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ψϕχ abc ψ ϕ ψ + ϕ ψ + ϕ = ϕ + ψ (ψ + ϕ)+ χ = ψ +(ϕ + χ)

[2011] Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

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Ferramentas Matemáticas da Mecânica Quântica

Quantum Mechanics � Concepts and Applications, cap. 3

Nouredini Zetilli

15 de novembro de 2011

1 Introdução

Lidamos aqui com o maquinário matemático necessário ao estudo da mecânica quântica.Embora este capítulo seja de escopo matemático, nenhuma tentativa de ser matematicamentecompleto e rigoroso é feita. Nos limitamos àquelas questões práticas que são relevantes aoformalismo da mecânica quântica.

A equação de Schrödinger é uma das pedras angulares da teoria da mecânica quântica;ela tem a estrutura de uma equação linear. O formalismo da mecânica quântica lida comoperadores que são lineares e funções de onda que pertencem a um espaço abstrato de Hilbert.As propriedades matemáticas e a estrutura dos espaços de Hilbert são essenciais para umadevida compreensão do formalismo da mecânica quântica. Por isso, revisaremos brevementeas propriedades dos espaços de Hilbert e desses operadores lineares. Depois consideraremos anotação bra-ket de Dirac.

A mecânica quântica foi formulada de dois modos diferentes por Schrödinger e Heisenberg.A mecânica ondulatória de Schrödinger e a mecânica matricial de Heisenberg são as represen-tações do formalismo geral da mecânica quântica em sistemas de bases contínuas e discretas,respectivamente. Por isso, também examinaremos a matemática envolvida na representaçãode kets, bras, bra-kets e operadores em bases discretas e contínuas.

2 O Espaço de Hilbert e as Funções de Onda

2.1 O Espaço Vetorial Linear

Um espaço vetorial linear consiste de dois conjuntos de elementos e duas regras algébricas:

• um conjunto de vetores ψ, ϕ, χ, . . . , e um conjunto de escalares a, b, c;

• uma regra para a adição vetorial e uma regra para a multiplicação escalar.

(a) Regra da Adição: a regra da adição tem as propriedades e a estrutura de um grupoabeliano:

• Se ψ e ϕ são vetores (elementos) de um espaço, sua soma, ψ + ϕ, é também um vetordo mesmo espaço.

• Comutatividade: ψ + ϕ = ϕ+ ψ.

• Associatividade: (ψ + ϕ) + χ = ψ + (ϕ+ χ).

1

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• Elemento neutro (ou vetor nulo): para cada vetor ψ, deve existir um vetor O, do mesmoespaço, tal que: O + ψ = ψ +O = ψ.

• Elemento simétrico (ou vetor inverso): para cada vetor ψ, deve existir um vetor simétrico(−ψ), do mesmo espaço, tal que: ψ + (−ψ) = (−ψ) + ψ = O.

(b) Regra da Multiplicação: a multiplicação de vetores por escalares1 tem as seguintespropriedades:

• O produto de um escalar por um vetor dá um outro vetor. Em geral, se ψ e ϕ são doisvetores do espaço, qualquer combinação linear aψ + bϕ é também um vetor do espaço,sendo a e b escalares.

• Distributividade com relação à adição:

a (ψ + ϕ) = aψ + aϕ , (a+ b)ψ = aψ + bψ . (1)

• Associatividade com relação à multiplicação de escalares:

a (bψ) = (ab)ψ . (2)

• Para cada elemento ψ deve existir um escalar unitário I e um escalar nulo �o�, tais que:

Iψ = ψI = ψ e oψ = ψo = o . (3)

2.2 O Espaço de Hilbert

Um espaço de Hilbert H consiste de um conjunto de vetores ψ, ϕ, χ, . . . , e um conjuntode escalares a, b, c, os quais satisfazem às seguintes quatro propriedades:

(a) H é um espaço linear.

As propriedades de um espaço linear foram consideradas na seção anterior.

(b) H tem um produto escalar de�nido que é estritamente positivo.

O produto escalar de um elemento ψ por outro elemento ϕ é, em geral, um númerocomplexo, denotado por (ψ, ϕ), onde (ψ, ϕ) = número complexo. Nota: cuidado com aordem! Como o produto escalar é um número complexo, a quantidade (ψ, ϕ) geralmentenão é igual a (ϕ, ψ): (ψ, ϕ) = ψ∗ϕ, enquanto que (ϕ, ψ) = ϕ∗ψ. O produto escalarsatisfaz às seguintes propriedades:

� O produto escalar de ψ e ϕ é igual ao complexo conjugado do produto escalar deϕ e ψ:

(ψ, ϕ) = (ϕ, ψ)∗ . (4)

� O produto escalar de ψ e ϕ é linear com relação ao segundo fator se ϕ = aϕ2+ bϕ2:

(ψ, aϕ2 + bϕ2) = a (ψ, ϕ1) + b (ψ, ϕ2) , (5)

e anti-linear com relação ao primeiro fator se ψ = aψ2 + bψ2:

(aψ1 + bψ2, ϕ) = a∗ (ψ1, ϕ) + b∗ (ψ2, ϕ) . (6)

1Escalares podem ser números reais ou complexos

2

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� O produto escalar de um vetor ψ por ele mesmo é um número real positivo:

(ψ,ψ) = ∥ψ∥2 ≥ 0 , (7)

onde a igualdade vale apenas para ψ = O.

(c) H é separável.

Existe uma sequência de Cauchy ψn ∈ H (n = 1, 2, . . .) tal que para cada ψ de H e ε > 0,existe pelo menos um ψn da sequência para o qual

∥ψ − ψn∥ < ε . (8)

(d) H é completo.

Toda sequência de Cauchy ψn ∈ H converge para um elemento de H. Isto é, paraqualquer ψn, a relação

limn,m→∞

∥ψn − ψm∥ = 0 (9)

de�ne um único elemento ψ de H tal que

limn→∞

∥ψ − ψn∥ = 0 . (10)

Nota: Deve-se perceber que em um produto escalar (ψ, ϕ), o segundo fator, ϕ, pertence aoespaço de Hilbert H, enquanto o primeiro fator, ψ, pertence a seu espaço dual de Hilbert Hd.A distinção entre H e Hd é devida ao fato de que, como mencionado acima, o produto escalarnão é comutativo: (ψ, ϕ) = (ϕ, ψ); a ordem importa! Da álgebra linear, sabemos que todoespaço vetorial pode ser associado com um espaço vetorial dual.

2.3 Dimensão e Base de um Espaço Vetorial

Um conjunto de N vetores não-nulos ϕ1, ϕ2, . . . , ϕN é dito ser linearmente independente

(LI) se, e somente se, a solução da equação

N∑i=1

aiϕi = 0 (11)

é a1 = a2 = . . . = aN = 0. Mas se existir um conjunto de escalares, nem todos nulos, tal queum dos vetores (digamos, ϕn) possa ser expresso como uma combinação linear dos outros,

ϕn =

n−1∑i=1

aiϕi +

N∑i=n+1

aiϕi , (12)

então o conjunto {ϕi} é dito ser linearmente dependente (LD).

Dimensão: A dimensão de um espaço vetorial é dada pelo número máximo de vetores LIque o espaço pode ter. Por exemplo, se o número máximo de vetores LI que um espaço temé N (isto é, ϕ1, ϕ2, . . . , ϕN ), esse espaço é dito ser N -dimensional. Nesse espaço vetorialN -dimensional, qualquer vetor ψ pode ser expresso como uma combinação linear:

ψ =

N∑i=1

aiϕi . (13)

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Base: A base de um espaço vetorial consiste de um conjunto contendo o máximo númeropossível de vetores LI pertencentes àquele espaço. O conjunto de vetores ϕ1, ϕ2, . . . , ϕN , de-notado abreviadamente por {ϕi}, é chamado de base do espaço vetorial, enquanto os vetoresϕ1, ϕ2, . . . , ϕN são chamados de vetores da base. Embora o conjunto desses vetores LI sejaarbitrário, é conveniente escolhê-lhos como sendo ortonormais, isto é, com produto escalarsatisfazendo à relação (ϕj , ϕj) = δij , onde δij = 1 se i = j, e δij = 0 se i = j. A base é ditaser ortonormal se consistir de um conjunto de vetores ortonormais. Além disso, a base é ditaser completa se gera o espaço inteiro, isto é, se não há necessidade de se introduzir qualquervetor de base adicional. Os coe�cientes ai na expansão (13) são chamados de componentes dovetor ψ com relação à base. Cada componente é dada pelo produto escalar de ψ pelo vetorde base correspondente2, aj = (ϕj , ψ).

Exemplos de espaços vetoriais lineares: Vamos dar dois exemplos de espaços linearesque são espaços de Hilbert: um tendo um conjunto �nito (discreto) de vetores de base, o outrotendo uma base in�nita (contínua).

• Espaço vetorial Euclideano tridimensional: a base deste espaço consiste de trêsvetores LI, geralmente denotados por i, j e k. Qualquer vetor do espaço Euclideano podeser escrito em termos dos vetores da base como A = a1i+a2j+a3k, onde a1, a2 e a3 sãoos componentes de A nessa base, e cada componente pode ser determinada tomando-seo produto escalar de A pelo vetor de base correspondente: a1 = i · A, a2 = j · A ea3 = k · A. Note-se que o produto escalar no espaço Euclideano é real e, portanto,simétrico. A norma nesse espaço é o comprimento usual de vetores: ∥A∥ = A. Note-setambém que sempre que a1i + a2j + a3k = 0, temos a1 = a2 = a3 = 0, e nenhum dosvetores unitários i, j, k pode ser expresso como combinação linear dos outros dois.

• Espaço vetorial das funções complexas inteiras ψ(x): a dimensão desse espaço éin�nita, pois ele tem um número in�nito de vetores de base LI.

2.4 Funções Quadrado-Integráveis: Funções de Onda

No caso de espaços de funções, um �vetor� é dado por uma função complexa e o produto

escalar é dado por integrais. Ou seja, o produto escalar de duas funções ψ(x) e ϕ(x) é dadopor

(ψ, ϕ) =

∫ψ∗(x)ϕ(x) dx . (14)

Se essa integral diverge, o produto escalar não existe. Resulta que se quisermos que o espaçode funções tenha um produto escalar, devemos selecionar apenas aquelas funções para as quais(ψ, ϕ) seja �nito. Em particular, uma função ψ(x) é dita ser quadrado-integrável se o produtoescalar de ψ consigo mesma,

(ψ,ψ) =

∫|ψ(x)|2 dx , (15)

for �nito.

2

(ϕj , ψ) =

(ϕj ,

N∑i=1

aiϕi

)=

n∑i=1

ai (ϕj , ϕi) =

n∑i=1

aiδij = aj .

4

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É fácil veri�car que o espaço das funções quadrado-integráveis possui as propriedades de umespaço de Hilbert. Por exemplo, qualquer combinação linear de funções quadrado-integráveisé também uma função quadrado-integrável e (14) satisfaz a todas as propriedades do produtoescalar de um espaço de Hilbert.

Note que a dimensão do espaço de Hilbert das funções quadrado-integráveis é in�nito, jáque cada função de onda pode ser expandida em termos de um número in�nito de funções LI.A dimensão de um espaço é dada pelo número máximo de vetores de base LI necessários paragerar aquele espaço.

Um bom exemplo de função quadrado-integrável é a função de onda da mecânica quân-tica, denotada por ψ(r, t). De acordo com a interpretação probabilística de ψ(r, t), dada porMax Born, a quantidade |ψ(r, t)|2 d3r representa a probabilidade de encontrar, no tempo t, apartícula em um volume d3r, centrado no ponto r. A probabilidade de encontrar a partículaem algum lugar do espaço deve ser igual a 1:∫

|ψ(r, t)|2 d3r =∫ +∞

−∞

∫ +∞

−∞

∫ +∞

−∞|ψ(r, t)|2 dx dy dz = 1 . (16)

Portanto, as funções de onda da mecânica quântica são quadrado-integráveis. Funções deonda que satisfazem a (16)

3 Notação de Dirac

O estado físico de um sistema é representado na mecânica quântica por elementos de umespaço de Hilbert; esses elementos são chamados de vetores de estado. Podemos representaros vetores de estado em diferentes bases por meio de expansões de funções. Isto é análogo aespeci�car um vetor ordinário (Euclideano) por suas componentes em vários sistemas de coor-denadas. Por exemplo, podemos representar equivalentemente um vetor por suas componentesnum sistema de coordenadas cartesianas, num sistema de coordenadas esféricas, ou num sis-tema de coordenadas cilíndricas. O signi�cado de um vetor, obviamente, é independente do

sistema de coordenadas escolhido para representar suas componentes. Similarmente, o estadode um sistema microscópico tem um signi�cado independente da base na qual é expandido.

Dirac introduziu uma notação para vetores de estado extremamente valiosa na mecânicaquântica; ela permite manipular o formalismo da mecânica quântica com facilidade e clareza.Ele introduziu os conceitos de bras, kets e bra-kets, que serão explicados abaixo.

Kets: elementos de um espaço vetorialDirac denotou o vetor de estado ψ pelo símbolo |ψ⟩, que denominou de um vetor ket, ou, sim-plesmente, um ket. Os kets pertencem ao espaço (vetorial) de Hilbert H, ou, abreviadamente,ao espaço ket.

Bras: elementos de um espaço dualComo mencionado anteriormente, sabemos da álgebra linear que um espaço dual pode serassociado a cada espaço vetorial. Dirac denotou os elementos de um espaço dual pelo símbolo⟨ |, que ele denominou de vetor bra, ou simplesmente bra. Por exemplo, o elemento ⟨ψ| re-presenta um bra. Para cada ket |ψ⟩ existe um único bra ⟨ψ| e vice-versa. Enquanto os ketspertencem ao espaço de Hilbert H, os correspondentes bras pertencem a seu espaço dual de

5

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Hilbert Hd.

Bra-ket: notação de Dirac para o produto escalarDirac denotou o produto escalar (ou interno) pelo símbolo ⟨|⟩, que é chamado de bra-ket. Porexemplo, o produto escalar (ϕ, ψ) é denotado pelo bra-ket ⟨ϕ|ψ⟩:

(ϕ, ψ)→ ⟨ϕ|ψ⟩ . (17)

Nota: Quando um ket (bra) é multiplicado por um número complexo, também obtemos umket (bra).

Na mecânica quântica lidamos com funções de onda ψ(r, t), mas no formalismo mais geralda mecânica quântica lidamos com kets abstratos |ψ⟩. Funções de onda, assim como kets, sãoelementos de um espaço de Hilbert. Deve-se notar que, assim como uma função de onda, umket representa completamente o sistema, e portanto conhecer |ψ⟩ signi�ca conhecer todas assuas amplitudes em todas as possíveis representações. Como foi dito, kets são independentes dequalquer representação particular. Não há razão para particularizar uma base de representaçãotal como se faz no espaço de posição. Obviamente, se quisermos saber a probabilidade deencontrar a partícula em alguma posição no espaço, precisamos desenvolver o formalismodentro da representação de coordenadas. O vetor de estado dessa partícula no tempo t serádado pela função de onda espacial ⟨r, t|ψ⟩ = ψ(r, t). Na representação de coordenadas, oproduto escalar ⟨ϕ|ψ⟩ é dado por

⟨ϕ|ψ⟩ =∫ϕ∗(r, t)ψ(r, t) d3r . (18)

Similarmente, se estivermos considerando o momento tridimensional de uma partícula, o ket|ψ⟩ terá que ser expresso no espaço de momento. Nesse caso, o estado da partícula será des-crito por uma função de onda ψ(p, t), onde p é o momento da partícula.

Propriedades de kets, bras e bra-kets

• Todo ket tem um bra correspondente

A cada ket |ψ⟩ corresponde um único bra ⟨ψ| e vice-versa:

|ψ⟩ ←→ ⟨ψ| . (19)

Existe uma correspondência um-a-um entre bras e kets:

a|ψ⟩+ b|ϕ⟩ ←→ a∗⟨ψ|+ b∗⟨ϕ| , (20)

onde a e b são números complexos. A notação a seguir é bastante comum:

|aψ⟩ = a|ψ⟩ , ⟨aψ| = a∗⟨ψ| . (21)

• Propriedades do produto escalar

Como na mecânica quântica o produto escalar é um número complexo, a ordem importamuito. Devemos distinguir com cuidado um produto escalar de seu complexo conjugado;⟨ψ|ϕ⟩ não é a mesma coisa que ⟨ϕ|ψ⟩:

⟨ϕ|ψ⟩∗ = ⟨ψ|ϕ⟩ . (22)

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Esta propriedade se torna clara se a aplicarmos em (14):

⟨ϕ|ψ⟩∗ =(∫

ϕ∗(r, t)ψ(r, t) d3r

)∗=

∫ψ∗(r, t)ϕ(r, t) d3r = ⟨ψ|ϕ⟩ . (23)

Se |ψ⟩ e |ϕ⟩ fossem reais, teríamos ⟨ψ|ϕ⟩ = ⟨ϕ|ψ⟩. Vamos listar agora algumas proprie-dades adicionais do produto escalar:

⟨ϕ|a1ψ1 + a2ψ2⟩ = a1⟨ϕ|ψ1⟩+ a2⟨ϕ|ψ2⟩ , (24)

⟨a1ϕ1 + a2ϕ2|ψ⟩ = a∗1⟨ϕ1|ψ⟩+ a∗2⟨ϕ2|ψ⟩ , (25)

⟨a1ϕ1 + a2ϕ2|b1ψ1 + b2ψ2⟩ = a∗1b1⟨ϕ1|ψ1⟩+ a∗1b2⟨ϕ1|ψ2⟩

+ a∗2b1⟨ϕ2|ψ1⟩+ a∗2b2⟨ϕ2|ψ2⟩ . (26)

• A norma é real e positiva

Para qualquer vetor de estado |ψ⟩ do espaço de Hilbert H, a norma é real e positiva;⟨ψ|ψ⟩ é igual a zero apenas quando |ψ⟩ = O, onde O é o vetor nulo. Se o estado |ψ⟩ énormalizado, então ⟨ψ|ψ⟩ = 1.

• Desigualdade de SchwarzPara quaisquer dois estados |ψ⟩ e |ϕ⟩ do espaço de Hilbert, pode-se mostrar que

|⟨ψ|ϕ⟩|2 ≤ ⟨ψ|ψ⟩⟨ϕ|ϕ⟩ . (27)

Se |ψ⟩ e |ϕ⟩ forem linearmente dependentes (isto é, proporcionais: |ψ⟩ = α|ϕ⟩, onde αé um escalar), essa relação se torna uma igualdade. A desigualdade de Schwarz (27) éanáloga à seguinte relação do espaço real Euclideano:

|A ·B|2 ≤ |A|2 |B|2 . (28)

• Desigualdade triangular

√⟨ψ + ϕ|ψ + ϕ⟩ ≤

√⟨ψ|ψ⟩+

√⟨ϕ|ϕ⟩ . (29)

Se |ψ⟩ e |ϕ⟩ forem linearmente dependentes (isto é, proporcionais: |ψ⟩ = α|ϕ⟩, onde αé um escalar), a desigualdade triangular se torna uma igualdade. Sua contrapartida é aseguinte desigualdade no espaço real Euclideano: |A+A| ≤ |B|+ |B|.

• Estados ortogonaisDois kets |ψ⟩ e |ϕ⟩ são ditos ortogonais se seu produto escalar é nulo:

⟨ψ|ϕ⟩ = 0 . (30)

• Estados ortonormais

Dois kets |ψ⟩ e |ϕ⟩ são ditos ortonormais se forem ortogonais e cada um tiver normaunitária:

⟨ψ|ϕ⟩ = 0 , ⟨ψ|ψ⟩ = 1 , ⟨ϕ|ϕ⟩ = 1 . (31)

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• Quantidades proibidasSe |ψ⟩ e |ϕ⟩ pertencem ao mesmo espaço vetorial (de Hilbert), produtos do tipo |ψ⟩|ϕ⟩e ⟨ψ|⟨ϕ| são proibidos. Eles não fazem sentido, pois |ψ⟩|ϕ⟩ e ⟨ψ|⟨ϕ| não são bras nemkets. Contudo se |ψ⟩ e |ϕ⟩ pertencem a espaços vetoriais diferentes (por exemplo, |ψ⟩pertence a um espaço de spin e |ϕ⟩ pertence a um espaço de momento angular orbital),então seu produto |ψ⟩|ϕ⟩, escrito como |ψ⟩⊗ |ϕ⟩, representa um produto tensorial de |ψ⟩e |ϕ⟩. Apenas nesses casos típicos esses produtos tem signi�cado.

Signi�cado físico do produto escalarO produto escalar pode ser interpretado de dois modos. Primeiro, por analogia com o produtoescalar de vetores comuns no espaço Euclideano, ondeA·B representa a projeção deB sobreA,o produto ⟨ϕ|ψ⟩ também representa a projeção de |ψ⟩ sobre |ϕ⟩. Segundo, no caso de estadosnormalizados e de acordo com a interpretação probabilística de Max Born, a quantidade ⟨ϕ|ψ⟩representa a amplitude da probabilidade que o estado |ψ⟩ do sistema terá, após uma mediçãoser feita no sistema, seja outro estado |ϕ⟩.

4 Operadores

4.1 De�nições Gerais

De�nição de um operador: Um operador3 A é uma regra matemática que, aplicada a umket |ψ⟩, o transforma em outro ket |ψ′⟩ do mesmo espaço, e quando age sobre um bra ⟨ϕ|, otransforma em outro bra ⟨ϕ′|

A|ψ⟩ = |ψ′⟩ , ⟨ϕ|A = ⟨ϕ′| . (32)

Uma de�nição semelhante aplica-se a funções de onda:

Aψ(r) = ψ′(r) , ϕ(r)A = ϕ′(r) . (33)

Exemplos de operadores

• Operador unidade: deixa qualquer ket inalterado, I|ψ⟩ = |ψ⟩.

• Operador gradiente: ∇ψ(r) =∂ψ(r)

∂xi+

∂ψ(r)

∂yj+

∂ψ(r)

∂zk.

• Operador momento linear: Pψ(r) = −i~∇ψ(r).

• Operador Laplaciano: ∇2ψ(r) =∂2ψ(r)

∂x2+∂2ψ(r)

∂y2+∂2ψ(r)

∂z2.

• Operador de paridade: Pψ(r) = ψ(−r).

Produtos de operadoresO produto de dois operadores é, em geral, não comutativo:

AB = BA . (34)

3O símbolo ˆ é usado para distingui um operador A de um número complexo ou de uma matriz A.

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Entretanto, o produto de operadores é associativo:

ABC = A(BC

)=(AB)C . (35)

Podemos também escrever AnAm = An+m. Quando o produto AB opera sobre um ket |ψ⟩ (aordem é importante!), o operador B atua primeiro sobre o ket |ψ⟩ e então o operador A atuasobre o novo ket (B|ψ⟩):

AB|ψ⟩ = A(B|ψ⟩

). (36)

Da mesma forma, quando ABCD opera sobre um ket |ψ⟩, o operador D atua primeiro, depoisC, em seguida B e, por �m, atua o operador A.

Quando um operador A é �imprensado� entre um bra ⟨ϕ| e um ket |ψ⟩, resulta em geralum número complexo. A quantidade ⟨ψ|A|ϕ⟩ pode também ser um número puramente realou puramente imaginário.Nota: ao avaliar ⟨ψ|A|ϕ⟩, não importa se o operador A age primeiro no ket ou primeiro nobra; isto é: (⟨ϕ|A)|ψ⟩ = ⟨ϕ|(A|ψ⟩).

Operadores linearesUm operador A é dito linear se obedecer à lei distributiva e se comutar com constantes (comoqualquer operador). Ou seja, um operador A é linear se, para quaisquer vetores |ψ1⟩ e |ψ2⟩, epara quaisquer números complexos a1 e a2, tivermos:

A (a1|ψ1⟩+ a2|ψ2⟩) = a1A|ψ1⟩+ a2A|ψ2⟩ , (37)

e(⟨ψ1|a1 + ⟨ψ2|a2) A = a1⟨ψ1|A+ a2⟨ψ2|A . (38)

Observações:

• O valor esperado ⟨A⟩ de um operador A com relação a um estado |ψ⟩ é de�nido por

⟨A⟩ = ⟨ψ|A|ψ⟩⟨ψ|ψ⟩

. (39)

• A quantidade |ϕ⟩⟨ψ| (ou seja, o produto de um ket com um bra) é um operador linearna notação de Dirac. Quando |ϕ⟩⟨ψ| é aplicado a um ket |ψ′⟩, obtemos outro ket:

|ϕ⟩⟨ψ|ψ′⟩ = ⟨ψ|ψ′⟩|ϕ⟩ , (40)

já que ⟨ψ|ψ′⟩ é um número complexo.

• Produtos do tipo |ψ⟩A e A⟨ψ| são proibidos. Eles não são operadores, kets ou bras, enão tem nenhum signi�cado matemático ou físico.

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4.2 Adjunto Hermitiano

O adjunto Hermitiano ou conjugado4, α†, de um número complexo α é o complexo conju-gado desse número: α† = α∗. O adjunto Hermitiano, ou simplesmente o adjunto, A†, de umoperador A é de�nido por essa relação:

⟨ψ|A†|ϕ⟩ = ⟨ϕ|A|ψ⟩∗ . (41)

Propriedades da regra do conjugado HermitianoPara obter o adjunto Hermitiano de qualquer expressão, deve-se reverter ciclicamente a ordemdos fatores e fazer três substituições:

• Substituir constantes por seus complexos conjugados: α† = α∗.

• Substituir kets (bras) pelos correspondentes bras (kets): (|ψ⟩)† = ⟨ψ| e (⟨ψ|)† = |ψ⟩.

• Substituir operadores por seus adjuntos.

Seguindo essas regras, podemos escrever:(A†)†

= A , (42)(aA)†

= a∗A† , (43)(An)†

=(A†)n

, (44)(A+ B + C + D

)†= A† + B† + C† + D† , (45)(

ABCD)†

= D†C†B†A† , (46)(ABCD|ψ⟩

)†= ⟨ψ|D†C†B†A† . (47)

O adjunto Hermitiano do operador |ψ⟩⟨ϕ| é dado por

(|ψ⟩⟨ϕ|)† = |ϕ⟩⟨ψ| . (48)

Operadores atuam dentro de kets e bras, respectivamente, da seguinte maneira:

|αAψ⟩ = αA|ψ⟩ , ⟨αAψ| = α∗⟨ψ|A† . (49)

Note-se também que ⟨αA†ψ| = α∗⟨ψ|(A†)† = α∗⟨ψ|A. Portanto, podemos também escrever:

⟨ψ|A|ϕ⟩ = ⟨A†ψ|ϕ⟩ = ⟨ψ|Aϕ⟩ . (50)

Operadores Hermitianos e anti-HermitianosUm operador A é dito ser Hermitiano se for igual ao seu adjunto A†:

A = A† ou ⟨ψ|A|ϕ⟩ = ⟨ϕ|A|ψ⟩∗ (51)

4Os termos �adjunto� e �conjugado são usados indiscriminadamente.

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Por outro lado, um operador B é dito ser anti-Hermitiano se

B = −B† ou ⟨ψ|B|ϕ⟩ = −⟨ϕ|B|ψ⟩∗ (52)

Nota: O adjunto Hermitiano de um operador não é, em geral, igual ao seu complexo conju-gado: A† = A∗.

De (51) podemos inferir que o valor esperado de um operador Hermitiano é um númeroreal, pois satisfaz à seguinte propriedade:

⟨ψ|A|ψ⟩ = ⟨ψ|A†|ψ⟩∗ = ⟨ψ|A|ψ⟩∗ . (53)

E de (52), o valor esperado de um operador anti-Hermitiano é

⟨ψ|B|ψ⟩ = −⟨ψ|B†|ψ⟩∗ = −⟨ψ|B|ψ⟩∗ , (54)

o que signi�ca que seu valor esperado é um número puramente imaginário.

4.3 Operadores de Projeção

Um operador P é dito ser um operador de projeção se for Hermitiano e igual ao seu próprioquadrado:

P † = P , P 2 = P . (55)

O operador unidade I é um exemplo simples de operador de projeção, já que I† = I e I2 = I.

Propriedades dos operadores de projeção

• O produto de dois operadores de projeção que comutam, P1 e P2, é também um operadorde projeção, já que (

P1P2

)†= P †

2 P†1 = P2P1 = P1P2 (56)

e (P1P2

)2= P1P2P1P2 = P1P1P2P2 = P 2

1 P22 = P1P2 . (57)

• A soma de dois operadores de projeção geralmente não é um operador de projeção.

• Dois operadores de projeção são ortogonais se seu produto é zero.

• Para que uma soma de operadores de projeção P1 + P2 + P3 + . . . seja um operador deprojeção, é necessário e su�ciente que esses operadores sejam mutuamente ortogonais(ou seja, os termos com produtos cruzados devem se anular).

Vamos mostrar que |ψ⟩⟨ψ| é um operador de projeção apenas quando |ψ⟩ for normalizado.É imediato veri�car que |ψ⟩⟨ψ| é Hermitiano:

(|ψ⟩⟨ψ|)† = |ψ⟩⟨ψ| .

Veri�quemos agora seu quadrado:

(|ψ⟩⟨ψ|)2 = (|ψ⟩⟨ψ|) (|ψ⟩⟨ψ|) = |ψ⟩⟨ψ|ψ⟩⟨ψ| .

Se |ψ⟩for normalizado, então ⟨ψ|ψ⟩ = 1 e concluímos que (|ψ⟩⟨ψ|)2 = |ψ⟩⟨ψ|, ou seja, se oestado |ψ⟩ é normalizado, o produto |ψ⟩⟨ψ| é um operador de projeção.

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4.4 Álgebra de Comutadores

O comutador de dois operadores A e B, denotado por [A, B], é de�nido como

[A, B] = AB − BA (58)

e o anticomutador é de�nido como

{A, B} = AB + BA (59)

Dois operadores comutam se seu comutador for igual a zero, o que leva a AB = BA. Qualqueroperador comuta com ele mesmo:

[A, A] = 0 . (60)

Note que se dois operadores forem Hermitianos,(AB)†

= B†A† = BA ,

e se seu produto for Hermitiano, (AB)†

= AB ,

ou seja, e esses operadores comutam.Como um exemplo, podemos mencionar os comutadores envolvendo a componente x do

operador posição, X, e a componente x do operador momento, Px = −i~ ∂x, bem como ascomponentes y e z:

[X, Px] = i~ I , [Y , Py] = i~ I e [Z, Pz] = i~ I , (61)

onde I é o operador unidade.

Propriedades dos operadoresUsando a relação (58), podemos estabelecer as seguintes propriedades:

• Anti-simetria:[A, B] = −[B, A] . (62)

• Linearidade:

[A, B + C + D + . . .] = [A, B] + [A, C] + [A, D] + . . . . (63)

• Conjugado Hermitiano de um comutador:

[A, B]† = [B†, A†] . (64)

• Distributividade:

[A, BC] = [A, B]C + B[A, C] , (65)

[AB, C] = A[B, C] + [A, C]B . (66)

12

Page 13: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

• Identidade de Jacobi:

[A, [B, C]] + [B, [C, A]] + [C, [A, B]] = 0 . (67)

• Por repetidas aplicações de (65), pode-se mostrar que

[A, Bn] =

n−1∑j=0

Bj [A, B]Bn−j−1 , (68)

[An, B] =n−1∑j=0

An−j−1[A, B]Aj . (69)

• Operadores comutam com qualquer escalar:

[A, b ] = 0 . (70)

Uma importante propriedade dos operadores Hermitianos é que seu comutador é anti-Hermitiano,o que pode ser facilmente provado:

[A, B]† =(AB − BA

)†= B†A† − A†B† = BA− AB = −[A, B] . (71)

4.5 Relações de Incerteza entre Dois Operadores

Uma aplicação interessante da álgebra de comutadores é na derivação de uma relação geralque dá o produto das incertezas de dois operadores A e B. Em particular, queremos dar umaderivação formal das relações de incerteza de Heisenberg.

Sejam ⟨A⟩ e ⟨B⟩ os valores esperados de dois operadores Hermitianos A e B com relaçãoa um estado normalizado |ψ⟩: ⟨A⟩ = ⟨ψ|A|ψ⟩ e ⟨B⟩ = ⟨ψ|B|ψ⟩. Introduzindo os operadores

∆A = A− ⟨A⟩ e ∆B = B − ⟨B⟩ , (72)

temos5 (∆A

)2= A2 − 2A⟨A⟩+ ⟨A⟩2 e

(∆B

)2= B2 − 2B⟨B⟩+ ⟨B⟩2 . (73)

Então,

⟨(∆A)2⟩ = ⟨ψ|(∆A)2|ψ⟩

= ⟨ψ|A2|ψ⟩ − 2⟨ψ|A⟨A⟩|ψ⟩+ ⟨ψ|⟨A⟩2|ψ⟩

= ⟨A2⟩ − 2⟨A⟩⟨A⟩+ ⟨A⟩2

= ⟨A2⟩ − ⟨A⟩2 , (74)

e, semelhantemente,⟨(∆B)2⟩ = ⟨B2⟩ − ⟨B⟩2 . (75)

5O quadrado da primeira das equações (72) conterá a soma −A⟨A⟩ − ⟨A⟩A. Como ⟨A⟩ é um número real,[A, ⟨A⟩] = 0, pela propriedade (70), e temos que A⟨A⟩ = ⟨A⟩A. O mesmo pode ser dito com relação a (∆B)2.

13

Page 14: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

As incertezas ∆A e ∆B são de�nidas por

∆A =

√⟨(∆A)2⟩ =

√⟨A2⟩ − ⟨A⟩2 e ∆B =

√⟨(∆B)2⟩ =

√⟨B2⟩ − ⟨B⟩2 (76)

Agora, vamos escrever a ação dos operadores (72) sobre um estado |ψ⟩ qualquer:

|χ⟩ = ∆A|ψ⟩ =(A− ⟨A⟩

)|ψ⟩ , |ϕ⟩ = ∆B|ψ⟩ =

(B − ⟨B⟩

)|ψ⟩ . (77)

A desigualdade de Schwarz para os estados |χ⟩ e |ϕ⟩ é

⟨χ|χ⟩⟨ϕ|ϕ⟩ ≥ |⟨χ|ϕ⟩|2 . (78)

Como A e B são Hermitianos, ∆A e ∆B também devem ser; de fato,

∆A† =(A− ⟨A⟩

)†= A† − ⟨A⟩ = A− ⟨A⟩ = ∆A ,

e, da mesma forma, ∆B† = B − ⟨B⟩ = ∆B. Agora,

⟨χ| = ⟨ψ|∆A† = ⟨ψ|∆A e ⟨ϕ| = ⟨ψ|∆B† = ⟨ψ|∆B ,

de modo que

⟨χ|χ⟩ = ⟨ψ|(∆A)2|ψ⟩ , ⟨ϕ|ϕ⟩ = ⟨ψ|(∆B)2|ψ⟩ e ⟨χ|ϕ⟩ = ⟨ψ|∆A∆B|ψ⟩ . (79)

As equações (79) fornecem os valores esperados de (∆A)2, (∆B)2 e ∆A∆B. Assim, a desi-gualdade de Schwarz (78) se torna

⟨(∆A)2⟩⟨(∆B)2⟩ ≥∣∣∣⟨∆A∆B⟩∣∣∣2 . (80)

Para determinar o membro direito de (80), notemos primeiramente que

[∆A,∆B] = ∆A∆B −∆B∆A e {∆A,∆B} = ∆A∆B +∆B∆A

nos dão

∆A∆B =1

2[∆A,∆B] +

1

2{∆A,∆B} . (81)

Agora,

[∆A,∆B] = [A− ⟨A⟩, B − ⟨B⟩]

=(A− ⟨A⟩

)(B − ⟨B⟩

)−(B − ⟨B⟩

)(A− ⟨A⟩

)= AB − A⟨B⟩ − ⟨A⟩B + ⟨A⟩⟨B⟩ − BA+ B⟨A⟩+ ⟨B⟩A− ⟨B⟩⟨A⟩

= AB − BA

= [A, B] ,

14

Page 15: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

de modo que podemos escrever (81) como

∆A∆B =1

2[A, B] +

1

2{∆A,∆B} . (82)

O anti-comutador {∆A,∆B} pode ser expresso como {A, B} + 2⟨A⟩⟨B⟩. O anti-comutador{A, B} é Hermitiano, já que

{A, B}† =(AB + BA

)†= B†A† + A†B† = BA+ AB .

Como [A, B] é anti-Hermitiano, seu valor esperado é um número imaginário, enquanto que ovalor esperado de {A, B} é real. Portanto, o valor esperado ⟨∆A∆B⟩ de (82) se torna a somade uma parte real ⟨{∆A,∆B}⟩/2 e de uma parte imaginária ⟨[A, B]⟩/2. Portanto,∣∣∣⟨∆A∆B⟩∣∣∣2 = 1

4

∣∣∣⟨[A, B]⟩∣∣∣2 + 1

4

∣∣∣⟨{∆A,∆B}⟩∣∣∣2 . (83)

Como o último termo do membro direito é um número real positivo, podemos inferir a seguinterelação: ∣∣∣⟨∆A∆B⟩∣∣∣2 ≥ 1

4

∣∣∣⟨[A, B]⟩∣∣∣2 . (84)

Comparando as expressões (80) e (84), concluímos que

⟨(∆A)2⟩⟨(∆B)2⟩ ≥ 1

4

∣∣∣⟨[A, B]⟩∣∣∣2 . (85)

Tirando a raiz quadrada de (85) e usando as de�nições de incerteza (76), chegamos a

∆A∆B ≥ 1

2

∣∣∣⟨[A, B]⟩∣∣∣ (86)

Essa relação de incerteza desempenha um papel importante no formalismo da mecânica quân-tica. Sua aplicação aos operadores posição e momento leva às relações de incerteza de Hei-

senberg, que representam um das pedras angulares da mecânica quântica.Para derivar as relações de incerteza de Heisenberg, aplicamos (86) aos operadores de�nidos

em (61). Utilizando a primeira relação em (61), temos

∆x∆px ≥1

2

∣∣∣⟨[X, Px]⟩∣∣∣ = 1

2

∣∣∣⟨ψ|[X, Px]|ψ⟩∣∣∣ = 1

2

∣∣∣⟨ψ|i~ I|ψ⟩∣∣∣ = 1

2

∣∣∣i~⟨ψ|I|ψ⟩∣∣∣ = 1

2|i~| ,

ou

∆x∆px ≥~2.

Expressões para as outras componentes são imediatas, e podemos escrever

∆x∆px ≥~2, ∆y∆py ≥

~2, ∆z∆pz ≥

~2

(87)

Essas são as relações de incerteza de Heisenberg.

15

Page 16: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

4.6 Funções de Operadores

Seja F (A) uma função de um operador A. Se A é um operador linear, podemos expandirF (A) em uma série de Taylor de potências de A:

F (A) =∞∑n=0

anAn , (88)

onde an é um coe�ciente da expansão. Como uma ilustração de uma função de um operador,consideremos eaA, onde a é um escalar complexo ou real. Podemos expandi-la assim:

eaA =

∞∑n=0

an

n!A = I + aA+

a2

2A2 +

a3

3A3 + . . . . (89)

Comutadores envolvendo funções de operadoresSe A comuta com outro operador B, então B comuta com qualquer função de operador quedependa de A:

[A, B] = 0 =⇒ [B, F (A)] = 0 . (90)

Em particular, F (A) comuta com A e com qualquer outra função G(A):

[A, F (A)] , [An, F (A)] , [F (A), G(A)] . (91)

Adjuntos Hermitianos de funções de operadoresO adjunto de F (A) é dado por

[F (A)]† = F ∗(A†) . (92)

Note que se A for Hermitiano, F (A) não será necessariamente Hermitiana, exceto se F foruma função real (e, óbvio, se A for Hermitiano). Um exemplo é:

(eA)† = eA†= eA , (eiA)† = e−iA†

= e−iA , (eiαA)† = e−iα∗A†= e−iα∗A ,

onde α é um número complexo. Assim, se A for Hermitiano, uma função de operador queadmita expansão em série de Taylor, como em (89), será Hermitiana apenas se os coe�cientesan da expansão forem números reais. Mas em geral F (A) não é Hermitiana mesmo se A forHermitiano, já que

F ∗(A†) =

∞∑n=0

a∗n

(A†)n

. (93)

4.7 Operadores Inverso e Unitário

Inverso de um operador: Admitindo que exista6, o inverso A−1 de um operador linear Aé de�nido pela relação

A−1A = AA−1 = I , (94)

onde I é o operador unidade (aquele que deixa inalterado qualquer estado |ψ⟩).6Nem todo operador possui inverso, assim como no caso das matrizes. A inversa de uma matriz existe

apenas quando seu determinante for zero.

16

Page 17: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

Quociente de dois operadores: Dividir um operador A por outro operador B (desde queseu inverso B−1 exista) é equivalente a multiplicar A por B−1:

A

B= AB−1 . (95)

O lado em que o quociente é tomado é importante:

A

B= A

I

B= AB−1 e

A

B=

I

BA = B−1A . (96)

Em geral, temos AB−1 = B−1A. Podemos mencionar aqui as seguintes propriedades envol-vendo a inversão de operadores:(

ABCD)−1

= D−1C−1B−1A−1 e(An)−1

=(A−1

)n. (97)

Operadores unitários: Um operador linear U é dito ser unitário se seu inverso U−1 forigual ao seu adjunto U †:

U † = U−1 ou U U † = U U−1 = I . (98)

O produto de dois operadores unitários U e V é também unitário, pois(U V

)(U V

)†=(U V

)(V †U †

)= U

(V V †

)U † = U U † = I , (99)

ou (U V )† = (U V )−1. Esse resultado pode ser generalizado para qualquer número de opera-dores, e o produto de vários operadores unitários será também unitário, pois(

ABCD . . .)(

ABCD . . .)†

= ABCD (. . .) D†C†B†A†

= ABC(DD†

)C†B†A†

= AB(CC†

)B†A†

= A(BB†

)A† = AA† = I ,

ou (ABCD . . .

)†=(ABCD . . .

)−1. (100)

4.8 Autovalores e Autovetores de um Operador

Um vetor de estado |ψ⟩ é dito ser um autovetor7 de um operador A se a aplicação de A a|ψ⟩ dá

A|ψ⟩ = a|ψ⟩ , (101)

onde a é um número complexo, chamado de autovalor de A. Essa equação é conhecida comoa equação de autovalor (ou o problema de autovalor) do operador A. Sua solução forneceos autovalores e os autovetores de A. Mais adiante, na Seção 5.3, veremos como resolver oproblema de autovalor numa base discreta.

7Também chamado de autoket ou autoestado

17

Page 18: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

Um exemplo simples é o problema de autovalor para o operador unidade I:

I|ψ⟩ = |ψ⟩ . (102)

Isso signi�ca que todos os vetores são autovetores de I, com autovalor 1. Note que

A|ψ⟩ = a|ψ⟩ =⇒ An|ψ⟩ = an|ψ⟩ =⇒ F (A)|ψ⟩ = F (a)|ψ⟩ . (103)

Por exemplo, temos

A|ψ⟩ = a|ψ⟩ =⇒ eiA|ψ⟩ = eia|ψ⟩ .

Dado o operador linear A, se existir A−1, então os autovalores de A−1 são os inversos dosautovalores do operador A. Para ver isso, notemos que A−1A = I, de modo que

A−1A|ψ⟩ = I|ψ⟩ = |ψ⟩ . (104)

Por outro lado,

A−1A|ψ⟩ = A−1(A|ψ⟩

)= A−1 (a|ψ⟩) = aA−1|ψ⟩ . (105)

Combinando (104) e (105), temosaA−1|ψ⟩ = |ψ⟩ ,

e portanto,

A−1|ψ⟩ = 1

a|ψ⟩ . (106)

Isso signi�ca que |ψ⟩ também é autovetor de A−1, com autovalor 1/a. Logo, se A−1 existe,então

A|ψ⟩ = a|ψ⟩ =⇒ A−1|ψ⟩ = 1

a|ψ⟩ (107)

Alguns teoremas úteis relacionados ao problema de autovalor

Teorema 1. Todos os autovalores de um operador Hermitiano são reais, e os autovetores

correspondentes a diferentes autovalores são ortogonais.

Se A† = A , A|ϕn⟩ = an|ϕn⟩ =⇒ an ∈ R e ⟨ϕm|ϕn⟩ = δmn . (108)

Prova: Note que

A|ϕn⟩ = an|ϕn⟩ =⇒ ⟨ϕm|A|ϕn⟩ = an⟨ϕm|ϕn⟩ (109)

e⟨ϕm|A† = a∗m⟨ϕm| =⇒ ⟨ϕm|A†|ϕn⟩ = a∗m⟨ϕm|ϕn⟩ . (110)

Subtraindo (100) de (99) e usando o fato de que A é Hermitiano, temos:

⟨ϕm|A|ϕn⟩ − ⟨ϕm|A†|ϕn⟩ = an⟨ϕm|ϕn⟩ − a∗m⟨ϕm|ϕn⟩ ,

⟨ϕm|A− A†|ϕn⟩ = (an − a∗m) ⟨ϕm|ϕn⟩ ,

ou(an − a∗m) ⟨ϕm|ϕn⟩ = 0 .

Temos que considerar dois casos separadamente:

18

Page 19: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

• Casom = n: como ⟨ϕn|ϕn⟩ > 0, devemos ter an = a∗n. Resulta que os autovalores devemser reais.

• Caso m = n: como em geral an = a∗m, devemos ter ⟨ϕn|ϕn⟩ = 0. Resulta que |ϕm⟩ e|ϕn⟩ devem ser ortogonais.

Teorema 2. Os autoestados de um operador Hermitiano de�nem um conjunto completo de

estados mutuamente ortonormais � uma autobase. O operador é diagonal nessa autobase, com

seus elementos diagonais iguais aos autovalores. Essa base é única se o operador não tiver

autovalores degenerados; caso contrário, há um número in�nito de autobases.

Teorema 3. Se dois operadores A e B comutam, e se A não tem autovalor degenerado, então

cada autovetor de A é também um autovetor de B. Além disso, pode-se construir uma base

comum ortonormal formada pelos autovetores de A e de B.

Teorema 4. Os autovalores de um operador anti-Hermitiano são puramente imaginários ou

nulos.

Teorema 5. Os autovalores de um operador unitário são números complexos de módulo igual

a um. Os autovetores de um operador unitário que não tenham autovalores degenerados são

mutuamente ortogonais.

Prova: Sejam |ϕn⟩ e |ϕm⟩ autovetores do operador unitário U com autovalores am e an,respectivamente. Podemos escrever(

⟨ϕm|U †)(

U |ϕn⟩)= a∗man⟨ϕm|ϕn⟩ ,

ou, dado que U †U = I,(⟨ϕm|U †

)(U |ϕn⟩

)= ⟨ϕm|U †U |ϕn⟩ = ⟨ϕm|I|ϕn⟩ = ⟨ϕm|ϕn⟩ ,

de forma que(a∗man − 1) ⟨ϕm|ϕn⟩ = 0 . (111)

Temos que analisar dois casos:

• Caso n = m: como ⟨ϕn|ϕn⟩ > 0, então a∗nan = |an|2 = 1. Resulta que |an| = 1.

• Caso m = n: a única possibilidade para esse caso é que ⟨ϕn|ϕn⟩ = 0, e resulta que |ϕn⟩e |ϕn⟩ são ortogonais.

4.9 Transformações In�nitesimal e Unitária Finita

Queremos investigar aqui como quantidades tais como kets, bras, operadores e escalares setransformam sob transformações unitárias. Uma transformação unitária consiste na aplicaçãode um operador unitário U a uma dessas quantidades.

19

Page 20: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

4.9.1 Transformações Unitárias

Kets e bras se transformam do seguinte modo:

|ψ′⟩ = U |ψ⟩ , ⟨ψ′| = ⟨ψ|U † . (112)

Vamos descobrir agora como operadores se transformam sob transformações unitárias. Comoa transformada de A|ψ⟩ = |ϕ⟩ é A′|ψ′⟩ = |ϕ′⟩, vamos usar (102) para escrever

A′U |ψ⟩ = U |ϕ⟩ = U A|ψ⟩ , (113)

o que leva a A′U = U A. Lembrando que U U † = U †U = I, vamos multiplicar ambos os ladosde A′U = U A por U †. Temos:

U †A′U = U †U A = IA = A ,

eU AU † = A′U U † = A′I = A′ .

Resumindo, podemos escrever

|ψ′⟩ = U |ψ⟩ , ⟨ψ′| = ⟨ψ|U † , A′ = U AU † (114)

e|ψ⟩ = U †|ψ′⟩ , ⟨ψ| = ⟨ψ′|U , A = U †A′U (115)

Propriedades das transformações unitárias

• Se um operador A é Hermitiano, seu transformado A′ também é Hermitiano, pois

A′† =(U AU †

)†=(U †)†A†U † = U A†U † = U AU † = A′ . (116)

• Os autovalores de A e de seu transformado A′ são os mesmos, ou seja,

A|ψn⟩ = an|ψn⟩ =⇒ A′|ψ′n⟩ = an|ψ′

n⟩ . (117)

A demonstração é simples:

A′|ψ′n⟩ =

(U AU †

)(U |ψn⟩

)= U A

(U †U

)|ψn⟩ = U A|ψn⟩ = an

(U |ψn⟩

)= |ψ′

n⟩ .

• Comutadores que são iguais a números (complexos) permanecem inalterados sob trans-formações unitárias, ou seja, dado a ∈ C

[A, B] = a =⇒ [A′, B′] = a = [A, B] . (118)

Usando (115), temos:

[A′, B′] = [U AU †, U BU †] =(U AU †

)(U BU †

)−(U BU †

)(U AU †

)= U

(AB)U † − U

(BA)U † = U [A, B]U † = Ua U † = a UU † = a = [A, B] .

20

Page 21: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

• Valem as seguintes relações gerais:

A = βB + γC =⇒ A′ = βB′ + γC ′ , (119)

A = αBCD =⇒ A′ = αB′C ′D′ , (120)

onde A′, B′, C ′ e D′ são as transformadas de A′, B, C e D.

• Como o resultado (118) é válido para qualquer número complexo, podemos a�rmarque números complexos tais como ⟨ψ|A|χ⟩ permanecem inalterados sob transformaçõesunitárias, pois

⟨ψ′|A′|χ′⟩ = (⟨ψ|A†)(U AU †)(U |χ⟩) = ⟨ψ|(U †U)A(U †U)|χ⟩ = ⟨ψ|A|χ⟩ . (121)

Tomando A = I, vemos que produtos escalares do tipo

⟨ψ′|χ′⟩ = ⟨ψ|χ⟩ (122)

são invariantes sob transformações unitárias. Especi�camente, a norma de um vetor deestado é conservada:

⟨ψ′|ψ′⟩ = ⟨ψ|ψ⟩ . (123)

• Pode-se também veri�car que (U AU †)n = U AnU †, pois

(U AU †)n = (U AU †)(U AU †) . . . (U AU †)

= U A(U †U)A(U †U) . . . (U †U)AU † = U(AA . . . A)U † = U AnU † . (124)

• O resultado (124) pode ser generalizado para obter a transformação de qualquer funçãode operador f(A):

Uf(A)U † = f(U AU †) = f(A′) . (125)

Mais geralmente, podemos escrever

Uf(A, B, C, . . .)U † = f(U AU †, U BU †, U CU †, . . .) = f(A′, B′, C ′, . . .) . (126)

Uma transformação unitária não altera a física de um sistema; ela meramente transformauma descrição do sistema em outra descrição �sicamente equivalente. No que se segue, quere-mos considerar dois tipos de transformações unitárias: as transformações in�nitesimais e astransformações �nitas.

4.9.2 Transformações Unitárias In�nitesimais

Considere um operador U que dependa de um parâmetro real ε in�nitesimalmente pequenoe que desvie-se apenas ligeiramente do operador unidade I:

Uε(G) = I + iεG , (127)

onde G é chamado de gerador da transformação in�nitesimal. Claramente, Uε será uma trans-formação unitária apenas quando o parâmetro ε for real (ε∗ = ε) e quando G for Hermitiano(G† = G), pois

UεU†ε = (I + iεG)(I − iεG†) ≃ I + iε(G− G†) = I , (128)

21

Page 22: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

onde desprezamos o termos quadrático em ε.A transformação de um vetor de estado |ψ⟩ é dada por

|ψ′⟩ = (I + iεG)|ψ⟩ = |ψ⟩+ δ|ψ⟩ , (129)

ondeδ|ψ⟩ = iεG|ψ⟩ . (130)

A transformação de um operador A é dada por

A′ = (I + iεG)A(I − iεG) = (I + iεG)(A− iεAG) ≃ A− iεAG+ iεAG ,

ouA′ = (I + iεG)A(I − iεG) ≃ A+ iε[G, A] (131)

Se G comuta com A, a transformação unitária deixará A inalterado:

[G, A] = 0 =⇒ A′ = A′ = (I + iεG)A(I − iεG) = A . (132)

4.9.3 Transformações Unitárias Finitas

Pode-se construir uma transformação unitária �nita a partir de (127) executando umasucessão de transformações in�nitesimais de passos iguais a ε; a aplicação de uma série detransformações unitárias sucessivas é equivalente à aplicação de uma única transformaçãounitária. Sendo ε = α/N , onde N é um inteiro e α é um parâmetro �nito, podemos aplicar amesma transformação unitária N vezes. No limite em que n→ +∞, obtemos

Uα(G) = limn→∞

N∏k=1

(1 + i

α

NG)= lim

n→+∞

(1 + i

α

NG)N

= eiαG , (133)

onde G é agora o gerador da transformação �nita e α é seu parâmetro. A transformação Userá unitária apenas quando o parâmetro α for real e G for Hermitiano, pois

(eiαG)† = e−iαG†= e−iαG = (eiαG)−1 . (134)

É possível mostrar que a transformação A′ de um operador A pode ser escrita como

eiαGe−iαG = A+ iα[G, A] +(iα)2

2![G, [G, A]] +

(iα)3

3![G, [G, [G, A]]] + . . . (135)

Se G comuta com A, a transformação unitária deixará A inalterado:

[G, A] = 0 =⇒ A′ = eiαGe−iαG = A . (136)

Algumas das aplicações das transformações unitárias in�nitesimais são o estudo de translaçõesespaciais e temporais, rotações espaciais e leis de conservação.

5 Representação em Bases Discretas

Por analogia dos espaços vetoriais Euclideanos em termos de vetores de base, precisamosexpressar um ket |ψ⟩ do espaço de Hilbert em termos de um conjunto completo de kets de basemutuamente ortogonais. Vetores de estados são então representados por suas componentesnessa base.

22

Page 23: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

5.1 Representação Matricial de Kets, Bras e Operadores

Considere uma base ortonormal discreta e completa composta por um conjunto in�nito dekets |ϕ1⟩, |ϕ2⟩, |ϕ3⟩, . . . , e denote esse conjunto por {|ϕn⟩}. Note que a base {|ϕn⟩} é discretae ainda assim contém um número in�nito de vetores unitários. No limite n→∞, o índice deordenação n dos vetores unitários |ϕn⟩ é discreto ou contável ; isto é, a seqüência |ϕ1⟩, |ϕ2⟩,|ϕ3⟩, . . . é contável in�nitamente. Como ilustração, considere as funções especiais, tais comoos polinômios de Hermite, Legendre ou Laguerre, Hn(x), Pn(x) e Ln(x), que são identi�cadospor um índice discreto n e por uma variável contínua x; embora n varie discretamente, elepode ser in�nito.

Nesta seção a notação {|ϕn⟩} será usada para abreviar um conjunto in�nitamente contávelde vetores do espaço de Hilbert H. A condição de ortonormalidade dos kets da base é expressapor

⟨ϕn|ϕm⟩ = δnm , (137)

onde δnm é o delta de Kronecker, de�nido por

δnm =

{1 , n = m

0 , n = m. (138)

A relação de completeza, ou fechamento, para essa base é dada por

∞∑n=1

|ϕn⟩⟨ϕn| = I , (139)

onde I é o operador unidade; quando o operador unidade atua sobre qualquer ket, ele o deixainalterado.

5.1.1 Representação Matricial de Kets e Bras

Vamos agora examinar como representar o vetor |ψ⟩ dentro do contexto da base {|ϕn⟩}.A propriedade de completeza desta base nos permite expandir qualquer vetor de estado |ψ⟩em termos dos kets |ϕn⟩ da base:

|ψ⟩ = I|ψ⟩ =

( ∞∑n=1

|ϕn⟩⟨ϕn|

)|ψ⟩ =

∞∑n=1

(⟨ϕn|ψ⟩) |ϕn⟩ =∞∑n=1

an|ϕn⟩ , (140)

onde o coe�ciente an (= ⟨ϕn|ψ⟩) representa a projeção de |ψ⟩ na direção de |ϕn⟩; an é ocomponente de |ψ⟩ ao longo do vetor |ϕn⟩. Lembre-se que os coe�ciente an são númeroscomplexos. Assim, na base {|ϕn⟩}, o ket |ψ⟩ é representado pelo conjunto de suas componentesa1, a2, a3, . . . ao longo dos vetores |ϕ1⟩, |ϕ2⟩, |ϕ3⟩, . . . , respectivamente. Logo, |ψ⟩ pode serrepresentado por um vetor coluna que tem um número in�nitamente contável de componentes:

|ψ⟩ →

⟨ϕ1|ψ⟩⟨ϕ2|ψ⟩

...

⟨ϕn|ψ⟩...

=

a1

a2...

an...

. (141)

23

Page 24: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

O bra ⟨ψ| pode ser representado por um vetor linha:

⟨ψ| →(⟨ψ|ϕ1⟩ ⟨ψ|ϕ2⟩ . . . ⟨ψ|ϕn⟩ . . .

)=(⟨ϕ1|ψ⟩∗ ⟨ϕ2|ψ⟩∗ . . . ⟨ϕn|ψ⟩∗ . . .

)=(a∗1 a∗2 . . . a∗n . . .

). (142)

Usando essa representação, podemos ver que o bra-ket ⟨ψ|ϕ⟩ é um número complexo igual aoproduto da matriz linha correspondente ao bra ⟨ψ| pela matriz coluna correspondente ao ket|ϕ⟩:

⟨ψ|ϕ⟩ =(a∗1 a∗2 . . . a∗n . . .

)

a1

a2...

an...

=

∞∑n=1

a∗nbn , (143)

onde bn = ⟨ϕn|ϕ⟩. Nessa representação, as matrizes que representam |ψ⟩ e ⟨ψ| são adjuntasHermitianas uma da outra.

Nota: Um ket |ψ⟩ é normalizado se

⟨ψ|ψ⟩ =∑n

|an|2 = 1 .

Se |ψ⟩ não estiver normalizado e quisermos normaliza-lo, precisamos simplesmente multiplica-lo por uma constante α tal que ⟨αψ|αψ⟩ = |α|2 ⟨ψ|ψ⟩ = 1, e assim

α =1√⟨ψ|ψ⟩

.

5.1.2 Representação Matricial de Operadores

Para cada operador linear A, podemos escrever

A = IAI =

( ∞∑n=1

|ϕn⟩⟨ϕn|

)A

( ∞∑m=1

|ϕm⟩⟨ϕm|

)=∑nm

Anm|ϕn⟩⟨ϕm| , (144)

onde Anm é o elemento de matriz nm do operador A:

Anm = ⟨ϕn|A|ϕm⟩ . (145)

Vemos que o operador A é representado, na base {|ϕn⟩}, por uma matriz quadrada A, quetem números in�nitamente contáveis de linhas e colunas:

A =

A11 A12 A13 . . .

A21 A22 A23 . . .

A31 A32 A33 . . .

......

.... . .

. (146)

24

Page 25: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

Por exemplo, o operador unidade I é representado por uma matriz identidade; quando umamatriz identidade é multiplicada por outra matriz, esta última permanece inalterada:

I =

1 0 0 . . .

0 1 0 . . .

0 0 1 . . .

......

.... . .

. (147)

Em resumo, kets são representados por vetores coluna, bras são representados por vetores linha

e operadores são representados por matrizes quadradas.

5.1.3 Representação Matricial de Alguns Outros Operadores

(a) Operação adjunta HermitianaVamos mostrar agora a representação matricial da operação de adjunta Hermitiana de umoperador. Primeiro, lembre-se que a transposta de uma matriz A, denotada por AT , é obtidatrocando-se linhas por colunas:

(AT)nm

= Amn ou

A11 A12 A13 . . .

A21 A22 A23 . . .

A31 A32 A33 . . .

......

.... . .

T

=

A11 A21 A31 . . .

A12 A22 A32 . . .

A13 A23 A33 . . .

......

.... . .

. (148)

Similarmente, a transposta de uma matriz coluna é uma matriz linha e vice-versa:

a1

a2...

an...

T

=(a1 a2 . . . an . . .

)e

(a1 a2 . . . an . . .

)T=

a1

a2...

an...

. (149)

Uma matriz quadrada A é simétrica se ela for igual à sua transposta: AT = A. Umamatriz anti-simétrica é uma matriz quadrada cuja transposta é igual ao negativo da matriz:AT = −A.

O complexo conjugado de uma matriz é obtido simplesmente tomando-se o complexo conju-gado de todos os seus elementos: (A∗)nm = (Anm)∗.

A matriz que representa o operador A† é obtida tomando-se o complexo conjugado damatriz transposta de A:

A† =(AT)∗

ou(A†)nm

= ⟨ϕn|A†|ϕm⟩ = ⟨ϕm|A|ϕn⟩∗ = A∗nm . (150)

Ou seja, A11 A12 A13 . . .

A21 A22 A23 . . .

A31 A32 A33 . . .

......

.... . .

=

A∗

11 A∗21 A∗

31 . . .

A∗12 A∗

22 A∗32 . . .

A∗13 A∗

23 A∗33 . . .

......

.... . .

. (151)

25

Page 26: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

Se um operador A é Hermitiano, sua matriz satisfaz a essa condição:(AT)∗

= A ou A∗mn = Anm . (152)

Os elementos diagonais de uma matriz Hermitiana devem, portanto, ser números reais. Noteque uma matriz Hermitiana deve ser quadrada.

(b) Operadores Inverso e UnitárioUma matriz possui inversa apenas se for quadrada e se seu determinante for não-nulo. Umamatriz que possui inversa é chamada de não-singular e uma matriz que possui inversa é umamatriz singular. Os elementos A−1

nm da matriz inversa A−1, que representa um operador A−1,são dados pela relação

A−1nm =

cofator de Amn

determinante de Aou A−1

nm =BT

determinante de A, (153)

onde B é a matriz dos cofatores. O cofator do elemento Amn é igual a (−1)m+n vezes odeterminante da submatriz obtida de A pela supressão da m-ésima linha e da n-ésima coluna.Note que quando o determinante da matriz representando um operador tem determinantenulo, o operador não possui um inverso.

O inverso do produto de matrizes é obtido do seguinte modo:

(ABC . . . PQ)−1 = Q−1P−1 . . . C−1B−1A−1 . (154)

A inversa da inversa de uma matriz é igual à própria matriz:(A−1

)−1= A.

Um operador unitário U é representado por uma matriz unitária. Uma matriz U é unitáriase sua inversa é igual à sua adjunta:

U−1 = U † ou U †U = I , (155)

onde I é a matriz identidade.

(c) Representação matricial de |ψ⟩⟨ψ|Agora é fácil ver que o produto |ψ⟩⟨ψ| é de fato um operador, pois sua representação na base{|ϕn⟩} é uma matriz quadrada:

|ψ⟩⟨ψ| =

a1

a2

a3...

(a∗1 a∗2 a∗3 . . .)=

a1a

∗1 a1a

∗2 a1a

∗3 . . .

a2a∗1 a2a

∗2 a2a

∗3 . . .

a3a∗1 a3a

∗2 a3a

∗3 . . .

......

.... . .

. (156)

(d) Traço de um operadorO traço Tr(A) de um operador A é dado, em uma base ortonormal {|ϕn⟩}, pela expressão

Tr(A) =∑n

⟨ϕn|A|ϕn⟩ =∑n

Ann . (157)

26

Page 27: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

Veremos mais tarde que o traço de um operador não depende da base. O traço de uma matrizé igual à soma dos elementos de sua diagonal principal, ou seja,

Tr

A11 A12 A13 . . .

A21 A22 A23 . . .

A31 A32 A33 . . .

......

.... . .

= A11 +A22 +A33 + . . . . (158)

Dado um operador A, valem as seguintes propriedades:

Tr(A†) = (Tr(A))∗ (159)

eTr(αA+ βB + γC + . . .) = αTr(A) + β Tr(B) + γ Tr(C) + . . . . (160)

Uma propriedade fácil de demonstrar é que Tr(AB) = Tr(BA). De fato,

Tr(AB) =∑n

⟨ϕn|AB|ϕn⟩

=∑n

⟨ϕn|A

(∑m

|ϕm⟩⟨ϕm|

)B|ϕn⟩

=∑nm

⟨ϕn|A|ϕm⟩⟨ϕm|B|ϕn⟩

=∑nm

AnmBmn

=∑nm

BmnAnm

=∑nm

⟨ϕm|B|ϕn⟩⟨ϕn|A|ϕm⟩

=∑m

⟨ϕm|B

(∑n

|ϕn⟩⟨ϕn|

)A|ϕm⟩ =

∑m

⟨ϕm|BA|ϕm⟩ = Tr(BA) . (161)

Em vista do resultado (161), pode-se mostrar que o traço de um comutador é nulo:

Tr([A, B]) = Tr(AB)− Tr(BA) = 0 . (162)

Além disso, o traço de um produto de operadores é invariante sob permutações cíclicas dessesoperadores:

Tr(ABCDE) = Tr(EABCD) = Tr(DEABC) = Tr(CDEAB) = . . . . (163)

5.1.4 Representação Matricial de Várias Outras Quantidades

(a) Representação matricial de |ϕ⟩ = A|ψ⟩A relação |ϕ⟩ = A|ψ⟩ pode ser posta na forma algébrica I|ϕ⟩ = IAI|ψ⟩, ou(∑

n

|ϕn⟩⟨ϕn|

)|ϕ⟩ =

(∑n

|ϕn⟩⟨ϕn|

)A

(∑m

|ϕm⟩⟨ϕm|

)|ψ⟩ ,

27

Page 28: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

que por sua vez pode ser escrita como∑n

(⟨ϕn|ϕ⟩) |ϕn⟩ =∑nm

(⟨ϕn|A|ϕm⟩

)(⟨ϕm|ψ⟩) |ϕn⟩ ,

ou ∑n

bn|ϕn⟩ =∑nm

Anmam|ϕn⟩ , (164)

onde bn = ⟨ϕn|ϕ⟩, Anm = ⟨ϕn|A|ϕm⟩ e am = ⟨ϕm|ψ⟩. Portanto, é fácil ver que (164) fornece

bn =∑nm

Anmam (165)

e temos que a representação matricial de |ϕ⟩ = A|ψ⟩ é dada porb1

b2

b3...

=

A11 A12 A13 . . .

A21 A22 A23 . . .

A31 A32 A33 . . .

......

.... . .

a1

a2

a3...

. (166)

(b) Representação matricial de ⟨ϕ|A|ψ⟩Nesse caso, temos

⟨ϕ|A|ψ⟩ = ⟨ϕ|IAI|ψ⟩ = ⟨ϕ|

(∑n

|ϕn⟩⟨ϕn|

)A

(∑m

|ϕm⟩⟨ϕm|

)|ψ⟩

=∑nm

(⟨ϕ|ϕn⟩)(⟨ϕn|A|ϕm⟩

)(⟨ϕm|ψ⟩)

=∑nm

(⟨ϕn|ϕ⟩∗)(⟨ϕn|A|ϕm⟩

)(⟨ϕm|ψ⟩) =

∑nm

b∗nAnmam . (167)

Temos aqui um número complexo, e sua representação matricial é a seguinte:

⟨ϕ|A|ψ⟩ →(b∗1 b∗2 b∗3 . . .

)A11 A12 A13 . . .

A21 A22 A23 . . .

A31 A32 A33 . . .

......

.... . .

a1

a2

a3...

. (168)

Nota: Agora �ca bem fácil ver porque produtos do tipo |ψ⟩|ϕ⟩, ⟨ψ|⟨ϕ|, A⟨ψ| ou |ψ⟩A sãoproibidos. Eles não fazem sentido, pois não podem ter representações matriciais. Por exemplo,|ψ⟩|ϕ⟩ seria representado pelo produto de duas matrizes coluna:

|ψ⟩|ϕ⟩ →

⟨ϕ1|ψ⟩⟨ϕ2|ψ⟩⟨ϕ3|ψ⟩

...

⟨ϕ1|ϕ⟩⟨ϕ2|ϕ⟩⟨ϕ3|ϕ⟩

...

(169)

28

Page 29: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

Esse produto é impossível de ser executado, pois o produto de duas matrizes é possível apenasquando o número de colunas da primeira for igual ao número de linhas da segunda; em (169),a primeira matriz tem uma única coluna e a segunda matriz tem um número in�nito de linhas.

5.1.5 Propriedades de uma Matriz A

• Real se A = A∗ ou Amn = A∗mn

• Imaginária se A = −A∗ ou Amn = −A∗mn

• Simétrica se A = AT ou Amn = Anm

• Anti-simétrica se A = −AT ou Amn = −Anm com Amm = 0

• Hermitiana se A = A† ou Amn = A∗nm

• Anti-Hermitiana se A = −A† ou Amn = −A∗nm

• Ortogonal se AT = A−1 ou AAT = I ou(AAT

)mn

= δmn

• Unitária se A† = A−1 ou AA† = I ou(AA†)

mn= δmn

5.2 Mudança de Base e Transformações Unitárias

Em um espaço Euclidiano, um vetor A pode ser representado por suas componentes emdiferentes sistemas de coordenadas ou em diferentes bases. A transformação de uma basepara outra é chamada de mudança de base. As componentes de A em uma dada base podemser expressas em termos das componentes de A em outra base por meio de uma matriz de

transformação.Similarmente, vetores de estado e operadores da mecânica quântica podem também ser

representados em bases diferentes. Nesta seção vamos estudar como transformar de uma basepara outra. Isto é, conhecendo os componentes de bras, kets e operadores em uma base {|ϕn⟩},como se determina os componentes correspondentes em uma base {|ϕ′n⟩} diferente? Admitindoque {|ϕn⟩} e {|ϕ′n⟩} sejam duas bases diferentes, podemos expandir cada ket |ϕn⟩ da antigabase em termos da nova base {|ϕ′n⟩} como

|ϕn⟩ =

(∑m

|ϕ′m⟩⟨ϕ′m|

)|ϕn⟩ =

∑m

Umn|ϕ′m⟩ , (170)

ondeUmn = ⟨ϕ′m|ϕn⟩ . (171)

A matriz U , que dá a transformação da antiga base {|ϕn⟩} para a nova base {|ϕ′n⟩}, é dadapor

Umn =

⟨ϕ′1|ϕ1⟩ ⟨ϕ′1|ϕ2⟩ ⟨ϕ′1|ϕ3⟩ . . .

⟨ϕ′2|ϕ1⟩ ⟨ϕ′2|ϕ2⟩ ⟨ϕ′2|ϕ3⟩ . . .

⟨ϕ′3|ϕ1⟩ ⟨ϕ′3|ϕ2⟩ ⟨ϕ′3|ϕ3⟩ . . .

......

.... . .

. (172)

29

Page 30: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

A matriz U conecta duas bases completas e ortonormais {|ϕn⟩} e {|ϕ′n⟩} e é uma matrizunitária. Para mostrar isso, devemos provar que U U † = I, o que se reduz a mostrar que⟨ϕm|U U †|ϕn⟩ = δmn. Procedemos da seguinte forma:

⟨ϕm|U U †|ϕn⟩ = ⟨ϕm|U

(∑l

|ϕl⟩⟨ϕl|

)U †|ϕn⟩

=∑l

⟨ϕm|U |ϕl⟩⟨ϕl|U †|ϕn⟩

=∑l

⟨ϕm|U |ϕl⟩⟨ϕn|U |ϕl⟩∗ =∑l

UmlU∗nl . (173)

Agora, de acordo com (171), Uml = ⟨ϕ′m|ϕl⟩ e U∗mn = ⟨ϕl|ϕ′n⟩. Assim, podemos reescrever

(173) como ∑l

UmlU∗nl =

∑l

⟨ϕ′m|ϕl⟩⟨ϕl|ϕ′n⟩ = ⟨ϕ′m|ϕ′n⟩ = δmn . (174)

Combinando (173) e (174), inferimos que ⟨ϕm|U U †|ϕn⟩ = δmn, ou U U † = I, como queríamosdemonstrar.

5.2.1 Transformações de Kets, Bras e Operadores

As componentes ⟨ϕ′n|ψ⟩ de um vetor de estado |ψ⟩ em uma nova base {|ϕ′n⟩} podem serexpressas em termos das componentes ⟨ϕn|ψ⟩ de |ψ⟩ em uma antiga base {|ϕn⟩} da seguinteforma:

⟨ϕ′n|ψ⟩ = ⟨ϕ′m|I|ψ⟩ = ⟨ϕ′m|

(∑n

|ϕn⟩⟨ϕn|

)|ψ⟩ =

∑n

Umn⟨ϕn|ψ⟩ . (175)

Essa relação, juntamente com sua complexa conjugada, podem ser generalizadas por

|ψnovo⟩ = U |ψvelho⟩ , ⟨ψnovo| = ⟨ψvelho|U † . (176)

Vamos examinar agora como os operadores se transformam quando passamos de uma basepara outra. Os elementos matriciais A′

mn = ⟨ϕ′m|A|ϕ′n⟩ de um operador A na nova base podemser expressos em termos dos antigos elementos matriciais, Ajl = ⟨ϕj |A|ϕl⟩, do seguinte modo:

A′mn = ⟨ϕ′m|IAI|ϕ′n⟩ = ⟨ϕ′m|

∑j

|ϕj⟩⟨ϕj |

A

(∑l

|ϕl⟩⟨ϕl|

)|ϕ′n⟩

=∑j

∑l

⟨ϕ′m|ϕj⟩⟨ϕj |A|ϕl⟩⟨ϕl|ϕ′n⟩ =∑j,l

UmjAjlU∗nl , (177)

isto é,Anovo = U AvelhoU

† . (178)

A relação inversa é obtida facilmente usando as propriedades de operadores unitários:

U †Anovo = U †U AvelhoU† = IAvelhoU

† = AvelhoU†

30

Page 31: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

eU †AnovoU = AvelhoU

†U = AvelhoI ,

ouAvelho = U †AnovoU . (179)

Podemos resumir os resultados sobre mudança de base através das seguintes relações:

|ψnovo⟩ = U |ψvelho⟩ , ⟨ψnovo| = ⟨ψvelho|U † , Anovo = U AvelhoU† (180)

ou|ψvelho⟩ = U †|ψnovo⟩ , ⟨ψvelho| = ⟨ψnovo|U , Avelho = U †AnovoU (181)

Essas relações são similares às que foram derivadas no estudo das transformações unitárias;veja (114) e (115).

Vamos agora mostrar que o operador

U =∑n

|ϕ′n⟩⟨ϕn| (182)

satisfaz às propriedades discutidas acima. Primeiro, note que U é um operador unitário, pois

U U † =∑nl

|ϕ′n⟩⟨ϕn|ϕl⟩⟨ϕ′l| =∑nl

|ϕ′n⟩⟨ϕ′l|δnl =∑n

|ϕ′n⟩⟨ϕ′n| = I . (183)

Em segundo lugar, a ação de U sobre um ket da antiga base dá o ket correspondente da novabase:

U |ϕm⟩ =∑n

|ϕ′n⟩⟨ϕn|ϕm⟩ =∑n

|ϕ′n⟩δnm = |ϕ′m⟩ . (184)

E também podemos veri�car que a ação de U † sobre um ket da nova base dá o ket correspon-dente da antiga base:

U †|ϕ′m⟩ =∑l

|ϕl⟩⟨ϕ′l|ϕ′m⟩ =∑l

|ϕl⟩δlm = |ϕm⟩ . (185)

Como o traço se transforma sob transformações unitárias? Usando a propriedade cíclicado traço, Tr(ABC) = Tr(CAB) = Tr(BCA), podemos assegurar que

Tr(A′) = Tr(U AU †) = Tr(U †U A) = Tr(IA) = Tr(A) . (186)

Lembrando da de�nição do traço, equação (157), temos que

Tr(|ϕn⟩⟨ϕm|) =∑l

⟨ϕl|ϕn⟩⟨ϕm|ϕl⟩ =∑l

⟨ϕm|ϕl⟩⟨ϕl|ϕn⟩

= ⟨ϕm|

(∑l

|ϕl⟩⟨ϕl|

)|ϕn⟩ = ⟨ϕm|ϕn⟩ = δmn , (187)

e podemos inferir queTr(|ϕ′m⟩⟨ϕn|) = ⟨ϕn|ϕ′m⟩ . (188)

31

Page 32: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

Vamos mostrar que o traço de um operador não depende da base em que ele é expresso.Sejam: A um operador e {|ϕn⟩}, {|ϕ′n⟩} duas bases. O traço de A na base {|ϕn⟩} é

Tr(A) =∑n

⟨ϕn|A|ϕn⟩ , (189)

e na base {|ϕ′n⟩} é dado por

Tr(A) =∑n

⟨ϕ′n|A|ϕ′n⟩ . (190)

Começando de (189) e usando o fato da base {|ϕ′n⟩} ser completa, temos

Tr(A) =∑n

⟨ϕn|A|ϕn⟩ =∑n

⟨ϕn|

(∑m

|ϕ′m⟩⟨ϕ′m|

)A|ϕn⟩

=∑n

∑m

⟨ϕn|ϕ′m⟩⟨ϕ′m|A|ϕn⟩

=∑m

∑n

⟨ϕ′m|A|ϕn⟩⟨ϕn|ϕ′m⟩

=∑m

⟨ϕ′m|A

(∑n

|ϕn⟩⟨ϕn|

)|ϕ′m⟩ =

∑m

⟨ϕ′m|A|ϕ′m⟩ ,

ou seja,Tr(A) =

∑n

⟨ϕn|A|ϕn⟩ =∑n

⟨ϕ′n|A|ϕ′n⟩ . (191)

5.3 Representação Matricial do Problema de Autovalor

Aqui vamos apresentar a representação matricial do problema de autovalor (101) e vamosresolvê-lo. Isto é, vamos encontrar os autovalores a e os autovetores |ψ⟩ de um operador A,tal que

A|ψ⟩ = a|ψ⟩ , (192)

onde a é um número complexo. Inserindo o operador unidade entre A e |ψ⟩ e multiplicandopor ⟨ϕm|, temos

⟨ϕm|AI|ψ⟩ = ⟨ϕm|A

(∑n

|ϕn⟩⟨ϕn|

)|ψ⟩

=∑n

⟨ϕm|A|ϕn⟩⟨ϕn|ψ⟩ =∑n

Amn⟨ϕn|ψ⟩ . (193)

Por outro lado,

⟨ϕm|Ia|ψ⟩ = a⟨ϕm|I|ψ⟩ = a⟨ϕm|

(∑n

|ϕn⟩⟨ϕn|

)|ψ⟩

= a∑n

⟨ϕm|ϕn⟩⟨ϕn|ψ⟩ =∑n

aδmn⟨ϕn|ψ⟩ . (194)

32

Page 33: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

Então, ∑n

Amn⟨ϕn|ψ⟩ =∑n

aδmn⟨ϕn|ψ⟩ ,

que pode ser escrito como ∑n

[Amn − aδmn] ⟨ϕn|ψ⟩ = 0 , (195)

com Amn = ⟨ϕm|A|ϕn⟩.Essa equação representa um sistema in�nito de equações homogêneas para os coe�cientes

⟨ϕn|ψ⟩, já que a base {|ϕn⟩} contém um número in�nito de kets. Esse sistema de equaçõespode ter soluções não triviais apenas se seu determinante for nulo:

det (Amn − aδmn) = 0 . (196)

O problema que surge aqui é que esse determinante corresponde a uma matriz com in�nitaslinhas e in�nitas colunas. Para resolver (196) precisamos truncar a base {|ϕn⟩} e admitir queela contém apenas N termos, onde N deve ser grande o su�ciente para garantir convergência.Nesse caso podemos reduzir (196) ao seguinte determinante de grau N :∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

A11 − a A12 A13 . . . A1N

A21 A22 − a A23 . . . A2N

A31 A32 A33 − a . . . A3N

......

.... . .

...

AN1 AN2 AN3 . . . ANN − a

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣= 0 . (197)

Essa equação é conhecida como equação secular ou característica. Suas soluções fornecem osN autovalores a1, a2, . . . , aN , já que é uma equação de N -ésimo grau em a. O conjunto dessesN autovalores é chamado de espectro de A. Conhecendo-se o conjunto de autovalores a1, a2,. . . , aN , pode-se facilmente determinar o correspondente conjunto de autovetores |ϕ1⟩, |ϕ2⟩,. . . , |ϕN ⟩. Para cada autovalor am de A, pode-se obter a partir de (197) as N componentes⟨ϕ1|ψ⟩, ⟨ϕ2|ψ⟩, . . . , ⟨ϕN |ψ⟩ do autovetor |ϕm⟩ correspondente.

Se vários autovetores diferentes têm o mesmo autovalor, esse autovalor é dito ser dege-

nerado. A ordem de degenerescência é determinada pelo número de autovetores linearmenteindependentes que têm o mesmo autovalor. Por exemplo, se um autovalor tem cinco autove-tores diferentes, diz-se que ele tem degenerescência quíntupla.

Quando o conjunto de autovetores {|ϕn⟩} de A for completo e ortonormal, esse conjuntopode ser usado como base. Nessa base, a matriz que representa o operador A é diagonal:

A =

a1 0 0 . . .0 a2 0 . . .0 0 a3 . . ....

......

. . .

, (198)

onde os elementos da diagonal principal são os autovalores an de A, já que

⟨ϕm|A|ϕn⟩ = an⟨ϕm|ϕn⟩ = anδmn . (199)

33

Page 34: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

O traço e o determinante são dados, respectivamente, pela soma e pelo produto dos autova-lores:

Tr(A) =∑n

an = a1 + a2 + . . . , (200)

det(A) =∏n

an = a1a2 . . . . (201)

Algumas propriedades úteis dos determinantes são:

det(ABC . . .) = det(A) · det(B) · det(C) · . . . (202)

det(A∗) = (detA)∗ (203)

det(A†) = (detA)∗ (204)

det(AT ) = detA (205)

det(A) = eTr(lnA) (206)

Para �nalizar esta seção, apresentamos (sem demonstração) alguns teoremas úteis referentesao problema de autovalor.

Teorema 6. Os autovalores de uma matriz simétrica são reais, e seus autovetores correspon-

dentes formam uma base ortonormal.

Teorema 7. Os autovalores de uma matriz anti-simétrica são nulos ou imaginários puros.

Teorema 8. Os autovalores de uma matriz Hermitiana são reais, e seus autovetores corres-

pondentes formam uma base ortonormal.

Teorema 9. Os autovalores de uma matriz anti-Hermitiana são nulos ou imaginários puros.

Teorema 10. Os autovalores de uma matriz unitária tem valor absoluto igual a um.

Teorema 11. Se os autovalores de uma matriz quadrada não são degenerados, os autovetores

correspondentes formam uma base.

6 Representação em Bases Contínuas

Nesta seção vamos considerar a representação de vetores de estado, bras e operadores embases contínuas. Depois de apresentar o formalismo geral, consideraremos duas aplicaçõesimportantes: as representações nos espaços de posição e momento.

Na seção anterior, vimos que as representações de kets, bras e operadores em uma basediscreta são dadas por matrizes discretas. Mostraremos aqui que essas quantidades são repre-sentadas numa base contínua pormatrizes contínuas, isto é, matrizes in�nitas não enumeráveis.

34

Page 35: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

6.1 Tratamento Geral

A condição de ortonormalidade para kets da base contínua |χk⟩ é expressa não pelo usualdelta de Kronecker como em (137), mas pela função contínua delta de Dirac:

⟨χk|χk′⟩ = δ(k′ − k) , (207)

onde k e k′ são parâmetros contínuos e δ(k′ − k) é a função delta de Dirac, de�nida por

δ(x) =1

∫ +∞

−∞eikxdx . (208)

A condição de completeza dessa base contínua não é dada por uma soma discreta como em(139), mas por uma integral sobre a variável contínua,∫ +∞

−∞dk |χk⟩⟨χk| = I , (209)

onde I é o operador unidade.Todo vetor de estado pode ser expandido em termos do conjunto completo de kets da base

|χk⟩:

|ψ⟩ = I|ψ⟩ =(∫ +∞

−∞dk |χk⟩⟨χk|

)|ψ⟩ =

∫ +∞

−∞dk b(k) |χk⟩ , (210)

onde b(k), que é igual a ⟨χk|ψ⟩, representa a projeção de |ψ⟩ sobre |χk⟩.A norma dos kets de base discreta é �nita (⟨ϕn|ϕn⟩ = 1), mas a norma dos kets da base

contínua é in�nita; uma combinação de (207) e (208) leva a

⟨χk|χk⟩ = δ(0) =1

∫ +∞

−∞dx→∞ . (211)

Isto implica que os kets |χk⟩ não são quadrado-integráveis e portanto não são elementos doespaço de Hilbert (Lembre-se que o espaço gerado por funções quadrado-integráveis é umespaço de Hilbert). Apesar da divergência da norma de |χk⟩, o conjunto de kets |χk⟩ constituiuma base válida de vetores que gera o espaço de Hilbert, já que para qualquer vetor de estado|ψ⟩ o produto escalar ⟨χk|ψ⟩ é �nito.

6.1.1 A Função Delta de Dirac

Antes de lidar com a representação de kets, bras e operadores, vamos fazer um breve desviopara listar algumas das propriedades mais importantes da função delta de Dirac:

δ(x) = 0 , para x = 0 , (212)∫ b

af(x) δ(x− x0) dx =

{f(x0) se a < x0 < b

0 caso contrário, (213)

∫ +∞

−∞f(x)

dnδ(x− a)dxn

dx = (−1)n dnf(x)

dxn

∣∣∣∣x=a

, (214)

δ(r− r′) = δ(x− x′)δ(y − y′)δ(z − z′) = 1

r2 sin θδ(r − r′)δ(θ − θ′)δ(φ− φ′) . (215)

35

Page 36: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

6.1.2 Representação de Kets, Bras e Operadores

A representação de kets, bras e operadores pode ser facilmente inferida do estudo feitopreviamente para o caso de uma base discreta. Por exemplo, o ket |ψ⟩ é representado por umamatriz coluna que tem um número contínuo e in�nito de componentes (linhas) b(k):

|ψ⟩ −→

...

⟨χk|ψ⟩...

. (216)

O bra ⟨ψ| é representado por uma matriz linha que tem um número contínuo e in�nito decomponentes (colunas):

⟨ψ| −→(. . . ⟨ψ|χk⟩ . . .

). (217)

Operadores são representados por matrizes quadradas contínuas cujas linhas e colunaspossuem um número contínuo e in�nito de componentes:

A −→

. . .

.... . .

. . . A(k, k′) . . .

. . ....

. . .

. (218)

A título de aplicação, consideraremos as representações nas bases de posição e momento.

6.2 Representação de Posição

Na representação de posição, a base consiste de um conjunto in�nito de vetores {|r⟩} quesão autokets do operador posição R:

R|r⟩ = r|r⟩ , (219)

onde r (sem chapéu), o vetor posição, é o auto valor do operador R. As condições de orto-normalidade e completeza são dadas respectivamente por

⟨r|r′⟩ = δ(r− r′) = δ(x− x′)δ(y − y′)δ(z − z′) (220)

e ∫d3r |r⟩⟨r| = I , (221)

já que a função delta tridimensional é dada por

δ(r− r′) =1

(2π)3

∫d3k eik·(r−r′) . (222)

Assim, todo vetor de estado pode ser expandido como

|ψ⟩ =∫d3r |r⟩⟨r|ψ⟩ =

∫d3r ψ(r) |r⟩ , (223)

onde ψ(r) denota a componente de |ψ⟩ na base {|r⟩}:

⟨r|ψ⟩ = ψ(r) . (224)

36

Page 37: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

Isto é conhecido como a função de onda para o vetor de estado |ψ⟩. De acordo com a in-terpretação probabilística de Born, a quantidade |⟨r|ψ⟩|2 d3r representa a probabilidade deencontrar o sistema no elemento de volume d3r.

O produto escalar entre dois vetores de estado, |ψ⟩ e |ϕ⟩, pode ser expressa desta forma:

⟨ϕ|ψ⟩ = ⟨ϕ|I|ψ⟩ = ⟨ϕ|(∫

d3r |r⟩⟨r|)|ψ⟩

=

∫d3r ⟨ϕ|r⟩⟨r|ψ⟩

=

∫d3r ⟨r|ϕ⟩∗⟨r|ψ⟩ =

∫d3r ϕ∗(r)ψ(r) . (225)

Como R|r⟩ = r|r⟩, temos que R2 = RR aplicado a |r⟩ é

R2|r⟩ = R(R|r⟩

)= R (r|r⟩) = rR|r⟩ = r2|r⟩ ,

que pode ser generalizado paraRn|r⟩ = rn|r⟩ .

Com isso, temos⟨r′|Rn|r⟩ = ⟨r′|rn|r⟩ = rn⟨r′|r⟩ = rnδ(r′ − r) . (226)

Note que o operador R é Hermitiano, pois

⟨ϕ|R|ψ⟩ = ⟨ϕ|RI|ψ⟩ = ⟨ϕ|R(∫

d3r |r⟩⟨r|)|ψ⟩

=

∫d3r ⟨ϕ|R|r⟩⟨r|ψ⟩

=

∫d3r r⟨ϕ|r⟩⟨r|ψ⟩

=

[∫d3r r⟨ψ|r⟩⟨r|ϕ⟩

]∗=

[∫d3r ⟨ψ|R|r⟩⟨r|ϕ⟩

]∗=

[⟨ψ|R

(∫d3r |r⟩⟨r|

)|ϕ⟩]∗

= ⟨ψ|R|ϕ⟩∗ . (227)

6.3 Representação do Momento

A base {|p⟩} da representação do momento é obtida dos autokets do operador momentoP:

P|p⟩ = p|p⟩ , (228)

onde p é o vetor momento. A álgebra relevante a esta representação pode ser facilmenteinferida da representação de posição. As condições de ortonormalidade e completeza da base|p⟩ do espaço de momento são dadas por

⟨p|p′⟩ = δ(p− p′) (229)

37

Page 38: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

e ∫d3p |p⟩⟨p| = I . (230)

Expandindo |ψ⟩ nesta base, obtemos

|ψ⟩ = I|ψ⟩ =∫d3p |p⟩⟨p|ψ⟩ =

∫d3pΨ(p) |p⟩ , (231)

onde o coe�ciente Ψ(p) da expansão representa a função de onda no espaço de momento. Aquantidade |Ψ(p)|2 d3p é a probabilidade de encontrar o momento do sistema no elemento devolume d3p localizado entre p e p+ dp.

Por analogia com (225) o produto escalar entre dois estados no espaço de momento é dadopor

⟨ϕ|ψ⟩ = ⟨ϕ|(∫

d3p |p⟩⟨p|)|ψ⟩ =

∫d3pΦ∗(p)Ψ(p) . (232)

Como P|p⟩ = p|p⟩, temos⟨p′|Pn|p⟩ = pnδ(p′ − p) . (233)

6.4 Conexão entre as Representações de Posição e do Momento

Vamos agora estabelecer a conexão entre as representações de posição e momento. Parapassar da base {|r⟩} para a base {|p⟩}, temos que encontrar a função de transformação ⟨r|p⟩.

Para encontrar a expressão para a função de transformação ⟨r|p⟩ , vamos estabelecer umaconexão entre as representações de posição e momento do vetor de estado |ψ⟩:

⟨r|ψ⟩ = ⟨r|(∫

d3p |p⟩⟨p|)|ψ⟩ =

∫d3p ⟨r|p⟩⟨p|ψ⟩ =

∫d3p ⟨r|p⟩Ψ(p) . (234)

Portanto,

ψ(r) =

∫d3p ⟨r|p⟩Ψ(p) . (235)

Da mesma forma, pode-se escrever

Ψ(p) = ⟨p|ψ⟩ = ⟨p|(∫

d3r |r⟩⟨r|)|ψ⟩ =

∫d3r ⟨p|r⟩⟨r|ψ⟩ ,

ou

Ψ(p) =

∫d3r ⟨p|r⟩ψ(r) . (236)

Estas duas últimas relações implicam que ψ(r) e Ψ(p) podem ser vistas como a transfor-mada de Fourier uma da outra. Na mecânica quântica, a transformada de Fourier de umafunção f(r) é dada por8

f(r) =1

(2π~)3/2

∫d3p eip·r/~ g(p) . (237)

Portanto, a função ⟨r|p⟩ é dada por

⟨r|p⟩ = eip·r/~

(2π~)3/2(238)

8Note a presença da constante de Planck.

38

Page 39: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

Essa função transforma da representação de momento para a representação de posição. Afunção correspondente à transformação inversa, ⟨p|r⟩, é dada por

⟨p|r⟩ = ⟨r|p⟩∗ = e−ip·r/~

(2π~)3/2(239)

A quantidade |⟨r|p⟩|2 representa a densidade de probabilidade de encontrar a partícula naregião em torno de r onde seu momento é p.

Nota: Se a função de onda da posição

ψ(r) =1

(2π~)3/2

∫d3p eip·r/~Ψ(p) (240)

estiver normalizada9, sua transformada de Fourier

Ψ(p) =1

(2π~)3/2

∫d3r e−ip·r/~ ψ(r) (241)

também deve estar normalizada, pois∫d3pΨ∗(p)Ψ(p) =

∫d3pΨ∗(p)

[1

(2π~)3/2

∫d3r e−ip·r/~ ψ(r)

]

=

∫d3r ψ(r)

[1

(2π~)3/2

∫d3pΨ∗(p) e−ip·r/~

]

=

∫d3r ψ(r)ψ∗(r) = 1 . (242)

Esse resultado é conhecido como o teorema de Parseval.

6.4.1 Operador Momento na Representação de Posição

Para determinar a forma do operador momento P na representação de posição, vamoscalcular ⟨r|P|ψ⟩:

⟨r|P|ψ⟩ = ⟨r|PI|ψ⟩ = ⟨r|P(∫|p⟩⟨p| d3p

)|ψ⟩

=

∫⟨r|P|p⟩⟨p|ψ⟩ d3p

=

∫p ⟨r|p⟩⟨p|ψ⟩ d3p

=1

(2π~)3/2

∫p eip·r/~Ψ(p) d3p . (243)

9Isto é, se ∫d3r ψ(r)ψ∗(r) = 1 .

39

Page 40: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

Agora, como p eip·r/~ = −i~∇eip·r/~, e usando (238), podemos reescrever (243) como

⟨r|P|ψ⟩ = −i~∇[

1

(2π~)3/2

∫eip·r/~Ψ(p) d3p

]

= −i~∇[∫⟨r|p⟩⟨p|ψ⟩ d3p

]= −i~∇⟨r|ψ⟩ . (244)

Assim, P é dado na representação de posição por

P = −i~∇ . (245)

Suas componentes cartesianas são

Px = −i~ ∂∂x

, Py = −i~ ∂∂y

, Pz = −i~∂

∂z(246)

Note que a forma do operador momento (245) pode ser obtida simplesmente aplicando ooperador gradiente ∇ a uma função de onda plana ψ(r, t) = Aei(p·r−Et)/~:

− i~∇ψ(r, t) = pψ(r, t) = Pψ(r, t) . (247)

Como P = −i~∇, podemos escrever o operador Hamiltoniano H = P2/2m+ V na repre-sentação de posição do seguinte modo:

H = − ~2

2m∇2 + V (r) = − ~2

2m

(∂2

∂x2+

∂2

∂y2+

∂2

∂z2

)+ V (r) (248)

onde ∇2 é o operador Laplaciano. Em coordenadas cartesianas é dado por ∇2 = ∂2x+∂2y +∂

2z .

6.4.2 Operador Posição na Representação de Momento

A forma do operador posição R na representação do momento pode ser facilmente inferidada representação de P no espaço de posição. No espaço de momento o operador posição podeser escrito como

Rj = i~∂

∂pj(j = x, y, z) , (249)

ou

X = i~∂

∂px, Y = i~

∂py, Z = i~

∂pz(250)

6.4.3 Relações de Comutação Importantes

Vamos calcular o comutador [Rj , Pk]. As ações separadas de XPx e PxX sobre a funçãode onda ψ(r) são dadas por

XPxψ(r) = X(Pxψ(r)

)= X

(−i~∂ψ(r)

∂x

)= −i~x ∂ψ(r)

∂x(251)

40

Page 41: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

e

PxXψ(r) = Px

(Xψ(r)

)= Px (xψ(r)) = −i~

∂x(xψ(r)) = −i~ψ(r)− i~x ∂ψ(r)

∂x. (252)

Portanto, temos

[X, Px]ψ(r) = XPxψ(r)− PxXψ(r) = −i~x∂ψ(r)

∂x+ i~ψ(r) + i~x

∂ψ(r)

∂x= i~ψ(r) ,

ou[X, Px] = i~ . (253)

Relações similares podem ser prontamente derivadas para as componentes y e z, de forma quetemos:

[X, Px] = i~ , [Y , Py] = i~ , [Z, Pz] = i~ (254)

Note-se que

[X, Py]ψ(r) = XPyψ(r)− PyXψ(r)

= X

(−i~∂ψ(r)

∂y

)− Px (xψ(r)) = −i~x

∂ψ(r)

∂y+ i~x

∂ψ(r)

∂y= 0 ,

de modo que [X, Py] = 0. Veri�ca-se que

[X, Py] = [X, Pz] = [Y , Px] = [Y , Pz] = [Z, Px] = [Z, Py] = 0 , (255)

pois os graus de liberdade x, y e z são independentes. Note-se ainda que

[X, Y ]ψ(r) = X(Y ψ(r))− Y (Xψ(r)) = X (xψ(r))− Y (yψ(r)) = xyψ(r)− yxψ(r) = 0 ,

e veri�ca-se que[X, Y ] = [X, Z] = [Y , Z] = [Z, X] = 0 . (256)

Além disso,

[Px, Py]ψ(r) = Px(Pyψ(r))− Py(Pxψ(r))

= −i~ ∂∂x

(−i~∂ψ(r)

∂y

)−[−i~ ∂

∂y

(−i~∂ψ(r)

∂x

)]

= −~2 ∂2ψ(r)

∂x∂y+ ~2

∂2ψ(r)

∂y∂x= 0 .

Veri�ca-se também que

[Px, Py] = [Px, Pz] = [Py, Pz] = [Pz, Px] = 0 . (257)

As relações em (254), (255), (256) e (257) podem ser agrupadas do seguinte modo:

[Rj , Rk] = i~δjk , [Rj , Rk] = 0 , [Pj , Pk] = 0 (258)

Essas relações são chamadas de relações canônicas de comutação.

41

Page 42: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

Agora, usando a relação (66), temos

[X2, Px] = [XX, Px] = X[X, Px] + [X, Px]X = i~X + i~X = 2i~X ,

que leva a

[X3, Px] = [X2X, Px] = X2[X, Px] + [X2, Px]X = i~X2 + 2i~X2 = 3i~X2 ,

o que, por sua vez, leva a

[X4, Px] = [X3X, Px] = X3[X, Px] + [X3, Px]X = i~X3 + 3i~X3 = 4i~X3 .

Continuando dessa forma, pode-se obter qualquer potência de X. Podemos generalizar osresultados acima por

[Xn, Px] = i~nXn−1 . (259)

Resultado semelhante vale para potências de Px:

[X, Pnx ] = i~nPn−1

x . (260)

Seguindo o mesmo procedimento que levou a (253), pode-se obter uma relação de comutaçãogeral de Px com uma função f(X) arbitrária:

[f(X), Px] = i~df(X)

dX=⇒ [P, f(R)] = −i~∇F (R) (261)

onde F é uma função do operador R.Vamos calcular agora o comutador [X, P ] na representação do momento. O operador X é

dado, na representação do momento pela relação (250). Temos, então,

[X, P ]ψ(p) = XPψ(p)− P Xψ(p)

= i~∂

∂p(pψ(p))− i~p∂ψ(p)

∂p

= i~ψ(p) + i~p∂ψ(p)

∂p− i~p∂ψ(p)

∂p

= i~ψ(p) ,

de forma que, na representação do momento,

[X, P ] =

[i~∂

∂p, P

]= i~ . (262)

Já vimos que na representação de posição,

[X, P ] =

[X,−i~ ∂

∂x

]= i~ . (263)

A forma explícita dos operadores depende da representação adotada, mas as relações de co-

mutação para operadores são independentes da representação.

42

Page 43: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

6.5 Operador de Paridade

A re�exão espacial em torno da origem do sistema de coordenadas é denominada umaoperação de inversão ou de paridade. Essa transformação é discreta. O operador de paridadeP é de�nido por sua ação nos kets |r⟩ do espaço de posição:

P|r⟩ = | − r⟩ , ⟨r|P† = ⟨−r| , (264)

tal quePψ(r) = ψ(−r) . (265)

O operador de paridade é Hermitiano, P† = P, pois∫d3r ϕ∗(r)

[Pψ(r)

]=

∫d3r ϕ∗(r)ψ(−r)

=

∫d3r ϕ∗(−r)ψ(r) =

∫d3r

[Pϕ(r)

]∗ψ(r) . (266)

Da de�nição (265), temosP2ψ(r) = Pψ(−r) = ψ(r) , (267)

e assim, P2 é igual ao operador unidade:

P2 = I ou P = P−1 . (268)

Logo, o operador de paridade é unitário, já que seu adjunto Hermitiano é igual a seu inverso:

P† = P−1 . (269)

Como P2 = I, os autovalores de P são +1 e −1, com os autoestados correspondentes

Pψ+(r) = ψ+(−r) = ψ+(r) , Pψ−(r) = ψ−(−r) = −ψ−(r) . (270)

O autoestado |ψ+⟩ é denominado par e o autoestado |ψ−⟩ é ímpar. Logo, as autofunções dooperador de paridade têm paridade de�nida: são pares ou ímpares.

Como |ψ+⟩ e |ψ−⟩ são autoestados do mesmo operador Hermitiano P, mas com autovaloresdiferentes, esses autoestados devem ser ortogonais:

⟨ψ+|ψ−⟩ =∫d3r ψ∗

+(−r)ψ−(−r) ≡ −∫d3r ψ∗

+(r)ψ−(r) = −⟨ψ+|ψ−⟩ , (271)

e ⟨ψ+|ψ−⟩ é zero. Os estados |ψ+⟩ e |ψ−⟩ formam um conjunto completo, já que qualquerfunção pode ser escrita como ψ(r) = ψ+(r) + ψ−(r), o que conduz a

ψ+(r) =1

2[ψ(r) + ψ(−r)] , ψ−(r) =

1

2[ψ(r)− ψ(−r)] . (272)

Como P2 = I, temos

Pn =

{P quando n é ímpar,

I quando n é par.(273)

43

Page 44: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

6.5.1 Operadores Pares e Ímpares

Um operador A é dito ser par se obedece à condição

PAP = A (274)

e um operador B é ímpar se obedece a

PBP = −B . (275)

Veri�ca-se que:

AP =(PAP

)P = PAP2 = PA (276)

eBP = −

(PBP

)P = −PBP2 = −PB . (277)

O fato de que operadores pares comutam com o operador de paridade, de acordo com (276),tem várias conseqüências úteis. Vamos examinar dois casos importantes que dependem de umoperador par ter autovalores não degenerados ou degenerados:

• Se um operador par é Hermitiano e nenhum de seus autovalores é degenerado, entãoeste operador tem os mesmos autovetores que o operador de paridade. E como osautovetores do operador de paridade são pares ou ímpares, os autovetores de um operadorHermitiano, par e não degenerado devem também ser pares ou ímpares; diz-se que elestêm paridade de�nida. Essa propriedade é útil em aplicações onde se resolve a equaçãode Schrödinger para Hamiltonianos pares.

• Se o operador par tem um espectro degenerado, seus autovetores não têm necessaria-mente uma paridade de�nida.

E quanto à paridade dos operadores posição e momento, R e P? Pode-se facilmente mostrarque ambos são ímpares. No caso de R, por exemplo, temos

PR|r⟩ = rP|r⟩ = r| − r⟩ e RP|r⟩ = R| − r⟩ = −r| − r⟩ ,

de modo quePR = −RP . (278)

Pode-se mostrar também quePP = −PP . (279)

De (278) e (278), tem-sePRP† = −R , PPP† = −P , (280)

visto que P†P = 1. Se o operador A é par e o operador B é ímpar, pode-se veri�car que

PAnP = An e PBnP = (−1)n Bn . (281)

Essas relações podem ser demonstradas facilmente. A primeira relação, por exemplo, vem de

PAnP = (PAP)(PAP) . . . (PAP)

= (PPA)(PPA) . . . (PPA)

= (P2A)(P2A) . . . (P2A) = AA . . . A = An . (282)

44

Page 45: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

7 Mecânica Matricial e Mecânica Ondulatória

Até agora trabalhamos a matemática pertinente à mecânica quântica em duas representa-ções diferentes: sistemas de base discreta e sistemas de base contínua. A teoria da mecânicaquântica lida, em essência, com a solução do seguinte problema de autovalor:

H|ψ⟩ = E|ψ⟩ , (283)

onde H é a Hamiltoniana do sistema. Essa equação é geral e não depende de qualquer sistemade coordenadas ou representação. Mas , para resolvê-la precisamos representá-la em uma dadosistema de base. A complexidade associada à resolução dessa equação de autovalor irá variarde uma base para outra.

No que se segue examinaremos a representação dessa equação de autovalor numa basediscreta e então numa base contínua.

7.1 Mecânica Matricial

A representação da mecânica quântica numa base discreta produz um problema matricial

de autovalor. Ou seja, a representação de (283) numa base discreta {|ϕn⟩} produz a seguinteequação matricial de autovalor (veja (197)):∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

H11 − E H12 H13 . . . H1N

H21 H22 − E H23 . . . H2N

H31 H22 H33 −E . . . H3N

......

.... . .

...

HN1 HN2 HN3 . . . HNN − E

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣= 0 . (284)

Esta é uma equação de N -ésimo grau em E; suas soluções fornecem o espectro de energia dosistema: E1, E2, . . . , EN . Conhecendo o conjunto de autovalores E1, E2, . . . , EN , podemosfacilmente determinar o correspondente conjunto de autovetores |ϕ1⟩, |ϕ2⟩, . . . , |ϕN ⟩.

A diagonalização da matriz Hamiltoniana 284 de um sistema fornece o espectro de energiabem como os vetores de estado do sistema. Esse procedimento, que foi feito por Heisenberg,envolve apenas quantidades matriciais e equações matriciais de autovalor. Essa formulaçãoda mecânica quântica é conhecida como mecânica matricial.

O ponto de partida de Heisenberg, em sua tentativa de encontrar uma fundamentaçãoteórica para as idéias de Bohr, foi a relação de transição atômica

νnm =Em − En

h, (285)

que dá a freqüência de radiação associada à transição eletrônica da órbita m para a órbitan. As freqüências νnm podem ser arranjadas numa matriz quadrada, onde o elemento mncorresponde à transição do m-ésimo para o n-ésimo estado quântico.

Podemos também construir matrizes para outras quantidades dinâmicas associadas à tran-sição m→ n. Desta forma, toda quantidade física é representada por uma matriz. Por exem-plo, representamos níveis de energia por uma matriz de energia, a posição por uma matrizde posição, o momento por uma matriz de momento, o momento angular por uma matrizde momento angular, e assim por diante. Assim, o cálculo de quantidades físicas envolve o

45

Page 46: [2011]   Ferramentas matemáticas da mecânica quântica

trabalho com a álgebra de quantidades matriciais. No contexto da mecânica matricial, lida-secom quantidades que não comutam, pois o produto de matrizes não comuta. Esta é umacaracterística essencial que distingue a mecânica matricial da mecânica clássica, onde todas asquantidades comutam. As componentes da posição e do momento não comutam no contextoda mecânica matricial, sendo relacionadas pela relação de comutação [X, Px] = i~. A mesmacoisa se aplica às componentes do momento angular. O papel desempenhado pelas relações decomutação dentro do contexto da mecânica matricial é similar ao papel desempenhado pelascondições de quantização de Bohr na teoria atômica. A mecânica matricial de Heisenbergexige, portanto, a introdução de arsenal matemático � espaços vetoriais lineares, espaço de

Hilbert, álgebra de comutadores e álgebra matricial � que é inteiramente diferente do arsenalmatemático da mecânica clássica.

7.2 Mecânica Ondulatória

A representação do formalismo da mecânica quântica numa base contínua produz umaproblema de autovalor não na forma de uma equação matricial, como na formulação de Hei-senberg, mas na forma de uma equação diferencial. A representação da equação de autovalor(283) no espaço de posição fornece

⟨r|H|ψ⟩ = E⟨r|ψ⟩ . (286)

Como mostrado em (248), o Hamiltoniano é dado por −~2∇2/(2m) + V (r) na representaçãode posição, de forma que podemos escrever (286) numa forma mais familiar:

− ~2

2m∇2ψ(r) + V (r)ψ(r) = Eψ(r) (287)

onde ⟨r|ψ⟩ = ψ(r) é a função de onda do sistema. Essa equação diferencial é conhecida comoa equação de Schrödinger. Suas soluções fornecem o espectro de energia do sistema bem comosuas funções de onda. Essa formulação da mecânica quântica na representação de posição échamada de mecânica ondulatória.

Ao contrário de Heisenberg, Schrödinger tomou um ponto de partida inteiramente diferenteem sua busca de uma justi�cação teórica para as idéias de Bohr. Ele partiu da hipótese onda-partícula, formulada por de Broglie, e a estendeu aos elétrons em órbita do núcleo. Schrödingerqueria encontrar uma equação que descrevesse o movimento do elétron dentro do átomo. Aquio foco está no aspecto ondulatório do elétron. A condição de quantização de Bohr, L = n~, éequivalente à relação de de Broglie, λ = 2π~/p. Para estabelecer essa conexão, basta que sefaça três considerações:

(a) o comprimento de onda da onda associada ao elétron em órbita está conectada ao mo-mento linear do elétron por λ = 2π~/p;

(b) a órbita do elétron é circular, e

(c) a circunferência da órbita do elétron é um múltiplo inteiro do comprimento de onda doelétron, isto é, 2πr = nλ. Isto leva prontamente a 2πr = n (2π~/p), ou n~ = np ≡ L.Isso signi�ca que para cada órbita existe apenas um comprimento de onda associadocom o elétron orbitante.

Assim a condição de quantização de Bohr implica, em essência, em uma unicidade dafunção de onda para cada órbita do elétron.

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8 Notas Finais

Historicamente, a formulação matricial da mecânica quântica foi feita por Heisenberg poucoantes de Schrödinger ter introduzido sua mecânica ondulatória. A equivalência entre as duasformulações foi provada alguns anos depois através da teoria das transformações unitárias.Diferentes na forma, ainda que idênticas em conteúdo, a mecânica ondulatória e a mecânicamatricial atingem o mesmo objetivo: encontrar o espectro de energia e os estados de sistemasquânticos.

A formulação matricial tem a vantagem da maior generalidade (formal), ainda que sofrade várias desvantagens. Do lado conceitual, não oferece qualquer idéia visual sobre a estruturado átomo; é menos intuitiva que a mecânica ondulatória. Do lado técnico, é difícil de se usarem problemas de relativa facilidade, como o de encontrar estados estacionários de átomos.Contudo, se torna poderosa e prática na resolução de problemas como o oscilador harmônicoou no tratamento do formalismo do momento angular.

Mas a maioria dos esforços da mecânica quântica se concentram na resolução da equaçãode Schrödinger, não no problema de autovalor matricial de Heisenberg. A mecânica matricialé usada apenas em poucos problemas, como o oscilador harmônico, onde é mais adequada quea mecânica ondulatória de Schrödinger.

Na mecânica ondulatória, precisamos apenas especi�car o potencial no qual a partícula semove, e a equação de Schrödinger toma conta do resto. Ou seja, conhecendo V (r), podemos,em princípio, resolver a equação (287) para obter os vários níveis de energia da partícula esuas correspondentes funções de onda. A complexidade que se encontra na solução da equaçãodiferencial depende inteiramente da forma do potencial; quanto mais simples o potencial, maisfácil é a solução. Soluções exatas da equação de Schrödinger são possíveis apenas para unspoucos sistemas idealizados. Sistemas reais, em geral, não se prestam a soluções exatas. Nessescasos, deve-se recorrer a soluções aproximadas.

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