16
7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 1/16 1  ______________________________________________________Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana   ____________________________ ______________________________ _____________________________ __ Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9, n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos CINEMA, VELHICE E CULTURA: UM OLHAR ATRAVÉS DO FILME COPACABANA  Ana Regina Messias 1  Resumo:  A proposta deste artigo é observar o cinema como mediador de representações em torno das identidades culturais de um grupo de idosos. A partir de aportes teóricos de autores como Stuart Hall, Edgar Morin, Lucia Santaella, entre outros, será feito um estudo de caso centrado em um filme brasileiro, produzido em finais dos anos 1990: Copacabana . Lançado em 2001, esse filme era um sonho antigo de Carla Camurati, que começou a se envolver com o projeto em 1995. Além de produzir e dirigir a fita, ela também assina o roteiro ao lado de Melanie Diamantas e Yoya Würsh. O texto aqui apresentado aponta para uma discussão em torno de questões de representações das identidades culturais brasileiras de um grupo de idosos, personagens do filme Copacabana, a partir das seguintes dimensões: a) relações com a afetividade, b) relações sociais, c) relações com a morte e com a finitude; nesse grupo está Alberto, prestes há completar noventa anos; ele com amigos desenvolvem uma apologia à amizade, uma das maiores riquezas na vida: os amigos que fazemos. Palavras-chave:  Velhice; Cinema; Cultura; Representação. Resumen: El propuesta de este trabajo es ver el cine como un mediador de las representaciones sobre la identidad cultural de un grupo de ancianos. De las aportaciones teóricas de autores como Stuart Hall, Edgar Morin, Lucía Santaella, entre otros, un caso centrado en una película brasileña, producido a finales de 1990: Copacabana . Lanzado en 2001, esta película fue un viejo sueño de Carla Camurati, que se involucró con el proyecto en 1995. Además de producir y dirigir la cinta, que también escribió el guión junto a Melanie Diamantes y Würsh Yoya. El texto que aquí se presenta apunta a um debate en torno a las cuestiones de la representación de las identidades culturales de un grupo de personajes brasileños de edad avanzada em La película de Copacabana, a partir de las siguientes dimensiones: a) relaciones de afecto, b) relaciones sociales, c) las relaciones com la muerte y la finitud, este grupo es Alberto, hay cerca de noventa años en completarse; amigos vivencon él una apología de la amistad, uma de lãs mayores riquezas de la  vida: amigos que lo hacen. Palabras-clave: Vejez; Cine; Cultura; Representación. 1  Mestranda do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade, linha Cultura e identidade da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected]

25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 1/16

1 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

CINEMA, VELHICE E CULTURA: UM OLHAR ATRAVÉS DO FILME COPACABANA

 Ana Regina Messias 1 

Resumo:  A proposta deste artigo é observar o cinema como mediador de representações emtorno das identidades culturais de um grupo de idosos. A partir de aportes teóricos de autorescomo Stuart Hall, Edgar Morin, Lucia Santaella, entre outros, será feito um estudo de casocentrado em um filme brasileiro, produzido em finais dos anos 1990: Copacabana . Lançado em2001, esse filme era um sonho antigo de Carla Camurati, que começou a se envolver com o

projeto em 1995. Além de produzir e dirigir a fita, ela também assina o roteiro ao lado de MelanieDiamantas e Yoya Würsh. O texto aqui apresentado aponta para uma discussão em torno dequestões de representações das identidades culturais brasileiras de um grupo de idosos,personagens do filme Copacabana, a partir das seguintes dimensões: a) relações com a afetividade,b) relações sociais, c) relações com a morte e com a finitude; nesse grupo está Alberto, prestes hácompletar noventa anos; ele com amigos desenvolvem uma apologia à amizade, uma das maioresriquezas na vida: os amigos que fazemos.

Palavras-chave: Velhice; Cinema; Cultura; Representação.

Resumen: El propuesta de este trabajo es ver el cine como un mediador de las representaciones

sobre la identidad cultural de un grupo de ancianos. De las aportaciones teóricas de autores comoStuart Hall, Edgar Morin, Lucía Santaella, entre otros, un caso centrado en una película brasileña,producido a finales de 1990: Copacabana . Lanzado en 2001, esta película fue un viejo sueño deCarla Camurati, que se involucró con el proyecto en 1995. Además de producir y dirigir la cinta,que también escribió el guión junto a Melanie Diamantes y Würsh Yoya. El texto que aquí sepresenta apunta a um debate en torno a las cuestiones de la representación de las identidadesculturales de un grupo de personajes brasileños de edad avanzada em La película de Copacabana,a partir de las siguientes dimensiones: a) relaciones de afecto, b) relaciones sociales, c) lasrelaciones com la muerte y la finitud, este grupo es Alberto, hay cerca de noventa años encompletarse; amigos vivencon él una apología de la amistad, uma de lãs mayores riquezas de la

 vida: amigos que lo hacen.

Palabras-clave: Vejez; Cine; Cultura; Representación.

1 Mestranda do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade, linha Cultura e identidade daFaculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected]

Page 2: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 2/16

2 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

1 INTRODUÇÃO

O avançar da idade já não é, para muitos, sinônimo de decadência e isolamento.(PEIXOTO, 2004, p. 9)

 A velhice é considerada como o último período da vida normal, caracterizado peloenfraquecimento das funções vitais. Estado de redução das forças físicas e das faculdades mentais

que acompanha habitualmente esse período.

Simone de Beauvoir (1990, p. 345), diz ser a velhice “o que acontece às pessoas que ficam

 velhas”. Para Guita Debert (1999), a velhice não é uma categoria natural, mas uma categoria que

é socialmente construída, isto é, que faz distinção entre um fato natural (ciclo biológico, do ser

humano) e um fato universal (fatores sociais e históricos), os quais proporcionam formas

diferentes de se conceber e viver o envelhecimento.

Os estudos sobre envelhecimento trazem uma polêmica conceitual sobre os termos que

são utilizados para designar pessoas com idade igual ou acima de sessenta anos, entre eles:

“velho”, “idosos”, “terceira idade”, “melhor idade”.

O processo de envelhecimento e sua consequência natural, a velhice, desde o início da

civilização é uma das preocupações da humanidade. O século XX, porém, marcou

definitivamente a importância do estudo da velhice, que é fruto da natural tendência de aumento

do número de idosos em todo o mundo. Apesar de, segundo Ana Amélia Camarano e Maria

 Tereza Pasinato (2004, p. 253): “o envelhecimento populacional ser amplamente reconhecido

como uma das principais conquistas sociais do século XX, reconhece-se, também, que este traz

grandes desafios para as políticas públicas”.

Cada sociedade organiza estruturas, funções e papéis cotidianos, segundo os grupos

etários dos indivíduos. O estudo sobre a forma como se dá essa organização torna possível situar

o "lugar social do idoso" que é, portanto, variável de uma sociedade para outra e até em uma

mesma sociedade, em momentos históricos diferentes ou classes e grupos sociais diferentes

(SCOTT, 2002). Ao se falar que a velhice foi pensada, em termos econômicos, como carga para a família e

para a sociedade, Motta (2002, p. 131) aponta para uma representação biológica da velhice com

consequências sociais. Nesse sentido, afirma que:

[...] no imaginário social, o envelhecimento é um processo que concerne à marcação da”idade” como algo que se refere à “natureza”, e que se desenrola como desgaste,limitações crescentes e perdas, físicas e de papéis sociais, em trajetória que finda com amorte. Não se costuma pensar em nenhum bem; quando muito, alguma experiência.Nenhum ganho, nessa viagem ladeira abaixo.

Page 3: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 3/16

3 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

Para Lima (1998, p. 22), que pesquisou as consequências do envelhecimento populacional

no Brasil:

O desinteresse pelo velho tem sido uma constante. Muitos acham que ele não conta, jádesempenhou o seu papel no mundo, cumpriu o seu percurso natural e deve aguardar omomento do desfecho fatídico para abandonar a vida. O idoso não tem futuro,nenhuma razão lógica para viver.

 Assim, com vistas a observar essas consequências, é apresentada, neste texto, discussão a

respeito do Cinema Brasileiro Contemporâneo e imagens da velhice elaboradas e veiculadas por

esse cinema, tomando-se como referência o filme Copacabana  (2001). Ao observar esse filme, são

identificadas também as representações de velhice por ele veiculada e verificadas a construção

delas sob o ponto de vista do discurso verbal. São explicitados, pontos de contato da temática

com as representações produzidas sobre o assunto no contexto do Brasil contemporâneo,

apreendidas na bibliografia disponível.

 A apreensão das representações da velhice será feita a partir das seguintes dimensões: a)

relações com a afetividade (amor e sexo), b) relações sociais, c) relações com a morte e com a

finitude.

 As observações abrangem temas como trabalho e lazer; aparência/decadência física e

saúde; amor, amizade e sexo. Esses temas, discutidos na bibliografia sobre envelhecimento, são

centrais no cotidiano das sociedades ocidentais contemporâneas e, portanto, relevantes na

 velhice; sobretudo, devido às transformações pelas quais passam as pessoas no processo deenvelhecimento. É apresentada, ainda, breve descrição do filme em estudo, com o intuito de

situar o leitor em relação a ele, e, são indicadas e discutidas representações da velhice presentes na

obra.

2 A POPULAÇÃO IDOSA NO BRASIL

De envelhecer ninguém escapa.(PEIXOTO, 2004, p. 9)

O envelhecimento populacional é uma questão importante na agenda das políticas

públicas e nos estudos acadêmicos em quase todo o mundo, inclusive no Brasil, uma vez que:

O fenômeno demográfico de elevação da expectativa de vida e de maior proporção deidosos nas sociedades, principalmente nos países em desenvolvimento, tem geradoespanto e suscitado debates sobre a velhice e o envelhecimento em todos os âmbitos,quer sejam leigos, científicos ou governamentais. (TAVARES, 2005, p. 101) 

No Brasil, país em desenvolvimento, debates vêm sendo realizados, apesar das condições

de vida do brasileiro, com as dificuldades enfrentadas, serem diferentes daquelas da década de

Page 4: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 4/16

4 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

1950, quando o poeta João Cabral de Melo Neto escreveu Morte e Vida Severina (MELO

NETO, 1994). Na metade do século vinte, este era um País de jovens, com elevadas taxas de

natalidade e de mortalidade, em especial a infantil. A grande maioria das pessoas não chegava à

 velhice, pois morria antes dos 50 anos em decorrência principalmente de doenças infecciosas e

parasitárias. 

 Atualmente, não se pode mais dizer que o Brasil seja um país jovem, já que a Organização

Mundial de Saúde (OMS) considera uma população envelhecida quando a proporção de pessoas

com 60 anos ou mais atinge 7% com tendência a crescer.

Segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Censo

Populacional de 2010, entre 1980 e 2009, cresceu a esperança de vida dos idosos.

Essa esperança de vida aos 60 anos, para ambos os sexos, cresceu de 16,39 anos para21,27 anos, indicando que em 2009 uma pessoa que completasse 60 anos esperaria viver em

média até os 81,27 anos, contra os 76,39 anos de vida média em 1980. Para os homens, esse valor

passou de 15,17 para 19,55 anos e para as mulheres de 17,63 para 22,83 anos, conforme tabela

abaixo:

ESPERANÇA DE VIDA AOS 60 ANOS NO BRASIL – 1980 e 2009

no Homens Mulheres

1980 15,17 17,63

2009 19,55 2283

Fonte: IBGE, censo 2010

 Assim, entre 1980 – 2009, a vida média masculina passaria de 75,17 para 79,55 anos, e a

feminina dos 77,63 para 82,83 anos.

Em 2009, os respectivos anos de vida média para ambos os sexos, homens e mulheres

aos 70 anos de idade são 84,58; 83,37 e 85,61. Os ganhos na esperança de vida aos 60 e 70 anos

de idade em relação à esperança estimada ao momento do nascimento, em 2009, foram,

respectivamente, de 8,10 e 11,41 anos, para ambos os sexos, 10,13 e 13,95 anos, para os homens

e de 5,82 e 8,60 anos, para as mulheres.

 Ao mesmo tempo, o ritmo de crescimento da população brasileira desacelerou em função

da rápida queda na taxa de fecundidade e da mortalidade infantil (CAMARANO; PASINATO,

2004).

Somam-se a isso as profundas transformações nas esferas econômica, social e política,

nos sistemas de valores e nos arranjos familiares que fazem com que o envelhecimento da

Page 5: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 5/16

5 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

população seja, ao mesmo tempo, parte atuante e resultado do processo de desenvolvimento e

transformação da sociedade brasileira.

Esse aumento da expectativa de vida e da população de idade mais avançada provoca uma

ampliação e diversificação do campo de estudos sobre a velhice que se torna mais complexo e

denso e muito mais matizado em relação à sua constituição e categorias de análise.

Em uma sociedade onde “a cultura é a parte do ambiente que é feita pelo homem [...]

nisto está o reconhecimento de que a vida humana é vivida num contexto duplo, o habitat natural

e seu ambiente social” (SANTAELLA, 2010, p. 31), o idoso, como um novo sujeito, tem

provocado mudanças de comportamento em diversos setores de seu ambiente social, inclusive no

consumo e na imagem, principais alicerces das sociedades capitalistas contemporâneas.

Na medida em que cresce o número de pessoas idosas no país, cresce também a sua visibilidade e capacidade de organização como grupo específico, por meio de associações e

sindicatos, por exemplo. Dessa forma, esses novos atores passam a ser identificados de diferentes

maneiras, inclusive politicamente, pelos sujeitos que compartilham o mesmo espaço social.

3 O CINEMA BRASILEIRO

Idosos com freqüência são personagens do cinema, e sua presença como figuras centraisnos filmes, apesar de ser mais rara, tem ganho um espaço cada vez maior [...].

(DEBERT, 2004, p. 23)

O cinema foi introduzido no Brasil em 1896, sete meses depois da histórica exibição dos

filmes dos irmãos Lumière em Paris. Um ano depois, Paschoal Segreto e José Roberto Cunha

Salles inauguram uma sala permanente, na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro.

Na história do cinema brasileiro há ciclos importantes, dentre os quais, o Cinema Novo,

um movimento de grande repercussão internacional; o Cinema Marginal, que teve sua maior

expressão em São Paulo e as Pornochanchadas.

Em 1955, o filme Rio, 40 Graus , produzido por Nelson Pereira dos Santos, marca o início

de um novo ciclo do cinema nacional, inspirado no neo-realismo italiano e na nouvelle vague

francesa; nasce então, o Cinema Novo (CALDAS; MONTORO, 2006).

Uma nova temática de obras já começa a ser abordada e concluída mais adiante, por essa

nova fase do cinema que se concretiza na década de 1950, mais especificamente em 1952, com o

I Congresso Paulista de Cinema Brasileiro e o I Congresso Nacional do Cinema Brasileiro. Por

meio desses congressos, foram discutidas novas ideias para a produção de filmes nacionais. E, um

grupo de jovens – entre eles Cacá Diegues, Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos –

frustrados com a falência das grandes companhias cinematográficas paulistas resolveu lutar por

Page 6: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 6/16

6 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

um cinema com mais realidade, mais conteúdo e menor custo. Assim foi nascendo o chamado

Cinema Novo.

O Cinema Novo é onde, segundo Pedro Butcher (2005, p. 68), “a busca de uma visão

totalizante muitas vezes atropelou a diversidade do movimento”; e seria: “Não um documento;

não um registro objetivo, não um substituto fiel, não a realidade tal qual; a imagem e o som que

se movem na tela, embora pareçam coisa concreta e vida, são um projeto do momento [...]”

(AVELLAR, 1995, p. 273).

Na década de 1970, a Pornochanchada é um gênero comum do cinema brasileiro. Surgiu

em São Paulo, foi uma produção bem comercial e de muitos filmes, também conhecida como

produção da Boca do lixo, de onde despontaram vários diretores de talento que souberam usar o

que dava bilheteria na época (filmes eróticos softcore  ) para fazer filmes de grande valor estético eformal. Chamado assim por trazer alguns elementos dos filmes do gênero conhecido como

chanchada e pela dose alta de erotismo que, em uma época de censura no Brasil, fazia com que

fosse comparado ao gênero pornô, embora não houvesse, de fato, cenas de sexo explícito nos

filmes (BUTCHER, 2005).

Em outubro de 1982, a crise econômica do País piora com a falta de dinheiro para pagar a

dívida externa. Falta dinheiro para que o consumidor brasileiro possa ir ao cinema e para a

produção filmes. A produção volta a cair. Os exibidores (donos de cinemas), assessorados pelos

distribuidores estrangeiros, começam uma batalha judicial contra a lei da obrigatoriedade, e em

muitas salas simplesmente param de passar filmes brasileiros. Metade dos filmes produzidos em

1985 foi de sexo explícito.

No início da década de 1990, com a extinção da Embrafilme e do Concine (órgão que

fiscalizava as leis), a produção cinematográfica foi interrompida no Brasil. Alguns filmes,

produzidos anteriormente, ainda foram lançados sem, no entanto, causarem impacto nas salas de

exibição (GOMES, 2007).

 A Lei 8401/92, que regulava atividades de audiovisual, seguida pela Lei do audiovisual em

1993, que oferecia benefícios fiscais às empresas privadas que investiam capital no setor,

incentivaram a retomada das produções.

Na década de 1990, o filme Carlota Joaquina: Princesa do Brasil (Carla Camurati, 1995),

representou o início da Retomada, graças ao baixo custo de sua produção e ao grande sucesso de

bilheteria. O Cinema da Retomada é identificado dentro do panorama do cinema nacional como

o período de novo fôlego para as produções após a fase obscurantista do governo de Fernando

Collor de Mello. Apoiado por uns, que reconhecem no período um perfil de retomada das

Page 7: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 7/16

7 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

produções, e criticado por outros que consideram o termo uma grande estratégia mercadológica,

o Cinema da Retomada adquiriu características próprias no que se refere à história do cinema

nacional, repleta de momentos marcantes, de alcance muitas vezes mundial.

 As primeiras produções do Cinema da Retomada colocaram em relevo uma das principais

tendências, que era a mescla de gêneros. Os filmes da retomada, mesmo quando abordam

cenários como o sertão ou a favela, desenvolvem uma narrativa melodramática. Em alguns casos,

a miséria e a violência transformam-se em meros divertimentos e entre suas grandes

características está a disputa com o mercado internacional, ainda dominante no território

nacional. Para a maioria da crítica especializada, os filmes desse período emolduram as mazelas e

contradições da sociedade brasileira, exibindo-as, mas não as discutindo.

Cabe ressaltar que, apesar da velhice não ocupar um espaço central na temáticacinematográfica brasileira, ela passa a ser abordada já na década de 1970 com o filme Chuvas de

verão. Esse filme , do gênero drama, dirigido por Cacá Diegues, é considerado um marco do

cinema do País por tratar com lirismo as questões da terceira idade. A cena de amor entre os

personagens de Jofre Soares (Afonso) e Miriam Pires (Isaura) foi considerada revolucionária por

mostrar o nu, o amor e o sexo na terceira idade. Lucia Nagib (2003, p. 2), comenta que a

originalidade desse filme “está em mostrar que há desejo entre pessoas de terceira idade”. Miriam

Pires, inclusive, relutou em aceitar a personagem pela dificuldade de expor o seu corpo numa

idade mais avançada. A cena, porém, é considerada uma das mais lindas do cinema brasileiro.

É na fase da Retomada, período em que filmes geram, em luz e sombra, múltiplas

imagens do envelhecimento humano, que o tema da velhice passa a ser mais abordado,

propiciando uma possibilidade a mais de entendê-la e de compreender sua influência cultural na

produção cinematográfica. Aí surge o filme em estudo: Copacabana .

4 O IDOSO NO CINEMA BRASILEIRO

[...] uma trama cinematográfica que expõe a revisão de vida como um dosinstrumentos mais preciosos de que o indivíduo dispõe no envelhecimento, paratransformar seu presente em um momento de real envolvimento com a vida.(FORTES, 2004, p.118)

 A fase da Retomada, quando as leis de incentivo fiscal reanimaram as produções

cinematográficas, coincide com o período em que o impacto do aumento da proporção de idosos

na sociedade leva para o debate público o tema da velhice.

Com o aumento da proporção de idosos nas populações ocidentais e, como

consequência, sua crescente visibilidade no cenário social, o tema da velhice tem sido cada vez

mais abordado, não só nas novelas e comerciais de TV, como também no cinema. Como reflexo

Page 8: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 8/16

8 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

desse contexto, há um aumento significativo do número de produções cinematográficas acerca da

questão do envelhecer e que abordam o tema da velhice, entre elas podem ser citadas: Central do

Brasil  (1998), Depois daquele baile  (2005), O outro lado da rua  (2004).

O cinema traz um conjunto de informações, em forma de imagens e sons, que têm o

potencial de traduzir determinados elementos da nossa sociedade, como cultura e contexto

histórico, por exemplo. A observação crítica das imagens através do cinema viabiliza a análise das

representações da velhice construídas pelo cinema nas sociedades ocidentais, assim como as

mudanças ocorridas em tais representações na medida em que se dá o crescimento da proporção

de idosos e o consequente aumento de visibilidade desse grupo nessas sociedades, entre outros

fatores.

Foi em 1995, que Carla Camurati começou a se envolver com o projeto de Copacabana ,filme que ela produziu e lançou em 2001. Era um sonho antigo de Camurati que, além de

produzir e dirigir a fita, também assina o roteiro ao lado de Melanie Diamantas e Yoya Würsh.

Em depoimento a Lúcia Nagib, em agosto de 2000, Camurati diz que a ideia de

Copacabana  surgiu ainda nas filmagens de Carlota Joaquina ,

[...] fui a Copacabana visitar uma tia que estava doente. [...] e foi aí que comecei aperceber que no bairro havia muita gente velha. [...] Assim, utilizei o argumento desse“não saber lidar com isso”, de como a velhice poderia ser algo tão interessante se ohomem se preparasse para vivê-la e não fosse apanhado por ela. (NAGIB, 2002, p. 149)

Cabe então, neste artigo, a partir do filme em estudo, tratar do que no início foi proposto:

a apreensão das representações da velhice a partir das dimensões: a) relações com a afetividade

(amor e sexo), b) relações sociais c) relações com a morte e com a finitude; isso por meio de

temas como trabalho e lazer; aparência/decadência física e saúde; amor, amizade e sexo.

Dentro do proposto está o povo, representado aqui pelo idoso e, como diz Homi Bhabha

(1998, p. 207):

O povo não é nem o princípio nem o fim da narrativa nacional; ele representa o tênuelimite entre os poderes totalizadores do social como comunidade homogênea,

consensual, e as forças que significam a interpelação mais específica a interesses eidentidades contenciosos, desiguais, no interior de uma população.

É possível dizer, assim, que Copacabana   é um filme sobre o idoso no Brasil; sobre o

cinismo nos atos e relações vividos no país, cotidiana e alienadamente – e a possibilidade de sua

quebra.

5 UM OLHAR SOBRE O IDOSO EM COPACABANA  

Recordar para o idoso não é doloroso e nem deve ser visto como uma fuga da realidadeatual. (BRANDÃO, 1999, p. 51)

Page 9: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 9/16

9 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

Em razão das diversas transformações, citadas anteriormente, as representações da

 velhice no Brasil tendem também a mudar, no sentido de uma atualização de valores, tanto éticos

e morais, quanto econômicos.

Na medida em que a população idosa cresce e ganha visibilidade, outros setores da

sociedade são influenciados e exercem influência na reformulação das representações acerca da

 velhice e do envelhecimento. Os meios de comunicação, potencialmente formadores de opinião,

participam desse processo de formas diversas e, muitas vezes, contraditórias.

 Vale notar, porém, conforme Lucia Santaella (2010, p. 137) que:

 A mistura entre imagens não se restringe ao universo das artes. Embora aconteça nesseuniverso de forma privilegiado, faz também parte natural do modo como as imagens seacasalam e se interpenetram no cotidiano até o ponto de se poder afirmar que a mistura

se constitui no estatuto mesmo da imagem contemporânea.É no cotidiano da mistura da imagem contemporânea que está o cinema, que como

participante do universo das artes reproduz a realidade. Para José Carlos Avellar (1995, p. 274):

O cinema reproduz a realidade, ele termina por remeter ao estudo da realidade. Mas deuma maneira nova, especial, como se a realidade tivesse sido descoberta através de suareprodução. Como se alguns de seus aspectos e mecanismos de expressão aparecessemapenas nesta nova situação, no reflexo, que passa a ter vida própria independente, a seconstruir numa realidade outra.

O cinema tem o poder de proporcionar ao espectador experiências que ele não vive no

seu cotidiano. A potencialidade do cinema provoca transformações sociais ou reafirmamrepresentações já existentes, resultante da sua credibilidade gerada pela imagem em movimento, e

do sentimento de participação do expectador em situações fictícias que ele vivencia ao se

identificar com personagens, circunstâncias da trama ou imagens apresentadas na tela (ROSSINI,

2005).

 A velhice representada no cinema brasileiro é tema central deste artigo e pode reforçar ou

contribuir para modificar suas representações, construídas a partir de diferentes aspectos da

 velhice: no âmbito do trabalho, da economia ou no da saúde, da doença e da morte. Assim, ofilme pode ser uma reconstrução da realidade e o cinema aparece como uma “janela” que torna o

espectador testemunha da ação. Esta é uma leitura possível da obra cinematográfica, mas não é a

única nem tampouco a verdadeira.

O filme em estudo, Copacabana , é uma comédia filosófica sobre a vida e a velhice nos dias

atuais, tendo como cenário Copacabana, o célebre bairro carioca. Camurati conta a história do

fotógrafo Alberto – personagem de Marco Nanini –, prestes a completar 90 anos, que é invadido

por recordações de seu quase um século de existência. Seus amigos preparam uma festa surpresa

de aniversário, mas ele parece subitamente tomado pelo passado.

Page 10: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 10/16

10 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

O tema principal de Copacabana  é a memória, embora haja também componentes como a

amizade e o afeto. No filme Alberto passa a ter lembrança, que conforme diz Beatriz Sarlo (2007,

p. 10): “A lembrança insiste porque de certo modo é soberana e incontrolável (em todos os

sentidos dessa palavra) [...]”. E é de forma lúdica, poética e bem-humorada que ele volta no

tempo e revisita importantes fatos profissionais e afetivos de sua longa vida. Copacabana  é filme

sobre a alegria de lembrar e o prazer de viver, em Copacabana, em qualquer idade.

Na abertura do filme, são apresentadas, além das figuras típicas daquele bairro carioca,

como travestis, crianças, jovens, adultos, os idosos, que andam de bengala a brincar com

pássaros, observam uma jovem dançar capoeira na praia, jogam cartas na rua, correm e passeiam

no calçadão, a sorrirem, em dupla ou em grupo. Esses idosos demonstram viver com “liberdade”

que, segundo Octávio Paz (1989) é uma das três palavras da democracia moderna.Os idosos focados no filme Copacabana  vivem em clima de democracia plena, uma vez que

agem com autonomia e de forma participativa. Fazem parte desse grupo, além de Alberto, a

travesti Rogéria que interpreta a si mesma; Enrico (Pietro Mario), já aposentado e com problemas

de aceitação da idade – se recusa a ficar na fila destinada aos idosos; Miloca (Camila Amado), o

grande amor de Alberto, que retorna do exterior e é vendedora ambulante.

 Além destes, fazem também parte do grupo Salete (Walderez de Barros), apaixonada por

 Alberto e ao contrário de Enrico, usufrui de todos os privilégios da idade. Ela tem uma relação

complicada com a irmã Salma (Laura Cardoso) que também é solteirona. Ainda fazem parte

Celima (Míriam Pires), a viúva, irmã adotiva de Alberto, que namorou Atilio (Luis de Lima), na

juventude, mas assim como ela casa com outro, ele casa-se com Noêmia (Renata Fronzi); Fanny

(Ida Gomes), casada com Isaac (Felipe Wagner), e Lilly (Ilka Soares) que, embora solteira é

amante de Dr. Otávio (Leo Alberto). Por fim, uma das figuras mais curiosas do grupo, Jacira

(Maria Sá), uma bisavó, octogenária, que continua ativa sexualmente; ela assume possuir “um

fogo que não consegue controlar”, e vive se masturbando para constrangimento de sua filha Rita

(Joana Fomm).

Em Copacabana  os homens idosos se vestem de uma forma jovial, usam bermudas, calças

esportivas e camisas de malhas, já Alberto usa paletó de linho. E as mulheres se vestem como

muitas das idosas, em tons sombrios (marrom, cinza, azul), apenas Fanny gosta de usar tons mais

alegres e, Lilly e Rita se vestem de forma mais jovial.

Dentre as representações da velhice trazidas no filme em análise pode-se destacar como

temas recorrentes na construção de imagens dos personagens idosos: “amor”, “sexo”, “morte”,

“aposentadoria”, “solidão” e “amizade”. Esses temas traduzem aspectos fundamentais da vida do

Page 11: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 11/16

11 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

homem nas sociedades ocidentais e, naturalmente, é por meio deles que é pensada a velhice no

mundo contemporâneo.

5.1 Relações com a afetividade (amor e sexo)

[...] não é raro nos depararmos no dia a dia com animadas senhoras acima dos 60anos, como se num exercício de comparação social, declararem não ser “velhas”, poisafirmam ser a velhice “um estado de espírito. (TAVARES, 2004, p. 104)

O afeto, importante necessidade para o idoso, se manifesta em Copacabana de diversas

formas. O que comprova que para o homem e para a mulher que envelhecem, a realização de

atividades em grupo ajuda a preencher, de forma saudável, o seu tempo livre.

Buscar a realização de um amor na velhice, por exemplo, é entendida como a busca

“eterna” do sujeito, uma estratégia contra a solidão. A representação do idoso assexuadoreproduz a ideia de que dele não se espera o desejo e ainda menos que demonstre ou realize esse

desejo.

Copacabana  foca essa questão, por exemplo, com a personagem Lilli (Ilka Soares) que por

 viver um novo amor ao lado do Dr. Otávio (Leo Alberto) é alvo de critica das amigas. Elas a

consideram velha para ter amante. Outra dessas mulheres que assumem ter uma sexualidade viva

é Jacira (Maria Sá), bisavó que se masturba na sala enquanto assiste à televisão. O desespero da

sua filha traduz, com muita propriedade, o medo que há de enfrentamento das normas do regimesociais referentes aos prazeres do corpo.

5.2 Relações sociais

[...] aquilo que com muita freqüência eu tomava como sentimentos ou comportamentosindividuais era, na verdade, a expressão de sentimentos e comportamentosculturalmente definidos, adequados a determinada categoria de pessoas . (SEEGER,1980, p. 62)

Copacabana , como já foi dito, conta a história de Alberto que tem sempre o carinho de

seus amigos, mais fortemente observado quando preparam uma festa surpresa para comemorarseus 90 anos.

 A escolha de um evento festivo para comemorar o aniversário de Alberto – conforme

Cornelia Eckert, (1997), não se constitui uma novidade nessa faixa etária, uma vez que:

 A festa, pelo seu caráter repetitivo, pela sua particularidade em reunir a coletividade,pelo momento de exacerbação da vida social, pela captalização do tempo, pelareencarnação de mitos e personagens pode ser tomada como um caledeiscópio para oestudo da história. (FLORES, 1995, p. 121)

Em Copacabana  quando os idosos estão juntos, são momentos privilegiados, seja na festa

de aniversário, no velório, jogando cartas, curtindo a praia. O filme faz uma apologia à amizade e

Page 12: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 12/16

12 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

ao convívio afetivo, consideradas as maiores riquezas na vida dessas pessoas, que mesmo nos

momentos de dor se divertem.

Os idosos em Copacabana   são alegres, divertem-se e quando Salete canta e dança uma

música de “Mamonas assassinas”, no aniversário de Alberto, ao ser criticada por ser uma música

de jovens, ela reage dizendo que quando se é velho, já se viveu todos os tempos. Entre eles,

mesmo quando criticam uns aos outros, nunca é motivo de depressão ou ressentimento, e isso é

uma importante contribuição para o desenvolvimento da sociabilidade deste grupo.

5.3 Relações com a morte e com a finitude

 As rugas e dobras do rosto são as inscrições deixadas pelas grandes paixões, pelosvícios, pelas intuições que nos falaram. (BENJAMIM, 1994, p. 46). 

Em Copacabana , a morte invade a tela através de Alberto. A trama gira em torno de sua

morte, mas a alegria de seus amigos em comemorar seus 90 anos, parece querer tratar de um

nascer a cada dia.

E, ao falar de morte e em nascer, cabe aqui o que diz Edgar Morin (2010, p. 56; 62):

Fazer a humanidade nascer, hoje, confunde-se com a necessidade de despertar ahumanidade, isto é confunde-se com provocar um “sobressalto de humanidade” quepossa estancar a marcha que leva à morte. [...] Quanto mais a morte avança, maspremente se torna o problema da mudança necessária para salvar a vida.

 Assim, é com a vontade de salvar a vida que os idosos, personagens de Copacabana , não

apresentam a expressão “no meu tempo” (BEAUVOIR, 1990); expressão usada por algumas

pessoas, particularmente na velhice, ao se referirem a um período da vida em que

desempenhavam plenamente suas atividades e realizavam seus projetos. Para Beauvoir, o idoso,

por ter limitações, se considera um sobrevivente; o “seu tempo” era quando se sentia uma pessoa

inteira, vivia plenamente.

Há, porém, quem não concorde com esse pensamento e ache que essa visão pessimista,

não se aplica para todos os idosos (BOSI, 1994). Com sua pesquisa, Ecléa Bosi identificoupessoas que têm uma velhice ativa e se sentem integradas na vida. Para a autora a expressão “no

meu tempo” significa a memória do idoso, nem sempre uma má experiência.

Entender a velhice e a morte como fenômenos patológicos, segundo Edgar Morin (1997),

abrem possibilidades de ações práticas que podem retardar e amenizar ou mesmo anular os

efeitos do envelhecimento e “enganar” a morte. Nesse sentido, o homem ocidental

contemporâneo vem avançando cientificamente, desenvolvendo substâncias e técnicas que

Page 13: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 13/16

13 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

contribuem para o aumento do tempo da juventude e para uma vida mais longa, como é tratado

em Copacabana .

E Camurati compõe em Copacabana   uma imagem bem humorada da morte na velhice,

inclusive, Raimundo (Tonico Pereira) e Sebastião (Romeu Evaristo), os porteiros do filme vivem

a apostar quem entre os velhos do edifício morrerá primeiro e eles morrem atropelados, ainda

jovens.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Somos sempre o jovem ou o velho de alguém.

(Bourdieu, 1983, p. 113) 

O termo representações tem origem no vocábulo latino repraesentationis , cujo significado,conforme Nicola Abbagnano (1982) é: imagem ou reprodução de alguma coisa. Este estudo se

ocupou em refletir sobre as principais representações da velhice registradas em uma obra da

cinematografia brasileira, Copacabana , e em apontar nessa obra diferentes formas de viver a

 velhice.

 A pesquisa consegue observar que não existe uma velhice única. É um estado

heterogêneo que negocia com outras identidades. No filme, as diversas histórias de vida e

personalidades dos personagens dão conta dessa diversidade que compõem um amplo leque

identitário: diferentes classes, etnias, gênero, níveis de instrução, etc.

É óbvio que existe um laço comum que também mobiliza os personagens, no sentido de

fazer com que eles desenvolvam a relação de convivência. Permite uma interação frequente que

lhes rende a sociabilidade necessária para estar no mundo e tocar a vida.

Muito embora se reconheça que os idosos tenham demandas específicas, diferenciadas

tanto por idade quanto por sexo, para se alcançar "uma sociedade para todas as idades", como

preconizado pelas Nações Unidas, uma política para a população idosa deve estar inserida numa

política de desenvolvimento sustentável, objetivando aumentar o bem estar de toda a população.Os idosos não vivem isolados e o seu bem-estar está intimamente ligado ao da sociedade como

um todo.

Considerando esse novo cenário de interação entre diferentes culturas, característico das

sociedades contemporâneas, é possível sugerir a hipótese de uma convergência nas

representações sobre o indivíduo idoso em todo o mundo. O recorte, feito neste texto, serve de

confirmação a respeito de velhas trilhas já percorridas e ao mesmo tempo traz dados para que

Page 14: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 14/16

14 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

seja traçado um novo perfil das pessoas idosas. Anteriormente a velhice era sinônimo de entrega

ao ócio, inércia, acomodação e lamentação.

 Assim, o idoso como parte da população brasileira e diga-se grande parte, como

comprovam os dados estatísticos aqui citados, quanto à perspectiva, a legitimação social

produzida em discursos que se dizem prenunciadores de uma “verdade”, pode envelhecer

adequadamente , exercitando as renúncias necessárias que um possível declínio do corpo e da

 juventude solicita, especialmente no tocante às práticas sexuais e efeitos do prazer erótico.

REFERÊNCIAS

 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982. ASSUMPÇÃO, Luís Otávio Teles. A balada de Narayama e o suicídio altruísta. In: ______. (org).O idoso e o cinema. Brasília: Universa, 2007.

 AVELLAR, José Carlos. A paisagem e a negação da paisagem. In:______ (org). A ponteclandestina: teorias do cinema na América Latina. Rio de Janeiro: EDUSP, 1995.

BENJAMIN, Walter. A Imagem de Proust. In: Obras Escolhidas I - Magia e Técnica, Arte ePolítica. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BEAUVOIR, Simone de. A Velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998. (Tradução de Myriam

 Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis e Gláucia Renata Gonçalves).BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras,1994.

BOURDIEU, Pierre (1930–2002). A “juventude” é apenas uma palavra. In: BOURDIEU,Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.

BRANDÃO, Vera Maria. Os fios da memória na trama da cultura. Revista Kairós, 2, São Paulo,1999.

BUTCHER, Pedro. Cinema brasileiro hoje. São Paulo: Publifolha, 2005.

CALDAS, Ricardo; MONTORO, Tania. A evolução do cinema brasileiro no século XX.

Brasília: Casa das Musas, 2006.CAMARANO, Ana Amélia; PASINATO, Maria Tereza. O envelhecimento populacional naagenda das políticas públicas. In: CAMARANO, Ana Amélia (org). Os novos idososbrasileiros: muito além dos 60? Rio de Janeiro: IPEA, 2004.

DEBERT, Guita Grin. A vida adulta e a velhice no cinema. In: GUSMÃO, Neusa Maria Mendesde (org). Cinema, velhice e Cultura. Campinas: Alínea, 2005.

ECKERT, Cornelia. A saudade em festa e a ética da lembrança. In: MOTTA, Alda Brito da.(org). Dossié: Gênero e Velhice. Revista de Estudos Feministas. Vol. 5, n. 1. Rio de Janeiro:IFCS/UFRJ, 1997.

Page 15: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 15/16

15 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

FLORES, Maria Bernadete. Entre a casa e a rua... memória feminina das festas açorianas no Suldo Brasil. In: Caderno de Pagu, n. 4. Campinas: PAGU/UNICAMP, 1995

FORTES, Andréa Cristina Garofe. Nos caminhos da memória: revisão de vida e adaptação na velhice. In: GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de (org). Cinema, velhice e Cultura. Campinas:

 Alínea, 2005.GOMES, Mariana Alcântara. A velhice e suas representações no cinema brasileiro. 2007,224 f. Tese (Doutorado em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social) – UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP e A Editora,2000.

IBGE. Censo 2010: Em 2009, esperança de vida ao nascer era de 73,17 anos. Disponível em <http://www.ecodebate.com.br/2010/12/02/ibge-censo-2010-em-2009-esperanca-de-vida-ao-nascer-era-de-7317-anos>. Acesso em: 10 de jan. 2011.

LIMA, Delcio Monteiro de. O Peso da Idade: panorama da velhice no Brasil. Rio de Janeiro:Francisco Alves, 1998.

MELO NETO, João Cabral de. Morte e Vida Severina. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1954.

MORIN, Edgar. O Homem e a Morte. Rio de Janeiro: Imago, 1997.

 _____. Para onde vai o mundo? Rio de Janeiro: Vozes, 2010.

MOTTA, Alda Brito da. Sociabildiades possíveis: idosos e tempo geracional. In: PEIXOTO,Clarice Ehlers (org). Família e envelhecimento. Rio de Janeiro: FGV, 2004.

 ______. Envelhecimento e Sentimento do Corpo. In: MINAYO. Maria Cecilia de Souza &COIMBRA Jr. Carlos Everaldo Alvares (org). Antropologia, Saúde e Envelhecimento. Rio de

 Janeiro: Fiocruz, 2002.NAGIB, Lúcia (org). O cinema da retomada: depoimentos de 90 cineastas dos anos 90. Rio de

 Janeiro: 34, 2002.

Brasil. Organização Mundial de Saúde (OMS). Disponível em:<http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=360>. Acesso em: 5 dez. 2011.

PAZ, Octávio. A outra voz. São Paulo: Siciliano, 1989.

PEIXOTO, Clarice Ehlers. Introdução: processos diferenciais de envelhecimento. In: ______.(org). Família e envelhecimento. Rio de Janeiro: FGV, 2004.

Page 16: 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

7/25/2019 25_03_2011_11_cinema, Velhice e Cultura Um Olhar Através Do Filme Copacabana

http://slidepdf.com/reader/full/2503201111cinema-velhice-e-cultura-um-olhar-atraves-do-filme-copacabana 16/16

16 ______________________________________________________ Cinema, velhice e cultura: um olhar através do filme Copacabana  

 _________________________________________________________________________________________Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 9,n. 25, março 2011. www.ftc.br/dialogos

ROSSINI, Miriam de Souza. O cinema da busca: discursos sobre identidades culturais no cinemabrasileiro dos anos 90. In: Revista FAMECOS. Porto Alegre, n. 27, agosto 2005, quadrimestral.Disponível em<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/viewFile/3326/2584

>. Acesso em: 13 set. 2009.SANTAELLA, Lucia. Cultura e arte do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. 4.ed. São Paulo: Paulus, 2010

SARLO, Beatriz. Tempo passado. In: ______ (org). Tempo passado: cultura da memória eguinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SCOTT, Russel Parry Envelhecimento e Juventude no Japão e no Brasil: idosos, jovens e aproblematização da saúde reprodutiva. In: MINAYO. Maria Cecilia de Souza & COIMBRA Jr.Carlos Everaldo Alvares (org). Antropologia, saúde e envelhecimento. Rio de Janeiro:Fiocruz, 2002.

SEEGER, Anthony. Os velhos nas sociedades tribais. In: ______ (org). Os índios e nós(Estudo sobre sociedades tribais brasileiras). Rio de Janeiro: Campus, 1980.

 TAVARES, Samila Sathler. “O que rima com idade? Identidade e sociabilidade na velhice emtempos de transição. In: GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de (org). Cinema, velhice e Cultura.Campinas: Alínea, 2005.