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THEOLOGICA XAVERIANA VOL. 64 NO. 177 (59-98). ENERO-JUNIO 2014. BOGOTÁ, COLOMBIA. ISSN 0120-3649 RESUMO E * Este texto é o resultado de um estudo feito no grupo de pesquisa “Interfaces da antropologia na teologia contemporânea”, ao longo dos anos 2010-2011, tendo sido concluído em 2012, por ocasião de um estágio pós-doutoral em Paris, França. Recepção: 13-06-13. Avaliação: 13-11-13. Aprovação: 21-11-13. ** Doutor e Mestre em Teologia, Facultés Jésuites de Paris, Centre Sèvres, Paris, França; Bacharel em Filosofia e Teologia, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, FAJE, Belo Horizonte, MG, Brasil. Atualmente é professor de Antropologia teológica e Escatologia cristã na FAJE, onde é diretor do Departamento de Teologia e coordena o Programa de Pós-Graduação. Correio eletrônico: [email protected] A trajetória do conceito de pessoa no Ocidente * GERALDO LUIZ DE MORI, S.J. ** ste estudo retoma a história do conceito de pessoa no pensamento ocidental. Inicia com uma leitura da evolução semântica dos ter- mos que estão na origem deste conceito, a saber, persona, prosôpon e hypostasis, mostrando seu significado teológico, cristológico e antropológico à luz da reflexão de alguns teólogos patrísticos. Em seguida, analisa a evolução que o conceito ganhou no pen- samento latino, sobretudo em Boécio e na teologia medieval. Num terceiro momento, mostra como a filosofia moderna e contemporânea pensaram este conceito e sua relação com outros termos antropológicos, concluindo com uma leitura de seu sentido para o pensamento hodierno. Palavras chave: Pessoa, prosôpon, hypostasis, relação, imagem.

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    resumo

    E

    * Este texto o resultado de um estudo feito no grupo de pesquisa Interfaces da antropo lo gia na teologia contempornea, ao longo dos anos 2010-2011, tendo sido concludo em 2012, por ocasio de um estgio ps-doutoral em Paris, Frana. Recepo: 13-06-13. Avaliao: 13-11-13. Aprovao: 21-11-13.** Doutor e Mestre em Teologia, Facults Jsuites de Paris, Centre Svres, Paris, Frana; Bacharel em Filosofia e Teologia, Faculdade Jesuta de Filosofia e Teologia, FAJE, Belo Horizonte, MG, Brasil. Atualmente professor de Antropologia teolgica e Escatologia crist na FAJE, onde diretor do Departamento de Teologia e coordena o Programa de Ps-Graduao. Correio ele trnico: [email protected]

    A trajetria do conceito de pessoa no Ocidente*

    Geraldo luiz de Mori, S.J.**

    ste estudo retoma a histria do conceito de pessoa no pensamento ocidental. Inicia com uma leitura da evoluo semntica dos termos que esto na origem deste conceito, a saber, persona, prospon e hypostasis, mostrando seu significado teolgico, cristolgico e an tropolgico luz da reflexo de alguns telogos patrsticos. Em seguida, analisa a evoluo que o conceito ganhou no pensamento latino, sobretudo em Bocio e na teologia medieval. Num terceiro momento, mostra como a filosofia moderna e con tempornea pensaram este conceito e sua relao com outros ter mos antropolgicos, concluindo com uma leitura de seu sentido para o pensamento hodierno.

    Palavras chave: Pessoa, prospon, hypostasis, relao, imagem.

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    a trajetria do conceito de pessoa no ocidente geraldo luiz de mori, s.j.

    la trayectoria del concepto de persona en occidente

    Resumen

    El presente estudio retoma la historia del concepto persona en el pen samiento occidental. Inicia con la lectura de la evolucin semntica de los trminos que denotaron este concepto en su origen, es decir, de las palabras persona, supuesto e hi ps tasis, mostrando su significado teolgico, cristolgico y an tro polgico a la luz de la reflexin de algunos telogos patrsticos. Posteriormente, analiza la evolucin del concepto en la filosofa latina, en especial con los aportes de Boecio y la teo loga medieval. En un tercer momento, el artculo muestra cmo la filosofa moderna y contempornea ha abordado el concepto y su relacin con otros trminos antropolgicos, para finalizar con una lectura de su significado en el pensamiento actual.

    Palabras clave: Persona, supuesto, hipstasis, relacin, imagen.

    evolution of the concept of the person in Western thought

    Abstract

    This study traces the historical development of the concept of person in Western thought. It begins with an overview of the semantic evolution of the terms originally assigned to the concept, that is to say, the words person, prosopon and hy postasis, showing their theological, christological and anthro pological meanings in the light of the reflection of some Patristic theologians. The paper then analyzes the evolution of the concept in Latin Philosophy, particularly with the contri butions of Boethius in medieval Theology. Later, the study shows the modern and contemporary philosophical approaches to the concept and its relations with other anthropological terms; finally, the current meaning of the term is discussed.

    Key words: Person, prosopon, hypostasis, relation, image.

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    introduoPessoa um conceito central no pensamento ocidental. o resultado do en-contro e do amlgama deste termo com outros termos, que lhe conferiram o sentido que hoje possui em nossa cultura, onde, alm de aspectos gramaticais, designa o sujeito ou o indivduo, fundamento de lutas pela defesa da liberdade e dos direitos humanos, referncia nos debates da tica e da biotica etc. O ob jetivo deste texto o de retraar a trajetria que deu origem a este conceito e mostrar a importncia de sua redescoberta para a atualidade. Neste processo, como ser indicado, foram decisivos os debates teolgicos e cristolgicos dos primeiros sculos da era crist, suas releituras medievais e modernas, e sua va-lo rizao pelas filosofias personalistas e fenomenolgicas dos sculos XX e XXI. O itinerrio aqui proposto retraar, a partir de uma pesquisa bibliogrfica, a evoluo dos termos fundadores do conceito de pessoa: persona, prospon e hupostasis. Depois analisar a sntese medieval, estudando, em seguida, o sentido de pessoa na modernidade, para concluir com a leitura de seu significado an-tropolgico na atualidade.

    evoluo semntica de perSona, proSpon e hupoStaSiS na poca patrsticaO conceito filosfico-teolgico de pessoa o resultado de um encontro no qual os termos persona, prospon e hupostasis foram requisitados para expressar algo que originalmente no pertencia a seus respectivos campos semnticos. Por isso, para entender o significado deste conceito preciso retraar o caminho feito por cada um desses termos, o que ajudar a perceber sua contribuio no que se entende por pessoa.

    PersonaOriginalmente persona, que deu origem a pessoa, no tinha sentido filosfico, de signando papel ou personagem, no contexto do teatro, mscara, no s culo II a.C., as pessoas do verbo, no sculo I a.C. Este ltimo significado, se gundo Meunier, j pode ter sido a traduo para o latim de prospon, tal como o entendiam os gramticos gregos.1

    1 Meunier, Persona en latin classique, 23.

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    H um sentido jurdico tambm, que designa os indivduos humanos, objeto do direito, que tem a ver com pessoas, coisas e aes (personas, res, ac tiones). Em Ccero, persona o ser humano do ponto de vista de seu papel social, de sua condio socioprofissional.2 Em suas obras de oratria, o grande escritor latino confere ao termo o sentido de personagem, prximo ao de papel de tea tro ou ao de tipo ou figura.

    Nos tratados de retrica, ele fala da necessria considerao das pessoas, embora estas sejam vistas por seus atributos, que podem ser fsicos, sociais ou profissionais, no tendo nada a ver com a interioridade e a subjetividade. Ele evoca ainda o personagem social que nos impem as circunstncias (poder, no toriedade, riqueza etc.), o que escolhemos (dedicar-se a uma profisso, cul-ti var uma virtude etc.) e o que nos prprio (caractersticas fsicas, qualidades morais).

    Em Sneca, persona tambm indica o papel social, ou, no contexto do teatro, a mscara, que esconde a realidade, oposta a facies, o verdadeiro rosto. Assim, no momento em que a f crist entra em cena da antiguidade, o termo persona tinha vrios sentidos, sendo utilizado em domnios diversos, embora houvesse certa unidade ao redor do termo personagem, com seus significados no plano social, literrio e teatral, mas com um uso jurdico muito importante, pois fazia de persona o sujeito responsvel pelos seus atos. A noo permanece, con tudo, exterior, utilitria, no levando em conta o indivduo enquanto tal.3

    Tertuliano o primeiro grande escritor cristo latino. Sua obra, do incio do sculo III, ter uma posteridade importante. Ele utiliza o termo persona em sen tido trinitrio e cristolgico, embora tambm nos sentidos usual, jurdico e na exegese. A obra Adversus praxean, escrita por ele para opor-se heresia mo dalista4, o faz recorrer regula fidei e maneira como a Bblia exprimia a verdade divina.

    2 Ndoncelle, Prospon et persona dans lantiquit classique. Essai de bilan linguistique, 297-298.3 Meunier, Persona en latin classique, 28.4 A tese fundamental do modalismo que h um s Deus, que se manifesta ora como Pai, ora como Filho, ora como Esprito Santo. As distines trinitrias so estritamente econmicas, ou seja, tm a ver com a maneira como Deus se manifestou na histria da salvao, no tocam, por tanto, o ser de Deus. Na cristologia, os modalistas no distinguiam Jesus do Cristo, a carne do esprito, o homem de Deus.

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    Para isso, ele confere aos termos substantia e persona um significado teo lgico decisivo. Sua argumentao mais importante encontra-se no Cap. 7 do Adversus praxean, mas, para melhor entend-la, importante retomar bre-vemente os captulos anteriores. No primeiro, ele descreve a heresia, opondo-lhe, no segundo, a regula fidei. No terceiro e no quarto, ele analisa o termo mo narquia, aplicado a Deus. No quinto, ele diz que, se antes da criao do mundo Deus estava s, isso no deve ser entendido no sentido absoluto, pois Deus possua em si sua ratio (razo), que continha, por sua vez, seu sermo (pa lavra). por sua ratio que Deus escapa solido desde antes da criao do mundo. Portanto, o que segundo no a ratio, mas o sermo, que produzido por uma ao de Deus, a partir da ratio. No Cap. 6, ele apresenta os argumentos b blicos, recorrendo a Pr 8,22-23.25.27-28.30. No Cap. 7, aps citar a primeira obra da criao, ele recapitula o conjunto do processo:

    Voltado [para o Verbo] e alegrando aquele que se alegra de sua pessoa, Ele diz: Tu s meu Filho, eu hoje te gerei [...]. Do mesmo modo o Filho, de sua pessoa, sob o nome de Sabedoria, designa o Pai dizendo: O Senhor me criou como co meo de suas vias por suas obras; antes de todas as colinas, ele me gerou.5

    A seguir, Tertuliano introduz o vocabulrio da substncia (substantiuum), num dilogo fictcio com um interlocutor que lhe pergunta: ento voc sustenta que o Verbo uma substncia, realizada a partir do Esprito, da Sabedoria e da Ra zo? A esta pergunta ele responde:

    Perfeitamente. Pois voc que no quer que o Verbo tenha algo a ver com a subs tncia (substantiuum) em seu ser mesmo (in re) em razo da propriedade da substncia (per substantiae proprietatem), de modo que ele possa aparecer co mo uma realidade e uma pessoa (res et persona quaedam) e que assim, segundo cons titudo a partir de Deus, ele faa que existam dois, o Pai e o Filho, Deus e o Verbo.6

    Para Meunier, no texto de Tertuliano, o termo substantia faz referncia plena consistncia ontolgica do Verbo, e o termo persona designa o ser indi-vidual em sua realidade imediata, no sentido de indivduo. Esta escolha de grande alcance, pois ao utilizar o termo persona para dizer os trs da Trindade,

    5 Tertuliano, Adversus praxean, 7, 2-3.6 Ibid., 7, 5.

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    o telogo africano os torna indissociveis e irredutveis em sua individualidade. Do ponto de vista cristolgico, ele sustenta, contra os modalistas, a distino das substncias.

    [Segundo ele], vemos duas substncias, no confundidas, mas conjuntas numa nica pessoa, Deus e o homem, em Jesus [...] e, portanto, a propriedade de ca da uma das duas substncias conservada, de modo que o Esprito faz o que seu, os atos de poder, as obras e os sinais, e a carne prova o que lhe prprio, ela tem fome com o demnio, sede com a Samaritana, ela chora Lzaro, ela to mada de angstia at morte e, enfim, ela morre.7

    A grande contribuio de Tertuliano ter homogeneizado o vocabulrio teolgico e cristolgico: uma substncia e trs pessoas em Deus; uma pessoa e duas substncias no Cristo. O termo persona lhe permite dizer a distino em Deus e a unidade no Cristo, iniciando assim a carreira teolgica deste termo.

    Nos autores latinos posteriores a Tertuliano e anteriores a Agostinho (Novaciano, Cipriano e Lactncio), o termo persona aparece no sentido clssico de personagem ou de papel. Hilrio de Poitiers, que escreve sua obra De Tri nitate aps os conclios de Niceia e Constantinopla, recorre ao termo persona poucas vezes, insistindo mais no termo substantia, que parece ser o centro do de bate psniceno.

    Quando ele utiliza persona o faz para designar os sujeitos ltimos de atri buio, que so os nomes trinitrios, e substantia para dizer aquilo que os su jeitos so, ou seja, sua essncia, sua natureza. Ele usa tambm o verbo subsisto, que designa como uma substncia uma pessoa: subsistindo. Subsisto serve para pensar a emergncia do sujeito.

    Segundo Dominique Bertrand, o fato de persona no ser um termo bblico impediu Hilrio de utiliz-lo para exprimir o mistrio divino. Por outro lado, no entanto, esse termo torna inteligvel aos latinos a diversidade e a unidade dos nomes de Deus, adquirindo assim o sentido tcnico e instrumental que favorece uma inteligncia mais segura, uma vez que a questo principal j foi entendida desde a primeira escuta: a f.8 Em Agostinho o termo persona aparece 1.189

    7 Ibid., 27, 11.8 Bertrand, Persona dans La Trinit dHilaire de Poitiers, 71.

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    vezes, com quatro sentidos fundamentais: social, antropolgico, cristolgico e teolgico. O ltimo o que deixar a posteridade mais importante.9

    Assim, com significado social persona designa o sujeito, enquanto assume uma funo, um mandato e um ofcio, ou enquanto portador de um ttulo, de uma qualidade ou de uma dignidade. Esse sentido prximo ao de mscara, do teatro. Ele aparece como complemento dos verbos sucipere, sustiner eponere (tomar por, representar). Com a preposio ex (ex persona) designa o papel de um indivduo agindo em nome de.

    Com sentido antropolgico, o termo persona utilizado para designar homem e mulher, nunca animal ou coisa. Persona se torna nesses casos sin-ni mo de indivduo concreto, completo, racional, constitudo de esprito, conhecimento e amor. Segundo o Bispo de Hipona, a Trindade, como sabe-doria, conhecimento e dileo, tem seu reflexo em ns, enquanto pessoas, na trade memria, inteligncia e vontade. Assim se estabelecem igualmente as semelhanas entre o Deus nico, em trs pessoas, e o ser humano, pessoa com posta de trs elementos.

    No domnio cristolgico, o termo persona utilizado para salvaguardar a unidade do Cristo em duas naturezas, humana e divina. Agostinho diz que o Cristo homem e Deus num s, da mesma forma que o ser humano alma e cor po num s. Ele conhece vrias formulaes da unidade da pessoa de Cristo. A Epstola 137 uma das etapas desta evoluo:

    Da mesma forma que, na unidade da pessoa, a alma utiliza o corpo to bem que um ser humano, assim tambm, na unidade da pessoa Deus utiliza o ho mem to bem que ele um Cristo. Naquela pessoa, existe mistura de alma e corpo; nesta pessoa h mistura de Deus e do homem. [...] Portanto, a pessoa do homem uma mistura de alma e corpo; a pessoa de Cristo uma mistura de Deus e do homem.10

    Esse texto ainda tributrio da antropologia neoplatnica, mas o dua-lis mo a presente vai desaparecer nas obras posteriores: O corpo no um orna mento ou uma ajuda que vem do exterior ao ser humano, mas uma parte

    9 Quatrefages, Augustin et Persona, 73-99.10 Agostinho. Epistola 127, 11.

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    integrante de sua natureza.11 Agostinho evitar doravante os termos utilizao e mistura: Da mesma forma que o ser humano uma pessoa, ou seja, alma ra cional e carne, tambm o Cristo uma pessoa, Verbo e homem.12 De fato, cons titudo de duas naturezas, o Cristo um todo, um personagem (persona vi sibilis) resultante da unio. Isso reiterado no Sermo 186:

    O Verbo, ao se fazer carne, no deixou de ser Verbo, de tal modo que essas duas naturezas no so confundidas, mas unidas na pessoa. Deus mesmo, que hu mano, e este homem, que Deus, no o so pela confuso das naturezas, mas pela unidade da pessoa.13

    O sentido teolgico de persona aparece no Livro VII do De Trinitate. Em bora ignorasse a diferena que os gregos faziam entre ousia e hupostasis, Agos tinho estabelece a correspondncia entre ousia e essentia, de um lado, e hu postasis e persona, do outro. Entre os latinos, substncia e essncia eram muito pr ximas semanticamente e s se distinguiam no uso teolgico.

    Por isso, o Bispo de Hipona se coloca do lado dos telogos latinos, que usam a frmula uma essncia ou substncia e trs pessoas (una essentia uel subs tantia et tres personae). Ele articula assim o lado relacional dos trs e o lado absoluto da unidade divina (nvel da essncia). Para isso, ele se pergunta: quando se diz que em Deus o nmero trs corresponde a trs pessoas, o que isso significa? O termo pessoa diz ele, ocupa o lugar dos nomes prprios de Pai, Filho e Esprito Santo, e pode ser dito no singular ou no plural, enquanto os termos substncia, essncia e deidade se encontram no singular.

    Existe, portanto, uma diferena gramatical entre substncia e pessoa, mas que no explica como entender a relao entre persona e substantia. Aps uma srie de distines, comparaes e esclarecimentos conceituais, Agostinho afir ma que persona o lugar da sntese entre substncia e relao. O que pre ciso distinguir de modo distinto e prprio, em cada pessoa, diz ele, o que

    11 Idem. De natura et origine animae 3, 5.12 Idem, Enchiridion 11, 36. No Tractatus in Iohannis XIX, 15, Agostinho retoma, nos mesmos termos, o que ele afirma aqui: Da mesma forma que a alma que tem um corpo no se torna com ele duas pessoas, da mesma forma o Verbo que tem o homem no faz com ele duas pe-ssoas, mas um s Cristo.13 Idem, Sermo 186,1.

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    relativo: Na Trindade, exprimir os caracteres prprios e distintos de cada uma das pessoas implica exprimir suas relaes mtuas.14

    O Pai, o Filho e o Esprito Santo so pessoas particulares. Ora, esses nomes prprios so termos relativos15; e tudo o que dito ad aliquid na Trindade relativo, no substancial. Da se pode deduzir que as pessoas divinas comportam alguma coisa de relativo, que elas no designam a substncia. Persona implica, portanto, um aspecto relativo: Quem no v que esses nomes, em si prprios, no exprimem naturezas, mas as pessoas em sua relao uma com a outra?16 Nesse sentido,

    ...cremos que o Pai, o Filho e o Esprito Santo so um s Deus, criador e regu-lador de toda a criao; que o Pai no o Filho, que o Esprito Santo no o Pai, nem o Filho; mas que eles so uma Trindade de pessoas em relaes mtuas nu ma nica e igual essncia.17

    Portanto, a substncia da pessoa do Pai vem do fato de que ele Deus e no Pai; sua propriedade de Pai vem do fato de que ele relao, no caso, em relao ao Filho. Da a identidade de substncia, apesar da pluralidade das relaes. Da tambm a realidade das relaes que no existiriam sem a substncia. Segundo Quatrefages, com esses esclarecimentos, Agostinho re con-hece implicitamente que na pessoa que coabitam relao e substncia. Na rea lidade nica da pessoa, elas representam uma o princpio distintivo, e a outra o princpio comum idntico aos trs. Porm, ser ainda necessrio esperar a teo logia medieval para unir os dois caracteres: a pessoa ser ento a substncia po ssuda por tal relativo ou uma relao subsistente.18

    Prospon

    O termo prospon no se enquadra no mesmo campo semntico de persona, j que seu significado primeiro rosto, e persona nunca teve esse sentido. Prospon designa o rosto humano, mas pode tambm indicar a fachada de um

    14 Idem, De Trinitate VIII, 1.15 Ibid., V, 7; V, 12. 16 Idem, Epistolae 170, 6.17 Idem, De Trinitate IX, 1. In Idem.18 Quatrefages, Augustin et Persona, 96.

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    edifcio ou a face de qualquer coisa. Homero e os trgicos do sculo V a.C, sempre o utilizam nesse sentido, muitas vezes associando-o a olhar. s vezes pro spon expressa sentimento (clera, medo), quase nunca mscara. O mesmo uso se encontra no corpus filosfico antigo, que nunca lhe deu sentido filosfico.

    J os gramticos, a partir do sculo II a.C., recorrem a ele para dizer a pe ssoa do verbo (eu, tu, ele), como o haviam feito os gramticos latinos para per sona. Na poca helenstica prospon passa a designar ainda personagem e pa pel, e isso tambm contribuiu para que se tornasse o equivalente de persona.

    Na poca ps-clssica, a retrica introduz um uso de prospon anlogo ao de persona: o de personalidade social e moral. Na Septuaginta prospon um termo chave, traduzindo vrios termos hebraicos, sobretudo, panin: o rosto, a face. Ele se aplica a Deus, podendo ainda designar a face de (Israel, da terra). Filo o utiliza com esse sentido, mas conhece tambm o uso retrico de personagem.

    Entre os autores cristos dos primeiros sculos, prospon utilizado, so-bretudo, em citaes bblicas, com o sentido de rosto, face, falar em no me de. Raramente designa papel, embora em alguns autores evoque per sonagem e indivduo. S nos sculos III-V ganha sentido teolgico.19

    Em teologia prospon foi empregado em dois contextos: o trinitrio, no sculo III, para designar os trs em Deus; o cristolgico, no final do sculo IV, para dizer que o Cristo um, ou seja, um s prospon, em duas naturezas, a divina e a humana. Nos dois casos seu uso foi associado ao termo hupostasis. A se guir ser mostrado como isso se deu e que autores tornaram possvel seu uso co mo termo tcnico para designar pessoa.

    Hiplito de Roma foi o primeiro a utiliz-lo no contexto anti-monar-quia nista.20 Contra os que afirmavam que o Pai, o Filho e o Esprito Santo eram aspectos ou funes sucessivas do mesmo ser divino, Hiplito responde di zendo que o Pai e o Filho tm uma existncia distinta, sem ser dois deuses.

    19 Meunier, Le dossier Prospon, 107-121. 20 O monarquianismo a doutrina que enfatiza a unidade absoluta de Deus, contrria doutrina trinitria. Suas verses mais importantes foram o modalismo ou sabelianismo, que considera que Deus uma s pessoa, manifestando-se de vrios modos como Pai, Filho e Esprito Santo, e o adopcionismo, que diz que Jesus foi adotado por Deus, mas que ele no era Deus. Uma de suas vertentes o arianismo.

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    Eles so dois prospa e uma s potncia (dunamis); ...no dois deuses, mas dois prospa pela economia [...]. Pois o Pai um. Mas ele tem dois prospa, pois Ele tem tambm o Filho, e em terceiro o Esprito Santo.21 O Filho , portanto, qualificado como prospon do Pai.

    Euzbio de Cesareia, no incio do sculo IV, tambm usa esse termo para falar das duas figuras divinas ou prospa, no no sentido de mscara, mas de individualidade. nesse sentido que o termo prospon entrou na teologia, adquirindo, no sculo IV, com os grandes telogos Capadcios, seu significado definitivo, pois ser usado como sinnimo de hupostasis.

    Em cristologia o termo prospon adquiriu importncia com a controvrsia nestoriana, no sculo V, embora j tivesse sido utilizado nesse mbito por Teo-do ro de Mopsustia e Apolinrio de Laodiceia para designar o nico prospa do Cristo em duas phusis (naturezas).

    A crise ops Nestrio e Cirilo. Para Nestrio, os padres de Niceia quiseram designar o Cristo ao mesmo tempo como humano e divino, e empregaram para isso os termos Senhor, Jesus, Monogeta e Filho. Para falar da encarnao, que tem o Verbo como sujeito, e da paixo, que tem o homem Jesus como su jeito, eles empregaram o nome comum que o Cristo. Da sua concluso de que no h nem separao do que comum (os caracteres da filiao e do sen horio), nem confuso de naturezas, por causa do que comum. A distino das naturezas e sua conjuno se do num s prospon.

    Cirilo rejeita o termo conjuno por consider-lo fraco e prope como soluo a expresso unio segundo a hipstase. Para ele, a unidade de um in divduo, visto como sujeito, no suficientemente assegurada com o termo pro spon, por isso necessrio recorrer ao termo hupostasis. Prospon estaria mais pr ximo do sujeito que age e nomeado, mas o nico sujeito a natureza ou a hi pstase do Verbo.

    Teorodoreto de Ciro, do sculo V, v uma equivalncia entre hupostais e prospon:

    ...da mesma forma que o nome homem o nome comum desta natureza (hu-mana), assim tambm a essncia divina designa a santa Trindade, enquanto a

    21 Hippolyte de Rome, Demonstratio, 14.

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    hipstase manifesta um prospon como o Pai, ou o Filho, ou o Esprito Santo; pois dizemos, seguindo as definies dos padres, que a hupostasis, o prospon e a par ticularidade (idiots) so a mesma coisa.22

    Ele afirma o nico prospon do Cristo, onde se d a unio, e no aceita que se fale do prospon de cada natureza, mostrando-se reticente com a expresso de Cirilo: Unio segundo a hipstase. Para ele, a hupostasis se situa do lado da natureza e no do sujeito.

    J Flaviano de Antioquia, na mesma poca, situa a hupostasis ao lado de prospon para expressar a unidade: Confessamos que o Cristo de duas natu -rezas aps a encarnao, pois confessamos que numa s hupostasis e num s prospon, ele um s Cristo, um s Filho, um s Senhor.23

    Leo, bispo de Roma, escreve a Flaviano, s vsperas do Conclio de Calcednia, uma carta onde recolhe e sintetiza o caminho de prospon e hu postasis ao redor do termo persona: Sendo salva a propriedade de cada natureza, que associa numa s pessoa, frmula tomada de Agostinho in una persona.Os deslocamentos semnticos do termo prospon mostram como o mesmo ganhou sentido tcnico na teologia. No domnio trinitrio, foi o sentido de indivduo que interessou aos telogos, que o utilizaram por sua presena massiva na Escritura, onde designa a face de Deus ou Deus mesmo. Na cristologia, foi usado para expressar a unidade humano-divina de Cristo, ligando-se a hupostasis, que lhe conferia a dimenso ontolgica, que ele no possua. Esse uso cristolgico poderia ter feito o termo evoluir para dizer o ser humano em sua unidade e singularidade.

    Ora, a filosofia da poca, o neoplatonismo, ignorou esta evoluo do termo na teologia e na cristologia, usando-o apenas no seu sentido original de ros to. O significado de indivduo emergiu e se imps entre os autores cristos, no meio jurdico, onde era usado para falar do indivduo que respondia por seus atos, e entre os gramticos, inclusive os latinos, que o traduziram por persona. Na teologia crist, porm, seu sentido foi associado a hupostasis e a persona.

    22 Teodoreto de Cyr. Eranistes I, 1. 11-16, 65.23 Segundo Meunier, esta declarao foi feita no snodo de Constantinopla de 448, e transmitida nas atas do Conclio de Calcednia, 1 Sesso. Ver Meunier, Le dossier Prospon, 153, Nota 2.

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    HupostasisA etimologia do termo hupostasis fundamental para entender sua importncia conceitual: o prefixo hupo, sob, e a raiz sta, se sustentar. O uso mais arcaico deste termo muito concreto: evoca sempre o que est por baixo, seja o fun-damento, a base, as fundaes (numa construo), ou o que se decanta de uma soluo qumica (o depsito).

    Na Septuaginta ele aparece 20 vezes, designando base, fundamento, subs-tn cia, esperana, resistncia, remetendo ao que estvel, ao que faz com que algo exista, seja rico, objeto de esperana, indicando ainda resoluo, desgnio firme. O sentido filosfico de existncia ignorado pelos pr-socrticos, Plato e Aris tteles.

    No sculo II a.C. os sentidos figurados comeam a surgir em grego, mas no com sentido filosfico. S no sculo I d.C., com Filo, Cornutus, Plutarco e Luciano, emerge o significado de existncia. Os telogos cristos o utilizaro nesse sentido filosfico.

    A primeira entrada de hupostasis em teologia se deu no final do sculo III, com Clemente de Alexandria e Orgenes. O primeiro o utiliza para designar o que dotado de existncia, substancial e existe concretamente. No lhe confere, porm, sentido trinitrio, mas o faz designar a propriedade distintiva em Deus: a perigraph (circunscrio, delimitao).

    J Orgenes o utiliza para criticar os monarquianistas, segundo os quais o Pai e o Filho no eram dois, mas que juntos formavam um, no apenas como essncia (ousia), mas tambm como sujeito (hupokeimenon), afirmando ainda que os nomes de Pai e Filho indicavam pontos de vista (epinoiai) diferentes e no sua existncia concreta (hupostasis).

    O telogo alexandrino vai ento aproximar hupokeimenon e hupostasis para dizer a existncia individual concreta. No Tratado dos princpios, porm, esses termos designam o ser humano e no Deus: a nica natureza (phusis) hu mana como a maneira primeira (hupokeimen) das hipstases racionais (hu postasis logikai). Ele usa tambm hupostasis em contexto trinitrio, ao afirmar que o Pai e o Filho so duas realidades (pragmata) pela hipstase, ou duas hipstases, com um s pensamento, uma s voz e uma s vontade.

    Com Orgenes o termo hipstase entra ento no campo da teologia trinitria e recebe um significado que se tornar tcnico, evoluindo pro gressi-

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    vamente no sentido de individualidade. J ousia pouco fixado em Orgenes, indicando ora o aspecto individual ora o aspecto comum em Deus.

    O uso de hupostasis no sculo IV se dar no contexto da crise ariana. Ata nsio, por exemplo, o aproxima de ousia, enquanto os telogos Capadcios, so bretudo Baslio, lhe daro maior preciso conceitual.

    De fato, em seus primeiros escritos.24 Baslio fala da semelhana de subs tncia (ousia) no Pai e no Filho, que se exprime pelo termo homoousios ou pela expresso homoioskat ousian, e da distino das hipstases na igualdade das pessoas. Ele busca ainda demonstrar que apesar de uma comunidade de subs tncia, cada um na Trindade tem propriedades (idiots) distintas. O ter-mo ousia no o equivalente de hupostasis segundo ele, que evita por isso o termo homoousios e recorre a vocbulos que expressam a ideia de comunidade, comunho (koinonia) de substncia, pois permitem melhor distinguir as pessoas na Trindade. Para falar das pessoas, ele no recorre nem a prospon, que ele con hecia, nem a hupostasis.25

    [Para ele], as propriedades (idiots) como caractersticas (charactres) e formas con sideradas na substncia, fazem uma distino (idiazousi) no que comum (koinon) graas s caractersticas que as particularizam, mas elas no rompem a conaturalidade (homophues) da substncia. [...]. A divindade comum (koinon), mas a paternidade e a filiao so propriedades (idimata); e da combinao dos dois elementos, do comum (koinou) e do prprio (idiou), se opera em ns a compreenso da verdade [...] tal , de fato, a natureza das propriedades (idi mata), de mostrar a alteridade (tn heterotta) na identidade (te tautotti) da substncia.26

    As propriedades no se reduzem filiao e paternidade, pois se apro-xi mam da relao (schesis) entre as pessoas da Trindade. Quando se tornou bis po, Baslio usa sem reticncias o termo niceano de homoousios27 e adota o de

    24 Saint Basile, Lettre IX. Maxime, Philosophe, 39; Basile de Csare, Contre Eunome I, 18, 9, 236.25 No Contre eunome, Baslio evita hupostasis para designar pessoa, mas no na Lettre IX. Ver Bonnet, Hupostasis et prospon chez les Cappadociens au VIe sicle, 188. 26 Basile de Csare, Contre eunome II, 28, 117-123.27 Isso aparece na Lettre LII. des religieuses, 135, onde ele retraa a histria da frmula de Niceia.

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    hupostasis, mostrando sua no sinonmia com ousia, como aparece em Niceia. Para ele, hupostasis tem somente o sentido de pessoa.

    Baslio pe ento em relao hupostasis e idiots (propriedade), mas evita pros pon, por causa de sua utilizao pelos modalistas: No suficiente, diz ele, contar diferentes pessoas (prospon). preciso ainda confessar que cada pe ssoa (prospon) existe numa verdadeira hupostasis. Prospon s tolerado se asso ciado a hupostasis, evitando-se assim o sabelianismo, esta fico de pessoas sem hipstases.28

    J Gregrio Nazianzeno no v dificuldade em aproximar hupostasis de prospon:

    ...quando digo Deus, fiquem admirados pelo claro de uma luz nica e trs luzes: trs no que diz respeito s propriedades (idiots) ou ainda s hipstases se quer cham las ou s pessoas (prospa), pois no promoveremos nenhuma luta entre ns por causa dos nomes [...]. Mas essa luz una, se se fala da substncia ou da divindade.29

    Prospon enriquecido por hupostasis, antecipando Constantinopla, que chama a crer numa s ousia do Pai, do Filho e do Esprito Santo [...] em trs hi ps tases absolutamente perfeitas ou trs pessoas (prosopa) perfeitas.

    Gregrio de Nissa, por sua vez, prefere hupostasis para definir pessoa, su-blin hando o carter nico da pessoa: Uma hipstase o concurso (sundromn) de propriedades prprias (idimatn) a cada um.30

    Os Capadcios contriburam ento para precisar conceitualmente o uso de hupostasis na doutrina trinitria. O termo passou a designar as pessoas da Trin-da de, distintas por suas propriedades, mas una por sua substncia. No mbito cris tolgico, Apolinrio parece ter sido o primeiro a usar o termo hipstase.

    [Segundo ele], o Filho de Deus se tornou filho do homem [...] e h uma s hi pstase, uma s pessoa (prospon) e uma s adorao do Verbo e da carne que ele assumiu [...]. O Cristo no duas pessoas (prospa) nem duas naturezas

    28 Baslio de Cesareia, Lettre 210, 5, T. 2, 195.29 Gregoire de Nazianze, Discurs 39, 11.30 Pseudo-Basile (Grgoire de Nysse), Lettre 38, 6.

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    (phuseis); h um s Filho, antes e depois da encarnao, homem e Deus (...) e no uma pessoa (prospon) para o Deus Verbo e outra para o homem Jesus.31

    Apolinrio prefere o termo prospon a hupostasis. Para ele, o nico prospon do Verbo unido carne seria o prospon do Filho na Trindade. Este uso de pros pon menos abstrato que o de hupostasis. O modelo de sntese que ele prope muitas vezes ilustrado pela comparao da unio, no ser humano, do corpo e da alma. Neste contexto, observa Meunier, hupostasis designa um todo, um prin cpio de integrao que assegura a unidade e a identidade de um indivduo e no o carter distintivo da teologia trinitria.32

    A evoluo semntica do termo hupostasis fez com que passasse sentido concreto (depsito, sedimento, fundamento) ao abstrato (existncia, subsistncia), para ganhar de novo, na teologia crist, um sentido concreto, em bora com carter ontolgico, o de individualizar os trs da Trindade e a realidade una do Cristo em duas naturezas; humana e divina. Segundo Meunier, o sentido individualizante de hupostasis e seu sentido sinttico, que s aparecem na teologia crist, foram criados pela teologia trinitria e cristolgica.

    Emerge da uma noo de hipstase humana potencialmente capaz de dizer ao mesmo tempo a singularidade do indivduo humano e sua unidade como um todo no redutvel s suas partes (corpo e alma). Nesta noo se en contra a ideia de que cada indivduo nico e que ele transcende toda abor-da gem parcial que dele se possa fazer.33

    A mesma teologia crist responsvel pela aproximao de dois termos at ento distantes um do outro: prospon e hupostasis, o primeiro traduzindo a personalidade humana, a identidade expressa pelo rosto, o papel assumido numa pea, num dilogo, animando, vestindo de carne, dando rosto e personalizando o segundo, que permanece um termo mais ontolgico, mas que confere a pro-s pon peso ontolgico.

    31 Apollinaire de Laodice, H kata merospistis, 28, 177. 32 Meunier, Le dossier Prospon, 214.33 Ibid., 235-242.

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    perSona como conceito antropolgico: de bocio idade mdiaSe a poca patrstica tornou possvel, a partir da teologia trinitria e da cristologia, o encontro entre os termos persona, prospon e hupostasis, j esboando seu sen-tido antropolgico, o perodo posterior, tendo incio em Bocio, no mundo la tino do comeo do sculo VI, e prosseguindo seu percurso nas controvrsias cris tolgicas no mundo grego dos sculos VI-VII, ver sistematizar-se mais pro fundamente esse sentido.

    A leitura da anlise de Bocio sobre persona e a reflexo da teologia me-dieval, sobretudo a de Toms de Aquino, que se seguem, mostraro como este pro cesso foi acontecendo.

    Pessoa no tratado Contra Eutiques e Nestrio, de BocioBocio, filsofo e grande conhecedor da cultura grega e latina, queria transmitir a seus contemporneos a conscincia de dvida com relao ao pensamento gre-go. Do ponto de vista teolgico, ele buscava o dilogo entre Roma e Bizncio. Num tratado dedicado s heresias de Nestrio e Eutiques ele sistematiza sua re flexo sobre persona, que ter grande importncia no perodo posterior. Seu texto foi escrito numa poca de debates cristolgicos sobre a natureza do Filho de Deus como Verbo encarnado.

    Esses debates, como observado, foram fortes no sculo V, levando con-denao de Nestrio, no conclio de feso, e rejeio do monofisismo, no conclio de Calcednia. Ora, no Oriente o monofisismo se difundiu e dificultou a recepo de Calcednia. O imperador Zeno quis impor um compromisso de unio entre monofisitas e calcedonianos, mas o texto do Patriarca Accio no obteve o efeito esperado e o Papa Flix III o excomungou.

    O tratado de Bocio uma resposta a uma carta de um bispo oriental ao papa Smaco. Bocio busca nesse texto uma via mediana, que assegurasse a unidade do Cristo e esvaziasse as heresias de Nestrio e Eutiques. Para isso, ele define os termos a fim de melhor conjugar as naturezas humana e divina nu ma nica pessoa do Cristo: J que nessas heresias, mutuamente contrrias, h uma dvida sobre pessoas e naturezas, preciso, primeiro defini-las e isol-las em suas diferenas prprias.34

    34 Boce, Contre Eutychs et Nestrius, Prooemium, 67.

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    Bocio apresenta a seguir o plano de seu tratado: uma parte metodolgica enun ciando as definies dos termos natura e persona (c. 1-3); refutao das he resias de Nestrio e Eutiques (c. 4-6); exposio da soluo, manifestando, enfim, a via mediana entre as duas heresias (c. 7).

    Bocio comea ento definindo os termos natura e persona, que corres-pon dem respectivamente a ousia e hupostasis em grego. Ele mostra tambm que per sona dita nas substncias. Que tipo de substncia? Segundo ele, existem as substncias corpreas e as incorpreas, as racionais (Deus, os anjos, o ser hu mano) e as irracionais, e, mais precisamente, as individuais ou singulares.

    Nessas definies persona aparece como um conceito que permite di fe-renciar as naturezas, no sendo, portanto, seu equivalente. Feito esse caminho, Bocio chega ao seguinte conceito de pessoa: ...se a pessoa est somente nas substncias, e nas substncias que so racionais, e se toda substncia uma na tureza estabelecida no nas universais, mas nas individuais, pode-se ento de fini-la como substncia individual de natureza racional (naturae rationabilis in dividua substatia).35

    Segundo Bocio, com esta definio determinamos o que os gregos cha mam hupostasin.36 Aps fazer a equivalncia entre o grego hupostasis e o latim persona, ele afirma que os gregos chamam de hupostasis a subsistncia in dividual (individua subsistentia). Ora observa Bly, antes Bocio tinha de finido persona como substantia individua.

    O que significa a introduo do subsistentia? Que relao existe entre os ter mos substantia e subsistentia? A substncia enquanto suporte diz Bocio su jeito por acidentes, j a subsistncia reenvia ao fato mesmo de existir, de ser, independentemente dos acidentes: subsiste o que em si mesmo, a fim de po der ser, no tem necessidade de acidentes37.

    Estabelece-se assim uma espcie de intermedirio entre o fato de existir e perseverar no ser, independentemente dos acidentes, e a realidade das subs-tn cias como suporte dos acidentes. Entre a essncia universal e a substncia in dividual, se encontra a subsistncia, a ousisis. Da sua concluso:

    35 Ibid., 3. 36 Ibid.37 Ibid.

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    ...existe, portanto, no ser humano ao mesmo tempo uma essncia, ou seja, uma ousia, e uma subsistncia, ou seja, uma ousisis; uma hupostasis, ou seja, uma substncia, e um prospon, ou seja, uma pessoa. Ousia e essncia, pois ele , e ousisis ou subsistncia, pois ele no em nenhum sujeito; hupostasis e substn-cia, pois ele sob outras coisas que no so subsistncias, ou seja, ousisis; ele prospon e pessoa, pois um indivduo racional.38

    Aps todas as precises conceituais, Bocio retoma as heresias de Nestrio e Eutiques, mostrando que ambas tomam como sinnimas pessoa e natureza, e no sabem como assegurar a unidade das naturezas numa s pessoa. No Cris to uma dupla natureza, uma dupla substncia realizada, pois homem-Deus, ele tambm uma s pessoa, pois o mesmo ao mesmo tempo homem e Deus.39 esta a via mediana entre duas heresias. Nela a noo de pessoa fun ciona como baliza, referncia indispensvel que permite transmitir alguns con tedos teolgicos, cristolgicos e antropolgicos razoveis.

    Segundo Bly, Bocio estabelece equivalncias inditas entre os termos latinos e gregos, fazendo com que a noo de pessoa seja situada ao mesmo tempo do lado da determinao individual concreta (substncia) e do lado do ser em si, que existe de maneira autnoma, quer se trate de Deus ou do ser hu-mano. H uma continuidade com a reflexo precedente, dada pela insistncia no valor da individualidade, no mais como ltimo grau de uma anlise lgica dos seres esbarrando na inefabilidade, mas como dinamismo fundado no ser mes mo que subsiste, o que d ao termo persona um sentido metafsico que nenhum autor tinha proposto antes dele.

    As modificaes do tema so ligadas s transposies que ocorrem ao se passar da antropologia (cada ser humano cuja dignidade manifestada por sua alma racional) cristologia (a Pessoa do Verbo em sua humanidade) e Trindade (trs pessoas que so elas mesmas, ipse, e o mesmo, idem).40

    Muitos objetam que Bocio tornou seu conceito de pessoa muito dependente da substncia, tirando o carter relacional da reflexo anterior.41

    38 Ibid.39 Ibid., 7.40 Bly, Persona dans le trait thologiqueContre Eutychs et Nestorius de Boce, 275-276. 41 Housset parece situar-se ao lado desse tipo de crtica. Ver, Idem. La vocation de la per sonne. Lhistoire du concept de personne de sa naissance augustinienne sa redcouverte ph no m-nologique, 102-124.

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    Essa crtica no leva em conta que ele tambm prope em sua obra sobre a Trindade uma reflexo onde o Pai, o Filho e o Esprito no so afirmados substancialmente da divindade, mas relativamente. Ele toma em conta a prpria relao, o Pai, o Filho e o Esprito so ditos ad aliquid, as relaes internas que ex primem suas relaes se apresentam como uma forma de alteridade indita, pois no modifica em nada a simplicidade essencial do Deus uno.42 Este modo de pensar a relao abrir espao para as reflexes da escolstica medieval.

    Pessoa na teologia medieval

    A definio de Bocio sobre persona foi retomada por quase todos os telogos me dievais, que tambm releram certos aspectos da anlise agostiniana e boa parte da tradio grega que refletiu sobre os termos hupostasis e prospon na teo logia trinitria e na cristologia. Sero apresentadas a seguir as contribuies de alguns desses telogos no processo de conceptualizao do termo pessoa, so bretudo as de Santo Toms de Aquino.

    Gilberto de La Porre (1070-1154) foi um dos primeiros a propor uma reflexo importante sobre a noo de pessoa a partir da teologia trinitria dos padres gregos. Ele baseia sua reflexo na distino entre subsistens e subsistentia, por um lado, e id quod e id quo, por outro.

    O subsistens um aliquid, um ser completo; a subsistentia a forma pela qual o subsistens constitudo. Por exemplo, num homem a sabedoria a for ma pela qual ele dito sbio, a corporeidade a forma pela qual ele corpo etc. No se trata, portanto, de dois seres, mas de um nico ser, o subisistens exprimindo sua totalidade e as diversas subsistentiae suas partes constituintes. O id quo a forma ou as formas constituintes de um aliquid, e o id quod o que , a totalidade concreta. A distino entre esses termos in ratione e no numrica. Eles diferem, como o sujeito do predicado. O id quod o sujeito de atri buio de todas as formas.

    Esses conceitos foram elaborados por Gilberto em oposio s tendncias sabelianas de seu tempo, que no faziam a diferena na Trindade entre o id quod

    42 Bly, Persona dans le trait thologique Contre Eutychs et Nestorius de Boce, 276; Housset, La vocation de la personne. Lhistoire du concept de personne de sa naissance augustinienne sa re dcouverte phnomnologique, 124.

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    (a pessoa) e o id quo (a essncia), entre os subsistens (as pessoas) e a subsistentia (a essncia divina). Todo seu esforo mostrar como em Deus h apenas um id quo e ao mesmo tempo trs id quod.

    Para isso ele afirma que a distino das pessoas em Deus no na e da essn cia, mas que ela lhe extrnseca. Ele afirma ainda que as pessoas no so substncias, mas acidentes fixados substncia divina. Algumas de suas teses fo ram condenadas no Conclio de Reims, em 1154, prestando-se, por isso mes mo, a discusses entre muitos telogos posteriores.43

    Ricardo de So Vitor (morto em 1173) se situa no contexto da con-denao de Gilberto, cujos erros ele credita definio que Bocio havia dado a persona. Segundo Ricardo, substantia evoca a ideia de um sujeito recebendo um ou vrios acidentes. Essa compreenso levou Gilberto a conceber as pessoas co mo exteriores essncia. Por isso, necessrio redefinir pessoa como um ser (sistentia) e sua origem (ex), o primeiro termo respondendo questo quid e o segundo questo quis. Cada pessoa uma sistentia, ou seja, uma realidade auto ssuficiente, e um modo de possuir esta sistentia, que varia segundo a ori-gem (ex) da pessoa.

    Para Ricardo, o termo problemtico da definio de Bocio substantia, pois designa natureza e faz abstrao das pessoas. Ele o substitui por sistentia, que guarda todo o positivo de substantia (o aspecto de uma realidade autossu-ficiente), mas designa a natureza enquanto possuda por cada pessoa e exclui toda conotao de acidente. Ele traduz ainda o individualis de Bocio por incommunicabilis. Alm da crtica a Bocio, ele prope uma releitura das pro-cesses divinas diferente da de Agostinho, para quem a processo do Esprito se dava pelo amor e a do Filho pela inteligncia. Para ele, ambas se do graas ao amor.44

    Alexandre de Hales (1185-1245) assume a crtica de Ricardo a Bocio e prope vrias comparaes entre pessoa e substncia, essncia e hipstase, atri buindo pessoa um carter concreto e singular. Para ele, ns atingimos a Deus seja como uma forma (um quo) seja como o sujeito possuidor dessa for-ma (um quod). O quo a ousia e o sujeito que possui a natureza divina como

    43 Malet, Andr. Personne et amour dans la thologie trinitarie de Saint Thomas dAquin, 32-36.44 Ibid., 37-42.

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    comum aos trs (o quod), abstrado das distines pessoais, a ousiosis. Se con siderarmos esse sujeito como trplice, ou seja, como trs sujeitos distintos, che gamos hipstase ou pessoa.

    A hipstase a base de sustentao sem propriedade determinada, e a pessoa a hipstase atingida por uma propriedade determinada presente numa na tureza racional. Hipstase e pessoa no podem, portanto, fazer abstrao das relaes ou propriedades, embora se relacionem com elas de modo distinto. A hipstase nada mais do que uma relao propriedade, enquanto a pessoa en globa a relao ou a propriedade. Com isso a noo de pessoa atinge o pice da distino: ela da ordem do nico, o extremo oposto de ousia, que da ordem do universal.

    Alexandre prope tambm uma reflexo sobre as processes divinas, cuja raiz o amor e o bem. Para o telogo franciscano, a bondade a principal razo do nmero em Deus (processes), pois a glria do bem est na comunicao, que de um sujeito a outro. Por isso, onde h comunho sempre h pluralidade de pessoas.45

    Boaventura (1221-1274) deve muito de sua reflexo sobre pessoa a Ale xandre, seu mestre. Para distinguir essncia e pessoa ele retoma a diferena entre quo e quod:

    Em toda substncia que tem o ser e o agir, preciso distinguir a natureza e aquele que a possui. Em Deus, afirmamos a natureza e quem a possui. Chamamos a na tureza de substncia ou essncia, e quem a possui de pessoa [...]. Como em Deus a natureza possuda numericamente una, s h uma substncia ou essn-cia, mas como h vrios que a possuem, h vrias pessoas.46

    Boaventura assume tambm de Alexandre a afirmao de que a pessoa constituda pelas suas propriedades, mas distingue nelas dois momentos: (1) propriedade de origem (a inascibilidade, a gerao e a espirao ativa); (2) pro priedade de relao (paternidade, filiao e espirao passiva).47

    Alm desse acento dado a pessoa, que retoma a reflexo dos padres gregos, em dilogo crtico com a definio de Bocio, a teologia medieval latina tambm

    45 Ibid., 42-48.46 Boaventura, I Sententiae, dist. 23, a. 2,1. 2. 47 Malet, Personne et amour dans la thologie trinitarie de Saint Thomas dAquin, 48-53.

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    foi marcada pelo acento dado a essncia, de marca agostiniana. o caso, entre outros, de Anselmo e Pedro Lombardo.

    O primeiro (1033-1109), apesar de mostrar que em Deus a pessoa relao, no consegue provar que a relao pessoa. Isso porque ele no percebe o sentido exato da relao pessoa-natureza. Ele faz a natureza jogar, alm de seu papel prprio, a maior parte do que o suporte ou a sustentao da pessoa. a essncia que produz e que produzida atravs das ou nas pessoas, ela igual mente que conhece e que se ama nas pessoas divinas. Ela no emerge das pe ssoas, mas so estas que brotam da essncia.48

    Quanto a Pedro Lombardo (1100-1160), sua noo de pessoa, apesar de influenciada por Agostinho, corrige a do Bispo de Hipona. Segundo ele,

    ...quando dizemos trs pessoas, no designamos com esse termo a essncia [...]. Di zemos que h trs pessoas, ou seja, trs seres; o que os gregos exprimem quan do falam de trs hipstases [...]. melhor afirmar que, quando dizemos trs pessoas, ns as entendemos como subsistncias ou hipstases.49

    Sua teologia das processes, pensada ao redor da pessoa, o far corrigir tambm o essencialismo dos padres. Para ele, as processes no vo da substncia substncia, mas da pessoa pessoa. Esta leitura influenciar a teologia pos-terior, reequilibrando a compreenso agostiniana de pessoa.

    Toms de Aquino (1225-1274) faz uma sntese entre platonismo e aris-tote lismo, na filosofia, e entre herana grega e herana latina, na teologia, como aparece de modo exemplar em sua leitura sobre a pessoa. Segundo Housset, em Toms esta noo ganha sua mxima expresso, so apenas porque ele integra substncia e relao numa mesma definio de pessoa, mas tambm porque, para ele, a unio da alma e do corpo no acidental, e, portanto, o corpo faz parte do ser pessoa. Esta deixa de ser vista apenas como um esprito que se encarna numa matria particular, e passa a ser entendida como possuindo uma individuao de um gnero que o pensamento grego no podia admitir.50

    48 Segundo Malet, isso aparece no Monologion, c. 38. 43. 79, mas tambm nos c. 63-64, que tratam das processes divinas e do engendramento, conhecimento e amor em Deus. Ibid., 57-59.49 Boaventura, I Sententiae, dist. 23, a. 2, q. 2.50 Housset, La vocation de la personne, 156.

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    Um dos elementos conceituais da noo tomista de pessoa, segundo Ma let, o termo suppositum ou subjectum (substrato ou sujeito).

    Subpositum o fundamento ltimo sobre o qual tudo repousa, aquilo sob o qual no h mais nada, o princpio ltimo de atribuio de tudo o que cons titui um ser. A composio metafsica do ser concreto feita de diversos ele mentos: forma, matria, essncia, acidentes, existncia, mas todos pertencem a uma realidade ltima na qual se estabelecem e que no pertence a nenhum deles, j que se pertence a si mesma e existe em si, por si e para si.

    Subjectum tem o mesmo sentido: o que sustenta e est abaixo como fun damento. O sujeito no tem nada sob si, sobre o que se apoiar, ele o su-porte ltimo de todos os elementos constitutivos de um ser e, portanto, de seu pr prio substrato. a propriedade de se sustentar no ser e de nele sustentar todo o resto que constitui o mistrio do substrato ou do sujeito. O sujeito sujeito porque centro ltimo de atribuio de tudo sem ser ele mesmo atri-budo a nada. Ele assume tudo e no assumido por nada, ele princpio l timo de assuno. Por isso, ele incomunicvel, ou seja, individualidade sub sistente numa natureza.51

    A incomunicabilidade diz Housset a propriedade de um indivduo real, indiviso e distinto dos demais. Esta propriedade indica que cada pessoa po ssui uma consistncia real por si, incomunicvel aos demais, que a torna nica em sua ipseidade.52

    Em sua releitura da definio boeciana de pessoa, Toms observa que h que entender os termos desta definio da seguinte maneira: substantia deve ser vista no no sentido de essncia, mas de substrato ou sujeito, como o que sub siste no gnero da substncia. O adjetivo individua da definio marca o carter incomunicvel e no atribuvel da substantia.

    Bocio fala ainda de subsistentia, termo que significa existir por si e no por outro, e que igualmente denominada hupostasis, enquanto suporte dos aci dentes. Ao invs de substncia Toms prefere subsistncia, pois o primeiro significa tambm a essncia e se presta a equvocos. Quanto pessoa, esse termo

    51 Malet, Personne et amour dans la thologie trinitarie de Saint Thomas dAquin, 88.52 Housset, La vocation de la personne, 203.

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    designa o substrato ou o sujeito de natureza espiritual. Do ponto de vista da na tureza, existe, portanto, um abismo entre a pessoa e os substratos materiais. Para sublinhar ainda mais o carter concreto e nico da pessoa, Toms dir, como Alexandre de Hales, que ela no somente um id quod, mas tambm um quis ou um aliquis:

    ...no se pode dizer que a humanidade de Pedro um aliquis, mas de Pedro se pode dizer que ele um aliquis [...]. Do mesmo modo, no Cristo, a pessoa po de ser dita um aliquis [...]. No se pode dizer que o Pai um aliquid, porque se ria fazer dele uma parte da essncia [...], preciso dizer que ele um aliquis.53

    Segundo Malet, as precises conceituais aportadas por Toms reiteram que a pessoa um subjectum e um subjectum ultimum. No caso dos substratos ra zoveis, o fato de serem princpios ltimos de atribuio que funda sua res ponsabilidade. Eu sou responsvel porque sou causa e fonte ltima de meus atos: eu respondo pelo que sou, pelo que tenho e pelo que fao porque sou jus tamente um eu que o princpio ltimo de atribuio de meu ser, de meu ter e de minha ao. No posso me desfazer de minha responsabilidade porque, sob o substrato ou sujeito que sou, no h nada sobre o que fazer repousar. A pe ssoa chamada responsabilidade.54

    Toms de Aquino tambm retoma a dimenso teolgica da noo de pessoa. Em sua reflexo ele comea afirmando que em Deus s existe sim pli-ci dade e perfeio. por isso que nele a pessoa existe sem composio.55 Em si mesma, diz ele, a pessoa no composio: o fato de ser composta no faz parte de sua ratio [...] por acidente que ela composta na ordem humana.56 O que constitui formalmente a pessoa , por um lado, sua natureza espiritual (id quo) e, por outro, a subsistncia desta natureza (id quod). Como tudo o que h de mais eminente nas criaturas deve ser atribudo a Deus, conveniente que o nome de pessoa lhe seja conferido.57

    53 Aquino, I Sententiae, dist. 6, q. 2, a.I; dist. 19, q. 4, a 3, ad 3m.54 Malet, Personne et amour dans la thologie trinitarie de Saint Thomas dAquin, 90.55 Aquino, De potentia, q. 9,a, ad 4m; Idem, I Sententiae, dist. 23,a. 2, ad 2m.56 Ibid.57 Aquino, De potentia, q. 9, a. 3; id., a. 4.

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    Assim, em Deus, a pessoa um id quod que possui um id quo (ou na-tu reza) puramente espiritual e totalmente simples, ou seja, um substrato que existe por si e possui uma natureza espiritual. Nesse sentido, a definio de Bocio convm a Deus, desde que se entenda a expresso rationalis naturae co mo natureza puramente espiritual e no discursiva, o termo individua como incomunicabilidade, e o termo substantia como a existncia por si.

    Em Deus a pessoa se define tambm pela relao. Agostinho j havia visto isso, mas sem o tematizar adequadamente. Segundo Toms, a pessoa no um simples substrato de relaes mundanas acidentais, ela no um n de re laes. A compreenso da Trindade d acesso a outro tipo de relao, que per mite fundar a unidade da pessoa e a diversidade das pessoas, pois torna po-ss vel pensar uma diferena na unidade de essncia, que no simplesmente a di ferena entre o ser e a essncia.

    Esta nova forma de relao no acidental, mas substancial. De fato, em Deus podem-se distinguir trs modos de existncia sem pr em causa a unidade da essncia. A pessoa, seja ela no homem ou em Deus, significa sempre o que distinto e que tem a ver com a substancialidade e a incomunicabilidade. O mo do de realizao desta distino, porm, no idntico no ser humano e em Deus. De fato, a pessoa humana possui seus princpios de individuao prprios, li gados a um corpo e a uma alma precisos, e isso no entra na significao co-mum da pessoa.

    J em Deus no pode haver diferenas acidentais, pois nele s h distin-es em razo das relaes de origem: as relaes so reais sem dividir a unidade de sua essncia. Portanto, a categoria de relao no pe em questo a substncia, pois sua razo formal prpria no se d com relao ao sujeito no qual ela existe, mas em relao a alguma coisa de exterior, ou seja, a relao relao para.

    Esse para introduz uma alteridade em Deus sem provocar uma ruptura, ou seja, em Deus o ser das relaes necessariamente idntico ao ser da essncia, mas sua razo formal, seu esse ad, constitui um lao entre as distintas pessoas. esta distino entre o ser da relao e sua razo formal que conduz ao conceito de relao subsistente, que permite pensar uma relao em Deus sem fazer de pender o absoluto do que ele no :

    ...da mesma forma que a deidade Deus, tambm a paternidade divina Deus pai, ou seja, uma pessoa divina. Assim, a pessoa divina significa a relao en-quan to subsistente, ou, dito de outro modo, ela significa a relao pela maneira

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    de substncia, quer dizer, de hipstase subsistente na natureza divina (embora o que subsiste na natureza divina no seja outra coisa que a natureza divina).58

    A relao marca, portanto, o carter nico de cada pessoa divina, en quan-to a subsistncia marca a identidade de cada pessoa com a essncia divina em sua unidade. Nesse sentido, a pessoa em Deus pode ser dita ao mesmo tempo co mo absoluta e relativa, pois a relao, como, por exemplo, a de paternidade, sub sistente no sentido de que ela a pessoa do Pai. Em Deus a relao no um acidente, mas idntica essncia de Deus. Ela constitutiva desta essncia, pois o Pai Deus na relao exttica que Ele pessoalmente.

    Assim, as pessoas ou hipstases s se distinguem por relaes que so de finidas por processes. A essncia divina no o que anterior s pessoas, mas o que s existe na paternidade, na filiao e no amor. Por isso, pessoa sig nifica diretamente relao e indiretamente essncia.59

    Entre os seres humanos igualmente se pode dizer que, analogicamente, a re lao fonte de unidade e de distino. Cada pessoa humana outra sem que a comunidade de essncia seja perdida e sem que esta alteridade seja puramente con tingente. Toms diz efetivamente: Alienum quer dizer estrangeiro e de sse-mel hante; mas alius no evoca nada disso. porque se diz que o Filho alius, ou seja, outro que o Pai, mas no alienus, ou seja, estrangeiro ao Pai.60

    Para Housset, esta referncia alteridade nos coloca no corao do mis-trio da pessoa. Trata-se de reconhecer a real alteridade das pessoas sem uma se-pa rao na essncia. Na Trindade h uma distino das pessoas sem dis tino de essncia. Pode-se dizer tambm que no ser humano pessoa significa dire tamente a relao e indiretamente a essncia. Nesse sentido, as relaes de paternidade, filiao e fraternidade no so determinaes que dividem a essn cia humana, mas o que distingue as pessoas e nos permite responder ques to: quem?

    A leitura trinitria de Toms, conclui Housset, sem romper a unidade de Deus, conduz a pensar a personalidade divina como um ato surgindo numa re-lao essencial a uma alteridade real e, consequentemente, impossvel ignorar

    58 Idem, Suma teolgica I, q. 29, a.4.59 Ibid.60 Ibid., q. 31, a. 2, sol. 3.

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    que a pessoa humana, como imagem de Deus, s possa ser verdadeiramente pensada pelo reconhecimento de uma forma de pluralidade no ser, que faz com que cada pessoa tenha sua vocao prpria. Toms de Aquino nos leva en to a pensar a relao como condio de possibilidade do si e de sua essencial transitividade.61

    pessoa no pensamento moderno e contemporneoCom Toms de Aquino o conceito de pessoa alcana sua plena explicitao. Por um lado, ele esclarece a ligao entre substncia e relao numa mesma de finio de pessoa, ao desenvolver a ideia de relao subsistente, que pe em evidncia o carter nico de cada pessoa divina e a identidade de essncia en tre elas. Por outro, ele assegura a unidade da pessoa humana, vista como unio indissocivel entre corpo e alma.

    Sua sntese ser, porm, lentamente esquecida na reflexo posterior, que ten deu a condenar o ser humano solido para que se encontrasse a si mesmo. De fato, j no fim da idade mdia, a noo de pessoa se tornou abstrata e, com o retorno ao pensamento clssico, promovido pelo Renascimento, o aporte da re flexo bblica em sua definio foi relativizado e marginalizado.

    Como ser mostrado na anlise a seguir, na modernidade esta noo vista em termos de conscincia de si, de direito, de igualdade e de propriedade, e na poca contempornea retomada pelas filosofias personalistas.

    Sujeito, conscincia e indivduo na modernidade

    O sculo XVI descobre a subjetividade e a individualidade sob outras pers pec-tivas. Os sintomas desta descoberta se encontram no individualismo religioso do protestantismo, bem ilustrado pelo sola fide que justifica o eu pecador, em Lutero; no individualismo econmico do capitalismo nascente, que tem no mercantilismo desse perodo sua origem, mas tambm, segundo M. Weber, na tica protestante; e no individualismo poltico da exaltao do prncipe, tal como o tematizou Maquiavel.62

    61 Housset, La vocation de la personne, 209.62 Guilluy, Personne, 48.

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    No sculo XVII, h, por um lado, o eu de Pascal, que distingue o Deus dos filsofos do Deus pessoal de Abrao, Isaac e Jac; e por outro, o eu da res cogitans de Descartes, que faz da subjetividade o fundamento da certeza e a dis tingue da res extensae, inaugurando a oposio sujeito-objeto, prpria ao pensamento cientfico mecanicista. Locke prope uma nova definio de pe-ssoa: um ser inteligvel e pensante, dotado de razo e reflexo, consciente de sua identidade e permanncia no tempo e no espao.63

    Apesar de Descartes e Locke ancorarem sua reflexo sobre a pessoa em Deus, nem eles nem seus contemporneos deram relao interpessoal nenhum pa pel na constituio do eu. O eu que eles descrevem o que o iluminismo e o liberalismo do sculo XVIII promovero: o de indivduos fundamentalmente independentes, portadores dos direitos inalienveis da pessoa, da liberdade individual de pensar e da propriedade privada.

    Rousseau, por exemplo, encontra na intimidade da conscincia a voz di vina que valoriza o indivduo, mas no na apropriao privada do eu que a pessoa se afirma, nem na relao com os outros, no seio de uma comunidade que perdeu sua inocncia original. No a converso f crist nem a graa do Cristo que devolve a dignidade pessoa, mas sua pertena poltica a um es tado racional, homogneo, onde cada um entra, a ttulo individual e, no acordo com a maioria, alcana seu ser universal.

    Emmanuel Kant (1724-1804), na esteira da afirmao moderna do eu, diz que do dogma da Trindade no se pode absolutamente tirar nada para a ra zo prtica.64 Sua reflexo sobre o sujeito transcendental, a experincia da liberdade e a lei moral fundamental. Ele insiste na noo de respeito que devido pessoa humana: o respeito s para pessoas e em nenhum caso para coisas.65

    A pessoa habitada pela lei moral, lugar fundamental da razo prtica, que tem na seguinte mxima de um de seus imperativos categricos um resumo do sig nificado de pessoa em Kant: Aja de tal modo que trates a humanidade, seja em tua pessoa seja na pessoa de quem quer que seja, sempre e ao mesmo tempo

    63 Locke, Essays II, 27, 9.64 Kant, Le conflit des facults, 841.65 Idem, Critique de la raison pratique, I, 3, 701.

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    como um fim e nunca simplesmente como um meio.66 Tratar as pessoas como um fim significa trat-las como seres que devem poder conter em si mesmos o fim pelo qual se age. O respeito devido ao outro nesta mxima no implica, po rm, nenhuma comunho, que era a fonte mesma do conceito de pessoa que se desenvolveu luz da teologia trinitria na poca precedente.

    O sculo XIX exacerba ainda mais a afirmao do eu. Fichte, por exemplo, tende a absorver no eu tudo o que tem o estatuto de no eu. J Hegel, apesar de pensar a sada de si e retomar vrios pontos da doutrina trinitria, oculta as relaes interpessoais em Deus, na humanidade e nas relaes entre Deus e os seres humanos. Cada uma dessas relaes transformada em oposio su-jeito-objeto, que, negada e ultrapassada, conduz comunho final e absoluta.

    A sntese rene a diversidade na unidade, alm de ativar o estatstico no dinmico e fazer o relativo acedera o absoluto. Mas a comunidade interpessoal dos seres humanos no chega comunho absoluta na intimidade interpessoal tri nitria de Deus. Na verdade, a Trindade no mais em Deus relao interpessoal de amor do Pai, do Filho e do Esprito Santo, pois a natureza in troduzida em seu seio como emanao da objetividade divina, substituindo a filiao interpessoal do Verbo. Por sua vez, a humanidade no mais a famlia universal de mltiplas pessoas em comunho entre si, criadas imagem da Trindade, j que a natureza se realiza e se completa numa humanidade histrica e divina, mais coletiva que individual.67

    Marx reage ao carter abstrato do sistema de Hegel e prope uma leitura das relaes que compem a histria concreta da humanidade, marcada por interesses e por uma luta entre capital e trabalho. Contudo, a perspectiva do materialismo dialtico a de um acesso ao humano pela fuso no coletivo, visto como humanidade universal ou sociedade sem classes, perdendo-se a unicidade do indivduo e a dimenso interpessoal. Algo parecido ocorre com o positivismo de Augusto Comte e sua crena na cincia, que tudo objetiva e para isso deve abstrair do que sentimento, crena e opinio, em benefcio de uma religio da humanidade, cujo deus no pessoa, mas a razo abstrata.

    66 Idem, Fondements de la mtaphysique des murs, II, 150-151.67 Guilluy, Personne, 51.

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    Kierkegaard, filsofo do paradoxo e precursor do existencialismo, reage arrogncia da sistematicidade hegeliana, bem como do historicismo e do ob-je tivismo, retomando certos aspectos da reflexo crist sobre a pessoa. Para ele, o ser humano advm a si mesmo, em sua relao crente a Deus, como nico ou indivduo, que espera tudo de Deus e nada dos outros. Ele privilegiou de tal modo a subjetividade que chegou a dizer que ela a verdade. Com isso ele queria dizer que passando pela experincia da realidade humana, viva e con creta, que a verdade se torna autenticamente verdade. Aventura singular, a pessoa se realiza ao se elevar do estdio esttico ao estado tico, e deste ao estado reli gioso, quando, enfim, o nico se encontra diante do nico.68

    O personalismoO sculo XX v o surgimento do personalismo como reao ao esqueci men-to de muitos aspectos constitutivos do eu pela modernidade. Max Scheler (1873-1928), discpulo de Husserl, em sua reflexo sobre o arrependimento, o pudor, o ressentimento e a simpatia, sublinha a ordem de valores e insiste so bre a essncia axiolgica da pessoa, enquanto centro espiritual, originalmente singular, de todos os nossos atos reais e possveis. Para ele, a pessoa ela prpria essncia singular de valor, chamada a realizar a imagem de valor, ou seja, a vocao que no cessa de lhe propor o amor divino. Para realizar esta vocao ela necessita unir-se aos outros num movimento de simpatia, que tem seu cume na percepo da essncia singular do outro como testemunha do absoluto. Por isso, sublinha o filsofo alemo, a verdadeira comunidade das pessoas re pou-sa sobre o possvel encontro de cada uma com a pessoa das pessoas que o prprio Deus.

    Emmanuel Mounier o principal filsofo do sculo XX a fazer do per-so nalismo uma filosofia fundada na afirmao do valor absoluto da pessoa. Se gundo ele, a pessoa aquilo que em cada ser humano no pode ser tratado como objeto. Um dos temas fundamentais de sua reflexo o da radical di-fe rena entre personalismo e individualismo, o primeiro sublinhando, contra o segundo, a insero coletiva e csmica da pessoa.

    Para ele, a pessoa estreitamente solidria do mundo e da comunidade dos seres humanos, enquanto o indivduo uma entidade abstrata, ser de razo,

    68 Devaux, Personalisme, 25.

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    cortado daquilo que lhe permite viver como humano. O que prprio pessoa sua capacidade de se destacar de si mesma, de se possuir, de se descentrar para se tornar disponvel aos demais. Ela vive de sua fidelidade quele que a constitui, a sa ber, Deus, pessoa fundadora das pessoas e que as atrai continuamente para que sejam pessoas.

    Alm de se opor ao individualismo, Mounier se ope tambm a toda forma de opresso do indivduo pelo estado, pois convm deixar a cada indi-vduo a possibilidade de se pr como tal para que possa deixar nascer e se de-sen volver a pessoa que traz em si.

    Alm de Mounier, destacam-se ainda entre os filsofos personalistas no mesmo perodo: Gabriel Marcel, Maurice Ndoncelle e Simone Weil.

    Gabriel Marcel, um convertido ao cristianismo, sustenta que o ser hu-mano s se coloca como pessoa no dilogo entre dois tu. O amor entre pe-ssoas, diz ele, se enraza na relao privilegiada que une cada centro pessoal ao tu absoluto, que o Deus do Evangelho.

    Maurice Ndoncelle, influenciado por Newman, props uma filosofia da reciprocidade de conscincias. Para ele, quanto mais o indivduo ser, mais ele in dividualizado. No pice, quando se chega pessoa, alcana-se a plenitude da individualidade.

    Simone Weil, apesar de afirmar que o sagrado no ser humano no sua pessoa, mas este homem simplesmente69, no contra o personalismo, mas lhe d outra linguagem. Para ela, o que no ser humano a imagem de Deus [...] a faculdade de renncia pessoa, a saber, a obedincia, obedincia ao Deus que nada mais que amor.70 Em sua Declarao dos deveres relativos ao ser humano, ela diz que a primeira obrigao a de proteger em todos os humanos:

    ...tudo o que a pessoa traz como frgeis possibilidades de passagem ao impessoal [...]. Acima das instituies destinadas a proteger o direito, as pessoas, as li-berdades democrticas, preciso inventar outras destinadas a discernir e a abolir tudo o que, na vida atual, esmaga as almas sob a injustia, a mentida e a feira.71

    69 Weill, La personne et le sacr, 11.70 Ibid.71 Ibid.

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    Numa perspectiva teolgica, retomando a centralidade do conceito de al teridade da filosofia contempornea, o telogo ortodoxo Ioannis Zizioulas, props recentemente uma releitura importante do conceito de pessoa, retomando a tradio patrstica, especialmente a grega e seu acento pneu ma-tolgico, para propor uma ontologia da pessoa.72 Algo parecido, mas feito a partir da perspectiva fenomenolgica, feito por Emmanuel Housset em suas pesquisas recentes.73

    concluso: redescobrir hoje a histria e o significado de pessoaEsta breve leitura da histria do conceito de pessoa no Ocidente nos mostra que ele o resultado de um encontro entre filosofia e teologia, encontro que for jou seu significado profundo, afastando-o de sua semntica primeira, extrada do mbito teatral, jurdico e gramatical, graas, sobretudo, s controvrsias tri nitria e cristolgica.

    Pouco a pouco o termo pessoa passou a indicar outra coisa que per so-nagem, sujeito de direito, pessoa do verbo, designando um ser em relao, cuja essncia se confunde com sua capacidade de responder por si mesmo e de responder a outras pessoas. A partir da poca moderna a conscincia de si do sujeito que define a pessoa. Privilegia-se desde ento uma leitura de tipo ju rdico, que rompe com a tradio anterior, para a qual a Trindade era o fun-da mento para pensar a pessoa.

    Na atualidade, aps o influxo do personalismo, permanece uma diferena entre a definio jurdica de pessoa como domnio de si, que lhe permite res-pon der por seus atos, sendo sujeito de direitos e deveres, e a definio relacional, que a refere ao outro e a define como interrelacionalidade e capacidade de res ponder ao prximo.

    Segundo Housset, essas duas tendncias mostram, de um lado, o ser por si e, do outro, o ser pelo outro. Elas se opem a uma definio naturalista, se gundo a qual h seres humanos que no o so de verdade, seja porque no o

    72 Zizioulas, Comunin y alteridad. Persona e Iglesia.73 Housset, La vocation de la personne. Lhistoire du concept de personne de sa naissance augustinienne sa redcouverte phnomnologique.

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    so ainda, seja porque, por razes fsicas, intelectuais, econmicas ou sociais, no o sero. Atravs do eugenismo e da eutansia tais pessoas no so ento con sideradas dignas de viver, pois no compartilham da dignidade da pessoa.74

    Nesse contexto, prope Housset, o dilogo entre filosofia e teologia deve dar-se a partir de uma compreenso da pessoa como criatura. Tal dilogo no po der, porm, ater-se definio da pessoa como indivduo racional, que fa-cil mente a reduz a um nmero, mas deve mostrar que cada pessoa possui uma sin gularidade absoluta, que indissocivel de sua essncia.

    Uma reflexo teolgica sobre a pessoa como criatura torna possvel uma reflexo propriamente filosfica, que pensa a pessoa em sua contingncia e aponta para seu carter relacional. A ideia de contingncia elimina a ideia de aca so e indica que a existncia pessoal uma existncia na qual o ser humano afetado, impressionado, comovido, ou seja, posto em movimento por outra coi sa que si mesmo.75

    O paradoxo da pessoa humana ser ao mesmo tempo por si e por outro, sem que essas duas dimenses se recubram. Do ponto de vista filosfico, a pessoa entendida como criatura pode ser vista como um ser que por si mesmo no nada. Essa experincia de seu nada condio de sua realizao como pe-ssoa, pois a libera da iluso da autarquia e lhe mostra que est necessariamente re ferida a outras pessoas, mesmo antes de dizer eu. o fato de sermos chamados, pelas coisas, pelos outros, por Deus (para o crente), que nos d o ser e nos desperta para nossas possibilidades mais prprias. Nessa perspectiva, pe ssoa distinta de ser humano enquanto criatura racional.

    De fato, a racionalidade a essncia de todo ser humano que se esfora por realizar-se, enquanto a personalidade emerge na medida em que se despertado pelo outro, pelo mundo. Isso no elimina a definio da pessoa como domnio de si, mas mostra que esse domnio no autrquico, pois supe primeiro o ser provocado e convocado por uma alteridade.

    Portanto, se a pessoa um fim em si, como o mostrou Kant, este fim no posto por ela mesma, j que recebido do mundo e do outro. A tenso entre a determinao da pessoa como hipstase racional que opera por si e a

    74 Housset, La persona como criatura, 163.75 Ibid., 164.

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    determinao da pessoa como imagem nica do Criador ou como um ser que opera por outro, ento constitutiva da noo de pessoa.

    Alm desta tenso constitutiva, prpria histria do conceito de pessoa, importante recordar que a pessoa indissocivel de sua carne, de seu corpo, en quanto designando o ser humano em sua facticidade e a fragilidade de sua existncia, como tambm sua histria nica, entendida como encarnao do ser humano, ou seja, como uma inscrio do espiritual no carnal. De maneira po sitiva, nota Housset, a carne sinnimo de corpo e designa a dignidade do ser humano como criatura. De maneira negativa, ela significa a debilidade e a sensibilidade.

    A definio que Toms de Aquino prope do ser humano, como unidade indissolvel de corpo e alma, mostra que o corpo no apenas pura presena a si ou um lugar de reflexividade, mas um lugar que remete ao mundo, que re conduz a pessoa a seu fim. O corpo manifesta que o ser por si mesmo do ser hu mano s adquire seu verdadeiro sentido permanecendo ordenado ao ser por outro, na medida em que ele primeiro uma relao com a alteridade. Por isso, pode-se dizer que a pessoa s plenamente carne se ela diz a carne do outro e a carne do mundo.76

    Outro aspecto importante para se pensar a pessoa a memria. Desde Locke, observa Housset, ela o lugar privilegiado da construo da identidade pessoal. Porm, a compreenso reflexiva da memria, prpria filosofia mo-der na, fez dela um lugar de senhorio, que leva a produzir um personagem mais que a compreender-se de verdade como pessoa. H, talvez, que voltar com preenso agostiniana da memria, que faz dela o lugar de uma inquietao.

    Com efeito, para o bispo de Hipona, a memria de Deus, ou seja, sua presena inesquecvel em ns, que abre a possibilidade de uma presena a si. Neste sentido, a memria tambm lugar de um excesso, excesso daquilo que al gum com relao quilo que se d e com relao a seu lugar no mundo. Em sua memria o ser humano posto em questo por aquilo que o excede, e pode ento autoquestionar-se, iniciando o processo de personalizao. O fim da memria no , portanto, a autotransparncia pura de si mesmo, mas a tarefa de realizar a vocao prpria77.

    76 Ibid., 167-168.77 Ibid., 172-173.

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    Ser pessoa ainda realizar-se na e atravs da histria, que no se define s pelo passado que recebemos como herdeiros, mas tambm por aquilo que no ssa liberdade chamada a realizar num mundo comum. De fato, nosso ser his trico no se reduz recuperao do conjunto da vida passada e sedimentada, presente em uma conscincia reflexiva, mas apelo a uma tarefa a construir com outros. Por isso, a pessoa no apenas a conscincia de seu passado, nem so mente a evidncia formal de seu dever em geral, mas a conscincia daquilo que ela chamada a fazer num mundo histrico.

    Uma ltima dimenso da definio da pessoa como criatura, segundo Housset, o amor. Este, mais que algo produzido por si prprio, uma resposta an terior ao eu. No amor a pessoa se descobre experimentalmente com a prova da alteridade que destitui o si produzido pelo eu. No h estranheza maior em algum do que a de amar. Por isso, h uma ligao entre pessoa e amor, pois a pessoa primeiramente uma subjetividade ferida, finita, passvel, frgil e humilde, que em sua debilidade pode receber a fora de acolher o prximo.78 O amor o modo de ser fora de si que prprio pessoa. Esta transcendncia na passividade o que salva do fechamento do eu.

    Por isso, o amor no uma qualidade que agregada pessoa, mas a pe-ssoa mesma compreendida como criatura. A pessoa amante aquela que con-sente em perder toda forma para amar ao prximo por ele mesmo. Isso sig nifica no consider-lo apenas como um fim em si. Passando do respeito ao amor, se passa do reconhecimento do valor absoluto de cada pessoa, e da igual dade absoluta em dignidade de todas as pessoas, ao reconhecimento de que o outro inimaginvel, incomparvel, que no se assemelha a nenhum outro.

    Este carter incomparvel, fundado na unicidade absoluta do prximo funda uma igualdade muito mais essencial entre os seres humanos, que j no emerge s da comum pertena a uma mesma espcie. A pessoa amada aquela que aparece como alm de toda definio na luz do que aporta de nica beleza e realizao do mundo: incompreensvel, ela me pe em movimento, me faz ser, pois requer meu prprio processo de personalizao.

    Desde ento, se o auto-manter-se, a subsistncia, um carter funda-mental da pessoa, esta mantncia no deve ser imediatamente vista como uma

    78 Ibid., 176.

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    autolegislao de um eu transcendental, pois ela uma manuteno por outro. Amar, para a pessoa, realizar sua essncia responsiva. O amor faz a pessoa e, desta maneira, pe em evidncia que a liberdade finita da pessoa consiste em re ceber-se do que ela no . por isso que seu fim no est nela, mas alm dela.79

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