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NÚMERO 14 DATA 31/05/2012 ANO I

31 Maio 2012

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NÚMERO

14

DATA

31/05/2012

ANO

I

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Andréa Castello BrancoNas 12 pensões instaladas nos arredores da Santa Casa

de Misericórdia, na área hospitalar do Bairro Santa Efigênia, Região Leste de Belo Horizonte, a medida das horas é um pouco diferente. Nelas a vida passa arrastada e o tempo é contado a partir das datas de exames, consultas, cirurgias, retorno ao médico e possível volta para casa. Diante do por-tão de uma das pensões, se distraindo com o vaivém da Rua Piauí, está Maria José Pereira, de 48 anos, que há um mês saiu de Uburaninha, um povoado do município de Bertópo-lis, no Vale do Jequitinhonha, para acompanhar uma amiga que luta contra um câncer de mama.

A mesma casa que hospeda Maria José abriga cente-nas de pessoas vindas do interior de Minas para tratamentos que demandam cirurgias ou equipamentos mais sofisticados, coisa rara em cidades pequenas. A senhorinha falante que deixou os filhos na pacata Uburaninha não é de ficar circu-lando pela cidade – “Aqui é muito grande, tenho medo de me perder” – e diz que, para o relógio andar mais rápido, o jeito é procurar novas amizades e algum serviço ali mesmo. “Para divertir e passar o tempo tem de arrumar o que fazer, minha filha: uma vasilha para lavar, um terreiro para varrer, qualquer coisa assim”, ensina Maria José.

Ela não é a única no hotel que se dispõe a fazer o ser-viço de casa enquanto espera uma boa notícia dos médicos. No refeitório da pensão há sempre alguém se prontificando a fazer um café ou lavar os copos. “A gente acorda muito cedo, então o melhor é cortar uma verdura para o almoço, coar um café e assim passar o tempo. Como tem muita gente de fora, a gente acaba fazendo amizade e ouvindo a história de um e de outro também”, conta Maria das Graças Rodrigues Via-na, de 33, que percorreu 700 quilômetros de Joaíma até BH para acompanhar o pai, que está com descolamento de retina. Os dois filhos ficaram com os tios e são o motivo de maior saudade de Maria das Graças, que já está na capital há 22 dias entre consultas e exames. “É bem difícil ficar aqui. Sin-to falta demais da minha família. A gente vê o pessoal indo embora e só a gente ficando… Não é fácil”, admite a dona de casa. Embora sejam limpas e tenham um aspecto tranquilo, as pensões realmente não se comparam ao ambiente familiar. Na Santa Rosa, um longo corredor pouco iluminado leva aos 14 pequenos quartos onde precisam caber duas camas. Os banheiros, feminino e masculino, são coletivos. A diária, de R$ 35, inclui café da manhã, almoço e jantar. Apenas o re-feitório e a sala de televisão são locais coletivos e é lá que os hóspedes se encontram para jogar conversa fora, contar piadas e, muitas vezes, consolar um ao outro nos momentos difíceis.

Alegria em meio à dorA professora Maria Salomé de Matos Pereira, da cidade

de Santa Helena, também no Vale do Jequitinhonha, tenta ignorar o desconforto e não reclama, apenas ressalta o valor das companhias que tem ali. “Tem hora que todo mundo ri, tem hora que todo mundo chora. O bom é que a gente divide as tristezas da vida aqui. A gente troca”, relata Salomé, que

vem a Belo Horizonte com frequência para o tratamento de um tumor na tireoide. Para ela, que está sozinha na capital, poder contar com a companhia dos outros hóspedes e o apoio dos funcionários da pensão é um alento.

“No início da doença todo mundo o visita. Depois cada um vai tocar sua vida. Aqui fico cercada de gente. Teve uma vez que fiz um exame muito dolorido, cheguei aqui acabada, não conseguia nem falar. Foi o pessoal da pensão que cuidou de mim”, diz. No dia a dia, Salomé consome o tempo de espera pela radioterapia lendo, ouvindo música e assistindo a televisão. No quarto da professora há tantas malas e balan-gandãs que ela mesmo brinca: “Trouxe um pedaço da minha casa para me sentir melhor.” Quem tem mais experiência com a vida na pensão já descobriu que para ter um pouco mais de conforto é preciso dominar algumas táticas. Para ter um banheiro limpo, por exemplo, tem de saber o horário que a pensão está mais vazia. Quem gosta da comida quentinha precisa descobrir a hora certa para chegar ao refeitório. Se-gundo os hospedes, com estratégia, paciência e um pouco de bom humor é possível vencer a dificuldade de estar longe de casa enfrentando a enfermidade de perto. “A viagem é cansativa (são 12 horas), a gente fica nesse vai e volta, mas tem de agradecer a Deus de ter esse tratamento para a gente fazer aqui”, diz dona Maria Alves de Souza, de 71 anos, de Joaíma, que não tira o sorriso do rosto, apesar da artrite que insiste em acompanhá-la.

Um anjo da guarda ao ladoSe a cidade grande assusta pela solidão, nela também é

possível encontrar um pouco de afeto. A secretária da Pensão Santa Rosa, Elza Barbosa Ramos, de 42 anos, (à esquerda na foto, com a paciente Maria Salomé Pereira, de Santa Helena) é descrita por alguns hóspedes como um anjo da guarda.

O cargo de secretária se limita ao previsto na carteira de trabalho: “Faço de tudo. Levo pacientes às consultas, busco no hospital quem recebe alta e está sem acompanhante, faço curativo, o que precisar.” Há três anos na pensão, que fica na região hospitalar, Elza já viu muita coisa e perdeu pessoas que conheceu ali e por quem acabou criando afeto. “Seu Ge-raldo era apaixonado por mim. Ele estava bem, mas, de uma hora para outra, começou a passar mal e foi embora. A gente sente demais isso, mesmo que não seja parente.” Solidária, a funcionária da pensão também já assumiu tarefas que vão muito além da função registrada em carteira. “Chegou um senhor aqui sem acompanhante, sem roupa, coitado. Peguei uma roupa do meu irmão, mandei comprar material de higie-ne e fiz os curativos nele.

Não consigo ver ninguém doente e assim desvalido”, diz. Elza é interrompida por um hóspede que quer saber onde está a chave. “Tá vendo? É assim o dia inteiro. Não tenho tempo de tomar um café”. Como retribuição à disponibilida-de de 24 horas diárias, os hóspedes presenteiam Elza com o que há de melhor na terra de cada um: biscoito, bolo, queijo e requeijão são os mimos mais frequentes. “Isso que recom-pensa o cansaço. Adoro trabalhar aqui.”

EstAdo dE minAs – on LinE – 31.05.2012LonGE dA FAmÍLiA

Hóspedes da saúde Na longa espera por consultas, exames e cirurgias, doentes e familiares do interior de Minas dividem

sofrimento, angústia e esperança em pensões na área hospitalar de BH

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Luciane Evans Ela é maior de idade,

independente, vacinada, mãe de um garoto de 8 anos, trabalhadora e paga as próprias contas. Aos 31 anos, a analista de comu-nicação Janaína Rochido acreditava que, adulta, era dona do próprio na-riz. Mas descobriu recen-temente que para tomar decisões sobre parte de seu corpo, ela ainda não tem tanta autonomia, pelo menos aos olhos da legis-lação brasileira. Ao di-zer que não pretendia ter mais filhos, durante uma consulta de rotina gineco-lógica, e perguntar sobre o procedimento de laque-adura, a médica foi cate-górica: “Você não pode fazer essa cirurgia, por ser solteira e não ter um mari-do que autorize a decisão com você”. A frase caiu como uma bomba para a paciente, que logo ques-tionou: “O corpo é meu, mas é o meu marido quem decide?”. A especialista, de mãos atadas, foi direta: “É a lei brasileira”.

Apesar de as famílias do Brasil já terem mudado de cara e conceitos, a lei que rege o planejamento familiar no país é de 1996 e só autoriza a esteriliza-ção em homens e mulhe-res acima de 25 anos ou que tenham pelo menos dois filhos. Para ambos é exigido o consentimento dos cônjuges. “Sempre

me preocupei em prevenir outra gravidez, uso outros métodos, mas queria me informar sobre a laque-adura por achar mais se-guro. Acabei esbarrando em uma legislação com 16 anos de existência que está em vigor em um mo-mento em que o país já sofreu significativas mu-danças familiares. Eu, solteira, sã, trabalhadora e maior de idade, só pos-so decidir que não quero mais filhos se tiver um marido que concorde com isso?”, questiona Janaína, que, indignada, publicou a história em seu blog, atraindo 2 mil acessos e provocando uma discus-são que envolveu mulhe-res e homens, contra e a favor da exigência.

Apesar de ter sido no-vidade para muitos, essa polêmica já chegou ao Po-der Executivo. Um proje-to de lei em tramitação na Câmara dos Deputados, de autoria do deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), quer modifi-car a legislação por achá-la atrasada demais para a realidade do país. “Há menos de um ano, uma trabalhadora rural de Per-nambuco, com oito filhos e problemas de saúde, decidiu fazer laqueadura, mas o marido não autori-zou e insistiu que ela en-gravidasse mais uma vez. Ela engravidou e acabou morrendo, assim como a

criança”, conta Paulo, que diz ser a favor dos homens e mulheres terem liberda-de sobre o próprio corpo. “Nossa proposta acaba com essa exigência de que o cônjuge tenha que auto-rizar. A pessoa é senhora da sua condição reprodu-tiva”, defende. Ele aponta que, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), uma lei como a atual é um peri-go principalmente, para a saúde da mulher. “Sa-bemos que há muito ma-chismo e a mulher acaba se tornando refém do ho-mem. Essa lei pesa mais para o universo femini-no”, comenta.

Opinião compartilha-da pela assessora técni-ca do Centro Feminista de Estudos e Assessoria, Kauara Rodrigues, que considera a alteração mais do que necessária, princi-palmente diante do atual cenário do país. “A legis-lação demonstra que vi-vemos em uma sociedade conservadora, com valores patriarcais. É preciso uma mudança já, para que haja um diálogo com a realida-de de hoje. O conceito de família atual não se res-tringe mais a homem, mu-lher e filho”, critica, certa de que para os homens há mais facilidade em con-seguir o procedimento de esterilização sem a auto-rização de uma mulher. O Estado de Minas testou a diferença. Em muitas clí-

nicas de urologia em Belo Horizonte não se exige o consentimento da parceira para o homem que tem in-teresse em fazer vasecto-mia. O repórter Humberto Siqueira entrou em conta-to com uma dessas clíni-cas e, passando-se por um jovem de 31 anos, pai de uma criança, (as mesmas condições de Janaína Ro-chido), perguntou sobre o procedimento de este-rilização e foi informado que tudo é muito simples, bastava fazer uma con-sulta e preencher um for-mulário e a cirurgia seria no mesmo dia. “Se você é solteiro, não precisa de consentimento de nenhu-ma parceria”, explicou a atendente. A discrepância, segundo afirma o advoga-do e professor de direito civil da Universidade de Sorocaba e da Faculdade de Direito de Sorocaba, no interior de São Paulo, Emerson Alexandre Moli-na, está na maneira como é feito o procedimento ci-rúrgico em cada caso. “A linha de raciocínio perante a lei deveria ser a mesma, mas na prática, o homem tem mais facilidade em fazer uma vasectomia sem muitas exigências porque a cirurgia não tem tan-to nível de formalidade, pode até ser feita em am-bulatório. Já a mulher tem que ir para um hospital, onde a legislação vai ficar mais evidente”, compara,

sAÚdE

Homem decide sobre ligadura de trompas Pela lei em vigor no Brasil desde 1996, mulher que não quiser ter mais filhos precisa de autorização do

cônjuge para cirurgia. Diante de tantas mudanças nos formatos familiares, assunto vira polêmica

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reconhecendo que a lei deve passar por mudanças. “Os sol-teiros sempre terão dificuldades para a esterilização e o medo dos médicos é de os pacientes se arrependerem. Mas hoje em dia as famí-lias não têm como único objetivo a pro-criação, tanto que se defende a criação de casais homossexu-ais”, diz. Ele afirma que o planejamento familiar é um direi-to da mulher, inde-pendentemente da existência de um casamento. Segun-do Márcia Rovena de Oliveira, gine-cologista e obstetra da área técnica da Saúde da Mulher da Secretaria de Estado de Saúde (SES) de Minas Gerais, tudo isso é questão de interpretação da lei pelos médicos. “A legislação não diz que solteiros não po-dem fazer a esterili-zação, somente exi-ge a assinatura dos cônjuges, ou seja, um consentimento do parceiro caso a pessoa o tenha. A lei não fala que é preci-so ser casado”, diz, contando que pelo SUS, somente em 2011, foram feitas 9.526 laqueaduras

em Minas Gerais. “Como a vasecto-mia pode ser feita em ambulatórios, os dados que temos estão subestimados. Foram 1.277 cirur-gias em homens no ano passado, mas esse número se re-fere apenas aos que fizeram o procedi-mento em hospitais. Por isso, certamente há mais”, afirma. CAUTELA

Na opinião da vice-presidente do Comitê de Gineco-logia Endócrina da Sociedade de Gine-cologia e Obstetrí-cia de Minas Gerais (Sogimig), Hérica Cristina Mendonça, a opção pela este-rilização deve ser bem pensada. “Hoje há métodos alterna-tivos para prevenir a gravidez, então por que apelar para algo tão mutilador? As exigências têm que ser cumpridas, para que não haja a r rependimento . Mas, se a pessoa é solteira, não há im-portância dela as-sumir essa decisão, mas as chances de arrependimento são grandes e o médi-co não tem que ser conivente. Por isso é preciso muito cui-dado antes de tomar

a decisão”, alerta.O que diz a lei

Lei nº 9.236, de 12/1/96

Os procedimen-tos só podem ser feitos em homens e mulheres maiores de 25 anos ou com pelo menos dois fi-lhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de 60 dias entre a ma-nifestação da vonta-de e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regula-ção da fecundidade, incluindo aconse-lhamentos, visando desencorajar a este-rilização precoce.

É permitido o procedimento em caso de risco à vida ou à saúde da mu-lher.

É proibida a es-terilização cirúrgica em mulher durante os períodos de par-to ou aborto, exceto nos casos de com-provada necessida-de, por cesarianas sucessivas anterio-res.

A esterilização depende do consen-timento expresso de ambos os cônjuges. tÉCniCAs dE stERiLiZAÇÃo

Vasectomia A

vasectomia é uma cirurgia simples e rápida, em que os canais deferentes do aparelho repro-dutor masculino são cortados, amarrados ou fechados com grampos, impedin-do que os esperma-tozoides saiam da bolsa escrotal e pos-sam ser ejaculados. O procedimento não exige interna-ção e é um método ambulatorial, feito com anestesia local. O efeito da vasecto-mia não é imediato. Ela só é considera-da segura quando um exame chamado espermograma pro-va que não há mais espemartozoides no esperma ejaculado.

Laqueadura ]As trompas são corta-das, amarradas, cau-terizadas, obstruídas ou fechadas com grampos e anéis, impedindo que os espermatozoides encontrem os óvu-los. Exige anestesia e internação de al-gumas horas ou até dois dias. É proibido fazer o procedimen-to no parto ou du-rante o aborto, pois esses são momentos considerados ina-dequados para uma decisão como essa.

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