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1 36º Encontro Anual da ANPOCS GT31 - Saúde, emoção e moral Políticas de cuidado, na interface entre saúde, religião e emoção: o caso da tenda cigana Tzara Ramirez Cleiton Machado Maia - UFRRJ 1 Narcisa Castilho Melo - UFRRJ 2 1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGCS UFRRJ) [email protected] 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGCS UFRRJ) [email protected]

36º Encontro Anual da ANPOCS

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36º Encontro Anual da ANPOCS

GT31 - Saúde, emoção e moral

Políticas de cuidado, na interface entre saúde,

religião e emoção: o caso da tenda cigana Tzara

Ramirez

Cleiton Machado Maia - UFRRJ1

Narcisa Castilho Melo - UFRRJ2

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de

Janeiro (PPGCS – UFRRJ) – [email protected]

2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de

Janeiro (PPGCS – UFRRJ) – [email protected]

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Introdução

3

Quando refletimos à respeito das possíveis áreas de estudo da Antropologia, o

estudo das emoções mostra-se como destaque e foco dos olhares de diversos autores.

Atualmente, existem as mais diferentes expressões relacionadas ao campo da emoção,

dentre elas, “cuidado”, “terapia” e “sofrimento”, que mostram-se como expressões fortes

e presentes nas relações humanas. Diretamente relacionadas com tais conceitos,

percebemos uma realidade bastante conflituosa: temos as políticas médicas e as políticas

emocionais religiosas, ambas buscando desenvolver novas formas de atendimento que

venham de encontro ao sofrimento do sujeito.

Assim, podemos dizer que nossa sociedade está desenvolvendo uma busca por

alguma forma de terapia que abarque todo e qualquer tipo de sofrimento, visando alívio

imediato do sujeito e levando em consideração o processo de vitimização experienciado

pelo indivíduo.

Essa realidade provocou o surgimento das mais diferentes atuações terapêuticas

que unificam os diversos procedimentos em busca de atender cada pessoa da melhor

maneira possível. Nesse contexto sociocultural encontramos um crescente número de

3 A salamandra - fogueira da Tenda Tzara Ramirez – Fotografia Cleiton Maia.

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religiões “espiritualistas” e com “práticas terapêuticas psico - religiosas”, que propõem

um alívio imediato, ou atendimentos a longos prazos e encontros específicos, a esse

sujeito vitimizado, através de uma “terapia religiosa” ou “cura espiritual”.

Duarte (2005) relata que este desenrolar terapêutico é um relevante campo de

estudo onde a dinâmica das emoções tanto no contexto individual quanto no coletivo

precisa ser observada e as práticas terapêuticas sejam elas no âmbito religioso ou no

âmbito psicológico/medicinal precisam ser observadas de perto para que não se tornem

atividades confusas sem alcançar o real propósito.

Assim, são propostas reflexões no sentido de compreender aspectos teóricos e

práticos envolvidos com a saúde e de cunho religioso, baseados na compreensão da

religiosidade como um elemento importante e diferenciado na organização da

subjetividade; trazendo a tona algumas consequências que parecem surgir a partir deste

olhar, especialmente quando confrontado com dimensões epistemológicas e éticas do

atendimento religioso.

Para tal análise, foi escolhido como foco de pesquisa o grupo religioso “Tzara

Ramirez” com o objetivo de analisar as variadas propostas de terapias, identificadas

enquanto “holísticas” por seus membros, como por exemplo energização, cromoterapia,

limpeza espiritual, atendimento com líderes e entidades (Barô e entidades incorporadas),

acupuntura, cirurgia espiritual e utilização de florais.

Saúde, religião e emoção na Tzara Ramirez

O presente trabalho se propõe a observar alguns dos atendimentos e rituais

realizados na Tenda Tzara Ramirez, onde diversas terapias são oferecidas ao público;

público este que é composto de pessoas da comunidade e também de médiuns

pertencentes à Tenda. Buscando um melhor entendimento do porque de nosso interesse

de pesquisa, cabe uma explicação de nossas diferentes trajetórias que acabaram por nos

aproximar da temática.

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4

O primeiro interesse sobre a temática relacionada à religiosidade surgiu a partir de

uma graduação em psicologia desta pesquisadora, onde o contato com este campo de

estudo se concretizou baseado na definição de psicologia enquanto uma disciplina que,

de maneira geral, busca compreender o indivíduo através dos fatores que formam seu

comportamento e que permeiam suas relações internas e externas, se propondo a entender

o sujeito e a importância da subjetividade em sua vida. Sendo este o objeto central de

estudo da psicologia, a concepção mais aceita de homem é o mesmo formado por

dimensões biológicas, psicológicas e sociais. Assim, ele é pensado como uma entidade,

necessariamente, biopsicossocial.

No entanto, a crença ou admissão de elementos de ordem sobrenatural está

presente na vida em sociedade, permeando seu ambiente cultural. Como a maneira de ver

o sujeito não mais se apresenta de forma fragmentada, a religiosidade precisa ser

considerada também como dimensão constitutiva. Com base nesta compreensão,

mostrou-se necessária uma investigação mais aprofundada sobre outra possível

dimensão, qual seja, a espiritual ou religiosa, em especial a forma como é apropriada

teórica e praticamente pelo profissional de psicologia; e este foi o viés abordado durante

minha monografia de graduação. O mesmo se propôs a refletir no sentido de

compreender aspectos teóricos e práticos que envolvem o fazer psicologia, apontando

para a necessidade de maior relativização da escuta psicológica dada pelo tratamento da

4 Fotografia Espaço reservado para cura Tenda Tzara Ramirez – Fotografia Cleiton Maia.

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religiosidade como um elemento importante e diferenciado na organização da

subjetividade.

Segundo Barreto (1998), o desafio da população brasileira é viver num mundo

diversificado e, mesmo assim, manter sua identidade cultural e pessoal. A maneira

encontrada para preservar esta identidade foi através da religião, que oferece segurança e

resguarda os valores e crenças de cada sujeito. Será através do espaço religioso que o

indivíduo conseguirá estabelecer um espaço de encontros e reencontros que acabam por

reforçar a base da identidade cultural. A dimensão religiosa na verdade surge como uma

tentativa de dar sentido ao imponderável.

Baseados nesta realidade encontram-se os sujeitos que buscam, de maneira

incessante, encontrar um melhor caminho para sentirem-se cuidados e isso acabou por

provocar o desenvolvimento de uma nova forma de atuação, que busca abarcar questões

relacionadas à saúde, emoção e religião. Para Maluf (2010), o que caracteriza essa

mistura de práticas terapêuticas é que

(...) se de um lado existe um uso bastante disseminado, para não dizer

massivo, de medicamentos psicotrópicos, ou de psicofármacos, em

grande parte com receitas e medicamentos fornecidos na própria rede pública; de outro lado é bastante comum que as pessoas incluam em seu

itinerário terapêutico, junto com o consumo desses medicamentos,

outras formas de tratamento, como o recurso às chamadas medicinas alternativas ou não convencionais (chás, fitoterápicos, práticas

corporais, meditação, etc.) e às curas rituais ou religiosas. (MALUF,

2010, P.51)

Assim, podemos entender que o contexto da modernidade provocou o surgimento

de novas maneiras de atuação e intervenção terapêuticas, em busca de uma adaptação à

demanda social, ou seja, temos hoje muitos sujeitos que buscam por tais atendimentos,

procurando uma forma de alívio para seus problemas.

Para Lévi-Strauss (1973), o que define este novo contexto não é a busca pela

dicotomia entre os campos do saber, mas sim a dinâmica própria à eficácia simbólica.

Cada sujeito será capaz de vivenciar determinada experiência e buscará, dentro de sua

realidade, dar sentido ao momento que está passando. Assim, os diferentes meios de

atendimento terapêutico, acabam por se reinventar na busca pela adaptação a esta

realidade; formando assim um tipo de cuidado muito semelhante, apenas mudando

alguns procedimentos, mas tendo o mesmo objetivo.

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(...) a cura xamanística e a cura psicanalítica tornar-se-iam rigorosamente semelhantes (...) A eficácia simbólica consistiria

precisamente nesta “propriedade indutora” que possuiriam, umas em

relação às outras, estruturas formalmente homólogas, que se podem

edificar, com materiais diferentes, nos diferentes níveis do vivente: processos orgânicos, psiquismo inconsciente, pensamento refletido.

(STRAUSS, 1973, p.233)

No campo religioso podemos verificar as mais variadas formas de atendimento ao

sujeito, nos atendimentos individuais em templos religiosos ou atendimentos coletivos

em correntes e grupos específicos de templos religiosos, que se propõem em um número

determinado de seções estabelecerem uma cura coletiva com práticas psico- religiosas.

A construção da subjetividade social envolve uma integralidade unindo biológico,

psicológico, sociocultural e religioso. Tanto a biologia quanto a história singular estão

presentes na manifestação da subjetividade, onde esta será marcada pelo âmbito social

que rege o funcionamento de uma cultura. Este tema mostra-se relevante porque a

religiosidade está presente na vida das pessoas, permeando este ambiente cultural-

religioso.

Frente a tal contexto surgem muitas questões e torna-se evidente a necessidade de

reflexão sobre como são atendidos os sujeitos que procuram por cuidado? Como se

posicionam os ícones, frente a este movimento dos sujeitos que sofrem? Que tipo de

sofrimento é este que foi capaz de desenhar esta nova maneira de atendimento? Em busca

de uma melhor compreensão destas questões surgiu o interesse de uma observação mais

atenta a respeito deste contexto.

Por isso mostra-se relevante reconhecer a importância das terapias do cuidado,

como aborda Duarte (2005), onde “a compreensão dos embaraços (e perturbações)

decorrentes desse descompasso entre teorias da perturbação no confronto entre terapeuta

e paciente (mas também, em alguns casos, entre agentes religiosos e fiéis, demandando

respostas à aflição) é sem dúvida uma das frentes de pesquisa mais urgentes e sérias.”

Para Weber (1999), o que pode levar uma pessoa a buscar ajuda não é somente o “estar

doente” por falta de saúde, mas também estar envolvido em questões com grande

significado em suas vidas.

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Os ciganos da Tenda Espiritualista Tzara Ramirez

Já o primeiro contato deste pesquisador com a Tzara Ramirez aconteceu de forma

convidada e sem nenhuma pretensão científica, quando em 2009, cursando minha pós

graduação, uma namorada me surpreendeu com um convite de batismo que segundo ela

seria bom para meus estudos sobre religião. Em meio a pesquisa sobre o personagem Tia

Neiva no Vale do Amanhecer, demonstrei encantamento e respeito ao falar de minha

pesquisada, o que proporcionou convites e entradas em diferentes religiões. Esse era mais

um convite inesperado que prometia ser no mínimo inovador. Um batizado cigano –

nomeado por eles como pote5 - de uma jovem, amiga dela, e que eu já tinha visto em

algumas festividades sociais.

6

Assim que cheguei à Tenda, nossa amiga veio nos receber feliz e sorridente,

éramos o únicos convidados dela que tinham comparecido; nos levou a parte mais central

do ambiente e começou a explicar a história da Tzara Ramirez, como funcionava e o que

veríamos naquela dia. Essa entrada despretensiosa, a recepção calorosa e o local que

5 É como chamam na Tzara Ramirez o ritual em que um novo adepto faz para receber seu nome cigano e

entrar na família demonstrando seu comprometimento e entrada definitiva na tenda - lembrando que a

elaboração do pote demora um longo tempo, é cheia de cuidados e ritualísticas - eu só vi a entrega e

consagração do pote e nome cigano nesse dia. A construção e elaboração total só foi feita em campo

posterior.

6 Fotografia Dança cigana – Marcelo e Arimar - Tenda Tzara Ramirez – Fotografia Cleiton Maia.

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fomos colocados proporcionaram uma observação, contato com os adeptos que seriam

essenciais para fazer com que as primeiras perguntas e interesse por esse local surgissem

e após quase três anos me fizessem retornar a Tenda.

Já que desde o primeiro dia o pesquisador foi colocado para observar todo o ritual

na posição mais central, e com liberdade de andar por onde queria – já que a felicidade

dessa menina fez também a felicidade dos adeptos que sabiam da recusa de sua família

em aceitar suas escolhas – essa abertura me fez ter a possibilidade de conversar com a

grande maioria dos médiuns presentes nesse dia, o que hilariamente me faz lembrar das

despretensões de entrada no campo citadas por Geertz em Interpretação das culturas

(GEERTZ, 1997, pág. 186) onde no meu caso não precisei correr para ser aceito, foi só

chegar; apenas o responsável principal pelo espaço religioso, o cigano Barô Juan, cujo o

menino7 é Marcelo, não colocou-se aberto a aproximações neste primeiro momento.

Em uma segunda visita à tenda pude me aproximar de Marcelo e compreender

como teria começado a história da Tenda Tzara Ramirez. Marcelo é pai de santo em um

terreiro de candomblé em uma região chamada “Chacrinha” em Nova Iguaçu a mais de

quinze anos atrás, onde nas festividades aconteciam rituais somente de candomblé. Mas

alguns dos adeptos, inclusive ele, teriam começado a sentir a presença de espíritos

ciganos no ambiente - segundo ele alguns dos adeptos frequentavam umbanda também, o

que estava causando essa energia diferente no ambiente – até que um dia Marcelo

incorporou o cigano Juan Ramirez.

Assim que incorporou esse cigano foi dada a Marcelo a responsabilidade de

arrumar um lugar em que os espíritos ciganos, de pessoas de terreiros de umbanda e de

candomblé, pudessem cuidar8 de seus ciganos, já que uma característica da Tenda é o

duplo pertencimento dos adeptos em umbanda e candomblé, que os mesmos chamam de

outro lado. Marcelo começou abrir no mesmo espaço dias só para trabalhos com espíritos

ciganos e em outros dias para rituais de candomblé, mas o espaço de ciganos começou a

se tornar conhecido pela propaganda dos próprios adeptos e pessoas da comunidade. Três

anos depois Marcelo foi orientado a procurar outro lugar, que tivesse um espaço maior

7 Como é chamado o médium pela entidade que está incorporado, “menino” ou “menina”.

8 Expressão que é usada quando o médium adepto da casa usa para explicar que na Tenda direciona sua

atenção espiritual para trabalhar com seu espírito cigano, já que no candomblé e na umbanda eles podem

dar uma atenção melhor aos outros espíritos.

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para as atividades ritualísticas e principalmente houvesse a separação da Tenda Tzara

Ramirez do barracão de candomblé – pedido feito a Marcelo pelo seu cigano Juan

Ramirez.

Esse pedido teria sido feito pelo cigano, pois os espíritos ciganos queriam um

espaço só para eles, já que não se sentiam a vontade de dividir um espaço onde acontece

sacrifício de animal, já que isso não existe na tradição cigana. Entre os trabalhos, feitiços

e magias dos espíritos ciganos não existe o pedido de sangue vermelho9, somente de

sangue verde10

. Esse pedido fez com que a região da “Chacrinha” fosse trocada pelo

bairro de Santa Eugenia que é mais distante do centro de Nova Iguaçu – onde hoje em dia

se localiza a tenda.

O espaço que chamo de Tenda está em um terreno de 700 m² onde se encontram a

tenda, que é um barracão ocupando a metade do terreno, pintado com desenhos de

ciganos e de forma bem colorida, um tablado de madeira central, telhado simples e que

usa como divisórias um conjunto de biombos móveis, que são colocadas e tiradas com

facilidade – dependendo das cerimônias. Na região de trás da tenda temos algumas salas

que são usadas para trabalhos espirituais como banhos, cirurgias espirituais, sala dos

potes e vestiários. No espaço à frente da Tenda encontramos o pátio central, onde a

salamandra está localizada ao centro, e a região de espera dos pacientes, com o número

de sete bancos onde mais de setenta pacientes se revezam quinzenalmente sentados ou

em filas enormes em pé para algum dos trabalhos que são ali oferecidos.

Assim apresentado o local e como surgiu a Tenda Espiritualista Tzara Ramirez

cabe esclarecer que esse trabalho tem como campo somente esse lugar, sendo assim essa

tenda e os espíritos que incorporam nos médiuns desse local serão o centro de nossas

atenções, observações etnográficas e sobre eles é que debruçaremos nossas análises

metodológicas. É sobre esses médiuns que se chamam de “ciganos de coração” e

“ciganos de espírito”11

, é sobre o que esse grupo religioso entende por terapia, cuidado e

saúde e sobre suas práticas que iremos desenvolver nossos estudos.

9 Referencia que os espíritos ciganos fazem ao sacrifício de animal.

10Quando é feito um trabalho com ervas, flores e elementos da natureza os espíritos fazem uma associação

com sacrifício de sangue verde.

11 Essas duas nomenclaturas são comumente usadas entre os adeptos para explicar e diferenciar dos ciganos

de “sangue” – etnia cigana – e é comum ver essa expressão até tatuada em alguns médiuns.

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Assim, ao iniciarmos nosso mestrado, durante algumas conversas acadêmicas,

nos foi possível identificar nossos interesses em comum a respeito de questões

relacionadas tanto a saúde, quanto a terapias, atendimentos, e o meio religioso; isso

proporcionou a junção de dois pesquisadores interessados em mergulhar neste universo

tão diversificado e aberto a estudos.

Observações iniciais

A relação de pacientes e médiuns na tenda Tzara Ramirez chamou nossa atenção

desde o primeiro dia de campo, antes mesmo dos atendimentos e incorporações

começarem a acontecer. Quando iniciamos nossa observação do espaço físico onde a

Tenda está organizada algumas coisas foram se destacando aos nossos olhos. Entre os

primeiros detalhes observados, a “sala de recepção12

” atraiu nossa atenção; a mesma

corresponde a uma pequena sala onde uma das adeptas da Tzara Ramirez exerce o papel

de secretária, anotando os nomes dos médiuns presentes no dia de atendimento,

recebendo a função que cada um irá exercer após a incorporação e anotando os nomes e

pedidos de atendimento de todos os pacientes da Tenda – organizando assim uma

sequência entre as pessoas que serão atendidas e também entre os médiuns que realizarão

os atendimentos; isso gera a ordem e eficácia no atendimento de tantas pessoas em um

número limitado de horas.

A “sala de recepção” além de ser o local de organização das consultas é também o

arquivo da Tzara Ramirez, onde todas as fichas são organizadas e arquivadas desde os

primeiros médiuns e pacientes da Tenda. Nesse mesmo espaço encontramos, cobrindo as

paredes, um número incontável de diplomas e certificados de cursos nas mais diversas

áreas de medicinas, fisioterapia, terapias orientais e etc. com nomes de vários médiuns da

Tzara Ramirez – mostrando as qualificações adquiridas por esse médiuns fora do espaço

sagrado da Tenda – no meio acadêmico.

12 Esse nome não é usado na Tzara Ramirez, foi escolhido pelos pesquisadores, já que tal espaço físico não

destacou-se desde o início de nossa pesquisa.

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11

13

14

Ritual de energização e descoberta de “cor” – elemento

Ao acompanhar de perto os dias de atendimento de pacientes, pudemos ouvir

inúmeras vezes a médium Arimar15

falar “Para cuidar dos pacientes, temos que cuidar de

13 Fotografia certificado de cigano da Tenda Tzara Ramirez – Fotografia Cleiton Maia.

14 Fotografia certificado da Tenda Tzara Ramirez – Fotografia Cleiton Maia.

Page 12: 36º Encontro Anual da ANPOCS

12

nós primeiro; você tem que estar bem”, sem contar as variações da mesma frase com o

mesmo propósito. Existe uma norma que é seguida pelos médiuns da Tzara Ramirez em

todas as semanas que eventos e atendimentos acontecem: os médiuns se privam de

bebidas alcoólicas, de carne vermelha, de relações sexuais e “noitadas”, além de

realizarem banhos com determinadas ervas no dia anterior ao atendimento.

Além dessas obrigações existem alguns rituais que são feitos em períodos

determinados para energizar, limpar e equilibrar os médiuns, podendo assim trabalhar

com mais eficácia e segurança16

com seus pacientes. Alguns desses rituais foram

observados e fotografados por nós, e neste momento cabe uma descrição de seus detalhes

visando destacar sua importância para os atendimentos posteriores aos pacientes.

17

Uma semana antes do ritual nomeado pelos médiuns como Ritual de Energização,

foi solicitado a cada médium que providenciasse dez elementos diferentes que iriam

compor o ritual. Assim, durante os atendimentos realizados na tenda anterior, circulava

entre todos os médiuns uma lista com os itens que eles deveriam comprar. Entre os

15 Depois do médium Marcelo, ela é a mais importante da casa, sempre à frente dos rituais e resolução de

problemas.

16 Durante o campo na Tzara Ramirez observamos várias vezes o “perigo” de se trabalhar com energias.

Recebe grande destaque no discurso destes médiuns a preocupação na manipulação de energias, pois para

eles se a pessoa não estiver bem, a mesma pode receber energias ruins de seus pacientes.

17 Fotografia ritual de energização – início - Tenda Tzara Ramirez – Fotografia Cleiton Maia.

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elementos solicitados para a energização estavam: dois metros de tecido roxo, um metro

de murin branco, um vidro de essência de rosa branca, uma vela de sete dias roxa, duas

pedras ametistas, um quartzo verde, um pacote de incenso de massala, um molho de

ervas e uma pemba. Logo no início do ritual, fizeram uma conferência para saber se os

adeptos tinham levado tudo e a cada item era feita uma explicação de sua ação e

importância para o médium que iria participar da energização. Todo o processo era muito

bem explicado, com o objetivo de esclarecer e orientar os próprios adeptos que nunca

tinham participado desse ritual tão específico.

Todos haviam chegado já com um banho de ervas tomado em suas casas – já que

após o ritual todos atenderiam na Tzara Ramirez – o que pouparia tempo no ritual de

energização e descoberta de “cor18

” que cada médium “vibraria19

”. Na abertura do ritual

todos os médiuns se apresentaram vestidos de branco e sem nenhum ornamento,

posicionando-se de maneira circular e com as mãos dadas para recitar um “Pai nosso” e

uma “Ave Maria”; esse processo aconteceu após longo discurso da Arimar sobre o

“amor” e o propósito relacionado ao amor que aquele evento ritualístico tinha – as

relações de amor eram foco ali naquele ritual – amor a si mesmo e o cuidado com sua

espiritualidade, amor para com os pacientes em se preparar para atendê-los e o amor a

sua própria espiritualidade.

Outras orações foram feitas e todos deitaram para meditar e evocar os espíritos

ciganos que eles acreditam que estão no ambiente para auxiliar e harmonizar todo o

ritual; iniciam um relaxamento deitados por alguns minutos até que os objetos pedidos

começam a ser usados na mesma ordem entre todos os quarenta médiuns participantes -

sem contar a médium Arimar que participa conduzindo todo o ritual. Todos se deitam no

murin branco direcionados para a porta da tenda – onde está localizada a salamandra20

- e

acendem a vela roxa, que foi colocada em um prato branco, na direção da cabeça.

Enquanto isso Arimar transita entre cada um dos médiuns acendendo um incenso para

cada um dos adeptos ao lado de sua vela e colocando um “punhado” de ervas nos olhos

18 No dia do ritual a médium Arimar explicou que a energização serviria também para descobrir a cor que

os médiuns têm – determinando assim pela cor qual elemento seria o manipulado por esse médium durante

seu atendimento aos pacientes (terra, água, fogo e ar).

19 Expressão usada entre eles como marcador de proeminência espiritual com elemento.

20 Como os médiuns da Tzara Ramirez chamam a fogueira cigana que é acesa em todo o ritual.

Page 14: 36º Encontro Anual da ANPOCS

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dos médiuns deitados. Com as ervas posicionadas, uma ametista é colocada em cada mão

dos adeptos e o quartzo é colocado na direção do chacra central - no topo da cabeça –

onde ambas as pedras são banhadas na essência de rosas brancas.

Enquanto os médiuns encontram-se deitados, a pemba é usada para desenhar nos

outros pontos de chacras uma estrela de seis pontas conhecida como “Hexagrama” ou

“Estrela de Davi”. Existe uma única exceção no ritual – a médium Simone – segunda na

relação de hierarquia, que recebe dois desenhos de estrelas a mais – um na testa e outro

no coração - essa mesma médium se destacará mais a frente em outro momento do ritual.

Durante a observação do ritual foi possível lembrar da descrição da funcionalidade de

cada elemento – feito por Arimar num primeiro momento – e assim foi possível

estabelecer uma relação e contextualizar esse ritual não apenas como mais um

procedimento esperado dos médiuns, mas também como um tratamento para os mesmos

enquanto pacientes e posteriormente “terapeutas”.

21

A chegada deles de banho tomado – com as determinadas ervas – e de branco no

ambiente é demonstração de espiritualidade e humildade22

para com sua posição de

21 Fotografia ritual de energização – segunda parte - Tenda Tzara Ramirez – Fotografia Cleiton Maia.

22 Essa demonstração de humildade e espiritualidade através de atos acontece constantemente na tenda

Tzara Ramirez, onde os médiuns sempre deixam o ambiente impecavelmente limpo – desde o banheiro até

qualquer cantinho do barracão – seja em dias de rituais ou em atividades durante a semana, até em uma

aula de dança.

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médiuns e com seus espíritos ciganos, que se completa com a entrega no ato de se deitar

no murin branco – única coisa que o separa da terra ou “chão” antes de pedir auxílio aos

espíritos ciganos no ambiente.

A escolha dos chacras como locais para posicionamento dos outros objetos

acontece de maneira muito bem organizada; a vela e o incenso são colocados na direção

do chacra central, enquanto os médiuns estão deitados, para seu espírito cigano e anjo da

guarda como sinal de entrega do ponto mais importante deste médium; as pedras

banhadas em essência de rosas brancas são colocadas nos chacras superiores dos médiuns

e completando o fechamento dos chacras a pemba é usada para “isolar23

” os outros

chacras. E por último o elemento usado para abrir visões e ligações espirituais são as

ervas nos olhos, relacionados à abertura e pureza necessárias para a segunda parte do

ritual.

Após alguns minutos deitados meditando, os adeptos foram sendo acordados por

Arimar um a um e direcionados a uma sala especial de orações para rezar e depois

colocarem suas velas na “sala dos potes24

” para ficar durante uma semana acesas. Após

essa etapa com todos os adeptos que participaram do ritual de energização, todos se

colocaram de pé e ao centro um incensário de grande porte foi aceso com um incenso de

cada médium para começar a segunda fase da energização, onde as cores de “vibração”

desses adeptos seriam informadas pelos espíritos ciganos ali presentes e eles saberiam

com quais tipos de energias trabalhar e manipular no tratamento de seus pacientes.

Na segunda etapa do ritual todos colocam-se em forma de circulo e com as mãos

dadas enquanto Arimar , que está posicionada ao centro, passa com o defumador

direcionando os adeptos, um de cada vez para o centro e utilizando um pendulo baseada

na cromoterapia, identifica a cor de maior ação daquele médium e revela em segredo, ao

pé de ouvido, enquanto os outros médiuns recitam um pai nosso constante quase como

um mantra devido a demora e repetição da mesma seqüência de descoberta de cores com

cada um dos adeptos. Como todos estão de olhos fechado e repetindo a oração, não

observam as cores que são ditas para cada um de seus companheiros; como nós

23 A pemba é usada como isolante na Umbanda também, onde os próprios adeptos de duplo pertencimento

brincaram com o significado da pemba nesse ritual – quando perguntada qual a sua função, alguns aos

sorrisos responderam: Riscar o ponto! E foram repreendidos por Arimar, mandando esquecer o outro lado!

24 Local separado para os potes ciganos - os potes são usados no batismo de entrada dos adeptos e

correspondem a sua aliança com Tenda Tzara Ramiez.

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16

estávamos colados ao circulo e de olhos abertos, não pudemos deixar de notar a

seqüência de cores atribuídas a cada um dos médiuns, sendo: 12 verdes, 10 amarelos, 3

vermelhos25

, 4 rosas, 2 azuis e os outros 8 não identificamos em nossa leitura labial.

26

A única médium que não teve sua cor revelada foi Simone, mencionada acima,

sendo a segunda na ordem da hierarquia e importância nos rituais e que recebeu um

tratamento especial na primeira parte da energização. Quando chamada ao centro por

Arimar, a cor de Simone não foi revelada, mesmo com muita insistência e demora, e ela

voltou para a parte de fora do circulo sem receber sua cor de vibração, gerando um

desconforto e sentimento coletivo de tristeza, onde muitos adeptos a abraçaram e falaram

com ar de solidariedade já que sem a cor revelada, a mesma estaria fora do trato direto

com os pacientes.

Após uma semana do ritual de energização e os médiuns de volta à tenda, todos

foram reunidos de forma circular para organizarem duplas, trios e quartetos de

tratamentos, onde Arimar, após a triagem27

que ocorre em um momento posterior ao

25 A cor vermelha não é considerada boa para trabalhos com os pacientes, onde os médiuns nessas cores

não estão desprendidos das coisas materiais, e por isso ficam em trabalhos que não sejam direcionados a

cura.

26 Fotografia ritual de energização – meditação - Tenda Tzara Ramirez – Fotografia Cleiton Maia.

27 Assim que chegam na Tenda Tzara Ramirez os pacientes são levados a uma linha de passe composta por

uma média de 30 a 40 médiuns – fase inicial dos atendimentos e obrigatória a todos – como uma clínica de

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passe, indicaria a esses grupos de médiuns sempre de cores de vibração correspondentes

a elementos diferentes da natureza, gerando assim um equilíbrio no tratamento. Nas

frases da Arimar: “Vocês terão a responsabilidade sobre esses pacientes e tem que fazer

de tudo para tratar eles”, “Entregá-los bonzinhos”. Só nesse momento pudemos

entender a importância para os adeptos desse trabalho de energização, onde a busca de

um auto-equilíbrio se torna ponto principal para o início de atendimento aos seus

pacientes, onde estar preparado é importante para poder trabalhar em conjunto na busca

da cura para os outros.

Deuselena

Uma das figuras que mais chamou nossa atenção e nos deixou reflexivos sobre

essa relação de tratamento entre médiuns e seus pacientes foi a cigana Deuselena. Apesar

de sermos recebidos desde o primeiro dia de campo na Tenda Tzara Ramirez, algumas

relações de afinidades começaram a ser moldadas por motivos diversos, onde o casal

Deuselena e Gelvan se aproximaram e dedicaram sempre uma atenção especial a explicar

e nos levar em todos os lugares dentro da Tenda. Desde o primeiro contato, Deuselena

expôs sua vida e problemas – inclusive de saúde – com muita intimidade e sinceridade.

Deuselena tem problemas nos rins a mais de dez anos e faz hemodiálise; por esse

motivo sempre sente muitas dores e está debilitada durante os fins de semana na Tenda,

mas mesmo assim nunca falta e seu marido tem a responsabilidade de montar a

salamandra em todos os rituais, responsabilidade essa dada pelo líder Marcelo e que ele

exibe com grande orgulho.

Gelvan e Deuselena são formados em fisioterapia e trabalham com atendimento

em domicílio em vários locais do Rio de Janeiro; sempre muito bem informados e

ligados na área médica decidiram que as seções de hemodiálise que Deuselena precisaria

vivenciar seriam feitas em casa, para facilitar e diminuir os transtornos para ambos. Na

primeira vez que esse assunto de tratamento surgiu não foi possível perguntar se alguma

forma de acompanhamento era feita ali na tenda mesmo, mas com o convívio nas muitas

tendas, nos atendimentos de domingo e festividades que estivemos juntos tratamos de

perguntar e sempre recebemos respostas vazias e escorregadias, até que em um dia mais

diagnósticos gerais, onde se determinará que tipo de trabalho e qual a intensidade do mesmo será feito com

cada paciente.

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alegre em um terreiro de candomblé que estivemos juntos, a pergunta foi novamente

realizada obteve a seguinte resposta: “Deuselena não trata na tenda não, nenhuma forma

de acompanhamento, só orações e energias por ela” e esse foi um momento de grande

confusão e dúvidas sobre essa relação com a tenda.

28

Durante o campo ouvimos vários relatos de curas complexas como câncer e

outras mais – por parte dos adeptos e dos pacientes – com reportagem de jornais e

pedidos de televisão para filmar, porém quando um adepto de tanto tempo e destaque nos

trabalhos fica doente não é acompanhado nos tratamentos.

Cigana Sunakana

Uma das médiuns mais respeitadas e consultadas da Tzara Ramirez é uma cigana

do Oriente – Egito – chamada Sunakana. Desde nossos primeiros dias de campo

recebemos relatos de suas curas e dificuldade de contato, onde sua personalidade forte

dificultava conversar e realizar entrevistas – e visualização de seus rituais de cura que

aconteciam em um quarto fechado e bem separado do local de onde acontecem os demais

atendimentos. Mas após várias semanas observando atendimentos diversos conseguimos

falar com a médium dessa cigana enquanto não estava incorporada e pedimos sua

autorização para assistir um desses rituais de curas feitos por Sunakana. De imediato a

28 Fotografia cigano Gelvan fazendo a salamandra Tenda Tzara Ramirez – Fotografia Cleiton Maia.

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mesma explicou que não via problemas, mas que teríamos de pedir a cigana após a

incorporação para evitar problemas, como ela disse: “Não posso responder por ela, ela

pode encrencar, melhor pedir quando ela chegar” e principalmente pedir a autorização de

cada paciente por questões de privacidade e respeito.

Na semana seguinte separamos nosso tempo para observar esse atendimento,

relembramos a médium, e assim que a cigana incorporou explicamos e pedimos sua

autorização – que após muitas explicações foram atendidas – o que nos levou a seguir

para a fila de pacientes e pedir de um em um a autorização de assistir sua consulta. Após

algumas negações conseguimos de uma senhora a autorização de observar sua consulta –

uma senhora espírita que já se consultara várias vezes e por isso sabia como seria e

demonstrou muito interesse por nosso trabalho. Essa senhora tinha acabado de passar por

um procedimento cirúrgico não concretizado uma semana antes, uma operação na vista

que deixou de acontecer nos últimos minutos e já em cima da mesa de cirúrgica. Paciente

antiga de Sunakana contou-nos várias histórias de cura dessa cigana e a fama que vai se

espalhando de pacientes e pacientes, ao ponto de ter chegado em outros grupos religioso

– seu caso – e aos jornais.

Entrando no quarto de consulta nos deparamos com uma quantidade de

informações muito grande – símbolos, cores, objetos – em um espaço de pouco mais de 4

metros quadrados. Existiam no ambiente uma mesa com duas cadeiras e uma cama de

massagem – porém muito bem ornamenta e coberta com tecidos de cor amarelo ouro –

com todas as paredes cobertas de tecidos da mesma cor amarela ouro, fazendo contraste

com a mesa branca e com tolhas brancas. Em cima da mesa se encontrava uma jarra de

água energizada29

coberta com um véu branco, moedas antigas, um incensário sempre

com incensos acesos, uma imagem de uma cigana, um leque, um baralho de cartas

ciganas e um buquê de rosas amarelas, vale a pena ressaltar que em todo o ambiente

pétalas de rosa estavam espalhadas. Ainda no espaço de atendimento encontravam-se

dois quadros com a imagem de Jesus Cristo e Nossa Senhora e na direção dos pés dos

pacientes fica localizada uma pedra de ametista, que para a cigana serve para canalizar as

energias ruins do paciente.

29 Água para tratamentos e curas espirituais – em explicação recebi sempre a resposta que era somente água

colocada ao sol e a lua para energizar.

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Logo que entramos fomos convidados a tirar os sapatos e acompanhar em silêncio

todo o ritual de Dona Madalena. Após cumprimentos a paciente é convidada a se sentar

na cama sem jóias e sapatos para um passe – que acontece no mesmo modelo da parte

externa da tenda – de forma bem demorada e com uma reza sendo pronunciada baixa

pela cigana Sulakana. Após o passe, as agonias são conversadas e uma mensagem é

transmitida a paciente sobre sua cirurgia não realizada; a cigana explica a Dona

Madalena o porque de não ter acontecido e os lados positivos, e confirma ter estado lá na

sala de cirurgia com ela acompanhando tudo – trazendo alívio e esperança a paciente.

Somente nesse momento observei o cordão da médium incorporada com a cigana,

um longo e belo colar com mais de vinte símbolos religiosos de origens mais variadas

possíveis – mais tarde fiquei sabendo que cada pingente era um presente de pacientes de

religiões diferentes curados por essa cigana – formando um belo caos simbólico.

Conclusão

Este texto teve por objetivo observar mais atentamente como as pessoas que

buscam por cuidado, são recebidas e atendidas neste espaço religioso; no entanto nosso

campo delimitou-se de outra forma e acabou por propiciar um momento de reflexão a

respeito dos atendimentos realizados com os pacientes que freqüentam a tenda Tzara

Ramirez, tanto médiuns quanto o público em geral. Através dos relatos apresentados,

podemos perceber a relação direta destes médiuns com os aspectos vinculados a saúde,

emoção e cuidado no contexto terapêutico. Pudemos também acompanhar o quanto esses

médiuns entendem que seus atendimentos somente poderão ser realizados de forma

proveitosa e efetiva, quando os mesmos também se colocam no lugar de pacientes. Para

um segundo momento, o foco deste trabalho será o acompanhamento mais aprofundado

dos atendimentos realizados com as pessoas da comunidade que procuram por esse

cuidado, buscando entender como esse processo se desenvolve.

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