatao de seu declnio gradativo, bem como ao aprendizado de v-lo como hoje

    e no como era no passado. Essa capacidade de atualizao do sentimento inerente ao ser

    humano e conforme nos ensina Boff (1999) quando vivenciamos o fascnio do amor...

    fazemos da pessoa amada uma divindade, transformamos a dureza do trabalho numa

    prazerosa ocupao (p. 150).

    Nem todas as pessoas so talhadas para serem cuidadoras e aqueles que se vem

    compelidos a assumir tal misso muitas vezes esto procura de si no espelho do Outro,

    para alm dos valores interiorizados, ou mesmo, encontram nessa atitude uma maneira de

    ganhar ateno e considerao por parte de pessoas que por eles so supervalorizadas

    (Romero, 1994) .

  • 24 A partir do momento em que uma pessoa vtima de uma condio comportamental,

    emocional ou psicolgica decorrente de uma exposio prolongada de vivncia de uma

    srie de situaes opressivas que inviabilizam a manifestao de sentimentos e a discusso

    direta de problemas pessoais e interpessoais, est vivenciando uma relao de co-

    dependncia. natural desejar proteger e ajudar as pessoas que nos so caras; de alguma

    forma somos afetados e reagimos aos problemas dessas pessoas. O aspecto patolgico

    dessa relao transparece a partir do momento em que o problema comea a afetar-nos a

    ponto de paralisar nossas vidas, tornando-nos cronicamente preocupados, isolados,

    depressivos e at doentes fisicamente (Beattie, 1999). Por vezes o cuidador v-se preso em

    uma situao como esta e, por mais que procure sadas, no as encontra. Sem saber ao

    certo como resolver tal problemtica pode desenvolver uma srie de doenas emocionais e

    at mesmo fsicas em decorrncia do desconhecimento de algo bem simples: precisa

    aprender a cuidar de si mesmo antes de se dispor a cuidar de outrem. Em entrevista

    Revista poca (17 de janeiro de 2003) o Psiclogo Vicente Parizi descreveu o co-

    dependente como uma pessoa que se desenvolveu em uma famlia disfuncional, onde

    recebeu mensagens controversas emitidas pelos pais, como, por exemplo, estou batendo

    em voc porque o amo. A co-dependncia tambm se apresenta em adultos que, quando

    jovens, presenciaram situaes de conflito entre familiares ou eram usados por um dos pais

    para obter coisas junto ao outro. Segundo o especialista, em nossa cultura de tradio

    judaico-crist que estimula o altrusmo, o sacrifcio e a culpa em todos, existe uma enorme

    presso para que a mulher assuma papis que, se extremados, podem levar co-

    dependncia. Como j citado anteriormente, a mulher criada para ser mais doadora, mais

    maternal, e isso a deixa mais suscetvel.

    A referncia aqui feita a este tipo de comportamento reside no fato de que a co-

    dependncia psicolgica pode estar presente na relao que o cuidador mantm com a

    pessoa adoecida e que pode vir a implicar em muitos prejuzos sua vida emocional e

    psquica. A ajuda que o Psiclogo pode emprestar neste caso de extrema importncia

    pois dar um norte ao cuidador.

    Um aspecto importante a salientar quanto a questo financeira uma vez que a D.A.

    uma doena dispendiosa dada a multiplicidade de profissionais envolvidos (Geriatra,

    Neurologista, Psiquiatra, Nutricionista). A famlia, o cuidador, deve preparar-se para as

    despesas da decorrentes, inclusive procurando orientao quanto aos aspectos jurdicos da

    questo.

  • 25 1.8 ATITUDES BENFICAS PARA COM A PESSOA PORTADORA DE DOENA DE

    ALZHEIMER

    Cuidar de algum pressupe contato, proximidade, encontro, disposio para amar.

    De acordo com a Associao Portuguesa de Familiares e Amigos de Doentes de Alzheimer

    (2003) algumas atitudes podem propiciar uma melhor qualidade na relao entre o

    cuidador e a pessoa portadora de D.A., que esto descritas a seguir.

    O cuidador, no dia a dia deve procurar simplificar as atividades: ao solicitar ajuda do

    idoso deve dar instrues simples. Se o idoso ainda til nas tarefa de casa, deve pedir-lhe

    ajuda, dar-lhe tarefas simples, faz-lo sentir-se til, agradecer pela ajuda prestada. Isto

    poder elevar muito a sua auto-estima.

    Encorajar sempre o riso. O bom humor a melhor maneira de contornar a confuso e o

    mal-entendido. Evitar levar preocupaes e tristezas ao idoso. Deix-lo frustrado no ajuda

    em nada, e poder piorar seu estado geral.

    Ao mostrar e tocar objetos, retratos e quadros, o cuidador pode ajudar a estimular a

    memria e a melhorar a conversa. A msica pode ser um excelente modo de comunicao,

    ajudando o idoso a recordar sentimentos, pessoas e situaes mais antigas.

    No falar do idoso na frente de terceiros, como se ele no estivesse presente. No o

    tratar como uma criana ou que se ele estivesse doente, de modo a que o idoso se sinta

    minorado e com a dignidade e auto-estima lesadas.

    Sempre que possvel continuar com as atividades sociais de modo natural: visitar

    familiares e amigos, passear, deix-lo brincar com os netos ou outras crianas e cuidar de

    pequenas tarefas que no ofeream perigo para ele, etc. Ouvir msica, danar, cuidar dos

    animais de estimao poder ser teraputico.

    fundamental manter a rotina do idoso com demncia. Fazer as coisas em horrios

    certos e faz-las sempre na mesma seqncia ajuda o idoso a lembra-se dos seus hbitos.

    Frente agressividade, que pode manifestar-se por ameaas verbais, destruio de

    objetos prximos ou mesmo violncia fsica, o cuidador deve procurar entender que isso

    acontece porque a pessoa adoecida sente-se incapaz de realizar tarefas simples como, por

    exemplo, lavar-se e vestir-se sozinha; reconhece que est perdendo a independncia e

    privacidade e assim vive sentimentos de frustrao; porque no compreende bem o que se

    passa em redor e fica confusa; porque no consegue identificar pessoas ou lugares; porque

    ouve muito barulho ou porque um rudo sbito causou-lhe medo; porque experimenta

    angstia, ansiedade ou at alguma dor fsica e no consegue expressar-se (pode rir ao invs

    de reclamar); porque pode ter algumas alucinaes que a amedrontam.

  • 26 1.9 CUIDANDO DO CUIDADOR

    Eu gostaria de enfatizar aos incansveis acompanhantes, que eles no podem

    negligenciar suas prprias necessidades dedicando todo o seu amor aos seus seres amados.

    Os acompanhantes esto sofrendo tambm inevitavelmente, pois eles querem

    desesperadamente salvar seus parentes queridos... Infelizmente seus entes queridos no se

    recuperaro jamais... mas eles podem se recuperar (Caring, 1991).

    Muito embora a pessoa acometida pela D.A. possa muitas vezes encontrar-se em um

    estado confusional no incio da doena, esse fato no impede que perceba subjetivamente o

    nvel de estresse daquele(s) com quem se relaciona diretamente. Um olhar, uma entonao

    de voz irritada, um gesto, nada passa despercebido e influencia de forma direta em seu

    estado geral. Um primeiro pensamento perpassado de velada cobrana que pode ocorrer,

    tanto por parte dos familiares quanto da equipe mdica, : se o cuidador familiar no se

    encontra em boas condies devido ao intenso desgaste provocado pela doena, como fica

    a sade e o cuidado do idoso adoecido e dependente, uma vez que sua qualidade de vida

    est ligada diretamente qualidade de vida de seu cuidador? Naturalmente no se est

    falando aqui de exigir para alm do que o cuidador pode oferecer uma vez que a D.A.

    uma doena que atinge toda a famlia, e at j foi chamada doena da famlia. H que se

    levar em considerao a subjetividade da pessoa envolvida nesse papel e suas mltiplas

    configuraes e questionamentos. Fala-se muito da necessidade de se cuidar do cuidador,

    mas quem o faz? Ser que ele, o cuidador, se permite? Boff (1999) pontua que necessrio

    que o ser humano volte-se sobre si mesmo e descubra seu modo-de-ser-cuidado e

    acrescenta cuidar do corpo de algum, prestar ateno ao sopro que o anima (p. 142).

    Como o cuidador lida com os sentimentos de culpa que o assomam por delegar a terceiros

    parte dos cuidados a que ele se impe, pela necessidade de presentear-se com momentos de

    lazer, por admitir que quer/precisa afastar-se e ter vida prpria? E em no o fazendo, como

    se sente abrindo mo de sua vida, sentindo raiva, revolta e tristeza? Py (2004) pontua que o

    confronto com os sentimentos hostis na cena do cuidado tambm fonte de reconstruo

    de ideais, cujo destino a expanso de uma generosidade libertadora (pp. 210-211). O

    cuidador deve ser visto como mais um elo na cadeia de apoio a que est sujeita a pessoa

    adoecida, da que o ato de delegar no quer dizer sua sada de cena, mas favorecer sua

    integrao junto queles que se dispem a colaborar. Delegar obra de arte e renncia

    (Py, 2004, p. 218). A generosidade libertadora se faz presente na ruptura da dade pessoa

    acometida de D.A. cuidador, que realiza a abertura para a entrada de outros. Quanto aos

    sentimentos de raiva, frustrao, medo, desamparo, etc. destinam-se no propriamente

  • 27 pessoa adoecida mas prpria doena que, em sua marcha inexorvel, conduz morte. H

    um luto antecipado em processo frente s perdas que se vo acumulando no caminho, um

    confronto com a prpria vida, com a possibilidade de vir a adoecer, com a prpria morte

    (Py, 2004).

    Alguns aspectos psicolgicos do cuidador por lhe estar sendo exigido cuidar: o

    cuidador muito embora esteja imbudo de profundo sentimento de solidariedade, v-se

    cobrado no apenas pelos familiares, como tambm, pela equipe multidisciplinar com a

    qual tem de lidar. Independentemente da necessidade de dispensar o cuidado pessoa

    portadora de D.A. existem fatores que abalam emocionalmente como, por exemplo, o

    constrangimento de um filho tendo que executar a assepsia de sua me ou de uma filha

    frente a seu pai. O dilema se faz presente, mas, h premente uma necessidade de superao

    que faz com que esse(a) filho(a) tomado pelo amor leve a termo sua misso. Boff (1999)

    faz uma anlise do amor como fenmeno csmico e biolgico e enfatiza que quando h um

    acolhimento consciente do outro cria-se condies para que o amor se instaure como o

    mais alto valor da vida.

    A atuao junto ao cuidador deve sempre ser no sentido preventivo, da ser essencial

    fornecer-lhe todas as informaes sobre a D.A., como se manifesta, os sintomas, como se

    d a evoluo, como agir em determinadas situaes. Planejar o trabalho do cuidador

    outro fato importante, pois ele tem direito de receber ajuda dos demais familiares,

    descansar, sair de frias, receber afeto, carinho e considerao por tudo o que faz, ter

    tempo livre para cuidar de seus prprios problemas.

  • 28 1.10 GRUPOS DE APOIO

    A finalidade da interveno em grupo, para os familiares cuidadores, a de ajudar os

    membros a lidar com acontecimentos desgastantes da vida, e ajud-los a crescer e a

    evoluir, medida que vo avanando pelas vrias fases de transio da doena. (Humbach,

    M. & Apel, M., 1990). O grupo apia o cuidador a assumir a difcil tarefa de prestar

    cuidados a um familiar com Alzheimer. Esta tarefa estressante traz sobrecarga, o que pode

    diminuir as reservas do cuidador em se adaptar situao. Para alm disso, a situao da

    prestao de cuidados conduz freqentemente a uma falta de apoio social aos membros da

    famlia, ou aos amigos que no compreendem a situao do cuidador e se afastam.

    Paralelamente, o cuidador pode-se encontrar demasiado envolvido com a pessoa com

    demncia e com a prestao de cuidados, para poder ainda manter contatos sociais.

    O grupo de suporte pode ajudar o cuidador a ultrapassar as conseqncias negativas da

    assistncia e estabelecer novas vias de tratar positivamente a situao. Os membros do

    grupo esto, eles prprios, em situaes semelhantes, o que nem sempre compreendido

    por quem est de fora. Eles partilham experincia entre si, trocam conhecimentos teis e

    vivenciam experincias da vida que os ajudam a ultrapassar o stress e a sobrecarga. Estes

    interesses comuns aproximam mais os membros do grupo, e promovem a confiana e a

    abertura. Os cuidadores se beneficiam, da seguinte forma, da participao num grupo:

    O grupo fornece um ambiente protetor, onde os membros encontram aceitao e apoio,

    por parte de outras pessoas que partilham preocupaes semelhantes. Eles podem tentar

    novas vias de lidar com as situaes e desenvolver diferentes estratgias de resoluo de

    problemas.

    O grupo de suporte oferece novos contatos sociais e apoio social, ajuda os cuidadores a

    ultrapassar o isolamento, compensa-os pela perda da companhia, e expande as suas redes

    informais de apoio. Criam-se relaes que podem encorajar os membros do grupo a

    procurar mais contatos sociais fora do grupo.

    Obtm-se um alvio emocional, ao verificar que h poder de partilha com os pares, e

    que os outros passam por problemas e dificuldades semelhantes. Aprendem uns com os

    outros a encontrar apoio para a resoluo dos seus problemas crticos. Alm disso,

    reforam a auto-estima, ao constatar que tm muito para oferecer e que os seus

    conhecimentos so reconhecidos, aceitos e apreciados pelos outros.

    Os participantes podem decidir de forma independente qual o nvel pretendido de

    envolvimento com o grupo. Podem participar sua prpria medida. Os membros decidem,

  • 29 eles prprios, quais os seus limites e fronteiras e podem continuar a participar no processo

    de grupo, mesmo com escassa contribuio.

  • 30 1.11 ASPECTOS TICOS DO DIAGNSTICO PREDITIVO

    Ao se falar em tica pressupe-se a existncia de, no mnimo, duas pessoas. Ningum

    tico sozinho. Conforme ensina Guareschi (1998, p. 14) tica uma busca infinita, uma

    conscincia ntida de nossa incompletude, dever ser das relaes humanas em vista de

    nossa plena realizao.

    Como agir diante de uma situao em que constatado que a Doena de Alzheimer

    est muito freqente no histrico familiar? Sugerir, a ttulo de preveno, que os parentes

    prximos se submetam a exames, seria tico? E se constatada a positividade gentica, que

    desdobramentos poderiam advir de tal conhecimento?

    A gentica nos ltimos anos tem apresentado uma srie de desafios ticos e o

    diagnstico preditivo pode ser visto como uma particularizao destes desafios. A

    abordagem tica baseada na reflexo sobre a justificativa das aes e de suas

    conseqncias. Quais os desafios ticos da medicina preditiva? Em primeiro lugar

    preciso salientar que a ao realizada no individual, mas suas conseqncias so sociais

    ou coletivas. A interveno feita na pessoa, mas o seu resultado ter um impacto no

    apenas no indivduo mas, tambm, na sua famlia e na populao, tanto com relao a

    questes sociais como discriminao, preconceito, excluso de seguro-sade ou de vida,

    quanto conseqncias na freqncia de doenas genticas e de genes deletrios na

    populao. Assim, todo o bem que se fizer para o indivduo ter uma repercusso social, da

    mesma forma que os malefcios sero expandidos para uma esfera coletiva maior. As aes

    so realizadas no presente, mas suas conseqncias ocorrem a longo prazo e podem afetar

    indivduos que ainda no existem. As implicaes ticas deste fato fazem com que o tempo

    passe a ser considerado uma varivel tica.

    Um aspecto tico importante do diagnstico preditivo so as questes relativas a

    confidencialidade e privacidade. Neste caso, como em vrios outros envolvendo questes

    de gentica mdica, h uma dificuldade para a identificao do paciente. A maioria dos

    autores sugere que deva haver consentimento do paciente para revelao da informao

    para os familiares. Com o intuito de minimizar os problemas de revelao das informaes,

    a Declarao sobre Aspectos ticos da Gentica Mdica da Organizao Mundial da Sade

    (1998) sugere que a famlia seja considerada como paciente. Entretanto, essa

    recomendao no garante a inexistncia de conflitos de interesse. Muitas vezes o mdico

    se confronta com o dilema entre o seu dever de informar para prevenir um dano e o direito

    do indivduo de no querer saber. Um exemplo de conflito de interesse dentro da famlia

    pode ser dado no caso de gmeos monozigticos em que um deseja ser testado, para tomar

  • 31 atitudes com relao ao seu futuro enquanto o outro no deseja conhecer o seu status de

    portador ou no da mutao. Mesmo que o resultado seja dado em confiana para o gmeo

    que o deseja, suas atitudes informaro, indiretamente, o outro sobre sua situao. Podemos

    citar um caso de conflito intra-familiar gerado por um diagnstico de Doena de

    Huntington resultante da falta de esclarecimento prvio dos envolvidos. Qual deveria ter

    sido a ao adotada? A mulher e o casal de filhos de um paciente com Doena de

    Huntington em fase terminal autorizaram a confirmao do diagnstico por anlise

    molecular semanas antes da morte do paciente. Em seguida, surgiram conflitos entre os

    familiares sobre a possibilidade de eles prprios serem testados. Enquanto a viva desejava

    que todos fossem testados, incluindo os netos, o filho preferia que aquela informao

    nunca lhe tivesse sido revelada e nem comunicou o fato sua mulher. O mesmo pode

    acontecer com a Doena de Alzheimer.

    preciso ainda ressaltar que existem duas classes distintas de diagnstico preditivo: o

    de doenas monognicas, como, por exemplo, a Doena de Huntington, e o de

    predisposio gentica, como Doena de Alzheimer e alguns tipos de cncer. A questo da

    adequao tica do diagnstico preditivo, e de outros avanos da gentica, passa pela

    questo da educao. Se no houver uma educao da populao e dos profissionais de

    sade a respeito das bases genticas subjacentes s novas aplicaes corre-se o risco de

    perpetuao de concepes falsas do tipo das que creditam ao DNA a resposta a todas as

    questes. O papel das sociedades cientficas justamente o de promover essa educao, a

    qual seja talvez mais importante que a normatizao do oferecimento destes servios.

    Neste ponto, a Biotica, como campo interdisciplinar pode servir como mediador de

    diferentes conhecimentos que devem ser integrados para que se possa utilizar de maneira

    adequada as novas possibilidades diagnsticas e teraputicas oferecidas pela gentica.

    Afinal, a biotica uma parte de nossa responsabilidade simplesmente humana; deveres do

    homem para com outro homem, e de todos para com a Humanidade (Conte-Sponville,

    1997).

  • 32 1.12 OBJETIVOS

    1.12.1 OBJETIVO GERAL

    O objetivo geral desta pesquisa foi conhecer o impacto que a Doena de

    Alzheimer causa na vida dos cuidadores.

    1.12.2 OBJETIVO ESPECFICO

    O objetivo especfico foi analisar a dinmica familiar, que tipo de alteraes

    sofre, como lida com o estresse provocado pela doena.

    1.12.3 QUESTES PARA PESQUISA

    Quanto as questes para pesquisa tentou-se entender como os cuidadores

    lidam com o provvel estresse que a relao de cuidar vai provocar. Ser que os

    cuidadores modificam sua vida em funo da questo de cuidar? Que mecanismos de

    defesa aciona quando se percebe tambm adoecido em funo do diuturno ato de cuidar?

  • 33 2. METODOLOGIA

    Adotou-se o mtodo qualitativo de pesquisa devido complexidade do fenmeno

    estudado, que a inter-relao do portador da Sndrome de Alzheimer e a famlia e esta

    com os profissionais de sade, focalizando os impactos que a Sndrome traz para a vida

    dos cuidadores.

    A pesquisa qualitativa um mtodo do qual o pesquisador lana mo de ouvir o que as

    pessoas tm a dizer, explorando as suas idias e preocupaes sobre determinado assunto,

    procurando entender o contexto, observar vrios fenmenos em um pequeno grupo e

    explicar comportamentos. A compreenso da forma de vida, o registro do comportamento

    no-verbal, a incluso de informaes no esperadas, o fato de ser culturalmente

    apropriado e possuir validade so algumas das vantagens apresentadas por este

    instrumento, a quem dele resolve fazer uso. Esse tipo de pesquisa tem natureza

    exploratria visto que estimula o sujeito entrevistado a pensar livremente sobre algum

    tema ou conceito. Ele parte de questionamentos que fazem emergir aspectos subjetivos e

    atingem motivaes no explcitas, ou mesmo conscientes, de maneira espontnea.

    utilizado quando se busca percepes e entendimento sobre a natureza geral de uma

    questo, abrindo espao para a interpretao.

    Gonzlez Rey (2002) preconiza que toda pesquisa qualitativa deve implicar o

    desenvolvimento de um dilogo progressivo e organicamente constitudo, como um das

    fontes principais de produo de informao (p.56). atravs do dilogo que se criam

    climas de segurana, confiana e interesse para a formao de vnculos que iro propiciar

    o estabelecimento de nveis de conceitos da experincia que dificilmente podem ser

    acessados na vida cotidiana.

    Em seu trabalho sobre a abordagem qualitativa das relaes sociais que informam o

    campo da Sade, Minayo (2000) pontua que o envolvimento do entrevistado com o

    entrevistador pensado como condio de aprofundamento de uma relao intersubjetiva:

    Assume-se que a inter-relao no ato da entrevista contempla o afetivo, o existencial, o

    contexto do dia-a-dia... condio sine qua non do xito da pesquisa qualitativa (p.124).

  • 34 2.1 INSTRUMENTOS

    A pesquisa foi realizada atravs de entrevistas semi-diretivas j que este procedimento

    permite um conhecimento mais aprofundado da individualidade de cada sujeito e dos

    sentidos prprios de suas vivncias. Os dados empricos foram os relatos verbais dos

    sujeitos a respeito de suas vivncias como cuidadores e co-cuidadores de uma pessoa

    idosa adoecida de Alzheimer e percepes acerca dos vrios aspectos de sua realidade

    familiar e social.

    Quando do convite para participar da pesquisa foram prestadas todas as informaes

    necessrias quanto preservao de seus anonimatos, aos objetivos, contedo, durao

    das entrevistas e gravao de seus depoimentos.

    A entrevista semi-estruturada, com roteiro previamente elaborado, foi o instrumento

    utilizado para a coleta de dados. O roteiro de entrevista foi utilizado no sentido de

    possibilitar que os dados fossem coletados de forma satisfatria, contemplando o objetivo

    da pesquisa, no se configurando como um questionrio rgido, permitindo que algumas

    perguntas fossem elaboradas ou modificadas, de acordo com o contedo que estava sendo

    manifestado pelos sujeitos, que vai ao encontro com os postulados da pesquisa qualitativa

    e permite, tambm, adaptaes no mtodo. O instrumento uma ferramenta interativa...

    suscetvel de multiplicidade de usos dentro do processo investigativo, que no se limitam

    s primeiras expresses do sujeito diante dele (Gonzlez Rey, 2002, p. 80).

    De acordo com Minayo (2000), o que torna a entrevista um instrumento privilegiado

    para a coleta de informaes na pesquisa social a possibilidade de acessar condies

    estruturantes da realidade, sistemas de valores, normas e smbolos por meio do discurso

    do sujeito. Para Demo (2000) a entrevista semi-estruturada permite que o participante

    discorra sobre o tema proposto pelo pesquisador, sem respostas ou condies pr-fixadas.

    2.2 CONTEXTO

    A entrevista foi realizada em contexto domiciliar, na residncia de uma das

    cuidadoras, em horrio previamente combinado, em ambiente tranqilo, sem

    interrupes.Trata-se de famlia de classe mdia, estando presentes duas irms que

    revezam no cuidado de sua me, portadora de Doena de Alzheimer, procurando

    caracterizar-se as representaes mobilizadas em torno do cuidado ao idoso portador de

    D.A. O cuidador principal um irmo que reside em outro Estado com a me.

  • 35 2.3 MATERIAL DE COLETA DE DADOS

    O registro foi efetuado em gravador e computador. Tambm foi utilizada entrevista

    efetuada atravs da Internet, com o cuidador principal, que se encontra em outro Estado e

    impressora para registro impresso da entrevista.

    2.4 SUJEITOS

    Optou-se por entrevistar outros familiares, alm do cuidador principal, para que se

    pudesse alargar o horizonte da pesquisa restituindo a complexidade das relaes, dilemas

    e conflitos mobilizados na prtica dos cuidados. Em outros termos, foram definidos os

    papis de cuidadores, as suas responsabilidades e como estas so aceitas e rejeitadas, no

    processo de definio da atribuio da posio de cuidador na sua pluralidade, j que so

    trs filhos a se revezarem nos cuidados da me portadora de D.A.

    So trs os entrevistados, irmos, um homem e duas mulheres, sendo o homem o filho

    do meio. Designaremos os mesmos fazendo uma analogia s figuras da Mitologia Grega:

    o homem por Hades e as mulheres por Cloto e ris e incluiremos a me na metfora,

    apesar de no ter sido entrevistada, por ser a pea principal por onde o drama familiar

    rbita a quem chamaremos de Hera (Brando, 2001).

    Na Mitologia Grega Hades o herdeiro do reino dos mortos, invocado como o rico

    com referncia no apenas a seus hspedes inumerveis, mas tambm s riquezas das

    entranhas da terra. um deus prdigo, que beneficia a todos, tranqilo em sua majestade

    de deus subterrneo, sensvel e introvertido. De acordo com Brando (2001) o homem que

    possui esse arqutipo apresenta como dificuldades psicolgicas inadequao social,

    distoro da realidade, depresso e baixa auto-estima. (p. 266)

    Hades: tem 46 anos, o filho do meio, possui 3 grau com especializao, professor,

    atualmente est desempregado e sua religio esprita. Est separado e mantm um

    relacionamento h 8 anos, embora vivam em casas separadas. Mora em So Joo Del Rey,

    cidade que possui uma cultura interiorana muito forte e tradicional. o cuidador

    principal. A escolha deste nome para o entrevistado foi por analogia ao inferno grego, no

    o catlico, que ele vive, suas lutas dirias, seu controle de toda situao familiar, e pela

    proximidade com a morte.

    Cloto uma das projees das Moiras, personificao do destino individual de todos

    os homens, lei que nem mesmo os deuses podem transgredir. Na Mitologia Grega consta

    que, aps as epopias homricas, a Moira se projetou em trs Moiras: tropos, Cloto e

    Lquesis, cada qual com uma funo especfica. Cloto, a fiandeira, segura o fuso e vai

    puxando o fio da vida. Lquesis, a sorteadora: sua tarefa era enrolar o fio da vida e

  • 36 sortear o nome de quem deveria morrer (Brando, 2000, p. 231). tropos, a que no volta

    atrs, a inflexvel. Sua funo era cortar o fio da vida (Brando, 2000, pp. 230-231).

    Cloto: tem 52 anos, a filha mais velha, possui 3 grau, atualmente est

    desempregada, sua religio esprita, casada e tem um filho adolescente. Mora em

    Braslia. Conforme declarou durante a entrevista, por ser a irm mais velha, concentrava

    toda demanda familiar, era a pessoa a quem os irmos recorriam para resolver os

    problemas, antes de a me adoecer. De alguma forma tecia o fio da vida familiar.

    Considera-se a herdeira direta da doena que consome sua me, j estando, inclusive,

    apresentando alguns sintomas como esquecimentos freqentes.

    ris a ponte entre o Cu e a Terra, a mensageira dos deuses. Comumente

    representada com asas e coberta com um vu ligeiro que, ao contato com os raios do sol,

    toma as cores do arco-ris.

    ris: tem 41 anos, a filha mais nova, possui 3 grau, funcionria pblica, sua

    religio esprita, est separada e tem uma filha. A filha a mais informada sobre a D.A.,

    participa das reunies de um Grupo de Apoio em Braslia e retransmite aos irmos todas

    as informaes a que tem acesso. Possui um discurso no-fatalista, bem diferente do de

    Cloto. Por ser a irm mais nova luta constantemente contra o controle que os demais

    irmos tentam exercer sobre sua pessoa.

    Hera significa a protetora das esposas, a guardi do amor legtimo. Sua unio com

    Zeus, pai dos deuses e dos homens, simboliza a natureza inteira: o calor do sol, a chuva, a

    terra e a vegetao. Hera personifica certos atributos morais, como o poder, a justia, a

    bondade.

    Hera: tem 83 anos, me de Hades, Cloto e ris, est adoecida de Doena de Alzheimer

    h cinco anos, possui 2 grau completo, sua religio catlica. Mora com o marido e o

    filho do meio em So Joo Del Rey. Segundo informaes de Cloto sempre foi uma

    mulher forte e conseguiu manter a unio da famlia apesar das aventuras amorosas do

    marido, quando jovem. Com o passar dos anos ambos se tornaram cada vez mais unidos e,

    no entender das filhas, quando ela vier a falecer o pai no vai agentar muito tempo a dor

    da separao.

  • 37 3. ANLISE DOS DADOS

    A partir de uma anlise hermenutica-dialtica (Minayo, 2000) dos relatos verbais dos

    sujeitos entrevistados, na qual todas as teorias e questes de pesquisa foram colocadas em

    colaborao ao processo de interpretao das expresses dos sujeitos, e levados em

    considerao o contexto scio-histrico, a comunicao, os afetos, o comportamento,

    buscou-se apreender os significados implcitos em suas verbalizaes, atravs de um

    processo interpretativo, definindo o que cada sujeito pretendeu, efetivamente, dizer com

    suas narrativas e com o comportamento no verbal. Minayo (2000) buscou na

    hermenutica-dialtica, ou seja, na compreenso do sentido que se d na comunicao

    entre os seres humanos, a dialtica, uma via de encontro entre as cincias sociais e a

    filosofia, por entender, citando Luckcs (1967), que nossos conhecimentos so apenas

    aproximao da plenitude da realidade, e por isso mesmo so sempre relativos; na medida,

    entretanto, em que representam a aproximao efetiva da realidade objetiva... so sempre

    absolutos (p. 233).

    Ao iniciar a anlise das entrevistas apresentou-se-nos ntida a diferena entre uma

    entrevista realizada atravs de um veculo eletrnico e outra realizada pessoalmente, com

    observao participativa, onde as emoes, os gestos, a entonao da voz, todo e qualquer

    comportamento, so registrados pelo entrevistador. medida que so transcritos esses

    dados percebe-se a emoo que perpassa a cada momento da entrevista. A ao

    participante conseqente ao olhar que ensina um pensar generoso que, entrando em si,

    sai de si pelo pensamento de outrem que o apanha e o prossegue (Chau, 1988, p. 61). O

    tom impessoal da entrevista eletrnica, inegavelmente refletida, permeada pelo censor

    social, em muito perde em termos de espontaneidade, fornecendo poucos dados a respeito

    dos quais se possa inferir sobre a subjetividade do entrevistado. Ao contrrio, na entrevista

    ao vivo, no aqui e agora, possvel constatar fenmenos e comportamentos totalmente

    imprevistos uma vez que estabelecido um dilogo entre iguais e em que os processos

    subjetivos, tanto de entrevistador quanto de entrevistado, vo sendo construdos

    gradualmente, sendo uma parte inseparvel de suas expresses.

    A escolha da entrevista e o nvel de envolvimento emocional entre o entrevistador e o

    entrevistado so fatores importantes, de acordo com a metodologia qualitativa, na

    produo de conhecimentos e na qualidade das informaes obtidas. A postura da

    entrevistadora foi essencialmente fenomenolgica, uma vez que no momento das

    entrevistas todos os pressupostos tericos e todas as hipteses foram colocadas em

  • 38 suspenso, para que estas no interferissem na revelao dos significados implcitos nas

    verbalizaes dos entrevistados.

    Foram detectados os seguintes impactos na vida dos cuidadores:

    3.1 IMPACTO NA VIDA COTIDIANA/QUEBRA DE PADRO MACHISTA:

    Inicialmente, causou grata surpresa o fato de um filho dedicar-se diuturnamente ao

    cuidado de sua me, portadora de D.A., confirmando o discurso de Goldani (2000) sobre

    os novos contratos intergeracionais e de gnero da poca atual, em que, apesar de a

    mulher ser a protagonista do cuidado aos pais e parentes idosos, a emergncia dos novos

    valores de gnero traz a proposta de eqidade para a responsabilidade de homens e

    mulheres no cuidado com os idosos dependentes:

    ... Alm de ter perdido o emprego, no posso procurar emprego fora de

    minha cidade ou Estado, devido a ter quer controlar tudo em casa e

    cuidar de minha me... Os banhos tiveram que ser acompanhados... A

    alimentao teve de ser dada na mo... (Hades)

    ... assumiu o papel de cuidador de toda dinmica da casa e remdios ...

    Sobrecarregado, devido ao emprego que possua e despreparado (Hades)

    Hades fala de si como se estivesse falando de outra pessoa; seria um personagem que

    ele representa, o cuidador, o mantenedor da famlia, o lder? uma figura no assimilada

    de cuidador, o Outro, ou fala assim para o afastamento do contedo emocional implcito e

    auto desqualificao? A falta de um nmero maior de dados impede uma interpretao

    mais aprofundada.

    Embora Hades no se queixe, percebe-se a angstia de quem est vivendo dupla

    perda: a do emprego, que um dos fatores de segurana do ser humano, garantia de sua

    sobrevivncia, e a vida da me, para a doena. Segundo a Mitologia Grega Hades

    simboliza o deus do mundo subterrneo, o que recebe as almas quando morrem. A vida de

    Hades transformou-se num inferno em que ele convive com a doena, idas e vindas de

    hospital e a iminncia da morte.

    A constatao de que o que agrava a condio das famlias o fato de esses idosos

    requererem cuidados integrais, dirios, bem diferente de outras situaes de dependncia na

    velhice, em que o idoso preserva a autonomia e em que a dependncia funcional no to

    acentuada (Santos & Rifiotis, 2003).

    Houve um acmulo de preocupaes devido ao trabalho como professor,

    que era extremamente duro e desgastante. A ateno que nossa me

    passou a necessitar aumentou. Os banhos tiveram que ser acompanhados,

  • 39

    j que ela no se dava conta de que devia tom-los. A alimentao teve de

    ser dada na mo, j que ela, tambm, no se dava conta de que deveria se

    alimentar (Hades)

    Segundo a literatura especializada a escolha do cuidador est intimamente ligada

    proximidade fsica, ou seja, pessoa da famlia que est mais prxima do doente, que em

    geral mora junto. Esta proximidade fsica est ligada a relaes de parentesco e, mais

    especificamente, a uma proximidade afetiva, destacadamente conjugal ou filial. No caso em

    estudo, foi curioso notar as formas diferentes de vivenciar a situao. Pelo exposto parece

    que foi por falta de opo que o cuidador principal assumiu resignadamente o encargo.

    Percebe-se que o cuidador surge na medida que um dos membros da famlia vai se

    comprometendo cada vez mais com o processo de cuidar do idoso e o outro ou outros se

    desvencilham dele.

    ...assumiu o papel de cuidador de toda a dinmica da casa e remdios...

    Lidei normalmente, sendo que minha religio foi fundamental para a

    aceitao e entendimento do que ocorria (Hades)

    No teve escolha. Porque todos ns samos. E s tem ele, o nico que

    nunca quis sair de l, ento ele ficou como cuidador (Cloto e ris)

    3.2 IMPACTO EMOCIONAL-AFETIVO:

    Atravs da anlise das entrevistas foram percebidos alguns contedos e impactos,

    detectados nas falas dos familiares, entre as quais a negao de sentimentos como raiva,

    que levou reflexo se no seria um indicativo de forte represso emocional. Nessa

    famlia, segundo informaes colhidas aps as entrevistas, os filhos foram ensinados, pela

    me, a no sentir raiva:

    Raiva? No, a mame nos ensinou a no sentir raiva (Cloto)

    Um sentimento de remorso... por no ter forado mame a procurar um

    mdico. Raiva, jamais (Hades)

    Acho que todos os sentimentos: raiva, frustrao, tristeza, decepo, vem

    tudo junto (ris)

    O fato de ter que cuidar da me diuturnamente, impediu a procura de emprego em outra

    cidade ou Estado; houve uma quebra de expectativa nos planos e projetos de vida de Hades.

    Com base na Anlise Transacional (Berne, 1988) pode-se inferir que Hades transita entre

    os papis de Salvador Fracassado, Perseguidor e Vtima; traz como preceito parental:

    Trabalhe duro e ajude as pessoas; injuno parental: No progrida; carcias: Sou uma

    pessoa legal; desqualificao: Mesmo que precise anular-me; jogo: S estou tentando

  • 40 ajudar; deciso: Vou me anular para que voc viva; parece possuir um script no-

    ganhador cujo lema : Voc no pode progredir at que eles precisem de voc outra vez e

    baseia-se no plano: Depois de que tem sua origem na Mitologia Grega, com Dmocles, a

    quem foi permitido usufruir da felicidade de ser rei at que um dia percebeu a existncia de

    uma espada por sobre sua cabea, suspensa por um nico fio de crina de cavalo. No caso de

    Hades, parece que ele est esperando a morte de sua me, depois de, para que possa, sem

    peso na conscincia, voltar a ter uma vida normal, correr atrs de seus sonhos, procurar

    outro emprego.

    A fim de tornar clara a compreenso dos termos utilizados acima sero descritos seus

    significados, de acordo com a Anlise Transacional:

    Salvador Fracassado, Perseguidor e Vtima: os trs papis do Tringulo Dramtico de

    jogos psicolgicos que entram em ao. So manipulativos ou falsos, podendo deixar de

    ser utilizados mediante uma deciso do Adulto (Crema, 1988, p. 75).

    Preceito parental: uma programao efetuada pelos pais frente a criana e que determina

    a maneira como ela reage frente s situaes da vida; quando e como os impulsos so

    expressos e como e quando as restries so impostas (Berne, 1988).

    Injuno parental: proibies transmitidas pelos pais que vm imbudas de uma sada

    aceitvel.

    Carcias: estmulos intencionalmente dirigidos de um ser vivo a outro, com possibilidade

    de comunicao e acompanhados de um componente emocional.

    Desqualificao: uma resposta no pertinente que tem por funo bsica o no

    reconhecimento da existncia do outro.

    Jogo: uma srie de transaes com uma armadilha, tendo um resultado previsvel, que

    implica em desonestidade, substituindo relaes honestas, diretas e ntimas.

    Deciso de script: posio que a criana adota baseada no que ouve, l e seleciona de uma

    predio, para vir a ser um vencedor ou um perdedor.

    Script: um plano de vida no consciente continuado, formado na primeira infncia sob

    presso parental, planejado para durar toda uma vida. a fora psicolgica que

    impulsiona a pessoa em direo ao seu destino.

    3.3 IMPACTO AO CONFRONTAR-SE COM A MORTE:

    V-se aqui, tambm, que a dependncia da me recria a dependncia do filho. Ambos

    se prendem numa interdependncia, nos caminhos que levam a uma morte anunciada.

    Conforme citado no decorrer deste trabalho, Kbler-Ross (2002) aponta para a necessidade

  • 41 do ser humano enfrentar o medo de confrontar-se com a prpria finitude, e que falar a

    respeito da morte uma das formas para que esse estgio seja alcanado.

    ...ver algum que a gente ama, se definhar e nada podermos fazer para

    minorar o estado... (Hades)

    ...essa uma fase terminal, se prepara. uma fase terminal do doente

    de Alzheime. (ris)

    Eu falei pra ele: a mame morrendo eu trago voc pra c (ris)

    Constata-se o sentimento de impotncia frente a doena e frente a morte, como tambm

    a promessa de cuidar aps a morte da me, como uma compensao.

    3.4 IMPACTO NA RELIGIOSIDADE:

    Outra constatao foi uma postura projetiva denotando a dificuldade em identificar o

    que seu e atribuindo a outros, neste caso a Deus, a responsabilidade pelos prprios

    fracassos.

    Eu j briguei com Deus. Eu falei: por que que as duas nicas filhas

    mulheres dela vieram pra c e deixaram ela sozinha? Voc se sente

    frustrada, muito frustrada (Cloto)

    J chorei, j fiquei muito triste por estar aqui. Por que que Deus me

    mandou? Por que que fui escolher uma cidade to longe para morar?

    (ris)

    ... Alm de ter perdido o emprego, no posso procurar emprego fora de

    minha cidade ou Estado, devido a ter quer controlar tudo em casa e

    cuidar de minha me... Os banhos tiveram que ser acompanhados... A

    alimentao teve de ser dada na mo... (Hades)

  • 42 3.5 IMPACTO DA FALTA DE INFORMAO:

    A falta de informaes sobre a D.A. - como