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39Costa VSP, Oliveira LD, Oyama CM, Azuma CS, Melo MRAC, Costa Filho RM / UNOPAR Cient., Cinc. Biol. Sade. 2010;12(2):39-44
Perfil dos Pacientes com Trauma Raquimedular Atendidos pelas Clnicas Escolas de Londrina
Viviane de Souza Pinho Costaa*; Leila Donria de Oliveirab; Caroline Mari Oyamac; Camila Suemi Azumad; Marcia Regina Antonietto da Costa Meloe; Ruy Moreira da Costa Filhof
Resumo
A leso da medula espinhal um problema de sade pblica que acomete, no Brasil, cerca de quarenta novos casos anuais por milho de habitantes. Este estudo objetivou identificar o perfil socioeconmico e clnico dos pacientes com leso medular atendidos pelos servios de Fisioterapia nos ambulatrios de trs Instituies de Ensino Superior de Londrina. Foram entrevistados 62 pacientes e os resultados revelaram que a maioria das pessoas (85,5%) do sexo masculino, com mdia de idade de 37,3 anos, com baixo nvel de escolaridade. A principal etiologia foi o trauma automobilstico e a topografia da leso caracterizada por pacientes paraplgicos. As complicaes mais frequentes foram as urinrias e respiratrias. Em relao Medida de Independncia Funcional, foi identificado maior dependncia para atividades como subir e descer escadas e controle dos esfncteres, e maior grau de independncia para atividades de alimentao e higiene pessoal. O conhecimento do perfil destes pacientes contribui para a promoo do atendimento global de suas necessidades especficas, constituindo um desafio para os profissionais da sade.
Palavras-Chave: Medula Espinhal. Paraplegia. Quadriplegia. Atividades Cotidianas.
Abstract
Spinal cord injury is a public health problem in Brazil causing about 40 new cases by million people every year. This study aimed to identify the socioeconomic and clinical profile of patients with spinal cord injury treated by Physical Therapy services of three different Higher Education Clinics in Londrina. 62 patients were interviewed and results showed that most of them are men (85,5%) with average age of 37,3 years old, with lower schooling. The main cause of the injury was car crashed and the topography of the injury was characterized by paraplegic patients. The most frequent complications were urinary and respiratory. Regarding Functional Independence Measurement, stairs locomotion and sphincter control presented higher dependence levels, whereas feeding and grooming presented higher independence levels. Acknowledging these patients profiles contributes to providing improved global care to their specific needs which constitutes a challenge to health care professionals.
Key words: Spinal Cord. Paraplegia. Quadriplegia. Activities of Daily Living.
A leso medular causa perda parcial ou total da motricidade e/ou sensibilidade, alm de comprometimento vasomotor, intestinal, vesical e sexual2; sendo uma das sndromes incapacitantes mais graves e constitui desafio complexo para a reabilitao.
O paciente lesado medular desenvolve inmeras complicaes, o que se faz necessrio uma equipe especializada para o seu acompanhamento. Exige, ainda, conhecimentos tericos e prticos atualizados, de acordo com a evoluo e a fase em que se encontra cada paciente. Pesquisas que tracem o perfil destes so de extrema importncia, pois auxiliam no reconhecimento e determinao de metas para melhor tratamento.
As leses traumticas compem 80% do total das LME3 e as principais etiologias so ferimentos por arma de fogo (FAF), traumas automobilsticos ou colises de veculos a motor e quedas de altura e mergulho em gua rasas4. Os pacientes acometidos, em sua maioria so jovens, do sexo masculino, solteiros e residentes em reas urbanas5.
Por meio deste trabalho, buscou-se identificar o perfil clnico e funcional dos pacientes com LME atendidos pelos servios de Fisioterapia dos ambulatrios de 3 Instituies de Ensino Superior de Londrina, incluindo dados scio-
Perfil dos Pacientes com Trauma Raquimedular Atendidos pelas Clnicas Escolas de Londrina
Profile of Patients with Spinal Cord Injury Treated by Physical Therapy Services of Higher Education Clinics in Londrina
Artigo originAl / originAl Article
a Doutora em Enfermagem Fundamental - Universidade de So Paulo (USP). Docente da Universidade Norte do Paran (UNOPAR). E-mail: [email protected] Graduada em Fisioterapeuta - Universidade Norte do Paran (UNOPAR). E-mail: [email protected] Graduanda em Fisioterapia - Universidade Norte do Paran (UNOPAR). E-mail: [email protected] Graduanda em Fisioterapia - Universidade Norte do Paran (UNOPAR). E-mail: [email protected] Doutora em Enfermagem - Universidade de So Paulo (USP). Docente da Universidade de So Paulo (USP). E-mail: [email protected] f Mestre em rea de Bioengenharia - Escola de Engenharia de So Carlos Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto. Docente da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e Universidade Norte do Paran (UNOPAR). E-mail: [email protected]
* Endereo para correspondncia: Rua Moacyr Teixeira, 217. CEP: 86055-230. Londrina Pr.
1 Introduo
A leso da medula espinhal (LME) problema de sade
pblica que acomete, no Brasil, cerca de 40 novos casos anuais
por milho de habitantes, perfazendo total de 6 a 8 mil casos
por ano, cujo custo aproximado de 300 milhes de dlares
por ano1. Dados estes no atualizados por motivo de no
existirem bases de dados oficiais sobre a morbimortalidade
ligada a leses medulares no Brasil.
40 Costa VSP, Oliveira LD, Oyama CM, Azuma CS, Melo MRAC, Costa Filho RM / UNOPAR Cient., Cinc. Biol. Sade. 2010;12(2):39-44
Perfil dos Pacientes com Trauma Raquimedular Atendidos pelas Clnicas Escolas de Londrina
demogrficos e a aplicao da Medida de Independncia
Funcional (MIF), visto que esses pacientes apresentam
variados graus de incapacidade funcional, relacionados
diretamente com o seu nvel neurolgico e tipo de leso
medular.
Material e Mtodo
Foi realizado estudo transversal com a participao de
62 pacientes, cadastrados e que recebem atendimentos nos
Ambulatrios de Fisioterapia das Instituies de Ensino
Superior de Londrina: a Universidade Norte do Paran
UNOPAR, Universidade Estadual de Londrina UEL e
Centro Universitrio Filadlfia UNIFIL, com diagnstico de
traumatismo raquimedular, no perodo de agosto a novembro
de 2007.
A coleta de dados foi realizada por 3 alunas selecionadas e
devidamente treinadas pela docente responsvel pela pesquisa,
principalmente na aplicao do instrumento de Medida de
Independncia Funcional MIF. Os docentes responsveis
pelos setores de atendimentos autorizaram o desenvolvimento
do estudo e levantamento da coleta de dados com os pacientes,
atravs da assinatura de cartas de autorizao e certificaram-se
da aprovao pelo Comit de tica em Pesquisa em Sade da
Universidade Norte do Paran (PP/0094/07).
As trs Instituies possuem ambulatrios de atendimentos
(Clnicas Escolas) aos pacientes que necessitem do
acompanhamento de Fisioterapia nas diversas reas de atuao
da profisso, com tratamentos realizados por discentes do
ltimo ano do curso, supervisionados pelos docentes das reas
de neurologia.
Os critrios de incluso dos pacientes foram: participao voluntria aps assinatura do termo de consentimento livre
e esclarecido, ter maioridade civil, indivduos paraplgicos e tetraplgicos classificados pela Escala American Spinal Injury
Association (AIS) e ser atendido pelo Servio de Fisioterapia
nos Ambulatrios das Instituies de Ensino Superior de
Londrina.
Foram colhidos dados em formulrios nicos quanto ao
sexo, idade, estado civil, escolaridade, renda mensal, quadro
clnico atual, atividades que complementam a renda, etiologia,
topografia da leso medular, tempo de leso, complicaes
ocorridas, cirurgias realizadas, prtica de esportes, aquisio
de cadeira de rodas, treino de marcha e ortostatismo e
independncia funcional. A severidade do dficit neurolgico
foi avaliada pela escala adotada pela AIS.
Informaes funcionais foram obtidas por meio da
MIF, cuja verso brasileira foi desenvolvida por processo
de traduo, com profissionais j familiarizados com o
instrumento. A MIF um instrumento que tem por objetivo
quantificar os cuidados exigidos pela pessoa que apresenta
algum tipo de incapacidade. So avaliados os domnios
como: autocuidados, controle esfincteriano, transferncias,
locomoo, comunicao e cognio social. A pontuao
varia de 1 a 7 sendo o valor 1 relacionado ao maior grau de
dependncia e o valor 7 independncia completa.
A verso brasileira da MIF, bem como a verificao de
suas propriedades de reprodutibilidade foi publicadaRiberto et
al (2001 e 2004)6,7. Estes dados da avaliao funcional foram
obtidos por meio de entrevista com os prprios pacientes, bem
como, atravs da observao direta de algumas atividades
eram desempenhadas.
A anlise estatstica dos dados ocorreu de forma descritiva
para os vrios dados encontrados. Foi apresentada por meio
de frequncia absoluta e relativa, na forma de mdia e desvio-
padro, para os que atingiram os pressupostos de normalidade
e mediana e seus quartis para os que no apresentaram estes
pressupostos. O programa estatstico utilizado para os clculos
foi o SPSS 11.0.
3 Resultados
As instituies nas quais ocorreram o estudo foram
escolhidas por apresentarem relevante prestao de servio
nos Ambulatrios de Fisioterapia Neurolgica da cidade de
Londrina. As coletas foram realizadas no perodo de agosto
a novembro de 2007 e os dados socioeconmicos e clnicos
esto representados na tabela 1 e 2, respectivamente.
Tabela 1: Dados sciodemogrficos
Idade 37,3 13,1
Sexo
Masculino 85,50%
Feminino 14,50%
Estado Civil
Casado 40,30%
Solteiro 40,30%
Divorciado 11,30%
Outros 8,10%
Escolaridade
Ensino Fundamental incompleto 37,10%
Ensino Fundamental completo 25,80%
Ensino mdio incompleto 17,70%
Ensino mdio completo 11,30%
Ensino superior completo 4,80%
Analfabeto 3,30%
Renda Mensal
1 salrio 33,90%
2 salrios 25,80%
Acima de 5 salrios 16,10%
3 salrios 12,90%
Outros 11,30%
Condio Atual
Aposentado 61,30%
Afastado 25,80%
Trabalhando 11,30%
Estudante 1,60%
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Perfil dos Pacientes com Trauma Raquimedular Atendidos pelas Clnicas Escolas de Londrina
Tabela 2: Dados clnicos
Etiologia %
Coliso de veculo a motor 38,70%
Ferimento por arma de Fogo 32,30%
Queda de Altura 22,60%
Mergulho 3,20%
Outros 3,20%
Nvel Motor %
T12 17,70%
T4 12,90%
C5 9,70%
C6 9,70%
Outros 50,00%
AIS %
A 40,3%
B 33,9%
C 14,5%
D 11,3%
Na avaliao dos dados clnicos, o tempo de leso medular apresentou a mediana de 78 meses e seus quartis de 23,2 e 137 meses (25% e 75%). A topografia da leso foi estabelecida por 69,3% pela paraplegia e 30,6% pela tetraplegia, e os nveis mais acometidos foram os torcicos T4 e T12.
A coleta de dados evidenciou que as complicaes iniciais mais frequentes ps LME foram respiratrias e urinrias associadas, citadas por 21 (33,9%) pacientes, seguidas de complicaes urinrias isoladas e drmicas (lceras de presso) e urinrias associadas, relatadas por 14 (22,6%) em cada situao. J as complicaes apresentadas nos ltimos meses que antecederam a entrevista foram urinrias em 22,6% e drmicas em 9,6% dos pacientes, sendo importante ressaltar que 36 (58,2%) pacientes no apresentaram complicaes no perodo consultado pelo estudo.
Quando questionados em relao s orientaes sobre a LME repassadas pelos profissionais da rea da sade durante a fase hospitalar, 90,3% dos sujeitos afirmaram ter recebido esclarecimentos. A prtica de esporte como atividade para complementar a reabilitao foi observada em 23 (37,1%) pacientes, sendo que a natao foi a mais citada.
A aquisio imediata de cadeira de rodas ocorreu em 93,5% dos pacientes, e os dados obtidos mostram que 62,9% dos pesquisados consideram sua cadeira de rodas adequada sua condio de leso. Em relao s atividades de ortostatismo realizadas durante as sesses de fisioterapia, ocorre em 56 (90,3%) pacientes, nas quais 37 destes utilizam-se da mesa ortosttica e 19 com o uso de rteses (gessadas, convencionais, muletas e andador), e a marcha ocorre em 33,9% dos sujeitos, sendo que 2 deambulam sem o uso da rtese.
A avaliao da independncia funcional da amostra pesquisada para o domnio motor da Medida de Independncia Funcional (MIF) demonstrou que apenas na tarefa de alimentao, dentre os autocuidados, os pacientes apresentaram
independncia completa ou modificada, mesmo para os
pacientes que apresentam tetraplegia, pelas condies de
treinamentos funcionais. J para os outros itens de classificao
com superviso e dependncia de terceiros apresentou-se de
forma variada. Quanto ao controle de esfncteres, os pacientes
apresentaram a mdia com a classificao de ajuda moderada
(nvel funcional 3). Para as tarefas de transferncia, a mdia dos
nveis funcionais avaliados foi para superviso com graduao
5. As tarefas de locomoo para a marcha apresentaram tambm
a mdia de nvel funcional para superviso, e para subir e descer
escadas, com os nveis de ajuda mxima e total.
Segue na tabela 3 a comparao dos valores mdios de
cada uma das tarefas.
Tabela 3: Comparao dos valores mdios de cada uma das tarefas da MIF motora em pacientes com LM conforme o nvel de leso
Tarefas Total Paraplegia Tetraplegia
N 62 43 19
Autocuidados
Alimentao 6,391,59 6,860,77 5,322,33
Higiene Pessoal 5,712,38 6,671,28 3,532,85
Banho 5,452,32 6,41,34 3,322,66
Vestir Acima da Cintura
5,742,21 6,721,09 3,532,52
Vestir Abaixo da Cintura
4,982,57 5,931,98 2,842,5
Uso do Vaso Sanitrio
5,052,69 5,912,19 3,112,76
Controle de Esfncteres
Controle da Urina 3,472,80 3,842,81 2,632,69
Controle das Fezes 3,442,76 3,842,80 2,532,52
Mobilidade
Transf. para Cama e Cadeira
5,312,51 6,161,83 3,372,79
Transf. para Sanitrio
5,162,58 6,052,01 3,162,67
Transf. para Chuveiro
5,192,58 6,071,98 3,212,74
Locomoo
Locomoo 5,101,93 5,741,09 3,632,56
Escadas 1,711,83 1,721,83 1,681,88
MIF Motor Total 4,821,24
4 Discusso
O presente estudo teve como maior frequncia adultos
jovens, dado este citado nas diversas literaturas da rea, sendo
esses indivduos economicamente ativos, o que gera maior
prejuzo para o governo comprometendo tambm a renda
familiar5,8.
O sexo masculino prevaleceu entre os entrevistados, com
85,5%, similar aos estudos que apontam o predomnio desta
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Perfil dos Pacientes com Trauma Raquimedular Atendidos pelas Clnicas Escolas de Londrina
populao5,8-10, fato esse justificado ao maior grau de exposio
dos homens a comportamentos sociais e culturais que os fazem
assumir maiores riscos face violncia, aos riscos urbanos,
exigncias profissionais, prtica de esportes, dentre outros.
Os estados civis predominantes foram: casado e solteiro,
ambos com a mesma porcentagem de 40,3%. Estudo
realizado em 1997, com 50 indivduos do sexo masculino,
mostra que aps a LME apenas 26% dos entrevistados eram
casados11. Sabe-se que a LME traz alteraes importantes na
vida sexual, porm no torna o indivduo incapaz de manter
um relacionamento estvel e no tira a possibilidade deste de
gerar filhos. Faz-se necessrio que o homem, aps a leso,
reveja seus conceitos sobre sexualidade e passe a integrar nova
imagem corporal de acordo com sua situao atual, buscando
aumentar sua autoestima e reformular sua identidade sexual.
O reconhecimento de suas limitaes e a busca de conhecer
novas formas de explorar o prazer pode resultar no aumento
de sua confiana para a retomada de papel social e sexual12.
Quanto ao nvel de escolaridade encontrado, o ensino
fundamental incompleto predominou dentre a amostra, com
37,1%, que demonstra pouco acesso educao da populao
pesquisada. A literatura evidencia que o baixo grau de
escolaridade pode ser um dos fatores que contribuem para a
ocorrncia de leses, pois esta situao representa entrave na
compreenso de orientaes de campanhas de comportamento
que evitem exposio a situaes de risco5,13.
Um salrio mnimo foi a renda mensal mais encontrada,
citada por 33,9% dos participantes. A restrio ao trabalho
ou emprego decorrente da incapacidade um dos fatores
que impe reduo da renda familiar14, pois a maioria da
populao estudada relata no realizar nenhuma atividade
para complementar a renda, vivendo apenas com o benefcio
recebido do Governo Federal.
Pacientes jovens, empregados e no hospitalizados
possuem melhor qualidade de vida, ou seja, eles possuem
maior insero social2. Infelizmente, a maioria dos indivduos
da pesquisa no est empregada, pois relatam poucas chances
no mercado de trabalho, principalmente para as atividades
profissionais que realizavam antes da LME, devido as
limitaes fsicas e barreiras sociais como a discriminao e
a excluso social, resultando em diminuio da qualidade de
vida. Em segundo plano, podemos concluir outro grave fator,
como a falta de capacitao e qualificao profissional para a
aquisio de um novo emprego.
No processo de reabilitao, o acompanhamento da
evoluo do paciente permite o refinamento das intervenes
teraputicas e a verificao da velocidade de ganhos at
que se estabelea reduo da velocidade de aquisio de
melhora no quadro do paciente14,15. O tempo de LME de 78
meses bastante alto, fato este que interfere diretamente na
independncia funcional dos pacientes que j passaram pelo
perodo de adaptao a leso com velocidade de ganhos, e
hoje, tem menores aquisies, mas conseguem lidar com mais
habilidade e esto mais adaptados as tarefas da vida diria, o
que pode ser observado pelos dados resultados da avaliao
pela MIF no grupo estudado.
O fator etiolgico predominante foi a coliso de veculo
a motor seguido pelo ferimento por arma de fogo. Alguns
autores apontam o trauma automobilstico como sendo a maior
causa de LME traumtica5,8,15. Porm, os ndices etiolgicos
no Brasil no esto atualizados demograficamente, contudo,
sabe-se que as leses por arma de fogo vm ultrapassando
os acidentes automobilsticos nos grandes centros, em
decorrncia da criminalidade desordenada no Brasil16. Outras
literaturas apontam o ferimento por arma de fogo como
sendo a maior causa de LME10,17. Os acidentes por mergulho
perfazem pequena porcentagem no presente estudo, porm
importante ressaltar que esses acidentes so a quarta causa de
LME, e grande parte dos acometidos evolui com tetraplegia e
alto grau de incapacidade pelo resto de suas vidas18.
A maior frequncia de leses em nvel torcico (T12 e
T4 respectivamente) no estudo teve como resultado grande
incidncia de pacientes paraplgicos, dado este que tambm
encontrado na literatura como a incidncia mais comum10,15,17,
e com melhor prognstico funcional por no comprometer os
membros superiores19.
Em relao classificao da leso, houve predomnio de
AIS A, caracterizada por LME completas sem funo motora
ou sensitiva preservada nos segmentos sacros S4-S5; seguida
de AIS B, caracterizando LME incompletas20. Semelhana
essa encontrada em estudo com 80 pacientes em 2002, no qual
a LME completa predominou entre os entrevistados5.
At meados do sculo passado, a sobrevivncia de um
paciente com LME era muito reduzida e a morte ocorria,
sobretudo por problemas urolgicos. Com o avano da cincia
mdica e novos meios disponibilizados pela tecnologia, tem
sido possvel aumentar a expectativa de vida dessas pessoas9.
As causas de morte sofreram alteraes ao longo do
tempo, sendo que, atualmente as complicaes respiratrias
so as maiores causadoras de bito nessa populao na fase
aguda da LME21. Todavia, as doenas do trato urinrio so
as principais afeces que acometem o paciente com LME,
tanto tetraplgicos quanto paraplgicos22, pois imediatamente
aps a instalao da LME surge reteno urinria e fecal21.
No presente estudo, as complicaes urinrias seguidas pelas
respiratrias foram as mais comuns logo aps a LME; e,
quando questionados sobre complicaes nos ltimos meses,
as urinrias seguidas das drmicas, como lceras de presso,
foram as mais citadas.
As infeces urinrias so muito comuns nestes pacientes,
pois a bexiga controlada por mecanismos voluntrios e
involuntrios, e, imediatamente aps um trauma medular,
torna-se atnica e no pode contrair-se pela atividade reflexa.
O quadro pode evoluir para bexiga espstica ou flcida
dependendo do nvel de comprometimento medular aps
a fase de choque medular. A reteno urinria o resultado
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Perfil dos Pacientes com Trauma Raquimedular Atendidos pelas Clnicas Escolas de Londrina
imediato da LME. Como o paciente no sente a distenso
vesical, o superestiramento da bexiga e do msculo detrusor
pode ocorrer e retardar o retorno da funo vesical23.
Em relao s orientaes recebidas, embora percentual
significativo (90,3%) informe que recebeu orientaes sobre
os cuidados a serem adotados posteriormente leso, a
minoria no recebeu informao sobre sua nova condio de
vida, especialmente as ligadas ao cuidado pessoa com LME.
Sendo este fator alerta aos profissionais da rea da sade que
cuidam desses pacientes ainda nos hospitais.
A prtica de exerccios fsicos aumenta a capacidade
fsica proporcionando desempenho menos estressante em
tarefas dirias e maior independncia funcional24. O esporte
tem papel fundamental na reabilitao: complementa e
amplia as alternativas, estimula e desenvolve os aspectos
fsicos, psicolgicos e sociais e favorece a independncia25.
Percentual de 37,1% da amostra aderiu prtica de esportes,
apesar de no ser nmero relevante, mostra que esses pacientes
procuram ocupar espao no esporte, que oferece no somente
o lazer, mas tambm o convvio social e principalmente a
vida saudvel. A atividade fsica mais praticada a natao,
que atua como atividade coadjuvante e que complementa o
trabalho de reabilitao para as pessoas com LME.
A aquisio imediata da cadeira de rodas foi relatada pela
grande maioria dos pacientes, seja ela comprada ou doada
pelo Sistema nico de Sade (SUS), parentes ou amigos. No
entanto pouco mais da metade desses pacientes, considera sua
atual cadeira de rodas adequada sua condio. As pessoas
acometidas pela paraplegia ou tetraplegia, em maioria, so
dependentes da cadeira de rodas e devem receber ateno
especial nesse item pelos profissionais que as acompanham
e pelos devidos rgos de Sade quanto s suas necessidades
nas vrias fases de reabilitao.
A posio ortosttica ou a posio em p, compreende
superao e desafio para estes indivduos, que se locomovem
por meio de cadeira de rodas, frente nova situao de
deficincia fsica, permanente ou no26,27. Mais de 90% dos
sujeitos estudados realizam ortostatismo durante a sesso de
fisioterapia, seja por mesa ortosttica ou por meio de rteses.
O treino de ortostatismo benfico sob diversos aspectos:
por promover a tomada de peso, essencial para a preservao
da massa ssea, por melhorar a funo urinria, intestinal e
respiratria e por contribuir para o bem-estar psicolgico 21.
A avaliao da independncia funcional no estudo
fundamenta-se na sua importncia para o indivduo, para
a famlia e a sociedade. A restrio ao trabalho ou emprego
decorrente da incapacidade, das barreiras impostas pela
sociedade e a falta de poltica efetiva de (re)capacitao e
recolocao dessas pessoas no mercado de trabalho um dos
fatores que impe reduo da renda familiar. necessrio
considerar tambm que outro membro da famlia dever ser
deslocado para a realizao de tarefas de cuidador, ou que
outra pessoa ser contratada para faz-lo, o que adiciona nus
s finanas familiares15.
Existem decrescentes graduaes de necessidades de
cuidados, da dependncia mais grave para a mais leve
e at mesmo a independncia, seja ela adaptada ou no.
Entre as atividades de autocuidados abrangidas pela MIF, a
alimentao apresenta-se com maiores mdias desse estudo,
indicando ser aquela na qual a independncia atingida com
maior velocidade. Isso tambm observado por outro estudo15
e, dada a importncia da nutrio para a sobrevivncia, fcil
entender que seja rapidamente atingida. O mesmo pode ser
observado em pacientes hemiplgicos sob reabilitao em
nosso meio14. Outras tarefas como higiene pessoal, banho e
vestir-se da cintura para cima atingiram valores funcionais de
dependncia com superviso como mdia total dos pacientes,
ndices estes considerados favorveis para as atividades de
vida diria para esta populao. J as atividades de vestir-se da
cintura para baixo e uso do vaso sanitrio requerem domnio
maior do equilbrio corporal, que as tornam mais complexas
no seu desenvolvimento15. Em todos estes resultados, quando
visualizados separadamente entre paraplgicos e tetraplgicos,
observou-se discrepncia para os valores obtidos pelo grupo de
tetraplgicos, por motivos de incapacidade fsica pelos dficits
motores e sensitivos apresentados por estes indivduos26.
A LME leva a alterao nas eliminaes urinria e fecal
devido perda do controle esfincteriano vesical e anal com
consequente mudana no padro dessas eliminaes. A
incontinncia urinria um dos problemas mais frequentes
nesses pacientes28. Com relao ao controle esfincteriano,
os pacientes apresentaram ndice funcional mdio 3,
determinando ajuda moderada.
Quanto s transferncias, o grupo total estudado no
apresentou pontuao baixa. Tal fato pode estar relacionado
com o tempo de leso e adaptao as atividades de vida
diria sofrida ao longo dos anos de reabilitao. Porm, vale
ressaltar que o grupo de pessoas com tetraplegia apresentou-
se em menor nmero, e com maiores dificuldades para
estas tarefas, mas que no se expressaram no valor total dos
participantes. Em contrapartida, o item locomoo obteve
valor discrepante nas duas tarefas avaliadas. Para a tarefa de
marcha/deslocamento em cadeira de rodas o nvel funcional foi
5, representando condies de superviso ou preparo; e para
subir e descer escadas apresentou resultados funcionais muito
baixos, necessitando de ajuda total, justificado pelo fato do
grupo estudado possuir em sua maioria leso completa, AIS A.
Evidenciou-se atravs desta tarefa na avaliao funcional
a grande dificuldade desses indivduos em relao a
acessibilidade, salientando a importncia da adaptao de
ruas, prdios e casas, assim como dos patrimnios pblicos,
para que eles possam ir e vir sem enfrentar dificuldades e que
as barreiras arquitetnicas devem ser alvos de supresso pelos
rgos governamentais.
A pesquisa sobre o perfil do paciente com leso medular
atendido pelos ambulatrios de Fisioterapia nas Instituies
44 Costa VSP, Oliveira LD, Oyama CM, Azuma CS, Melo MRAC, Costa Filho RM / UNOPAR Cient., Cinc. Biol. Sade. 2010;12(2):39-44
Perfil dos Pacientes com Trauma Raquimedular Atendidos pelas Clnicas Escolas de Londrina
de Ensino Superior de Londrina permitiu a atualizao das informaes sobre os efeitos pessoais e sociais envolvidos na rotina diria da pessoa com LME. Assim como quantificar as dificuldades individuais da vida diria atravs da escala de MIF. A busca pelo aprimoramento em novos atendimentos deve proporcionar a evoluo do quadro inicial destes acometimentos para a promoo da reintegrao social e qualidade das atividades de vida diria.
Agradecimentos
Agradecimentos aos participantes do estudo que colaboraram com sinceridade e disposio para o levantamento de ricas informaes e esclarecimentos ao assunto abordado; s Instituies de Ensino que nos abriram as portas ao conhecimento; e aos docentes do curso de Fisioterapia da UEL, Roger Burgo de Souza e Mrcia Regina Garanhani e da Unifil, Suhaila Mahmoud Smaili Santos.
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