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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE MODELO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA
CATARINA, pelo titular da Promotoria de Justiça de Modelo, com
fundamento nos arts. 127 e 129, III da Constituição da República,
bem como no art. 225 da Constituição da República, propõe AÇÃO
CIVIL PÚBLICA em face de:
ALMIR HAMMERSCHMITT, brasileiro, casado,
madeireiro, natural de Modelo, nascido em 2 de junho de 1965, filho
de João Hammerschmitt e de Alcídia Hamerschmitt, residente no
Distrito Machado, Município e Comarca de Pinhalzinho;
MARKÍLIO BORMANN, brasileiro, solteiro, agricultor,
filho de Benone José Bormann e de Catarina Bormann, portador da CI
nº 4.891.565-5, inscrito no CPF sob o nº 050.235.379-19, domiciliado
na Linha Cesco, Município de Comarca de Modelo;
MÁRCIO BORMANN, brasileiro, solteiro, agricultor, filho
de Benone José Bormann e de Catarina Bormann, portador da CI nº
4.910.256.7, inscrito no CPF sob o nº 047.517.379-10, domiciliado na
Linha Cesco, Município de Comarca de Modelo;
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
CATARINA BORMANN, brasileira, viúva, agricultora,
inscrita no CPF sob o nº 020.811.089-50, domiciliada na Linha Cesco,
Município de Comarca de Modelo.
1. Objetivo da ação
Esta ação civil pública tem por objetivo obter provimento
jurisdicional que determine aos requeridos a adoção de todas as
providências que se fizerem necessárias a fim de promover a
recomposição de área de Mata Atlântica situada no Município de
Modelo, área que sem autorização e em total desconformidade com
a legislação vigente desmataram.
Tem também por objetivo obter sentença condenando-os
à obrigação de compensar o dano ambiental causado, única forma
de se obter cabal reparação e sanção pela conduta ilegal praticada.
2. Legitimidade passiva
Antes de expor os fatos cumpre observar que Benone
José Bormann, co-responsável pelo dano ambiental causado, faleceu
em 3 de maio de 2006, como comprova a certidão de óbito anexa.
Nessa situação, considerando que a responsabilidade
pelos danos ambientais tem característica propter rem, seus
sucessores tornaram-se igualmente co-obrigados à reparação do
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dano1, motivo pelo qual direciona-se esta ação também contra a
viúva Catarina e os filhos Markílio e Márcio Bormann.
De qualquer forma, como se verá, inicialmente buscará o
Ministério Público que a obrigação de fazer seja imposta ao poluidor
primário, o requerido Almir Hammerschmitt, que deverá realizar a
recomposição do dano ambiental na propriedade dos demais
requeridos.
3. Fatos
Conforme está claro na Notícia de Infração Ambiental
lavrada pela Polícia Militar Ambiental, e que instruiu a ação penal nº
256.05.000557-3, em trâmite nesta Comarca, em setembro de 2005
o requerido Almir Hammerschmitt, proprietário de uma madeireira,
negociou com falecido Benone José Bormann, a compra de cinco
pinheiros brasileiros (Araucaria angustifolia).
Nem Almir nem Benone dispunham de autorização
ambiental para o corte das espécies, e nem mesmo poderiam ter,
porque as árvores estavam em área de preservação permanente no
imóvel de propriedade dos filhos de Benone, os requeridos Markílio e
Márcio.
1 Vide, por exemplo, Recurso Especial nº 222.349-PR: “Administrativo. Reserva Florestal. Novo proprietário. Legitimidade passiva. O novo adquirente do imóvel é parte legítima passiva para responder por ação de dano ambiental, pois assume a propriedade do bem rural com a imposição das limitações ditadas pela lei federal”.
No mesmo sentido, acórdão da Segunda Turma do STJ: “Administrativo. Dano ao meio ambiente. Indenização. Legitimação passiva do novo adquirente. A responsabilidade pela preservação e recomposição do meio ambiente é objetiva, mas se exige nexo de causalidade entre a atividade do proprietário e o dano causado (Lei nº 6.938/81). Em se tratando de reserva florestal, com limitação imposta por lei, o novo proprietário, ao adquirir a área, assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para devastá-la. Responsabilidade independe de culpa ou nexo causal, por imposta por lei” (REsp nº 282.781/PR, j. 16.4.2002).
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O crime foi comunicado à esta Promotoria de Justiça, que
propôs ação penal pública visando à punição do poluidor. Aplicou-se
ao caso a Lei nº 9.099/95, e o processo foi suspenso sob o
compromisso de Benone e Almir em recuperarem a área.
No entanto, com a morte de Benone, em 3 de maio de
2006, e com a total inércia de Almir em cumprir o compromisso
assumido, não há outra alternativa que não a propositura desta ação
civil pública. A gravidade da possível sanção penal, pelo que indicam
os autos, não afeta a vontade do requerido Almir; talvez, por outro
lado, a perda patrimonial decorrente desta ação tenha o efeito
desejado.
4. Direito
Para a Constituição da República, a Mata Atlântica, assim
como a Floresta Amazônica brasileira, a Serra do Mar, o Pantanal
Mato-Grossense e a Zona Costeira, é patrimônio nacional, e sua
utilização far-se-á dentro de condições que assegurem a
preservação do meio ambiente (§4º do art. 225 da Constituição da
República).
Quando se fala em patrimônio nacional, evidentemente,
não se está a mencionar patrimônio da União, mas sim patrimônio
de toda a nação, patrimônio de alta relevância para os brasileiros.
Daí porque o princípio foi assim inserido na Carta Magna.
Por sua vez, a Constituição do Estado de Santa Catarina
considera a Mata Atlântica dentre as “áreas de interesse ecológico,
cuja utilização dependerá de prévia autorização dos órgãos
competentes homologada pela Assembléia Legislativa” (art. 184, I).
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A novíssima Lei Federal nº 11.428/2006, que trata da
proteção à Mata Atlântica, contém restrições importantes sobre o
manejo deste “patrimônio nacional”.
Para a Lei da Mata Atlântica, por exemplo, o corte e a
supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio
de regeneração ficam vedados quando a vegetação abrigar espécies
da flora e da fauna silvestres ameaçadas de extinção (art. 11, I, a).
Além disso, “a supressão de vegetação primária e
secundária no estágio avançado de regeneração somente poderá ser
autorizada em caso de utilidade pública, sendo que a vegetação
secundária em estágio médio de regeneração poderá ser suprimida
nos casos de utilidade pública e interesse social, em todos os casos
devidamente caracterizados e motivados em procedimento
administrativo próprio” (art. 14).
Especificamente em Santa Catarina, a Lei nº 10.472/97,
que trata da política florestal do Estado, contém regras bastante
rígidas para o manejo de áreas de Mata Atlântica, justamente por
considerar a relevância do ecossistema.
Pela primeira das normas da Lei Estadual, a extração ou a
utilização de espécies da floresta primária (virgem) ou secundária (já
regenerada) da Mata Atlântica necessariamente deve passar por
procedimento administrativo para obtenção de licença da Fatma.
A Fatma, por óbvio, não pode autorizar a extração quando
não “seja elaborado projeto de manejo fundamentado, entre outros
aspectos, em estudos técnico-científicos de estoques e de
capacidade e sustentabilidade das espécies a manejar” (art. 18).
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Não bastassem essas normas, todas vigentes e aplicáveis
ao caso dos autos, a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98)
considera criminosas as condutas do requerido (arts. 38 e 39). Vale
transcrever os dispositivos:
Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção: Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Parágrafo Único - Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
Art 39 - Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente: Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente
Não há dúvidas, portanto, de que o requerido Almir
Hammerschmitt descumpriu frontalmente a legislação vigente no
Brasil, ao cortar cinco pinheiros (Araucaria angustifolia) em área de
preservação permanente, sem qualquer autorização dos órgãos
competentes.
Vale anotar, por fim, que o pinheiro brasileiro é espécie
considerada pelo Ibama como ameaçada de extinção, conforme
relação expressa da Portaria Ibama nº 37-N, de abril de 1992.
Tal é a necessidade de proteção da espécie que a
Resolução nº 278, do Conama, proibiu o Ibama de autorizar corte ou
exploração de todas as espécies arrolada na Portaria nº 37-N,
conforme comprovam os documentos anexos.
5. Reparação do dano
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Para que o meio ambiente volte à sua natural
conformação, isto é para que volte à sua integridade, é necessário
que se determine a recuperação da área degradada.
A reparação encontra abrigo no disposto no §3º do art.
225 da Constituição da República, que determina que “as condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os
danos causados”.
Para Édis Milaré, de fato a recuperação natural do
ambiente degradado é a modalidade mais adequada de reparação
do dano, “e a primeira que deve ser tentada, mesmo que mais
onerosa”. E justifica sua posição afirmando, com Paulo Affonso Leme
Machado, que “não basta indenizar, mas fazer cessar a causa do
mal, pois um carrinho de dinheiro não substitui o sono recuperador,
a saúde dos brônquios ou a boa formação do feto”2.
Constatada a ocorrência de infração à legislação federal e
estadual, bem como do dano ambiental daí decorrente, além do
nexo de causalidade entre a conduta do requerido e o dano, cumpre
ao Ministério Público requerer provimento jurisdicional que
determine de imediato a recuperação ambiental da área degredada.
Mas a reparação do dano não pode, evidentemente, dar-
se pelo simples plantio de outros cinco exemplares de pinheiro
brasileiro. Até que as plantas adquiram novamente o porte que
tinham quando cortadas, muito tempo terá transcorrido e o dano
2 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 4ª ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2005. p. 741.
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causado – que persistirá durante este período – não terá sido
convenientemente reparado.
Eis o porquê exigir nestes casos – e foi justamente o que
comprometeram-se a fazer o requerido Almir Hammerschmitt e o
falecido Benone José Bormann no processo penal – o plantio de
cinqüenta mudas de árvores nativas idênticas às que existiam no
local, bem como a recomposição da área de fixação de mata ciliar
em toda a extensão da propriedade dos requeridos Catarina, Márcio
e Markílio.
6. Antecipação de tutela
A Natureza, como se viu acima, não pode aguardar pelo
desfecho da ação para só então ver-se reparada. Os danos
ambientais decorrentes, como por exemplo a fuga de animais
silvestres, a quebra do equilíbrio ambiental, dentre outros, penderão
enquanto não se promover a restauração da área ao que era antes.
Nessa situação, é passível de aplicação o art. 461 do
Código de Processo Civil, que determina que “na ação que tenha por
objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o
pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento”.
E, segundo o §3º do art. 461, “sendo relevante o
fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia
do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente
ou mediante justificação prévia, citado o réu”. Complementa a regra
o §4º, autorizando o juiz a “impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente e
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compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para
cumprimento do preceito”.
Por fim, autoriza o §5º: “Para efetivação da tutela
específica ou a obtenção de resultado prático equivalente, poderá o
juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas
necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso,
busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de
obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com
requisição de força policial”.
O fundamento da demanda, como se vê, é relevante,
porque pautado pela infringência em uma série de dispositivos
legais em vigor. Não bastasse isso, o dano ambiental está
cabalmente comprovado documentalmente nos autos, como
comprova o auto de infração lavrado pela Polícia Militar Ambiental.
Para tanto, requer desde já o Ministério Público do Estado
de Santa Catarina ordem dirigida ao requerido Almir Hammerschmitt
para que promova a revitalização da mata na área degradada e o
plantio de espécies nativas. Devem os co-réus Catarina, Markílio e
Márcio ser obrigados a permitir o cumprimento da ordem por Almir.
A plausibilidade do direito se encontra não apenas nas
normas fundamentais da Constituição da República, mas também no
princípio jurídico-ambiental do poluidor-pagador. Como exposto
acima, a Natureza não pode aguardar pela decisão final para só
então ver-se novamente equilibrada.
Por outro lado, a lesão, se perdurar, será irreparável, pelo
simples fato de se estar diante da possibilidade de afugentamento
de espécimes da fauna local, isso sem falar em outros danos, tais
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quais os prejuízos a mananciais hídricos, ao solo (erosão, por
exemplo) e à qualidade do ar.
Assim, estão presentes o fumus boni juris e o periculum in
mora, sendo caso de deferimento da liminar, inclusive sem a oitiva
da parte contrária.
7. Pedidos
Ante o exposto, requer o Ministério Público:
a) o recebimento da presente ação civil pública;
b) a concessão de tutela específica antecipada para
determinar que Almir Hammerschmitt, sob pena de multa diária de
R$ 500,00 e prisão pelo crime de desobediência:
b1) plante na propriedade dos co-réus Catarina, Markílio e
Márcio cinqüenta mudas de árvores nativas, dentre elas araucárias,
sob acompanhamento e supervisão da Polícia Militar de Proteção
Ambiental;
b2) recomponha a faixa destinada à fixação da mata ciliar
nas margens do rio Joelho, em toda a extensão que o curso d´água
cortar o imóvel da família Bormann, plantando no local cinqüenta
mudas de árvores nativas e adequadas à região, também sob
acompanhamento e supervisão da Polícia Militar de Proteção
Ambiental;
c) tendo em vista o caráter mandamental da ação, bem
como o envolvimento do patrimônio dos requeridos, requer-se seja
determinado aos Oficiais do Registro de Imóveis de Pinhalzinho e de
Modelo que averbem na matrícula dos imóveis registrados em nome
dos réus a pendência desta ação civil pública, mencionando-se o
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valor da causa (art. 615-A do Código de Processo Civil, por
analogia)3;
d) a citação dos requeridos para, querendo,
apresentarem a defesa que entenderem pertinente;
e) a produção de todos os meios de prova admitidos,
notadamente a prova pericial, documental e testemunhal, se for
necessário;
f) a condenação do requerido Almir Hammerschmitt a
recuperar a área degradada e a recompor o dano ambiental,
confirmando-se as determinações requeridas no item ‘b’;
g) a condenação dos requeridos em custas, despesas
processuais e honorários advocatícios (estes conforme art. 4º do
Decreto Estadual nº 2.666/04, em favor do Fundo de Recuperação
de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina).
Atribui-se à causa o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil
reais).
Modelo, 4 de maio de 2007
Eduardo Sens dos SantosPromotor de Justiça
3 Art. 615-A. O exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.
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