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II Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional Mestrado e Doutorado Santa Cruz do Sul, RS – Brasil - 28 setembro a 01 de outubro.
A DINÂMICA TERRITORIAL DO DESENVOLVIMENTO: SUA COMPREENSÃO A PARTIR DA ANÁLISE DA TRAJETÓRIA DE UM
ÂMBITO ESPACIAL PERIFÉRICO
Valdir Roque Dallabrida
1
Dieter Rugard Siedenberg2
Víctor Ramiro Fernández3
RESUMO
Neste artigo são analisados os fatores que explicam trajetórias progressivas de
desenvolvimento de âmbitos espaciais periféricos, a partir das abordagens regionalistas,
tendo como referência empírica a experiência do município de Sarandi (RS-Brasil),
entre 1990 e 2003. As abordagens regionalistas do desenvolvimento, apesar das recentes
revisões críticas, apontam para um cenário de respostas aos percalços da
territorialização do desenvolvimento, desafiante e ao mesmo tempo alentador, na
medida que reforçam a importância da organização socioterritorial e da inovação
coletiva territorial, com seus reflexos nos sistemas territoriais de produção. O desafio é
maior quando a referência são âmbitos espaciais periféricos. Neste sentido, várias
questões instigam a investigação, tais como: (1) qual a possibilidade de desencadear
movimentos de reação dos territórios ou regiões? (2) quais características precisam estar
presentes em territórios ou regiões, para criar as condições favoráveis a uma reação
mais autônoma e protagonista, com maior possibilidade de sucesso? (3) como é possível
perceber estas características na realidade de territórios ou regiões fora dos centros mais
dinâmicos da economia nacional e mundial? Tangenciando tais questionamentos, a
pesquisa busca entender em que medida as variáveis como a densidade institucional, as
inovações coletivas territoriais e o desenvolvimento da cadeia de valor, podem explicar
1 Professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da UNIJUÍ, mestre e doutorando em Desenvolvimento Regional, na UNISC. 2 Professor no Mestrado em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania da UNIJUÍ e no Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Regional, da UNISC, doutor em Antropogeografia pela Universität Tübingen / Alemanha. 3 Professor e pesquisador da Universidad Nacional del Litoral – Santa Fé (AR), doutor em Ciência Política pela Universidad Autónoma de Madrid, membro do Consejo Nacional de Investigaciones Cientificas de la Argentina - CONICET.
as causas que têm atuado na implementação de trajetórias de desenvolvimento de
âmbitos espaciais periféricos, como o município de Sarandi. A pesquisa estará focada
no inter-relacionamento destas variáveis, tomando como referência a aglomeração
principal das empresas locais, o setor de confecções.
Palavras-Chave: Dinâmica territorial do desenvolvimento. desenvolvimento regional, Sarandi, organização socioterritorial.
THE TERRITORIAL DYNAMICS OF DEVELOPMENT: ITS COMPREHENSION THROUGH THE TRAJECTORY ANALYSIS OF A
PERIPHERICAL SPATIAL SCOPE
ABSTRACT
In this article the factors that explain progressive trajectories of development in
peripherical spatial scope are analyzed, through the regionalist views, taking as
empirical reference the Sarandi (RS – Brazil) municipal district experience, between the
years of 1990 and 2003. The regionalist views of development, although have been
recently criticized, point to a scenery of answers to the troubles of territorial
development, which is challenging and encouraging at the same time, in a way that they
enforce the importance of a social and territorial organization and of territorial and
collective innovation, with its reflexes on the territorial systems of production. The
challenge is bigger when the reference are the peripherical spatial scopes. In this sense,
many questions instigate the investigation, such as: (1) what possibilities of unleashing
reaction movements of the territory or regions? (2) what characteristics need to be
present in the territories or regions in order to create favorable conditions to an
autonomous and protagonist reaction, with a higher possibility of being successful? (3)
how can these characteristics be noticed in the territorial or regional reality outside the
more dynamic centers of the national and global economy? The objective of the
research is to understand in what measure the variables such as institutional density,
collective territorial innovations and the development of value chains can explain the
causes that have acted in the trajectory implementation of development in peripherical
spatial scopes like in Sarandi municipal district. The research will focus in the inter-
relationship of these variables, taking as reference the main agglomeration of local
businesses, the confection sector.
Key words: Territorial dynamics of development, regional development, Sarandi, social and territorial organization
INTRODUÇÃO
A referência à dinâmica territorial do desenvolvimento remete-nos à discussão
dos processos de desenvolvimento localizado. Neste artigo, tem-se o propósito de
buscar sua compreensão a partir da análise da trajetória de um âmbito espacial
periférico. Para tal, inicialmente, faz-se uma síntese das principais abordagens teóricas
que focam a temática do desenvolvimento a partir da perspectiva territorial, destacando
as vertentes globalista e regionalista do chamado novo regionalismo. Por outro lado,
tem-se o cuidado de mencionar as principais críticas feitas às abordagens regionalistas
do desenvolvimento.
Reafirma-se, no entanto, que apesar da adequação das críticas, é possível
vislumbrar um cenário de respostas aos desafios da territorialização do
desenvolvimento, desde que sejam priorizados os enfoques das abordagens regionalistas
que reafirmam a relação entre os padrões de organização socioterritorial, a inovação e o
desenvolvimento.
Na seqüência, faz-se algumas considerações sobre uma investigação empírica
que está na sua fase final de desdobramento, focada num âmbito espacial periférico
(Sarandi)4. Dá-se destaque a alguns conceitos presentes na evolução dos enfoques
regionalistas do desenvolvimento, além de situar a problemática central, suas bases
hipotéticas, as principais expectativas que se tem com a pesquisa, algumas
considerações de ordem metodológica e, por fim, são contempladas algumas conclusões
preliminares sobre os resultados da pesquisa.
1 ABORDAGENS TEÓRICAS QUE FOCAM A TEMÁTICA DO
DESENVOLVIMENTO, A PARTIR DA PERSPECTIVA TERRITORIAL
Quando se trata de sintetizar as abordagens teóricas que focam a temática do
desenvolvimento a partir da perspectiva territorial, é indispensável destacar a relação
4 Esta pesquisa empírica servirá de base para elaboração de Tese de Doutorado em Desenvolvimento Regional, na Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC.
local-global, além de mencionar as vertentes globalistas e regionalistas do novo
regionalismo5.
1.1 Desenvolvimento e território: relação global-local
No atual estágio do desenvolvimento capitalista, percebe-se que a apropriação
do espaço nas diferentes regiões, ou seja, sua territorialização, tende a resultar de um
processo caracterizado por uma verdadeira “privatização e corporativização do
território”, na medida que as empresas globais ainda assumem um papel de forte
hegemonia (SANTOS E SILVEIRA, 2001).
No entanto, a globalização, enquanto movimento, determina a localização do
desenvolvimento, mas, em sentido contrário, a localização, enquanto contramovimento,
desafia a globalização do desenvolvimento (BECKER, 2001). Ou seja, a globalização é
um processo vinculado ao território, na medida que condiciona a dinâmica econômica
de territórios-regiões-cidades-lugares e, por sua vez, se vê afetado pelo comportamento
dos atores locais (MÉNDEZ, 2002). Assim, dado que não basta que os territórios sejam
um mero suporte na localização de plantas industriais e de oficinas de serviços, estes
têm que criar os recursos e externalidades específicas necessárias para seu
desenvolvimento (MAILLAT, 1995a).
A lógica funcional de ocupação do espaço, acima caracterizada como o processo
de privatização e corporativização do território, faz parte da lógica definida e
implementada pelo primado do econômico. Pelo contramovimento, da reação do social,
é possível constituir-se um novo cenário: o território transformar-se em “fonte de
desenvolvimento” (AYDALOT, 1986), sendo possível afirmar que os mundialmente
chamados “meios inovadores” e “distritos industriais”, representariam bons exemplos
de reação, ou seja, o privilegiamento da territorialização segundo a lógica territorial.
1.2 Abordagens do novo regionalismo
Para fins didáticos, é possível classificar as abordagens focadas no território em
duas vertentes: a globalista e a regionalista6.
1.2.1 A vertente globalista do novo regionalismo
5 Em Dallabrida, Siedenberg e Fernández (2004), esta temática é aprofundada. Por isso, destacam-se apenas alguns autores, sendo que na referida obra consta um maior número de referências bibliográficas. 6 Seguindo sugestão de Klink (2001).
Genericamente, os enfoques da vertente globalista sustentam-se na tese da
possível homogeneização do espaço local, com base nos princípios liberais, acreditando
numa situação de competição perfeita entre localidades.
Podem ser sintetizados em quatro enfoques: (1) Nova Política Urbana – NUP,
em que se defende que governos locais e comunidades não têm outra escolha senão
oferecer todos os tipos de concessões para atrair o capital internacional (COX, 1995);
(2) estratégias de city marketing, sustentando que as cidades e as regiões estariam cada
vez mais assumindo as tarefas de geração de renda e emprego através da elaboração e
implementação de um comportamento empresarial (JENSEN-BUTLER et all, 1997);
(3) economia de fluxos e informações, reafirmando que redes de cidades e regiões
conectadas entre si numa sociedade global baseada no fluxo de informações, estariam
assumindo como os grandes sujeitos do processo de desenvolvimento (BORJA e
CASTELS, 1997), e (4) uma ordem internacional sem fronteiras nacionais estaria
surgindo, pelo que se condena o comportamento intervencionista do Estado (OHMAE,
1996), propondo até sua extinção (STRANGE, 1996) e proclama as vantagens da
competição livre entre regiões-territórios-cidades região-países.
1.2.2 A vertente regionalista
A tese principal em que sustentam os enfoques da vertente regionalista é a de
que aumentou a capacidade dos âmbitos espaciais locais, regiões ou territórios, de atuar
sobre os fatores estruturais, implicando numa maior capacidade de se utilizar e
aproveitar esses fatores globais em função das próprias especificidades do local.
Os diferentes enfoques da vertente regionalista, podem ser sintetizados em
quatro grupos. O primeiro, é o que se refere aos estudos centrados na problemática da
organização industrial. Centram-se, inicialmente, na análise da experiência japonesa
dos tecnopólos. Fundamentam-se na emergência de um novo paradigma
tecnoeconômico e na interpretação do processo de inovação através do conceito de
“sistema nacional de inovação” (LUNDVALL, 1992) ou “sistema regional de inovação”
(BRACZYK, COOKE e HEIDENREICH, 1998), entendido como expressão
organizacional das dinâmicas de aprendizagem coletiva que ocorrem num determinado
país, ou quadro territorial.
O segundo enfoque refere-se aos estudos centrados na crise do fordismo. Na
tentativa de interpretar a natureza da crise econômica dos anos 80, autores ligados à
Escola Francesa da Teoria da Regulação, juntamente com vários autores americanos,
caracterizaram a concepção de novas formas de organização industrial, baseados em
modelos de “acumulação flexível”, facilitando a compreensão dos novos espaços
industriais (BOYER, 1986; PIORE e SABEL, 1993).
O terceiro enfoque refere-se aos estudos centrados nos distritos industriais. O
distrito industrial é visto como uma “entidade sócio-territorial” caracterizada pela
presença ativa de uma comunidade de pessoas e de uma população de empresas num
determinado território. Nos distritos industriais, cada uma das empresas tende a
especializar-se numa única, ou apenas algumas, das fases dos processos produtivos
específicos de cada distrito. Os estudos realizados sobre os chamados distritos
industriais, principalmente na Terceira Itália, são abordados originalmente por autores
italianos, dentre os quais destaca-se Becattini (1987), mais tarde tendo sido enriquecidos
por abordagens de outros autores, tais como Vázquez-Barquero (2000).
Por fim, o quarto enfoque refere-se aos estudos centrados nos meios inovadores.
O conceito de “meio inovador” (MAILLAT, 1995a), ou “territórios inovadores”
(MÉNDEZ, 2002), pretende apreender as dinâmicas territoriais de inovação, tendo
como pressuposto que atualmente os mecanismos do desenvolvimento regional residem
nas regiões que são capazes de inovar, de pôr em prática projetos que aliem as novas
técnicas, a cooperação entre as empresas, as instituições de formação e pesquisa, e que
desenvolvam novos produtos, com o apoio das autoridades locais e regionais e das
universidades.
1.3 Uma necessária revisão crítica das abordagens regionalistas
Alguns autores têm preferido considerar as abordagens regionalistas do
desenvolvimento como exageradamente otimistas7. No entanto, isso não significa
desconsiderar sua validade.
Vejamos algumas revisões críticas necessárias. Quanto aos distritos industriais,
uma das críticas feitas é sobre a presumida possibilidade destes virem a transformar-se
em um modelo alternativo de desenvolvimento, passível de ser transferido para outras
regiões do mundo. A presença de fortes mecanismos de regulação local tende a que o
sistema local seja lento na reação às alterações do mercado. Além disto, considere-se a
fraca capacidade dos distritos para influenciar as orientações da política macro-
7 Sobre tais críticas, são dadas algumas contribuições em Fernández (2001).
econômica e da política regional (FERNÁNDEZ, 2003). Sobre as abordagens da
especialização flexível, a principal crítica feita é que, ao mesmo tempo que
reposicionaram as regiões no cenário globalizador, relativisaram a importância dos
âmbitos nacionais.
Sobre as abordagens da chamada “glocalização” (SWYNGEDOUW, 1997), dito
termo procura refletir uma nova relação simbiótica entre o espaço global e local. No
entanto, esta glocalização, não representa uma relação espacialmente harmônica. A
globalização pós-fordista não veio acompanhada de um processo de superação das
assimetrias econômico-espaciais. A experiência não tem apresentado as pequenas e
médias empresas como atores centrais na configuração de complexos territoriais de
produção e muito menos de redes globais. O que se percebeu é que as empresas
transnacionais têm-se convertido nos novos atores que controlam as redes globais e
desenvolvem um posicionamento espacial seletivo, o que não dá lugar a uma dinâmica
territorial descentralizadora e convergente, senão a um fortalecimento de determinados
espaços centrais e recrudescimento das assimetrias regionais, produto de sua capacidade
de operar com altos volumes de investimentos como ocorria na etapa fordista (AMIN,
CHARLES e HOWELLS, 1992).
Por fim, muitas das experiências de acumulação flexível exibidas nos anos 80
como representativas da nova glocalização, têm mostrado nos anos 90 um processo de
crise e forte reestruturação interna, derivando em desconfiguração dos padrões
horizontais de reprodução territorial e sua substituição por componentes hierárquicos de
escassa endogeneidade, e em outros, em um caminho de claro declive. Dentre as
dificuldades apresentadas uma se destaca: o desafio de ingressar nas redes globais de
comercialização, altamente concentradas nas mãos das empresas transnacionais
(HUMPHREY e SCHMITZ, 2000).
As revisões críticas não confrontam totalmente com a defesa teórica e análise de
experiências que apresentam território e atores como possíveis protagonistas do
processo de desenvolvimento local ou regional. Apenas exigem uma revisão de algumas
argumentações exageradamente otimistas, além de evidenciar a necessidade de refletir
profundamente e pesquisar, para dar respostas viáveis, sobre, no mínimo, três
interrogações8: (1) como as regiões periféricas podem afastar-se de seu posicionamento
marginal e alcançar novos padrões organizativo-funcionais fundados, como os distritos
8 Tais interrogações são também referidas em outra obra: Fernández (2001).
industriais, por exemplo, no protagonismo e na articulação dos atores territoriais? (2)
como aqueles complexos territoriais que têm alcançado os atributos dos distritos
industriais, podem enfrentar suas limitações estruturais, ligadas à sua escala e ao
conjunto de inércias que bloqueiam sua qualificação, para ingressar nas redes globais
controladas pelas empresas transacionais? e, (3) como, em geral, os espaços regionais
podem encontrar padrões organizativo-funcionais que lhes permitam inserir em seu
âmbito as empresas transacionais, condicionando seu funcionamento dentro dos
territórios e operando com estes macro-atores uma lógica não reprodutiva, senão
altamente sinergética?
2 UM CENÁRIO DE RESPOSTAS AOS DESAFIOS DA
TERRITORIALIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO
As três interrogações acima referidas remetem nossa atenção sobre os principais
desafios da territorialização do desenvolvimento. Assim, são destacadas algumas
reflexões, que podem contribuir para a construção de um cenário de respostas a tais
desafios. São priorizados os enfoques das abordagens regionalistas que reafirmam a
relação entre os padrões de organização socioterritorial, a inovação e o
desenvolvimento.
No cenário atual, por um lado, tem-se assistido a uma consistente evolução na
reflexão teórica que busca interpretar a crise do capitalismo dos anos 70, resultando, por
exemplo, em enfoques que reforçam a dimensão territorial do desenvolvimento,
explicando as razões do êxito de inúmeras experiências de desenvolvimento localizado.
Por outro lado, assiste-se a um agravamento das assimetrias e redução das
convergências regionais, um aumento na hegemonia das empresas transnacionais e a
não consolidação dos sistemas territoriais de produção sob o comando de redes de
pequenas e médias empresas. Paralelamente, o espaço nacional e o Estado-Nação têm
sua função desconsiderada.
Diante disso, decorrentes das questões acima evidenciadas, outras interrogações,
parecem centrais para a investigação: (1) qual a possibilidade de desencadear
movimentos de reação dos territórios ou regiões? (2) quais características precisam estar
presentes em territórios ou regiões, para criar as condições favoráveis a uma reação
mais autônoma e protagonista, com maior possibilidade de sucesso? (3) como é possível
perceber estas características na realidade de territórios ou regiões fora dos centros mais
dinâmicos da economia nacional e mundial? (4) que variáveis e/ou indicadores são mais
adequados para mensurar o padrão de competitividade, ou competência territorial destes
territórios ou regiões?9
Mesmo sem a preocupação de responder com profundidade a tais questões,
pretende-se contribuir com algumas reflexões a elas pertinentes.
2.1 Competitividade ou competência territorial? Inicialmente, entende-se como fundamenta, esclarecer uma questão teórica: ao
fazer referência aos âmbitos espaciais que possuem características favoráveis para o seu
desenvolvimento, estamos nos deparando com bons padrões de competitividade ou
competência territorial? Quanto a isto, existem diferentes abordagens.
Segundo Lopes (2001), competitividade territorial, pode ser entendida como a
capacidade de uma comunidade territorial para assegurar as condições econômicas do
“desenvolvimento sustentado”. Entende-se que as condições econômicas são condição
necessária, mas não suficiente. A capacidade de atrair e fixar população, gerar empregos
- preferencialmente empregos qualificados - e inovar, são indispensáveis. O desafio é
como conciliar a relação conflituosa entre a geração de emprego, o necessário aumento
da produtividade, a introdução de inovações tecnológicas no processo de produção, a
manutenção de bons níveis de empregabilidade e a agregação local de valor aos
produtos.
Já Veltz (1995), refere-se ao “êxito territorial”. Para ele o êxito territorial resulta
de competências, redes, projetos e instituições, do que decorrem algumas implicações:
(1) a competência exige quadros coletivos de ação sólidos; (2) a competência
desenvolve-se e valoriza-se através da constituição de redes internas e externas; (3) isto
pressupõe uma visão, um projeto, ou seja, uma visão consensuada de futuro e, como
resultante, (4) o desenvolvimento de territórios-regiões tem uma relação direta com a
densidade e qualidade das interações entre atores, o que exige a presença de instituições
sólidas e ativas.
Assim, considerando que o sucesso de um lugar-região-território depende mais
da competência, que se cria, que é construída socialmente, é possível afirmar que seu
desenvolvimento depende do que se prefere denominar de competência territorial, a
9 Têm-se claro, que as limitações de espaço deste artigo não darão conta de uma resposta adequada a tais questões. De qualquer forma, além das reflexões iniciais aqui contempladas, o término da pesquisa já mencionada, espera-se, trará importantes contribuições para a construção de novos cenários de respostas.
qual inclui a dimensão da competitividade econômica, mas, sobretudo, dos fatores
necessários ao êxito territorial, acima destacados por Veltz.
2.2 Organização socioterritorial e desenvolvimento Aprofundando abordagem feita por Vázquez-Barquero (1996) sobre as políticas
de desenvolvimento regional, a partir do desencadeamento de ações na dimensão
“harware”, “software” e “orgware”, em outra oportunidade (FERNÁNDEZ, 2001,
2003), tem-se salientado a dimensão orgware do desenvolvimento. A dimensão
orgware do desenvolvimento refere-se à capacidade “auto-organizativa territorial”, ou
seja, à capacidade de organização econômica, social e institucional do território,
fundamentada nas traded e untraded interdependencies10.
Na dimensão das traded interdependencies, estão presentes as relações de
mercado, ainda que contempla também um complexo de práticas de cooperação entre os
agentes econômicos do território. Os atores aqui são as empresas. Já sobre as untraded
interdependencies (interdependências não-mercantis) tem se depositado a possibilidade
de construção de um padrão de desenvolvimento que abranja, além da dimensão
econômica, a social, a política, a ambiental e a cultural. Esse complexo de atores
edificam um processo de “regulação coletiva” (FERNÁNDEZ, 2001), conformado pelas
redes empresariais e as interações que ocorrem interinstitucionalmente,
interempresarialmente e entre instituições e empresas. Esse circuito de interações tem
como produto principal a geração de um sólido capital social e, como efeito mais
relevante, a emergência e desenvolvimento de processos sistemáticos e incrementais de
aprendizagens coletivas geradas no nível territorial (CAMAGNI, 1991).
Por fim, tem-se salientado que o objetivo destas interações é obter uma sólida
governance regional [ou Governança Territorial]11, formada pela ampliação e
qualificação de redes sinérgicas entre os atores, as PMEs, a força de trabalho e o
complexo de instituições públicas e semi-públicas com base na sociedade civil, que
operam no nível intra-territorial, adicionando às vantagens estáticas (bases constitutivas
dos complexos de produção territorial, tais como as infra-estruturas) as vantagens
dinâmicas (padrão de orgware regional e local) (FERNÁNDES, 2001).
10 Conceitos resgatados de Storper (1995). 11 Conforme já referido em Dallabrida e Becker (2003a).
2.3 Inovação e desenvolvimento territorial Assume-se aqui o seguinte conceito de inovação: a capacidade de gerar e
incorporar conhecimentos para dar respostas criativas aos problemas do presente
(MÉNDEZ, 2002). Assim, ao referir-se a um lugar-região-território inovador, faz-se
referência a âmbitos espaciais em que seus atores-agentes e organizações-instituições
forem capazes de gerar e incorporar conhecimentos para dar respostas criativas aos
desafios que se lhes apresentam em cada momento da história.
Enfoques de várias áreas do conhecimento, como da economia, da administração
e também da geografia (a geografia da empresa), até recentemente, elegeram a empresa
como objeto de atenção específico, considerando que a inovação (em processos,
produtos ou gestão) devia ser interpretada a partir de fatores internos à própria firma e
relacionados com sua organização. Num contraponto a esta argumentação, no âmbito da
economia espacial, um número crescente de estudos geográficos e também econômicos,
sustentam que a inovação das empresas é, em grande medida, resultado da existência de
um entorno territorial (social, econômico, cultural, etc.) com características específicas.
Torna-se evidente, então, um fato: a concentração espacial e o entorno territorial
contribuem para a inovação empresarial. “A partir dessa evidência, a atenção prioritária
se dirige a analisar e tentar compreender o ambiente em que nascem e operam essas
empresas tentando detectar a possível existência de alguns fatores-chave externos à
empresa no entanto internos aos lugares onde estão presentes os processos de inovação”
(MÉNDEZ, 2002, p. 3).
Os estudos sobre os “distritos industriais” (BECATTINI, 1987), a referência aos
“sistemas produtivos localizados” (BENKO e LIPIETZ, 2000) e as propostas sobre o
“desenvolvimento local” – feitas por autores como S. BOISIER e A. VÁZQUEZ
BARQUERO, em várias obras, algumas delas aqui citadas -, já destacam o papel do
entorno territorial na inovação, mesmo que ainda não dando um papel prioritário.
Outras abordagens posteriores, como das “vantagens competitivas de nações e regiões”
(PORTER, 1991), a dos “meios inovadores” (MAILLAT, 1995b) e a das “redes de
inovação” (LUNDVALL, 1992), deram uma ênfase maior ao papel do entorno
territorial na inovação.
Recentemente, propostas surgidas como a da chamada “economia do
conhecimento”, transladadas ao plano territorial com conceitos como o de região
inteligente, regiões ou territórios que aprendem, ou “learning region” (FLORIDA,
1995), reforçam o atual protagonismo do conhecimento e da aprendizagem coletiva
como recursos específicos. Outras, como as que realizam estudos sobre as “dinâmicas
de proximidade” (GILLY e TORRE, 2000), centram sua atenção na importância
exercida pela proximidade física, além da funcional e da cultural, na criação de redes
capazes de transmitir saberes tácitos, não formalizados e dificilmente decodificáveis, no
entanto, fundamentais para a geração e difusão de inovações.
Sem esgotar o debate sobre as influências da inovação, pode-se afirmar que
ambas as dimensões, a organizativa (empresa) e espacial (o entorno territorial), influem
de forma conjunta e se complementam, ainda que a importância seja diversa segundo o
tipo de empresa. Segundo Méndez (2002), nos sistemas produtivos territoriais formados
majoritariamente por micro, pequenas e médias empresas, a influência do entorno
territorial é decisiva. O autor chega a questionar se, desde a perspectiva geográfica, o
objetivo de nossas investigações deve ser a identificação dos fatores que permitem
compreender o comportamento mais ou menos inovador das empresas, ou pelo
contrário, devemos orientar nossos esforços a interpretar a diversa capacidade de
inovação mostrada pelos territórios.
A afirmação de Méndez (2002, p. 5) está sustentada no fato de que, segundo ele,
“a base econômica não resume a complexidade de nenhum território e isso exige
ampliar nosso horizonte para tentar abarcar o que está além das empresas (...)”, posição
reforçada por Maillat (1995b, p. 4), quando, ao referir-se aos meios inovadores, sobre a
questão da inovação, reafirma: “não é tanto a dimensão das empresas que importa
considerar, mas a existência ao nível territorial de modos originais de organização dos
sistemas de produção”.
Seguindo a mesma linha de argumentação, Lopes (2001) afirma que se é certo
que a inovação decorre da lógica econômica (modelo de organização territorial da
produção, configurado pelo tecido empresarial local), a compreensão do processo de
inovação requer, para além desta, a apreensão de uma lógica social (a dinâmica
institucional, configurada pelos atores que corporificam as parcerias orientadas para o
desenvolvimento local), “já que a inovação é essencialmente o resultado de um processo
interativo de aprendizagem coletiva” (p. 185). Em resumo, o padrão de competitividade
territorial [ou competência territorial], decorre, como síntese dialética, da especificidade
com que nesse território se combinam o conhecimento tácito enraizado no tecido sócio-
produtivo local, com o conhecimento codificado filtrado do exterior, ou seja, das
sinergias resultantes dos fatores de competitividade não territorializáveis
(conhecimento tácito), com os fatores de competitividade territorializados (os
codificados) (2001).
2.4 A necessária reconsideração do papel do Estado Para complementar um cenário de respostas aos desafios da territorialização do
desenvolvimento, em obra já citada (FERNÁNDEZ, 2003), destaca-se mais dois
aspectos: (1) o necessário redimensionamento do papel do espaço nacional e das
capacidades estatais e, (2) o impacto, na dinâmica territorial do desenvolvimento, da
inovação territorial resultante das aprendizagens coletivas.
Quanto ao papel do Estado, visões liberais e neoliberais defendem a retirada do
mesmo do âmbito econômico, deixando o comando da economia às leis do livre
mercado, a ponto de alguns autores chegarem a decretar o fim do Estado-Nação. É claro
que não concorda-se com tal entendimento, defendendo-se a articulação entre os atores
territoriais, espaços nacionais e Estado-Nação, estabelecendo-se uma comunicação
estratégica, como necessária para definir a inserção dos territórios no processo de
globalização. Ou seja, o Estado, e suas capacidades, torna-se necessário para superar os
desafios da territorialização do desenvolvimento12.
Tem-se claro que, considerando a situação dos países da América Latina, este é
um desafio para ser enfrentado nas próximas décadas. Ou seja, tal situação está distante
da nossa realidade institucional.
3 REAFIRMAÇÃO DE ALGUNS CONCEITOS PRESENTES NA EVOLUÇÃO DOS ENFOQUES REGIONALISTAS DO DESENVOLVIMENTO
Sinteticamente, são destacados oito conceitos: Governança e Governança
Territorial, Dinâmica Territorial do Desenvolvimento, Densidade Institucional,
Inovação e Inovações Coletivas Territoriais, Cadeia de Valor e Desenvolvimento
Territorial. Estes merecem destaque, pois se entende que, inter-relacionados, podem
contribuir para a melhor compreensão e análise da dinâmica territorial do
desenvolvimento.
12 Esta temática é aprofundada em outra obra (FERNÁNDEZ, 2003).
3.1 Governança e Governança Territorial Mayntz (2000), define governance, [ou governança], como a capacidade, gerada
no território, para gerir os assuntos públicos a partir do envolvimento conjunto e
cooperativo dos atores institucionais e econômicos desses âmbitos.
Assim, governança territorial, pode ser entendida como o exercício do poder e
autoridade, por parte dos cidadãos ou grupos devidamente articulados nas suas
instituições e organizações, incluindo todos os processos, com o objetivo de
diagnosticar a realidade, definir prioridades, planejar a implementação das ações e,
assim, determinar como os recursos financeiros, materiais e humanos devam ser
alocados, para a dinamização das potencialidades e superação dos desafios, visando o
desenvolvimento territorial. Já o sistema de governança territorial, refere-se ao
conjunto de estruturas em rede, através das quais os atores-agentes e organizações-
instituições locais atuam no planejamento e consecução das ações voltadas ao
desenvolvimento territorial (DALLABRIDA e BECKER, 2003a).
3.2 Dinâmica Territorial do Desenvolvimento Decorrente do conceito de desenvolvimento territorial, já explicitado, pode-se
referir à dinâmica territorial do desenvolvimento. O uso desta expressão pressupõe a
defesa da hipótese de que o desenvolvimento é, antes de mais nada, resultante da
dinâmica dos diferentes territórios. Assim, a dinâmica territorial do desenvolvimento,
diz respeito às diferentes formas dos atores-agentes e organizações-instituições locais
ou regionais organizarem-se para atuarem no processo de desenvolvimento de um
determinado âmbito espacial (município-região-território). Constitui-se na opção de
organização assumida pelos atores-agentes e organizações-instituições locais e regionais
para viabilizar o desenvolvimento. Resulta de um processo com duas direções: da
dimensão global do desenvolvimento, que impõe seus interesses econômico-
corporativos sobre o território, e da reação da sociedade organizada, movendo-se,
principalmente, pela defesa da vida (humana e do meio ambiente). É ressaltada, assim, a
relação dialética entre global e local, território e desenvolvimento (DALLABRIDA e
BECKER, 2003b).
3.3 Densidade Institucional Amin e Thrift (1995), ao ressaltarem a função da intensificação das
interdependências mercantis e não-mercantis que se desenvolvem no território
(especialmente estas últimas), introduzem o conceito de densidade institucional, para
referir-se à presença no território de uma significativa quantidade de instituições
(entendidas como atores públicos e privados) e intensas e qualificadas formas de
cooperação intra e interinstitucionais, geradas localmente.
A relação do conceito com as trajetórias de desenvolvimento de regiões ou
territórios, deve-se ao fato de que tal componente tem sido considerado fundamental
para qualificar os processos de organização territorial, dinamizar o sistema produtivo e,
assim, qualificar o processo de desenvolvimento. Estas mesmas abordagens afirmam
que territórios que apresentam alta densidade institucional têm condições mais
favoráveis para o desenvolvimento de inovações fundamentais para impulsionar
trajetórias progressivas de desenvolvimento territorial (FERNÁNDEZ, 2004).
3.4 Inovação e Inovações Coletivas Territoriais Reafirma-se aqui o conceito de inovação, como a capacidade de gerar e
incorporar conhecimentos para dar respostas criativas aos problemas do presente
(MÉNDEZ, 2002). Sobre a questão da inovação, diferentes enfoques regionalistas,
alguns deles aqui revisados, destacam sua importância nos processos de
desenvolvimento territorial, considerando que este resulta, não como produto do esforço
individual das empresas, senão como resultado de uma aprendizagem coletiva, pela
interação dos atores públicos e privados que atuam no território.
Storper (1995), reafirma que para a obtenção da inovação territorial é
fundamental o papel assumido pelo complexo de hábitos, regras e tradições
compartilhadas, denominadas por ele de untraded-interdependencies (interdependências
não mercantis). Tais interdependências, conforme já destacado em outra oportunidade
(FERNÁNDEZ, 2004), facilitam o desenvolvimento de interações coletivas sob a forma
de rede, entre atores públicos e privados, sobre as quais se assentam aprendizagens
coletivas que potencializam a inovação e qualificam o sistema de governança territorial,
refletindo em melhoras na cadeia de valor dos sistemas produtivos territoriais.
As inovações resultantes das diferentes formas de inter-relações que ocorrem no
território são as inovações coletivas territoriais.
3.5 Cadeia de valor
A cadeia de valor refere-se ao conjunto completo de atividades requeridas para
que um produto ou serviço seja concebido, produzido, transportado, comercializado,
consumido e finalmente reciclado. Pode ser organizada em forma de etapas, assim
identificadas: concepção tecnológica, produção, transporte, marketing, consumo,
reciclagem. Ao conjunto de etapas e atividades da cadeia de valor global que acontece
num determinado âmbito espacial, desenvolvidas no interior de um cluster, denomina-
se cadeia de valor local (FERNÁNDEZ, 2004).
3.6 Desenvolvimento territorial Sergio Boisier, em várias de suas obras, reafirma a necessidade de dar um salto
qualitativo radical na discussão das formas de promoção do desenvolvimento, pois as
modalidades tradicionais, hegemônicas na maioria dos países ou regiões, não têm
conduzido e não conduzirão ao sonhado desenvolvimento13. Em uma obra recente,
(BOISIER, 1998), ao referir-se ao desenvolvimento, afirma que nosso conhecimento é
escasso a respeito de sua causalidade. As propostas recentes, afirma ele, referem-se a
vários fatores: (1) aos recursos (desde os naturais até os cognitivos, os simbólicos e os
psicossociais); (2) aos atores (individuais, corporativos, coletivos); (3) às instituições (a
respeito das quais a preocupação centra-se em sua inteligência organizacional e em sua
contemporaneidade); (4) aos procedimentos (principalmente os de caráter mais
societário como os pertinentes ao governo, à administração, à informação); (5) à cultura
(voltada ao desenvolvimento, produtora de capital social, conforme Robert Putnam), e
finalmente, (6) à inserção do território em seu próprio entorno (basicamente articulação
com o aparato do Estado e articulação com o mercado internacional).
Assim, é possível deduzir que o desenvolvimento, além da dimensão tangível
(material), que tem nos aspectos econômicos sua expressão maior, possui uma dimensão
intangível (imaterial). Dentre os fatores causais do desenvolvimento, a dimensão 13 Em outra oportunidade (SIEDENBERG, 2001a), ao discorrer sobre o uso do conceito desenvolvimento, reforça-se a imprecisão conceitual, ambigüidade, indefinição, o uso indiscriminado, sem atribuir-lhe dimensões conceituais básicas, permitindo diversas interpretações. “Em suma, quando se trata do termo desenvolvimento, duas características de qualquer conceito – clareza e precisão – parecem estar em contradição direta com a intensidade e a freqüência de seu uso” (p. 6). Sobre o mesmo tema, já fez-se também uma discussão sintetizada sobre os indicadores socioeconômicos do desenvolvimento, aprofundando aspectos relacionados ao Índice de Desenvolvimento Humano-IDH, como um indicador que vai além da dimensão econômica (SIEDENBERG, 2003a). Ainda, em outras obras, aborda-se a questão da gestão do desenvolvimento, destacando ações e estratégias que se colocam entre a realidade e a utopia, onde a questão do inter-relacionamento dos diferentes atores locais é salientada (SIEDENBERG, 2003b). Da mesma forma, ao abordar a idéia da gestão societária do processo de desenvolvimento local-regional, reafirma-se que para uma inserção global menos submissa é necessária uma gestão autônoma do desenvolvimento (DALLABRIDA, 2001). Como se vê, apesar do tema já ter sido motivo de diferentes reflexões, é uma questão que ainda merece aprofundamento.
possível de ser expressa pelos indicadores econômicos refere-se à dimensão tangível,
enquanto a dimensão intangível refere-se à capacidade coletiva para realizar ações de
interesse social (DALLABRIDA, 2004). Esta capacidade coletiva é interpretada por
diferentes autores, principalmente, pelo uso de conceitos como “capital social”
(PUTNAM, 2000), “capital sinergético” (BOISIER, 1999), ou “densidade institucional”
(AMIN e THRIFT, 1995).
Como conseqüência, o “desenvolvimento territorial” pode ser entendido como
um estágio do processo de mudança estrutural empreendido por uma sociedade
organizada territorialmente, sustentado na potencialização dos capitais e recursos
(materiais e imateriais) existentes no local, com vistas à melhoria da qualidade de vida
de sua população (DALLABRIDA et all, 2004).
4 UMA PROBLEMÁTICA PARA A INVESTIGAÇÃO
Uma das questões que ainda está presente quando se trata do desenvolvimento
territorial é: o que explica o fato de alguns âmbitos espaciais (territórios-regiões-
municípios-cidades) apresentaremm estágios progressivos de desenvolvimento,
enquanto outros são pouco dinâmicos, e outros ainda permaneçam estagnados ou até
regridam? Ou, em outras palavras: o que faz com que alguns territórios possam ser
identificados como inovadores14, enquanto outros permanecem estáticos, estagnados?
Revisando as diferentes abordagens que focam o desenvolvimento a partir da
perspectiva territorial percebe-se que, na sua quase totalidade ocupam-se da análise dos
fatores que explicam o desenvolvimento de determinadas regiões ou territórios situados
nos países centrais. Assim, os casos paradigmáticos, situam-se grande parte deles em
países europeus (Exemplo: distritos industriais italianos), ou nos Estados Unidos
(Exemplo: Vale do Silício). Além disto, tais casos-referência resultam de configurações
histórico-geográficas específicas, tornando inviável sua replicação em outros contextos
sociais e institucionais. Os próprios instrumentais metodológicos elaborados para a 14 Inovação, em algumas áreas do conhecimento, tem quase que exclusivamente o sentido de introdução de novas tecnologias. A partir do enfoque das abordagens aqui referenciadas, entende-se a inovação com um sentido que vai além desta dimensão: significa, também, e por vezes principalmente, introduzir medidas novas, dar respostas singulares e adequadas a cada situação. Assim, preliminarmente, considera-se território inovador, aquele meio, ou âmbito espacial, que desenvolveu a capacidade de inovar constantemente, dando respostas singulares e adequadas aos seus desafios. Considerando que a inovação não tem apenas a dimensão empresarial, mas também social, um território inovador abarca um espaço socioterritorial caracterizado pela presença de processos mais intensos de interação e aprendizagem coletiva. Assim, o território inovador é um âmbito espacial que compreende atores, empresas e instituições inovadoras.
análise da realidade empírica, talvez sejam mais adequados para analisar âmbitos
espaciais que apresentem uma maior complexidade de organização socioeconômica.
O foco da maioria, ou quase totalidade, das investigações nos âmbitos espaciais
referência, ou centrais, apresenta-se como o principal desafio desta proposta de
investigação, na medida que se pretende centrá-la na realidade da periferia de um
Estado, de um país periférico. Trata-se do município de Sarandi, localizado no interior
do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil).
Mas o que instiga a investigação centrada neste âmbito espacial? Deve-se ao fato
de que, em Sarandi, um município de pequeno porte, com cerca de 20.000 habitantes, a
partir da década de 90, começa a se perceber um dinamismo socioeconômico, do qual
resulta, principalmente, a estruturação de um cluster têxtil de significativa importância
regional. Até o início da década de 80, as principais atividades econômicas de Sarandi
eram a pecuária (suinocultura) e as águas alcalinas, potencializadas pela existência de
um frigorífico de médio porte e uma indústria extrativa (água mineral). Até então o
município tinha pouca expressão industrial. A crise da agricultura e pecuária da década
de 80 resultou no fechamento temporário do frigorífico, por duas ocasiões. Este período
foi marcado por uma estagnação da economia local.
A partir de informações prévias, resultantes do conhecimento pessoal da
realidade que pretende ser analisada, questão ressaltada em entrevistas já realizadas com
atores locais, é possível afirmar que o fechamento do frigorífico foi o motivo principal
para o início de um processo local de reflexão, liderado inicialmente pelo CDL-
Conselho de Diretores Logistas e depois pela Associação Comercial e Industrial de
Sarandi-ACISAR e o Poder Público Municipal. Difundiu-se então a idéia de que era
necessário buscar outras alternativas, junto com a compreensão de que, naquele
momento, a busca de alternativas dependia principalmente dos atores locais. Após um
momento inicial de reflexão e mobilização local, optou-se pela dinamização industrial,
sendo que o setor de confecções foi escolhido para liderar o processo.
Nos anos seguintes, houve o surgimento de novas empresas e sua ampliação.
Desencadeou-se, então, a partir da década de 90, um processo de crescimento
econômico singular, com reflexos positivos nos níveis de empregabilidade e agregação
de renda local. A ampliação da atividade e aperfeiçoamento tecnológico de algumas
empresas gerou um processo imitativo dos demais. Existem hoje (2004) 52 empresas do
setor confecções. Estima-se que este número chegue a 60, se computadas outras que
ainda estejam atuando na informalidade15.
Além do setor têxtil, outras indústrias foram instaladas no município. Destaca-se
a iniciativa da ACISAR, Poder Público Municipal e Clubes de Serviço, trazendo para
Sarandi uma unidade da indústria de calçados DAKOTA, hoje com aproximadamente
800 funcionários, podendo ampliar-se brevemente para empregar 1.200. Destacam-se
também indústrias de móveis e metalúrgicas.
Gerou-se uma atmosfera social com a presença de um alto grau de
empreendedorismo e mobilização social, possível de ser percebido na visita ao local e
conversa com empresários, autoridades municipais e população em geral. Hoje Sarandi
é um pólo industrial regional, identificado pela presença de um cluster de confecções.
Estas observações preliminares sobre a realidade de Sarandi, parecem justificar a
adequação da escolha deste âmbito espacial como realidade empírica para a
investigação. Centra-se a pesquisa na investigação dos fatores que contribuem para o
desenvolvimento de âmbitos espaciais (municípios, regiões, territórios), principalmente
os periféricos16, sem desconhecer os desafios a serem enfrentados. Entende-se, no
entanto, que tal tarefa contribuirá para preencher lacunas das abordagens regionalistas
de desenvolvimento, principalmente no que se refere à necessidade de ampliar a
investigação dos fatores que explicam o desenvolvimento de tais âmbitos espaciais.
Propõe-se centrar a investigação numa interrogação central, que pode assim ser
expressa: em que medida as variáveis centrais reafirmadas na estruturação do marco
teórico, com destaque para a densidade institucional, as inovações coletivas territoriais e
o desenvolvimento da cadeia de valor, podem explicar as causas que têm atuado na
15 Dados de 1996 demonstram que a região do Rio Grande do Sul em que o município de Sarandi está localizado (Produção), situa-se entre as que tiveram um maior crescimento da taxa do PIB no Estado, neste ano. No entanto, segundo um índice de desenvolvimento, considerando indicadores como renda per capita, leitos hospitalares, mortalidade infantil, alfabetização, escolarização e miséria, a região ocupa a terceira posição, apresentando problemas no índice de miséria, escolarização e alfabetização, principalmente (SIEDENBERG, 2001b). Este possível contraste, aparentemente, pode ser explicado pelo alto percentual de população rural, ainda existente na região em que o município de Sarandi está situado. 16 A referência aos âmbitos espaciais periféricos, nesta proposta de investigação, não corrobora enfoques do tipo centro-periferia, com muitos aspectos já questionados sob o ponto de vista teórico. O sentido de periférico aqui atribuído é para referir-se aos âmbitos espaciais (lugares, cidades, regiões, territórios) localizados fora dos principais centros (econômicos, científico-tecnológicos e políticos) mais dinâmicos do espaço em que estão inseridos. Além disto, refere-se a âmbitos espaciais que apresentem uma menor complexidade na sua organização socioterritorial. Esta justificativa pode ser considerada ainda na sua versão preliminar, devendo merecer uma melhor explicitação no decorrer da estruturação final do marco teórico, quando da elaboração da tese.
implementação de trajetórias de desenvolvimento de âmbitos espaciais periféricos,
como o município de Sarandi?
Desta questão central, outras questões complementares podem ser formuladas:
(1) quais fatores externos às empresas, mas pertencentes ao entorno territorial,
influenciaram a adoção de inovações coletivas territoriais, que contribuíram para a
evolução do setor de confecções? (2) que relações podem ser feitas entre a evolução do
setor de confecções e a trajetória progressiva de desenvolvimento de Sarandi?
Sintetizando, boa parte do marco teórico, em geral, sustenta que o
desenvolvimento localizado é resultante da organização socioterritorial, tendo como
elemento mediante a política, implementada pela estrutura estatal (políticos e
governantes), stakeholders territoriais e intelectuais orgânicos. Como resultante, é
possível pensar o desenvolvimento a partir da perspectiva territorial, ou seja, é possível
afirmar que o desenvolvimento resulta da dinâmica territorial, como uma síntese dos
interesses globais e locais. Os casos exitosos de desenvolvimento territorial poderiam,
então, ser considerados sínteses exemplares (Ex. distritos industriais, meios inovadores,
territórios inovadores, alguns clusters...).
O movimento globalizador, por contemplar prioritariamente a lógica das
empresas globais e ser, assim, instrumental e vinculado à dinâmica padronizadora da
economia de mercado, torna-se desterritorializante. O território sofre com isso um
processo de ocupação seletiva, constituindo as desigualdades regionais. No processo de
apropriação do espaço, ou sua territorialização, criam-se novas formas de
territorialidades que, dialeticamente, provocam novas formas de desterritorialidades e
dão origem a novas territorialidades. Estas, na medida que oportunizam à sociedade
assumir um papel fundamental no processo de territorialização, criam a possibilidade do
território tornar-se sujeito, pela potencialização da capacidade de auto-organização
regional, implementando uma dinâmica territorial do desenvolvimento mais autônoma,
não privatista, menos desigual e segundo a lógica da sociedade. Mas nem todas as
regiões conseguirão tal avanço. Este dependerá em grande parte do tipo de reação local:
mais passiva ou mais ativa.
As abordagens regionalistas do desenvolvimento, destacadas no marco teórico,
ressaltam a importância da organização e a inovação territorial, presentes em territórios
ou regiões, para criar as condições favoráveis a uma reação mais autônoma e
protagonista, com maior possibilidade de contemplar os interesses socioterritoriais. A
inovação, entendida como a capacidade de gerar e incorporar conhecimentos para dar
respostas criativas aos problemas do presente, é fruto de uma lógica empresarial e de
uma lógica socioterritorial, ou entorno territorial. A competitividade, ou competência
territorial, assim, é fruto das sinergias resultantes dos fatores de competitividade
territorializados e não-territorializáveis.
Para a geração da inovação territorial é fundamental o papel assumido pelo
complexo de hábitos, regras e tradições compartilhadas, denominadas genericamente de
interdependências, que facilitam o desenvolvimento de interações coletivas sob a forma
de redes sociais, institucionais e empresariais, entre atores públicos e privados, sobre as
quais se assentam aprendizagens coletivas que potencializam a inovação e qualificam o
sistema de governança territorial. Tais interdependências são fruto da densidade
institucional territorial. A inovação territorial se expressa concretamente nas atividades
produtivas desenvolvidas no território, ou seja, no sistema produtivo territorial de um
determinado âmbito espacial.
A retomada destas breves considerações teóricas parece evidenciar, a priori,
uma relação explicativa ao caso em estudo (Sarandi). Assim, entende-se que o padrão
de organização socioterritorial e as inovações coletivas resultantes são os principais
elementos explicativos de trajetórias progressivas de desenvolvimento territorial. Pela
associação articulada de variáveis como a densidade institucional, as inovações
coletivas territoriais e o desenvolvimento da cadeia de valor do principal cluster, parece
possível explicar as causas que têm atuado na implementação de trajetórias progressivas
de desenvolvimento de âmbitos espaciais periféricos, como o município de Sarandi.
Isto, porque a concentração espacial e o entorno territorial contribuem para a inovação
empresarial, e a inovação, num setor empresarial, é fator essencial para sua evolução
progressiva. Finalmente, é possível concluir, que a evolução progressiva e inovadora do
setor empresarial principal de um determinado âmbito espacial, resulta na geração de
trajetórias progressivas de desenvolvimento de municípios, regiões, ou territórios
periféricos.
Tem-se algumas expectativas com a realização da pesquisa. Espera-se, pela
revisão das abordagens regionalistas do desenvolvimento, principalmente as que dão
destaque à relação padrões de organização socioterritorial, inovação e desenvolvimento,
inicialmente, investigar quais respostas os autores dão aos desafios da territorialização
do desenvolvimento. Além disto, procura-se analisar em que medida as variáveis
centrais reafirmadas na estruturação do marco teórico, podem explicar as causas que
têm atuado na implementação de trajetórias de desenvolvimento de âmbitos espaciais
periféricos, como o município de Sarandi.
Numa perspectiva mais específica, com a pesquisa em desdobramento, espera-se
ainda analisar e compreender o ambiente em que nascem e operam as empresas do setor
de confecções de Sarandi, tentando detectar a existência de fatores-chave externos à
empresa, no entanto internos ao lugar, que explicam os processos de inovação e o
sucesso empresarial do setor de confecções de Sarandi. Com isso, finalmente, quer-se
compreender como o dinamismo do setor de confecções, tem influído na trajetória
progressiva de desenvolvimento do município de Sarandi.
O recorte territorial definido para a análise empírica é o município de Sarandi. O
período de análise será a década de 90, podendo contemplar, sempre que possível,
informações e análises anteriores, ou mais recentes. A análise da trajetória progressiva
de desenvolvimento territorial do município de Sarandi terá como referência teórica
para a análise, os principais enfoques regionalistas do desenvolvimento, com base em
algumas variáveis: a densidade institucional, as inovações coletivas territoriais e o
desenvolvimento da cadeia de valor.
As duas primeiras variáveis (densidade institucional e inovações coletivas
territoriais) merecerão maior destaque na análise. Quanto à variável desenvolvimento da
cadeia de valor, a análise restringir-se-á a dois aspectos. Primeiro, a identificação, numa
linha histórica, de quais etapas da cadeia de valor foram sendo dominadas localmente,
considerando as empresas no seu conjunto, com vistas a avaliar a capacidade de
agregação de valor local do setor de confecções. Segundo, a partir de informações da
amostra de empresas, far-se-á algumas inferências sobre o padrão de competitividade do
setor, considerando o destino da produção (regional, nacional e internacional). Entende-
se que um estudo mais detalhado desta última variável poderá servir como desafio para
futuras de investigações.
5 PARA CONCLUIR: ANÁLISES E CONCLUSÕES SOBRE A TEMÁTICA DE INVESTIGAÇÃO
Como a pesquisa ainda não está de todo concluída, são feitas apenas
considerações preliminares, a partir de observações diretas, entrevistas já realizadas e
alguns dados disponíveis17. Assim, algumas considerações assumirão, ainda, um caráter
de interrogação.
Frente um cenário globalizador com tendências homogeneizantes, as abordagens
regionalistas do desenvolvimento têm reafirmado a possibilidade de explicar os fatores
impulsionadores de trajetórias de desenvolvimento localizado, possíveis de serem
percebidos de forma mais acentuada em alguns territórios. Consideradas suas
proporções, o município de Sarandi, a partir de uma análise preliminar, pode ser
considerado um caso exemplar de reação local, frente à ação homogeneizadora
globalizante.
Das abordagens revisadas no marco teórico deste projeto de investigação, os
enfoques regionalistas que destacam a relação entre o padrão de organização
socioterritorial, a inovação e o desenvolvimento, parecem contribuir para a explicar, ao
menos em parte, a realidade do objeto de análise empírica (Sarandi). Ressaltam os
mesmos que territórios que apresentam alta densidade institucional têm condições mais
favoráveis para o desenvolvimento de inovações, estas fundamentais para impulsionar
trajetórias progressivas de desenvolvimento territorial.
Logo, quanto à variável densidade institucional, considerando a pouca
complexidade do meio analisado e suas proporções, Sarandi apresenta uma situação
singular. Percebe-se, ao longo do período em análise, a preocupação local com a
reestruturação, ou constituição, das instituições necessárias à qualificação das
interações, estas fundamentais para a evolução do cluster de confecções. São exemplo
disto: (1) a reestruturação da associação comercial e industrial local, redefinindo sua
estrutura organizacional e qualificando suas funções; (2) a parceria público-privada na
constituição da Escola de Costura, destinada à preparação da mão-de-obra local; (3) a
qualificação da atuação de instituições de apoio gerencial e tecnológico ao setor de
confecções, como o SEBRAE e SENAI; (4) o apoio do Poder Público Municipal
(Prefeitura Municipal) ao setor e, mais recentemente, (5) a exigência da instalação em
Sarandi de um Campus da Universidade de Passo Fundo, priorizando o funcionamento
local de cursos como Tecnólogo em Indústria de Confecções, Administração de
Empresas e Ciências da Computação.
17 O texto final da tese retomará estas análises e/ou conclusões preliminares, aprofundando-as, inclusive apresentando dados comprobatórios.
Sarandi, trata-se de um âmbito espacial de pequeno porte, situado fora dos
centros mais dinâmicos da economia estadual e nacional. As inovações introduzidas no
setor de confecções local, ou seja, geradas localmente no setor produtivo (como, por
exemplo, uma nova máquina, ou equipamento, melhorias nos processos de produção...),
conforme foi possível observar a partir de uma primeira amostra de entrevistas locais,
parecem não ser significativas. Isso, talvez, se explique pelo fato de que o setor de
confecções é um setor tradicional da indústria de transformação em geral, destinado à
produção de produtos de consumo. Por outro lado, em Sarandi, o setor inicia sua
estruturação tardiamente (década de 80-90), depois que outros centros de maior
importância econômica, tanto no Estado (a região da Serra, por exemplo), como no
âmbito nacional (por exemplo, em Blumenau e Brusque, em Santa Catarina) e
internacional (por exemplo, a Itália, como centro internacional produtor de moda e de
máquinas e equipamentos industriais para o setor), já são referência em termos de
produção e de tecnologia.
Assim, as inovações tecnológicas (nos produtos, máquinas e equipamentos, nos
processos de produção...), em âmbitos espaciais periféricos e de pequenas proporções
(menos de 20.000 habitantes), como Sarandi, parecem resultar muito mais de processos
imitativos, via visitas à empresas do setor, participação em feiras, informações
fornecidas por fornecedores, internet e revistas, principalmente.
Apesar disto, a análise preliminar das informações que estão sendo levantadas,
demonstra que, consideradas suas proporções, o empresariado do setor de confecções
conseguiu dar respostas criativas aos desafios que se lhe apresentaram ao longo do
processo de constituição e solidificação do cluster de confecções. Assim, é possível
destacar, a priori, algumas iniciativas inovadoras, tais como: (1) identificação inicial de
potenciais investidores (muitos não de origem urbana) e realização de trabalho conjunto
de incentivo para investirem na abertura de novas empresas, trabalho coordenado,
principalmente, pelos empresários pioneiros, Poder Público e ACISAR; (2) parcerias
interempresariais de acompanhamento dos novos empreendedores, pelos empresários
pioneiros, principalmente, facilitando, e por vezes até subsidiando, seu acesso à
fabricantes de máquinas, equipamentos e insumos industriais; (3) parcerias
interempresariais de acompanhamento dos novos empreendedores, pelos empresários
pioneiros, cedendo temporariamente máquinas, equipamentos e/ou funcionários com
prática, principalmente no período inicial de suas atividades; (4) apoio formal do Poder
Público (subsidiando aluguéis, obras de infra-estrutura) ou informal, para a instalação
das empresas dos novos empreendedores; (5) uma preocupação constante do setor de
confecções com sua viabilização e ampliação da demanda, destacando-se iniciativas
como (a) a organização da EXPOFESA - Exposição Feira de Sarandi, trazendo
empresas do setor de confecções de outros municípios, principalmente de Ijuí, onde, na
época, o setor já atingia um estágio mais avançado de organização, servindo de
incentivo aos novos e futuros empreendedores, (b) a organização da INDUVESA - Feira
da Indústria do Vestuário de Sarandi, em duas edições anuais, tendo como estratégia o
lançamento das coleções outono-inverno e primavera-verão, e, mais recentemente, (c) a
organização da FEISA - Feira da Indústria de Sarandi, buscando dar visualização e
apoio à ampliação de outros setores da indústria local (móveis, agroindústria, metal-
mecânica, calçados, principalmente), mesmo assim continuando o destaque ao setor de
confecções, inclusive redirecionando sua atenção, do consumidor final para o
comerciante; (6) reconhecimento da liderança política e econômica local do setor
empresarial, principalmente, através da reestruturação da Associação Comercial e
Industrial de Sarandi - ACISAR, resultando num maior dinamismo, com participação
hegemônica do setor de confecções nos cargos de liderança da entidade; (7) adoção de
novas estratégias para atingir o mercado, não só o consumidor final, mas também os
lojistas, destacando-se a construção e organização de Shoppings de Fábricas; (8) uma
atenção maior à preparação de mão-de-obra especializada, destacando-se a Escola de
Costura e, recentemente, a presença local de um Campus Universitário; (9) organização
e funcionamento do berçário industrial, destinado a estimular o surgimento de novos
empreendimentos no setor; por fim, (10) as empresas de maior porte, redirecionando
seu foco de venda exclusivamente nos lojistas, voltando-se fortemente para a
exportação, atingindo mercados que exigem altos volumes de produção, gerando
iniciativas atuais como a organização de Consórcios de Exportação.
Por fim, a partir de um contato mais efetivo com a realidade empírica, permitido
pelas reuniões e entrevistas realizadas, além da aplicação e análise de um primeiro
conjunto de questões a uma amostra de empresas, permitem a priori fazer algumas
observações. O âmbito espacial analisado, Sarandi, destaca-se, em alguns aspectos,
como por exemplo: (1) a concentração espacial e o entorno territorial dinâmico e
singular contribuiu para a inovação empresarial local; (2) o setor empresarial de
confecções, tem se destacado nas suas ações inovadoras (a capacidade de gerar e
incorporar conhecimentos para dar respostas criativas aos problemas do presente),
sendo fator essencial na explicação das causas da sua evolução progressiva e, (3) a
trajetória progressiva de desenvolvimento do município de Sarandi, parece ter uma
relação direta com a evolução progressiva e inovadora do setor empresarial de
confecções18.
Uma última questão a ressaltar, que tem referência com a pequena dimensão do
setor de confecções de Sarandi. Percebe-se que o setor de confecções não absorve uma
quantidade tão grande de funcionários (em torno de 600, atualmente). É uma quantidade
próxima ao número de empregos oferecidos por uma única empresa que atua localmente
no setor de calçados, voltada principalmente para exportação. No entanto, a presença
local de mais de 50 empresas do setor de confecções, proporciona a convivência local
de um número significativo de lideranças empresariais, transformando-se tal fato num
diferencial, em termos da qualidade dos atores que agem no município. Mesmo sem
considerar outros fatores, o processo de constituição e evolução do setor de confecções
local, serviu como elo de ligação entre os atores sociais, institucionais, políticos e
econômicos locais, sendo motivo de desafios, podendo ser considerado uma escola de
formação de mentes empresariais, com o conseqüente reflexo na trajetória progressiva
de desenvolvimento local.
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