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DOCUMENTOS • decretos • escritos episcopais • VIDA ECLESIAL • notícias • entrevistas • REFLEXÕES • teologia/pastoral • história • DO ANO XVIII • NÚMERO 50 • julhO / dEzEMbRO • 2010 • documentos • Carta Pastoral • pág. 15 Chamados à Caridade • Notícias • Casa de Retiros S. josé inaugurada • pág. 79 A festa do Seminário • história • Saul Gomes • pág. 107 Elementos da história do episcopado leiriense de D. Frei Gaspar do Casal (1557-1579) • destaque • pág. 53 • Efeméride foi assinalada na Solenidade da dedicação da Catedral 25.º aniversário da morte de D. João Pereira Venâncio

25.º aniversário da morte de D. João Pereira Venâncio · ADEUS Estimados leitores e colaboradores ... Passando as folhas, apercebemo-nos de imediato: desde que está connosco,

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DOCUMENTOS • decretos • escritos episcopais • VIDA ECLESIAL • notícias • entrevistas • REFLEXÕES • teologia/pastoral • história • DOCUM

ANO XVIII • NÚMERO 50 • julhO / dEzEMbRO • 2010

• documentos • Carta Pastoral • pág. 15

Chamados à Caridade

• Notícias • Casa de Retiros S. josé inaugurada • pág. 79

A festa do Seminário

• história • Saul Gomes • pág. 107

Elementos da história do episcopado leiriensede D. Frei Gaspar do Casal (1557-1579)

• destaque • pág. 53 •

Efeméride foi assinalada naSolenidade da dedicação da Catedral

25.º aniversárioda morte de

D. João Pereira Venâncio

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Leiria-FátimaÓrgão Oficial da Diocese

ANO XVIII • NÚMERO 50 • JULHO / DEZEMBRO • 2010

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2 | LEIRIA-FÁTIMA • 50 |

| luís Inácio joão

| luís Miguel Ferraz

| henrique dias da Silva

| belmira de Sousa, jorge Guarda, luciano Cristino,Manuel Melquíades, Saul Gomes

| luís Miguel Ferraz

| diocese leiria-Fátima / Gabinete de Apoio aos Serviços Pastorais

| Seminário diocesano de leiria • 2414-011 leiriaTel.: 244832760 • Fax: 244821102Correio Elec.: [email protected]

| Semestral

| 330 exemplares

| 6 euros (avulso) • 12 euros (assinatura anual)

| Tipografia de Fátima

| 64587/93

Director

Chefe de Redacção

Administrador

Conselho de Redacção

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Ficha Técnica|

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Índice

. editorial . Adeus 5

Documentos••• . decretos . Nomeaçãoepiscopal•AdministradorparoquialdeNossaSenhoradasMisericórdias 9 Nomeaçãoepiscopal•VigáriosdaVara 10 Nomeaçãoepiscopal•ReitordaigrejadoDivinoEspíritoSanto 10 Nomeaçãoepiscopal•NotáriadoTribunalEclesiástico 11 Nomeaçãoepiscopal•VigárioParoquialdeLeiriaedaCruzdaAreia 11 Convocatória•AssembleiaDiocesana 12 Nomeaçãoepiscopal•AssistenteDiocesanodoMovimentoLegiãodeMaria 13 Nomeaçãoepiscopal•CapelãodoCentroHospitalardeNossaSenhoradaConceição 14

. documentos pastorais . CartaPastoralpara2011-2012•ChamadosàCaridade 15 MensagemdeNatal•ALuzdumaNovaHumanidade 36

. escritos episcopais . HomilianaDedicaçãodaCatedral•Comoéadmirávelavossamorada,Senhordouniverso! 38 HomilianaordenaçãosacerdotaldeMiguelSottomayor•Nastuasmãosestáaminhavida 42 HomiliadeNatal•APazeaAlegrianaNoiteSantadeNatal 45 Homiliadefimdeano•Nofinaldoano:sinaisdevidaedeesperança 47

Vida Eclesial•••. destaque .

NaDedicaçãodaCatedraldeLeiria•25.ºaniversáriodamortedeD.JoãoPereiraVenâncio 53

. especial . VisitaPastoraldoBispoàDiocese•PelavigarariadasColmeias 69

. notícias . Assembleiamarcouiníciodoanopastoral2010-2011•IgrejadeLeiria-Fátimachamadaàcaridade 75 CasanovainauguradanodiadaImaculadaConceição•AfestadoSeminário 79 OrdenaçãodoPadreMiguelSottomayor•Afestadeumnovopadrediocesano 83 Falecimento•PadreManuelFerreira 84

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Índice

. serviços e movimentos . Ondjoyetu(“anossacasa”)láforaecádentro...•RumoàMissão 86 ServiçoDiocesanodeCatequese•“Catequeseecompromissosócio-caritativo” 91 ServiçoDiocesanodeAnimaçãoVocacional•Formação“ChamaqueChama” 92 MosteirodaVisitaçãodaBatalha•Momentosdefesta 94

. entrevistas . Entrevistaaoreitor,padreArmindoJaneiro•OSemináriodeLeiria-Fátima 97 EntrevistaaodirectordoPré-Seminário•OrenascerdaEsperança 101

Reflexões•••. história .

ElementosdahistóriadoepiscopadoleiriensedeD.FreiGaspardoCasal(1557-1579) 107

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Editorial

ADEUS

Estimados leitores e colaboradores

Com o número 50, a revista Leiria-Fátima – Órgão Oficial da Diocese dá por terminada a sua publicação em papel. Chegou pois o momento de nos despedirmos.

Ao longo de 18 anos, as suas páginas foram preenchidas sobretudo com os documentos da vida diocesana, com realce para as intervenções episcopais de governo e acção pastoral. Nos últimos tempos, esta cobertura obedeceu mesmo ao critério de edição exaustiva que deu ao Leiria-Fátima o estatuto de repositório documental.

Há algum tempo, a página on line da Diocese passou a difundir, na hora e em simultâneo, os acontecimentos do dia-a-dia e os documentos diocesanos, numa sincronia apenas possível aos meios da era digital. Foi um passo em frente, necessário e inevitável, de grande repercussão, desde logo na gestão dos meios diocesanos de informação.

No que lhe toca, o Órgão Oficial em formato de revista física ficou claramente diminuído na sua importância. Confinado a repetidor de temas jamais novos, viu relativizada a incumbência, que detivera quase em exclusivo, de ser si-multaneamente instrumentum e speculum laboris, apresentando os actos epis-copais ao lado dos registos da acção pastoral e dos reflexos da vida eclesial. Comparado com um sítio da Internet, em termos de actualidade e sincronia, o nosso periódico parece demasiado diacrónico, se não mesmo anacrónico.

A decisão foi tomada superiormente: atendendo a inegáveis vantagens de vá-ria ordem e a despeito de alguns inevitáveis inconvenientes, oficialmente, a documentação diocesana, em sentido restrito e lato, passará a estar disponí-vel apenas como publicação digital, difundida a partir da página oficial da diocese (www.leiria.fatima.pt). Assim, esta revista Leiria-Fátima deixará de aparecer após o seu 50.º número, que cobre o derradeiro semestre de 2010, mas continuará a editar-se em formato PDF, confinada essencialmente à do-cumentação diocesana. Os apreciadores da leitura em papel poderão sempre descarregar da Internet cada número da revista e imprimi-lo pessoalmente.

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Editorial

Ao confirmarmos a despedida anunciada, pensamos em primeiro lugar nos nossos estimados leitores. Sobretudo aos menos hábeis no manuseamento da comunicação digital, pedimos desculpa pelos possíveis incómodos, na espe-rança de que estes venham a ser compensados pelos benefícios procurados. A todos queremos agradecer a fidelidade da sua presença ao longo destes anos, não escondendo o desejo de nos vermos, muito em breve, de visita à página da Igreja diocesana.

Aos prezados colaboradores, que generosamente ajudaram a construir e pres-tigiaram Leiria-Fátima com o seu trabalho de reflexão e investigação, teste-munhamos o nosso profundo agradecimento.

Mais próximas ainda, merecem toda a nossa gratidão as pessoas que fizeram corpo com a Direcção no esforço de garantir as sucessivas edições, número após número. De todos nos despedindo, na certeza de continuarmos unidos noutras obras e circunstâncias, abraçamos o Chefe de Redacção, o Adminis-trador e todos os membros do Conselho de Redacção.

Não esquecemos os que nos transmitiram a obra que, antes de nós, foram erguendo. Distinguimos o Senhor D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva, Bis-po Emérito de Leiria-Fátima. Em boa hora fundou, deu nome e estruturou o Leiria-Fátima – Órgão Oficial da Diocese cuja Direcção nos confiou, em 2004.

Por último, agradecemos ao Senhor Bispo, D. António Augusto dos Santos Marto, a confiança que depositou no Director e nas pessoas que com ele fi-zeram equipa. Passando as folhas, apercebemo-nos de imediato: desde que está connosco, através dos seus escritos e dos seus actos, o nosso Bispo fez Leiria-Fátima. À nossa gratidão e homenagem juntamos a disponibilidade reiterada e o desejo de continuarmos em comunhão, no serviço da Igreja diocesana.

ADEUS

O Director

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Documentos. decretos . documentos pastorais .

. escritos episcopais .

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. decretos .

Nomeação episcopalAdministrador paroquial deNossa Senhora das Misericórdias

D. António Augusto dos Santos Marto, Bispo de Leiria-Fátima, faz saber que:

Havendo necessidade de nomear “um sacerdote que supra as vezes do pároco” (cân. 539) para garantir a jurisdição canónica na paróquia de Nossa Senhora das Misericórdias, em Ourém, no período entre a saída do actual pároco, Padre Armindo Castelão Ferreira, e a entrada do Padre Pedro Manuel Jorge Ferreira, que está nomeado para o substituir,

Em conformidade com o direito canónico (cân. 539 e 540), determina quanto segue:

1. Nomeia o Padre António da Piedade Bento, pároco de Nossa Senhora da Piedade – Ourém como administrador paroquial de Nossa Senhora das Misericórdias. A teor do direito, “tem os mesmos deveres e goza dos mesmos direitos que o pároco” (cân. 540).

2. A nomeação é válida para o período entre 12 e 26 de Setembro de 2010, cessando com a tomada de posse do novo pároco.

Leiria, 1 de Setembro de 2010† António Augusto dos Santos Marto

Bispo de Leiria-Fátima

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. decretos .

Nomeação episcopalVigários da Vara

António Augusto dos Santos Marto, Bispo da Diocese de Leiria-Fátima, faz saber quanto segue:

Sendo necessário proceder à nomeação de novos Vigários da Vara, de acordo com os cân. 553–555 do Código de Direito Canónico, e tendo con-sultado os presbíteros das respectivas vigararias, nomeamos os seguintes Vi-gários:

Vigararia da Batalha: P. Sérgio Jorge Lopes FernandesVigararia de Colmeias: P. Dr. João Pereira FelicianoVigararia de Fátima: P. Dr. Rui Manuel Reis MartoVigararia de Leiria: P. Dr. Rui Acácio Amado RibeiroVigararia de Marinha Grande: P. Virgílio do Rocio FranciscoVigararia de Milagres: P. Jacinto Pereira GonçalvesVigararia de Monte Real: P. José Lopes BaptistaVigararia de Ourém: P. José Luís de Jesus FerreiraVigararia de Porto de Mós: P. Dr. Orlandino Barbeiro BomOs novos Vigários da Vara entram em funções no dia 28 de Setembro de

2010, dia da tomada de posse, e o seu mandato é válido por três anos.Leiria, 8 de Setembro de 2010.

† António Augusto dos Santos MartoBispo de Leiria-Fátima

Nomeação episcopalReitor da igreja do Divino Espírito Santo

António Augusto dos Santos Marto, Bispo da Diocese de Leiria-Fátima, faz saber quanto segue:

Sendo necessário prover ao cuidado pastoral da igreja do Divino Espírito Santo, pertencente à Irmandade do Divino Espírito Santo da Cidade de Leiria, de acordo com o cân. 557 do C.I.C. e segundos os Art. 48º e 49º dos Estatutos da Irmandade, havemos por bem nomear Reitor da igreja do Divino Espírito Santo, em Leiria, o Rev. Padre Gonçalo Corrêa Mendes Teixeira Diniz.

Entra em funções na data do presente decreto.

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. decretos .

Exercerá o seu ministério de acordo com a Lei da Igreja, nomeadamente os cân. 556 – 563 do C.I.C., no respeito pelos referidos Estatutos e em comu-nhão com o Bispo diocesano.

Esta nomeação é válida pelo período de seis anos.Leiria, 10 de Setembro de 2010

† António Augusto dos Santos MartoBispo de Leiria-Fátima

Nomeação episcopalNotária do Tribunal Eclesiástico

António Augusto dos Santos Marto, Bispo da Diocese de Leiria-Fátima, faz saber quanto segue:

Sendo necessário prover os serviços diocesanos dos meios humanos ne-cessários, havemos por bem nomear, de acordo com o cân. 1437 do Código de Direito Canónico, a Exma. Senhora Dr.ª Celme Brites de Oliveira Marques Pedreiro Notária do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Leiria-Fátima.

Exercerá o seu cargo segundo a Lei da Igreja e em comunhão com o Bispo diocesano.

Esta nomeação é válida pelo período de cinco anos.Leiria, 17 de Setembro de 2010

† António Augusto dos Santos MartoBispo de Leiria-Fátima

Nomeação episcopalVigário Paroquial de Leiria e da Cruz da Areia

António Augusto dos Santos Marto, Bispo da Diocese de Leiria-Fátima, faz saber quanto segue:

Sendo necessário prover ao cuidado pastoral do Povo de Deus que nos foi confiado, havemos por bem nomear Vigário Paroquial de Leiria e Vigário Paroquial de Cruz da Areia o Rev. Padre Miguel de Azevedo Santiago Sotto-mayor, que começará a exercer este múnus na data do presente decreto.

Exercerá o seu ministério em colaboração com o Rev. Pároco, P. Gonçalo

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. decretos .

Corrêa Mendes Teixeira Diniz, segundo a Lei da Igreja e em comunhão com o Bispo diocesano. Terá todas as faculdades previstas no Código de Direito Canónico, nomeadamente as consignadas no cânone 1111.

Esta nomeação é válida pelo período de seis anos.Leiria, 19 de Setembro de 2010.

† António Augusto dos Santos MartoBispo de Leiria-Fátima

ConvocatóriaAssembleia Diocesana

Caríssimos Diocesanos, irmãos e irmãs em Cristo,A vós, graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.Bendito seja Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das mise-

ricórdias e o Deus de toda a consolação. Ele nos consola em toda a nossa tribulação, para que também nós possamos consolar aqueles que estão em qualquer tribulação, mediante a consolação que nós mesmos recebemos de Deus. (2 Cor 1, 2- 4)

Como o fiz na Carta pastoral para este ano, com estas palavras do Apósto-lo Paulo saúdo-vos afectuosamente. Como ele, em união espiritual convosco, começo por abrir o coração bendizendo a Deus pelos dons de consolação com que confortou a nossa Igreja diocesana ao longo do ano pastoral findo. Sabeis que estamos a seguir o percurso traçado pelo Sínodo Diocesano e desenvolvi-do no projecto pastoral “Testemunhar Cristo, fonte de esperança”.

Nesta caminhada comum, como nos anos passados, venho convocar uma Assembleia Diocesana, que terá lugar na tarde do Domingo, 3 de Outubro, no ginásio do Seminário Diocesano, em Leiria.

Com ela celebramos o Dia da Igreja Diocesana, em comunhão visível, apresentamos o programa do novo ano e damos-lhe início juntos.

Para ela convoco os principais agentes pastorais e apostólicos, nomeada-mente: os padres, o Conselho Pastoral Diocesano, os membros dos Serviços e organismos diocesanos, as direcções dos Movimentos, Associações e Obras, os superiores ou representantes das comunidades religiosas masculinas e femininas, as direcções dos Institutos Seculares e Novas Comunidades, os membros dos conselhos pastorais paroquiais, catequistas, ministros da co-munhão e outros.

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. decretos .

O programa será o seguinte:15h00: Acolhimento, música e retrospectiva da caminhada diocesana;16h00: Tempo de convívio;16h30: Música e apresentação da nova Carta Pastoral do Senhor Bispo;18h00: Eucaristia na igreja do Seminário.Na manhã desse dia, no colégio da Cruz da Areia, realiza-se o encontro

anual dos catequistas da Diocese, promovido pelo Departamento da Educa-ção Cristã.

Estes eventos testemunham a nossa união no amor de Cristo, promovem a comunhão eclesial e imprimem nos nossos corações maior sentido de co-responsabilidade na missão comum e de pertença a uma mesma e grande família espiritual.

Reservai na vossa agenda a disponibilidade para participar, não marcando qualquer outra actividade no âmbito da vossa responsabilidade, informai e motivai os vossos colaboradores para vos acompanharem.

Tendo em conta as orientações diocesanas, peço a todos o melhor empe-nho na programação pastoral para o próximo ano.

23 de Setembro de 2010† António Augusto dos Santos Marto

Bispo de Leiria-Fátima

Nomeação episcopalAssistente Diocesano do Movimento Legião de Maria

António Augusto dos Santos Marto, Bispo da Diocese de Leiria-Fátima, faz saber quanto segue:

Sendo necessário prover ao bem espiritual do Povo de Deus que nos foi confiado, havemos por bem nomear Assistente Diocesano do Movimento Le-gião de Maria o Revº Padre Joaquim de Jesus João.

Exercerá o seu cargo segundo a Lei da Igreja e em comunhão com o Bispo diocesano. Entra em funções na data deste decreto.

Esta nomeação é válida pelo período de cinco anos.Leiria, 25 de Novembro de 2010.

† António Augusto dos Santos MartoBispo de Leiria-Fátima

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. decretos .

Nomeação episcopalCapelão do Centro Hospitalarde Nossa Senhora da Conceição

António Augusto dos Santos Marto, Bispo da Diocese de Leiria-Fátima, faz saber quanto segue:

Correspondendo ao pedido do Provedor da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia da Batalha, engenheiro António de Almeida Monteiro, nos ter-mos do Art.º 12 do Compromisso da referida Irmandade, havemos por bem nomear Capelão do Centro Hospitalar de Nossa Senhora da Conceição, o Rev.º Padre António Ramos, que entrará em funções no dia 8 de Dezembro corrente.

Exercerá o seu cargo segundo a Lei da Igreja, em comunhão com o Bispo diocesano e de acordo com o Compromisso da Irmandade.

Esta nomeação é válida pelo período de seis anos.Leiria, 6 de Dezembro de 2010.

† António Augusto dos Santos MartoBispo de Leiria-Fátima

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. documentos pastorais .

Carta Pastoral para 2011-2012

Chamados à CaridadeComoeuvosfiz,fazeivóstambém.(Jo13,15)

Caríssimos Diocesanos,Irmãos e Irmãs em Cristo,

A vós, graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.Bendito seja Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das miseri-córdias e o Deus de toda a consolação. Ele nos consola em toda a nossa tribulação, para que também nós possamos consolar aqueles que estão em qualquer tribulação, mediante a consolação que nós mesmos recebe-mos de Deus. (2 Cor 1, 2- 4)

Com estas palavras do Apóstolo Paulo saúdo-vos afectuosamente. Como ele, em união espiritual convosco, começo por abrir o coração bendizendo a Deus pelos dons de consolação com que confortou a nossa Igreja diocesana ao longo do ano pastoral findo.

Dons de consolação Destaco apenas alguns mais significativos em que sobressaíram a beleza

e a alegria de ser e sentir-se Igreja – Comunhão de fiéis em Cristo e corres-ponsáveis na sua vitalidade: o retiro popular, durante a Quaresma, com a participação de 6000 pessoas; os encontros de formação, em cada vigararia, para os membros dos conselhos pastorais e económicos das paróquias, que abrangeram 1500 colaboradores; o culminar do ano pastoral com a “Festa da Fé: Rosto(s) da Igreja diocesana”. Este evento suscitou uma adesão popular surpreendente e deu visibilidade ao rosto da nossa Igreja na variedade das suas comunidades, dos seus movimentos, grupos e serviços. Foi uma verda-deira festa da fé que irradiou alegria, comunhão e fraternidade na cidade dos homens.

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. documentos pastorais .

Não posso deixar de referir as celebrações da abertura e do encerramento do Ano Sacerdotal, com a evocação de figuras exemplares de sacerdotes que pertenceram ao presbitério diocesano. Ajudaram, sem dúvida, a redescobrir o dom do sacerdócio para a beleza e saúde espiritual da Igreja e do mundo; a reforçar a fraternidade entre os padres; a cuidar das vocações sacerdotais. Considero uma verdadeira graça do Ano Sacerdotal a ordenação de um diá-cono e a entrada de seis novos seminaristas para o nosso Seminário Maior.

Como momento culminante lembro a inesquecível peregrinação do Santo Padre a Fátima que nos trouxe um novo ânimo à fé e nos fez sentir Igreja viva, alegre e missionária.

O percurso pastoralSeguindo o percurso traçado pelo Sínodo diocesano iniciamos agora um

novo biénio voltado para a missão e o testemunho da Igreja e dos cristãos no mundo, sob o lema tão apelativo: “O serviço à pessoa é o caminho da Igreja”.

Este ano pastoral é dedicado à caridade e à acção sócio-caritativa. Vem na continuidade dos anos precedentes dedicados ao acolhimento, à vocação cristã, à revitalização da fé e à comunhão e corresponsabilidade na Igreja. A caridade engloba os temas anteriores, inspira-os e é como o seu coroamento, fazendo-os amadurecer e frutificar.

“Partindo da comunhão dentro da Igreja, a caridade abre-se, por sua na-tureza, ao serviço universal, frutificando no compromisso dum amor activo e concreto por cada ser humano. Esta dimensão caracteriza, de modo igual-mente decisivo, a vida cristã, o estilo eclesial e a programação pastoral. É de esperar que o século e o milénio que estão a começar vejam, de modo ainda mais eficaz, o grau de dedicação a que pode levar a caridade para com os mais pobres” (NMI n. 49).

De facto, como dizia Santo António, “a caridade é a alma da fé, torna-a viva. Sem o amor, a fé morre”. Além disso, ela é a alma da missão evan-gelizadora da Igreja: é o modo mais belo, mais atraente e mais credível de comunicar o Evangelho.

A caridade, em todas as suas formas, é o testemunho supremo que podem dar os crentes num Deus-Amor. Ela representa o resplendor da vida cristã e eclesial: faz resplandecer a Beleza do Amor divino que sustenta e salva o mundo. “Só a caridade salvará o mundo”, era o programa de S. Luís Orione, recentemente canonizado. A caridade e a pastoral sócio-caritativa são a ex-pressão do amor misericordioso e libertador de Deus, o sinal mais credível para dizer quem é Deus, Deus Amor, e o que Ele quer de nós. Viver a caridade

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. documentos pastorais .

toca pois, profundamente, a qualidade da vida e da missão da Igreja e das comunidades cristãs.

Para este Ano Pastoral propomo-nos três objectivos: redescobrir a cari-dade como forma (estilo) de ser da existência cristã, pessoal e comunitária; desenvolver a espiritualidade da gratuidade, da disponibilidade, da partilha e do serviço aos irmãos; repensar e reorganizar os serviços sócio-caritativos nas comunidades cristãs.

Como lema bíblico escolhemos uma frase de Jesus extraída do seu dis-curso de despedida na Última Ceia: “Como eu vos fiz, fazei vós também” (Jo 13, 15). E como símbolo escolhemos precisamente o ícone do “lava pés” dos Apóstolos, onde se encontra a frase citada, a evocar o gesto de Jesus como fonte, modelo e sentido de todo o serviço de caridade.

1. ROSTOS DE POBREZA NO CENÁRIO DO MUNDO

Através dos meios de comunicação social tornamo-nos hoje cada vez mais conscientes de quanto se sofre no mundo. Quer se trate da sociedade no seu conjunto, da família ou da situação interior de cada pessoa, deparamos com as noites da dor humana, das solidões do mundo, de todas as fragilidades e necessidades que clamam por atenção, ajuda e apoio.

O fenómeno da globalização faz emergir novos e múltiplos rostos da po-breza. De facto, “a sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos” (CV n. 19). Vamos contemplar brevemente os rostos da pobreza em três cenários.

1.1. O cenário socioeconómicoO actual cenário do mundo é de crise socioeconómica com consequências

tremendas a vários níveis. Estamos perante paradoxos que denunciam um “mal-estar de civilização”: aumenta a riqueza mas crescem as desigualdades; aumenta a produção mas morre-se de fome; aumenta o consumismo mas so-bem os índices de infelicidade.

Uma breve amostra estatística, a nível mundial, revela-nos como a situa-ção é clara e arrepiante: 1.300 milhões de pessoas vivem com menos de um dólar por dia; 20% da população mundial absorve 82% dos recursos mundiais enquanto 80% da população dispõe apenas de 18%. Segundo dados da FAO, em cada dia, no mundo, morrem à fome cerca de 36.500 crianças. Por ano são

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. documentos pastorais .

13 milhões de vítimas inocentes! As desigualdades são demasiado grandes e gritantes.

Entre nós, 18% da população vive em situação de pobreza. O desemprego é um flagelo e uma das causas primárias da exclusão social. Hoje, a injustiça, a pobreza, a fome e a exclusão social são uma interpelação humana que brada aos céus.

Este cenário põe-nos diante da pobreza relativa às necessidades mate-riais: alimentação, vestuário, saúde, casa, trabalho, recursos económicos. É talvez a pobreza que conhecemos melhor e que atinge famílias inteiras.

1.2. O cenário culturalA crise económica não explica o amplo leque de situações de fragilidade

e de precariedade, muitas vezes camufladas e escondidas, presentes na nossa sociedade.

Ainda se nota uma grande sensibilidade e solidariedade para com as víti-mas das grandes calamidades. Mas a cultura dominante do nosso quotidiano está muito marcada pelo individualismo calculista. “Pensa em ti” é a adver-tência que ouvimos desde pequenos. A defesa de si mesmo, dos próprios inte-resses e do próprio dinheiro é, tantas vezes, a primeira e, porventura, a única preocupação de muitos. Uma cultura que quer contabilizar tudo e deseja que tudo seja pago perde o sentido do dom, do serviço aos outros, da solidarieda-de, e gera marginalização.

A nossa sociedade tornou-se uma rede mundial de possibilidades de comu-nicação. No entanto, o ritmo estressante e a superficialidade da vida tornam difícil o verdadeiro encontro pessoal, o acolhimento, a atenção, a presença aos outros, a comunicação profunda, que atinge o próprio ambiente familiar.

“Uma das pobrezas mais profundas que o homem pode experimentar é a solidão” (CV n. 53), que, por vezes, leva ao desespero. Por falta de amor morre-se, chega-se a desejar e programar a morte.

Este cenário põe-nos diante da pobreza relativa às necessidades rela-cionais: a solidão, o abandono, a indiferença, o esquecimento que afectam particularmente os sós, os idosos, os doentes, os portadores de deficiência, os sem abrigo, os migrantes...

1.3. O cenário do coração humanoTodas estas fragilidades se repercutem no coração humano, no íntimo das

pessoas. Estar sós, privados de afecto, de companhia, de ajuda e solidarie-

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dade leva o ser humano à desolação, à infelicidade. Este aspecto acentua-se, hoje, por uma determinada cultura vazia de grandes ideais, de valores, de espiritualidade e de fé, o que leva o indivíduo a fechar-se no seu pequeno mundo e a gozar o momento presente. Isto provoca crises de interioridade, a perda de confiança na vida, o medo do futuro e uma quebra da fraternidade e da compaixão.

Este cenário põe-nos diante da pobreza moral e espiritual que está na raiz de muitas fragilidades da vida pessoal e social, e se manifesta em formas de perturbações psíquico-espirituais, em depressões e em processos de autodes-truição na droga, no álcool e na violência.

Em síntese, o problema central que atormenta a vida de muitos e da so-ciedade, neste cenário do mundo, é a falta de amor. Di-lo bem a Madre Te-resa de Calcutá: “A pior doença do Ocidente de hoje não é a tuberculose ou a lepra, mas o não sentir-se amados e desejados, o sentir-se abandonados. A medicina pode curar as doenças do corpo, mas a única cura para a solidão, o desespero e a falta de perspectivas, é o amor. Há numerosas pessoas no mun-do que morrem porque não têm sequer um pedaço de pão; mas um número ainda maior morre por falta de amor”.

1.4. Para uma caridade mais criativaPerante os desafios do cenário traçado compreendemos o apelo de João

Paulo II a “uma nova fantasia da caridade”, isto é, uma caridade mais criativa face às novas interpelações. Mas ainda tem sentido falar de caridade, hoje? Não seria mais próprio falar de justiça?

Antes de mais, convém esclarecer que a caridade não se reduz a dar uma esmola ou a prestar uma ajuda ou assistência. É muito mais que isso. A caridade é, ao mesmo tempo, relação, doação e serviço de amor concreto a todo o ser humano necessitado de ajuda. Assim entendida, engloba, inspira e anima o empenho pela justiça na sociedade. Trata-se da “caridade social ou política”, de que nos ocuparemos no próximo ano.

Paulo VI afirmava que “a justiça é a medida mínima da caridade”. A cari-dade não substitui a justiça. Por sua vez, a justiça nunca poderá tornar supér-fluo o amor de proximidade como relação, serviço, partilha, apoio concreto e consolação ao próximo, àquele que sofre, sobretudo aos pobres e desprotegi-dos. É desta “caridade de proximidade”, enquanto actividade organizada da comunidade cristã, que tratamos aqui como testemunho do Evangelho, que faz crescer a cultura da solidariedade e contribui para a civilização do amor.

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2. DE DEUS-AMOR AO AMOR DO PRÓXIMO

A beleza e a riqueza da caridade cristã só se compreendem plenamente a partir do mistério de Deus-Amor que se torna visível e próximo nas palavras e nos gestos de Jesus para contagiar os nossos corações e os nossos dias. O que os Apóstolos viram e tocaram era o amor de Deus descido à terra: Jesus. E foi de tal modo extraordinário que, para dizer ao mundo este novo amor, viram-se obrigados a encontrar uma palavra grega então raramente usada: ágape, isto é, caridade. Este vocábulo passou então a designar o próprio Deus (Deus é Amor); o amor gratuito, terno, compassivo e misericordioso de Deus aos homens; o amor do homem a Deus e o amor do homem para com o seu semelhante.

Assim, vamos contemplar esta beleza da caridade em três passagens do Evangelho, que formam um tríptico sobre o mesmo tema.

2.1. O Ícone do Lava-Pés (Jo 13, 1-17): Como eu vos fiz, fazei vós também

É um texto característico da Quinta-Feira Santa. Pertence ao discurso do adeus de Jesus, na Última Ceia, em que Ele nos deixou o seu testamento.

“... Amou-os até ao fim”A frase de abertura ilumina e dá sentido a todas as palavras e gestos de

Jesus na Última Ceia: “Jesus, sabendo que chegara a sua hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”.

Com estas palavras tão solenes, o evangelista introduz-nos na “hora” da morte e ressurreição de Jesus, como expressão máxima e total do seu amor. É neste contexto que devemos captar o significado e o alcance do lava-pés.

“Compreendestes o que eu vos fiz?”Estamos diante de um gesto simbólico e profético, “subversivo” e provo-

cador. É o próprio Jesus que o explica: Ele assume a forma de servo (o Servo dos servos) invertendo a relação normal entre o Mestre e os discípulos. Neste gesto resume todo o seu mistério, o essencial da sua vida, da sua missão e paixão. Toda a sua vida foi um serviço de doação e entrega de amor e por amor até ao fim.

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Além disso, neste episódio contemplamos a revelação desconcertante de um Deus ao serviço do homem por amor. Sim, Deus inclina-se e ajoelha-se aos pés do homem, em atitude humilde, inclusive diante do seu inimigo que é Judas. As mãos de Jesus são a extensão das mãos do Pai que nos lava no seu Amor para nos purificar do egoísmo e nos tornar participantes da sua comunhão de vida e do seu próprio amor: “Se não te lavar os pés, não terás parte comigo”.

“Como eu vos fiz, fazei vós também.”Da relação entre o Mestre e os discípulos, Jesus passa à relação entre os

próprios discípulos: “Dei-vos o exemplo: como eu vos fiz, fazei vós tam-bém...Também vós deveis lavar os pés uns aos outros”. Em concreto, signi-fica estar ao serviço uns dos outros sem reservas e sem desejos de poder; a nossa disponibilidade para os outros em atitude de doação, aprendendo pouco a pouco o modo de ser e viver de Jesus. O lava-pés faz-nos sentir amados e capazes de amar!

“Dou-vos um mandamento novo...” Compreendemos assim as palavras que Jesus dirige, de seguida, aos dis-

cípulos e a todos nós: “Dou-vos um mandamento novo, que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também vós uns aos outros. Nisto reconhecerão que sois meus discípulos” (Jo 13, 34).

O “mandamento novo” não consiste numa norma nova e difícil. A no-vidade é o dom que nos introduz no próprio amor de Cristo que se torna o fundamento e a fonte permanente do amor recíproco. Este passa a ser o sinal distintivo da identidade do cristão e da comunidade cristã. “O amor em abs-tracto nunca terá força no mundo se não lança as suas raízes em comunidades concretas, construídas sobre o amor fraterno” (Bento XVI).

Deste modo, Jesus funda a Igreja no Amor, constitui-a comunidade de amor e serviço, traça a sua missão no mundo e indica o sinal da credibilidade cristã.

2.2. O Ícone do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37): Vai e faz o mesmo tu também

A parábola do Bom Samaritano é uma autêntica pérola do Evangelho. Indica-nos como viver no mundo e no dia-a-dia o amor que Deus derrama nos nossos corações. Mostra-nos o caminho do amor que Jesus percorreu em primeiro lugar, Ele, o Bom Samaritano por excelência.

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O homem “meio morto”No homem assaltado, espancado e abandonado entre a vida e a morte,

podemos ler a história da humanidade sofredora: do ser humano com todas as feridas do corpo e do espírito que desfiguram a sua humanidade; de todo o homem e mulher atingidos pela violência, pela indiferença, pelo abandono, pelo desamparo, pela solidão e marginalização.

“Viu-o e encheu-se de compaixão”Antes de descrever os gestos concretos com que o samaritano cuida do

homem moribundo, a parábola diz: “Viu-o e encheu-se de compaixão”, ou mais à letra, “comoveu-se até às entranhas”. Esta palavra “comoção” – que na Bíblia designa o amor entranhado e compassivo de Deus para com os homens – descreve o acontecimento misterioso que brotou no coração do samaritano, que o atraiu para dentro do amor entranhado de Deus e o envolveu na sua profundidade e totalidade; que lhe abriu os olhos, o levou a fazer-se próximo do homem ferido e a cuidar dele.

Um coração que vê e actua À compaixão de Deus está ligada uma nova forma de ver: um coração que

vê! “Jesus Cristo não nos ensina uma mística ‘dos olhos fechados’, mas sim uma mística do ‘olhar aberto’; e, com isso, o dever de perceber a condição dos outros, a situação em que se encontra aquele homem que, segundo o Evangelho, é o nosso próximo. O olhar de Jesus, a escola dos olhos de Jesus introduz numa proximidade humana, na solidariedade, na partilha do tempo, dos dotes e também dos dons materiais” (Bento XVI).

“Trata bem dele”O samaritano cuidou daquele homem abandonado com gestos de ajuda

concreta para o restabelecer. Nestes gestos deu-se a si mesmo. Verificando que por si só não o podia ajudar até ao fim, compreendeu que era necessário o envolvimento dos outros, a sua colaboração, a ajuda solidária e eficaz. Confia o homem ferido ao cuidado do dono da estalagem: “trata bem dele...”. Assim, comunica também aos outros a compaixão pelo outro.

“Qual te parece ter sido o próximo?”No diálogo com o doutor da Lei vem ao de cima a novidade introduzida

por Jesus: o próximo é aquele que se faz próximo daquele que precisa de ajuda. Próximo não é o nome do outro, do homem meio morto; é o nome do samaritano, o nome de todo o homem que se aproxima, com a compaixão de Deus, dos pobres e abandonados, e actua.

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“Vai e faz o mesmo tu também”Eis o convite e o mandato a tornar-se próximo no amor, na atenção, no

cuidado, na partilha e no serviço a todo o ser humano. Eis a missão da Igreja samaritana da humanidade, enviada ao mundo, a cada ser humano e a cada povo, para levar a compaixão, a dignidade e a esperança dos filhos de Deus. Como diz Bento XVI: “O programa do cristão – o programa do Bom Sama-ritano, o programa de Jesus – é ‘um coração que vê’ onde há necessidade de amor e actua em consequência” (DCE n. 31).

2.3. O Ícone do Juízo Universal (Mt 25, 31-46): ...Foi a mim mesmo que o fizestes.

Na história da espiritualidade cristã, dificilmente encontramos um texto que tenha suscitado um fascínio tão grande como este discurso de Jesus sobre o Juízo Universal.

Não estamos perante uma reportagem de tipo jornalístico sobre o fim do mundo e o juízo final. Trata-se do discurso conclusivo de Jesus para mostrar que a dimensão do amor do próximo está no centro do Reino de Deus, que foi apresentado ao longo do Evangelho. Esse amor ao próximo joga um papel decisivo nas opções de cada um em relação a Cristo. Esta mensagem é-nos apresentada numa cena grandiosa, cheia de elementos simbólicos: a convo-cação de todos os povos diante de Cristo, Pastor da humanidade, Senhor e Juiz da história.

“Tive fome e destes-me de comer...”Esta página evangélica diz-nos que, no final, todos seremos julgados pelo

amor. A grande surpresa dos “julgados” é precisamente o critério do exame ou juízo: “Tive fome e destes-me de comer ... Senhor, quando foi que te vimos com fome...?”. O critério do juízo é o amor manifestado nas obras de misericórdia.

“Foi a mim mesmo que o fizestes”Contudo, a grande novidade do texto é que Cristo se identifica com aque-

les que passam fome, sede, nudez, doença, prisão... “Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes”. Já não se pode separar Cristo dos necessitados, dos pobres. O que se faz de bem a eles, é ao próprio Cristo que se faz. Não os servindo, não se serve a Cristo. Jesus é amado no amor de uns pelos outros.

Nesta passagem, Jesus enumera as obras de misericórdia. A salvação ou a

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ruína passam por estes pequenos/grandes gestos quotidianos. Todos podemos percorrer o caminho das obras de misericórdia, actualizando-as nos dias de hoje. Elas são os sinais postos no caminho do amor.

Sintetizando, podemos concluir com um belo texto do Papa Bento XVI: “A caridade é o distintivo do cristão. É a síntese de toda a sua vida: do que crê e do que faz. É a luz que dá bondade e beleza à existência de cada homem. É o comportamento de quem responde ao amor de Deus e faz da própria vida um dom de si a Deus e ao próximo. É o caminho da santidade. A vida dos santos, de cada santo, é um hino à caridade, um cântico vivo ao amor de Deus”!

3. A IGREJA, CASA E ESCOLA DA CARIDADE

Chegados aqui vamos tirar algumas conclusões de ordem prática que sir-vam de orientação à programação da pastoral sócio-caritativa.

Antes de mais, a caridade é uma componente fundamental da vida e da missão da Igreja, de cada comunidade cristã e de cada fiel cristão, tal como o são o anúncio do Evangelho e a celebração dos Sacramentos da Graça. A Igreja vive da caridade: anuncia-a, celebra-a e testemunha-a.

A caridade deveria pois tornar-se o estilo habitual de viver da comuni-dade cristã, a sua linguagem quotidiana, o modo com que ela se aproxima de cada pessoa, a marca de todo o itinerário catequético, a forma que deve caracterizar toda a relação, a atitude com que se exerce cada ministério e serviço. De resto, ela é uma linguagem universal que não precisa de intérpre-tes. Desde sempre a Igreja anunciou o Evangelho com os gestos da caridade.

“O amor do próximo, radicado no amor de Deus, é um dever antes de mais para cada um dos fiéis, mas é-o também para a comunidade eclesial inteira, e isto a todos os seus níveis: desde a comunidade local, passando pela Igreja particular, até à Igreja universal na sua globalidade. A Igreja também enquanto comunidade deve praticar o amor” (DCE n. 20). A comunidade cristã, no seu conjunto, é portanto sujeito da caridade e esta não é delegável a um grupo de boa vontade, a uma instituição social ou a especialistas na matéria.

Assim, a primeira preocupação de cada comunidade deverá ser a de sen-sibilizar, educar e formar todos os seus membros para a vivência e o testemu-nho da caridade. Como? Nas indicações que seguem propomos um itinerário de formação e de acção.

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3.1. Cultivar a espiritualidade do dom, da partilha e do serviçoA caridade cristã, como nos ensina S. Paulo (cf 1 Cor 13), exprime-se

antes de mais em orientações profundas da pessoa humana. Não é uma mera filantropia. O motivo principal do agir deve ser sempre o amor de Cristo der-ramado nos nossos corações. A caridade é, então, mais do que uma simples actividade de ajuda; é relação e dom de si na partilha e no serviço. Este dom deve ser humilde, liberto de qualquer sentido de superioridade. A sua força vem do alto. Como viver pois a caridade sem alimentar a sua chama interior na Palavra, na oração e na meditação?

O amor evangélico exige um trabalho delicado no coração de cada um de nós: um verdadeiro itinerário espiritual que requer a escuta da Palavra de Deus, um exercício paciente de conversão dos pensamentos, sentimentos, comportamentos e reacções, uma purificação do egoísmo e comodismo, uma grande disponibilidade ao amor pelos mais frágeis, uma generosa capacidade de partilha, uma participação mais calorosa e atenta na vida da comunidade. É indispensável um fervor espiritual que nos pode contagiar na familiaridade com a vida dos santos.

Para ajudar a cultivar esta espiritualidade continuaremos, como nos anos anteriores, a propor o Retiro para o Povo de Deus, durante a Quaresma, sob a forma de uma breve “Leitura orante da Palavra de Deus” (lectio divina), acompanhada pelo testemunho da vida de alguns santos e de outros exemplos luminosos da caridade. Peço aos párocos que se empenhem com toda a pai-xão na divulgação, no incentivo e na preparação adequada e atempada deste retiro para que possa produzir muitos frutos.

3.2. O testemunho do amor fraternoO primeiro testemunho é o do amor fraterno dentro da comunidade cris-

tã. Sem um estilo de fraternidade, de proximidade, de cuidado das relações entre as pessoas, os grupos e os movimentos, a comunidade não irradia o Evangelho da caridade, não realizará a sua missão. Jesus afirma que reconhe-cerão os seus discípulos pelo amor recíproco. É preciso que as nossas comu-nidades dêem exemplo de relações pessoais sinceras, acolhedoras, pacientes, reconciliadoras. Só assim se tornarão testemunho e profecia da caridade.

Sem o cuidado das relações fraternas, a comunidade assemelha-se a uma pequena ou média empresa que funciona mais ou menos, onde as prestações e os balanços contam mais do que as relações. Ora a Igreja não nasceu como

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uma empresa, mas sim como uma família, onde o que conta é a atenção às pessoas e a relação fraterna.

3.3. O testemunho de proximidade aos mais vulneráveis e aos mais pobres

A dedicação e o apoio à pessoa do irmão necessitado são um aspecto irrenunciável da caridade, particularmente para com os mais vulneráveis e os mais pobres, os que são abandonados até ao limite da resistência porque não conseguem fazer-se ouvir. “O amor preferencial pelos pobres é uma dimen-são necessária do ser cristão e do serviço do Evangelho”(EE n. 86).

Trata-se, antes de mais, de abrir os olhos e o coração para tomar consci-ência das pessoas que vivem uma situação de necessidade; para aprender a reconhecer as pobrezas com que muitas vezes se convive na maior indife-rença; para identificar e partilhar as diversas situações de fragilidade. Penso em concreto nos doentes, nos idosos, nos sós, nos portadores de deficiência e seus familiares, nas vítimas da crise económica, nos sem abrigo, nos mi-grantes, nos ciganos, nas situações de violência doméstica e de dependência da droga ou do álcool.

Torna-se pois necessário que cada comunidade trace um quadro o mais completo possível das diversas formas de pobreza e de fragilidade que exis-tem no seu meio e verifique as possibilidades, os meios e os modos de actu-ação.

3.4. A caridade no itinerário da iniciação cristãSer iniciado à fé implica necessariamente ser iniciado ao amor fraterno.

Então há que fazer da caridade uma componente indispensável da catequese, de modo a proporcionar às crianças e aos adolescentes a aprendizagem da capacidade de doação, de partilha e de serviço. Esta aprendizagem deveria tornar-se prática habitual para os crismandos através de experiências concre-tas – bem preparadas, acompanhadas e orientadas –, de visita e até de serviço a instituições que cuidam dos mais vulneráveis.

3.5. A Eucaristia, Sacramento da CaridadeOutro momento de iniciação à caridade e fonte permanente do seu dina-

mismo é a celebração da Eucaristia. Nela “Jesus faz de nós testemunhas da compaixão de Deus por cada irmão e irmã; nasce assim, à volta do mistério

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eucarístico, o serviço da caridade para com o próximo, que consiste preci-samente no facto de eu amar, em Deus e com Deus, a pessoa que não me agrada ou nem sequer conheço. (...) Então aprendo a ver aquela pessoa já não somente com os meus olhos e sentimentos, mas segundo a perspectiva de Jesus Cristo. Desta forma, nas pessoas que contacto reconheço irmãos e irmãs, pelos quais o Senhor deu a sua vida amando-os ‘até ao fim’ (Jo 13, 1)” (SC n. 88).

O próprio gesto da paz, na celebração, convida-nos a “fazer-nos próximo” da pessoa que está a nosso lado; não porque a escolhemos nós mas porque Deus a chamou e a pôs aí. A recolha das ofertas também promove a atenção e a solidariedade para com as necessidades dos irmãos.

Recomendo aos sacerdotes que, na celebração da Santa Missa, usem mais frequentemente a Oração Eucarística V/D, do Missal Romano, intitulada “Je-sus passou fazendo o bem”.

3.6. A cooperação missionáriaUma forma importante de caridade fraterna é a cooperação missionária

entre as Igrejas, com particular atenção às Igrejas do chamado Terceiro Mun-do. O intercâmbio dos dons da fé e dos valores culturais e a comunhão dos bens económicos oferecem um campo imenso de prática da caridade em or-dem à promoção humana e cristã.

A nossa Diocese está envolvida numa geminação com a diocese do Sum-be em Angola. Temos a trabalhar na missão do Gungo uma equipa constitu-ída por um padre e alguns leigos voluntários. Faço um apelo para que esta realidade seja dada a conhecer em cada uma das nossas comunidades, de tal modo que se torne interpeladora e suscitadora de vocações missionárias entre os jovens e menos jovens, em forma de voluntariado, e que cada comunidade se sinta corresponsável neste projecto.

3.7. Serviços diocesanos de apoio à pastoral sócio-caritativaA Diocese tem vários serviços centrais organizados para promover e

apoiar a prática da caridade, em todas as suas formas e em todas as comu-nidades, sob a coordenação do Departamento da Pastoral Social, a saber: a Caritas Diocesana, a Comissão Diocesana Justiça e Paz, o Serviço de Pastoral da Saúde e o Serviço de Apoio Pastoral à Mobilidade Humana.

A Caritas é a expressão da actividade sócio-caritativa organizada da nossa

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Igreja diocesana. É, pois, um organismo pastoral para ajudar toda a comu-nidade diocesana a tornar-se comunidade de caridade, respondendo às ne-cessidades imediatas das situações de pobreza. Para alcançar este objectivo compete-lhe também promover acções de sensibilização e coordenar e apoiar as iniciativas dos vários grupos sócio-caritativos que actuam neste âmbito.

É oportuno que, sob a orientação do Departamento da Pastoral Social, se avalie e repense o serviço sócio-caritativo a nível diocesano em ordem a uma actividade mais coordenada e criativa. Neste sentido, apelo à reflexão conjunta e à procura de caminhos de cooperação que envolva as instituições de solidariedade social, as misericórdias, as conferências vicentinas, as con-frarias e outras, que reforce a identidade e motivação cristã dos seus serviços, possibilite economia de meios e pessoas e leve a servir mais e melhor as pessoas carenciadas.

3.8. Serviço sócio-caritativo paroquialEm cada comunidade, o serviço da caridade deve ser cuidado, organiza-

do e estruturado, tal como os serviços da Palavra e da Liturgia, para que a caridade não seja algo meramente pontual ou ocasional. Para tal é preciso que se encontrem espaços, instrumentos e pessoas.

Em ordem a tornar efectiva a prática da caridade é necessário que em cada paróquia se constitua um serviço sócio-caritativo reconhecido e com representação no Conselho Pastoral. Este serviço assumirá a função de ani-mar e coordenar a prática da caridade na diversidade das expressões existen-tes, de modo a que se possa fazer uma programação calendarizada de inicia-tivas, encontros e celebrações tal como se faz com a Catequese e a Liturgia.

Para uma resposta mais pronta e eficaz às situações de necessidade é salu-tar que os serviços sócio-caritativos das paróquias trabalhem em rede dentro de cada vigararia e com a Caritas diocesana.

3.9. Promoção do voluntariadoA experiência do voluntariado é uma autêntica escola de vida e de frater-

nidade onde se aprende a acolher o outro, a cultivar o espírito de generosida-de e serviço, a partilhar os dons e a pô-los a render em prol dos outros. Para os jovens é um caminho particularmente eficaz para lhes abrir horizontes de solidariedade, para orientar as suas energias, por vezes desperdiçadas em ex-periências de transgressão, para vencer as próprias fragilidades e os preparar para as opções maduras da vida.

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De igual modo, podem ser valorizadas as possibilidades de muitos profis-sionais leigos que, por vezes, apenas estão à espera de poderem pôr à disposi-ção do bem comum as suas competências e, assim, se sentirem participantes na comunidade eclesial.

A paróquia pode tornar-se o espaço adequado onde confluam estas com-petências e boas vontades, promovendo quanto existe de bom e de válido nas malhas do tecido social.

Apraz-me aqui reconhecer e agradecer à multidão de pessoas que, nos vários âmbitos da Igreja diocesana, nas paróquias, em inúmeros serviços e instituições, mesmo civis e de solidariedade, exercem o voluntariado, gratuita e dedicadamente, ao serviço das pessoas carenciadas. Bem hajam!

3.10. Perfil específico e a necessidade de formação“Fazer bem o bem que se faz” é uma exigência da caridade inteligente

e respeitadora da dignidade da pessoa. Não basta pois o voluntarismo ou o amadorismo. É necessária uma formação específica e por vezes especializada que tenha em conta o perfil próprio da actividade caritativa da Igreja.

Requerem-se, antes de mais, competência profissional, continuidade no empenho assumido, conhecimento dos problemas, disponibilidade para tra-balhar juntos nos objectivos e projectos. É fundamental a capacidade de actu-ar em rede para optimizar os recursos sem dispersar forças.

Todavia, a actividade caritativa não pode ser reduzida a uma mera assistên-cia social nem ser compreendida só a partir da lógica profissional. Para além da ajuda ou apoio material, ela é expressão de amor e atenção à pessoa na sua totalidade. “Por isso, para tais agentes, requer-se também e sobretudo a ‘formação do coração’... a dedicação ao outro com todas as atenções sugeridas pelo coração, de modo que ele sinta a riqueza da sua humanidade” (DCE n. 31): a proximidade, o acolhimento, a escuta, a relação, a ternura, a partilha...

A actividade caritativa da Igreja, como facilmente se compreende, deve ser independente de ideologias e partidos, sem proselitismo, não lucrativa e humilde na aproximação aos necessitados.

A cooperação com os organismos do Estado é ditada por objectivos co-muns em ordem a servir mais, melhor e mais eficazmente. Esta cooperação exige seriedade da parte das instituições da Igreja e o cuidado para não deixar que se perca a sua identidade cristã.

Ao longo do Ano Pastoral promoveremos uma acção de formação para os serviços e grupos sócio-caritativos em cada vigararia.

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3.11. Família, o primeiro lar da caridadeA primeira casa e escola onde somos iniciados à caridade e chamados a

vivê-la e a testemunhá-la é, por natureza, a família. “A caridade bem ordena-da começa na própria casa”, diz o adágio. É aí que fazemos a primeira experi-ência do amor humano mais gratuito e generoso: de pais e filhos e de irmãos. Hoje, múltiplos factores, desde o desencontro dos horários de trabalho até às solicitações das novas tecnologias, desde a ruptura cultural entre as gerações à perda de valores educativos, provocam um curto circuito na circulação e no crescimento deste amor familiar: na proximidade, na disponibilidade, no aco-lhimento, no diálogo e no sacrifício de uns pelos outros. A caridade, o amor gratuito, oblativo e generoso é o que torna mais bela a família. Por isso, su-giro a cada família fazer um exame de consciência sobre a qualidade das suas relações, cultivar gestos de partilha com os mais necessitados, educar os fi-lhos para a generosidade e gratuidade no serviço aos outros. Com confiança e afecto faço um apelo: “Família, reacende o fogo da caridade que está em ti”!

3.12. A caridade, fonte de vocaçõesCreio que, se durante este ano pastoral conseguirmos atear o fogo da cari-

dade nas famílias e nas comunidades cristãs, poderemos ter fundada esperan-ça numa primavera vocacional. Relembro o testemunho de Santa Teresa do Menino Jesus: “Compreendi que só o amor fazia actuar os membros da Igreja e que se o amor viesse a extinguir-se nem os Apóstolos continuariam a anun-ciar o Evangelho, nem os mártires a derramar o seu sangue; compreendi que o amor encerra em si todas as vocações”. O serviço de animação vocacional nas comunidades também é serviço de caridade!

3.13. Centenário das Aparições: Fátima, escola de caridade e de serviço aos irmãos

No primeiro domingo do Advento, iniciaremos um período de 7 anos de preparação para o Centenário das Aparições da Senhora “vinda do Céu” vi-sitar a nossa terra com uma mensagem de amor e de paz a uma humanidade dividida por ódios e guerras fratricidas. “Com a família humana pronta a sacrificar os seus laços mais sagrados no altar de mesquinhos egoísmos de nação, etnia, raça, ideologia, grupo, indivíduo, veio do Céu a nossa bendita Mãe oferecendo-se para transplantar no coração de quantos se lhe entregam o Amor de Deus que arde no seu. Eram então só três, cujo exemplo de vida

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irradiou e se multiplicou em grupos sem conta por toda a superfície da terra - nomeadamente à passagem da Virgem peregrina -, que se votaram à causa da solidariedade fraterna” (Bento XVI, Homilia em Fátima).

Espero que os diocesanos de Leiria-Fátima, terra agraciada com a visita-ção da Senhora, primem nesta preparação espiritual e ajudem a tornar Fátima cada vez mais escola de caridade e de serviço aos irmãos.

Maria, no mistério da Visitação a Isabel, é um ícone vivo do serviço da caridade. A ela, Mãe do Amor perfeito e belo, confiamos o bom êxito do Ano Pastoral: “Mãe da Visitação, ajuda-nos a ser como Tu, atentos, inteligentes, concretos, alegres, ternos e generosos no serviço humilde da caridade”!

Sobre todos vós, caros irmãos e irmãs, invoco a bênção do Senhor e pro-ponho-vos uma oração da Liturgia para rezarmos, com frequência, durante o ano pastoral:

Pai Santo, dai-nos o Espírito do Amor.Abri os olhos do nosso coração às necessidades e aos sofrimentos dos irmãos;inspirai as nossas palavras e obraspara confortarmos os que andam cansados e oprimidos;e ensinai-nos a servi-los de coração sincero, segundo o exemplo e o mandamento de Cristo.Fazei que a vossa Igreja seja o testemunho vivoda verdade e da liberdade, da justiça e da paz,para que em todos os homens se renove a esperança do mundo novo.

Feliz Ano Pastoral!Um abraço amigo do vosso irmão bispo,† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

Leiria, 28 de Agosto de 2010Festa de Santo Agostinho, Padroeiro da Diocese

Siglas usadasCV - Encíclica A Caridade na Verdade, de Bento XVI (29.06.2009)DCE - Encíclica Deus é Caridade, de Bento XVI (25.12.2005)EE - Exortação Apostólica A Igreja na Europa, de João Paulo II (28.06.2003)FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e AlimentaçãoNMI - Carta Apostólica À Entrada do Novo Milénio, de João Paulo II (06.01.2001)SC – Exortação Apostólica Sacramento da Caridade, de Bento XVI (22.02.2007)

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Anexo 1: Proposta de itinerário para a reflexão

Esta proposta pode servir a pessoas, famílias, grupos ou assembleias. Está organiza-da a partir dos diversos capítulos da carta pastoral. Os animadores adaptarão ou es-colherão as questões consoante as características do grupo ou assembleia. A reflexão pressupõe obviamente a leitura da carta pastoral por parte de todos.

Capítulo 1: Rostos de pobreza no cenário do mundoAté que ponto a análise geral deste n.º 1 retrata a realidade da nossa comu-nidade? Enquanto comunidade, que testemunho damos de uma “caridade de proximidade”?

Capítulo 2: De Deus-Amor ao amor do próximo

2.1. O ícone do Lava-PésA nossa comunidade é um sinal credível da fé cristã pela prática da caridade? Identificamos e valorizamos nela os sinais em que a Igreja se manifesta como “comunidade de amor e de serviço”?

2.2. O ícone do Bom SamaritanoEnquanto comunidade, procuramos desenvolver uma “mística do olhar aber-to”, “um coração que vê onde há necessidades de amor e actua em conse-quência? Na nossa comunidade, como se concretiza o envolvimento das pes-soas e instituições na compaixão pelo outro?

2.3. O ícone do Juízo FinalNos dias de hoje, e na nossa comunidade em concreto, em que gestos se podem e devem actualizar as obras de misericórdia enumeradas por Jesus?

Capítulo 3: A Igreja, casa e escola da caridade3.1. Cultivar a espiritualidade do dom, da partilha e do serviço Na comunidade estão programados momentos para, na oração, na meditação e na escuta da Palavra de Deus, acolher a força que vem do alto para viver a caridade?

3.2. O testemunho do amor fraternoA nossa comunidade dá exemplo de relações pessoais sinceras, acolhedoras, pacientes, reconciliadoras? O que podemos fazer para melhorar?

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3.3. O testemunho de proximidade aos mais vulneráveis e aos mais pobresNa comunidade estão identificadas as diversas formas de pobreza e fragilidade existentes, e definido um plano de acção para ir ao encontro dessas situações?

3.4. A caridade no itinerário da iniciação cristãA catequese na nossa comunidade está a ser um lugar de aprendizagem da doação, partilha e serviço? O que podemos fazer para melhorar?

3.5. A Eucaristia, Sacramento da CaridadeO que podemos fazer para que a celebração da Eucaristia seja, cada vez mais, a fonte permanente do dinamismo caritativo da nossa comunidade?

3.6. A cooperação missionáriaComo podemos envolver a nossa comunidade no projecto missionário em que a nossa diocese está comprometida?

3.7. Serviços diocesanos de apoio à pastoral sócio-caritativaA acção dos vários serviços diocesanos de apoio à pastoral sócio-caritativa é conhecida na nossa comunidade? Que fazer para promover esse conhecimento?

3.8. Serviço sócio-caritativo paroquialNa nossa comunidade existe um serviço organizado de apoio sócio-caritati-vo? Está a ser uma resposta às necessidades reais? Trabalha em rede com os outros serviços da vigararia e da diocese?

3.9. Promoção do voluntariadoA nossa comunidade oferece e promove espaços e tempos de voluntariado?3.10. Perfil específico e a necessidade de formaçãoA nossa comunidade promove a formação dos agentes da pastoral sócio-ca-ritativa?

3.11. Família, o primeiro lar da caridadeA pastoral familiar da nossa comunidade está organizada de forma a ajudar as famílias a serem escolas de caridade?

3.12. A caridade, fonte de vocaçõesO serviço de animação vocacional está organizado e activo na comunidade?

3.13. Fátima, escola de caridade e de serviço aos irmãosNa comunidade procura-se aprofundar o conhecimento da Mensagem de Fá-tima e aproveitar as oportunidades pastorais e formativas que aí se realizam?

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Anexo 2: Tema, objectivos e acções para 2011-2012

Tema Chamados à CaridadeDocumento orientador:Carta Pastoral de D. António Marto: “Chamados à Caridade”Palavra bíblica inspiradora:“Como Eu vos fiz, fazei vós também” (Jo 13, 15)

objectivo Geral Promover a Caridadee a PasToral sóCio-CariTaTiva

Acção principal: Encontro de formação para os serviços e grupos sócio-caritativos em cada vigararia, com a presença do Bispo diocesano.

objectivo específico 1Redescobrir a caridade como forma de ser da existência cristã,

pessoal e comunitáriaInstrumentos e acções:- leitura e reflexão sobre a carta pastoral nos grupos e comunidades;- promover nas comunidades um estilo de fraternidade, proximidade e cuidado das relações entre as pessoas, os grupos e os movimentos;- proporcionar experiências concretas às crianças e aos adolescentes, no itinerário de catequese, para a aprendizagem prática da doação, partilha e serviço;- dar a conhecer a geminação de Leiria-Fátima com o Sumbe e especialmente as iniciativas de apoio e participação na missão do Gungo e outras formas de cooperação missionária entre as Igrejas particulares.

objectivo específico 2Desenvolver a espiritualidade da gratuidade, disponibilidade,

partilha e serviço aos irmãosAcções:- “lectio divina” em grupo, na Quaresma, com o guião para o “retiro popular”, que incluirá o testemunho de vida de alguns santos e outros exemplos luminosos da caridade;

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- valorizar a celebração da Eucaristia como iniciação à caridade e fonte permanente do seu dinamismo (p. e. gesto da paz, a recolha de ofertas, o uso mais frequente da oração eucarística V/D...);- participar na preparação espiritual para o Centenários das Aparições, descobrindo Fátima como escola de caridade e de serviço aos irmãos.

objectivo específico 3Repensar e reorganizar os serviços sócio-caritativos

nas comunidades cristãs

Acções:- inventariar as diversas formas de pobreza e de fragilidade e verificar as possibilidades, os meios e os modos de actuação adequados;- desenvolver ou constituir em cada paróquia um serviço sócio-caritativo adequado às necessidades locais, reconhecido e representado no Conselho Pastoral, e a trabalhar em rede na Vigararia e com a Cáritas Diocesana;- fomentar o voluntariado em prol do bem comum e da solidariedade em serviços e instituições das comunidades cristãs e da sociedade;- organizar o serviço de animação vocacional em cada paróquia e vigararia como modo de viver a caridade;- repensar e reorganizar, sob a orientação do Departamento de Pastoral Social, o serviço sócio-caritativo diocesano e promover a cooperação que envolva as instituições de solidariedade social, as misericórdias, as conferências vicentinas, as confrarias e outras, em ordem a uma actividade mais coordenada e criativa.

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Mensagem de Natal

A Luz duma Nova Humanidade

1. O Natal “amigo do homem” O Natal é “amigo do homem”, cantava Santo Efrém, um Padre da antiga

Igreja do Oriente. Comparava-o a Jesus: “O Natal volta cada ano através dos tempos; envelhece com os idosos e renova-se com o Menino que nasceu... Sabe que a natureza não poderia prescindir dele. Como tu, Jesus, ele vem em auxílio dos homens em perigo. O mundo inteiro, ó Senhor, tem sede do dia do teu nascimento. Seja pois também este ano semelhante a ti: traga a paz entre o céu e a terra”.

O Natal, amigo do homem, é portador duma mensagem única de amiza-de. As primeiras palavras do evangelho de S. João concentram a grandeza e a ternura do Natal cristão: “O Verbo (Palavra) fez-se carne e veio habitar no meio de nós”(1, 14). Sim, em Jesus temos a Palavra e a Presença de Deus, amigo dos homens.

O nosso Deus vem até nós com a sua ternura, deseja encontrar-nos e vi-sitar-nos, não nos deixa sós, não nos abandona, como um pai e uma mãe não deixam de seguir os próprios filhos no seu caminho de crescimento. Ele vem trazer às pessoas, às famílias e aos povos o dom de uma nova fraternidade, da concórdia e da paz. Vem acender nos corações a luz de uma nova humani-dade, a luz da compaixão pelos pobres, pelos pequenos e pelos que sofrem. A contemplação de Deus feito menino, pequeno ser humano, com rosto de ternura, faz-nos sentir um frémito de alegria que se comunica, em certa me-dida, a toda a sociedade.

2. Luz duma nova humanidade Celebramos o Natal de 2010 no “Ano Europeu de Combate à Pobreza e

à Exclusão social”. Despedimo-nos de uma década difícil como não imagi-návamos. Todos experimentamos o mal-estar de uma sociedade afectada pela crise financeiro-económica, pela escassez do precioso bem do trabalho para todos, pela insegurança do futuro, pelo aumento da pobreza e pelo sofrimen-

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to de muitos pobres – uma sociedade psicológica, cultural e espiritualmente cansada, desiludida, esgotada.

O nosso mundo está desorientado por causa da crise do mercado que se julgou omnipotente, dos poderes anónimos de capitais financeiros que tor-turam e escravizam o homem e de uma globalização que por vezes não tem alma nem rosto. Estamos perante um mundo com corpo de gigante e alma de anão! O mundo precisa de alma, de um suplemento de alma, que só pode provir de Deus.

A luz do Natal de Cristo deve ajudar-nos a ver este momento com um novo olhar de esperança, como uma oportunidade histórica para uma conver-são (mudança) de mentalidade e de critérios e modos de vida, a nível pessoal, familiar, educativo, empresarial e político, sem se deixar abater pelos inevi-táveis problemas e dificuldades. Não se pode continuar a viver como dantes.

Este Natal é um convite a um estilo de vida mais sábio através de um con-sumo mais sóbrio e sustentável, a uma solidariedade de maior partilha com os necessitados, a uma cidadania social mais consciente e mais forte da parte de todos, a uma nova cultura política que ponha o bem-comum acima dos jo-gos e equilíbrios do poder partidário, à colocação das necessidades dos mais pobres no topo das políticas económicas; em síntese, a um novo humanismo, a uma nova cultura com fundamentos espirituais e morais.

Hoje temos necessidade de dar passos corajosos para novas escolhas de vida e o Menino do Natal tem toda a força de Deus para que tal aconteça.

Na actual situação de emergência social peço a todos que vivam o Natal com um gesto de partilha significativa com os mais necessitados, mesmo re-nunciando a determinadas prendas supérfluas. Neste contexto, a Conferência Episcopal instituiu um Fundo Social Solidário a favor das vítimas da crise em todas as dioceses. Também a Caritas lançou a operação “Dez Milhões de Es-trelas – um Gesto pala Paz”, convidando as pessoas e as famílias a adquirirem uma vela, pelo preço de um euro, para a acenderem na noite de Natal. Cada vela constitui um sinal e o meio através do qual prestamos a nossa ajuda aos mais desamparados e desprotegidos.

A todos os diocesanos desejo um Santo Natal e um Feliz Ano de 2011, ricos de esperança em Jesus Cristo Salvador, de fraternidade e de solidarie-dade.

Leiria, 3 de Dezembro de 2010† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

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Homilia na festa da Dedicação da Catedral

Como é admirável a vossa morada, Senhor do universo!

Celebramos hoje, na fé e na alegria espiritual, a solenidade da Dedicação da nossa catedral, como igreja mãe das igrejas da nossa diocese e centro sim-bólico da unidade, da comunhão e da vitalidade da Igreja diocesana. Por isso, é também uma ocasião propícia para celebrarmos o encerramento do Ano Sacerdotal, fazendo memória viva da figura de D. João Pereira Venâncio, no 25º aniversário da sua morte.

Com estes sentimentos de comunhão eclesial e de acção de graças é-me grato saudar afectuosamente todos vós aqui presentes.

Como é admirável a vossa morada, Senhor do universo!O refrão do salmo responsorial pode sintetizar bem a mensagem da Pala-

vra de Deus proclamada e toda a liturgia da solenidade da Dedicação.Como é admirável a vossa morada! Estas palavras são um convite a le-

vantar o olhar e o coração bem acima deste templo feito de pedras para pe-netrar no mistério fascinante de Deus que escolheu habitar no meio de nós e aqui nos acolhe no seu abraço paterno e nos reúne como seu povo. São um convite a contemplar o mistério da Igreja a partir de Deus. Servimo-nos para isso duma belíssima passagem de Paulo VI:

“Experimentai pensar a Igreja como morada de Deus e aí encontrareis a resposta a tantas incompreensões que deformam o seu conceito. Aí encontra-reis o convite a entrar mais dentro desta casa abençoada, a conhecê-la melhor, a morar nela com alegria e dignidade; aí descobrireis uma grande felicidade, precisamente a de terdes uma casa: uma casa onde o amor aos irmãos é o princípio de coabitação e onde o amor de Deus para connosco e o nosso amor a Deus têm a sua mais feliz e promissora celebração”.

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Como é admirável a vossa morada, Senhor do universo! “Aqui edificais o vosso templo que somos nós e fazeis crescer a Igreja na

unidade do Corpo de Cristo”, canta o prefácio da missa de hoje, fazendo eco às leituras da Primeira Carta aos Coríntios e do Evangelho de S. João.

A solenidade da dedicação é também um estímulo ardente para reacender em nós a alegria da pertença afectiva e efectiva à Igreja Corpo de Cristo, de sermos “pedras vivas e escolhidas” deste edifício que Deus está a construir com a corresponsabilidade e o contributo de todos e cada um dos membros, na diversidade de carismas e ministérios.

Neste horizonte foi proclamado o Ano Sacerdotal para redescobrir a gran-deza e a beleza do sacerdócio ministerial e da sua missão, como pilar essen-cial para a edificação da Igreja de Cristo, e o chamamento a uma renovação espiritual e pastoral dos sacerdotes. Neste contexto, queremos evocar, breve-mente, alguns traços do testemunho sacerdotal de D. João Pereira Venâncio, sacerdote e bispo do nosso presbitério, que são interpeladores para nós hoje.

1. O sacerdote humilde: na saudação pastoral após a tomada de posse como bispo de Leiria, D. João manifesta a consciência da grandeza do dom de Deus em contraste com a pequenez do destinatário: “Compraz-se o Senhor em escolher os mais fracos”!

De facto, como diz Bento XVI, “o sacerdócio não é um ofício (cargo), é um sacramento, um dom: Deus serve-se dum pobre homem para, através dele, estar presente aos homens e agir em seu favor”, cuidar deles com so-licitude. Eis a audácia de Deus, a verdadeira grandeza que se esconde no sacerdócio. Se isto nos deve estimular à estima do dom e até à auto-estima, também nos deve levar a tomar consciência que esta grandeza é para ser vivida na humildade e na amabilidade para com todos. Desta humildade deu testemunho o Senhor D. João no seu estilo discreto, na sua abnegação escon-dida e até na sua última vontade de querer ser sepultado em campa rasa no cemitério da sua terra natal.

2. O Pastor e o Impulsionador ao timão da comunidade diocesana para a sua edificação e o seu crescimento, nos momentos de entusiasmo e de prova-ção. Repetidamente confessava o seu amor a “esta nossa pequenina diocese”, como gostava de se lhe referir. Viveu com grande entusiasmo o II Concílio do Vaticano que já então classificou como “o maior acontecimento do século”, promissor de uma grande renovação da Igreja no seu dinamismo interior e na

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relação com o mundo. Nesta perspectiva tomou a peito a organização e reno-vação do apostolado laical, particularmente da Acção Católica e dos Cursos de Cristandade.

3. O Peregrino e Arauto da Mensagem de Nossa Senhora de Fátima: D. João colocou o seu sacerdócio sob a protecção maternal da Mãe Imaculada: “A minha vida de modesto filho da Santa Igreja tem decorrido sob o signo da Mãe Imaculada. Tudo espero da sua maternal protecção; Ela me faça instru-mento fiel nas suas mãos”.

Captou, com fina intuição, a riqueza teológica da Mensagem de Fátima, nos núcleos essenciais, e a urgência do seu apelo nas circunstâncias dramá-ticas e trágicas que a humanidade e a Igreja estavam a viver. Por isso não hesitou em fazer-se peregrino com a Imagem peregrina da Senhora através do mundo porque estava em jogo a grande causa da Paz entre os povos e na Igreja e a própria sobrevivência da humanidade. Foi um apóstolo da paz!

Procurou, além disso, fazer da Mensagem uma força-programa de reno-vação espiritual da diocese, convidando conhecê-la e a vivê-la no seu pro-fundo significado e exigência. Por vezes, interrogava, como que em tom de queixa, se a diocese estaria a corresponder à graça da sua eleição por Nossa Senhora como lugar da sua manifestação e da sua Mensagem...

4. O formador cultural e espiritual, sobretudo em relação à juventude. Foi um homem de cultura com grande prestígio na cidade, promovendo a forma-ção musical como director da Schola Cantorum do seminário e a organização dum Museu de Arte sacra, mas também investindo na formação e educação da juventude com a construção do novo seminário e dos colégios S. Miguel em Fátima e Afonso L. Vieira na Marinha Grande.

Consciente de que a diocese precisava de sacerdotes intelectual e espi-ritualmente bem preparados em ordem à renovação trazida pelo Concílio, mandou vários especializarem-se em ciências humanas e teológicas.

5. O Pai, testemunho solícito e acolhedor do Pai celeste. Distinguiu-se pela simplicidade, amabilidade e carinho com que acolhia os sacerdotes e se preocupava pelas suas condições materiais. E também pela sua solicitude para com os mais necessitados fundando o Centro Social Paulo VI com uma significativa dádiva deste Papa.

Fazemos votos de que este testemunho que nos legou seja um impulso para um salto de qualidade na vivência do nosso sacerdócio na fidelidade a

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Cristo e à missão da Igreja perante os novos desafios. Um padre fiel é uma verdadeira fonte de paz, de esperança, de alegria e de humanidade para si, para os outros, para a Igreja e para o mundo.

Como é admirável a vossa morada, Senhor do universo!Aqui nos concedeis participar no mistério do vosso Amor que sustenta o

mundo e faz da Igreja peregrina uma comunidade de amor para o testemunhar levando-o a toda a parte e a todos os âmbitos da vida humana.

O novo ano pastoral será dedicado à caridade e à pastoral sócio-carita-tiva. Aproveito esta ocasião para dar a conhecer os três objectivos que nos propomos: redescobrir a caridade como forma (estilo) de ser da existência cristã, pessoal e comunitária; desenvolver a espiritualidade da gratuidade, da disponibilidade, da partilha e do serviço aos irmãos; repensar e reorganizar os serviços sócio-caritativos nas comunidades cristãs.

A caridade e a pastoral sócio-caritativa são a expressão do amor miseri-cordioso e libertador de Deus, o sinal mais credível para dizer quem é Deus, Deus Amor, e o que Ele quer de nós. Só a caridade salvará o mundo!

Maria, Mãe do Amor perfeito e belo, nos acompanhe e ajude no nosso percurso pastoral. Ámen!

Catedral de Leiria, 13 de Julho de 2010† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

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Homilia na ordenação sacerdotal de Miguel Sottomayor

Nas tuas mãos está a minha vidaTe Deum laudamus, Te Dominum confitemur!Nós Te louvamos, ó Deus; nós Te bendizemos, Senhor!

O dia tão esperadoChegou finalmente o dia tão esperado! Antes de mais, esperado pelo Se-

nhor Jesus. Foi Ele, o Senhor, que atraiu com o seu amor este jovem diácono que hoje se apresenta para ser ordenado presbítero. Foi Jesus que o chamou e o pôs no caminho do seminário, suscitando nele a decisão de acolher o desígnio do Pai sobre a sua vida. É Ele, o Senhor Jesus, que agora ouve res-soar com imensa alegria o “sim” definitivo como resposta ao chamamento de Deus.

É o dia tão esperado pela nossa Igreja, aqui tão amplamente representada, após dois anos sem uma ordenação sacerdotal. É esta Igreja que acolhe o novo padre com alegria e em acção de graças a Deus. Ela sabe que sem sacer-dotes não pode realizar a sua missão na história.

É o dia esperado por ti, caro Miguel, com tanta emoção e alegria; e, de igual modo, por mim que, pela imposição das mãos, invocarei para ti a abun-dância do Espírito Santo.

Este é o dia esperado, também com emoção e alegria, pelos teus caros familiares e amigos, pelo seminário e pelos padres que te acompanharam e apoiaram, pelo nosso presbitério, pelas paróquias que serviste e vais servir, por toda a comunidade diocesana. A todos, particularmente a ti, caro Miguel e aos teus familiares, saúdo, de todo o coração, com fraterno afecto. Com todos me congratulo porque a festa é de todos nós. A vossa participação tão nume-rosa é um sinal claro de que o povo de Deus tem necessidade de sacerdotes, deseja-os, estima-os, reza por eles, está-lhes grato pela sua missão.

O sacramento da Ordem que vais receber toca profundamente o teu cora-ção; mas também toca profundamente a todos nós como Igreja. É um aconte-cimento de graça que diz respeito a toda a Igreja: é sinal do infinito amor de Deus por nós, seu povo, e pela humanidade. Convido-vos, pois, a contemplar algo da beleza deste sublime mistério que nos supera e envolve, deixando-nos iluminar pela Palavra de Deus proclamada e pelos gestos celebrativos que, de algum modo, a tornam visível aos nossos olhos.

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Nas Tuas mãos, Senhor, está a minha vidaO rito da Ordenação começou com o chamamento do candidato que res-

pondeu: “Presente”. Expressa o sim definitivo que resume todo um percurso existencial para responder ao chamamento de Deus através da Igreja: eis-me aqui, estou pronto para que possas dispor de mim. Um sim que vai ser ratificado pelo gesto impressionante e comovente da prostração como sinal do despoja-mento total e da dádiva inteira de si mesmo ao Senhor, sem reservas, sem con-dições, sem cálculos. Este significado é bem traduzido pelo lema que o Miguel escolheu: “Totus tuus – Todo teu”! Um gesto insólito que não encontramos em nenhuma investidura ou tomada de posse de algum cargo.

A este gesto de entrega, o Senhor responde com um outro que está no centro da celebração : o da imposição das mãos do bispo sobre a cabeça do ordinando, seguido pela oração de consagração. Com este gesto, o Senhor toma posse dele como que dizendo-lhe: “Tu pertences-me. Tu estás sob a protecção das minhas mãos, do meu coração, do tecto imenso do meu amor”.

Não esqueças, caro Miguel: a tua vida está nas suas mãos. São as mãos que os discípulos puderam ver abertas e trespassadas na cruz. São as mãos que Cristo mostrou aos seus após a ressurreição e que Tomé queria tocar. São as mãos que partiram o pão e tomaram o cálice na última ceia; que lavaram os pés sujos dos doze apóstolos; que agarraram Pedro quando se afundava nas águas do lago; que levantaram a filha de Jairo já sem vida; que tocaram e curaram o leproso; que se estenderam sobre as crianças para as abençoar.

A estas mãos a Igreja confia hoje este candidato para que, com a força do Espírito Santo que delas sai, façam dele ministro de Cristo ao serviço da sua Igreja e da humanidade. Mas lembremo-nos de que, por detrás das mãos tres-passadas de Cristo, está o seu coração com todo o mistério de amor até à cruz. Por isso, o significado da imposição das mãos é iluminado e explicitado pelas palavras de Jesus: “Já não vos chamo servos; mas chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi a meu Pai”.

O Senhor torna-nos seus amigos e confia-nos tudo; confia-se a si mesmo de tal modo que possamos falar e agir em seu nome, na sua pessoa. Os sinais da Ordenação são manifestações desta comunhão de amizade e confiança: a imposição das mãos com o dom do Espírito; a entrega do Evangelho, já realizada no diaconado, isto é, da sua Palavra que Ele nos confia para a semear no coração dos homens e do mundo; a entrega do cálice com o qual nos transmite o seu mistério mais profundo e pessoal; a unção das mãos com o óleo que é sinal da força e do perfume do Espírito Santo.

Este último gesto adquire realce como contraponto e como complementar ao da imposição das mãos. O Senhor impôs-nos as mãos e agora quer as nossas mãos – as

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tuas mãos - para que no mundo se tornem a extensão das suas, pondo-as ao serviço do seu amor. Se as mãos do homem representam, simbolicamente, as suas faculda-des de relação, comunicação e acção, então as mãos ungidas do sacerdote devem ser um sinal da sua capacidade de dar e levar aos homens os dons da misericórdia, do perdão, da reconciliação, da consolação, da paz e da alegria oferecidos por Deus.

Nas tuas mãos de sacerdote a vida de muitosUma última palavra dirigida ao ordinando. A tua vida, a partir de hoje, está a um

novo título nas mãos de Deus, nas mãos de Cristo crucificado e ressuscitado. Mas de ora em diante, em virtude do teu ministério presbiteral, também as vidas de mui-tas pessoas estarão nas tuas mãos, ou melhor, nas mãos de Cristo através das tuas.

Dar-te-ás conta de que muitos irmãos e irmãs, por causa do sacramento que hoje recebes, te confiarão a sua vida, te abrirão o seu coração, partilharão contigo os seus sofrimentos e confessarão os próprios pecados. As tuas mãos erguer-se-ão sobre eles para abençoar, baptizar, ungir, absolver, levantar. Nas tuas mãos o pão da Eucaristia tornar-se-á Corpo de Cristo, Pão de vida eterna, mistério admirável e adorável da nossa fé!

Muitas vezes, as tuas mãos apertarão outras em sinal de amizade e de paz. Oxalá possam fazer sentir o calor da caridade, a energia da misericórdia, a alegria da redenção. Oxalá os outros possam ver, por detrás das tuas mãos, o teu coração de pastor moldado segundo o coração de Jesus.

Caros amigos, através da simbólica das mãos pudemos contemplar um pouco da beleza do sacerdócio como um reflexo da beleza do Amor Eterno que sustenta e salva o mundo e como um serviço para a beleza espiritual das almas e dos corações.

Que grande confiança Jesus Cristo e os fiéis põem no sacerdote! Que grande responsabilidade pesa sobre ele tão humano e tão frágil! Conforta-nos a advertên-cia de S. Paulo: “Nós trazemos em vasos de barro o tesouro do nosso ministério, para que se conheça que um poder tão sublime vem de Deus e não de nós”.

Por isso mesmo, o dom do sacerdócio requer uma grandeza daqueles que o recebem: a grandeza da humildade e da fidelidade no ministério, a partir da intimidade com Cristo que nos dá a mão que nos sustém e guia, e a partir da fraternidade com os irmãos padres e fiéis leigos que nos oferecem o apoio humano para vivermos com coragem e alegria o nosso ministério.

A Mãe de Deus, que vela pelos seus filhos com amorosa ternura, acompanhe o caminho do teu ministério, caro Miguel, te defenda de todo o mal, te guarde na paz e te confirme na alegria da doação sacerdotal a Cristo e aos irmãos. Ámen!

Catedral de Leiria, 19 de Setembro de 2010† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

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Homilia de Natal

A Paz e a Alegriana Noite Santa de Natal

Saúdo de todo o coração e dou as boas vindas a todos vós, caríssimos irmãos e irmãs, que viestes celebrar comigo esta noite santíssima de Natal.

Noite de sentimentos profundos, de emoções fortes, de pensamentos no-bres e belos; noite de reencontro de famílias e de encontro sempre novo com Deus; noite de contemplação e de adoração que nós cantamos como noite feliz, noite santa, noite de luz, de paz, de fraternidade e de alegria.

Na verdade, esta noite santa é, antes de mais e acima de tudo, a noite da revelação e da descoberta inaudita do mistério grande e fascinante de Deus Amor, Misericórdia e Ternura no rosto de um menino que estende os braços para nos abraçar a todos, que nos dá a mão para nos conduzir. Um menino que nos é apresentado com os títulos de Conselheiro Admirável, Deus forte, Pai de todos, Príncipe da Paz e ainda Salvador, Cristo e Senhor. São títulos que revelam o mistério da salvação que Ele encerra e oferece aos homens. Neles está contido todo o Evangelho – a boa, bela e feliz notícia – do Natal.

O menino que jaz na manjedoura é dom de Deus, “Deus de Deus, Luz da Luz”: desceu do céu e fez-se ser humano como nós para estar perto de nós e partilhar connosco o seu amor, a sua vida divina. Se por um momento o deixarmos tocar o nosso coração, sentiremos o mesmo espanto e a mesma alegria dos pastores que viveram, em primeira mão, este inacreditável mis-tério de amor.

O Natal é a experiência desta alegria: sentir Deus a nosso lado, Deus con-nosco! A sua presença é uma irradiação de amor, de luz, de confiança, de vida nova e de paz sobre a terra dos humanos.

Animados por esta presença ponhamos junto ao presépio todas as ânsias e todas as esperanças de cada um, de cada família, da humanidade inteira:

“Ó doce menino de Belém, concede-nos comungar com toda a nossa alma no profundo mistério do Natal.

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Põe no coração dos homens esta paz que eles buscam tão ansiosamente e que só Tu lhes podes dar.

Ajuda-os a conhecerem-se melhor e a viverem fraternamente como filhos de um mesmo Pai.

Descobre-lhes a Tua beleza, a Tua santidade e a Tua pureza. Desperta nos seus corações o amor e o reconhecimento pela Tua infinita bondade.

Une-os a todos na caridade e dá-lhes a Tua paz celeste”. (João XXIII).Sê bem-vindo ao nosso coração, ó Deus Menino!A paz e a alegria da noite santa de Natal permaneçam para sempre no

coração de todos! Feliz e Santo Natal a todos vós e às vossas famílias!25 de Dezembro de 2010

† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

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Homilia de fim de ano

No final do ano:sinais de vida e de esperança

É uma grande alegria voltar a ver-vos aqui reunidos nesta Igreja da San-tíssima Trindade, numa circunstância tão significativa como é a passagem de ano. Com esta alegria saúdo-vos a todos, dou-vos as boas vindas e exprimo a minha proximidade espiritual e afectuosa a cada um de vós em particular.

Com que sentimentos no coração celebramos esta Eucaristia de final do ano? Com os sentimentos que a Palavra de Deus proclamada quer suscitar e desenvolver em nós: a recordação dos dons de Deus e a acção de graças.

Recordemos os dons de Deus: sinais de vida e de esperança.O hino de S. Paulo “Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,

que nos cumulou de todas as bênçãos espirituais em Cristo...” convida-nos a dizer com a voz, o coração e a vida a nossa acção de graças a Deus pelo dom do Filho, fonte de todos os outros dons com que Ele enche a nossa existência, a Igreja e o mundo.

Maria é-nos proposta como “ícone privilegiado” da recordação. Toda ela é conquistada pela recordação do que Deus realizou: “grandes coisas fez em mim o Todo-Poderoso”. Traz todas estas coisas à memória, medita-as, revi-sita-as cheia dos afectos do coração, saboreia-as no seu significado de graça e na sua beleza espiritual. Assim, convida-nos a todos – pessoas, famílias, comunidades, Igreja – a cultivar, como ela, a recordação perante os dons recebidos do Senhor, em particular dos que enriqueceram os dias, as semanas e os meses do ano que chega ao seu termo.

Cada um certamente fará a sua recordação pessoal das experiências de graça que porventura só ele e Deus conhecem. Eu, como bispo, desejaria trazer à memória, em acenos rápidos, algumas experiências que tiveram par-ticular relevância na vida eclesial para todos nós e que são sinais de vida e de esperança.

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1. A nível diocesano quero recordar, antes de tudo, a “Festa da Fé: Rosto(s) da Igreja Diocesana” com que encerrou o Ano Pastoral dedicado a “Ir ao coração da Igreja. Comunhão e corresponsabilidade na comunidade cristã”. Foi uma verdadeira festa de um povo que deu visibilidade à beleza do rosto da nossa Igreja na sua unidade e pluralidade e irradiou a alegria da fé, a comunhão e a fraternidade na cidade dos homens.

2. Recordo também as celebrações da abertura e do encerramento do Ano Sacerdotal. Foi um ano dedicado, segundo as palavras do Papa, a “fa-vorecer a tensão dos sacerdotes para a perfeição espiritual da qual depende a eficácia do seu ministério” e a “promover o empenho de renovação interior de todos os sacerdotes para um testemunho evangélico mais forte e incisivo no mundo de hoje”. Ajudou a redescobrir a beleza do dom do sacerdócio, a re-vigorar a fraternidade entre os padres e a cuidar das vocações sacerdotais. Na lógica do Ano Sacerdotal agradeço ao Senhor, particularmente, a ordenação de um presbítero, após três anos sem ordenações, e a entrada de seis novos seminaristas para o nosso Seminário Maior.

3. Como acontecimento maior, mais marcante, gozoso e inesquecível para o nosso Santuário recordo a peregrinação do Santo Padre que trouxe à nossa Igreja e ao nosso país um “suplemento” de espiritualidade, de esperan-ça, de paz e de beleza espiritual de que tanto precisávamos. Aqui em Fátima sublinhou a actualidade da mensagem da Senhora que “veio do Céu, a nossa bendita Mãe oferecendo-se para transplantar no coração de quantos se lhe entregam o Amor de Deus que arde no seu”; e que convida hoje a Igreja e o mundo a um sério exame de consciência, à purificação e à reparação. Nesta linha deixou-nos um estímulo a preparar o Centenário das Aparições a que já respondemos prontamente com um programa para sete anos, que constituem sete luzes para o nosso itinerário espiritual, desde 2010 até 2017. Além disso apontou Fátima como “coração espiritual de Portugal” e “escola de caridade e de serviço aos irmãos”. Foi nesta lógica da caridade que celebrámos o cen-tenário do nascimento da pequena Jacinta sob o lema: “repartir com alegria como a Jacinta”.

4. Por fim, no horizonte da Igreja em Portugal desejo recordar dois acon-tecimentos. O primeiro é o projecto “Repensar juntos a pastoral da Igreja em Portugal” cujo primeiro esboço está agora confiado à reflexão dos órgãos de corresponsabilidade das comunidades cristãs, das congregações religio-

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sas, dos institutos seculares, dos movimentos, grupos e associações eclesiais. Trata-se de darmos todos as mãos, de nos pormos todos à escuta do que o Espírito diz à Igreja neste momento da história, para um novo despertar de uma fé cansada e para readquirir um nova vitalidade em ordem à renovação e reorganização das nossas comunidades e à ousadia de novos dinamismos da missão, do testemunho do Evangelho numa sociedade plural e em mudança.

O outro facto é a criação do “Fundo Social Solidário”, neste momento de emergência social, para responder mais eficazmente às necessidades de quem sofre as consequências da crise. Este Fundo representa um expoente significativo de toda a acção sócio-caritativa que a Igreja está a levar a cabo em todas as dioceses. Pede-nos um gesto de partilha como testemunho do amor fraterno: “A caridade é a força que transforma o mundo porque Deus é Amor”(Bento XVI).

A recordação dos dons leva-nos à mais viva gratidão para com o Senhor celebrando a Eucaristia e cantando o Te Deum, um hino tradicional de louvor e acção de graças à Santíssima Trindade.

Entrar na nova década com esperança, na força do EspíritoCaros amigos, encerramos o ano de 2010 e iniciamos o de 2011 com a

consciência de uma crescente crise social e económica. Despedimo-nos de uma década difícil como nem sequer imaginávamos. Todos experimentamos o mal-estar de uma sociedade afectada pelos reflexos da crise, pela escassez do precioso bem do trabalho para todos, pela insegurança do futuro, pelo aumento da pobreza e pelo sofrimento de muitos pobres – uma sociedade psicológica, cultural e espiritualmente cansada, desiludida, esgotada.

O nosso mundo está desorientado por causa da crise do mercado que se julgou omnipotente, dos poderes anónimos de capitais financeiros que es-cravizam o homem e ditam a agenda política em prejuízo do bem comum universal e ainda por causa de uma globalização que por vezes não tem alma nem rosto. Estamos perante um mundo com corpo de gigante e alma de anão! O mundo precisa de alma, de um suplemento de alma, que só pode provir de Deus.

É precisa a coragem de resistir à decadência moral e social, de suprir à carência inédita de referências e de modelos de valores éticos e espirituais que atravessa a nossa sociedade.

Queremos entrar na nova década com a força do Espírito para criar um tempo de esperança para o mundo. Mas isto requer que sejamos capazes de olhar o momento actual como uma oportunidade histórica para uma conver-

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são (mudança) de mentalidade e de critérios e modos de vida, a nível pessoal, familiar, educativo, empresarial, económico e político, sem nos deixarmos abater pelos inevitáveis problemas e dificuldades. Não se pode continuar a viver como dantes.

O novo ano é um convite a um estilo de vida mais sábio através de um consumo mais sóbrio e sustentável, a uma solidariedade de maior partilha com os necessitados, a uma cidadania social mais consciente e mais forte da parte de todos, a uma nova cultura política de verdade, transparência, hones-tidade e responsabilidade que ponha o bem-comum acima dos jogos, equilí-brios e privilégios do poder partidário, à colocação das necessidades dos mais pobres no topo das políticas económicas; em síntese, a um novo humanismo, a uma nova cultura com fundamentos espirituais e morais. Ouçamos o apelo que o Papa Bento XVI lançou na visita à Inglaterra: «O mundo foi testemu-nha dos imensos recursos de que os governos podem dispor quando se tratou de ir em socorro das instituições financeiras entendidas como ‘demasiado importantes para serem votadas ao fracasso’. Não se pode duvidar de que o desenvolvimento integral dos povos do mundo não seja menos importante: eis um empreendimento que merece a atenção do mundo e que é verdadei-ramente ‘demasiado importante para ser votado ao fracasso’». Isto vale tam-bém para Portugal!...

Quando cantarmos o Te Deum, rezaremos: “Socorre os teus filhos, Se-nhor, que remiste com o teu precioso sangue; salva o teu povo, Senhor, e abençoa a tua herança; sê o seu Pastor e Guia através dos tempos e condu-lo às fontes da vida eterna”. Seja, pois, esta a nossa invocação para o novo ano: socorre, Senhor, com a tua misericórdia o nosso povo no meio do qual gra-ves carências e pobreza pesam sobre a vida de pessoas e famílias impedindo de olhar o futuro com confiança. Concede a todos a luz e a força interior de dar passos corajosos na escolha de um estilo de vida sóbrio, na partilha com os necessitados e de cada um contribuir para criar um futuro de justiça, de solidariedade e de paz. Nós to pedimos por intercessão de Maria, tua e nossa bendita Mãe, Rainha da Paz!

31 de Dezembro de 2010† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

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Vida Eclesial. destaque . especial . notícias .

serviços e movimentos . entrevistas .

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Na solenidade da Dedicação da Catedral de Leiria

25.º aniversário da morte deD. João Pereira Venâncio

O dia 13 de Julho foi marcado por dois acontecimentos de grande signifi-cado na diocese de Leiria-Fátima: a Solenidade da Dedicação da Catedral e o 25.º aniversário da morte de D. João Venâncio.

A celebração eucarística foi presidida por D. António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, e concelebrada pelo seu antecessor, D. Serafim de Sousa Fer-reira e Silva, e numerosos membros do Presbitério diocesano. No início, em breve introdução, o cónego Luciano Cristino contextualizou a evocação de D. João Venâncio (ver à frente).

À homilia, D. António Marto, depois de destacar a importância da De-dicação da Catedral, falou da missão episcopal de D. João, como sacerdote humilde, pastor que muito impulsionou a edificação e crescimento da comu-nidade diocesana, e “Peregrino e Arauto da Mensagem de Nossa Senhora de Fátima”.

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No termo da celebração, vários testemunhos de antigos alunos e outras pessoas que privaram com D. João, frisaram a sua “simplicidade e sensibili-dade pelos problemas da Diocese, numa missão de Pastor que a muitos deixa saudade, pelo exemplo e acima de tudo pelo lado humano”. Na sua interven-ção, o padre José Feiter, dos Cónegos Regrantes de Santa Cruz, revelou um dado inédito sobre as razões da demissão de D. João do cargo episcopal: o desejo que acalentava há muitos anos, de integrar uma ordem contemplativa.

Depois de antigos membros da Schola Cantorum do Seminário executa-rem alguns cânticos do tempo de D. João, a sessão terminou nos claustros da Catedral, com um beberete para todos os presentes.

Ainda no âmbito da efeméride, a Comissão para as comemorações pro-moveu até final do ano alguns eventos significativos: a 12 de Outubro foram apresentadas as actas do centenário do seu nascimento de D. João; a 24 do mesmo mês fez-se uma evocação no cemitério de Monte Redondo, onde o seu corpo foi sepultado, seguida da Eucaristia na igreja paroquial; a 8 de Dezembro decorreu a inauguração oficial da conclusão da 1.ª fase das obras das obras de restauro no Seminário Diocesano, edificado pelo Senhor D. João, e aproveitou-se a ocasião para evocar a sua memória, como formador de sacerdotes.

História da CatedralCriando a diocese de Leiria, por bula de 22 de Maio de 1545, o Papa Paulo

III correspondeu aos insistentes pedidos do Rei D. João III, que também inter-cedera para que frei Braz de Barros, notável reformador do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, fosse seu primeiro bispo. Uma das primeiras preocupações do novo prelado foi a edificação de uma catedral condigna, dada a exiguidade das igrejas de N. S. da Pena e de São Pedro, que sucessivamente serviram de sé. Os trabalhos iniciaram-se durante o seu bispado (1545-1556) e o próprio monarca se deslocou-se à cidade para aprovar o local e emendar a «invenção da obra».

A primeira pedra terá sido lançada em 11 de Agosto de 1550, e o cabido transferiu-se para a nova catedral em 1574, quando já era bispo D. Frei Gas-par do Casal (1557-1579). A traça do edifício tem sido atribuída ao arquitecto Afonso Álvares, mestre das obras do infante D. Henrique.

Filiado nas igrejas-salão manuelinas, o templo assume-se como uma das grandes obras do Renascimento tardio nacional, e é dominado exteriormente pelo seu «estilo frio e nu». Dentro, ressalta a grandiloquência espacial e o ca-rácter desornamentado, com o qual contrasta o belíssimo retábulo maneirista de talha dourada e painéis pintados.

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Resumo biográfico de D. João (1904-1985)PorPadreLucianoCristino,historiadorecapelãodoSantuáriodeFátima

João Pereira Venâncio nasceu em Monte Redondo, no dia 7 de Fevereiro de 1904. Foi seminarista desde 1917 a 1923. Foi para Roma, neste último ano, onde se formou em Filosofia e Teologia. A 21 de Dezembro foi ordenado sacerdote, na basílica de S. João de Latrão, em Roma.

Regressado a Portugal em 1930, iniciou a sua carreira de professor do Seminário e de outras instituições de ensino da cidade de Leiria e desempe-nhou várias tarefas que lhe foram confiadas por D. José, entre as quais a de assistente da Acção Católica, director da Schola Cantorum do Seminário, e postulador da causa de beatificação de Francisco e Jacinta Marto, desde 1952 aos princípios de 1955 e vice-postulador até Dezembro de 1957. Foi nome-ado cónego da Sé de Leiria, em 1943, e vice-reitor do Seminário Diocesano de Leiria, em 1948. Em 1953, foi nomeado pela Santa Sé visitador apostólico dos seminários de Portugal.

A 30 de Setembro de 1954, o Papa Pio XII nomeou-o bispo titular de Eurea do Epiro e au-xiliar de Leiria. Foi ordenado bispo, no dia 8 de Dezembro, na basílica do Santuário de Fáti-ma, e entrou solenemente, na Sé de Leiria, a 12 do mesmo mês. Em estreita colaboração com D. José e, à medida que a vida des-te ia declinando, foi conduzindo os destinos da diocese.

Quando D. José faleceu, a 4 de Dezembro de 1957, o Cabido nomeou-o vigário capitular da diocese. Eleito bispo residen-cial, a 13 de Setembro de 1958, entrou solenemente nesta Sé, a 8 de Dezembro, dia escolhido propositadamente, como dis-se nesse dia: «A minha vida de DR

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modesto filho da Santa Igreja – disse ele nesse dia - tem decorrido toda sobre o signo da Mãe Imaculada. No seu cinquentenário (1904), vi a luz do dia e nasci para a graça; no 75º aniversário (1929), recebi o sacerdócio; no cente-nário (1954), o episcopado». A nomeação para bispo residencial de Leiria ocorreu também, quando se encontrava no Santuário de Lourdes, no centená-rio das aparições da Imaculada (1958). D. João Venâncio teve dois grandes objectivos na sua acção pastoral: a renovação da vida diocesana e uma maior projecção da mensagem de Fátima (Saudação Pastoral, 8.12.1958). Mandou construir o novo do Seminário Diocesano, em Leiria (1962-1965), que abriu a 2 Novembro de 1965 e foi inaugurado solenemente a 22 de Maio de 1968, no cinquentenário da restauração da diocese. Fundou dois colégios diocesa-nos: o de Afonso Lopes Vieira, na Marinha Grande (1967), e o de S. Miguel, na Cova da Iria (1970).

De 1962 a 1965, participou nas quatro sessões do Concílio Ecuménico Va-ticano II, em que houve dois momentos de glória para Fátima: o anúncio da concessão da primeira rosa de ouro ao Santuário (21 de Novembro de 1964) e o anúncio do cinquentenário das aparições e convite aos Padres Conciliares (6 de Dezembro de 1965). No regresso à diocese, promoveu, por indicação do Papa, 14 visitas à Catedral de Leiria (6 de Fevereiro a 29 de Maio de 1966).

Numa Carta pastoral, datada de 25 de Julho de 1966, anunciou a come-moração festiva do cinquentenário das aparições de Fátima (1967) e da res-tauração da diocese de Leiria (1968), comemorações que preparou com uma missão diocesana e visitas pastorais. A partir do convite formal, feito pelo Episcopado Português, a 13 de Novembro de 1966, para que o Papa Paulo VI estivesse presente na comemoração da Aparição, trabalhou incansavelmente para que se concretizasse esse anseio. Deslocou-se pessoalmente a Angola e Moçambique e algumas vezes a Roma. Mais uma vez, se dirigiu a Roma, a 18 de Abril de 1967, sendo recebido por Paulo VI, a 22. Só no dia 3 de Maio, foi dado o anúncio da peregrinação do Papa a Fátima, no dia 13 de Maio, um dos acontecimentos de maior relevo na história do Santuário de Fátima.

Durante o seu governo episcopal, criou as paróquias da Ortigosa (13.09.1964), Casal dos Bernardos (13.12.1966) e Bajouca (2.02.1972). Fez muitas visitas pastorais, sagrou e benzeu igrejas e capelas em toda a diocese.

Desde o tempo de bispo auxiliar até à resignação ordenou cerca de 90 sacerdotes, diocesanos e religiosos; e acolheu na diocese 21 ordens, congre-gações e institutos religiosos (7 masculinos e 14 femininos).

O Papa atendeu o seu pedido de um bispo auxiliar, na pessoa de D. Domin-gos de Pinho Brandão, do Porto, que entrou na diocese, em Fevereiro de 1967.

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D. João pôde, então, dar maior resposta a muitos pedidos que vinham de todo o mundo para estar presente em muitas celebrações, em honra de Nossa Senhora de Fátima, fazendo muitas viagens, de 1968 a 1972. Foi Presidente do Exército Azul de Nossa Senhora de Fátima (Apostolado Mundial de Fátima).

O Papa Paulo VI aceitou o seu pedido de resignação, no dia 1 de Julho de 1972 e nomeou D. Alberto Cosme do Amaral para lhe suceder. Nessa ocasião, o Papa enviou-lhe uma mensagem: “No momento de deixar a mansão, em que, durante 18 anos, desempenhou o ministério pastoral e onde nos rece-beu, aquando da Nossa peregrinação a Fátima, de grata recordação, quere-mos exprimir reconhecimento e apreço, pelo zelo generoso, constantemente demonstrado, com amor à Igreja e às almas, vivido em discreta e escondi-da abnegação, mas nem por isso menos fecundo em resultados”; também o Dr. José Galamba de Oliveira escreveu, nessa ocasião: “Como fulcro da sua activa vida de Pastor, fica a construção do novo Seminário e dos Colégios diocesanos [...] e a mensagem de Fátima. Vida da oração que transbordava no zelo pelo culto da Sagrada Eucaristia, devoção a Nossa Senhora (terço di-ário, terço em família, terço permanente, sagrado Lausperene, Exército Azul, Congressos Marianos, Congressos Mariológicos). Acompanhou sempre com o maior interesse o trabalho de Acção Católica, da Catequese, da Imprensa Católica, das Obras de Caridade (Centro Social Paulo VI, Ninho), da Escola Católica, da Escola de Formação Social e Rural e dos Colégios Diocesanos”. Podemos acrescentar os Cursos de Cristandade, que se iniciaram na diocese em Maio de 1962, fez também o seu curso em Julho desse ano e esteve pre-sente nas clausuras dos cursos de homens e senhoras.

A 25 de Março de 1979, em perigo de vida, fez os votos perpétuos na Ordem da Cónegos Regrantes de Santa Cruz, que ele ajudou a restaurar, e de que veio a ser Superior geral, de 20 de Outubro de 1980 a 1 de Julho de 1984. Quando prosseguiam os trabalhos de restauração da Ordem, confidenciou: “Se eu fosse mais novo gostaria de entrar e tornar-me membro desta Ordem. Já antes da minha ordenação sacerdotal, desejava entrar numa Ordem con-templativa, com liturgia solene, mas as circunstâncias da divina Providência, impediram a realização deste desejo. Quando entreguei o pedido de resigna-ção da missão episcopal diocesana, todos pensavam que era por motivos de saúde, mas não foi por isso; pedi a demissão com a ideia de passar o resto dos meus dias numa Ordem contemplativa”.

Faleceu a 2 de Agosto de 1985, em Leiria, e o seu corpo foi sepultado no cemitério da paróquia de Monte Redondo, junto da campa dos seus pais, como desejou.

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Testemunhos

D. João foi Prior Geral da Ordem Restaurada de Santa CruzPadreJoséFeiter,CónegoRegrantedeSantaCruz

A Direcção da Comissão da festa comemorativa de D. João, bispo de Leiria, solicitou-me para dar um testemunho sobre a relação de D. João com a Ordem de Santa Cruz de Coimbra cujo nome oficial é Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho ou simplesmente, os Crúzios de Coimbra.

Nos princípios dos anos 70, o Senhor D. João inaugurou também para a sua Diocese, a União Sacerdotal Internacional da Obra dos Santos Anjos para a santificação dos sacerdotes. Ele próprio foi membro da tal União Sacerdotal.

Muitos sacerdotes desta União Sacerdotal, de vários países, apresenta-ram-se para a vivência da espiritualidade desta obra, numa vida consagrada comunitária. Por isso, começaram em Roma divergências para a fundação de uma nova Congregação. O Bispo Secretário da Congregação dos Religiosos, consciente da confusão e crise que afectava nesta altura muitas congregações religiosas depois do Concílio, aconselhou-nos a, em vez de seguir a caminha-da tradicional e muito demorada de fundar uma Congregação nova, estudar a possibilidade de restaurar e dar nova vida a uma Ordem extinta ou em vias de extinção, com uma espiritualidade parecida com a nossa, que ficaria logo uma Ordem de Direito Pontifício. É impossível nestes poucos minutos que tenho à disposição, explicar como se chegou à conclusão que a tal Ordem que correspondia maravilhosamente à espiritualidade desta união sacerdotal era a Ordem de Santa Cruz de Coimbra.

Com todas as Ordens Religiosas de Portugal, também a Ordem de Santa Cruz foi extinta pela perseguição em 1834. Tal extinção não foi aceite em Roma, como se declarou no Decreto Papal de 1836 não. Foi graças ao auxílio providencial do Doutor Luciano Cristino, especialista sobre o domínio da Ordem de Santa Cruz na Diocese de Leiria, durante séculos, desde o princípio da Fundação do reino, que conseguimos as informações necessárias para in-troduzir em Roma o pedido de restauração. A Ordem foi fundada com a ajuda do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, e foi seu primeiro Prior Geral, Santo Teotónio, o primeiro Santo de Portugal.

Depois da conquista do Castelo de Leiria, também o Castelo de Ourém foi entregue à jurisdição da Ordem de Santa Cruz. A igreja de Fátima, nesta altura, foi sucursal da igreja do Castelo de Ourém.

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Era preciso um bispo para, em nosso nome, pedir a restauração em Roma. Foi o Senhor D. Alberto que se predispôs a pedir tal restauração da Ordem de Santa Cruz.

Em nome de D. Alberto, o Senhor D. João viajou com o Senhor Padre Manuel Antunes e comigo para Roma, para apresentar o tal pedido ao Presi-dente da Congregação dos Religiosos, sua Eminência Cardeal Perónio, ami-go pessoal de D. João. O Senhor Cardeal Perónio prometeu logo avançar na realização do restauro da Ordem de Santa Cruz.

Foi nesta altura que D. João nos confiou o seguinte: “Se eu fosse mais novo, também queria ser membro desta Ordem. Quando pedi a demissão do cargo episcopal antes do tempo, toda a gente pensava que era por causa da saúde. Mas, desde sempre, senti-me atraído para entrar numa Ordem con-templativa. Por isso, foi meu desejo, para depois da demissão do encargo episcopal, passar o resto da minha vida num Convento contemplativo. Mas, por várias razões, não foi possível concretizar este desejo.”

Numa noite, estava o Senhor D. João moribundo num hospital de Leiria. O Senhor Bispo D. Alberto foi logo sacramentá-lo e levar o Viático. Re-cebendo tal notícia, fui cedo, de manhã, com outro colega, visitar D. João. Este estava muito mal, mas completamente lúcido. Na conversa tocámos no assunto do seu desejo para a vida consagrada. Lembrámo-nos que, in artículo mortis, todos os impedimentos legais estavam sem efeito e era possível que ele emitisse os votos solenes da Ordem de Santa Cruz. Com uma vela na mão e voz clara, o Senhor D. João consagrou a sua vida com a profissão solene na Ordem de Santa Cruz.

Afinal D. João não morreu, mas ficou curado. Ele disse depois que não tinha lembrança nenhuma da Unção e do Viático, durante a noite, mas nitida-mente e de consciência convicta lembrava-se da sua profissão solene.

Para um Bispo entrar na Ordem é preciso licença Papal. Por isso, fez-se um recurso para Roma. Assim, numa Quinta-feira Santa, antes de começar a celebração da sua última ceia, o Papa João Paulo II ratificou e confirmou a profissão solene do Senhor D. João. O Prior Geral Provisório da Ordem Res-taurada de Santa Cruz foi o Abas Primas da Confederação das Congregações dos Cónegos Regrantes. Pouco depois morreu, e o Senhor D. João foi assistir ao seu enterro na Inglaterra. Depois da morte deste Prior Geral, a Santa Sé nomeou o Senhor D. João como o primeiro Prior Geral da Ordem restaurada de Santa Cruz.

Depois de três anos, o Senhor D. João pediu demissão do seu cargo, devi-do à sua idade e saúde frágil. Com o espaço reduzido deste testemunho, não

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é possível dar provas como D. João tomou a sério os compromissos da sua vida consagrada.

Sem ser formado durante os anos de postulantado e noviciado, precisos para se preparar para a vida religiosa, D. João era um religioso de santidade exemplar.

Ouvimos como vários testemunhos deram prova da grandeza da persona-lidade do Senhor D. João. Este nunca procurou honras neste mundo. D. João era um Sacerdote, um Bispo e um Religioso de verdadeira santidade.

Nossa Senhora encontrou no Senhor D. João, uma pessoa modesta, com um sorriso afável que atraiu toda a gente. Alguém por quem Nossa Senhora conseguiu realizar grandes obras para bem das almas, para bem da Diocese, e para bem da mensagem de Fátima para todo o mundo. Ele amava imenso a sua Diocese!

Professor exigente, bispo simples e humildePadreAntónioBento,párocodeNossaSenhoradaPiedade–Ourém

Pediram-me algumas palavras sobre a minha relação com o Senhor D. João.

Como o tempo que me é dado é muitíssimo limitado, resumo a minha relação com ele em dois momentos diferentes: o primeiro, quando professor; o segundo já quando Bispo.

Foi meu professor de solfejo e de grego (1 ano).No primeiro momento – professor/aluno – tinha por ele admiração, mas

sobretudo, respeito, misturado por vezes, por que não dizê-lo, com um certo sentimento de medo. E isto porquê? Porque um dia me expulsou da aula de solfejo. Os que passámos pelo velho Seminário da Rua Marcos Portugal, co-nhecemos aquela sala pequenina ao fundo do corredor, no rés-do-chão.

A hora da aula não era a mais simpática para ele. Era a primeira hora após o almoço. Umas vezes trazia-lhe alguma sonolência; outras não lhe permitia boa disposição.

Nesse dia quis saber do conhecimento da teoria musical – sustenidos, bemóis, tonalidades – matéria que dias antes havia explicado. Interrogou al-guns com muito pouca aptidão para a música e que juntavam à desafinação natural o desinteresse pela matéria. Não gostou e apontando o dedo a todos os alunos contou 14, tantos quantos éramos de facto, e diz: “Catorze sábios da Grécia. Seus grandes burros, seus obtusos, já daqui para fora”. Não sei

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quem foi o primeiro a sair, mas sei que o último não demorou muito a fazê-lo. Naturalmente que naqueles idades estas situações marcam um pouco as relações professor/aluno.

Por outro lado, tinha momentos de muito boa disposição que se notavam particularmente nas aulas de grego, rindo-se a bom rir, quando a pronúncia de determinadas palavras não era a mais correcta.

Como Bispo, passei a vê-lo de modo diferente, porque encontrei nele um homem simples e humildade, e ainda capaz de brincar.

Fui um dia com o padre Melquíades ao Paço… Ele sabia a que íamos. Entramos no gabinete, cumprimentámo-lo e oferece-nos um tubo de com-primidos de salicilcacafeína. Agradecemos, não muito entusiasmados, ele sorriu-se, e saímos.

Depois verificamos que dentro do tudo não vinham comprimidos para a gripe, mas sim, muito bem enrolada uma nota de 500$00.

Fui ordenado a 11 de Setembro de 1960 e alguns dias depois fui enviado para Monte Redondo, sua terra natal, como coadjutor do Sr. Cónego Góis. Não me demorei por ali muito tempo, já que em 1962 regressei ao Seminário. Em 1970 deixei o Seminário e fui nomeado prior de Alpedriz e Cós, Alpedriz era muito pobre, a casa não tinha mobília e eu também não tinha dinheiro, fui ao paço e ai expus a situação. Fez-me uma proposta para resolver o problema que não aceitei, argumentando que não seria pastoralmente válida.

Após alguns minutos de conversa, ele próprio telefonou ao P. Inácio, en-tão pároco da Batalha e Vigário, para ajudar a resolver o assunto. O dinheiro era do Sr. Bispo. Gastou-se o mínimo possível. Mas logo que tive disponibi-lidade, fui ao paço entregar-lhe o que lhe era devido. Conto isto porque me ficou o que então me disse:

“Obrigado! És dos poucos que voltam em situações destas”.

Apóstolo irrequieto e obreiro silencioso!PadreAméricoFerreira,ex-reitordoSeminárioDiocesanodeLeiria

Pediram-me algumas palavras para evocar a memória do sr. D. João Pe-reira Venâncio. Não me cabe delinear o seu perfil. Outros o farão com a ga-lhardia da sua gratidão e a profundidade do seu saber.

Encontrei-o em 14 de Outubro de 1945, aquando do meu ingresso no Se-minário. Mas o primeiro contacto directo coincidiu com o ensaio geral dos cânticos para a sessão solene da festa da Imaculada Conceição desse ano.

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A primeira mensagem que me transmitiu foi a de um homem de rara competência em âmbitos da música coral e de não menor exigência na sua execução; igual competência e exigência afirmou nas aulas de música, canto gregoriano e grego clássico.

Por detrás de um olhar penetrante e de um sorriso afável escondia-se uma inteligência fulgurante. Os seus alunos alardeavam com desusado espanto a sua competência esclarecida e argumentação convincente em campos da Teologia Dogmática.

Disponível e discreto, eficiente e modesto, humilde e compreensivo, sabia enlear os predicados pedagógicos de professor à autoridade serena e respon-sável de vice-reitor do Seminário. Durante os anos de docência no Seminário foi semente escondida, presença oculta, identificada com a vida de cada dia, ancorado na convicção de que a Igreja precisa de padres bons, sãos no corpo, vigorosos no espírito, humanamente equilibrados.

Deus chamou-o a percorrer outros caminhos em 4 de Fevereiro de 1954, como bispo da sua Diocese.

Mas o diálogo com o Seminário de Leiria, que iniciou em 17 de De-zembro de 1918, no primeiro edifício do Seminário da Diocese restaurada, implantado na casa do P. Joaquim José de Carvalho, na Quinta da Bela Vista, depois continuado em 1919 num edifício arrendado, junto à Fonte Freire e nobilitado em 1923, na Rua Marcos Portugal, onde foi professor e vice-reitor, foi retomado no dia 10 de Junho de 1962, data em que benzeu e lançou a primeira pedra do novo edifício do Seminário, implantado na mesma Quinta, que o acolhera em 1918.

Uma das suas grandes preocupações foi a construção dum novo edifício do Seminário à altura das exigências do seu tempo e à qual dedicou parte do seu entusiasmo e energias.

Nesta casa que edificou, cada pedra humilde é um bocado da sua alma grande, um referencial vivo de oração confiante e solicitude pastoral que o foi para a vida e para a missão de muitos de nós. Nas suas salas, nos seus amplos e longos corredores, nos recreios irrequietos e nas capelas orantes, repercutem-se os ecos da sua presença benquista, de apóstolo irrequieto e de obreiro silencioso, construindo o santuário onde Deus habita para continuar a alimentar o seu povo.

Aceite a sua resignação como bispo da Diocese em 1 de Julho de 1972, fixou residência no seu Seminário. Aí, silenciosamente, continuou a brilhar como lamparina frágil e orante diante do sacrário, até serenamente adormecer nas mãos de Deus em 2 de Agosto de 1985.

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Para lançar os fundamentos da sua Igreja Jesus escolheu homens humil-des, mas as pedras que o sr. D. João utilizou no seu Seminário têm a sua alma e todas elas projectam mistérios de pedras vivas. Entrando nas provas da vida como o Apóstolo João, foi alcançado pelo amor. E como ele, correu sempre na mesma direcção, trabalhando na fé toda a noite, atravessando o cansaço até à hora que o Senhor lhe destinou.

E a emoldurar o ardor da luta estava aquele seu sorriso de esperança em Deus e nos homens. O seu livro de oração era o livro da sua vida, a escritura onde se revela a vontade de Deus. Dos nossos fracassos podem surgir virtu-des, mas nada se pode esperar das nossas omissões.

Herdeiros que somos desta nobre, bela e densa sementeira de bênçãos que através dele Deus nos prodigalizou, só o coração sabe inventar o muito que lhe devemos. Bendizendo a sua memória, agradecemos tudo quanto fez por nós.

O seu brasão de armas episcopais, entronizado na fachada do Seminário no dia 8 de Dezembro de 1989, compendia a grandeza da sua alma. Nele germina uma flor, o Lírio, a Senhora da Conceição, acolhido entra as asas da águia, o Apóstolo João. No listel orante que envolve asas e lírio, o último testamento do nosso Deus: “Ecce Mater Tua”, eis a tua Mãe.

E no coração de todos nós, este humilde gesto de gratidão: Eis a tua Casa, sr. D. João.

Um Bispo abridor de caminhosPadreJoaquimVentura,directordoColégiodeS.Miguel

Gosto do título que escolhi para este meu testemunho, por me parecer o mais adequado para exprimir o que, a meus olhos, melhor define o perfil pastoral de D. João Pereira Venâncio. De entre muitos caminhos por ele aber-tos, há quatro que me mereceram e continuam a merecer a minha particular atenção.

1. O caminho do acolhimento, da simplicidade e da amizade Como eu, tantos o testemunharam e se deixaram tocar por ele. A sua lha-

neza de trato, aliada à sua profunda humildade e sentida amizade, deixaram marcas em quantos tiveram a dita de contactar de perto com o Senhor D. João Pereira Venâncio. Julgo mesmo que foi este traço da sua personalidade que fez exclamar a peregrinos estrangeiros, de passagem por Fátima, já depois da sua morte: «era um santo de altar»!

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2. O caminho da interioridade, fruto da sua profunda união com Deus e da sua extraordinária devoção a Nossa Senhora.

As suas homilias, as suas cartas pastorais e pessoais (só eu sou detentor de 52), as suas atitudes orantes não deixavam dúvidas a ninguém. Era um homem possuído de Deus e que comunicava Deus. Absorvia-o a ideia e o de-sejo de que os seus padres se aliassem em grupos de oração, para uma maior vivência do seu ministério. De Roma, onde participava no Concílio Vaticano II, pedia-me em carta enviada para Paris: «Procura encontrar-te com o funda-dor da «Aliança Sacerdotal», o Rev. P. Heris O.P., e conhecer esta obra, que tem por fim insuflar espírito de amor em todo o clero secular ou «regular» e em todas as almas, que os leve a apaixonar-se por Deus, Amor Infinito». De passagem por Paris, vindo de Roma, terminada a primeira sessão do Concí-lio, pediu-me para o acompanhar ao «Sacré Coeur», aonde foi somente para adorar o Santíssimo Sacramento ali permanentemente exposto. Não foi fácil arrancá-lo da oração profunda em que mergulhava! Quis ir também à «Tour Eiffel». Sabeis para quê? Para, do alto daquela torre, donde se divisa a imensa cidade de Paris, rezar pelo Bispo da Diocese de Paris o Rosário a Nossa Se-nhora: «Se a minha Diocese, que é tão pequenina, me traz tanta responsabili-dade pela salvação das almas, o que não sentirá o Bispo desta cidade! Vamos rezar por ele». Mais perto de nós, não descansou enquanto não introduziu no Santuário de Fátima o Sagrado «Laus Perenne». Acompanhei-o nessa noite de 1 de Janeiro de 1960, no acto inaugural. Como era grande a sua alegria! E quantas vezes, no Santuário de Fátima, o vimos, de joelhos por terra, no meio dos peregrinos anónimos, de terço na mão!

3. O caminho de missionário da Mensagem de Fátima. Nossa Senhora encontrou no Senhor D. João Venâncio o arauto escolhido

para fazer chegar a Sua Mensagem aos quatro cantos da Terra. Levou-a a mais de 30 países dos cinco continentes. Levou-a mesmo ao coração do Concílio Vaticano II, aos mais de dois mil Padres Conciliares. Trouxe a Fátima o Papa Paulo VI, abrindo deste modo caminho à vinda a Fátima dos Papas João Paulo II e Bento XVI. Já do Papa João XXIII dizia na sua carta de 11 de Junho de 1963: «parto para Roma para as últimas homenagens ao grande Pontífice, tão amigo de Fátima e tão bom. Depois espero pelo novo Sumo Pontífice, a quem espero homenagear em nome da Diocese e de todos os seus padres. A todos terei presentes na 1ª Bênção!». E, de regresso à sua Diocese, passando por Paris, onde eu prosseguia os meus estudos, a uma pergunta minha sobre o que pensaria de Fátima o novo Papa, respondeu: «a última pessoa com quem esti-

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ve em Roma, antes de partir para o aeroporto, foi com o novo Papa, Paulo VI, que me disse: «Fátima, que responsabilidade para a Igreja e para o mundo».

4. O caminho do apostolado em meio escolar. Foi este um dos caminhos que mereceram ao Senhor D. João uma parti-

cular atenção. Olhando o panorama religioso da sua Diocese, teve estes desa-bafos comigo, em Outubro de 1962: «a igreja da Marinha Grande está vazia, não só pela ausência da classe operária, mas também da juventude. Vamos levar a Igreja ao coração da Vila, por meio de um colégio, cujo alvará já adquiri». E, embalado por este zelo pastoral, mete ombros à construção, na Marinha Grande, do Externato Dr. Afonso Lopes Vieira, que adquiriu gran-de prestígio naquele meio, com o seu projecto cultural e cristão. Quanto ao colégio diocesano em Fátima, assim o justificou: «em Fátima, ao lado do Santuário de Oração» vamos construir um «santuário de cultura e fé, um mo-numento vivo ao Anjo de Portugal, que, por isso, se chamará «Colégio de S. Miguel», colégio por ele talhado nos fundamentos do seu projecto educativo e que ele sempre amou como um filho predilecto. Nas suas muitas desloca-ções pelo mundo, nunca se esquecia dele, enviando-lhe encantadoras men-sagens de saudação e encorajamento, sempre dirigidas a «toda a família do colégio: director, professores, alunos e demais colaboradores». E sentia-se sempre muito feliz com os bons resultados escolares dos nossos alunos e com as actividades em que estes se envolviam. Apenas um exemplo: «mil para-béns pelo 1º lugar na classificação da 1ª volta. Espero que o S. Miguel man-tenha o lugar na 2ª volta, melhorando-o ainda». Referia-se aos resultados dos exames, ao nível distrital, no então Liceu Nacional de Leiria, no ano de 1970. Aquando das grandes lutas pela liberdade de ensino em Portugal, após o 25 de Abril, já resignatário, em carta ao director do colégio dizia: «Creio que posso dar-te os parabéns pela situação actual do Ensino Particular, situação jurídica por que tanto e bem te bateste…é grande passo em frente. Deus lou-vado e honra a quem tanto se sacrificou por esta meta». Ainda hoje o Colégio de S. Miguel vive da herança do seu fundador, consignada no projecto que o identifica e de que muito se orgulha. Em nenhum outro lugar da Diocese o Bispo D. João Venâncio está tão presente, no quotidiano da vida, como no Colégio diocesano de S. Miguel.

De outros muitos caminhos abertos pelo Bispo D. João Pereira Venâncio não faltarão testemunhos, todos eles convergindo no reconhecimento desta figura de homem, de padre e de bispo como um dom de Deus à Igreja e à Humanidade. A nós compete não os esquecer e caminhar por eles.

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D. João, mensageiro de FátimaPadreJoséFeiter,O.R.C

Tudo começou com o convite que o Sr. D. João recebeu para tomar parte no primeiro congresso eucarístico internacional, em 1960, na cidade de Mu-nique. Foi lá e nessa altura que D. João encontrou a família dos benfeitores que ajudaram na construção do novo e actual Seminário de Leiria. Acompa-nhei o Sr. D. João na viagem para Munique, juntamente com o Sr. Pe. Kon-dor. Foi também nessa altura que começámos, nas férias de Verão e durante vários anos, um longo período de viagens para vários países do Centro e Norte da Europa, aonde o Sr. D. João era convidado para falar da mensagem de Fátima. Assim, por causa da convivência íntima inseparável, foi-nos dada a possibilidade de descobrir e experimentar alguns aspectos desconhecidos da grandeza da sua personalidade.

O Sr. D. João foi um Bispo que nunca procurou a sua própria honra ou reconhecimento. Fomos muitas vezes convidados para banquetes festivos, não só em residências de cardeais e Bispos, em palácios de famílias reais, alta nobreza e outras personalidades da alta sociedade, mas também para conven-tos e encontros com crianças e gente humilde do povo de Deus. O Sr. D. João sempre se sentiu à vontade no meio de todas as classes sociais: nunca o vi embaraçado. Respeito humano era-lhe estranho, porque a sua personalidade atraente e transparente nascia da intenção de querer agradar só a Deus e de atrair os homens para Deus.

No entanto, o verdadeiro segredo da grandeza e santidade da sua perso-nalidade, sempre ele o conseguiu esconder atrás do seu sorriso humilde e modesto, que atraia toda a gente. Mas tal segredo não era possível ocultar a alguém que, como nós, o acompanhava há tanto tempo, em longas viagens e circunstâncias diversas.

Posso testemunhar que, desde que vivo em Fátima, há já 57 anos, nun-ca encontrei quem, como ele, irradiasse e reflectisse, como exemplo vivo, a mensagem de Fátima, no seu comportamento de todos os dias. O que ele anunciava pela palavra realizava-o na sua vida.

O Sr. D. João foi o primeiro Vice-Postulador do processo de beatificação do Francisco e da Jacinta (nomeado Bispo Diocesano, foi substituído no car-go, primeiro pelo padre Fuentes e depois pelo padre Kondor). A vivência da mensagem de Fátima na vida de D. João era inspirada pela vida de virtude heróica dos pastorinhos. A sua vida privada, que pouca gente conseguiu no-tar, era uma vida de oração contínua, uma vida de abnegação e penitência.

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Convidados nos banquetes, o Sr. padre Kondor e eu, jovens nessa altura, aproveitávamos para matar a fome, enquanto o Sr. D. João, por causa da sensibilidade de estômago, mantinha a sua dieta. Durante as longas viagens evitavam-se os restaurantes: o Sr. D. João, por exemplo, – para espanto do meu colega, que achava que era contra a dignidade episcopal – mandava parar o carro, na via pública, para comprar, num café, uns papo-secos para matar a fome. Mais tarde, acompanhando o Sr. D. João nas suas viagens em Portugal, pude verificar que ele escolhia sempre um restaurante modesto com uma refeição simples. Uma vez entrou comigo num restaurante ao pé da auto-estrada, e depois de entrar voltámos a sair porque ele achou que era luxuoso demais, apesar de não ser exagerado.

Como Prior Geral da Ordem de Santa Cruz, deu contas de todas as suas despesas mensais, por escrito, até ao mais pequeno centavo. Tal livro de con-tas está ainda guardado.

Durante as viagens por vários países, o Sr. D. João não gastava tempo em conversas inúteis, e se não rezava o breviário, recitava incansavelmente um terço após outro.

Exemplos desta vida de virtude há muitos, mas não é possível dar teste-munho deles no espaço que nos foi reservado para este testemunho. Estamos convencidos que o Sr. D. João está no Céu a interceder por nós, juntamente com os pastorinhos Francisco e Jacinta, que ele tanto venerava no trono da Rainha do Rosário, de quem era servo escolhido e fiel.

“O Senhor Vice-Reitor”PadreAugustoAscensoPascoal

Pedem-me duas palavras de testemunho pessoal sobre D. João Pereira Ve-nâncio, tendo presente especialmente o seu papel de formador de sacerdotes.

É um momento em que a dificuldade do tema se junta à consideração que sempre me mereceu a pessoa do homenageado para me criarem uma qua-se inultrapassável inibição: não só porque se trata de algo que, como, aliás outros aspectos da vida desta ilustre figura do clero da diocese, do século XX, reclama um estudo que vá muito para além das impressões pessoais, mas também porque, no que me diz respeito, só a partir dos últimos anos do curso, se foi acentuando o conhecimento directo, numa caminhada a que não faltaram momentos difíceis, curvas e encruzilhadas. E destas ficam certamen-te marcas que, a despeito da ajuda que prestam a um melhor conhecimento

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mútuo, acabam sempre escondendo a objectividade das realidades que inte-ressam à investigação histórica.

Desde os primeiros anos de Seminário, foi-se--me fixando na memória visual, a figura quase hierática de um sacerdote que andava sempre de batina, à qual, no Inverno se juntava uma capa de agasalho, invariavelmente traça-da sobre o ombro esquerdo, e que fazia dos óculos um véu impenetrável à curiosidade dos adolescentes que, como eu, se inquietavam perante o silêncio daquele rosto, que nos parecia sempre demasiado sério.

Designávamo-lo por o Senhor Vice-Reitor.E, muito cedo, no meu imaginário de adolescente cuja timidez era maior

que a ousadia dos sonhos, aquele sacerdote, mais pelos gestos que realiza-va do que pelas palavras que dizia, começou a mostrar, por detrás de tanta seriedade, um enorme coração, que nos animava a ir por diante, apesar dos pesares.

Fixou-se-me na memória o sorriso de felicidade perante a alegria dos mais novos, naquelas distribuições de prendas que eram também prémios, por altura do Natal… e pareceu-me revivê-la, muitos anos depois, na festa que os seminaristas lhe dedicaram, na véspera dos trinta anos da ordenação episcopal.

Porque entretanto, o Senhor Vice-Reitor foi nomeado bispo: primeiro au-xiliar do Senhor Dom José Alves Correia da Silva, depois Vigário Capitular e finalmente bispo residencial da diocese.

Dedicara-se totalmente à formação humana, intelectual e espiritual dos futuros sacerdotes.

Acerca do seu magistério como professor de Teologia, já que não me ca-lhou a sorte de o ter como professor, fui construindo a minha opinião a partir do que ouvi e li na pregação e nos textos que produziu ao longo dos quase dezoito anos do seu magistério episcopal. Trata-se de um espólio que reclama com justiça um estudo aprofundado.

Mas ele percebeu muito cedo que o Seminário é uma instituição que exige também instalações condignas, que não desdigam da complexidade da mis-são que a Igreja lhe confia.

Por elas travou uma luta gigantesca. Uma luta que se inicia ainda nos seus tempos de Vice-Reitor em exercício. Luta difícil, mas da qual não desiste.

Pode dizer-se que o novo seminário é a coroa de toda uma vida dedicada ao serviço da formação dos padres diocesanos.

E é também, como património construído, algo que a diocese ainda não agradeceu devidamente.

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Visita Pastoral do Bispo à Diocese

Pela vigararia das Colmeias

No âmbito da visita pastoral iniciada em 2008, D. António Marto esteve na vigararia das Colmeias entre os meses de Outubro e Dezembro de 2010, nas seguintes datas e paróquias: de 14 a 17 de Outubro nas Matas, de 21 a 24 de Outubro nas Meirinhas, de 28 a 31 de Outubro em São Simão de Litém, de 4 a 7 de Novembro em Vermoil, de 12 a 14 de Novembro na Memória, de 18 a 21 de Novembro em Espite, de 25 a 28 de Novembro em Albergaria dos Doze, de 9 a 12 de Dezembro nas Colmeias.

Como temos feitos em relação às paróquias já visitadas, publicamos nesta edição as entrevistas efectuadas em parceria com o semanário O Mensageiro aos respectivos párocos, embora nem todos tenham respondido a esta solici-tação.

Perguntas da entrevista:1. Que pensa da iniciativa do Bispo diocesano de fazer uma visita pastoral a

todas as paróquias?2. Como se preparou a comunidade para receber o seu Bispo?3. Qual foi o critério na elaboração do programa?4. De forma geral, como decorreu a visita?5. Houve algum momento especial que queira destacar?6. Qual a principal mensagem ou marca deixada por D. António Marto?7. Quais as expectativas criadas a partir da Visita Pastoral e que prioridades

pastorais se adivinham em ordem à renovação da dinâmica paroquial?

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Padre João Pina PedroMatas e Espite

1. Segundo a doutrina da Igreja, “o Bispo é o princípio visível e fundamento da unidade na sua Igreja particular”, por isso, a visita pastoral é uma actividade perfeitamente normal no exercício do múnus episcopal. Nesse sentido, tendo começa-do a visita pastoral dois anos depois da entrada na diocese, o nosso Bispo mostra bem quão grande é a

sua solicitude pastoral e o desejo de conhecer profundamente e no terreno a porção do Povo de Deus que lhe foi confiada, nas suas variadas característi-cas, com os seus movimentos, potencialidades, problemas, luzes e sombras. Penso que a visita pastoral é fundamental para uma pastoral realista e eficaz por parte de D. António, e para estimular as várias paróquias a melhorarem a sua vivência cristã.

2. Inicialmente, fizemos uma campanha de sensibilização das pessoas, distribuindo em todas as casas a carta escrita pelo nosso Bispo a anunciar a visita pastoral e rezando uma prece na missa dominical pelos bons frutos da sua visita. Numa segunda fase, fizemos várias reuniões com os grupos e movimentos da paróquia para programarmos a visita e formarmos alguns ani-madores da “lectio divina”. O centro da preparação foi obviamente um con-tacto mais assíduo com a Palavra de Deus, através dos grupos de meditação da “lectio divina”, que funcionaram de forma bastante satisfatória e criaram nalguns fiéis o desejo de meditarem mais vezes na Sagrada Escritura, que é “espírito e vida”.

3. Na elaboração do programa, procurámos fazer com que os colabora-dores paroquiais, os grupos e os movimentos mais representativos tivessem um contacto mais próximo com o Sr. Bispo, para que ele pudesse deixar uma mensagem particular aos mesmos, os quais por vezes mostram algum cansa-ço e desânimo face às dificuldades inerentes à evangelização, e se fomentasse uma maior confiança e estima entre o pastor da Diocese e as “ovelhas” destas paróquias.

4. A paróquia das Matas foi a primeira da vigararia das Colmeias a ser visitada pelo nosso Bispo, pouco tempo depois da festa em honra da nossa

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padroeira e no início do ano pastoral, o que acarretou uma certa sobrecarga de trabalho e mesmo algum receio sobre o resultado da visita. No entanto, penso que superou as expectativas e constituiu um grande estímulo para que a paróquia seja mais viva e dinâmica. Em Espite, um mês depois, também correu muito bem.

5. Destaco a assembleia paroquial, em que, perante todos os grupos e mo-vimentos e outros paroquianos, D. António Marto falou cara a cara a todos os presentes, mostrando-se um pastor próximo e interessado em que os católicos experimentem o amor de Deus e que sejam um sinal eloquente do “amor e ternura de Deus” na sociedade hodierna.

6. D. António Marto, com a sua proximidade, alegria, simplicidade e fa-zendo questão em cumprimentar toda a gente com que se cruzava, mostrou eloquentemente que o Evangelho não é uma teoria, mas uma vida nova que se vive. Mostrou que para ele e para Deus, cada pessoa é única e tem um valor incomparável, pois cada um é um filho muito amado por Deus.

A nível da mensagem, D. António fez um grande apelo para que todos se esforçassem por terem uma fé adulta, uma fé esclarecida. “Não bastar dizer que a minha é a fé da Igreja”. Para tanto, urge valorizar a oração, os sacra-mentos e a participação nos grupos paroquiais e movimentos eclesiais. “Por vezes, a fé aparece como um fardo, como umas tarefas que se têm de fazer. Ora, a fé assim acaba por cansar. Mas a fé cristã é primeiramente deixar-se amar por Deus, experimentar o amor de Jesus no coração de cada um”.

D. António alertou para os perigos da nossa sociedade que tendem a mos-trar a Igreja e a fé católica como algo desajustado e fora de moda. Falou dos atentados à vida e à família, como as “uniões de facto”.

Sublinhando a supremacia dos valores espirituais sobre os materiais, disse: “A nossa sociedade precisa mais de Deus do que alimentos e dinheiro”. A ver-dadeira qualidade de vida está no coração humano, quando este está repleto de fé e amor, de esperança, generosidade e atenção ao próximo. Sobre a virtude da “caridade” alertou que não é somente dar esmola, mas passa pelo diálogo, pela escuta, por partilhar a vida e os dons, pela presença e serviço desinteressado aos mais necessitados. Recordou a todos que actualmente a Diocese possui muitos meios para alimentar e fortalecer a vida cristã, pelo que há que aproveitá-los. No final da Missa do domingo, nas Matas, com o crisma de seis jovens, fez um apelo vibrante e sentido a todos: “Querida Igreja das Matas, abre de par em par as portas do teu coração a Cristo, não tenhas medo de Cristo”.

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D. António interpelou-nos a todos com a sua presença e procurou deixar uma mensagem profunda e, simultaneamente, simples e adequada a todos os grupos e faixas etárias que compõem a comunidade cristã, para que esta viva a fé e o amor de Deus com entusiasmo, alegria e coerência.

7. Desde logo, penso que a presença do nosso bispo nestas paróquias aju-dou a criar uma consciência mais clara de que a Igreja diocesana é uma reali-dade bem mais rica e ampla do que a paróquia. Por outro lado, criou-se uma maior proximidade com o Bispo diocesano. Temos consciência de que esta visita pastoral constitui uma graça de Deus. E face à riqueza de ensinamentos e exortações que o nosso Bispo nos fez, vamos reunir os vários agentes pas-torais para avaliarmos a visita pastoral e implementarmos desde já alguns dos ensinamentos e interpelações que nos lançou.

Padre Raul Rodrigues CarnideMeirinhas e Vermoil

1. Sendo o Bispo o pastor diocesano e, portan-to, o primeiro responsável por todas as comunida-des paroquiais, é normal que procure contactar com cada uma das paróquias da Diocese, para as conhe-cer e deixar a sua palavra de pastor e animador da vida cristã.

2. Como é normal, houve a preocupação de dar a conhecer esta iniciativa do senhor Bispo e mentalizar as pessoas para o significado e importância deste encontro do pastor com as suas ovelhas, nesta parcela da Diocese. Os diversos grupos da vida paroquial, desde a catequese, jovens e adultos, pro-curaram preparar esta visita com algumas iniciativas. Os catequistas prepara-ram algumas celebrações com as crianças e jovens, que deram mais animação à presença do senhor Bispo entre nós.

3. O programa foi preparado com algumas reuniões e com a colaboração do padre Jorge Guarda, que é também capelão das Meirinhas e Vermoil e que sugeriu algumas celebrações e encontros que animaram e derem mais vida à presença do Sr. Bispo entre nós. Houve a preocupação e desejo de que todos, desde as crianças aos idosos, tivessem oportunidade de se encontrarem com o Pastor diocesano, o sentirem mais perto de si e ouvirem a sua palavra.

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4. Podemos dizer que a visita decorreu muito bem, com boa participação dos paroquianos nas diversas actividades.

5. Os momentos especiais e que fizeram sobressair a presença do senhor Bispo entre nós foram as visitas à escola primária e ao Colégio das Meirinhas e aos Centros de Dia para os idosos.

Também o encontro com empresários e agentes económicos foi ocasião de convívio com várias dezenas de pessoas das mais empenhadas na vida activa e profissional, que se manifestaram muito agradadas e satisfeitas com este convívio.

Em Vermoil, também o encontro e convívio com os dirigentes e respon-sáveis das actividades e associações foi muito apreciado. A celebração da Eucaristia com os idosos e a administração da Santa Unção foi também um dos momentos mais interessantes e com muita participação.

6. A principal mensagem deixada por D. António resume-se no apelo que várias vezes fez a uma vida cristã mais consciente e empenhada na constru-ção do Reino de Deus nestas comunidades paroquiais.

A boa disposição e o desejo de contactar e saudar pessoalmente as pesso-as e a sua abertura e carinho com os mais novos, incluindo os “amiguitos e amiguitas”, não serão facilmente esquecidos.

7. As expectativas criadas a partir desta visita pastoral vão centrar-se no esforço de reanimação da vida paroquial e dar mais vida aos grupos e asso-ciações paroquiais.

Padre João Feliciano Colmeias

1. Primeiro, esta iniciativa parte de uma das obri-gações que o código consigna ao Bispo diocesano, medida pastoral que tem como finalidade conhecer melhor o povo que lhe foi confiado. Assim, o Bispo poderá adoptar as medidas pastorais mais adequadas à realidade. Além disso, na diocese de Leiria-Fátima isto já não era feito há muitíssimos anos. Em boa hora teve o nosso Bispo tal iniciativa.

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2. A comunidade cristã preparou-se essencialmente através da leitura orante da Palavra de Deus – “lectio divina” – durante cinco semanas, na ora-ção pessoal e comunitária nas assembleias dominicais, nas Missas e na Ado-ração ao Santíssimo, nas catequeses sobre o papel do Bispo para as crianças, bem como na recepção do sacramento da Penitência.

3. O programa foi elaborado pelo Conselho Pastoral Paroquial e depois submetido à apreciação do Bispo. O critério foi que o senhor Bispo conheces-se o mais possível a realidade da comunidade das Colmeias – Igreja: encontro com os colaboradores directos, jovens, adolescentes, crianças e casais. Mas também que tivesse um conhecimento sociológico da mesma: visita a em-presas mais significativas, de naturais das Colmeias e que empregam em boa parte também residentes na freguesia; também aos lares particulares existen-tes. Por fim, também conhecer a freguesia do ponto de vista geográfico, com visita aos diversos lugares.

4. A visita pastoral correu muito bem, embora, pelo envolvimento das pessoas, se tivesse notado o fenómeno geral da indiferença de algumas gera-ções de “cristãos”.

5. Momento especial a destacar foi a visita a um doente que, por limita-ções de saúde, não podia acompanhar a visita do Sr. Bispo. Essa visita perso-nalizada comoveu-o e gerou nele uma alegria indescritível.

6. Foi essencialmente uma mensagem de esperança, que se destacou em todo o tempo. Neste mundo a desmoronar-se, os cristãos, as comunidades cristãs são fonte de esperança, porque vivem de Jesus Cristo e para Ele.

7. As expectativas criadas têm de ser consolidadas com a vida das pesso-as, para que a visita pastoral do Bispo não seja só um momento de euforia ou entusiasmo, esbatendo-se com o tempo. Deverá corresponder a uma profunda renovação cristã, que passará por maior formação dos cristãos, tanto doutri-nal, chamemos-lhe assim, como espiritual, com um empenho maior na vida sacramental, fonte de Santidade, porque de Comunhão com Cristo e com os irmãos.

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Assembleia marcou início do ano pastoral 2010-2011

Igreja de Leiria-Fátimachamada à caridadePorLuísMiguelFerraz

Como é tradição no primeiro domingo de Outubro, a Diocese de Leiria-Fátima reuniu-se em Assembleia presidida pelo seu Bispo, para marcar o ar-ranque solene de mais um ano pastoral. Foi no dia 3, no Seminário de Leiria, com a participação de cerca de 400 pessoas – leigos, padres e religiosos – sobretudo as mais envolvidas na acção das várias comunidades, paróquias, serviços e movimentos eclesiais.

A sessão começou ao início da tarde, com o acolhimento musical do coro litúrgico da Paróquia da Marinha Grande, dirigido por Fernando Brites, gru-po que animou a tarde com a execução de algumas peças. Depois, D. António Marto saudou os presentes e presidiu a um breve momento de oração, com que foi dado o mote para os trabalhos: “Sede afectuosos uns para com os outros no amor fraterno” (Rom 12, 10-13).

Seguiu-se uma apresentação multimédia da caminhada diocesana durante o último ano pastoral, cujo tema central era definido na carta pastoral “Ir ao Coração da Igreja”. Este foi o documento inspirador das acções de formação

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e reflexão, e outras iniciativas, a nível paroquial, vicarial e diocesano, bem como em comunidades religiosas, movimentos e associações eclesiais. Vá-rios desses exemplos foram apontados em imagens que ajudaram a ilustrar o dinamismo de uma Diocese multifacetada, com evidente diversidade de ritmos e carismas, mas com alguma capacidade de se organizar em torno de um projecto comum.

Neste contexto, sublinharam-se “grande momentos” de celebração e vi-vência da comunhão eclesial, como a “Festa da Fé – Rosto(s) da Igreja Dio-cesana”, a Peregrinação Anual a Fátima, a Festa do Corpo e Sangue de Cristo em Leiria e a visita do Papa a Portugal, ocasiões em que os diversos grupos e comunidades participaram activamente preparando e realizando um progra-ma pastoral comum.

Sob o signo da CaridadeIntegrado no Dia da Diocese, o acto tem como principal objectivo a apre-

sentação do tema para o ano que se inicia, desenvolvido pelo Bispo diocesano na sua carta pastoral “Chamados à Caridade”.

“Somos chamados à caridade, tomando esta palavra no seu mais profundo significado, não apenas como simples ajuda pontual a alguém, mas como modo de viver que brota do próprio mistério de Deus, que é Amor”, subli-nhou D. António Marto, na apresentação do documento. Nesse sentido, os cristãos devem ter em conta os cenários concretos do mundo em que vivem para agirem “de modo criativo face às interpelações”.

Essa acção deve ser “fundada numa espiritualidade que a sustente”, lem-brou D. António apontando como “ícones” as cenas bíblicas do Lava-Pés (Jo 13, 1-17) – Deus que se ajoelha aos pés do Homem e se entrega por amor; do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37) – que revela o estilo daquele que vê o outro com o coração; e do Juízo Final (Mt 25, 31-46) – o amor é o único critério pelo qual seremos julgados. “A Igreja nasce da caridade, vive da caridade e orienta-se para a caridade, no testemunho de amor aos irmãos”, afirmou.

Referindo-se à terceira parte da sua carta pastoral, sobre os aspectos mais práticos, o Bispo diocesano salientou algumas das frentes em que somos chamados a agir, “a nível local, com acções concretas”, já que “a caridade deveria tornar-se o estilo habitual de viver da comunidade cristã”, e apelou ao “entusiasmo dos agentes pastorais, padres e leigos”, para que as propostas apresentadas venham a ter efectiva realização.

Em resumo, os objectivos traçados passam necessariamente pelo empe-nho e cultivo da espiritualidade (com incidência no retiro popular quaresmal),

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do testemunho fraterno dentro da Igreja, da proximidade para com os mais pobres, da catequese para o amor, pela celebração mais cuidada da Euca-ristia, pela cooperação missionária, pela melhor organização dos serviços diocesanos e paroquiais de acção sócio-caritativo, pela promoção e formação do voluntariado, pela vivência do amor em família, pela pastoral vocacional e pelo acompanhamento da pastoral de Fátima e da preparação do centenário das Aparições.

Depois da intervenção do Bispo diocesano, o Vigário-geral, padre Jorge Guarda, apresentou de forma esquemática o tema e os objectivos do ano e o director do Departamento de Pastoral Social, padre Luís Inácio João, falou dos serviços e principais projectos deste Departamento, que será um dos mais directamente implicados na acção deste ano. Aqui se incluem a Caritas Dio-cesana, a Comissão Justiça e Paz, o Serviço de Apoio à Mobilidade, o Serviço de Pastoral da Saúde e o Serviço da Comunicação Social.

Uma fé de “qualidade”A Assembleia terminou com a celebração eucarística, na igreja do Semi-

nário. Na homilia, D. António Marto sublinhou que a nossa acção será tanto mais frutuosa quanto maior for a nossa fé. “Não se trata de quantidade, mas de vitalidade e de força da fé, do grau de confiança que depositamos em Deus”, afirmou dando como exemplo a vida de Madre Teresa de Calcutá, “mulher franzina e sem poder, mas cuja fé, como um grão de mostarda, mo-veu montanhas (…) uma fé que se manifesta no amor gratuito e desinteres-sado, de quem se coloca ao serviço de Deus e dos outros, como servo inútil”. “Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de caridade”, concluiu. “Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis o vosso coração!”.

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Envio missionárioA Eucaristia de encerramento da Assembleia Diocesana foi também um

momento de vivência e celebração do compromisso missionário. No decurso da celebração, D. António Marto abençoou e enviou em missão Amândio Pedrosa Évora, “em nome de toda a nossa Igreja diocesana”.

Com 37 anos de idade, solteiro, carpinteiro de profissão, natural e residen-te na freguesia do Coimbrão, é mais um missionário leigo que a diocese envia para a Missão do Gungo, na diocese do Sumbe, Angola, por um período de cinco meses, em regime de voluntariado.

O Amândio já conhecia o Grupo Missionário Ondjoyetu há alguns anos. Recentemente decidiu integrar o grupo e frequentar o curso de missiologia que decorreu no primeiro semestre deste ano. Com a sua formação e o conhe-cimento das necessidade na Linha da Frente, resolveu dar algum do tempo da sua vida. Pela sua profissão e com jeito para tudo o que são obras e trabalhos práticos, irá dedicar-se, entre outras coisas, à conclusão da primeira fase da recuperação da casa da missão na Donga, a pequenas reparações na casa da missão no Sumbe, ao apoio a projectos de moagem, agricultura e transportes. Em tudo contará com a participação pessoas do Gungo que assim aprenderão com ele.

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Casa de Retiros S. José inaugurada

A festa do SeminárioLuísMiguelFerraz

O Seminário de Leiria celebrou, no passado dia 8 de Dezembro, a festa da sua padroeira, a Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria, que é também a padroeira principal e “Rainha de Portugal”. Este ano, a data foi especial-mente comemorada, com a inauguração dos espaços renovados na primeira fase das obras de restauração do edifício e ainda com a admissão de quatro seminaristas maiores às Ordens Sacras.

A festa começou ao início da tarde, com a celebração eucarística presidida pelo Bispo diocesano, D. António Marto. Cerca de duas dezenas de sacerdo-tes e mais de duzentos fiéis, vindos de toda a Diocese, responderam ao con-vite para esta celebração, assinalando assim a importância do Seminário, não só como lugar de formação dos sacerdotes, mas como espaço cada vez mais central no dinamismo pastoral da nossa Igreja particular.

Após a Eucaristia, todos foram convidados para o acto solene de inaugura-ção da zona intervencionada, na capela principal da nova “Casa de Retiros S.

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José”, seguindo-se a visita livre por todos os espaços desta nova zona do edi-fício, onde está também incluída a área residencial dos alunos do Seminário.

A terminar, um “porto de honra” serviu para o brinde pelo bom fruto dos trabalhos efectuados, com votos de que esta aposta da Diocese na melhoria dos espaços para as acções pastorais seja correspondida pela procura dos fiéis e, com a graça do Espírito Santo, para uma Igreja mais viva e mais santa.

D. António Marto aponta o centro da pastoral diocesanaSeminário, cada vez mais “coração”

Na homilia da celebração, D. António Marto começou por referir as três razões para celebrar neste dia especial: a solenidade da Imaculada Conceição de Nossa Senhora, a conclusão de uma parte das obras do Seminário e a ad-missão de quatro seminaristas às Ordens Sacras. “São três motivos de júbilo para a Igreja, em especial para a nossa Diocese e o seu Seminário, que devem levar-nos a agradecer e a louvar a Deus”, afirmou o Bispo Diocesano.

Em relação ao primeiro, afirmou que “a ‘cheia de graça’ é o nome mais belo de Maria, aquele pelo qual Deus a conhece e que por Ele lhe foi dado, quando a escolheu para acolher o maior dom que ofereceu ao homem, o Seu próprio filho”. Lembrando o dogma que nesta data se comemora, D. António recordou que “desde a sua existência, Deus preservou Maria do pecado e de todo o mal, como obra-prima da sua graça para o mundo”. É por isso que “voltando o nosso olhar para Maria, reconhecemos nela o sorriso de Deus e também a beleza de todo o ser humano, tal como Deus o quer, santo e puro na caridade”, afirmou o prelado.

O desafio para os cristãos que desejam imitar a sua Mãe é “deixarem entrar Deus nas suas vidas, deixarem-se envolver pela sua graça e pelo seu amor, com a garantia de que não terão uma vida opaca e fastidiosa, mas sim uma vida bela, mais humana e cheia das maravilhas da graça, tantas vezes despercebidas ou insuspeitas”.

Depois, D. António lembrou a figura de D. João Pereira Venâncio, antigo Bispo de Leiria a quem se deve a construção do actual edifício do Seminá-rio, como exemplo dessa devoção mariana, de quem modelou a sua vida e o seu episcopado à imagem de Maria. Citando uma frase do próprio D. João Venâncio – “a minha vida tem decorrido toda sob o signo da Mãe Imaculada” – o nosso Bispo recordou algumas datas significativas da vida daquele prela-

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do ligadas ao dia 8 de Dezembro, nomeadamente, a ordenação episcopal em 1954 e a entrada na Sé de Leiria como Bispo residencial em 1958. Além dis-so, em relação ao dogma da Imaculada Conceição, nasceu no cinquentenário da sua proclamação (1904), foi ordenado sacerdote no 75.º aniversário (1929) e recebeu o episcopado no centenário (1954). Nesse percurso, destacou-se a sua predilecção pelos seminaristas, que considerava “a esperança da Diocese” e para cuja formação decidiu erguer uma casa com todas as condições.

Em relação a essa casa, o actual Seminário Diocesano de Leiria, D. António referiu que ela está a remodelar-se para ser ainda mais o “coração de toda a Diocese, não apenas para a formação dos seminaristas, mas como es-paço de formação e de vitalidade de todas as vocações cristãs”, como centro onde se congregam quase todos os serviços pastorais e muitos movimentos diocesanos. “Agradeço à equipa que dirigiu estas obras de adaptação e a to-dos os que para elas contribuíram”, acrescentou.

Finalmente, a propósito da admissão de quatro seminaristas às Ordens Sacras, o Pastor afirmou a sua alegria por este dom de Deus à sua Igreja “num dia cheio de encanto” e pediu-lhes que “a exemplo da fidelidade de Maria, digam ‘sim’ ao chamamento de Deus, um ‘sim’ pelo qual espera todo este povo que precisa de vós”.

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Imaculada ConceiçãoA Igreja Católica celebra a 8 de De-

zembro o dia da Imaculada Conceição de Maria Santíssima. É uma festa que se situa no início do ano litúrgico, Tempo do Advento, iluminando o caminho da Igreja rumo ao Natal do Senhor.

Esta festa foi definida a 8 de Dezem-bro pelo Papa Sisto IV, em 1476. Ainda no século XV, o franciscano Bernardino de Bustis escreveu o Ofício da Imaculada Conceição, com aprovação oficial do texto pelo Papa Inocêncio XI, em 1678. Mas o dogma da Imaculada Conceição só viria a ser proclamado a 8 de Dezembro de 1854 por Pio IX, na Bula “Ineffabilis Deus”, que declara a santidade da Virgem Santa Maria desde o primeiro momento da sua existência, desde a sua Conceição, ou seja, que ela foi preservada desde sempre da mácula do pecado original, no qual nascem to-dos os filhos de Adão.

Em Portugal, o culto foi oficializado por D. João IV, filho de D. Teodósio e D. Ana Velasco, primeiro rei da dinastia de Bragança. Foi este rei que, em Vila Viçosa, perante a imagem de Nossa Senhora da Conceição, depôs aos seus pés a coroa real e a nomeou Rainha de Portugal. Desde esse dia 25 de Março de 1646, os reis portugueses nunca mais usaram coroa. E mais nenhum regime, nem mesmo o republicano ou o que surgiu em Abril de 1974, foi capaz de abolir este título tão querido ao povo português.LM

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Ordenação do Padre Miguel Sottomayor

A festa de um novo padre diocesanoA Catedral de Leiria recebeu,

no domingo 19 de Setembro, a celebração da ordenação sacer-dotal de Miguel Sottomayor, presidida pelo Bispo D. António Marto. Foi uma festa para todos os diocesanos, com numero-sa participação de fiéis, leigos e padres, que trouxe também muitos familiares e amigos do neo-sacerdote, de Vila do Conde, sua terra natal. A festa eucarística continuou em convívio fraterno.

Miguel Azevedo Santiago Sottomayor tem 36 anos de ida-de e é natural de Vila do Conde. Proveniente de uma família católica marcada por uma intensa e genuína vida de fé, juntamente com os 8 irmãos, o Miguel deixou de estudar muito cedo, após a escolaridade obrigatória e, chegada a altura das opções, tirou o curso de formação bancária. Aos 19 anos foi trabalhar na área que mais o fascinava, a economia, integrando o quadro do BCP. O percurso profissional foi normal, graças ao entusiasmo e à vontade desde o início. No entanto, sempre perse-guido pela ideia de ingressar no seminário e seguir a vida sacerdotal, aos 30 anos, ganhou coragem, deixou tudo e ingressou no Seminário. Durante os anos seguintes fez parte de um grupo de leigos (grupo Imaculada), cuja mis-são era levar a todo o mundo a devoção ao imaculado coração de Maria. Esta passagem intensificou o seu desejo. Em 2004 a vocação ao sacerdócio tor-nou-se clara e as dúvidas dissiparam-se. Depois de uma passagem por Roma, onde terminou o curso de Teologia, e devido ao relacionamento próximo com D. António Marto, acabaria por vir para a Diocese de Leiria--Fátima, a fim de terminar o tempo de preparação para a ordenação. No presente ano pastoral colabora com o pároco de Leiria e Cruz da Areia.

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FalecimentoPadre Manuel Ferreira

No dia 28 de Agosto, aos 93 anos, fa-leceu o padre Manuel Ferreira, na Casa Diocesana do Clero, em Fátima, onde residia. Natural de Casal dos Crespos, Ourém, era o sacerdote mais idoso da Diocese de Leiria-Fátima, e exerceu o

ministério durante 70 anos. O funeral realizou-se domingo, dia 29, na igreja paroquial de Nossa Senhora da Piedade, em Ourém, e a sepultura teve lugar no cemitério de Vale Travesso da mesma paróquia.

Filho de Luís Ferreira e de Maria Libânia, Manuel Ferreira nas-ceu em 12.04.1917 e foi ordenado sacerdote no Santuário de Fátima a 31.12.1939. Ao longo da sua vida ao serviço da Igreja, foi professor nos Seminários da Figueira da Foz e de Leiria, no Liceu desta cidade e em Ourém. Prestou serviço pastoral em várias paróquias, entre as quais se destacam Minde e Alqueidão da Serra onde foi pároco durante vários anos. Foi ainda capelão dos irmãos de S. João de Deus em Barcelos e no Telhal, e dos Irmãos Maristas, em Lisboa. Estudou psicologia no Instituto Superior de Psicologia Aplicada e leccionou na Escola do Ma-gistério de Leiria. Em 1987, deslocou-se para os Estados Unidos da América onde exerceu o sacerdócio junto dos emigrantes portugueses.

Nos últimos anos residia em Fátima, solícito sempre que algum colega, comunidade religiosa ou paróquia recorria aos seus serviços. Eram peculiares a satisfação com que usava o computador e a joviali-dade com que, já depois dos 90 anos, recorria ao correio electrónico e navegava na Internet.

Ao comunicar a passagem deste sacerdote para a eternidade, diocese de Leiria-Fátima agradece a Deus a vida e o longo e zeloso ministério que ele desempenhou em múltiplos campos e lugares. Aos familiares apresenta sentidas condolências e manifesta público reconhecimento e gratidão à direcção e pessoal da Casa Diocesana do Clero, pela pacien-te, dedicada e competente assistência prestada nos últimos anos da sua vida.

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Na homilia das exéquias, D. António Marto salientou o sentido da vida do irmão sacerdote ao afirmar que “o mistério da vida não está no facto de viver, mas na interrogação sobre: de que se vive, para que se vive, como se vive?”. O Pe Manuel valorizou a sua vida acreditando no objectivo muito particular que o ministério sacerdotal lhe conferiu. Co-mentando a 1ª leitura, o prelado incentivou a compreender a sabedoria divina de viver na verdade e na caridade, como forma de ir mais longe do que o horizonte humano. Não são o poder, as aparências ou os títulos que tornam o homem grande, mas a humildade e a generosidade de ser-viço gratuito e desinteressado. E retomando a 2ª leitura, convidou todos a contemplarem o mistério da vida como mistério de comunhão com Cristo e em Cristo, vivendo o dom de uma dimensão apenas acessível aos que n’Ele acreditam: “Quem crê nunca está só, nem na vida nem na morte” pois, como disse S. Paulo, “nem a morte nem a vida... nem coisa alguma poderá separar-nos do Amor de Deus (Rm 8, 38-39)”. Para o crente, a morte não é uma porta que se fecha, mas porta que se abre.

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Ondjoyetu (“a nossa casa”) lá fora e cá dentro...

Rumo à MissãoPorLuísMiguelFerraz

Decorreu no dia 11 de Julho a celebração de envio dos missionários do grupo Ondjoyetu que vão participar nas acções deste Verão. A Missa foi ce-lebrada num recinto ao ar livre, no Jardim do Visconde, na Barreira, com a presença de muitos elementos deste grupo missionário da diocese de Leiria-Fátima, bem como dos seus familiares e alguns amigos.

O padre Vítor Mira, responsável pela equipa, presidindo à celebração, salientou a importância da disponibilidade e da alegria que devem estar pre-sentes no coração de todos os cristãos para o anúncio do Evangelho. É nesse espírito que a jovem Elsa Pedro é enviada para o Sumbe, para uma missão de dois meses, enquanto uma dezena de outros membros serão enviados para uma missão em território nacional, no Alentejo.

A propósito desta celebração, fomos conhecer melhor os projectos do gru-po Ondjoyetu para este Verão, numa altura em que passa o 10.º aniversário da sua Missão em Angola. Fizemos também uma entrevista à jovem Elsa, que estava de partida para aquela missão mais distante.

Missão no AlentejoDe 7 a 15 de Agosto decorrerá na Aldeia da Mata, concelho do Crato, uma

semana missionária conduzida pelo Grupo Missionário Ondjoyetu.No ano passado, nesta localidade do Alto Alentejo, o grupo havia realiza-

do a mesma actividade. O balanço foi de tal maneira positivo que, com água na boca, se decidiu voltar. Já acontecera o mesmo em anos anteriores com a comunidade do Crato.

A preparação da semana vem a decorrer há algum tempo, em coordenação com os padres Paulo e Rui, responsáveis pela comunidade, e, a preparar o terreno, como costuma dizer-se, o grupo já foi visitar a comunidade.

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As semanas têm sempre uma temática de fundo. Este ano, partindo da ex-periência que os membros do grupo fizeram na nossa diocese, tem a ver com o fortalecimento da consciência comunitária. Pretende-se ajudar a perceber a importância de participar na vida da comunidade e como esta só se pode construir com essa participação.

Entre as acções previstas contam-se uma reunião com grupos, por famí-lias, à noite, para debater a temática de fundo, visitas, durante o dia, às famí-lias, doentes e lares de idosos, e algumas actividades com as crianças, além de outras formas pontuais de interacção, como uma procissão e uma vigília de oração missionária.

Esta semana missionária é muito oportuna e percebemos a importância que lhe dão as pessoas que recebem este grupo. Numa zona bastante despo-voada e envelhecida, as pessoas sentem esta actividade como uma lufada de ar fresco no quente Verão que costuma caracterizar o Alentejo.

O grupo é constituído por onze leigos, desde jovens a gente com mais anos; participam solteiros e casados e até os dois membros de um casal, que aproveitam o tempo das suas férias para dar um pouco de si, numa atitude de testemunho cristão.

A primeira vez que uma semana deste género se realizou foi no ano de 2002, em S. Martinho das Amoreiras, baixo Alentejo. Ao preparar-se o Pro-jecto ASA desse ano, houve a percepção de que, sendo o Ondjoyetu um grupo missionário, o mesmo não podia preocupar-se apenas com os que estavam distantes, e seria bom desenvolver também alguma actividade junto de quem estivesse mais próximo. Por outro lado, alguns elementos do grupo que nessa altura não podiam ir a Angola, teriam, deste modo, uma oportunidade se en-volverem numa acção missionária concreta.

Durante muitos anos a irmã Nancy foi a alma desta semana, acompanhan-do este grupo. A semente que deixou foi tão boa que, apesar da sua ausência, a actividade ganhou raízes que, cada ano, vão mais fundo.

Missão em Angola dez anos depoisO ano de 2000 marcou o arranque de um percurso que mal se imaginava

onde podia realizar.O “pontapé de saída” aconteceu com um encontro que teve lugar em Re-

gueira de Pontes, em Agosto de 1999. Um grupo de jovens de Créteil (Fran-ça), na maioria filhos de emigrantes da nossa região, tinha realizado uma experiência de um mês de voluntariado na diocese de Menongue, Angola, no Verão de 1998.

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Desejando partilhar a sua experiência com outros jovens, propôs este en-contro. A partir daqui formou-se o grupo missionário diocesano de Leiria-Fá-tima, ainda sem nome. Num dos seus primeiros encontros esteve D. Benedito Roberto, bispo do Sumbe, diocese na qual tinha trabalhado o P. Vítor Mira como padre “Fidei Donum” durante três anos e meio.

O prelado angolano manifestou o desejo de que o grupo que se estava a organizar para partir em missão fosse para a sua diocese, o que foi bem acolhido por todos.

Nesse primeiro ano, oito voluntários estiveram em terras angolanas du-rante dois meses, colaborando com os missionários que lá se encontravam. Quatro estiveram na Gabela e outros tantos no Sumbe.

D. Benedito Roberto pediu que a experiência não ficasse por ali, mas e, se possível, se caminhasse para uma colaboração mais estreita. O grupo mis-sionário aceitou o desafio. Por isso, até ao ano 2005 sempre enviou, no tempo das férias, grupos de voluntários missionários para trabalhar na diocese do Sumbe, num total de 25.

Entretanto, o grupo foi crescendo, foi-se estruturando, escolheu o seu nome “Ondjoyetu”, que na língua Umbundo que quer dizer “A Nossa Casa” porque o seu objectivo é colaborar para que o mundo seja uma casa para to-dos e onde todos se sintam bem; um ideal que, apesar de ser utópico, é como um íman que faz caminhar e permite deixar pelo caminho sinais e gestos de verdadeiro amor.

Durante estes anos o trabalho dos grupos que se deslocaram a Angola começou a orientar-se para a comuna do Gungo, uma vasta área montanhosa muito isolada e pobre.

Todo este processo e aproximação levaram a que a ideia, inicialmente vaga, de uma possível geminação fosse ganhando mais força. Mediante o interesse dos dois bispos e consultadas as respectivas estruturas diocesanas, a geminação foi assinada a 25 de Março de 2006, e tornada pública a 23 de Abril desse ano, com a presença dos dois bispos, D. Serafim Silva e D. Be-nedito Roberto.

A equipa missionária que já se vinha a formar e organizar partiu para Angola a 2 de Agosto desse ano 2006, e foi apresentada oficialmente à comu-nidade do Gungo no dia 20 do mesmo mês. No primeiro ano a equipa teve como prioridade a construção da casa de apoio, na cidade do Sumbe. A partir de Julho de 2007 os missionários de Leiria-Fátima passaram a dedicar-se ao trabalho missionário no Gungo na sua vertente pastoral e também social, que por ali se completam muito.

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O P. David Nogueira é o responsável por esta equipa desde o início. Com ele têm colaborado leigos, mais e menos jovens que, por períodos que têm ido de um mês a dois anos, têm dado algum tempo das suas vidas a esta missão. Este testemunho missionário só tem sido possível graças à participação da nossa diocese de Leiria-Fátima (mas também a muitas outras pessoas que boa vontade) a qual, dinamizada pelo Grupo Missionário Ondjoyetu, acompanha e dá apoio a este trabalho missionário.

As sementes do amor de Deus vão caindo pelas terras do Gungo e de Angola. Algumas já deram frutos, mas acreditamos que muitas outras ainda vão levar tempo a germinar.

Entrevista Elsa Pedro, na partida para o Sumbe“É principalmente por amor”

A jovem missionária Elsa Pedro, de 22 anos, da paróquia dos Milagres, partiu a 13 de Julho, por dois meses, para a Missão do Gungo. Estudante de Fisiotera-pia, em Lisboa, pertence ao Gru-po Missionário Ondjoyetu desde 2008. Já participou na semana missionária no Alentejo, em 2009, e faz parte dos visitadores do Esta-belecimento Prisional de Leiria, há cerca de dois anos, através de “Os Samaritanos”.

Antes da partida, fomos saber das suas motivações e expectativas para a experiência que irá desen-volver na diocese do Sumbe.

O que te fez partir em Missão? Que sentimentos te movem? Porquê dois meses?

São muitos os sentimentos, mas é principalmente por amor. Por este amor de Deus que a cada dia vai crescendo em mim, na minha vida, sinto a neces-

LMFerraz

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sidade de retribuir entregando um pouco da minha vida à Missão. Sei que dois meses não é muito para as necessidades daquele povo, mas será o meu pequeno contributo, a minha gota de água no meio de um oceano imenso e acredito que a junção de todas as gotas de água pode fazer a diferença.

Achas que a formação antes da partida é importante?A formação é muito importante para qualquer cristão, sendo um momento

de partilha e testemunho que enriquece o nosso ser. Para quem decide ir em Missão, é fundamental pois ajuda-nos a aprofundar a fé e a discernir sobre os verdadeiros motivos de partir.

Que tipo de trabalho vais desenvolver?Estou disposta a fazer o que for necessário, dando apoio à equipa que

já está no coração da missão e integrando os projectos que o grupo tem de-sempenhado de forma permanente com aquele povo, tanto na área da saúde, catequética, trabalho com os jovens, formação na culinária, etc.

Achas que o trabalho dos missionários no Gungo é importante?O trabalho dos missionários no Gungo é muito importante, visto ser um

povo que apresenta algumas dificuldades. É como se cada um de nós regasse a sua semente para conseguir poder vir a dar frutos para que aquele povo se torne auto-sustentável.

As dificuldades dos missionários ou as diferenças culturais fizeram-te alguma vez duvidar?

Não, Entregando-nos por amor a esta missão, que é de Deus, não devemos ter medo nem duvidar.

Sinto-me preparada para me entregar totalmente à missão e ao povo do Gungo.

Angola é um país de contrastes, onde a guerra deixou repercussões muito fortes. Irei encontrar um povo que tem uma cultura e hábitos diferentes, e apresenta algumas dificuldades, mas que tem o coração aberto para receber e partilhar novos conhecimentos.

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Serviço Diocesano de Catequese“Catequese e compromisso sócio-caritativo”

Na manhã de 3 de Outubro, decorreu no Colégio da Cruz da Areia, em Leiria, o Encontro Diocesano de Catequistas com o tema “Catequese e com-promisso sócio-caritativo”.

Após breve apresentação dos participantes, D. António Marto presidiu à e oração, que foi como que um fôlego e incentivo assente sobre a vocação e missão do catequista, e o seu papel na comunidade, na perspectiva do com-promisso sócio-caritativo.

Depois, o padre José Henrique, director do Serviço Diocesano de Ca-tequese, orientou os catequistas para um trabalho de grupos. Divididos por anos, cada grupo procurou perceber o que o respectivo catecismo apresenta como possibilidades de reflexão e acção para trabalhar o tema anual.

Neste trabalho, depois apresentado aos restantes catequistas, ficou claro que a caridade é “uma componente indispensável” no caminho de iniciação cristã e está necessariamente presente nos 10 anos do itinerário da catequese da infância e adolescência.

O encontro revelou ser verdadeiramente importante para o crescimento dos catequistas. Houve partilha de experiências e novas ideias por todos os elementos, sempre com a finalidade de melhorar a missão e de servir melhor as crianças e adolescentes da diocese de Leiria-Fátima.

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Serviço Diocesano de Animação VocacionalFormação “Chama que Chama”

Objectivos- Possibilitar a tomada de consciência e o apreço pelo própria vocação.- Promover a disponibilidade para ajudar outros na descoberta e resposta

à própria vocação.- Preparar para o ministério de animador vocacional, oferecendo conheci-

mentos e indicando instrumentos.

Destinatários- Membros dos grupos paroquiais e vicariais da animação vocacional.- Catequistas e animadores de grupos de jovens e de adultos.- Padres, religiosos e leigos interessados na animação vocacional.

InscriçõesNo início da escola “Razões da Esperança”, a 28 de Setembro, indicando

esta formação para a animação vocacional.

Enquadramento e calendário:- Formação integrada na Escola “Razões da Esperança”- De Outubro a Maio, quinzenalmente, às terças-feiras, no Seminário de

Leiria: na primeira hora (das 21h00 às 21h50) os participantes assistem à formação teológica geral; na segunda hora (das 22h00 às 23h00), tem lugar a formação sobre animação vocacional.

- Datas: Outubro, 16 e 26; Novembro, 9 e 23; Dezembro, 14; Janeiro, 4 e 18; Fevereiro, 1 e 15; Março, 1, 15 e 29; Abril, 12; Maio, 3, 17 e 31; Junho, 7 (encerramento).

ProgramaI Semestre: Vocação e animação vocacionalTema 1: Conceitos, objectivos e programaMÓDULO I: VOCAÇÃO E PROJECTO PESSOAL DE VIDATema 2: Vocação pessoalTema 3: Itinerário e projecto de vidaTema 4: Oração e maturidade espiritual

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Tema 5: As mediações na vocação (pessoal, familiar e comunitária)MÓDULO II: DA VOCAÇÃO À PRO-VOCAÇÃOTema 6: O papel dos animadoresTema 8: Espaços, caminhos e meios de animação vocacionalTema 9: Desafios e propostas

II Semestre : O acompanhamento no caminho vocacionalMODULO I: CONCEITO E MODELOTema 1: O que é o acompanhamento vocacionalTema 2: O início do caminho vocacional: do despertar à decisão pessoalTema 3: Ícones bíblicos do acompanhamentoMÓDULO II: O ACOMPANHANTETema 4: Quem acompanha e comoTema 5: Características da relação de ajudaTema 6: Acompanhamento pessoal e de grupo - semelhanças e diferençasMÓDULO III: O ACOMPANHADOTema 7: Aspectos psicológicos e espirituaisTema 8. Identificação do chamamento de Deus e resposta pessoal

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Mosteiro da Visitação da Batalha

Momentos de festaIrmãsdoMosteirodaVisitação

Profissão Solene da Irmã Rita MariaA vida ainda oferece alegrias, dias de festa, sorrisos dilatantes e bem-estar

espiritual. Não duvidamos, e disso tivemos prova no dia 5 de Outubro. Relatamos o acontecimento e queremos pôr em relevante Acção de Gra-

ças o que este dia foi para esta Comunidade.Tendo terminado o prazo dos seus Votos Temporários, a Irmã Rita Maria

foi admitida pelo Capítulo da Comunidade aos Votos Perpétuos Solenes. Es-colheu o dia 5 de Outubro, por ser o dia mais próximo da data que marcava a sua primeira Profissão. E foi também por ser dia feriado, havendo mais possi-bilidade de assistência dos fiéis, como a Santa Igreja o recomenda e também para os seus familiares e amigos poderem assistir.

Pelas 15h00 começou a Eucaristia, na qual a nossa Irmã iria juntar ao Sacrifício do Senhor o seu próprio sacrifício. E fê-lo em júbilo, consciente do que Deus lhe pedia e disponível para a generosidade, para o dom completo. Ainda nos seus 38 anos, está pronta para saber dar e saber receber...

Presidiu à cerimónia religiosa Monsenhor Luciano Guerra, que concele-brou com mais 4 sacerdotes e nos deliciou espiritualmente com a sua homilia.

A Noviça saiu da clausura para, no Presbitério, fazer a sua Profissão de Votos Solenes. A liturgia deste evento é bastante extensa, mas não cansa. E não cansa principalmente aquelas que, com a Professa, estão a reviver mo-mentos que elas mesmo já viveram...

Terminada a Santa Missa, os convidados fizeram honra ao “Copo de Água” que a neo-professa quis oferecer.

A Comunidade agradece todas as presenças amigas que quiseram estar em união connosco. E pede uma aspiração ao Senhor por esta nossa Irmã, e para que outras queiram participar da sua alegria, imitando-a... Glória a Deus por este dia!

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Profissão Solene da Ir. Sílvia MariaMediaram apenas 20 e poucos dias entre a Profissão Solene da nossa Irmã

Rita Maria e da nossa Irmã Sílvia Maria.Porque não as duas festas no mesmo dia? Por conveniência, que se deduz

facilmente.No dia 31 de Outubro viu a Nossa Irmã Sílvia Maria os seus desejos

satisfeitos a sua felicidade ao alcance da mão. Mas a Irmã Sílvia Maria quer apresentar o seu testemunho:

“Eu pertencia à Comunidade Neocatecumenal da Brandoa. Aí a minha Fé se aprofundou, de modo particular estudando a Palavra de Deus e vivendo a Eucaristia. Outros meios de formação me levaram a um maior conhecimento de Jesus Cristo. Cheguei até a compreender bem que Deus conduzia a minha história, que me amava e queria que eu colaborasse com Ele na salvação da humanidade, através do testemunho da Oração e aceitação da Sua Vonta-de. Desde há anos sentia o desejo de me entregar ao Amor que se entregou por mim e todos nós. Queria concretizar este desejo consagrando-me a Deus numa Ordem contemplativa. Tentei fazê-lo, mas a idade já avançada não o permitia. Aos 70 anos entrei em contacto com as Irmãs Clarissas, que não me puderam receber. Indicaram-me, no entanto, a Ordem da Visitação de San-ta Maria. Falei com estas Religiosas ainda nessa semana. Convidaram-me a fazer, entre elas, uma experiência vocacional. Estive oito dias no Mosteiro e senti que era ali o meu lugar. E isto sem dúvida alguma da minha parte. Saí então, e dois meses depois voltei ao Mosteiro. Fiz o meu tempo de noviciado, depois os votos temporários, sempre muito alegre e feliz. O tempo passou e chegou o dia mais belo, o dia de pronunciar os meus Votos Religiosos de Cas-tidade, Obediência e Pobreza, por toda a vida, ao serviço da Igreja e da comu-nidade universal. Faltava-me a aceitação desta comunidade para a Profissão Solene e a aceitação da Santa Igreja, sinal que Deus me aceitava como esposa de Jesus Cristo, para colaborar na obra de salvação da humanidade e glória de Deus, pela oração e aceitação da sua vontade. Foi para mim o dia mais feliz, porque se realizou o meu sonho: entreguei-me Àquele que se entregou por mim! Como gostaria que o meu testemunho de entrega voluntária, consciente e responsável, tocasse muitos corações de jovens e adultos, quer para o sacer-dócio, quer para a vida contemplativa. Se ouvirdes o apelo de Jesus: ‘Vem e segue-Me’ – sede generosos. Deus precisa de vós, o mundo precisa de novos evangelizadores, a Igreja nossa Mãe precisa de santos!”

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Depois do testemunho da nossa Irmã Sílvia Maria, as suas Irmãs Religio-sas querem dar testemunho dela ou melhor, querem louvar e agradecer a Deus por este membro que fez aumentar o número de Professas nesta comunidade.

É a nossa irmã uma dessas pessoas que sabe amar a Deus e ao próximo. Tem gosto em fazer feliz quem a rodeia. Sempre alegre, a sua jovialidade não sente o desgaste dos anos, nem as inevitáveis dificuldades que a vida apresenta. A sua pouca saúde também não faz sombra à sua constância e franca boa disposição. Trabalha muito, não se poupa, sabe actuar em qualquer campo, pronta para tudo o que parece difícil e às vezes o é. Mas leva tudo a bom termo. A sua piedade, a sua doação a Jesus e Maria, são as fontes da sua coragem.

Deus seja bendito por esta nossa Irmã! Que Ele a conduza a um grau de santidade muito elevado.

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Entrevista ao reitor, padre Armindo Janeiro

O Seminário de Leiria-FátimaInOMensageiro

De 7 a 14 de Novembro, celebrou-se em todas as dioceses de Portugal a Se-mana dos Seminários. Foi uma ocasião para dar a conhecer esta instituição, re-forçar a oração pelos seminaristas, for-madores e pessoal auxiliar, bem como promover a ajuda financeira, materia-lizada de forma especial nos ofertórios das celebrações.

Esta é uma iniciativa anual, que visa sensibilizar as comunidades cristãs para a importância do Seminário como espaço privilegiado para a formação daqueles que são chamados a servir a Igreja como presbíteros. Formação que

tem como pilares fundamentais as vertentes humana, espiritual, intelectual e pastoral. Inspira-se na eclesiologia de comunhão, emanada dos documen-tos conciliares do Vaticano II, e tem como expressão uma Igreja ministerial edificada na unidade do Espírito e na pluralidade de dons e ministérios, que o mesmo Espírito suscita para o serviço da sua missão, entre os quais se en-contra o ministério presbiteral.

Numa expressão de D. Alberto Cosme do Amaral, o seminário é a “me-nina dos olhos da Diocese”. E se durante muito tempo estes olhos estiveram bem vivos e abertos, não podemos negar que outros momentos houve em que se fecharam de forma lenta. Actualmente, o seminário de Leiria-Fátima está a passar por profundas mudanças, que vão desde a estrutura do edifício à modalidade de formação dos alunos. Uma reestruturação que requer cola-boração de todos.

Estivemos à conversa com o reitor, padre Manuel Armindo Pereira Janei-ro, para conhecermos melhor as pessoas e a estrutura actual.

DR

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Quantos alunos tem a Diocese actualmente no Seminário e como estão distribuídos?

Neste momento, estão dez alunos a viver o tempo de Seminário: um em estágio (Patrício Oliveira), outro no ano pastoral (Miguel Alves), qua-tro no Seminário Maior (António Cardoso, João Jordão, Tiago Silva e Fábio Bernardino) e quatro no ano propedêutico (Dany Gil, Eduardo Caseiro, João Paulo e Paulo Jorge).

O ano propedêutico conta ainda com mais quatro alunos, dois de Coimbra, um de Aveiro e outro de Évora.

O perfil dos seminaristas tem mudado nos últimos anos? Que rapazes procuram actualmente o seminário?

Nos últimos cinco anos, cerca de metade dos que chegaram ao ano pro-pedêutico eram jovens adultos, com uma experiência de vida muito diferente dos que antes vinham do Seminário Menor. A maioria foi acompanhada pelo Pré-Seminário. Alguns, por outras formas de acompanhamento no discerni-mento vocacional propostas pelas dioceses.

Quanto aos que procuram o Seminário, não há propriamente um modelo; cada um tem a sua história, que é única e irrepetível. As motivações são vá-rias, mais ou menos claras, e, por vezes, ancoradas em dimensões segundas do mistério cristão. Alguns levaram muito tempo a decidir-se, outros tiveram de vencer grandes obstáculos para aqui chegar.

Nesta longa caminhada, muitos acabaram por cristalizar o seu modelo de padre, que agora tem de ser repensado à luz da proposta que a Igreja faz a todos os candidatos ao sacerdócio. Este é o trabalho do Seminário e, em concreto, do tempo propedêutico.

Qual o projecto actual da formação dos candidatos ao sacerdócio? O projecto de formação para o ministério ordenado brota da renovação

conciliar (1962-65) e foi actualizado na exortação apostólica pós-sinodal “Pastores dabo vobis”, que João Paulo II dirigiu ao episcopado, clero e fiéis sobre “a formação dos sacerdotes nas circunstâncias actuais”. No número 57, diz que “toda a formação dos candidatos ao sacerdócio é destinada a dispô-los de modo particular para comungar da caridade de Cristo, Bom Pastor”.

Deste modo se retoma a afirmação do decreto conciliar “Optatam totius”, número 4, relativamente aos seminários maiores: “a educação dos alunos deve tender para o objectivo de formar verdadeiros pastores de almas, se-gundo o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo, mestre, sacerdote e pastor”.

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Por isso, o tempo de Seminário é a grande oportunidade, oferecida a to-dos os candidatos ao sacerdócio, para contemplarem e se identificarem com Cristo, que lhes revela o rosto do Pai. Daqui nasce e se estrutura uma resposta pessoal, mediada pelos projectos educativos específicos, segundo as diferen-tes realidades e carismas eclesiais, para o serviço do Reino Deus.

As actuais circunstâncias parecem levar a um maior desenraizamento dos seminaristas e do Seminário em relação à Diocese. Como se procura solucionar este problema?

A história mostra que a instituição Seminário é uma das que mais está sujeita às mudanças sociais, culturais e eclesiais. E o ritmo das mudanças au-mentou nos últimos tempos! Basta recordar as diversas configurações pelas quais passou o nosso Seminário, depois da abertura do actual edifício, em 1965.

Mas, para que algo mude, é preciso que uma realidade mais profunda permaneça e suporte essa mudança. No caso do Seminário, ele é suportado pela consciência de pertença a esta porção do Povo de Deus que é a diocese de Leiria-Fátima. Trata-se, por isso, de encontrar, no presente, as formas de relação mais adequadas.

Nos últimos cinco anos, foram lançadas dinâmicas de acompanhamento de adolescentes, jovens e adultos que têm crescido de uma forma consistente.

Em relação aos alunos do Seminário Maior, eles passam os fins-de-sema-na na Diocese. Este ano, por exemplo, acompanham os padres do Seminário no trabalho de sensibilização das comunidades cristãs e, sobretudo, dos seus membros mais jovens, para o ministério ordenado.

A Diocese vive a realidade do Seminário? Sente-o como seu?Vive, mas não chega!Não basta preocupar-se com o Seminário, é preciso que esta preocupação

se torne operativa e assim cresça o número daqueles – e há já um número significativo! – que se ocupam e cuidam da instituição central da vida da Diocese.

Esta mudança, no entanto, não se faz por decreto, implica conversão pes-soal e um outro compromisso eclesial. É uma obrigação de todos, mas, como o fermento na massa, precisa do testemunho e iniciativa daqueles que sentem intimamente a importância desta causa…

O Seminário é também o reflexo do estado espiritual da nossa Diocese, nos seus diversos dinamismos.

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Em termos de futuro, quais as perspectivas, projectos e planos para a formação dos seminaristas?

Embora tenhamos de atender sempre à situação específica de cada adoles-cente, jovem ou adulto, a proposta comum passa pelo que está organizado na Diocese (Pré-Seminário e Propedêutico) e em Lisboa (Seminário e Faculdade de Teologia da Universidade Católica), para onde passaram este ano os alu-nos do Seminário Maior.

Para os adolescentes, olhando para o percurso feito nos últimos cinco anos e tendo em conta a reacção positiva dos que estão mais adiantados em relação à possibilidade de reabertura do Seminário Menor, a partir do 10.º ano de escolaridade, parece-nos que esse dia não tardará muito. Outras dioceses já o fizeram antes de nós. Será, pois, mais uma proposta de acompanhamento no discernimento vocacional de adolescentes, a juntar aos dois grupos exis-tentes, de cerca de vinte elementos cada.

Que outras formas de formação vão sendo experimentadas lá fora? Não há aqui espaço para elas?

No caso dos jovens, o caminho proposto pelo Concílio e que se tem vin-do a percorrer em outros contextos eclesiais, passa pelo aprofundamento da experiência do tempo propedêutico, seguindo-se, depois, o Seminário Maior.

No que diz respeito aos adultos, como já estamos a fazer num grupo de discernimento vocacional específico, cada caso é acompanhado pessoalmen-te e, tendo em conta a situação de cada um e o sentir da Igreja sobre a for-mação dos candidatos ao sacerdócio, procuramos delinear um projecto de formação, em diálogo com o nosso Bispo, que leve à identificação com Cristo Bom Pastor. Este projecto implica sempre a formação teológica superior e a experiência da vida comunitária sacerdotal.

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Entrevista ao director do Pré-Seminário

O renascer da EsperançaInOMensageiro

O Pré-Seminário da Diocese de Leiria-Fátima é uma instituição in-tegrada na estrutura do Seminário Diocesano, constituída no ano pastoral 1994/95, sendo então director o padre Rui Acácio Amado Ribeiro. Nos pri-meiros anos, passaram também pela direcção deste serviço os padres José Baptista e Nelson Araújo.

Ao longo destes 13 anos, o Pré-Se-minário trilhou um percurso bastante ir-regular, pela indefinição quanto ao seu responsável, por opção da Diocese em prescindir deste serviço, por resultados imediatos em número de participantes pouco animadores...

Em 2003/04, houve uma iniciativa por parte dos Seminaristas Maiores em manter viva esta estrutura, o que se materializou na dinamização de um encontro com os rapazes que nos anos anteriores tinham sido acompanhados pelo Pré-Seminário.

No ano 2006/2007, os padres André Batista e Armindo Janeiro (reitor do Seminário), com a colaboração de outros sacerdotes da Diocese (José Batista, Albino Carreira, Nelson Araújo, Pedro Viva, Rui Ribeiro) promoveram sete encontros vocacionais mensais, aos primeiros sábados de cada mês, e um acantonamento final, como resposta possível ao apelo lançado pelo Bispo diocesano, em sintonia com o Projecto Pastoral em curso, na procura de uma maior dinamização da pastoral vocacional.

Participaram nestes encontros, ao longo do ano, 80 rapazes, vindos de 25 paróquias.

DR

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Na Carta Pastoral “Descobrir a Beleza e a Alegria da Vocação Cristã”, D. António Marto escrevia, no número 4.2, a propósito de um acompanhamen-to vocacional a realizar em cada idade: “Temos ainda o “pré-seminário” ou “seminário em família”, como itinerário vocacional específico de acompa-nhamento, orientação e discernimento para os que se propõem entrar para o Seminário Maior em ordem ao sacerdócio”. Na Carta Pastoral “Testemunhas da Ternura de Deus” (n. 4.3), volta a fazer referência ao Pré-Seminário, com a linha de acção “Incrementar o Pré-Seminário para os interessados no dis-cernimento da vocação sacerdotal”.

Foram dois apelos lançados pelo Pastor, para que fosse criada esta estru-tura para acompanhar quem quer acolher em si o dom da vocação ao sacer-dócio.

Actualmente, a estrutura do Pré-Seminário na diocese de Leiria-Fátima apresenta uma dupla face: grupo “Samuel”, para rapazes que frequentam do 6.º ao 8.º ano de escolaridade; grupo “S. Paulo”, para os rapazes mais velhos, com uma proposta mais estável e com mais maturidade.

O actual director é o padre André Baptista, com quem estivemos à con-versa.

Quantos rapazes fazem a formação do Pré-Seminário?Neste momento, mantemos o contacto com 80 rapazes. Contudo, este

número inclui aqueles que frequentaram apenas um ou outro encontro, sem continuidade. Podemos referir o número de 35 como referência dos rapazes que frequentam o Pré-Seminário com mais assiduidade.

Como está organizado e quais os projectos ou esquemas de formação? O Pré-Seminário está organizado em dois grupos, que se distinguem pe-

las idades: o grupo “Samuel”, que se reúne no primeiro sábado de cada mês, para quem frequenta do 6.º ao 8.º ano da escola; e o grupo “S. Paulo”, para adolescentes do 9.º ao 12.º ano de escolaridade.

É nesta distinção que nos baseamos para diferenciar as propostas formativas. O primeiro grupo tem os seus encontros apenas durante o dia de sábado, ao passo que os encontros do grupo mais velho decorrem ao longo de todo o fim-de-semana. A estes, propomos ainda uma recolecção duran-te o tempo da Quaresma, uma oportunidade para dialogarem pessoalmente connosco e para a vivência em conjunto de algumas celebrações da Semana Santa. Este ano haverá ainda alguns encontros específicos para quem fre-quenta o ensino secundário.

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Anualmente, definimos a orientação dos temas desenvolvidos nos encon-tros a partir do tema e das orientações diocesanas. Este ano, o tema será: “Seminário, casa e escola de caridade”.

Sente que o Pré-Seminário é reconhecido como espaço de formação para o sacerdócio, tanto pelos rapazes, como pelas suas famílias?

Sinto que os pré-seminaristas mais novos frequentam os encontros, mui-tas vezes, pelas actividades que propomos e pelo convívio. Contudo, à me-dida que vão crescendo e vão tendo que fazer algumas opções, vão também tomando maior consciência do que implica ser pré-seminarista, enquanto os coloca já na perspectiva do sacerdócio.

As famílias, concretamente, os pais, acompanham este trajecto.

Quais os planos de futuro?O Pré-Seminário tem sido uma realidade bastante dinâmica nos últimos

anos, adaptando-se à necessidade de dar resposta aos grupos que se vão for-mando, consoante a prevalência de determinadas idades. Este ano, como exemplo, deparando-nos com um acréscimo do número de pré-seminaristas do 10.º ano, optámos por propor alguns encontros destinados particularmente a estes.

Penso, contudo, que devemos ainda aprofundar a relação pessoal, ao es-tilo da direcção espiritual, e a relação com as famílias dos pré-seminaristas.

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Reflexões. teologia / pastoral . história .

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Elementos da história do episcopado leiriense de D. Frei Gaspar do Casal(1557-1579)SaulAntónioGomes

Os elementos documentais que partilhamos com o leitor, neste momento1, permitem confirmar a relevância do episcopado leiriense de D. Frei Gaspar do Casal. “Um dos mais ilustres prelados leirienses”, assim o denomina, com justiça, o Cónego Luciano Coelho Cristino em texto que recentemente lhe dedicou2. D. Frei Gaspar do Casal episcopou a Diocese de Leiria entre os anos de 1557 e 1579.

A herança patrimonial de D. Frei Gaspar do Casal é, ainda hoje, determi-nante na paisagem histórica de Leiria. Foi por seu impulso que se começa-ram, a fundamentis, as obras de construção da Sé catedral de Leiria, incluin-do a sacristia e alguns aposentos capitulares, tendo-se dado início, ainda, ao claustro, senão o atual, pelo menos um primeiro projeto anexo ao templo3. Reformou e ampliou os aposentos episcopais, localizados junto ao antigo paço régio situado a par de S. Pedro, e a respetiva “cerca”, reergueu a capela de Nossa Senhora dos Anjos, nas imediações do rossio da cidade, e restaurou a igreja paroquial de Santo Estêvão que ameaçava ruína. Foi também por sua

1 Quero agradecer, muito penhoradamente, ao Dr. Pedro Pinto, do Centro de Estudos Históricos, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, a gentileza da indicação, e depois ajuda na reprodução, do documento que, neste artigo, vai editado com o número 3.

2 Luciano Coelho Cristino, “A Diocese de Leiria-Fátima”, in Catedral de Leiria. História e Arte (Coord. Virgolino Ferreira Jorge), Leiria, Diocese de Leiria-Fátima, 2005, pp. 47-82: 53-54.

3 “Porquanto esta nossa Seé está muito bem acabada em as couzas do corpo da igreja, e sancrestia, e cazas do thizoureiro, e caza do Cabido, e outra caza necessaria, e todas as paredes da crasta alevantadas e todos com porta e chave, e todas as frestas da igreja tem enceradas. E o recheio do cadeiral. E tem muita prata para o serviço do santo culto divino, e muitos velhos que tinha e muitos novos que se fizerão de novo. De modo que muito decentemente se podem celebrar e celebrão em ella todos os santos officios divinos (...).” (Doc. 3).

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iniciativa, e para proveito espiritual do povo cristão e “honra e nobreza” da cidade, que se fundou e levantou o Convento de Santo Agostinho, junto ao Olival do Papel.

Fora da cidade, promoveu obras nas igrejas paroquiais de S. Simão de Vila Galega, S. João de Espite, de Pataias, do Vermoil e de Santa Catarina da Serra. Remodelou, também, os limites de algumas das dezasseis freguesias ou paróquias com que contava a Diocese no seu tempo, em ordem a que os paroquianos pudessem beneficiar dos sacramentos mais cómoda e pronta-mente4.

Os templos que D. Frei Gaspar do Casal fez edificar em Leiria represen-tam muito bem a noção que o prelado tinha do seu múnus, quer enquanto bispo apostólico, fiel e obediente ao papa romano, quer enquanto súbdito e, de algum modo, “feitura”, do rei D. João III e seus sucessores, denunciando, ainda e finalmente, a sua intencionalidade em, na grandeza desses edifícios que tanto enobreciam Leiria, afirmar a dimensão pretendida para o seu po-der episcopal. Um poder episcopal mensurado no território da sua diocese, mas também dialogante e concorrente com os demais poderes diocesanos portugueses face aos quais, de algum modo, urgia consolidar, pelo prestígio, temporal e espiritual, a novel cátedra que D. Frei Gaspar do Casal ocupara.

Os documentos aqui publicados elucidam bastante bem a ação reforma-dora e esteticamente atualizadora deste prelado na nova cidade de Leiria. Estatuto citadino que lhe foi concedido, como se sabe, na sequência e como consequência da sua elevação a sede de bispado, em 1545. Há que sublinhar que D. Frei Gaspar do Casal herdou, do seu antecessor, o ilustre D. Frei Brás de Barros, uma diocese num processo de consolidação institucional ainda frá-gil e carregado de dificuldades e obstáculos, suficientemente ponderosos, ali-ás, para terem motivado a renúncia ao bispado por parte do bispo fundador5.

4 “Que em augmento das casas pontificães fazendo muitas de novo e cercas e vinha, pumar e orta, e nora d’agoa em a cerca das ditas casas, e bem assi em as casas dos curas das igrejas de fora da cidade, scilicet, em São Simão de Villa Galega e em Espite e em Pataiãs, e em Vermoill, e em Santa Catarina da Serra, concertando-as de modo que o prelado possa pousar em ellas quando for visitar tem gastado da fazenda da mesa pontifical dous mill e tantos cruzados como constara pollos mesmo livros das despesas que se oferecerão em prova.” (Doc. 3).

5 Luciano Coelho Cristino, Op.cit., pp. 51-52; Afonso Zúquete, Leiria - Subsídios para a história da sua Diocese, Leiria, Gráfica, 1945, pp. 125-134; C. A. Dias dos Santos, “De reformador dos estudos a bispo de Leiria ou o itinerário de um contemplativo: D. Frei Brás de Barros”, in Leiria-Fátima. Órgão oficial da Diocese, 3 (8), Maio-Agosto 1995, pp. 335-354; Saul António Gomes, “A praça de São Martinho de Leiria do século XII à reforma de 1546”, in Mundo da Arte, 2ª série, Janeiro-Março 1990, pp. 68-77; Idem, “D. Frei Brás de Barros: elementos docu-

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A firmeza do carácter e a capacidade de perseverança de D. Frei Gaspar do Casal, todavia, explicam que ele não tenha capitulado perante as dificuldades e as críticas, algumas bem gravosas, aliás, que membros influentes do Cabido lhe levantaram persistente e reiteradamente.

Foi pouco depois de 1577, quando, com desacatos públicos, avançava fi-nalmente a edificação do Convento de Santo Agostinho de Leiria, no auge da violenta polémica que o Cabido da Sé sustentou contra o prelado, acusando-o de dissipar os bens do Bispado, que D. Frei Gaspar do Casal se viu transferi-do, se bem que enaltecido nessa decisão que teve óbvio acordo do Cardeal-Rei D. Henrique, para bispo de Coimbra. Mas só aparentemente o Cabido lei-riense podia, nessa mudança, julgar-se vitorioso, uma vez que D. Frei Gaspar do Casal, mesmo em Coimbra, nunca descurou o apoio a este seu convento de Eremitas de Santo Agostinho, no qual estabeleceu capela de missas por sua alma, tendo-lhe doado a sua biblioteca e dotado de património suficiente para a subsistência digna dos religiosos. A ele quis confiar, finalmente, a perpétua vigília dos seus restos mortais, como se verificou6.

De acordo com a documentação que ora se imprime, Gaspar do Casal é natural da atual cidade de Santarém. Pouco sabemos das suas origens familiares, se bem que o apelido Casal o possa entrelaçar com família de modestos pergaminhos7.

Em 1524, com doze anos e meio de idade - o que significa que nasceu por 1511 ou 1512 - ingressou no Convento dos Eremitas de Santo Agostinho de Santarém8. Neste convento professou, recebeu ordens e quis ser ordenado de bispo. Estudou na Universidade, ainda esta instituição se encontrava em Lisboa, na qual foi lente e se veio a doutorar, estando já o Estudo Geral se-deado em Coimbra, em Teologia, no ano de 1542. Foi presidente da Mesa de

mentais sobre o seu episcopado leiriense”, in Leiria-Fátima. Órgão Oficial da Diocese, Ano XVI, Nº 47, Janº-Junho 2009 [2011], pp. 185-248; Idem, “Diocese de Leiria – Contributos documentais para a sua história”, in Leiria-Fátima. Órgão Oficial da Diocese, Ano XVI, Nº 49, Janeiro-Junho 2010 [2012], pp. 109-140.

6 A trasladação dos seus restos mortais, do Colégio de Nossa Senhora da Graça, de Coimbra, para a capela-mor do Convento de Santo Agostinho de Leiria, concluiu-se no dia 15 de maio de 1596. Vd. Luciano Coelho Cristino, Op.cit., p. 54.

7 Seria neto de Valentim Gonçalves do Casal, senhor de Germinade e Mouril e ouvidor das terras da Casa do Infantado e primo de Vasco Fernandes do Casal, da criação do Infante D. Duarte. Tinha uma irmã. viva ainda em 1584, Maria Antunes do Casal, à qual o ilustre bispo leiriense alude no seu testamento desse ano (Doc. 3). Vd. Afonso Zúquete, Leiria..., p. 142.

8 Esta cronologia deriva da argumentação ou respostas de D. Frei Gaspar do Casal contra o Cabido de Leiria. Todavia, uma outra fonte que aqui igualmente se publica, mais tardia e para nós mais duvidosa, refere ter D. Frei Gaspar do Casal nascido em 1510, e professado na sua Ordem em 1522.

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Consciência e Ordens, pregador e confessar d’el-rei D. João III e da rainha D. Catarina. Nomeado bispo do Funchal, em 1551, viria a participar na segunda sessão do Concílio de Trento e, mais tarde, já ordinário de Leiria, ao lado de D. Frei Bartolomeu dos Mártires, arcebispo de Braga, e de D. João Soares, bispo de Coimbra, na terceira sessão, entre 1562 e 1563.

Neste ano de 1563 obteve um breve do papa Pio IV que o autorizava a dispor, para gastos particulares, de uma soma de dinheiro até sete mil cru-zados de ouro9. Dinheiro que angariou a partir de uma rigorosa e poupada administração das rendas e proventos da mitra de Leiria e que utilizou, so-bretudo, para financiamento das obras da Sé de Leiria, do Convento de Santo Agostinho desta cidade e enquanto prelado piedoso e esmoler.

Regressado de Trento a Leiria, onde entrou a 24 de fevereiro de 1564, participaria no Sínodo Geral de Lisboa, de 1574, convocado pelo arcebispo D. Jorge de Almeida, sendo, D. Frei Gaspar do Casal, entre os presentes, o prelado mais idoso. Transferido para a rica Diocese de Coimbra, em 1579, aqui veio a falecer, a 9 de Agosto de 1584, com 72 ou 73 anos de idade.

Ao tempo de D. Frei Brás de Barros, o Bispado de Leiria rendia uma con-fortável massa anual de dinheiro que se situava entre um milhão e duzentos a um milhão e trezentos mil reais. No governo do seu sucessor, a média anu-al desse rendimento atingia os cinco mil cruzados. A gestão regrada desses proventos, entre outras fontes de financiamento, permitiu a D. Frei Gaspar do Casal, como se referiu anteriormente, estruturar de forma mais eficaz a administração diocesana e pagar as avultadas despesas com a construção da catedral, e seu recheio ornamental, e, ainda, com as obras de fundação e edificação do Convento de Santo Agostinho.

A vida de D. Frei Gaspar do Casal foi profundamente marcada pelo apego do prelado ao modelo espiritual monástico, em que crescera, e pela experiên-cia do Concílio de Trento, de que foi um insigne participante e um verdadeiro paladino sobretudo enquanto exemplo de bispo “reformado”. Integrou o es-col de bispos modernos e reformadores, particularmente caros ao rei D. João III, recrutados em ambientes monásticos sobretudo mendicantes, casos esses, todavia, sempre singulares no tecido do episcopado português do tempo10.

9 Todavia, 9000 cruzados é a soma que o Bispo refere, no seu testamento, de 1584, ter-lhe sido autorizada por cartas apostólicas. (Doc. 3).

10 Vd. José Pedro Paiva, “A Diocese de Coimbra antes e depois do Concílio de Trento: D. Jorge de Almeida e D. Afonso Castelo Branco”, in Sé Velha de Coimbra. Culto e Cultura, Coimbra, Catedral de Santa Maria de Coimbra, 2005, pp. 225-253; Idem, Os Bispos de Portugal e do Império. 1495-1777, Coimbra, Imprensa da Universidade, 2006.

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Dele podemos escrever que viveu coerentemente a proposta, apurada em Trento, de um modelo de homem e de bispo católico reformado. Ao contrário da generalidade dos bispos-príncipes de antes e mesmo depois do Concílio, D. Frei Gaspar do Casal geria a sua mitra de forma austera e sem manifesta-ção de excessos. A sua casa episcopal era bastante modesta, rodeando-se o bispo, para o assessorarem nessa gestão, de três frades recrutados dentre os Eremitas de Santo Agostinho11. Era um prelado culto e zeloso, que concedia esmolas a pobres e a institutos de beneficência12, atento à ação da Misericór-dia local que procurava impulsionar e financiar13, conhecido pela sua hospi-talidade14, pela atenção que prestava aos mais frágeis mormente a raparigas

11 “Que o dito bispo nunqua teve em sua casa officiães ou pessoas a que dese ordenado em cada huum anno, como são veador, camareiro, estribeiro, tisoureiro, mantieiro, nem outros officiães alguuns que se custumão ter com partidos groços, e que sempre se servio com as pessoas de sua casa especial e principalmente com dous ou tres religiosos que tem cuidado della e da fazenda como irmãos e companheiros sem ordenado, nem premio alguum, recebendo e gastando com as chaves d’arca do deposito assi como se custuma em mosteiros de religião, de modo que todos os gastos que em estas cousas podera fazer licitamente, e segundo o comum custume, sarou fraudando o seu licito genio, como he notorio.”

12 “Que em obras pias se gasta e despende em cada huum anno de necessidade em o povo e pobres delle vinte e tres e vinte e quatro e vinte e cinquo moios de pam cozido que se reparte a sua porta. E bem assi daa em cada huum anno d’esmola aos religiosos de São Francisco huum moio de trigo, e meo alqueire de pam amasado de sua mesa cada dominguo. E as religiosas de Sancta Anna daa em cada huum anno huum moio de pam meado e azeite para o Sanctissimo Sacramento, todo ho anno. E vinte arates de carne cada somana ou o seo preço. E tudo isto afora outras esmolas particulares que se fazem a pessoas necessitadas que não vem a porta e afora muitas esmolas particulares de dinheiro que se dão a pobres do Bispado e a pobres de fora que passão continuamente, e que nunqua vão sem esmola.” (Doc. 3)

13 “Que para as obras da Misericordia ordinariamente cada anno lhe daa seis ou sete mill reais, ou o que parece necessario para ajuda da vestiaria dos pobres. E em cada dominguo lhe manda dar meo alqueire de pam cozido. E para necessidades grosas manda ajudar aos irmãos com as esmolas necessarias assi como fez para a sancristia que se fez de novo sendo provedor o arcediaguo e para se comprarem as casas que estavão junto e erão necessarias para // [Fl. 470v] a mesma casa sendo provedor Andre Diaz Preto. E per vezes tem mandado recado em tempo de necessidade ao provedor e irmãos para que avendo algumas necessidades em pobres aa que elle não posão acudir ho mandem dizer para elle os mandar prover. E asi se fez todas as vezes que ho mandarão. E este anno presente os irmãos lhe mandarão roguar que lhe mandase vender huum moio de triguo para os pobres, e elle lho mando dar de graça como outros annos tanbem fez.” (Doc. 3).

14 “Que a sua casa he de ordinaria hospedaria para todos os prelados e fidalguos e religiosos e pessoas nobres que por esta cidade passam. E que a esta conta se aparta ordinariamente muito triguo e cevada no celeiro e se gasta muito em aa sancta hospitalidade, que São Paulo gloriosso encomenda muito aos prelados.” (Doc. 3).

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órfãs que procurava ajudar dando-lhes dotes materiais15. Não é sem sentido que o seu epitáfio, na igreja do Colégio da Graça, em Coimbra, o proclamava como “pater pauperum”16.

Caracterizava-se, ainda, pelo zelo pastoral, visitando pessoalmente, na maior modéstia de aparato, as freguesias do seu Bispado, sem que deixasse de entender o culto divino e a liturgia como momentos maiores de expressão da Fé, valorizan-do, assim, pontificais, que celebrava amiúde, desde que o Cabido se transferira para a Sé nova, em 1565, celebrando ordens, confessando e pregando17.

D. Frei Gaspar do Casal foi, como é bem conhecido, um teólogo afa-mado e bem-sucedido. As suas obras, de carácter pastoral, eclesiológico e doutrinário, conheceram edições dentro e fora de Portugal. Os seus Axio-mata Christiana libri tres..., foram impressos em Coimbra, em 1550, e em Veneza, em 1563. Nesta cidade italiana editou, também nesse ano de 1563, o De Sacrificio Missae.., o In Praedicamenta et Topica Aristotelis, a obra De quadripartita Justicia libri quatuor... e o mais celebrado De Coena et Calice Domini quoad laicos et clericos non celebrantes, libri tres. Em 1566, sairiam, desta feita em Antuérpia, novas edições dos livros De Sacrificio Missae e De Quadripartita Justicia libri quatuor18.

Apoiou, também, a edição de livros de ofício, como sucedeu, em 1575, com o Passionário segundo o costume da Capela Real Lusitana, da autoria de Manuel Cardoso, tesoureiro da Sé leiriense19.

15 “Que em este tempo mandou dar ainda de casamentos para nove ou dez orphãs a humas mais e outras menos segundo a calidade e necessidade das pessoas.” (Doc. 3).

16 Afonso Zúquete, Leiria..., p. 152.17 Em 1577, na sua defesa perante as acusações do Cabido de Leiria, D. Frei Gaspar do Casal

valorizava a sua vida de prelado movido pelo zelo da Fé e da oração: “E sabemos muito bem que dos bens ecleziasticos e ao prezente gastamos em as couzas que pertencem ás igrejas, ministros e reparação dellas, e com viuvas, orphãns e pobres, e todas as obras pias que se offrecem; e assim sabemos que edificar [casas (?)] e mosteiros de religiozos que de noite e de dia servem a Nosso Senhor, vivendo particularmente segundo a imitação da vida apostolica em pobreza voluntaria, castidade perpetua e obediencia estreita, com muitos jejuns particulares, e vigilias, e disciplinas, orando, celebrando // [Fl. 475v] pregando e confessando, e servindo a Nosso Senhor, e aproveitando spiritualmente ao povo, he obra muito pia, e justa, e santa, e boa obra de religião, e de supererogação, e perfeição e por assi ser todos os padres santos e reis catholicos e prelados zelozos, e pessoas devotas do povo folgarão sempre de favorecer muito as obras semelhantes (...).” (Doc. 3).

18 Afonso Zúquete, Leiria..., p. 154; D. Sebastião Soares de Rezende, O Sacrifício da Missa em D. Gaspar do Casal, Porto, 1941; D. João Pereira Venâncio, “D. Frei Gaspar do Casal, Bispo de Leiria e Teólogo”, in O Testemunho da Palavra, Leiria, 1989, pp. 19-45.

19 Passionarium iuxta capellae Regis Lusitaniae consuetudinem accentus rationem integre ob-seruans per Emmanuellem Cardosum eiusdem regis capellae archipraecentorem, et Leiriensis

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Esclarece-se mais cabalmente, com a documentação aqui revelada, o pro-cesso de fundação do Convento de Santo Agostinho de Leiria20. Em 1573, decerto por influência de D. Frei Gaspar do Casal, o provincial da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, Fr. Diogo de S. Miguel, solicita a fundação de um mosteiro da Ordem na cidade episcopal de Leiria, o que é acolhido posi-tivamente pelo prelado21. A 16 de Outubro de 1576, o rei D. Sebastião pas-sava carta de autorização para o estabelecimento do novo mosteiro e, nesse mesmo dia, recomendava ao juiz e vereadores de Leiria que apoiassem essa fundação22. A 5 de Janeiro de 1577, D. Frei Gaspar do Casal instituía e dotava uma capela de missas por sua alma, no Convento cuja fundação se reiterava, dando-se posse dos terrenos para esse efeito, no mesmo dia, a Fr. Diogo de S. Miguel, provincial da Ordem23.

O estabelecimento do Convento de Santo Agostinho de Leiria traduziu um duplo significado na biografia do seu fundador. Em primeiro lugar, acres-centava nobreza e honra à cidade episcopal e servia pastoralmente o povo da jovem diocese, preocupações temporais e espirituais gerais próprias de um bispo ativo, interventivo e reformador. Em segundo lugar, tornava-se o lugar de eleição para instituição da capela de missas por alma do instituidor, assim acolhendo a celebração perpétua da sua memória espiritual, a qual confiava ao zelo da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho. Ordem a que Gaspar do Casal, ainda menino, se recolhera, no Convento de Santarém, para desde então e até ao fim dos seus dias, septuagenário e carregado das honras e pom-pas próprias do episcopado, nunca mais abandonar o humilde hábito desses frades mendicantes cuja espiritualidade agostiniana tanto o marcou.

Ecclesiae thesaurarium. Ex mandato secundi provincialis concilijs ulysiponensis, nunc primum editum. Leiriae. Excudebat Antonius a Maris: cum Reverendi Domni Gasparis Casalijs, eiusdem ciuitatis episcopi: sanctae etiam inquisitionis facultate. Anno 1575.

20 Vd. Saul António Gomes, “A Defesa do Convento de Santo Agostinho de Leiria num Docu-mento de 1800”, in Leiria - Fátima. Órgão Oficial da Diocese, Ano VI, Nº 17, Maio-Agosto 1998, pp. 123-160; “Documentação Histórica. A Presença dos Eremitas de Santo Agostinho na Diocese de Leiria: os Documentos da Extinção dos Conventos de Santo Agostinho de Leiria e do Bom Jesus de Porto de Mós em 1834”, in Santo Agostinho e a Cultura Portuguesa. Jornadas da Escola de Formação Teológica de Leigos. 14 e 15 de Fevereiro de 2004, Leiria, Escola de Formação Teológica de Leigos / Diocese de Leiria-Fátima, 2004, pp. 207-349; Idem, “Oficinas Artísticas no Bispado de Leiria nos Séculos XV a XVIII”, in Actas do VI Simpósio Luso-Espanhol de História da Arte - Oficinas Regionais, Viseu - 1991, Tomar, Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Tomar, 1996, pp. 237-330.

21 Documento 4 [C].22 Documento 4 [A] e [B].23 Documento 4 [D] e [E].

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Documentos24

Doc. 1

1562 SETEMBRO, 9, Trento — D. Frei Gaspar do Casal, bispo de Leiria, escre-ve de Trento ao Cardeal D. Henrique, dando-lhe conta do andamento do Concílio.

Torre do Tombo (TT) — Mosteiro de Alcobaça, Livro 52, fls. 462-463vº.Obs.: Carta autógrafa, escrita em papel, com letra humanística.Pub.: Saul António Gomes, “Uma Carta Tridentina de D. Gaspar do Casal, Bispo

de Leiria”, in Jornal O Mensageiro, Leiria, 3 de novembro de 1995.

Senhor.Os dias passados tevemos duas sessões vagas, scilicet, a terceira que foi aos, 14 de

mayo, e a 4 que foi aos 4 de junho: e não se fez em ellas mais que ler procurações de alguuns embaixadores que erão vindos de el Rei Philippe, el Rei de França e outros, e outros que são ja muito[s]. Dos quaes e assi dos prelados que depois vierão, mando com esta o cathalogo a Vosa Alteza. A 3 foi vaga por esperar polos embaixadore[s] da França. <E a 4 polo embaixador de Castela pidir que se declarasse ser isto continuação do concilio>.

Depois destas duas sessões vagas, aos 16 de julho tevemos a 5ª sessão, que foi

24 Principais critérios seguidos na transcrição e publicação destes documentos: (a) desen-volvimento de todas as palavras abreviadas, aglutinando elementos de uma mesma palavra que se encontrem separados no texto ou separando elementos de palavras diferentes; (b) uso parcimonioso da apóstrofe nalgumas enclíticas; (c) normalização de letras maiúsculas e de minúsculas, bem como redução de consoante duplas a uma só quando em início de palavras; introdução de alguma, posto que muito ligeira, pontuação, mormente abertura de parágrafos, para facilitar a inteligibilidade do documento; (d) na impossibilidade de nasalizar com o til as letras “ii” e “uu”, desabreviamos essas palavras em “m” ou “n” ou transfere-se o til para a letra vogal imediata como nos exemplos: “viinr”, “huã”, “alguã”, “nenhuã”; (e) transposição dos numerais presentes nos diplomas para numeração romana comum; (f) as mudanças de fólios são assinaladas por // seguidas pela indicação, dentro de parênteses rectos, do fólio para onde se passa; (g) palavras ou elementos de palavras entrelinhados ou escritos à margem vão transcritos dentro de parênteses angulosos <…>; (h) dúvidas de leitura assinalam-se por (?); (i) usámos [sic] para indicar erros no que se encontra escrito de facto no documento; (j) usámos, parcimoniosamente, de alguma pontuação e introduzimos hífenes nos verbos reflexos; (k) partes ilegíveis, por deterioração do documento, vão assinaladas por ...; (l) anotamos em rodapé informação, quando pertinente, à melhor compreensão de alguns passos documentais. Antecedemos as transcrições documentais por sumários concisos, seguidos pela cota documental e alguma informação crítica mais se pertinente.

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plena. E em ella se publicarão muitas cousas, alguãs que pertencem aos dogmas, e outras que pertencem aa reformação. Com esta mando a Vossa Alteza tudo impreso.

A 6ª sessão estaa lançada para a 5 feira depois de Outava da festa da Natividade de Nossa Senhora. E temos para ella muitos artigos que pertencem ao Sanctissimo Sacrificio da missa os quaes mando com esta a Vossa Alteza. E mandarei os decretos, como forem publicados em a sessão.

O emperador, primo de Vossa Alteza, pede ao Sancto Concilio que de licença para que as pessoas dos Reinos da Boemia e Ungria, e outros do Imperio e de outros seus senhorios, // [Fl. 462vº] possão comungar em ambas as [es]pecies. E pede ysto por seus embaixadores com grande instancia, por lhe parecer que este remedio he unico e necessario, para que as pessoas daquellas partes que são christãos catholicos, se conservem em a Christandade; e as que são perdidas, se possão recuperar. Este caso se trata agora em as congregações geraes dos prelados. Praza a nosso Senhor por sua misericordia que faça detreminar tudo como seja mais seu sancto serviço.

O embaixador Dom Fernão Martinz faz muito bem e muito acabadamente todas as cousas [a]ssi as que particularmente pertencem ao serviço de Nosso Senhor Deos, comos [sic ] as que particularmente pertencem ao serviço del Rei nosso senhor. Assi o tem todos estes senhores legados em muita veneração e amizade, pola qualidade de sua pessoa, polas virtudes e prudencia e bom zelo que em elle conhecem e pola pes-soa del Rei nosso senhor que elle muito bem representa, com toda gravidade, virtude, afabilidade, e modéstia. E assi folgão elles de lhe despacharem logo e bem, todas as cousas que lhe requere.

Os letrados del Rei nosso senhor, lem publicamente em seus tempos e sobre os artigos que se propõe, como os outros, scilicet, do Papa, del Rei Philippe, e dos pre-lados e das ordens. E porem affirmo a Vossa Alteza que com muita avantagem de muitos outros, e com muita homrra do Reino. Digo isto por muitas cousas, e porque me disserão que os cardeaees mamdarão pidir os votos que derão em as liciões [sic], ao doctor Diogo de Paiva, e ao doctor Belchior Cornejo. // [Fl. 463] Pratica-sse que o Sancto Concilio sera acabado e çarrado antes do Natal, ou por todo janeiro ate o mais. E parece que pode fazer bem ser assi, segundo as cousas que temos por fazer, e segundo a pressa que levamos. Fazemos duas comgregações geraes dos prelados cada dia; e pagamos bem o vagar e spaço que tinhamos os dias passados.

Dizem que vem de França hum cardeal com sesenta prellados, não sabemos o que sera. De todos os protestantes, nenhuã pessoa he vinda, nem temos recado que virão.

Nosso Senhor guarde a real pessoa de Vossa Alteza e lhe de todas consolações spirituaes e corporaes, Amen.

De Trento, 9 de Setembro de 1562.(Assinatura) Contino orador de Vossa Alteza, Bispo de Leiria. //

[Fl. 463vº - Sobrescrito]† Ao Cardeal Infante, meu senhor.

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Doc. 2

1577 ABRIL, 29, Évora, Colégio do Espírito Santo – O Cardeal Infante D. Henrique declara aceitar o breve que Pio IV outorgara a D. Fr. Gaspar do Casal, bispo de Leiria, permitindo-lhe dispor de bens próprios.

Arquivo Distrital de Leiria – Convento de Santo Agostinho de Leiria, Dep. VI/24/C/3.

Aceitação de hum breve apostolico apresentado por parte do Muito Reverendo Bispo de Leiria.

Stprivão Jorge Martinz.

Ano do nacimento de Nosso Senhor Jesu Christo de mil quinhentos setenta e sete anos, aos vinte e nove dias do mês de abril da dita era, nesta cidade d’Evora, dentro do Colegio do Spirito Santo, no aposento do Muito Excelente Princepe e Serenissimo Senhor o Senhor Dom Anrique per merce de Deus e da Santa Igreja de Roma cardeal do titulo dos Santos Quatro Coroados, Iffante de Portugal, legado a latere da Santa Se Apostolica, Arcebispo deste Arcebispado d’Evora etc. Estando Sua Alteza presente por parte do Muito Reverendo Dom Gaspar do Casal, bispo de Leiria, lhe foi apre-sentado hum breve apostolico do Santo Padre Pio papa quarto, de boa memoria, a elle concedido e dirigido a Sua Alteza enquanto Arcebispo d’Evora, pedindo-lhe o acei-tasse e mandasse comprir com censuras da maneira que nelle era conteúdo. E visto o dito breve por Sua Alteza com a reverencia costumada, o aceitou, e se pronunciou por executor delle. E mandou que se comprisse e guardasse como nelle se continha. E sendo necessário se passasse pera isso processo em forma.

Testemunhas que presentes estavam Francisco Carvalho, esmoler e Jeronimo Bor-ges, guarda roupa de Sua Alteza.

A rogo dos requeridos e eu Jorge Martinz ho esprevi.(Assinatura)O Cardeal Iffante.

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Doc. 2

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Doc. 3[1584…] – Traslados dos documentos respeitantes à defesa, pelo bispo D. Fr.

Gaspar do Casal, do seu exercício à frente do Bispado de Leiria e da sua decisão de fundar o Convento de Santo Agostinho, nesta cidade, onde queria vir a ser sepultado, conforme ao testamento que se insere. Acrescentam-se memórias várias sobre este bispo, escritas em meados de Seiscentos, por religiosos da Ordem dos Ermitas de Santo Agostinho.25

TT - Manuscritos da Livraria, Nº 581, fls. 469-483v.

[Fl. 469]+ Senhor Juiz.Diz Dom Gaspar do Casal bispo de Leiria, que elle lhe he necessario fazer certo

das cousas seguintes.

Primeiramente que esta sua Igreja de Leiria foi eregida em Bispado em ho anno de 1545, em Dom Bras de Barros, primeiro bispo do dito bispado, e que em o dito tempo as rendas do dito bispado da mesa pontifical rendião huum conto e dusentos ou huum conto e trezentos mil reais, como he notorio.

2º Que o dito bispo Dom Bras teve arendado todas as rendas deste bispado per-tencentes a sua mesa por cem mill reais cada mes que são tres mill cruzados por anno, como he notorio.

3º Que feito agora orçamento polla masa dos tres annos proximos passados rende este bispado cinquo mill cruzados pouco mais ou menos em cada huum anno, posto que em alguuns annos pasados rendese mais alguma cousa, e em outros menos se-gundo os fructus das novidades, e segundo as taxas de Sua Alteza, como he notorio.

4º Que as ordinarias que se paguão em cada huum anno per obrigação a custa das rendas da mesa pontifical, scilicet, padres, curas, tisoureiros, e ao que insina a doctri-na, e pregador, asi da cidade como de fora em o Bispado, em dinheiro, pam, vinho e azeite, cento e sesenta e quatro mill reais. E aos officiães da justiça trinta mill reais. E aos officiães de fora que servem a casa, scilicet, procurador, medico, barbeiro e outros, trinta e dous mill reais, o que tudo faz em somma duzentos e vinte e dous mill reais, como he notorio.

25 Alguns fólios deste documento encontram-se em mau estado de conservação, o que dificulta bastante a sua leitura e transcrição. A lombada alta do códice, por seu turno, não permite transcrever, na íntegra, os inícios ou finais de algumas linhas. A reprodução digital destes fólios, ainda assim, permitiu recuperar alguma informação que, de outro modo, seria bastante difícil de conseguir.

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5º Que esta Igreja e Bispado de Leiria tem propriedades e rendas de terças de igrejas separadas per si, e com officiães destintos para a fabrica da See e de todas as igrejas do Bispado, que são da obrigação do prelado. A qual renda da fabrica rende em cada huum anno trezentos e cinquoenta mill reais e ja // [Fl. 269v] esteve arrendada em trezentos e sesenta mill reais e algumas vezes rende menos segundo as novidades e taxas de Sua Alteza.

6º Que as igrejas parrochiães desta cidade, scilicet, São Pedro, Santiaguo, Sancto Estevão tem propriedades destinctas para as obras dellas, que rendem em cada huum anno vinte e tres, e vinte e quatro e vinte e cinquo mill reais segundo as novidades e taxas de Sua Alteza.

7º Que todas estas rendas da fabrica e obras o bispo he somente administrador e go-vernador, e não tem mais em ellas que manda-llas gastar per seus mandados, em as neces-sidades das igrejas da sua obrigaçam. E pollos seus mandados e certidões dos gastos se levão em conta a recebedor da mesma fabrica, e os officiães da ditã fabrica são, scilicet, recebedor, o coneguo Sebastião Ferreira, e escrivão, Gonçalo Fernandez, como he notorio.

8º Que esta renda da fabrica sobreditã de trezentos e cinquoenta ou sesenta mill reais em cada huum anno foi posta de novo em aa ... deste Bispado e esta confirmada pollo Sancto Padre Pio papa quarto de boa memoria, e foi posta primeiramente em duzentos mill reais. E das rendas crecerão de modo que fazem a somma sobredita ao presente.

9º Que o bispo veo do Consilio Geral de Trento aos 24 dias do mes de fevereiro de 1564 e se comprirão treze annos aa 24 dias do mes de fevereiro passado deste presente anno de 1577. E tem gastado rendas pontificães que a elle pertencem in solido em a See nova que [se faz] e em as cousas e serventias, e ornamentos a ella pertencentes, e com a irmida de Nossa Senhora dos Anjos que estava derubada por terra e em a igreja parrochial de Sancto Estevão desta cidade que estava para cair e desfeita de parrochia muito mais de dezasete mill e quinhentos e tantos cruzados como constara pellos livros em que he feita conta e per onde este artiguo se aa de provar.

<Vinda do Concilio.><Depois deste articullo pera ca são gastos 115 000 cruzados.> // [Fl. 470]

10º Que em augmento das casas pontificães fazendo muitas de novo e cercas e vinha, pumar e orta, e nora d’agoa em a cerca das ditas casas, e bem assi em as casas dos curas das igrejas de fora da cidade, scilicet, em São Simão de Villa Galega e em Espite e em Pataiãs, e em Vermoill, e em Santa Catarina da Serra, concertando-as de modo que o prelado possa pousar em ellas quando for visitar tem gastado da fazenda da mesa pontifical dous mill e tantos cruzados como constara pollos mesmo livros das despesas que se oferecerão em prova.

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11º Que em obras pias se gasta e despende em cada huum anno de necessidade em o povo e pobres delle vinte e tres e vinte e quatro e vinte e cinquo moios de pam cozido que se reparte a sua porta. E bem assi daa em cada huum anno d’esmola aos religiosos de São Francisco huum moio de trigo, e meo alqueire de pam amasado de sua mesa cada dominguo. E as religiosas de Sancta Anna daa em cada huum anno huum moio de pam meado e azeite para o Sanctissimo Sacramento, todo ho anno. E vinte arates de carne cada somana ou o seo preço. E tudo isto afora outras esmolas particulares que se fazem a pessoas necessitadas que não vem a porta e afora muitas esmolas particulares de dinheiro que se dão a pobres do Bispado e a pobres de fora que passão continuamente, e que nunqua vão sem esmola.

12º Que para as obras da Misericordia ordinariamente cada anno lhe daa seis ou sete mill reais, ou o que parece necessario para ajuda da vestiaria dos pobres. E em cada dominguo lhe manda dar meo alqueire de pam cozido. E para necessidades grosas manda ajudar aos irmãos com as esmolas necessarias assi como fez para a sancristia que se fez de novo sendo provedor o arcediaguo e para se comprarem as casas que estavão junto e erão necessarias para // [Fl. 470v] a mesma casa sendo pro-vedor Andre Diaz Preto. E per vezes tem mandado recado em tempo de necessidade ao provedor e irmãos para que avendo algumas necessidades em pobres aa que elle não posão acudir ho mandem dizer para elle os mandar prover. E asi se fez todas as vezes que ho mandarão. E este anno presente os irmãos lhe mandarão roguar que lhe mandase vender huum moio de triguo para os pobres, e elle lho mando dar de graça como outros annos tanbem fez.

13º Que em este tempo mandou dar ainda de casamentos para nove ou dez orphãs a humas mais e outras menos segundo a calidade e necessidade das pessoas.

14º <Hospitalidade.>Que a sua casa he de ordinaria hospedaria para todos os prelados e fidalguos e

religiosos e pessoas nobres que por esta cidade passam. E que a esta conta se aparta ordinariamente muito triguo e cevada no celeiro e se gasta muito em aa sancta hospi-talidade, que São Paulo gloriosso encomenda muito aos prelados.

15º <Moderação nos gastos da casa.Tres religiosos nossos em sua casa e mesa.>Que o dito bispo nunqua teve em sua casa officiães ou pessoas a que dese ordena-

do em cada huum anno, como são veador, camareiro, estribeiro, tisoureiro, mantieiro, nem outros officiães alguuns que se custumão ter com partidos groços, e que sempre se servio com as pessoas de sua casa especial e principalmente com dous ou tres religiosos que tem cuidado della e da fazenda como irmãos e companheiros sem or-denado, nem premio alguum, recebendo e gastando com as chaves d’arca do deposito assi como se custuma em mosteiros de religião, de modo que todos os gastos que em

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estas cousas podera fazer licitamente, e segundo o comum custume, sarou fraudando o seu licito genio, como he notorio.

16º Que depois que Sua Senhoria veo do Sancto Consilio Geral de Trento se desfez de muitas pessoas de sua casa assi dos que forão com // [Fl. 471] elle, como dos que fi-carão em esta cidade. E aa muitos que forão deu seus casamentos e vivem em suas casas, scilicet, Manoel Antunes, Gaspar de Lemos, Pero Cordeiro, Gaspar Estevez, Amador Bernaldez, Dominguos Diaz, Francisco Fernandez, Fernão Vãz, todos moradores nesta cidade. E alguns que quiseram ir servir el rei nosso senhor em a India, os proveo para se aparelharem e lhe deu o que pareceo razão e se podesem aparelhar commodamente. E assi se desfez de todos os homens de pe, pagando a cada huum o seu. E forrando humm escravo que tinha e fiquou com muito pouca gente e somente aquella que abasta para o serviço commum de casa. E com a companhia competente que não se pode escusar. E desta ordenança da casa separou e forra muitos dos gastos que licitamente se poderão fazer, e tudo isto he notorio defraudando o seu licito genio, como he notorio.

17º Que a sua mesa e dos religiosos seus companheiros he muito temperada e mui-to modesta como convem a relegiosos e sem demasia alguma de manjares e iguarias. E assi em seu vestido e calçado e todas as mais cousas necessarias para suas pessoas são como cousas de religiosos e sem fausto alguum, mas somente segundo a necessi-dade em o que tambem se forrou e forra muito, como he notorio.

18º Que nunqua teve estrebaria de cavalos, nem de mullas como podera ter licita-mente porque avendo o sancto direito canonico por bem, que os bispos posão ter ate dez cavalgaduras indo visitar a custa alhea, e sendo a sua custa possão ter as que lhe bem parecer e poderem sostentar, elle dito bispo não tem em sua casa mais que huma soo encavalgadura, que he huma mulla em que anda, e huum macho novo que tira agoa em aa nora. E que commesa servir em outras cousas, e huum macho velho que serve ordinariamente em serviços communs de casa. E assi esta e esteve muito tempo, em o que tambem forra muito dos gastos que licitamente em esta parte podera fazer. E quando vai visitar, manda buscar as encavalgaduras necessarias para as pessoas // [Fl. 471v] de cavalo que com elle vão. E acabada a visitação as manda paguar. E todo o mais gasto como dicto he defraudando o seu licito genio, como he notorio.

19º Que no mesmo tempo de doze annos a esta parte sua senhoria tractou de ins-tituir huma capella de misas por si e por quem lhe parecer perpetuamente, e que para isso comprou alguma fazenda de raiz, scilicet, terras de pam, vinhas, olivães, moinhos que tudo podera valer quatro mill e quinhentos cruzados, e tanto custou, declarando sempre que as ditas propriedades comprava para a ditã capella, como he notorio.

20º Que todas as pessoas de bem e de bom juizo e saber e honrradas que a renda deste bispado e o gasto das ordinarias obrigatorias, e grandes sobreditos gastos que

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tem feito assi em a obra da See e cousas a ella pertencentes, e em as ditãs igrejas e em as casas do prelado e cousas a ellas pertencentes como ditõ fiqua, e em as cousas da ditã fazenda dirão e terão por muito certo que os ditos gastos e compras se não pode-rão fazer em o dito tempo de <treze> annos, com o dito bispo tirar muito dos gastos de sua casa e pessoa e familia licitamente podia fazer segundo o custume dos prelados e aa decoro do estado e aa disposição e conceção do sancto direito canonico em todo caso, como he notorio.

E porque lhe he necessario fazer certo de tudo isto contiudo nesta petição, pede a Vossa Merce que pello contiudo nella lhe mande perguntar certas testemunhas, que apresentara, e com seus ditos lhe mande passar huum estromento em forma que fasa fee, no que recebera justiça e merce. // [Fl. 472]

Destribua-se e o tabalião ha que for pergunte as testemunhas que se apresentarem e com seus dittos lhe passem o estromento que pede.

(Assinatura) Campello.

Não fala aqui nos gastos que fes no edeficio deste seu convento, nem no que fes nas duas jornadas que fes ao Concilio. // [Fl. 472v]

Razõis do senhor bispo.

Maço 2ºPetição do senhor bispo ...Bispo Cazal. // [Fl. 473]

Haec sunt capita que in supplicatione summo pontifici facienda sunt explananda.

Petit igitur Reverendissimus Episcopus impetrari sibi a sanctissimo domino nos-tro Papa approbationem, siue confirmationem donationis eius quam fecit, vel intendit facere Monasterio, quod ab illo, uel à partibus ordinis extruendum est in vrbe Leyrien-si, pro institutione capelle, cum obligatione perpetua missarum quotidianarum pro se, et pro iis, quos ipse delegerit.

Attento primum, quod ipse Reverendissimus Episcopus ab eo tempore, quo ex Tridento in vrbem Leiriensem rediit vsque ad hanc horam, in aedificatione templi maioris, atque a Deò in omnibus allis, quae ad illud pertinent, et in amplificatione aedium pontificalium in sumpserit decem et nouem millia aureorum, cum quingentis vel circa.

Attento secundo, quod Ecclesia Leyriensis, et omnes aliae ei suffragan<e>ae, et subditae ecclesiae, quae curae, et administrationi ipsius Episcopi sunt demandatae, ha-

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beant pro fabrica certam summam prouentuum annuorum, scilicet, octingentos aureos, et eo amplius, destinatam, et à redditibus mensae pontificiae separatam. Unde decem illa nouem millia aureorum cum quingentis praefata, quae dominus Episcopus expendit in templi maioris aedificatione, et in aedium pontificalium augmentatione, non fuerunt ex supradicta destinata fabrica desumpta, sed ex redditibus mensae pontificalis detracta: ex omnibus eisdem sumpta sunt quatuor illa millia aureorum cum quingentis, qua Episco-pus prosumpsit in emptione facultatum immobilium, pro capellae institutione.

Attento tertiò, quòd idem dominus Episcopus hos sumptus fecerit, aliâs non fac-turus, multum subtrahendo statui ac decentiae personae, domus suae et familiae, ac mensae expensis. equitatibus, atque a Deò aliis multis, quae praelatis sunt ab ipso iure concessa, interim inde retenta honesta et moderata episcopalis status decentia, vt constare potest ex multorum relatione et testimonio, tam eorum, qui in praedicta vrbe Leyriensi degunt quam familiarium et domesticorum.

Attento quarto, quòd cum dominus Episcopus supra memoratas facultates conit, statim eo animo, eaque intentione emerit, ut eas prãedictae capellae cum obligatione missarum pro se, et pro aliis, quam instituere in animo habebat, et optabat, in perpe-tuum addicere, et applicaret, idque nom solum in animo habuit, verum etiam frequen-ter voce declarauit.

Quinta attenta deuotione, quam praedictus dominus erga praefatum ordinem ha-bet, et obligatione, qua eidem deuinctus tenetur, ob id, vel maxime, quia puerulus duodecimum // [Fl. 473v] annum cum dimidio natus, praefatum ordinem anno Domi-ni 1524 sit ingressus, in ordinem sit professus, et ibidem moribus et literis educans, eiusdemque ordinis et professionis habitum vsque ad praesentem diem gerat.

Hac sunt capita in supplicatione attingenda, et necessario explicanda. //[Fl. 474] [branco].[Fl. 474v]Bispo Cazal.Supplica ao Papa. // [Fl. 475]

A authoridade para por embargos ao que o Bispo prezente fizer ou dispozer em propriedades ou rendas da menza pontifical, em as quais nom tem direito algum da propriedade nem posse, nem direito in re vel ad rem, a menza pontifical e capitular estão totalmente separadas, de modo que não tem aução, nem a mostrão ter e segundo o direito comum, quando o bispo prezente perjudicar ao bispo successor futuro com licença de Sua Santidade não tem necessidade de consentimento do seo cabido, como consta do capitulo Pastoralis de his quae fiunt apelationem sine consensum capituli. O que tudo visto, quanto mais que esta fazenda comprámos dipois de ter licença de Sua Santidade e logo com determinação de instituir cappelaens, e sendo tudo de nossos gastos licitos, e defraudando o nosso licitto genio.

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E tudo visto respondendo ao que o chamado cabido nos pede temos que em todas as couzas que pertencem as igrejas deste nosso bispado, e aos freguezes dellas, e aos curas idoneos e a seos ordenados, fizemos sempre, e fazemos de muito boa vontade tudo que for nossa obrigação e cumprir ao bem, e discargo de nossa consciencia e ao bem espiritual de todas as almas a nós encomendadas, alegamos a ditta fazenda que temos comprada estar bem dada aos ditos religiozos para sustentação delles e dos ministros que disserem missas da dita cappela que temos instituido. Sem embargo dos dittos embargos que não recebemos por não serem de receber por as dittas rezoens; e pela licença e pervilegio de letras apostolicas que temos para dar a ditta fazenda ás pessoas que houvermos por bem, os padres capitulares embargantes não mostrão couza alguma para si nem ser partes em o que pedem. <Aqui acaba. +>.

E sabemos muito bem que dos bens ecleziasticos e ao prezente gastamos em as couzas que pertencem ás igrejas, ministros e reparação dellas, e com viuvas, orphãns e pobres, e todas as obras pias que se offrecem; e assim sabemos que edificar [casas (?)] e mosteiros de religiozos que de noite e de dia servem a Nosso Senhor, vivendo par-ticularmente segundo a imitação da vida apostolica em pobreza voluntaria, castidade perpetua e obediencia estreita, com muitos jejuns particulares, e vigilias, e disciplinas, orando, celebrando // [Fl. 475v] pregando e confessando, e servindo a Nosso Senhor, e aproveitando spiritualmente ao povo, he obra muito pia, e justa, e santa, e boa obra de religião, e de supererogação, e perfeição e por assi ser todos os padres santos e reis catholicos e prelados zelozos, e pessoas devotas do povo folgarão sempre de favore-cer muito as obras semelhantes. E julgamos a ditta fazenda como vai assima na cruz.

Foi feita esta resposta do Senhor Bispo aos 29 de janeiro de 1577.Tambem acho que o Senhor Bispo tomou o grau de doutor em o anno de 1542 aos

19 de março.Governou este Bispado 22 annos. Fez a See á fundamentis e o mais que vay asima. //

[Fl. 476] (Em branco.)

[Fl. 476v] Resposta do Bispo [Dom] Gaspar, feita no anno de 1577, aos 29 de janeiro, a qual

foi tresladada bem e fielmente. //

[Fl. 477]Resposta do Senhor Bispo ao Cabido.Vimos muito bem estes embargos que alguns padres do nosso Cabido em nome

do Cabido, offerecerão, assim como nos pedirão e pedem em elles. E tudo visto, não recebemos o primeiro artigo delles, por ser impertinente a edificação do Mosteiro que em elles se trata. Porquanto esta nossa Seé está muito bem acabada em as couzas do corpo da igreja, e sancrestia, e cazas do thizoureiro, e caza do Cabido, e outra caza necessaria, e todas as paredes da crasta alevantadas e todos com porta e chave,

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e todas as frestas da igreja tem enceradas. E o recheio do cadeiral. E tem muita prata para o serviço do santo culto divino, e muitos velhos que tinha e muitos novos que se fizerão de novo. De modo que muito decentemente se podem celebrar e celebrão em ella todos os santos officios divinos. E dipois de o Cabido ser passado a ella dia de Nossa Senhora de Agosto do anno de 1565, a esta parte celebramos em ella alguns pontificais 26 com solemnidade e concurso de todo o povo, com muito gosto. E este bispado, e fabrica que de novo lhe foi posta para todas as couzas que fossem da obri-gação do prelado, tem propriedades e terças apartadas que rendem em cada hum anno trezentos e sincoenta mil reais, e mais ou menos segundo os frutos e taixas. A qual renda esta apartada e confirmada pelo Santo Padre Pio papa 4º. E esto á instancia e tem officiais distintos. E tem mais outras propriedades que rendem 27 para a obra das igrejas desta cidade em cada hum ano vinte e tres athe vinte e sinco mil reis segundo as novidades.

Da qual fabrica se podem muito bem prover todas as couzas que pelo semtirem necessarias. E nos pelo dezejo que temos de servir a Nosso senhor Deus e nossa es-pecial devação, e pelo bem comum espiritual e temporal de todas pessoas deste nosso bispado e por nobreza e honrra desta cidade, dispois que viemos do Santo Concilio Geral de Tarento que foi a 24 de Fevereiro 28 de 1564, temos gastado em as obras da Séé com couzas a ella pertencentes das rendas da nossa mensa pontifical dezasete mil e quinhentos cruzados. E assim folgaremos sempre de fazer em tudo o que temos. E o Mosteiro que se quer fazer nenhuma couza impede as obras delle, que tem sua renda apartada, e as ajudas que nos folgamos muito lhe dar.

E bem assim não recebemos o segundo, 3º e 4º dos embargos, porquanto a materia dellles he de vizitação somente, por fazermos ácerca das couzas em elles apontadas, tudo o que parecer necessario para o bem das almas e boa governança da Santa Igreja e discargo de nossa consciencia, como sempre fizemos ordinando os 29 freguezes em freguezias convenientes em distancia, e lugar e pondo em as igrejas curas idoneos, e dando-lhe ordenados suficientes per exame, abonança, e assento e conselho do Padre Fernão Dantas arcediago nesta See, e de Martim Vas de Moura que ao tal tempo hera provizor, e vigairo geral, aos coais commetemos estas couzas // [Fl. 477v] confiando em suas pessoas, saber e virtudes, e nos por nos mesmo vizitamos ordinariamente to-das as igrejas do nosso Bispado com as pessoas que comnosco levamos, e crismamos, e pregamos, e declaramos ao povo as rezoens para que himos vizitar conforme a regra e regimento do livro primeiro com todas as vizitaçoens passadas athe esta que agora acabamos que vi, perguntando por todos os casos da vizitação, e pelo juramento dos Evangelhos, nem estes padres que estas couzas dizem, nem pessoas outras, disserão

26 Na margem direita: “Dia em que o Cabido de Leiria passou para a Se nova que fez o Bispo D. Fr. Gaspar.”

27 Na margem direita: “Como precurou estabilizar as rendas da fabrica.”28 Na margem direita: “Que gastou da sua mensa pontifical em obras depois da vinda do Concilio.”29 Na margem direita: “Que fez nas igrejas do Bispado.”

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couza alguma destas que se houvesse de prover e dadas as vizitaçoens se provem as igrejas em tudo o que for necessario asim da obrigação do prelado como da obrigação do povo.

E as couzas que em estes artigos se apontão nenhuma couza fazem para mim (?) da capella que temos instituida por nossa alma e das pessoas que he obrigado. Nem a edificação do Mosteiro que se quer fazer que são [couzas] distintas. E todas as igrejas deste Bispado assim de nossa obrigação como do povo estão muito bem reparadas e providas das couzas necessarias milhor do que nunca estiverão. E o Santo Concilio Geral de Tarento manda que os curas fossem perpetuos, mas antes á certos curas se-rem perpetuos ou temporais, e da porção que havião de ter deixou em o arbitrio dos ordinarios como vissem que fosse mais decente para o bom regimento das igrejas. E isto falando somente dos bens ecleziasticos curados que estão perpetuamente unidos ou annexos a sessão setima capº 7 do decreto da reformação. E nunca detreminou das igrejas curadas filiais.

E em este Bispado em que ha 16 freguezias, des dellas são filiais e não são unidas nem annexas. E cada huma destas 16 freguezias tem junto consigo a legoa outra fre-guezia excepto a freguezia de Pataias, que tem 17... (?) fogos, e dista da outra igreja parochial mais perto de legoa e meia. E nos estamos aparelhados para da nossa parte fazermos todas as couzas da nossa obrigação acerca das igrejas e ministros dellas. E fervor e dezejo 30 assim como fizemos por nossa devação os gastos dezasete mil e qui-nhentos e tantos cruzados com as obras da Se a ella pertencentes, e da igreja de Santo Estevão desta cidade que esta desfeita da freguezia quando viemos a este Bisado, e para reparo da igreja de Nossa Senhora dos Anjos desta cidade. E os freguezes que soiam estar longe das freguezias ajuntamos a outras freguezias pa... Santa Catherina da Serra e S. Christovão da Changregeira e … // [Fl. 478] em particular acrescentamos os ordenados aos curas.

Assim não recebemos o 5º artigo porquanto não conclui nem allega rezão de direi-to que impida nem possa impedir a edificação do Mosteiro de que nem os embargantes mostrão ter aução alguma para impedir a edificação de mosteiros que as pessoas de-votas regulares ou seculares quizerem fazer à devação em suas propriedades e muito menos tem aução contra os freires mendicantes para impedirem os mosteiros que elles quizerem edificar em terra (?) de christãos catholicos porque elles tinhão pervilegios dos papas passados para poderem edificar mosteiros em lugares catholicos etiam mul-tis ordinariis e agora se detreminou em o Santo Concilio Geral de Tarento que quando elles houvessem de edificar mosteiros fosse com licença dos prelados dos lugares em que se houvessem de edificar e asim está detreminado em o ditto Concilio sessão 25, Capº 3º de regularibus et monachis. E conforme isto os religiozos de Santo Augosti-nho deste Reino não precisão licença para edificar em este Bispado hum mosteiro da ditta Ordem.

30 Na margem esquerda: “Obras e gastos nellas. Eregio em freguezia, e ...edificou (?) [a ig}reja [de Santo Estevão].”

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E por serviço de Nosso Senhor Deus e por nossa especial devação, e bem com-mum de todo o povo deste Bispado, e nobreza e honrra da cidade, lhes temos concedi-da a ditta licença, de modo que os embargantes não mostrão ter aução para embargar a ditta edificação vistos os previlegios particulares das ordens mendicantes que nos sabemos serem e são notorios a todos.

E visto a ditta detreminação do Santo Concilio Geral e visto a nossa licença orde-naria especial, e visto como elles não allegão couza algua em que fundem estes seos embargos, e se em algum tempo os embargantes forem molestados em os dizimos de que ...e pertenderem direito contra as pessoas que os levarem pode-lo-hão citar diante de juis competente, e serão ouvidos, e prover-se-ha como for justiça ouvidas as partes a que tocar.

E quanto ao que em o ditto artigo dizem ser prejuizo do poco àcerca das jugadas consta não terem nisso rezão de embargo-. porque em todos os mosteiros e igrejas deste Bispado se goarda inteiramente a ordem de el rei nosso senhor ácerca do paga-mento das jugadas, e os embargantes não mostrão procuração alguma para impedirem por elle a edificação do Mosteiro, mas antes os juis, vereadores, primeiras pessoas nobres della folgao muito e sabem ser serviço a Deus Nosso Senhor e bem esperitual de todas as almas desse Bispado e muita honrra e nobreza desta cidade fazer-sse o dito Mosteiro, em para isso seu consentimento, favor e ajuda e dezejão ve-llo feito. // [Fl. 478v]

E el rei nosso senhor pelos mesmos respeitos e outros muitos justos, santos e bons tem dado licença para isso do modo que el rei nosso senhor por seus justos respeitos tem dado licença para se fazer o Mosteiro. E a cidade tem o seo consentimento e folga muito com a obra: e o Santo Padre da licença para isso e o Santo Concilio Geral e os religiozos nos tem pedido licença e nos mesmos respeitos, justos e santos lha temos concedido e todas as couzas ja feitas pelo que não parece terem os embargantes lugar nem de embargos.

E bem assim não recebemos o 6º e final artigo dos embargantes mandado em o direito comum porquanto nos temos pervelegio e direito de executar pro santas letras apostolicas do muito santo padre o Papa Pio 4º, de boa memoria, o coal sabendo muito bem que nos somos religiozos da Ordem do Glorioso Doutor Santo Agostinho dos Eremitaens, e assim consirando em ellas, nos concedeo livre e omnimoda licença e faculdade por favor especial, e de motu proprio, e certa sciencia, authoritate aposto-lica, para que todos os bens staves e moveis ainda que preciozos, e per se proventes, avidos e por acquirir de todas as rendas e pratas assim do Bispado do Funchal, de que fomos bispo, com do Bispado de Leyria, de que somos Bispo, e de quaisquer outros beneficios seculares ou regulares ou pensoens que ao prezente tinhamos ou ao diante tivessemos para deixar em testamento inscriptis ou nuncupativo ou dar interece soma de sete mil cruzados a quaisquer partes que nos bem pague ainda que aliás não seja a pessoas incapazes. E per qualquer modo e via a dita incapacidade fosse contrahida.

E por virtude das letras temos instituida a ditta capela, e dado alguã fazenda aos religiozos da Ordem de Santo Agostinho dos Eremitaens para sustento dos ministros

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religiozos que disserem ou houverem de dizer missas. A qual fazenda comprámos depois de ter as dittas letras apostolicas de licença do Santo Padre para poder fazer doação pelo que ... caza tendo nos a licença que temos não há ahi necessidade del... do Cabido nem os padres que dizem ser Cabido tem procuraçam do Bispo successor a quem poderão alias pertencer as propriedades da menza pontifical, não sendo dadas com licença do Santo Padre … otas, nem os ditos padres capitulares tem, nem mostrão per si // [Fl. 479]

Torello ano 430, n. 73.

Pius papa IV.31

Venerabilis frater. Salutem et apostolicam benedictionem. Cum sicut nobis nu-per exponere fecisti … tuae peregrina … testamentaria disposite praevenire desideris nos personam tuam nobis et apostolicae sedi devotam speciale favore prosequi vo-luntas propria et verba alia … tibi qui ante episcopalis dignitatis personaliter necon (?) caedis ermitorum sancti Augustini professu existibus, ut … bonis tuis stabilibus mobilibus aliam praesentis ac semoventibus ubicumque existibus et de quaecumque pecuniam summis vt …ribuus ac quaecumque aliis ratius et bonis quocumque fruc-tibus et colationis et … tibi usque ad diem tui obitus debitis, ac tempore tui obitus huiusmodi … et annuum exacti, et a … separationem fuerint etiam a illa ac illorum pars ex sua industria et quibusvis frutibus reditibus et … ecclesiasticis tam in Ecclesia Funcalensi cui praefuisti, et ecclesia Leyriensi, cui nunc praest, quam quorumcum-que aliorum beneficiorum saecularium et regularium, quae in titulum, commendam et administrationem aut alias obtinuisti, et obtines de praesenti … obtulis … annuarum tibi super provii fructivus, redditibus et proventibus ecclesiasticis assignatarum … aut alia quavis a …. Et contemplatione aut te pervenerint, et pervenient, qualiter cum-que quomodo cumque et undecumque … fuerit et …. Cum partis denominationes, et causas ac ocasiones huismodi, acsi specifice et sigillatim ex… nuncuparentur et de instantiam aliam talia sint qua in generali bonum appellatione invenirent praesentibus per sufficienter expressis… testi nuncupatur seu in scriptis aut donationis comitenter vices… causa mortis et quasvii pias et inpias alias tamen licitus usus et … que perso-nis etiam incapacis et exquacumque 32 causa huiusmodi incapacitat perveniat sive sint consaguini vel affinis, servitores aut … quovismodo prolibito tuae voluntatis usque ad summam septem millium ducatorum auri de camera dispone et erogare … valeas. Plenam, liberam et omnimodam licentiam et facultatem auctoritate apostolica tenere praesentium concedimus ac Chrisit nomine invocatis et rogatis et quidquid per te su-per hoc fieri contingerit et ordinari, ac omnia et singula quae inde sequntur, valida et

31 O mau estado deste documento e a reprodução do mesmo não permitem uma transcrição e leitura mais satisfatórias do que as que apresentamos aqui; não encontrámos nenhuma outra cópia ou versão deste breve pontifício que nos permitisse recuperar o texto ilegível.

32 Riscado: “hiis.”

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eficacia …. tua roboris ... subsistere et eis in quorum favorem de illis disposueris seu queque illa donaveris ac legaveris, suffragari … que judices et comissarios ac causa-rum palatii apostolici auditores, sublata eis, et eorum cuilibet quavis aliter judicandi, …a curte et auctoritate judicari, et diffiniri subere, necnon si secus super his a quocu-mque quavis auctoritate scientur vel ignoranter conffi... irritum et inane decernimos ac minus et singulis juris et facti ac solemnitatum etiam substantialium tunc forsan ommissarum … forsan intervenerint in iisdem supplemus. Et nihilominus venerabili-bus fratribus Bracharensis et Elborensis archiepiscopis … curiae causarum camerae apostolice generali auditori per praesentes mandamus, quatenus ipsi vel duo aut unus eorum per se … alios executoribus ante super praemissis pro tempore deputatis, tuis-que haeredibus aut aliis qui non interint et praemissis es…nis praesidio assistentes, faciant omnia et singula praemissa inviolabiliter observari nec permittant eis vel eo-rum ali contra festum dispositionem et erigationem, legata in instrumentis de super confeciendis contenta vel errum aliqua per… ante sucessores et alios ordinarios, seu fructuum et proventuum camerae apostolice debitorum collectores et subcol[etores] // [Fl. 469v] pro tempora adqui… aut aliis quiscumque directe vel indirecte quomodo-libet impediri seu molestari contradictoris quis … per censuras et penas eclesiasticas et alia opportuna juris remedia appellacione pro … compescendo necnon legitimis… huiusmodi fueritis praessibus censuras etiam … ipsas et … vicibus aggravando, et vo-cato etiam ab hoc si opus fuerit bracchii saecularis non obstantibus felice recordatio-nis Alexandris papae VI praedecessoris nostri tertiam partem binorum contra similes testanti facultatis concederentur, et de quibus eis testari contra g… camerae apostoli-cae applicatum esse ac nostris aliis praelatorum illa ad cameram praefatam spectare inter alia disponentibus et quibusvis aliis constitutionibus apostolici, necnon ordinis ac Funcalensis et Leyriensis praefatarum, ac aliarum ecclesiarum in quibus beneficia huiusmodi … statutis et consuetudinibus etiam juramento confirmativo apostolica vel quavis firmitione alia roboratis privilegiis quoque indultis apostolicis illis et eorum superioribus et personis etiam motu proprio ac alias quomodolibet concessis, appro-batis et innovatis omnibus et singulis etiam si pro illorum sufficienter derogatione de illis eorumque totis tenoribus et gracias specificar et inde de verbo ad verbum necnon autem per clausulas generales idem importantis … quatis alia expensis habenda alia exquisita forma ad hoc observanda foret tenores huiusmodi praesentibus pro suffi-cienter expressis habentis illis alias … permansuriis hac vice dumtaxat specialiter et expresse derogamus caeterisque contrariis quibuscumque.

Datum Romae apud [sanctum] Petrum sub annulo Piscatoris die xxiiij junii. M. D. Lxiij. Pontificatus nostri anno quarto.

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Doc. 3, fl. 479

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Licença del Rey para se edificar o Convento de Leiria a 16 de 8bro de 1576.Eu el Rey faço sabe aos que este alvara virem que eu ey por bem e me pras de dar

licença a Dom Gaspar bispo da cidade de Leyria do meu Conselho que possa edificar e fazer na dita cidade hum mosteiro de Santo Agostinho, avendo respeito ao benefficio espiritual que o povo recebera e ao ornamento e nobreza da cidade. E este se cumprira posto que não seja passado pella chancelaria sem embarguo da Ordenação.

Jorge da Costa a fis em Lixboa, a xb d’outubro de 1576.Rey.

E logo nas costas deste papel está este despacho:Cumpra-sse, a 14 de ... de 1579. Andre Lobo.Ao que Vossa senhoria pergunta por onde consta do tempo que o Senhor D. Fr.

Gaspar tomou o grao de doutor, respondo que a resposta que elle deu ao Cabbido aonde dis asim: E bem asim porque Sua Senhoria he letrado, e sendo lente da Uni-versidade de Coimbra foi feito doutor em Theologia em o anno de mil quinhentos e quarenta e dous, em os 19 dias do mez de março do dito anno. Este papel está em o Nº 14, Masso 2º do Cartorio. // [Fl. 480]

Da Universidade pasou sendo ... Coimbra ...de 1534.D. Fr. Gaspar presidente da Mesa da Conciencia anno 1551, Bispo do Funchal

anno de 1554, neste foy ao Concilio... 1º vez, 1553. Bispo de Leiria anno de 1557, sendo Bispo de Leyria <2 vez ao Concilio por mandado del Rey D. Sebastião ano 1563.> padeceu alguãs desecatorias nas demandas que teve com o Cabido.

Respondo que não consta mas antes elle intentou como... no mandado abayxo de el Rey he o seguinte:

Reverendo Provincial e Religiosos da Ordem de Santo Agostinho que Sua Alteza o anno passado deu licença ao provincial que então era para o dito fazer mosteiro da mesma Ordem em a cidade de Leiria respeitando a sentença que nisso se fazia a Vossa Senhoria e o bispo tendo-a, comprou logo sitio para o mosteiro; e tem já comprado fa-zenda para onesta sutentação dos religiosos a[ssim (?)] pede a Vossa Alteza hua carta para a Camera na qual declare ser esta a sua vontade, e huma provisam ... porem a tal obra de tanto serviço de Deus e honra e ampliação da terra respeitando crescer o culto divino e o proveito espiritual e ainda o temporal que he na cidade aver hum mosteiro mais. O qual não se sostenta das rendas que ho bispo lhe dota sem detrimento da Sée, nem da clerezia, porque a See estaa acabada, a qual obra o bispo fes á fundamentis quasi toda á sua custa, porque a fabrica he pouca, e o que se comprou ao mosteiro, que quer fazer, tirou da parte que reserva para si sem cessarem a obra da See, e as mais esmolas.

A quarta rezam he para aver hum mosteiro da Ordem de Santo Agostinho em Leiria e para ho Vossa Alteza favorecer, pois a tomou aos mouros, toda se deu aos religiosos de Santo Augostinho dos Conegos Regrantes de Santa Cruz de Coimbra.

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E outras muitas rezoens pedem o bispo e os padres este favor a Vossa Alteza mo que receberão merce. Vai per formalia verba et litera.

Sendo conveniente escrever aqui o que achey em a carta que o Senho Bispo fes aos padres de Coimbra sobre Sua Senhoria doar para que agora se lhe dis neste con-vento no nº 5 da dita proposta do estimo 5º.

Respondo que o dito bispo para fazer as couzas sobreditas foi com tirar os gastos de sua caza que licitamente pudera ter conforme aos ... segundo a decencia do estado, porque nunca tive pessoa alguma em sua caza de partido, scilicet, veador, secretario. Sempre governou sua caza religiozamente e com relligiozos que o ajudam e olhavam muito bem pela fazenda e sem mulas mais de huma so em que anda quando vai vizitar, e com estar muito tempo sem homens alguns de pe ... nossos, e forrando muito dos gastos de sua pessoa e dos religiosos de sua companhia em comensa, vistido como podera dar testemunho claro todas as pessoas que o trato de sua casa conhecerão per esta via.

O veneravel D. Fr. Gaspar do Casal.Ano de 1510 entrou na Religião de doze annos e meyo. No ano de 1522 tomou

[ordens (?)]. Veyo para Lixboa onde ainda estava a Universidade de Coimbra sendo ja lente de Theologia na Universidade. A 19 de março de 1542, com que em huma grande fisoa (?).

A estimação deste mostrão as muytas vezes que se 33 deu ao prelo 34 diversas [obras], ano 1550, em Veneza 1563, em Leão ano 1553. Seguiram-se a este primeiro as muitas .. mesmo dizer com sabujo (?) aos que parece não ensergolado ( ?). Consta que foy confessor da [da Rainha e del] Rey 35, presidente da Mesa da Consciencia, e Bispo do Funchal. E ... hum ate dous annos, porque no anno de 1550 era ainda frade, e no de 51 ja Bispo, que foy ao Consilio de Trento 36 a 1ª vez sendo Bispo do Funchal, donde se teve tempo de rezidencia no bispado porque o Consilio por morte do papa Julio III, que succedeu a 23 de ... se enterpolou e estava sem se continuar ate ... de Pio 4º, que foy eleito a 26 de Dezembro de 1559. // [Fl. 480v]

Foy provido em bispo de Leiria ano 1557, et ho hera da Provincia. Dizem que no ano de 1552 [sendo bispo] do Funchal, fora e estivera no Concilio de Trento, a segunda, sendo bispo de Leiria ano 1563 anos. Neste ano a 4 de dezembro se findou o dito Concilio e a 8 do mesmo mez partir-se com [o Reverendo] Arcebispo Dom Bar-tolomeu dos Martires em cuja companhia veyo, como se pode ver em a Vida [deste] Arcebispo escrita por Fr. Luis de Sousa que descreve a jornada ate Portugal, Livro 2, Cap. … O mesmo author aqui diz sobre que Multa paucis, pauca multis, Capº 17.

A partida para o Concilio foy na primavera do ano de mil e quinhentos e sessenta

33 Riscado: “imprimio o primeiro Ca.”34 Riscado: “esta...”.35 Riscado: “seu Conselho de Estado.”36 Riscado: “sendo Bispo.”

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e hum, de mil quinhentos e sessenta <e dous anos>. Estando em Trento visitou o Summo Pontifice, como [consta (?)] da carta que lhe escreveu dedicando-lhe o Livro De Coena e Calice Domini, impresso em Veneza [no ano] de 1563, a qual carta he firmada ano 1563 nono kalendas septembris, porque ahi falando … diz assim:

Siquidem cum mensibus superioribus B. F. Sanctissimos pedes et officis et pie-tatis … laturis Romane advenissem, qua de postea quam Italiam atingi nihil Mihi consiquius fuerat, ita … maii servulum suum hilari fronte, gratoque animo excepissi, ut re ipsa omnia fama, atque existimat… iste tam cumque praeclare magis qui antea unquam eo die aetum esse cognoverim.

Chegou a 7 [de fevereiro] de 1562.No anno de 1574 a 22 de março principiou o Sinodo <Geral> de Lixboa em que

assistiu e em suas mãos como [bispo mais] velho fez a profissão de Fe o Metropoli-tano. //

Maius. Quae yam in oecumenica <sacra> synodo praestit celebris sanctissimorum patrum

concessus per…

(…)De libro presuis sit idem Gaspar

Fez a epistula dedicatória do Livro de Quadri par Justitia em Trento kalendis decima…

Delles diz ibi quod cum opus hoc nostrum licet ia sibi conceptum dum sacrae to-mus comum… in hic voz et sub vobis una cum sit vobis, maxima deberi intelligimus.

Tres nimirum de Lusitani antistes interfuerunt ei, eodem semper espectare in lit-teris famae… Bartholomeus a Martyribus, Gaspar Casalius, et Suerius nostro, quos omnes laudatura illa ae…dictorium quidquid in eorum quoque placeret conjecit. Ex his primum Multa paucis, pauca multis, erat qua id eloquentiae facultatem, quae in … summa fuit, quaeque … suo solendum non ….. ipsum res sonebat comendare Ca-salium denisque … in utriusque illorum laudis summam evielum(?). Multa multis dicendo solitum, in vulgu … verbaliter illius temporis homines efficebant.

[Fl. 481]Lembrança do que se acha no cartorio deste Convento de Nosso Padre Santo

Agostinho de Leyria pertencente ao Senhor D. Fr. Gaspar do Casal.

Jesus Maria.Em nome de Deus, amen. Este hé o testamento que eu Dom Fr. Gaspar do Casal

bispo de Coimbra e conde de Arganil mando que se compra por minha morte e se goarde inteiramente conforme as bullas de que ao diante faço menção.

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Primeiramente encomendo minha alma a Deus todo poderoso, padre, Filho e Spri-to Santo, tres pessoas e hum so Deus, em cuja fe catholica e verdadeira sempre vivi e protesto morrer. E a Sua Santissima Madre a Virgem Nossa Senhora que interceda por mim a seo Bento Filho. E a S. Pedro e S. Paulo e todos os santos da corte do Ceo. E ao padre Santo Agostinho em cuja Santa Ordem sou religioso professo.

Mando que quando Deus for servido de me levar para si meo corpo seja deitado na cappela mor do Mosteiro de Nossa Senhora da Graça desta cidade, a esquerda em hum arco que se fara na dita parede da mão esquerda, donde sera mudado para o Mos-teiro de Santo Agostinho da cidade de Leyria na cappela mor na sepultura que o padre provincial e vigairo geral da dita Ordem de Santo Agostinho fazem, e elles tãobem assentarão o tempo em que esta mudança se possa bem fazer,

Declaro que eu tenho feito doaçoens ao Cabido da Igreja Cathedral desta cidade de Coimbra para a fabrica do choro e samchrestia de certos ornamentos, e assim ao ditto Mosteiro de Santo Agostinho de Leiria, os coais fes por mandado Diogo Coutti-nho tabalião das nottas e por asignado na qual tãobem se contem o que dei de esmola para os mosteiros nelle contiudos, as quais por serem couzas pias e de minha obriga-ção as fis em minha vida.

Declaro que eu tenho poder para dispor de nove mil cruzados do Santo Padre seja do testamento ou doação dos frutos e couzas adquiridas das igrejas do prelado como ja tenho declarado na doação que37 fis ao Mosteiro de [Leiria].

Conforme a este poder dado por bullas do Santo Padre despois da ditta e minha intenção foi que nella intrasse a minha livraria que hora tenho neste [paço] episcopal // [Fl. 481v] 38 e quero que inteiramente se de ao ditto Mosteiro de Leiria.

Declaro que eu tenho mandados fazer items em que se contem o que se ha-de pagar a todos meos criados e minhas obrigaçoens, e dado ordem em que logo sejão pagos. E quero que meos testamenteiros o fação logo pagar sem dilação alguma. E para ordenarem e haverem seo pagamento mando lhe dem seo mantimento e sellario trinta dias, contando do dia de meo falicimento. E assim lhe darão a cada hum vestido de baeta de Covilham.

Declaro que a livraria de que acima faço menção a houve muita parte della sendo pregador de el Rei e por esta rezão pertencem à Ordem que tenho professado. E a outra parte houve sendo prelado e por isso disponho como ditto tenho em virtude das bullas do Santo Padre concedidas.

39 Declaro que para honrra das cruzes que forem com meo corpo, levem trinta pobres trinta tochas e se dem a cada hum delles tostão de esmola.

Peço muito por merce aos senhores beneficiados da mesa desta cidade que quan-do Nosso Senhor me levar para si me queirão encomendar a Deus, o que creio que farão por amor de Nosso Senhor e que se lembrarão que fui seo irmão e pastor, e

37 Na margem direita: “Licença da livraria a Leiria.”38 Na margem esquerda: “Esmolas de criados.”39 Na margem esquerda: “De pobres que acompanharem o enterro.”

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acompa[n]harão meo corpo, e virá toda a clerezia da cidade juntando os Mosteiros de S. Domingos e S. Francisco junto á Ponte aos coais dous Mosteiros darão a cada hum dos Mosteiros dous mil reais, os coais se darão dos oitocentos cruzados que adiante mando gastar em obras pias.

Declaro que na prata e couzas de minha cappela se goarde o moto proprio do San-to Padre e se cumpra inteiramente. E os mais pontificais e couzas da capela se enviem a Sée a quem pertencem.

Mando que para as dittas esmolas, vestidos a meos criados, e seos mantimentos nos trinta dias que tenho ordenados, se ... oitocentos cruzados para estas despesas que se comprirão como tenho [ordenado] e o restante se dará de esmolas a sacerdotes que digão missas por minha alma e a pobres, 40 como parecer aos tres religiosos que hora estão em minha casa, o Padre Fr. Diogo de Torre, o Padre Fr. Martinho dos Reis e o Padre Fr. Gaspar da Conceição.

Mando que se dem a Gaspar Perdigão por ho dito Padre Fr. Gaspar duzentos cru-zados, convem a saber, se for necessario para tomar grao de licenciado nesta Univer-sidade. E a demazia se dará a Manoel da Gama para ajuda de requerer seo despacho.

E quero que o que os padres tem dispendido por meos mandados verbais com a confiança e verdade que tenho declarado na doação que fis ao Mosteiro de Leiria e outras couzas tacitamente em que tãobem foi minha intenção aprovar elles fizessem, tudo levo em conta e o hei por bem para discargo de suas consciencias.

Declaro que a prata, convem a saber, crus, dous castiçais e salva com que me sirvo na capela pertencem a Igreja do Funchal. // [Fl. 482]

Quero que sejão meos testamenteiros o padre prior de Nossa Senhora da Graça desta cidade e os padres todos tres que em minha companhia rezidem, para que ou todos tres ou dous ou cada hu delles cumpra e faça cumprir esta minha vontade jun-tamente com o ditto prior.

E por aqui houve este meo testamento e ultima vontade por acabada e asignei de meo sinal e roguei ao Doutor Luis de Crasto que este fizesse e asignasse comigo, a sete de Agosto de mil e quinhentos e oitenta e coatro annos.

Bispo Conde.A rogo do ditto Senhor Bispo, Luis de Castro Pacheco.

Este he o testamento do Senhor Bispo per formalia verba com coroboração do tabalião publico de nottas Diogo Couttinho.

Tem huma scritura de doação do Senhor D. Gaspar se acha nas condiçoens que pos aos religiozos deste Convento. <Está no masso 1º, nº 16.>

A condição sexta diz estas palavras: Declarando que folgaria elle Senhor Bispo que as missas da sua capella, caso que impedissem fazer-se o Mosteiro desta cidade, sera seo gosto que se dissessem em o Mosteiro de Santarem da mesma Ordem, donde

40 Na margem esquerda: “Os tres religiosos nosos que tinha em leiria conservou em Coimbra.”

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elle hera natural, e tomou o habito da Santa religião e foi sagrado em bispo.<Foi feita esta doaçao no anno de 1567 aos 5 de Janeiro, sendo provincial o Padre

Fr. Diogo de S. Miguel.O ultimo assento consta que o Senhor Bispo D. Gaspar foi natural de Santarem,

adonde tomou o habito etc.> // [Fl. 482v]

Testamento do senhor D. Frei Gaspar do Casal feito em Coimbra aos 7 de Agosto de 1584. //

[Fl. 483]No cartorio deste Convento de Nosso Padre Santo Agostinho de Leyria se achão

os papeis seguintes pertencentes ao Senhor D. Fr. Gaspar do Casal.

Hum treslado do testamento do dito Senhor Bispo, feyto no anno de 1584, aos 7 de Agosto, <sendo Bispo de Coimbra>

Hum treslado do conserto que o Senhor D. Fr. Gaspar, bispo desta cidade e os religiosos deste Convento fizerão com o Cabbido sobre as dessimas e offertas dos de-ffuntos, que á nossa segurança se vierem interrar, feito em Leiria nas nottas de Pedro da Gama, aos 6 de 7bro de 1611.

Huma bulla do Santo Padre Pyo 4º para D. Gaspar poder testar sette mil cruzados; passada aos 24 de junho de 1563, no seu 4º anno de pontificado, os quaes doou a este Convento para patrimonio.

Doação do Bispo D. Fr. Gaspar feyta a este Convento para a fundação delle, no anno de 1567.

Embargos do Cabbido contra a fundação do Convento.

Resposta do Senhor Bispo ao Cabbido. Nesta materia há feitos inteiros.

Provisoens del Rey para o Senhor Bispo edificar o Convento passadas em Lixboa por George da Costa, aos 16 de dezembro de 1576.

Daqui pode Vossa Paternidade mandar dizer o que quer, pondo huma cruz adonde lhe paresser. // [Fl. 483v]

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Doc. 4

1785 AGOSTO, 25, Queluz – Provisão para que subisse à Mesa do Desembargo do Paço, a petição apresentada pelo Convento de Santo Agostinho de Leiri, bem como os despachos dados sobre a mesma, acerca da isenção do pagamento de ju-gadas nas propriedades que o dito Convento tinha nas vintenas de Espite, Souto de Sirol e Sirol (Leiria). Processo trasladado por Francisco Vieira da Silva, tabelião das notas, a 4 de novembro de 1784, Leiria.

Neste processo, para além dos actos formais próprios da petição em causa, são transcritos documentos relativos à fundação do Convento de Santo Agostinho de Leiria, nomeadamente:

[A] [1576] OUTUBRO, 16, Lisboa - Carta régia concedendo autorização para fundação de um mosteiro da Ordem dos Ermitas de Santo Agostinho, em Leiria.

[B] [1576] OUTUBRO, 16, Lisboa - Carta régia dirigida ao juiz e vereadores de Leiria recomendando-lhes a fundação de um mosteiro da Ordem dos Ermitas de Santo Agostinho, em Leiria.

[C] [1573] DEZEMBRO, 20, Leiria – Pedido do provincial da Ordem, Fr. Diogo de S. Miguel, para a fundação de um mosteiro em Leiria e licença e consentimento, para esse efeito, de D. Gaspar do Casal, bispo da cidade.

[D] 1577 JANEIRO, 5, Leiria – Instituição e dotação, por D. Gaspar do Casal, de uma capela de missas por sua alma no Convento a fundar, em Leiria, da Ordem dos Ermitas de Santo Agostinho.

[E] 1577 JANEIRO, 5, Leiria – Posse dos Olivais do Papel, junto de Leiria, por Fr. Diogo de S. Miguel, provincial dos Eremitas de Santo Agostinho.

TT – Desembargo do Paço: Estremadura, Maço 1686, Doc. 48.

Sua Magestade he servida que vendo-se na Meza do Dezembargo do Paço a petição com os documentos juntos do prior e mais religiozos do Convento de Santo Agostinho da cidade de Leiria, se consulte com effeito o que parecer sobre a materia de que se tracta. O que Vossa Senhoria fará presente na mesma Meza para que assim se execute.

Deus guarde a Vossa Senhoria. Palacio de Queluz em 23 de Agosto de 1785.(Assinatura) Visconde de Villa Nova da Cerveira.Senhor Jozeph Ricalde Pereira de Castro. //[Fl. 2]O corregedor da Comarca de Leiria informe com o seu parecer averiguando a

quem pertencem as jugadas de que os suplicantes se querem eximir. Lixboa 27 de Agosto de 1785.(Rubrica ilegível)

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A Vossa Magestade reprezentão o prior e mais religiozos do Concento de Santo Agostinho da cidade de Leiria, que havendo D. Fr. Gaspar do Cazal bispo que foi daquella cidade obtido liccença do Senhor Rey D. João 3º para nella fundar o ditto Convento como se mostra do alvara e carta regia copiados na primeira certidão junta com a de 6 de Outubro de 155641, o mesmo Bispo fundador o dotou com os bens de rais expressados na escriptura de duação que consta do segundo documento junto e o mesmo Convento donatario desde aquelle tempo tê ao prezente sempre por sua conta amanhou e desfrutou os dittos bens doados que por isso são atê agora tem sido izemptos do pagamento da jugada e outavo com fama de privilegio e na conformida-de da Ordenação Livro 2 titulo 39, & 8, bem entendida outro & 25 da mesma Ley e doutrinas de Oliva por ulas. 1 parte, questão 38, nº 24, 28 e 31.

Porem o contractado actual dos referidos direitos os pertende cobrar dos sup-plicantes com o pretexto de se lhes haverem lançado nos annos preteritos do seu contracto contra a boa intiligencia da sobreditta Ley, fama de privilegio e custume immemorial que se prova da 3ª e ultima certtidam junta em cujos termos recorem a Vossa Magestade immidiatamente para por sua rial grandeza e piedade ser servido declarar por seu decreto que os supplicantes são izemptos de pagar a jugada e oitavo que indireitamente se lhe tem lansado aos referidos bens da fundação e dotação do seo Convento, ordenando que os tais direitos reais se cobrem dos falidos ou donde direito for ficando os supplicantes escuzos do seu pagamento.

E receberão merce.(Assinatura) Fr. Joaquim Forjão, procurador geral da Provincia. //

[Fl. 3]Dizem o reverendo prior e mais religiozos do Convento de Santo Agostinho desta

cidade que para bem de sua justiça lhe he necessario que qualquer dos tabaliaens de nottas a quem os documentos juntos forem aprezentados, lhos passe por certidam em publica forma.

Pede a Vossa Merce lhe faça merce manda-lo assim. E receberão merce.…Francisco Veira da Sylva publico tabaliam de nottas em esta cidade de Leiria e seo

termo etc certefico que por parte dos reverendos suplicantes contiudos na pitiçam su-pra me foram apprezentados os documentos de que em a ditta peteçam fazem mençam dos quaes o seo theor e forma he da maneira seguinte.

Petiçam.Dizem o reverendo prior e mais religiozos do Convento de Santo Agostinho desta

cidade que tem noticia que no lançamento da jugada do anno paçado de mil e sete-centos e setenta // [Fl. 3v] e setenta e seis se lançaram aos reverendos suplicantes

41 Esta leitura “1556” e atribuição a D. João III resultam de erros de leitura e interpretação na cópia dos documentos apresentados para a instrução deste processo. Terá de se referir a 1576.

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doze alqueires de pam meado de jugada na ventena de Espitte, quatro alqueires de pam meado na ventena de Sirol, e tres alqueires de pam meado na ventena do Souto de Sirol, que se pertendem cobrar. E porque as propriadades a que as jugadas foram lançadas são do patrimonio do seo Convento como se mostra da certidam de sua fundaçam junta, e todos os reverendos suplicantes amanharam por sua conta no ditto anno e fabricaram como he notorio e constante e por isso não deves jugadas digo por isso não devem jugada alguma nem nunca a pagaram tanto pellos previlegios de que gozam, como por ser assim expreço na Ordenaçam, libro segundo, titulo trinta e tres, parafo outo, pertendem se excusar.

Pedem a Vossa Merse lhe faça merse mandar que imforme o escrivam e respondam os lovados das ventenas respetivas, e se sirva haver aos reverendos suplicantes por es-cuzos do pagamento das dittas jugadas declarando que as não devem. E receberá merce.

Despacho.Informe como pede. Rezende.

Informaçam.Revendo o livro da jugada do anno de mil setecentos e setenta e seis nelle a folhas

sincoenta verço na ventana de Espite, e nas // [Fl. 4] e nas pesoas de fora se acha a verba seguinte: os religiozos de Santo Agostinho de Leiria pella fazenda que tem na ventana de Espite, doze alqueires meados por pagar. E do ditto livro a folha noventa e nove verço na ventana de Souto de Sirol no titulo do Souto de Bacho se acha a verba seguinte: os religiozos de Santo Agostinho desta cidade, quatro alqueires meados por pagar. E do dito livro a folhas duzentas e sincoenta e huma verço na ventana de Sirol e pesoas de fora se acha a verba seguinte: os frades de Santo Agostinho tres alqueires e meio meados, por pagar.

Do que consta do ditto livro a que me reporto em fé do que me asignei. Leiria quatro de Dezembro de mil e setecentos e setenta e sete. Pinto Joze Cosme Pereira.

Replica.Dizem os reverendos suplicantes que aprezentando esta aos lovados das ventanas

respectivas para responderem na forma do douticimo despacho retro o não quizeram fazer. E porque nestes termos devem ser noteficados para que respondam no termo de vinte e quatro horas com a concinaçam de se lhe havera sua resposta por dada e se deferir como for justiça.

Pedem a Vossa Merce lhe faça // [Fl. 4v] faça merce mandar que qualquer offecial de justiça os notefique na forma referida e com a dita concinaçam. E receberam merce.

Despacho.Sim; para que venham dar a sua reposta a caza do escrivam, pena de prizam.

Rezende.

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Petiçam.Dizem os reverendos prior e mais religiosos do Convento de Santo Agostinho des-

ta cidade que para bem de sua justiça lhe he necessario que qualquer tabaliam a quem os documentos juntos dos bens das fazendas do seo Convento forem apresentados, lhe pace certidão deles em publica forma.

Pedem a Voça Merce lhe faça merce manda-llo assim. E receberam merce.

Despacho.Pace. Rezende.

Certidam.Aos senhores que a presente virem, Joaquim Antonio das Neves, publico tabaliam

de nottas em esta cidade de Leiria e seo termo por Sua Magestade Fedelissima que Deos guarde etcª Certefico que por parte dos reverendos suplicantes contheudos na petiçam atras me foram apresentados os documentos de que em ella fazem mençam, dos quaes o seo theor he pella forma // [Fl. 5] forma e maneira seguinte.

[A]Eu El Rey faço saber aos que este alvará virem que eu ei por bem e me praz de

dar licença a Dom Gaspar do Cazal bispo da cidade de Leiria, do meu Conselho, que possa edificar e fazer na dita cidade hum mosteiro da Ordem de Santo Agostinho, ha-vendo respecto ao beneficio espiritual que o povo disso receberá e ao ornamento e no-breza que disso rezultará á cidade. E este se comprirá posto que não seja paçado pella chancelaria sem embargo da ordenaçam em contrario. Jorge da Costa a fes, em Lis-boa, a dezasseis de outubro de mil e quinhentos e sincoenta42 e seis. Rey. Cumpraçe.

Em Camara a dezasseis de dezembro de mil e quinhentos e sincoenta43 e seis.Campello. João Abreu. Anto[nio] Pinto. Lino Pereira. Dom João segundo [sic].Da Vossa Alteza, licença ao Bispo da cidade de Leiria a que poça fazer nella hum

mosteiro da Ordem de Santo Agostinho e que não pace pella chancelaria. Cumpraçe. A quatorze de novembro de mil e quinhentos e sincoenta e nove. An-

dre Lobo. // [Fl. 5v] Andre Lobo.

[B]Juiz, veriadores, procurador da cidade de Leiria. Eu El Rey vos invio munto sau-

dar. Dom Gaspar do Cazal, bispo deça cidade, do meo Conselho, me inviou dizer que elle queria ora edificar e fazer nella hum mosteiro da Ordem de Santo Agostinho pella grande devoção e obrigação que tinha da dita Ordem, de que hera filho, e também pelo

42 Sic; mas erro de cópia. A data terá de ser “setenta”, ou seja, 1576, quando D. Gaspar do Casal, bispo de Leiria, levava a cabo as diligências para a fundação do Convento, que decorreram por 1576-1577.

43 Sic, mas errado. Ver nota anterior.

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amor que tinha a essa cidade e povo della, a que desta obra resultaria muito proveito espiritual, e me pedio que lhe desse para isso licença, a qual eu houve por bem de lhe dar por entender quanto convinha a essa cidade efectuarçe o ditto mosteiro assim pelo beneficio das almas, e couzas espirituais, como pelo ornamento e nobreza da cidade, pelo que me pareceo devo vo-llo escrever encomendar-vos, como encomendo munto, que em tudo o que tocar a este mosteiro e obras delle ajudeis o Bispo, e lhe asistaes para que elle com mais vontade // [Fl. 6] vontade folgue de proseguirem em couza de tanto serviço de Nosso Senhor porque alem da obrigação que a isso devedes pelo que toca á cidade eu reseberey contentamento de o assim fazerdes e vo-lo agradecerey e terei munto em serviço. Escripta em Lisboa, a dezaseis de outubro. Jorge da Costa a fes, de mil e quinhentos e sincoenta44 e seis. Rey. Para a cidade de Leiria.

[C]Dom Gaspar do Cazal por merce de Deos e da Santa Igreja de Roma bispo da ci-

dade e Bispado de Leiria, e do Conselho de de [sic] El Rey nosso senhor etcª Fazemos saber aos que esta carta de licença e consentimento virem que o reverendo e catolico padre Frey Diogo de Sam Miguel, provincial da Ordem dos Relligiozos Hermitaens Mendicantes do Glorioso Doutor Santo Agostinho, desta Provincia de Portugal // [Fl. 6v] de Portugal, em seu nome e de toda a Provincia, nos fez huma petiçam por escrip-to da qual o treslado de verbo ad verbum he o seguinte.

Dis Frey Diogo de Sam Miguel, provincial da Ordem dos Religiozos Ermitaens Mendicantes do Glorioso Doutor Santo Agostinho, desta Provincia de Portugal, em seo nome e de toda a Provincia, que por serviço de Nosso Senhor Deos, e por bem espiritual dos fiees christãos, e por sua devoção e por satisfazer a obrigação que tem do procurar todo o bem esperi[tu]al das almas e povo christam, como se faz de novo e sempre se fes, em muntas partes do Reino, e fora delle, quanto foi e he possível da sua parte e da Pro-vincia. E vendo o grande bem espiritual das almas do povo christam que se recebe e tem recebido dos santos exercícios e devinos officios e sacraficios e oraçoens dos religiosos dos lugares em que vivem, dezejam munto // [Fl. 7] munto todos os religiosos, desejam fazer em esta cidade episcopal hum mosteiro da dita Ordem. E porque conforme ao Santo Concilio Geral Tredentino o não pode edificar, fazer, nem fundar sem licença do bispo e ordinario do Bispado em que se hover de edificar, pede a Voça Senhoria que he bispo e ordinario desta cidade e Bispado de Leiria haja por bem dar-lhe licença para isso em o que fará serviço a Nosso Senhor Deos e a elle e a Provincia fara charidade e merce.

Sendo-nos apresentada esta petiçam, e por nos vista, pronunciamos em ela o des-pacho seguinte.

Havendo respeito ao que o padre provincial suplicante em seo nome e da Provin-cia dis e alega, e pede, e bem assi a dispoziçam do Santo Direito Canonico comum e ao favor que todos os Santos Padres paçados folgarão de dar aos religiosos que gas-

44 Assim está no processo, mas é erro do copista. Terá de ser “setenta”, até porque em 1556, D. Gaspar do Casal não era ainda bispo de Leiria.

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tassem fundar e edificar mosteiros em as terras dos nossos santos christãos catolicos // [Fl. 7v] catholicos, e as graças e indologencias que para esta merecer se consederam e concedem por privilegios particulares, por verem o grande proveito espiritual das almas que disso se segue. E bem assim havendo respeito particularmente ao bem co-mum espiritual de todas as pessoas deste bispado e a nobreza e aumento e honra desta cidade, e ao que nos consta de proveito espiritual que se faz assim em os mosteiros antigos como em os mosteiros novos, que da dita Ordem, e das outras hordens de reli-giosos se fazem, e pella devoção particular que temos á dita Ordem, que profeçamos, e cujo habito temos e trazemos de nossa mocidade athe ao prezente com ele estuda-mos e procedemos como he notorio, havemos por bem de conceder e concedemos a dita licença que se pede e mandamos que lhe seja paçada nossa carta e provizam de licença em forma para que por parte da dita // [Fl. 8] dita Ordem se poça fazer o ditto mosteiro em este nosso bispado em o lugar e modo que lhe por nos for declarado para mais serviço de Nosso Senhor Deos e bem comum especial de todo este bispado e nobreza desta cidade. E por assim passar em verdade lhe mandamos passar o prezente e por nos assinada e sellada com o nosso sello, pella qual havemos por bem de lha dar e demos licença e consentimento para que em este nosso bispado poça edificar o ditto mosteiro e igreja delle asi e de modo que em o dito nosso despacho se contem.

Francisco Ribeiro escrivam de nosso auditório eccleziastico e notario apostolico, por apostolica autoridade e por nos aprovado, a fes em Leiria por nosso especial man-dado, em os vinte dias do mes de dezembro do anno do nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e quinhentos e sincoenta45 e tres anos.

Bispo de Leiria. // [Fl. 8v]

[D]Instromento.Em nome de Deus ámen. Saibam quantos este instromento de duaçam inter vivos ex cauza e constituição de

capella ou como em direito milhor se poder dizer virem que em o anno do nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e quinhentos e setenta e sete anos aos sinco dias do mes de janeiro de mil e sete digo de janeiro em a cidade de Leiria na cerca della nas pousadas do Munto Ilustre e Reverendissimo Senhor Dom Gaspar do Cazal, bispo desta cidade e do Conselho del Rey nosso senhor, estando hi o dito senhor prezente e bem assi o Munto Reverendo Padre Frey Diogo de Sam Miguel, provincial da Ordem do glorioso Doutor Santo Agostinho, em este reino de Portugal, logo pelo dito senhor bispo foi dito em prezença de mim tabaliam e das testemunhas abacho assignadas digo nomeadas que elle tinha humas letras apostólicas e dom (?) do Munto Santo Padre o Papa Pio quarto de boa // [Fl. 9] de boa memoria e cendo em toda a Igreja de Nosso Senhor Deos prezidente, paçadas do motto proprio e certa ciencia e autoridade

45 Sic; mas terá de ser “setenta”, em tempo do episcopado de D. Fr. Gaspar do Casal e no contexto da fundação do Convento, que se desenrola na década de 1570.

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apostolica em Roma apud sanctum Petrum sub annulo piscatoris em os vinte e quatro dias do mês de junho de mil e quinhentos e sessenta e tres e o quarto anno do seo pontificado, pelas quaes Sua Santidade consedio a Sua Senhoria himodam licenciam et facultatem autoridade apostolica para que ou por via de testamento nuncupativo ou escrito ou por duaçam asi emtre vivos, com cauza mortis, passada em sua vida ou dei-xar por seo falescimento, sette mil cruzados de bens de raiz ou movaens ainda que se-jam preciozos ou semoventes, ou por qualquer via que os haja acquiridos ou au diante acquirir de fructos e rendas eccleziasticas asi do Bispado do Funchal que teve, como do Bispado de Leiria que tem, como // [Fl. 9v] como de quaisquer outros benefícios e pençoens a quaisquer pessoas que lhe bem parecer e por bem hover ainda que eles forem incapazes e por qualquer via que a incapacidade for contrahida, havendo Sua Santidade por bem em as ditas letras tudo o que elle dito senhor bispo nesta parte du-ace ordenace e deixasse suprindo para este efeito todos os defectos que inda viessem ou pudessem intervir tam claris, tam facti, e das solenidades ainda que sustanciaes se porventura em isso hovesse como tudo mais largamente disse contem e pode ver em as ditas letras as quaes em tudo e por tudo se reporta e remete.

E bem assim disse o ditto senhor bispo que elle por virtude das ditas letras aposto-licas e por serviço de Nosso Senhor Deos, e pella devoção que tinha á dita Ordem do glorioso Doutor Santo Agostinho e de que he profeço e profeçou e em que // [Fl. 10] em que se criou cujo habito sempre teve de sua mocidade, e havendo respeito a que o dito padre provincial por sua parte dos relegiozos da dita sua Provincia lhe tinhão pedido licença para que em este seo Bispado pode fazer e fundar hum mosteiro de sua Ordem e elle bispo lha tinha dada por muntas razoens e cauzas justas em sua carta da dita licença contheudas.

E bem assi havendo respeito ao grande serviço de Nosso Senhor Deos que em a dita obra da Santa Se fazia e ao grande bem comum espiritual de todas as pessoas e almas deste Bispado e a nobreza e prol e honra de toda esta cidade e folgando de favorecer obra tam santa, pia e religiosa, havia por bem de dar e doar e como de feito deste dia para tudo sempre dava e deo e hove por dado e doado por duaçam entre vivos aa dita Ordem com as clazulas e condiçoens abacho de // [Fl. 10v] abacho declaradas toda a sua fazenda de raiz que em este Bispado tem comprado em propriedades e lugares deferentes convem a saber:

Huma terra de pão que comprou ao feitor João de Barros que Deos tem que está junto de Sam Pedro do Campo. E hum cazal em Cirol. E o muinho do Lapedo. E o cazal de Espite. E duas vinhas junto das Cortes. E humas terras na Vargea do Vidigal. E outras duas terras pequenas junto do muinho da Nogueira. E duas terras na Vargea da Baroza que se compraram da fazenda que foi de Alvaro Botelho que se venderam por mandado del Rey nossos senhor para pagamento de dividas. E outras terras que foram de Diogo Castanho que estam na Vargea da Azoia. E huma vinha na Mourãa. E huma ametade do muinho da Nogueira com hum pedaço de vinha com sua testada // [Fl. 11] testada de terra. E hum olival. E hum pedaço de pumar. E metade de hum pombal com sua ame-tade de terra que foram dos herdeiros de Antonio Leitam. E hum muinho na Ribeira de

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Litem com seo lagar de azeite e cham ao redor que comprou a Francisco de Freitas. E os olivaes do muinho do Papel, que comprou a diversas pessoas. E tres moios de trigo em cada hum anno para sempre que comprou em a quinta e fazenda do dito Doutor João de Barros, cujas confrontaçõens e devizoens da dita fazenda toda consta pelas mesmas es-crituras das compras que se fizeram, as quaes ao fazer desta o dito senhor bispo mandou emtregar ao dito padre provincial e dellas consta os preços por que foram compradas que poderam chegar a quatro mil e quatrocentos cruzados ou a quatro mil e quinhentos, e não mais, como das mesmas // [Fl. 11v] das mesmas escripturas consta.

A qual fazenda elle ditto senhor bispo declarou que comprara e tinha comprado para huma capella de missa ou missas que queria instituir por si em sua vida, e depois de seo falecimento e por todas as pessoas e almas a que elle tivesse alguma obrigação para o qual efeito folgou de separar e poupar, e separou e poupou o dinheiro com que comprou as ditas propriedades defraudando o seo patrimonio, e tirando-se de gastos que licitamente podera fazer com sua pessoa e caza e família, segundo a despoziçam e ordenança do Santo Direito Canonico, como he notório.

E bem assi declarou elle senhor bispo que por estes respeitos e pelas cauzas e rezoens asima ditas asi dava e doava esta fazenda aa dita ordem, constituhia a dita capella pelo modo e com as clauzulas e condiçoens seguintes. // [Fl. 12]

Primeiramente que os padres da dita Ordem farão o dito mosteiro em esta cidade em o lugar que parecesse [a] elle ditto senhor bispo para isso lhe daria escolhendo o mais apto e pertencente para o serviço de Nosso Senhor Deos e bem esperitual do povo deste Bispado e nobreza e honra desta cidade.

Segundo que as rendas destas fazenda[s] se gastarão em as obras do dito mosteiro e igreja enquanto durar a obra necessaria por ordenança do dito senhor bispo em sua vida e por seo falecimento por ordenança do padre provincial e não se gastará em outras couzas emquanto a dita obra durar e a obra que se ha-de haver por necessaria sera aquella que elle senhor bispo der por sua traça.

Terceiro que quando Nosso Senhor for servido levar para si deste mundo o ditos senhor bispo desse dia encluzive por diante para sempre os religio // [Fl. 12v] os religiozos seram obrigados a dizer por elle huma missa rezada quotidiana por elle [e] por as pessoas a que tem obrigaçam [e] em cada hum anno faram aniversario em o dia de seo fallecimento com todo o officio dos defuntos cantado46. E as ditas missas da dita capella, e domingos e festas de guarda e dias duplex se diram do dia e do officio que rezarem. E em outros dias se diram comforme a instituiçam e devoçam da Santa Madre Igreja de Roma e reza do Missal Romano novo convem a saber á segunda feira dias de Defuntos, a terça feira dos Anjos, e a quarta dos Apostollos, á quinta do Espi-rito Santo ou do Santissimo Sacramento, á sesta da Cruz ou das Chagas ou da Paixam, ao sabado de Nossa Senhora.

Quarto, que porquanto elle senhor bispo dezeja paz e concordia e guarda e conser-vaçam de charidade / [Fl. 13] de caridade entre os padres do Cabbido e beneficiados

46 No documento: “con todo.”

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deste Bispado e os religiozos do dito mosteiro, folgava munto que os ditos religiozos não grangem por si nem mandem grangear por seos famaliares ou por outras pesoas aa sua custa has ditas propriedades de pão. E querendo-as grangear mandem pagar as dizimas do pão das ditas terras que asi grangearem aas igrejas paroquiaes a que segundo direito comum pertencem de prelado e de beneficiados da Sé.

E bem assim dezeja pelos mesmos respeitos esperituaes que os relligiozos em todas as quartas partes funeraes partam irmãamente pella metade as offertas que fo-rem offerecidas em os enterramentos dos defuntos que em o dito mosteiro eligerem sepulturas.

Pede sua senhoria e roga munto ao dito padre provincial que em seo nome e da Provincia hajão esto por bem / [Fl. 13v] por bem e que com estes dois cazos não quei-ram gozar dos seos privilegios e liberdades que tem para levar os dizimos enteiros das suas propriedades grangeando-as e para levar as taes quartas das offertas funeraes dos emterramentos.

Quinto, que em caza nova que ora o dito senhor bispo mandou fazer em o dito muinho do Lapedo e a caza della quanto he a fazer a cerca della quanto ha a fazer-se em ella a setiha de azeite ou por-se outra pedra de pão rezerva sua senhoria para si a declaraçam e condiçam que em isso [mes]mo lhe parecer bem.

Sexto, declarou o dito senhor bispo e mandou e hove por bem e assim o instituio e institue que toda esta fazenda foce avincullada a dita capella e á sustentaçam dos religiozos do dito mosteiro, de modo // [Fl. 14] de modo que elles não podesem nem posam por via alguma dar nem duar nem alienar a dita fazenda nem parte alguma della a pesoa alguma que hande sempre junta e avinculada a dita capella e sustentaçam dos religiozos. E porem poderam escaibar ou permutar com outras propriedades sendo em proveito e prol da dita capella e relligiozos do dito mosteiro.

E sendo cazo que alguns escaibos se façam da dita maneira as propriedades com que asi escaibarem ficarão asi e do modo avinculadas a dita capella como erão aquellas por que se escaibaram. E que o escaibo de que se tratou e trata com Pedro Rodrigues Pereira e o procurador de Dona Biatriz, e com Pedro de Noronha // [Fl. 14v] de Noro-nha senhor da Caza da Villa do Conde [sic] se acabara por sua senhoria mesmo, como foi começado ou pellos religiozos a quem fas esta duaçam.

E declarou elle senhor bispo e ordenou e asi a instituio que sendo cazo, o que Nosso Senhor não permita, que esta obra e edificaçam do dito mosteiro por alguma via qualquer que seja se impida por pesoas desta cidade ou fora della todavia esta do-açam e instituiçam de capella fique feita a dita Ordem e a dita Ordem mande comprir as ditas misas e officios e tudo o mais asima dito e o Mosteiro de Santo Agostinho da villa de Santarem ou em outro qualquer mosteiro da dita Ordem em esta Provencia onde lhe milhor parecer. E onde as missas se dicerem ahi se receberão as rendas das ditas propriedades.

E isto em tal cazo deixa a Ordem // [Fl. 15] deixa á Ordem declarando que folgaria elle senhor bispo que fose em o Mosteiro de Santarem donde elle he natural e thomou o habito da Santa Religiam e foi consagrado em bispo.

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E declarou elle senhor bispo que sendo Nosso Senhor servido leva-lo para si deste mundo antes do falecimento de sua irmãa Maria Antunes do Cazal, os padres destas rendas lhe dem tudo aquello que parecer razam para ajuda de sua sustentaçam em sua vida della se elle bispo não declarar particularmente o que lhe sera dado.

E logo pelo dito padre provincial foi dito que elle em seo nome e da Provincia como provincial que he e dos padres diffinidores do capitulo provincial paçado cuja comiçam para isso disse ter em seo poder aceitava e de feito aceitou esta duaçam e instituiçam com todas // [Fl. 15v] com todas as clazulas, condiçoens, obrigaçoens, rogos e petiçoens asima contheudas. E disse que assim aguardariam e compririam inteiramente como nella se contem.

E por desto serem contentes47 asi o dito senhor bispo como o dito padre provincial o outorgaram e mandaram delle ser feito este instromento de duaçam e instituiçam como dito fica nesta nota e della dar huma para a dita Ordem e as que lhe comprirem deste theor.

E bem asi disse mais o dito senhor bispo que d’oje por diante dezestia como de feito logo dezestio de toda a poce dominio, senhorio, rezam, acçam e acçoens que na dita fazenda athe aqui teve e ter podia e todo disse que punha e promodava, cedia e transpaçava na dita Ordem e lhe deo poder e authoridade que a dita Ordem ou quem para ello ordenar possam man // [Fl. 16] possam mandar thomar a poce della sem mais outra ordem nem figura de justiça.

Testemunhas que a tudo foram prezentes: João de Barros, fidalgo da caza del Rey nos-so senhor, instante em caza do dito senhor bispo. E o Lecenciado Diogo Lopes. E Manoel Antunes tabaliam. E Gaspar Esteves. E Jorge Lucas. E Antonio Cordeiro. E Thomé Pe-reira, todos criados do dito senhor bispo, instantes em sua caza e moradores nesta cidade.

E declarou o dito senhor bispo que quanto aos tres moios de trigo de renda que tinha comprado a Maria de Almeida, se comprirão com as condiçoens da dita escrip-tura com que lho venderam que se fez ao tempo da venda. Testemunhas, as sobreditas.

E eu Andre Dias Preto, publico tabaliam das nottas por el Rey nosso se // [Fl. 16v] nosso senhor em esta cidade de Leiria e seo termo que esta de minha nota tirey bem e fielmente e portanto asigney de meu publico sinal que tal he. Pagou nada.

[E]Saibam quantos este publico instromento de poce virem como aos sinco dias do

mes de janeiro do anno do nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e qui-nhentos e setenta e sete annos, junto da cidade de Leiria, nos Olivais do Papel, estando hi prezente o Munto Reverendo Padre Frei Diogo de Sam Miguel, provencial da Or-dem do Glorioso Doutor Santo Agostinho, em estes reinos de Portugal, logo perante mim tabaliam tomou posse dos olivaes contheudos na duaçam atras que o senhor bis-po tinha feita aa dita Ordem, passeando por elles e thomando ramos das ditas oliveira. Pollas [quaes] couzas eu tabaliam o ouve por apoçado // [Fl. 17] apossado delles. E

47 No documento: “constantes.”

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pro de todo isto me pedir que lhe paçace huma certidam da dita posse, e que asi toma-ra, e eu tabaliam lhe dera, lhe pasei a prezente por mim fecta e asignada.

Testemunhas que a tudo foram prezentes ao dar da dita posse: Manoel Antunes, criado de mim tabaliam, e Francisco Fernandes, criado do senhor bispo, ambos mora-dores na cidade. E eu Andre Dias Preto, publico tabaliam das notas por el Rey nosso senhor em esta cidade de Leiria e seo termo que este instromento de posse fis e nelle asigney de meu publico sinal que tal he.

E não se continha mais em os ditos documentos de que dito he com o theor de que tudo eu sobredito Joaquim Antonio das Neves, publico tabaliam de nottas em esta cidade de Leiria e seo termo, aqui fis paçar a pre // [Fl. 17v] paçar a prezente certidam bem e fielmente e na verdade sem couza alguma que duvida faça, porquanto esta com os proprios a que em todo e por todo me reporto em mim e poder do Reverendo Padre Frey Mathias de Sam Miguel, relligiozo no Convento de Santo Agostinho desta cidade, a quem os entreguei, que de como os recebeo aqui comigo asignou, com fe vi e consertei por mim somente, em fé do que me asigney em publico e razo, em esta cidade de Leiria aos vinte e tres dias do mes de setembro de mil setecentos setenta e seis annos.

E eu Joaquim Antoneo das Neves publico tabaliam de notas que o sobrescrevi, declaro que dis a antrelinha na lauda vigessima sexta regra, des, logo, o sobredito o decllarey. Publico sinal. Em testemunho de verdade. Joaquim Antonio das Neves.

Consertado por mim tabaliam, João // [Fl. 18] Joaquim Antonio das Neves.Frey Mathias de Sam Miguel, recebi os proprios decomentos.

Certidam.Joze Marques, juis da ventana de Agoa Boa certefico que eu notifiquei a Antonio

Marques e a Manoel Marques Mascarreiro, do Carvalhal de Espite, lovados que foram do anno de mil e setecentos e setenta e seis da jugada do mesmo anno e ventena e os notefiquo na forma da mesma rodem, e por cer verdade pacei a prezente que asigno hoje, doze do mes de janeiro de mil e setecentos setenta e outo annos. deste e caminho cem reis. O juis Joze Marques.

Certidam.Sertefico eu escrivam da ventana do Souto de Sirol que eu notefiquei Manoel

Joam do Tubaral, Manoel Fran // [Fl. 18v] Manoel Francisco Gaio, do Souto de Bacho, lovados que foram do anno de mil e setecentos e setenta e seis da jugada da mesma vintena, e os notefiquei na forma da pitiçam retro. por verdade pasei esta que asigney hoje, vinte e seis do mes de janeiro de mil e setecentos e setenta e outo annos. desta e caminho quarenta reis, do escrivam, Joze Pereira.

Informaçam.Senhor doutor corregedor. No anno de mil e setecentos e setenta e seis, lançámos

tres alqueires e meio de pam meado ao cazal dos muntos reverendos padres do Conven-

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to de Santo Agostinho que amanham por sua conta no sitio do Lapedo, nesta ventana de Sirol, cuja lançámos em virtude de hum despacho // [Fl. 19] despacho do doutor ouvidor que mandou repartir jugada a todos sem excepçam de pesoa alguma. Vosa merse man-dará o que for servido. O lovado, Manoel Francisco. O lovado, João Antonio.

Informaçam.No anno de mil e setecentos e setenta e seis lançámos jugada digo lançámos qua-

tro alqueires de pam meado ao cazal dos relligiozos que amanham por sua conta no sitio do Lapedo em esta ventana do Souto de Sirol, sitio do Souto de Bacho, os quaes lançámos em virtude de hum despacho do doutor ouvidor a que me reporto. Do lovado, Manoel João do Tubaral. Lovado Manoel Francisco, do Souto de Bacho. Eu escrivam da mesma ventena esta informaçam escrevi e com elles asigney hoje, vinte e sete dias do mes de janeiro, de mil setecentos // [Fl. 19v] e setecentos e setenta e outo annos. E eu escrivam Joze Pereira.

Resposta.Em primeiro lugar respondem os suplicantes que sendo elles lovados da jugada

do anno de mil e setecentos e setenta e seis a elles se expedio huma ordem que detre-minava que fizecem o dito lançamento sem excepçam de pessoa alguma que assim o detriminava a Ley novissima. E sendo os suplicantes executores meros da dita rodem tinhão obrigaçam de lhe obedecer inteiramente, lançando-a a todos que lhe não mos-traram ezempçam.

Os suplicantes em segundo lugar sam homens rusticos e ainda que fossem certos das leis, não era forçozo que tivessem noticia de quantos privilegios // [Fl. 20] privile-gios há. E por isso se os reverendos suplicantes tinhãm algum privilegio devião te-llo aprezentado na menza dos lavradores e feitores [e] istar no Livro do Almoxarifado, para na rodem ir essa izempçam, sem o que nao o podem ser. Asim he escrito em direito comum no livro emmunitatis no no. cod. agricoles et consetis, livro onze atras julgado ca. 66, 2 parte, artigos 22 he expreço no regimento das jugadas de Sam. no capitulo onze e doze.

A ordem que se paçou para os suplicantes la[n]çarem a jugada sem excepçam he porque os reverendissimos suplicantes nem, tinham aprezentado nem feito reigistar asi o privilegio.

Quanto maes os reverendi // [Fl. 20v] reverendissimos suplicantes que não apre-zentarão asi o privilegio he porque o não tem. Pois pellas razoens de sua suplica e ordenaçam que citam não podem nem devem ser excuzos da jugada, pois a mesma ordenaçam claramente para as igrejas e mosteiros não pagarem jugada lhe poem obri-gaçam de terem privilegio.

E porquanto algumas igrejas e mosteiros he outrogado privilegio que não paguem jugada de forma que a mesma Ley as não excluia sem elles aprezentarem o privilegio da sua inzençam. E assim emquanto o não aprezentarem expreçamente não podem ser izentos.

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E aprezentando he necessario que mostrem tambem a licença real porque adque-riram aquellas terras que sam jugadeiras, pois // [Fl. 21] pois sendo adqueridas sem lisença devem pagar jugada sem embargo do privilegio ordenaçam Livro segundo, titulo vinte e sinco parafo fin et titulo dezouto parafo seis. E a rezam eh clara: quia frusta legis implorat auxilium, qui commitit in legim. E ainda maes he necessario que se mostre que essas terras jugadeiras não foram adqueridas deposi do privilegio lhes ser concedido, porque o privilegio para não pagar jugada intende-se das terras que entam tinham e não se extende as que depois adqueriram. Afflcit Ep, verba regalia nomera cento e dezouto.

E finalmente devem mostrar que esse privilegio foi concedido antes que o senhor rey Dom Affonço quinto fizece compoziçam dos duzentos moios // [Fl. 21v] moios com os lavradores e antes que fizece a duaçam e venda destas jugadas á Caza da Villa Real de donde paçaram para a Serenissima Caza do Infantado porque o privilegio depois disto não lhes pode aproveitar por ser em perjuizo do povo e dos donatarios, ordenaçam livro segundo, titulo sincoenta e sete, in principio notat valas e constitui-çam doze per totam.

Esta he a nossa resposta e o motivo porque fizemos assim o lançamento voça merce porem detreminará com a justiça costomada.

Leiria, treze de janeiro de mil e setecentos e setenta e outo.

Termo.Aos treze dias do mes de janeiro de mil e setecentos e setenta e outo annos nesta

cidade de // [Fl. 22] cidade de Leiria e escritorio de mim escrivam ahi sendo prezentes Antonio Marques do Simo da Igreja de Espite e Manoel Marques do Carvalhal de Espite digo do Carvalhal ambos da ventana de Espite, lovados que foram da reparti-çam da jugada da dita ventena no anno de mil e setecentos e setenta e seis e por eles ambos e a cada hum de per si me foi ditto que a reposta antecedente hera a que davam ao requerimento dos reverendos prior e mais religiosos do Convento de Santo Agos-tinho a respeito da jugada que lhe lançaram e pelo assim dizerem fis este termo que assinaram com as testemunhas. Manoel Pereira, trabalhador da Codiceira, e Jurdam Salteiro, do lugar da Canoeira, Bento Joze Cosme Pereira o escrevi. De Antonio Mar-ques huma cruz. De Manoel Marques hum[a] cruz. De Manoel // [Fl. 22v] de Manoel pereira testemunha huma cruz. De Jurdam Salteiro testemunha huma cruz.

Como os bens a que se lançou a jugada sam do património do Convento parece que os reverendos suplicantes sam munidos com a izençam da jugada comforme a ordenaçam, livro segundo, titulo trinta e tres, parrafo vinte e sinco principalmente, amanhando-as estes as suas custas em que tem ece tal senhorio também, porque con-forme esta L[ei]sendo isentos quaisquer clérigos dos bens de seo património parece que com o mesmo direito o sam os reverendíssimos suplicantes como procurador dos lavradores. João Manoel de Pinna.

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Petiçam.Dizem os reverendos suplicantes que as terras a que lhe foi // [Fl. 23] lançada ju-

gada no anno de mil e setecentos e setenta e seis nas ventanas de Espite, Sirol e Souto de Sirol, que sam património, dote e fundasam do seo Convento como se mostra da certidão junta, em que os suplicantes amanharam e fabricaram por sua conta e despe-za no dito anno, como confeçam os lovados da ventana de Sirol e Souto de Sirol e o mesmo farião os de Espite se outra rezam particular os não estrovase. E sendo as taes terras amanhadas e fabricadas amtes, não devem dellas jugada alguma na forma da Ordenaçam, libro segundo, titulo trinta e tres, parrafo outo. Nem esta Ley lhe manda juntar privilegio algum, mas reconhecendo que algumas igrejas e mosteiros a tem de não pagarem jugada, detrimi // [Fl. 23v] detrimino que sendo estas terras fabricadas por sua conta e despeza, que a não paguem a Igreja e Convento dos suplicantes [que] tem esse mesmo privilegio que a Ley proppoem que he o que lhe provaem do seo patrimonio, dotte e fundação do mesmo Convento, feito com licença regia, como se mostra da mesma certidam.

Porque devendo os patrimonios das igrejas ser livres e isentos de jugada, e de outro qualquer tributo, como sempre se supõem, o Livro de forma ecclesiastica p. 1, q. trinta e outro, numero vinte e quatro verso verum tamen est. Consedendo Sua Mages-tade licença para a fundação do Convento dos suplicantes, tambem lhes consedeo a izençam de jugadas e de outro qualquer tributo, imposto nas terras de seo patrimonio, quia concesso uno, concenssum dicitur // [Fl. 24] dicitur omne quod ad illud requintur. Livro segundo §§ de jurisd. omn. apud re, cap. Praeterea de offic. De Legal. Quanto mais que os patrimonios eccleziasticos sempre foram excuzos de pagamento da ju-gada e de outro qualquer tributo. Id. Oliv sub numero trinta e outo digo trinta e hum. Nesses bens se compreendem os dos patrimonios das igrejas e mosteiros que tambem sam eclesiasticos nam se pode dar diversa rezam para que eles sejam excuzos de ju-gada e o não sejão os do patrimonio da igreja e mosteiro. E munto menos quando he certo que os senhores reis deste Reyno sempre tiveram deliberada entençam e vontade de favorecerem quanto pudessem a liberdade da Igreja, Ordenaçam, Libro segundo, titulo dezouto, parrafo sinco verso // [Fl. 24v] verso. E nossa tençam e vontade he. De modo que sempre quiseram que as igrejas e mosteiros fossem excuzos do pagamento de jugadas, como com a mesma Ordenaçam, livro segundo, titulo trinta e tres, parrafo outo afirma o mesmo o Livro supra, numero vinte outo. E com rezam, porque sendo a jugada hum onus misto, quia pendet partim a fundo, a partem a esconis, qui cum cohint. Cabid. Parte segunda dic. sessenta e quatro, numero sete verso caeterum. Bem sabido que as igrejas e mosteiros e pessoas eccleziasticas sempre foram livres e isen-tas de todo e qualquer onus misto, Id. Oliv. Supra numero vinte e dois.

Pelo que pedem a vossa merse lhe faça merse deferi-lhe como suplicam sem em-bargo da resposta // [Fl. 25] da resposta adversa que não procede no cazo de que se trata, como da mesma se manifesta e do expendido.

E receberam merse.

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Despacho.Responda o procurado[r] da Meza dos Lavradores. Rezende.

Despacho.Como so reverendos suplicantes amanhão por sua conta as fazendas deque se trata, e

estas são do património do seo Convento, como testeficam pella certidão junta, mando que se não cobre a jugada, que erradamente se lhes lançou e que a sua importância seja dos falidos. Leiria de Agosto quatorze, de mil e setecentos e setenta e outo. Rezende.

Petiçam.Dizem o reverendo prior e mais religiosos do Convento de Santo Agostinho desta

cidade que neste juizo dos direitos reaes // [Fl. 25v] dos direitos reaes alcançarão o despacho junto pelo qual foram excuzos do pagamento das jugadas que lhe foram lançadas nas fazendas do patrimonio do seo Convento que amanham e coltivam por sua conta, mandando-se que a sua importancia se haja das falidas. E porque a copia deste despacho deve ficar na Menza dos Lavradores, para que os reverendos supli-cantes não sejam mais inquietados, pedem a vosa merce lhe faça merse mandar que o escrivam da Meza dos Lavradores faça copia do ditto despacho nos livro[s] competen-tes ou ponha as verbas necessarias para que se conserve para o futuro. E receberiam merse.

Despacho.Ponha as verbas necessárias. Rezedende. Digo, Rezende.

Registo.A folhas duzentas e des verso // [Fl. 26] des verso do Livro sexto dos Registos do

Almoxarifado desta cidade de Leiria ficam registadas a petiçam, despachos e docu-mentos e repostas retro. Leiria, quinze de setembro de mil e setecentos e outenta. Joze Pereira de Souza.

Replica.Dizem os suplicantes que requerendo ao escrivam da Meza dos Lavradores que

puzesse as verbas necessárias para que mais se não lançase jugada ás fazendas do pa-trimonio do seo Convento que amanham por sua conta, na forma do despacho retro em execuçam do outro que os isentou desse tributo, lhe diz o escrivam que não tem livros aonde ponha as taes verbas, porque cada anno se faz hum para a cobrança das jugadas e o mesmo lhe diz o escrivam dellas a quem também fizeram o mesmo requerimento. E porque nestes ter // [Fl. 26v] e porque nestes termos se deve registar o despacho da escritura nos livros da real fazenda e passar-se mandado para os lovados da repartiçam das jugadas das ventenas respetivas não lançarem jugada ás taes fazendas [sob] pena de pagarem á sua custa para que os suplicantes não andem todos os anos em semelhantes requerimentos, pedem a vosa merse lhe faça merse manda-llo assim e reseberam merse.

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. história .

E não se continha mais em os ditos documentos do que dito he com o theor do que eu sobredito Francisco Vieira da Sylva, publico tabaliam de nottas em esta cidade de Leiria e seo termo, aqui fis passar a prezente certidão, bem e fielmente, na verdade, sem couza que duvida faça, porquanto esta com o proprio conferi, consertei por // [Fl. 27] por mim somente e aos proprios documentos me reporto na mam de Frey Manoel de Santa Ines, procurador dos ditos reverendos suplicantes, a quem os emtreguey. E de como os ele recebeo assignou aqui comigo e por ser verdade o referido me asiney em publico e razo, aos quatro dias de novembro de mil e setecentos e outenta e quatro anos. E eu Francisco Vieyra da Sylva o sobescrevi. (Sinal do notário).

Desta (?) 1050.(Assinaturas)Em testemunho de verdade, Francisco Vieyra da Sylva.Concertado por mim tabaliam, Francisco Vieyra da Sylva.

Recebi os proprios, Fr. Manoel de Santa Ignes. //

[Fl. 28]Os reverendíssimos padres do Convento de Santo Agostinho devem deste contra-

to do Almoxarifado as jugadas seguintes.

1776… Na vintena de Espite ………....…. 12.......... 370........ 4$440 Na vintena do Soutto de Sirol….... 4.....…................. 1$480 Na vintena de Sirol…………........ 3 ½...................... 1$2951777… Na vintena de Espite…………..... 15.......... 400........ 6$000 Na vintena do Soutto de Sirol....… 4.......................... 1$6001778… Na vintena de Espite…………..... 17.......... 460…... 7$820 Na vintena do Soutto de Sirol....... 4 1/2.................... 2$0701779… Na vintena de Espite...................... 16 ¼ ..... 455....... 7$395 Na vintena do Soutto de Sirol....... 4 ½ ..................... 2$0471780… Na vintena de Espite...................... 16.......... 470....... 7$520 Na vintena do Soutto de Sirol........ 4 ½ ..................... 2$1151781… Na vintena de Espite...................... 18 ½ ...... 360....... 6$660 Na vintena do Soutto de Sirol........ 4 ½ ..................... 1$6201782… Na vintena de Espite...................... 18 ½ ..... 330....... 6$105 Na vintena do Soutto de Sirol........ 5.......................... 1$650 Soma................... 59$870.

Page 154: 25.º aniversário da morte de D. João Pereira Venâncio · ADEUS Estimados leitores e colaboradores ... Passando as folhas, apercebemo-nos de imediato: desde que está connosco,