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360 edIçÃO 01 • SeTeMBRO de 2016 Em ano de eleição, veja os desafios para o setor no Estado mais rico do país Segurança do paciente deve ser prioridade Januario Montone analisa a saúde no Brasil e defende a discussão do modelo assistencial Saúde em São Paulo O que nos aflige ?

360 · O que nos aflige? edITORIAL A cooperação entre organizações é a chave para se con-quistar melhores resultados na busca por interesses co- muns. É nisso que a atual gestão

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360edIçÃO 01 • SeTeMBRO de 2016

Em ano de eleição, veja os desafios para o setor no Estado mais rico do país

Segurança do paciente deve ser prioridade

Januario Montone analisa a saúde no Brasil e defende a discussão do modelo assistencial

Saúde em São PauloO que nos aflige?

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edITORIAL

A cooperação entre organizações é a chave para se con-quistar melhores resultados na busca por interesses co-muns. É nisso que a atual gestão da Federação e do Sin-dicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (FEHOESP e SINDHOSP) acredita, por meio da construção de parcerias, especialmente em tempos de cri-se econômica e pouca atenção do Poder Público em rela-ção a um setor tão importante quanto a saúde.

Mesmo com todas as dificuldades, as entidades vêm crescendo em representatividade e importância, ocupan-do cada vez mais seu espaço como legítimas representan-tes da categoria. Ao promover parcerias e oferecer solu-ções para os vários segmentos da saúde, preenchemos as lacunas deixadas pelo governo e cumprimos nosso papel enquanto setor organizado da sociedade.

Esta postura propositiva se confirma neste ano, com uma série de novos projetos em prol desse crescimen-to institucional e da própria categoria. Agora, trazemos a Revista FEHOESP 360, nome que vem consolidar um tra-balho que começou há um ano, para a construção de uma comunicação integrada e ao mesmo tempo múltipla, reu-nindo FEHOESP, SINDHOSP, SINDHOSPRU, SINDJUNDIAÍ, SINDMOGIDASCRUZES, SINDRIBEIRÃO, SINDSUZANO e IEPAS (Instituto de Ensino e Pesquisa na Área da Saúde).

A ideia é que a revista leve à categoria análises mais aprofundadas relacionadas à saúde, especialmente no

Um novo conceito de representatividade

que diz respeito à gestão e às dificuldades enfrentadas pelos nossos representados. Queremos, neste canal que nasce, abrir espaço para suas reivindicações, alertas, de-mandas e necessidades. E lembrar que a continuação dos debates abertos aqui estará na versão digital da Revista, no aplicativo disponível pra Android e IOS, dando continui-dade ao projeto que iniciamos em janeiro de 2015, com o Jornal do SINDHOSP versão digital. Além, é claro, de nossa presença nas mídias digitais: Facebook, Twitter, Instagram, Flickr e Youtube.

Acreditamos na inovação do sistema sindical e da saú-de, dentro de um processo transparente, que prioriza a vontade coletiva no lugar das necessidades individuais. Desde que assumimos, há mais de três anos, temos perse-guido este ideal. E vamos continuar trabalhando por isso, em prol de uma prestação de serviços mais qualificada, e de um setor de saúde fortalecido e eficiente. Os produtos de comunicação, neste sentido, atuam como ferramentas poderosas e são nossos maiores aliados.

Yussif Ali Mere JrPresidente

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ÍNDICELíderes do setor parabenizam a primeira edição da revista

Confira a agenda de cursos e eventos para setembro

O que acontece no setor na sessão de notas

Conheça Toledo-PR, destaque pelo seu modelo de gestão na saúde

Entrevista exclusiva com Januario Montone

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Em ano de eleição, veja os desafios para o setor no Estado mais rico do país

CAPA 14

Reinserção no mercado de trabalho auxilia portadores de transtornos mentais

Conquista: nome social é realidade em estabelecimentos de saúde

Luiz Fernando Ferrari Neto fala sobre segurança do paciente

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PAINeL dO LeITOR ONLINe

Confira na edição digital os conteúdos exclusivos da

Revista FEHOESP 360 em seu smartphone,

tablet ou computador

ConsolidaçãoEstando à frente do IEPAS, cuja missão é agregar conheci-mento à categoria da saúde, fico imensamente feliz em ver o projeto da Revista FEHOESP 360 vingar. Certamente, o Instituto, enquanto instrumento de fomento à produção de conteúdo, será um agente ativo na consolidação deste novo veículo.

JOSé CARLOS BARBéRIO, presidente do instituto de ensino e pesquisa na Área da saúde (iepas)

União faz a forçaParabenizo a iniciativa de consolidar as informações do se-tor num único veículo de comunicação. Precisávamos de um espaço renovado, que privilegiasse a categoria nas suas reivindicações, com o intuito de estreitar esse relaciona-mento e nos aproximar cada vez mais dos nossos represen-tados. Espero que este novo veículo contribua para a união da categoria, que é o que de fato nos faz fortes.

Mais qualidadepara o setorA demanda por informações de qualidade é enorme. Em tempos de mídias sociais e de democratização da infor-mação, em algum momento perdemos a qualificação das notícias, das análises, da profundidade com que temas relevantes são abordados pelos veículos de comunicação. Acredito que a revista dará continuidade aos produtos edi-toriais que se fundiram, e que sempre trouxeram debates frutíferos para o setor.

ROBeRTO MuRANAgA, presidente do sindsuZano e 2º vice-presidente da FeHoesp

RICARdO MeNdeS, coordenador do comitê de saúde mental da FeHoesp

360

CAPA

Veja a opinião dos representantes do setor

sobre os impactos da falta de financiamento, o acesso aos serviços e o envelhecimento

populacional na saúde.

ENtREViSta

Ouça trechos da entrevista com ex-secretário municipal

de Saúde de São Paulo, Januario Montone. Ele fala

sobre judicialização, a importância da prevenção e novas tendências na saúde.

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CuRSOS & eVeNTOS

Como auditar as contas médico-hospitalares

enviadas aos convênios de forma prática e eficaz

21 de setembroDas 9h às 17h

São Paulo

Faça o cliente curtir o seu atendimento

22 de setembro9h às 17h

Presidente Prudente

Plano de gerenciamento de resíduos

de serviços de saúde

13 de setembro9h às 17hSão Paulo

Gerenciamento financeiro na área da saúde

17 de outubro9h às 17h

Assis Formação e aperfeiçoamento das

lideranças em gestão e planejamento estratégico

21 de setembro9h às 17hSorocaba

As mudanças no recurso de glosas com a

implantação do padrão tiSS 3.02 e as tabelas tUSS

5 de outubro9h às 17h

Ribeirão Preto

Como desenvolver suas competências emocionais

20 de setembro9h às 17hSuzano

Workshop: aprendendo sobre o cliente para

atendê-lo cada vez melhor

5 de outubro9h às 14hCampinas

#iepas

#agendaCompletawww.iepas.org.br

*As datas podem estar sujeitas a alterações

Limpeza e desinfecção de superfícies ambientais

em serviços de saúde

19 de setembro 9h às 17hAraçatuba

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NOTAS

O famigerado Pokémon Go, game lançado recentemente no Brasil e que é uma febre mundial, está servindo para ajudar pacientes infantis nos EUA. O C.S. Mott Children’s Hospital, de Michigan, apresentou a novidade às crianças e conseguiu com que elas saíssem do leito e interagissem entre si.

Para JJ Bouchard, gerente de Mídia Digital do hospital, a mobilidade de pacientes que ficam muito tempo internados é fundamental para a recuperação. A interatividade também

ajuda a construir um ambiente mais alegre e humano, espe-cialmente para as crianças. "É uma forma divertida de incen-tivar a mobilidade dos pacientes", disse Bouchard.

O Pokémon GO, lançado primeiro nos EUA em julho deste ano, tem recebido inúmeras críticas acerca da dependência tecnológica que jogos interativos causam, principalmente en-tre os jovens. A experiência norte-americana, no entanto, mos-tra que o uso adequado da tecnologia é muito bem-vindo.

game ajuda pacientes nos euA

Em maio deste ano, foi publicada a lei 13.287/16 que acres-centa um novo dispositivo à Consolidação das Leis do Tra-balho (CLT). O texto afasta grávidas e lactantes de locais de trabalho considerados insalubres. Apenas em São Paulo e na categoria de enfermeiros, há 68.530 profissionais dos quais 87% são mulheres, segundo dados do Dieese.

Profissionais da saúde reuniram-se, no Rio de Janeiro, em 28 de julho, para discutir medidas que possam reduzir o impacto financeiro e social que a lei acarreta. Participaram da audiência pública representantes da Federação Brasilei-ra de Hospitais (FBH), da Associação de Hospitais do Esta-do do Rio de Janeiro (Aherj), da Confederação Nacional de Saúde (CNS), da Federação de Hospitais e Estabelecimento do Rio (Feherj) e o presidente da FEHOESP, Yussif Ali Mere Jr.

#iepasSetor se reúne no Rio para debater lei 13.287/16

Os profissionais defenderam a alteração da lei. O secre-tário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, Valdirlei Castagna, disse que o debate deveria ter sido feito antes da aprovação da 13.287/16. A presidente da Fede-ração Nacional dos Enfermeiros, Solange Caetano, acredita na formulação consensual de um novo projeto de lei que diminua o prejuízo para as trabalhadoras da área da saúde.

O juiz Vitor Moreira, especialista em direito médico hospi-talar, disse que a lei é inconstitucional, já que faz distinção de gênero. Ele também considera a lei inaplicável e alerta para a preocupação de um aumento na admissão de mais homens que mulheres em idade fértil.

No mês de setembro outra audiência sobre o tema deve ser realizada.

Profissionais defenderam a alteração da lei

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Yussif Ali Mere Jr participou dos debates, no Rio

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Cidade do Paraná é referência no atendimento

atenção básica ou primária em saúde é conhecida como a "porta de entrada" dos usuários no sistema de saúde. Seu objetivo é orientar sobre a prevenção de do-enças, solucionar problemas simples e direcionar os mais graves para níveis de atendimento superiores. A atenção básica funciona como filtro de organização do fluxo de serviços nas redes de saúde.

No Brasil, há diversos programas governamentais rela-cionados à atenção básica, sendo um deles a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que leva serviços multidiscipli-nares às comunidades por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Consultas, exames, vacinas, radiografias e outros procedimentos são disponibilizados aos usuários nas UBSs. Na prática, tudo isso ainda funciona pouco. Mas toda regra tem sua exceção.

A cidade de Toledo, no Paraná, com aproximadamen-te 130 mil habitantes, vem se tornando destaque por seu modelo de gestão na saúde. Desde 2014 o município atua com o Modelo de Atenção às Condições Crônicas (MACC), idealizado pelo médico sanitarista e consultor em saúde pública, Eugênio Vilaça Mendes, e implantado em duas UBSs: nos bairros São Francisco e Europa.

“Um dos objetivos da criação do novo plano de aten-dimento é incentivar a mudança no modelo de atenção à saúde para atender adequadamente os portadores de condições crônicas”, explica Mendes. “A proposta é aco-lher de uma forma abrangente a saúde de hipertensos, diabéticos, crianças menores de dois anos e gestantes classificados com alto risco na atenção secundária. Uma equipe multiprofissional é colocada à disposição desses pacientes, enquanto os profissionais da atenção básica permanecem com os atendimentos dos pacientes classi-ficados como de baixo ou médio riscos.”

Em geral, durante o atendimento inicial, ao primeiro sinal de doença, o paciente é encaminhado para um mé-

dico especialista. Mas muitos desses casos poderiam ser tratados na atenção básica. De acordo com o médico, é possível reduzir a fila de consultas com especialistas sem aumentar o número de profissionais. Mas, para isso, é pre-ciso mudar a forma de encaminhamento.

Casos mais brandos de doenças crônicas, como hiper-tensão, também podem ficar na rede primária, segundo Mendes. Apenas os mais graves devem ser repassados para atendimento especializado.

Os encaminhamentos sistematizados por protocolos, sugere Mendes, devem dividir os pacientes com a mesma doença em grupos, de acordo com o risco oferecido pela enfermidade, em níveis de um (menos grave) a três (mais grave). Apenas os doentes nível dois e três devem ser en-caminhados para especialistas. Os de nível um (aproxima-damente 75% dos enfermos) irão receber atendimento na atenção básica. "O sistema atual, fragmentado, ainda não responde às necessidades. Ele precisa ser substituído por uma rede de atenção primária integrada."

Segundo o médico, mesmo com o subfinanciamento do SUS, a estratégia de saúde da família melhorou a vida das pessoas em Toledo. “Essa é a forma mais virtuosa de organização, pois reduz a mortalidade infantil, promove equidade no acesso, e traz bons resultados até fora da área da saúde, por exemplo, aumentando índices de es-colaridade entre as crianças atendidas.”

Quando um paciente de risco é atendido na UBS ele recebe um formulário que explica sua condição. Esse do-cumento é levado para o atendimento dos especialistas e retorna preenchido para que os profissionais da ESF pos-sam realizar o acompanhamento da saúde do indivíduo. Ao retornar para a unidade de saúde, o paciente é acom-panhado periodicamente pelos profissionais da Estraté-gia de Saúde da Família e do Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF). Com isso, acabam passando por uma

APor REbECa SaLGadO

geSTÃO

Atenção à saúde básica: a lição de Toledo

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xa complexidade, ela acaba desempenhando essa função. A questão é comportamental e o desafio é fazer com que o paciente crie um vín-culo com a UBS ou a ESF de seu bairro. Incentivá-lo a buscar atendimento nesses locais e não na UPA. Se essa mudança fosse fácil não teríamos UPAs lotadas em todo o país”.

Para a secretária, o modelo da ESF foi im-plantado com o intuito de amenizar o “gargalo da saúde”, mas é preciso de tempo para que a população possa se acostumar com as mudan-ças. Ela afirma que as unidades executam os trabalhos de busca ativa dos pacientes. “Pesso-as hipertensas e com diabetes precisam estar em tratamento constante. Como cuidam mais da saúde, evitam buscar atendimento na UPA se não são casos de urgência ou emergência. Nosso desafio é fazer com que o paciente tenha a unidade como primeira referência, com equi-pamentos e recursos humanos.”

Ao todo, atuam no MACC em Toledo 23 equi-pes. Para atingir 100% de cobertura é preciso ter 49. “Para atingirmos essa meta precisamos de mais quatro ou cinco anos. Para 49 equipes, precisamos de 49 médicos, 49 enfermeiros, ou seja, mais profissionais para compor o quadro. Isso gera impacto na folha de pagamento e também exige estrutura física. Nossa cidade é pequena, mas o orçamento também é", finaliza Denise Campos.

equipe multidisciplinar formada por enfermei-ros, farmacêuticos, psicólogos, nutricionistas, além dos agentes comunitários e demais técni-cos da UBS.

Dados mais recentes da Nota Técnica do Mi-nistério da Saúde, lançados no mês de maio, apontaram Toledo como a maior cobertura de atenção básica do país, com 60,07%. Já em Estratégia de Saúde da Família, o número é de 34%. A Secretaria Municipal de Saúde fala em 70,41% e 40,88%, respectivamente. Números justificados pela abertura de mais duas UBSs.

“As pessoas vão até a unidade e mesmo que tenha vaga para fazer o agendamento, querem ser atendidas no ato, receber a receita e ser libe-radas. Com isso, elas acabam indo até a Unida-de de Pronto Atendimento (UPA), onde precisam aguardar, pois não se trata de casos de urgência ou emergência”, pontua a secretária de Saúde de Toledo, Denise Campos. “Embora a UPA não seja um local para atender os pacientes de bai-

Denise Campos, secretária de Saúde de Toledo

UPA oferece novo modelo assistencial

Eugênio Vilaça Mendes, idealizador do MACC

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eNTReVISTA

O futuro precisa ser pensado agora

Januario Montone analisa a saúde no Brasil e defende

a rediscussão de modelos para a melhoria do setor

om o Brasil ainda esperando a recuperação de sua economia, uma extensa lista de problemas fica à espera de solução. Na área da saú-de não é diferente. O SUS mantém suas deficiências e se vê diante de uma sobrecarga. Ainda há muitas questões de gestão, problemas de remuneração para os prestadores de serviço e a regulação do setor está longe de ser a ideal.

Em entrevista à Revista FEHOESP 360, Januario Montone, consultor na área de saúde e ex-secretário muni-cipal de Saúde de São Paulo (2007-2012), com mais de 20 anos de atua-ção no setor público, analisa esses e outros temas e defende a rediscussão de modelos e políticas públicas, com a participação de representantes dos setores público e privado. Para ele, outra questão importante, não só na

saúde, mas para toda a sociedade, é a preparação para o aumento da longe-vidade da população.

Confira:

Revista FEHOESP 360: Com a crise econômica e o número alto de cidadãos que não podem mais manter um plano de saúde, há uma preocupação de so-brecarga no SUS. Quais as perspectivas para este cenário?

Por ELENi tRiNdadE

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Januario Montone: Não tão boas. O SUS já está sobrecarregado e essa sobrecarga diminuirá ainda mais a qualidade do atendimento. Embora a Constituição determine que o sistema de saúde público seja organizado para atender toda a população – até quem tem plano de saúde –, na prática isso não acontece. Mas há um dado posi-tivo: pessoas acostumadas ao setor privado, com acolhimento mais rápido e profissional, tendem a fazer pressão por melhorias.

360: O mundo já debate há algum tem-po a sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde. O que precisa mu-dar no SUS? JM: Muitas mudanças precisam ser feitas, mas para fazer a sua reorga-nização, é necessário manter duas condições indispensáveis para os usu-ários: o direito de acesso à saúde e a proibição de exclusão de doenças na cobertura dos planos. A partir daí, é

preciso analisar os modelos. Enquanto na saúde privada o modelo de atenção não é preventivo, mas curativo, autor-referido e de livre escolha, no público o modelo de atenção é adequado, com foco na prevenção e atenção básica, mas é muito fragmentado com a linha de cuidado, já que o financiamento e o gerenciamento passam por município, Estado e União.

360: Um dos caminhos para a melho-ria de todo o sistema passa pela par-ceria cada vez maior entre o público e o privado? JM: Sim. Cada vez mais tem havido in-teresse nessa parceria. O setor público é muito dividido e depende da linha político-administrativa de cada gestão que assume os governos. Mas é preciso lembrar que em grande medida os ser-viços do SUS já são prestados pelo se-tor privado. A maioria dos leitos, apoio ao diagnóstico e terapia é contratada junto à rede privada. O exemplo mais clássico é a hemodiálise: 90% dos atendimentos são feitos por clínicas particulares contratadas. O que pre-cisa mudar ao longo do tempo é essa relação da saúde suplementar ser ape-nas um prestador de serviços do setor público, passando a ser mais integrado e realmente parceiro. Uma iniciativa

com esse perfil começou a ter anda-mento com a criação da lei das Organi-zações Sociais (OSs), em 1998. A partir daí surgiram dezenas de exemplos de sucesso. No caso de São Paulo, metade da rede pública é gerida por OSs, com esses equipamentos municipais sendo gerenciadas por instituições como os hospitais Sírio-Libanês e Albert Eins-tein, santas casas, Santa Marcelina, en-tre outros. O que também acontece em todo o país. Esse mecanismo só não cresceu mais por causa da insegurança jurídica motivada por uma ação de in-constitucionalidade proposta em 1998 pelo PT e pelo PDT. A realidade, no entanto, é mais forte que a ideologia, já que administrações do PT adotam hoje o modelo.

360: Como o senhor avalia a atuação dos hospitais em relação à promoção da saúde e prevenção de doenças? JM: No setor público, temos o modelo de OSs. Nele, teoricamente, as ativida-des de prevenção e acompanhamento são feitas pelo programa Saúde da Fa-mília, nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Assistência Médica Ambulato-rial (AMAs) e Centros de Atenção Psi-cossocial (CAPs). Mas há problemas: os casos que deveriam ir para as AMAs e UBS para receber atenção e acompa-nhamento preventivo são atendidos em prontos-socorros e hospitais. Com isso, além de as pessoas não participa-rem tanto dos programas de preven-ção quanto deveriam, ocasionam falta de leitos para as pessoas que precisam fazer cirurgias eletivas.

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360: Os hospitais particulares estão mais avançados nessa questão? JM: Os hospitais privados avançaram, mas ainda têm uma barreira: o modelo de pagamento. Enquanto no sistema público existem amarras e problemas de governança e financiamento, o setor privado tem excelência de funciona-mento e de gestão, mas um modelo de saúde ainda em evolução do ponto de

vista da sustentabilidade financeira. O hospital só é remunerado quando o pa-ciente demanda um serviço de saúde.

360: Qual modelo de pagamento seria o ideal? JM: O grande desafio hoje é encontrar outras fórmulas de remunerar o prove-dor de serviços de saúde. Para a cons-trução de um sistema, é preciso que a forma de remuneração seja a mais adequada para cada caso. O de perfor-mance, por exemplo, depende de um banco de dados e uma capacidade de BI (business intelligence) para definir os indicadores e metas nos quais ele é baseado, e essa estrutura não existe no Brasil todo. O de contra-to fechado é outra opção, quando as partes reúnem-se para chegar a um acordo. É preciso, portanto, regionalizar e esse papel de discu-tir e trazer recursos técnicos para defini-los é da agência reguladora.

360: A Agência Nacional de Saúde Su-plementar (ANS), ao longo de seu his-tórico, transformou-se. Como o senhor avalia o papel do órgão regulador hoje? JM: O primeiro papel da ANS foi o de definidora das leis. Hoje, ela tem a fun-ção de regulação do mercado, embo-ra exista a tendência de ela se tornar também um Procon. A agência definiu várias regras para o setor, como regu-lamentação de contratos, mas poderia estar se debruçando sobre questões muito mais amplas, como regulação de todo o mercado, inclusive dos pres-tadores, que não querem ser regula-

dos, mas deveriam. A ANS só não está atuando nesse tema porque os gover-nos mais recentes não acreditam no modelo de agências reguladoras, pois não creem na atuação do mercado, e sim na do Estado.

Outra barreira para atuação da ANS são as multas, que são comunicadas via Diário Oficial, quando esse pro-cesso poderia ser feito via um sistema integrado com as operadoras para agilizar o trabalho. Quando a agên-cia amplia a cobertura de doenças e também o rol de procedimentos, promove avanços, mas é preciso ter

Os hospitais

particulares

avançaram muito

na prevenção, mas

ainda têm a

barreira do modelo

de pagamento"

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cuidado com situações externas que podem atrapalhar. A judicialização, por exemplo, afeta o setor privado e o público. Ela deriva da visão do Esta-do provedor, que tudo provem, inde-pendentemente de qualquer coisa. O

papel de regular as relações de saúde é do Estado, por meio de seus órgãos reguladores: o SUS e a ANS, que regula o sistema privado. Só que a regulação pública no Brasil sofre um descrédito e um intervencionismo que começa no Congresso Nacional e vai para a Justiça. Com isso, passa-se a exigir até o que a lei proíbe.

360: Um estudo elaborado pelo Institu-to Brasileiro de Planejamento e Tribu-tação (IBPT), sob encomenda da FEHO-ESP, mostrou que nos últimos cinco anos a arrecadação de impostos fede-rais cresceu. Como o senhor vê esse ce-nário de arrecadação e quais medidas poderiam ser pensadas para o setor?JM: Exceto para os setores que o go-verno elegeu para fazer benesses fis-cais e tributárias, todos os demais so-freram ao longo desses anos. Houve uma política deliberada de incentivo ao consumo pela carga tributária e os setores mais organizados foram os mais atingidos. Fizeram desoneração para a linha branca para incentivar o consumo desses produtos. Então po-

deriam fazer uma desoneração para a área da saúde.

Outra coisa que deve ser discutida é a renúncia fiscal da União na área da saúde. Em 2015, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Apli-

cada (Ipea), esse total foi de R$ 25 bilhões, com filantropia, imposto de renda pessoa física e jurídica, algumas linhas de medicamento subsidiadas e farmácia popular. Esse valor corresponde a cerca de 30% do que o governo federal in-veste em saúde. Para discutir esse assunto, seria preciso pensar em uma maneira de dividir melhor o bolo. Não sou a favor de acabar com a renúncia fiscal, mas ela tem que ficar visível. (Acesse o estudo completo FEHOESP-IBPT no site: www.fehoesp.com.br)

360: Estamos preparados para lidar com o envelhecimento em nossa socie-dade? Qual o cenário que se desenha? JM: Hoje temos um cenário de caos, começando pela Previdência Social. Corremos o risco de não pagar as aposentadorias nos próximos anos. Mas a questão é bem maior. Há uma bomba-relógio prestes a explodir, já que a pirâmide etária está se invertendo, com cada vez mais idosos. Com essa transfor-mação e com cada vez mais mu-danças nas relações de trabalho pelo avanço da tecnologia, haverá uma alteração drástica na forma como as pessoas vão ganhar a vida. Todo esse panorama está longe das nossas discussões atu-ais, mas esse caos também pode ser uma janela de oportunidades. Por exemplo: pensar na prevenção, em serviços e negócios para atender me-lhor essa população.

360: Como o senhor vê os avanços para a saúde no Brasil nos próximos anos?

O governo fez

desoneração da linha

branca, então por que

não fazer para a área

da saúde também?"

JM: Quando surge um avanço tecno-lógico, não há como lutar contra. Eles vêm para melhorar a qualidade de vida e reduzir custos. Os aplicativos, por exemplo, podem ser usados para monitoramento da saúde e ajudar no bem-estar. A telemedicina pode aju-dar a resolver um problema do cres-cimento das especialidades em de-trimento das generalidades médicas. Ainda mais num país de dimensões continentais como o nosso, em que é muito difícil que todos os especialistas cheguem a locais remotos. Os prove-dores de serviços de baixo custo são uma outra tendência importante que, inclusive, deveria ser usada para ba-ratear os sistemas de saúde, pois eles estão fazendo basicamente consultas e exames. Não estão avançando além disso, mas logo outras áreas devem aderir, com pequenas cirurgias eletivas e de baixo risco, principalmente em grandes cidades. Vão competir com os grandes hospitais nesse segmento e o mercado vai ter que se readaptar ou se associar a eles. O que não pode

é eles serem vendidos como planos de saúde. Pois eles não são. É preciso ter muito clara essa diferenciação para não criar um problema maior. Mas é avançando e regulando essas novas tecnologias que poderemos contribuir para melhoras na saúde.

O envelhecimento

da população

precisa ser discutido

agora, pois o

cenário é de caos"

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Por FabiaNE dE Sá e RiCaRdO baLEGO

P

Saúde em São Paulo:

o que nos aflige?

esquisas de opinião pública revelam que a saúde é o principal desafio social do país. Em um ano eleitoral, o momento pelo qual passa o Brasil, com crises política e econômica, aumento da inflação e do desemprego e aperto no cinto das contas públicas, mostra o quanto desafiador será para os candidatos às prefeituras municipais dar prioridade à saúde em suas pautas nas eleições de outubro.

E a população quer mesmo saber quais são essas propostas. Fato comprovado pela pesqui-sa realizada no primeiro semestre deste ano pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que mostrou que embora o principal problema para os brasileiros, em 2016, seja a corrupção, as me-lhorias na área da saúde são a prioridade para

o ano. O setor ocupa a liderança nesse ranking com 36%, seguido pela inflação (31%), corrupção (26%), emprego (26%) e educação (23%).

Para os especialistas, a saúde brasileira chegou ao limite de sua ineficiência, causada pela desar-ticulação entre os sistemas público e privado de atendimento. A Constituição de 1988 dotou o país de um serviço “único” e gratuito, o SUS, que per-manece cronicamente subfinanciado. Dos gastos totais com a saúde, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a maior parte (55%) cabe ao sistema privado, pago por famílias e em-presas, e não pelo Estado. Mais de 48 milhões de pessoas escapam das filas do Sistema Único de Saúde (SUS) por meio dos planos privados, que consumiram R$ 143,9 bilhões em pagamentos

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de mensalidades e receitas próprias. É mais do que os R$ 92,6 bilhões destinados pelo governo federal ao atendimento de mais de 155 milhões de brasileiros. Em 2014, a despesa total do SUS, incluindo gastos dos Estados e municípios, foi R$ 359 bilhões. Na média mundial, a proporção é exatamente a oposta: 57,6% dos gastos com saú-de são arcados por governos, contra 42,3% pagos pelos cidadãos.

E quando o assunto é o investimento por pes-soa os valores também são díspares. O SUS gas-tou R$ 1.098,75 per capita, em 2014. No mesmo ano, a saúde suplementar gastou R$ 2.150 por beneficiário.

A atuação do Brasil, segundo os dados mais re-centes da Organização Mundial da Saúde (OMS), está abaixo da média das Américas, cujo investi-mento per capita do setor público em saúde, em 2013, foi de US$ 1.816 – enquanto no Brasil, na-quele ano, foi de US$ 523 (cerca de 70% menor).

A saúde é uma das atividades econômicas mais importantes no mundo, representando no Brasil mais de 9% do produto interno bruto (PIB), segundo estatísticas da OMS. O setor também é responsável por gerar um grande volume de em-pregos diretos. Em 2015, segundo pesquisa en-comendada pela FEHOESP ao Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), o setor em-pregava 2.035.880 funcionários. Desses, 33,73% (686.764) estavam no Estado de São Paulo.

Mas, apesar de sua representatividade eco-nômica, o modelo de financiamento do setor não atende às necessidades do país em vários aspectos. A realidade demonstra que a iniciativa privada, sustentada por investimentos de em-presários, que pagam planos de saúde para seus empregados, e pelas pessoas, que bancam seus planos individuais ou familiares, representa o sustentáculo da prática médica de qualidade no Brasil. “Os planos e seguros privados de assistên-cia à saúde são parte da solução, não do proble-ma. Eles pretendem ser parceiros do Estado, em uma parceria na qual haja respeito mútuo, para que se complementem; parceiros cientes de que os negócios têm de ser justos, não podendo re-sultar em vantagens ou desvantagens para uma só parte”, afirma o presidente da FEHOESP, Yussif Ali Mere Jr.

A realidade nacional também é sentida em São Paulo, apesar de o cenário para o Estado ter um panorama melhor e em níveis mais elevados. O orçamento para a saúde aumentou 22,1%, sal-tando de R$ 18,5 bilhões em 2014, para R$ 22,6 bilhões em 2016.

A estrutura da saúde paulista é referência para os demais Estados brasileiros. No entanto, há muito por fazer. Será que os candidatos possuem projetos efetivos que tragam soluções para os problemas que afligem a população? Quais ini-ciativas preparam para controlar melhor a gestão de um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde do mundo?

Para conhecer um pouco mais como anda a área da saúde no Estado de São Paulo, a repor-tagem da FEHOESP 360 ouviu os representan-tes do sistema público e privado de algumas das principais cidades de SP, onde há representativi-dade dos sindicatos filiados à Federação: Bauru, Campinas, Jundiaí, Mogi das Cruzes, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, Santo André, Santos, São José do Rio Preto, São José dos Campos, São Paulo, Sorocaba e Suzano.

A contínua expansão dos custos na saúde e a di-ficuldade de os agentes contratantes manterem o benefício exigem criatividade do mercado de saúde suplementar. Em Santo André, a gerente administrativa do Centro de Oncologia do ABC, Dayane Rabello, diz que a redução no número de atendimentos provocada pelo desemprego que afeta a região do ABC paulista trouxe preocupa-ção. “Estamos nos preocupando com a compe-tividade e atentos com a qualidade do atendi-mento, por isso participamos do Projeto Bússola - uma parceria da FEHOESP com a Organização Nacional de Acreditação (ONA) -, e somos acredi-tados. O paciente é o que nos garante e nos man-tém no mercado.”

Gestão em tempos de crise

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A gestora do Instituto de Olhos e Otorrino de Bauru (IOB), Martha Godoy, diz que está sentindo a crise apertar mais em 2016. “Já tivemos queda de 15% no atendimento nos últimos meses. Damos descontos maiores para quem já é nosso paciente e perdeu o plano por ter ficado desempregado. Nós ajudamos essas pessoas e elas nos auxiliam a manter o quadro de funcionários, sem demissões. Mas não sei se até o fim do ano conseguiremos evitar o fechamento de postos de serviços.”

Em Campinas, o coordenador de Regras de Negócios do Hospital Vera Cruz, Flávio Martins, relata dificuldade em receber dos planos. “A sa-ída tem sido levar essas despesas, quando há negativa de pagamento por parte do convênio

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(glosa), para o usuário para que ele nos ajude a pressionar o plano a pagar. Nem sempre é certo que vamos receber, mas é uma tentativa já que as operadoras estão jogando para o prestador resol-ver o problema. Isso tem trazido resultados.”

Esta também é a realidade vivida em Santos. De acordo com Sergio Paes de Melo, diretor ad-ministrativo-financeiro do Hospital São Lucas, al-guns planos de saúde estão com dificuldade para cumprir seus compromissos financeiros, atrasam seus pagamentos e deixam o prestador em situ-ação de risco. “A saúde privada precisa melhor remunerar os hospitais por serviços prestados. O investimento em equipamentos modernos re-quer, necessariamente, recursos financeiros.” Ele ainda lembra outro fator que afeta a saúde suple-mentar: os impostos. “Tributos oneram os hos-pitais que têm uma margem de lucro pequena e que deve ser reinvestida, quando é possível, no próprio estabelecimento.”

O prefeito de Mogi das Cruzes, Marco Bertaiolli (PSD), atesta a mesma realidade. “O sistema

cada vez mais absorve a demanda que vem de planos de saúde em razão da crise econômica, que está fazendo com que as pessoas não abram mão deste benefício.”

De acordo com Cyro Alves de Britto Filho, dire-tor do Grupo Policlin, que atua em São José dos Campos (SJC) e região, a demanda por serviços de saúde em tempos de crise vem sofrendo uma retração, mesmo se tratando de algo essencial. “Acredito que o prestador de saúde deve aumen-tar o foco em sua atividade principal, postergar os investimentos não urgentes e melhorar seu pla-nejamento de curto prazo”, sugere.

Com isso, a forma como os gestores conduzem seus negócios determina a sobrevivência dos ser-viços. “Se alguma empresa ainda ‘não se conhece’, em um momento de crise não há como escapar disso. É necessária uma análise profunda da es-trutura”, afirma Valéria Pelozo, administradora da clínica Mama Imagem, de São José do Rio Preto.

Em meio ao cenário de dificuldades, há quem tenha encontrado novas oportunidades. O Gru-po Policlin vem conseguindo melhorias, como a ampliação de suas unidades em SJC, Caçapava e Taubaté. “Sobreviver neste mercado é ter o per-manente planejamento, em busca da excelência no atendimento”, ressalta Britto.

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Com a perda de planos de saúde e a migração para convênios mais básicos devido à necessida-de redução de custos por parte das empresas, a Clínica Equilibryum, na capital, segundo a direto-ra Eliane Cukierman, tem recebido os clientes dos prestadores menores que fecharam. “Recebemos mais pessoas e estamos em processo de acredi-tação. Somos referência. Participamos do Projeto Bússola, no ano passado, e mostramos a nossa qualidade no atendimento aos pacientes. E va-mos expandir as unidades”, comenta satisfeita com os rumos do negócio.

A crise econômica colocou em xeque problemas estruturais do setor, tornando mais evidente a ne-cessidade de uma gestão mais eficiente de toda a cadeia de atendimento, serviços e produtos mé-dico-hospitalares. Ineficiências antes encobertas pelo crescimento de emprego e renda da popu-lação hoje se mostram insustentáveis ante a alta taxa de desemprego.

Em junho, o número de beneficiários em pla-nos de assistência médica registrou uma leve queda na comparação com março deste ano: passou de 48,8 milhões para 48,48 milhões. Desse total, 66,18% (32,1 milhões) têm contratos com planos de saúde coletivos empresariais. A queda foi verificada apenas nesse setor, que registrou 32,3 milhões em março. Nas outras modalidades,

Migração dos planos de saúde

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o número se manteve: 9,5 milhões em planos in-dividual ou familiar e 6,5 milhões em planos cole-tivos por adesão.

Este cenário pode ficar pior. De acordo com o gerente de Operações Regionais da FEHOESP, Erik von Eye, há um grande nó no sistema de saúde que está se desenhando para os próximos me-ses. “Muitas empresas que demitiram ofertavam plano coletivo empresarial para os funcionários e seus dependentes. E alguns, por força de acordos ou dissídio coletivo, ainda estão mantendo esses planos aos ex-empregados. Hoje, temos cerca de 11,5 milhões de desempregados, que se não re-tornarem ao mercado de trabalho nos próximos meses, levando em conta a média da família bra-sileira de quatro pessoas por família e que 40% dos desempregados possuíam plano de saúde empresarial, isso significa que teremos 16 milhões de vida a mais no SUS. O setor terá capacidade para atender? Hoje já não tem. Isso pode causar uma explosão no sistema público de saúde.”

As soluções talvez não sejam tão animado-ras, assim. Para o gerente da FEHOESP, passar a atender ao SUS ou ofertar atendimento particu-lar popular são algumas alternativas. “Há uma tendência de crescimento para a modalidade de clínicas e laboratórios com atendimento popular, a preços mais baixos. Os prestadores terão que se adaptar. Terão que buscar um novo modelo de atendimento. Há alguns anos, tivemos um enxu-gamento no número de operadoras de planos de saúde. Agora, teremos a retração no número de

usuários, e, por consequência, da rede credencia-da. O prestador de serviços de saúde terá de re-pensar a forma de ofertar seus serviços, com mais atrativos, com melhoria inclusive da qualidade.” Não há quem discorde que o momento é de repen-sar o sistema. No entanto, os debates não podem girar somente em torno do problema conjuntural, na opinião do presidente da Federação. Para Yus-sif, tem que se pensar sob o ponto de vista estru-tural. “Os planos populares são mais do que bem-vindos. Mas não porque irão desafogar o SUS num momento específico de crise, e nem porque diver-sificarão as carteiras dos planos de saúde, levando mais possibilidade de lucros ao segmento. Os pla-nos populares são bem-vindos porque represen-tam uma alternativa de acesso à população, espe-cialmente para aquela que não tem condições de pagar por um plano que ofereça cobertura integral. O SUS precisa sim se fortalecer e crescer.”

Outro problema enfrentado pelos prestadores na saúde suplementar tem sido a dificuldade de ne-gociação com as operadoras de planos de saúde. Segundo Dayane Rabello, do Centro de Oncolo-gia do ABC, o momento tem sido de atenção e cuidado. “Está todo mundo buscando não fechar no vermelho. Apesar das tentativas da ANS, ainda é muito difícil negociar com os planos de saúde.

Relação com as operadoras

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Acabamos tendo que nos adequar à tabela que eles nos ofertam.”

Em Bauru, a situação é a mesma. A solução en-contrada pela gestora do IOB foi negociar direto com o usuário. “Estamos em um momento muito difícil, e ir direto ao usuário dos nossos serviços, ofertando descontos, tem sido um bom caminho. Desconto e qualidade nos serviços têm nos ajuda-do nesse cenário delicado”, afirma Martha Godoy.

A atividade prestadora de serviços também encontra dificuldades em Ribeirão Preto. A cate-goria se queixa, por exemplo, que a Unimed local congelou os honorários pagos, sem respeitar as determinações da ANS sobre contratos e remune-ração. A cooperativa detém hoje a maior fatia do mercado de saúde suplementar na região, o que dificulta ainda mais qualquer tipo de negociação com os prestadores. Isso vem inviabilizando, in-clusive, o funcionamento de muitas empresas.

Em Presidente Prudente, as dificuldades são

as mesmas. E isso já acontece há muito tempo, in-dependentemente de crise econômica, como res-salta o diretor do Laboratório Exame, Luiz Ernesto Paschoalin. “Nós vivemos uma crise no setor la-boratorial há muito tempo. Nossas fontes paga-doras utilizam tabelas com valores aviltantes. In-felizmente, este problema é nacional e sistêmico.”

O empresário também lembra que, mesmo com as ações da ANS, especialmente com a lei 13.003 – que trata da contratualização entre as partes –, as operadoras de planos de saúde per-sistem em criar obstáculos.

Exemplo disso é o médico Carlos Watanabe, que já foi dono de um hospital em Suzano e aca-bou vendendo-o há nove anos, muito por conta das dificuldades enfrentadas com os baixos valo-res de remuneração pelos planos de saúde. “Os hospitais pequenos têm, por exemplo, as mes-mas obrigações, mas os honorários pagos pelos convênios são muito baixos”, compara.

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indicadores do setor. O desafio é como vai caber tudo isso dentro da administração pública.”

Em Ribeirão Preto, a falta de financiamento virou questão de Justiça. É o caso dos hospi-tais Santa Casa e Beneficência Portuguesa, que aguardam repasses da prefeitura no valor de R$ 4,6 milhões. A dívida com a Santa Casa é de R$ 2,1 milhões, enquanto a Beneficência aguarda para receber R$ 2,5 milhões. Este último, por exemplo, dedica 60% de suas internações ao SUS.

Os problemas vão além em Presidente Pru-dente. As dificuldades são conhecidas, e a pró-pria administração vem sendo contestada. O se-cretário de Saúde da cidade, Sérgio Cordeiro, foi condenado recentemente pela Justiça à perda da função por improbidade administrativa.

Já em Jundiaí, o Ministério Público Estadual determinou que o Hospital São Vicente (HSVP), referência para toda a região, passe a atender so-mente casos graves.

A decisão, que vale desde o dia 1º de julho, tem como justificativa um relatório apresentado pelo MP há um ano, concluindo que as cidades da região não estavam se empenhando para im-plantar serviços de urgência e emergência, sobre-carregando o hospital. Hoje, cerca de 70% dos atendimentos no HSVP são de casos com média e baixa complexidades. Com a decisão, serão aten-didos apenas casos mais urgentes, ainda assim, somente após encaminhamento – mesmo para os próprios moradores da cidade.

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Como na maioria dos municípios brasileiros, este é o principal problema enfrentado em Suzano, na Grande São Paulo. Existem queixas tanto a respeito da falta de médicos e especialistas nas unidades como o acesso aos mesmos. Atualmen-te, a população possui apenas a Santa Casa local como opção de hospital, por exemplo.

O secretário de Saúde, Eduardo Sélio Mendes Jr., reconhece as dificuldades. “Os recursos são insuficientes para resolver todas as demandas. Isso, somado ao grande índice de desemprego, fez aumentar ainda mais o número de 'susdepen-dentes'. Hoje o que aplicamos em saúde ainda não é suficiente."

Na cidade vizinha de Mogi das Cruzes, houve avanços, como a inauguração recente do Hos-pital Municipal de Mogi das Cruzes e o aumento dos serviços de 34 para 68 unidades. Por outro lado, persiste a questão do financiamento insu-ficiente. “Há um problema sério que é a diminui-ção de repasses por parte do governo federal e da própria arrecadação dos municípios, também em razão da crise econômica”, ressalta o prefeito Marco Bertaiolli.

Essa situação também é sentida em Campinas. Segundo o secretário de Saúde do município, Car-mino Antonio de Souza, o maior desafio é com-pactibilizar estrutura, ciência e recursos. “Todos os avanços na área da saúde fizeram melhorar os

Falta de financiamento

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Quando o assunto é saúde mental o cenário é alarmante. Os problemas juntam a precarização do SUS como um todo, na opinião do diretor da FEHOESP e coordenador do Comitê de Saúde Mental da Federação, Ricardo Mendes, com as questões inerentes à saúde mental: a não imple-mentação correta da rede de Centros de Atenção Psicossocial (Caps); a deshospitalização sem cri-térios do paciente acamado; a resistência da ofer-ta de hospitais especializados para os pacientes agudos. O contraponto positivo está na mudança do caráter das residências. “O único sopro de ar fresco parecem ser as residências multiprofissio-nais e o abandono do modelo dos manicômios, com a oferta real de opções de atenção, em des-taque para o tratamento comunitário, que po-dem oferecer o alento tão desejado e necessário aos portadores de transtornos mentais.”

Sorocaba tinha até poucos anos quatro mani-cômios e o maior número de leitos psiquiátricos por habitante do país. Hoje, é considerada um dos maiores símbolos da reforma psiquiátrica brasileira. A adaptação às novas formas de trata-mento ainda é muito lenta e esbarra em proble-mas políticos e estruturais.

A cidade possuiu em atividade o Hospital Psi-quiátrico Vera Cruz, com pavilhões que lembram penitenciárias. A unidade tem que fechar até o fim deste ano, prazo para a interdição de todos os manicômios da região, após ter sido firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), pelo Mi-nistério da Saúde, Vigilância Sanitária, Ministério Público Federal e Estadual.

Aos poucos, os pacientes estão recebendo alta e sendo encaminhados para as famílias ou para as residências terapêuticas (RTs). Entre 2006 e 2007, o Vera Cruz chegou a registrar 46 mortes - uma a cada 15 dias.

O hospital ainda possui mais de 450 pacientes internados. Em média, a despesa com manuten-ção de um paciente no Vera Cruz é de R$ 100 por dia, dos quais R$ 64,42 (64,42%) são custeados pela Prefeitura de Sorocaba – independente-mente da procedência do paciente – e a outra

parte, R$ 35,58, cabe ao SUS. Segundo Mendes, o processo de deshospitalização dos internados na instituição já custou R$ 36 milhões para a pre-feitura, em três anos e meio, e o Estado investiu somente R$ 3,7milhões.

O coordenador do Comitê da FEHOESP não concorda com a maneira como está sendo feita a desinstitucionalização dos pacientes. “Há proble-mas com os pacientes agudos. Muitos pacientes vão para casa, para a rua, ou para residências tera-pêuticas, mas com esses não pode ser assim. Eles deveriam estar em um hospital especializado, por um período determinado, com a perspectiva da reinserção social. Não consigo entender como o portador de doença mental grave pode se internar em hospital geral, pois ele precisa de cuidados tera-pêuticos específicos que não têm nesses estabele-cimentos”, explica.

A solução para o problema de Sorocaba, na opinião do diretor da FEHOESP, seria adiar o TAC, dar tempo para a rede psicossocial ser reestrutu-rada para atender esses pacientes e habilitar as famílias para receber os parentes doentes. “Não deveriam fechar todos os hospitais com pacien-tes com transtornos mentais. Uma instituição especializada deveria continuar atendendo os que necessitam de internação. Os Caps também precisam de mais investimentos para ter equipes multidisciplinares que atendam satisfatoriamen-te essa população.”

Confira na edição digital o conteúdo extra com mais informações sobre o cenário da saúde no Estado.

Ricardo Mendes, coordenador do Comitê de Saúde Mental da FEHOESP

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Saúde mental

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Precisamos falar

sobre inclusão

social

squizofrenia, transtorno bipolar, depressão e ansiedade. Doenças que muitas vezes incapa-citam um indivíduo de realizar tarefas simples do dia a dia.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), até 2020 a depressão será a maior causa de afastamento do trabalho no mundo. No Bra-sil, a situação necessita de atenção. Pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB), em parceria com o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), revela que 48,8% dos trabalhadores que se afastam por mais de 15 dias do trabalho sofrem com algum transtorno mental, sendo a depressão o principal deles. Desde 1997, o Hos-pital Psiquiátrico Cairbar Schutel, em Araraquara, promove a inclusão social e reinserção de seus pacientes que sofrem de algum transtorno men-tal (em sua maioria esquizofrenia, transtornos de personalidade, ansiedade e depressão grave) no mercado de trabalho.

A iniciativa começou por uma demanda por terapias ocupacionais, que ensinavam atividades práticas, como artesanato e pintura, até monta-gem e embalagem de peças. Atualmente, circu-lam pelo hospital psiquiátrico diariamente cerca de 300 pessoas, entre frequentadores de oficinas terapêuticas e internos provisórios.

A Casa Cairbar mantém parcerias com em-presas da cidade para garantir trabalho, renda e, em algumas situações, recolocação profissio-nal. “Percebemos que o tratamento está aí, no trabalho. A pessoa se vê como produtiva. É uma inclusão social”, conta Nelson Fernandes Jr, dire-tor-presidente do hospital psiquiátrico.

Foi assim que surgiu a parceria com a Lupo, in-dústria de vestuário, que abriu as portas e apos-tou nesta ideia. A empresa montou uma unidade fabril dentro do hospital e adequa o trabalho à ca-pacidade laboral do paciente. Atualmente, mais quatro empresas da região aderiram ao projeto chamado Laboterapia. “Os pacientes trocaram suas rotinas tristes de crises e surtos por uma vida com mais felicidade e alegria”, explica Fernandes Jr. “Dentre as alternativas de tratamento, essa foi a que melhor deu resultado. A maior parte dos nossos pacientes passa o dia todo aqui, toma os medicamentos, alimenta-se, ocupa-se com as oficinas e volta para casa à noite.”

Para Liliana Aufiero, diretora-presidente da Lupo, a empresa deve zelar pelo bem-estar de seus funcionários e da comunidade. “Temos plena consciência de que pessoas satisfeitas geram re-sultados positivos. Durante o processo de contra-tação de trabalhadores diagnosticados com defici-

SAÚde MeNTAL

Reinserção no mercado de trabalho auxilia portadores de transtornos mentais

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Falta de investimento

Apesar de seu projeto de inclusão, a Casa Cairbar ainda enfrenta dificuldades. Há anos a instituição fecha o mês no vermelho. A unidade hospitalar é referência regional em assistência a pacientes portadores de transtornos mentais. Mas, atual-mente, há uma sobrecarga de internação por problemas relacionados à dependência química, depressão e até moradores de rua.

Com dificuldades financeiras, o Cairbar Schu-tel quase fechou as portas em 2012. Em setembro daquele ano, conseguiu um incremento na sua renda mensal por meio de intervenção do Minis-tério Público Estadual e com a promessa de ajuda ao hospital de municípios da região.

“O governo estadual precisa avançar no mo-delo de saúde permanente, pois os hospitais psiquiátricos não têm condições de promover atividades de atenção integral aos pacientes sem o reconhecimento do serviço e repasses de ver-ba”, analisa Fernandes Jr. “Dizem que não podem atender a demanda de pacientes, e também não autorizam os hospitais psiquiátricos a oferecerem terapia ocupacional.” (Por Rebeca Salgado)

ência mental grave e severa, fizemos reuniões com os familiares esclarecendo os critérios de contrata-ção, disciplina, benefícios e tudo que é necessário para proporcionar um bom ambiente de trabalho.”

A proposta de trabalho é de quatro horas di-árias, em duas equipes. Para tal, o paciente deve cumprir com as exigências de seu tratamento, como medicação e terapia. A estabilidade emo-cional e tratamento contínuo por um ano ininter-ruptos garantem vaga na fábrica geral da Lupo. “Na reunião com as famílias, houve muita emoção. Eles nunca imaginavam que seus filhos poderiam ser contratados por uma empresa”, conta Liliana.

A implantação do projeto Laboterapia é mo-tivo de orgulho para a empresa, por ter sido a pioneira na região. “Cem por cento dos pacientes que hoje trabalham eram reinternos. Ao longo do tempo, com o suporte das oficinas terapêuticas, com o foco no trabalho, deixaram de ser inter-nados”, completa Fernandes Jr. Segundo ele, é fundamental a reinserção social promovida pelo trabalho formal, com carteira assinada, salário e direitos garantidos.

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LegISLAçÃO

dentificar-se quando alguém chama seu nome em pú-blico é uma situação banal para a maioria das pessoas. Para transexuais e travestis, no entanto, o fato de serem chama-dos pelo nome que consta no RG pode deixá-los em uma situação difícil, tornando-os alvo de ofensas ou até agres-sões físicas.

Para atender às necessidades dessa população, já exis-tem regras que reconhecem o direito ao uso do nome so-cial – aquele que a pessoa escolhe para usar socialmente, tendo ou não feito cirurgia de mudança de sexo. Uma delas é o decreto federal nº 8.727/2016, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administra-ção pública federal, que entrará em vigor em abril de 2017.

No âmbito estadual, existe o decreto nº 55.588/2010, que dispõe sobre o tratamento nominal das pessoas tran-sexuais e travestis nos órgãos públicos do Estado de São Paulo.

De acordo com a promotora de Justiça, Sandra Maria Silva Rassi, essas regras têm impacto na área de saúde. “Embora sejam louváveis atos com o intuito de minimizar preconceitos, essa le-gislação pode trazer implicações importantes na área da saúde, pois esse decreto disciplina o uso do nome social não apenas no âmbito interno dos órgãos federais, mas, também, para os usuários dos sistemas públi-cos e, inclusive, em documentos oficiais”, explica.

Os hospitais e laboratórios particulares também preci-sam ficar alinhados a esse tipo de demanda social, segundo

Sandra. “O decreto estipulou prazo de um ano para os órgãos públi-cos adaptarem os registros de seus sistemas de informação. Uma vez implantado no pú-blico, até por uma questão de paridade e isonomia de trata-

mento, a norma será estendida ao setor privado”, esclarece a promo-tora. “Será necessário que os esta-belecimentos adotem cadastros com a inclusão dos documentos de identidade, assinatura e fotos dos pacientes para evitar erros ou simulação de identidade, princi-palmente nas hipóteses de exames ou procedimentos sujeitos a sigi-lo, quando a instituição de saúde

pode responder, civil e criminalmente, por eventual quebra de segredo sobre as informações.”

Eriete Teixeira, superintendente jurídica da FEHOESP, explica que os hospitais estão atentos a essa questão. “Já recebemos consultas pontuais sobre o assunto e a orien-

Nome social

ajuda a construir identidade

Hospitais e laboratórios

particulares estão atentos

e têm feito adaptações no

cadastro e no atendimento"

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tação para nossos representados é que registrem o nome social, acompanhado do nome civil, apenas para controle interno, como observação em fichas, prontuários e demais documentos. Mas, em caso de questionamento, esclareçam que para fins terapêuticos é relevante conhecer a fisiologia do paciente”, afirma. Ela ressalta ainda que “os estabeleci-mentos devem treinar seus colaboradores para que deem uniformidade ao atendimento das pessoas, independente-mente de seu sexo, raça, origem e condição”.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Patologia Clí-nica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), os laboratórios também estão adotando medidas de identificação que incluem o nome social. Em nota, a entidade explica que os laboratórios devem atender requisitos de segurança do paciente e eles são definidos na RDC 302 e nas normas de acreditação que consiste na dupla identificação da pessoa. “Essa identificação tem como base os dados de registro ofi-cial do paciente, incluindo o nome completo. No entanto, as normas de qualidade têm procurado incluir requisitos que respeitem a expectativa do paciente. Quando ele explicita durante o atendimento ser chamado por nome pelo qual é socialmente conhecido, os laboratórios têm sinalizado na observação do cadastro e/ou na ficha de atendimento. Mas no cadastro, na identificação da amostra e no laudo consta-rão o nome oficial do paciente.”

Identidade

Na opinião de ativistas, as regras sobre o nome social representam um avan-ço significativo. “Uma lei como essa é importante para o reconhecimento de uma luta antiga do movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgê-neros). É uma mudança positiva para essa comunidade, que deseja ser um pouco mais respeitada”, afirma Fer-nando Quaresma, presidente da Asso-ciação da Parada do Orgulho LGBT, que promove eventos e debates.

O nome social é obtido com uma ação na Justiça e passa a constar no RG. “Para a travesti e para a pessoa tran-sexual ele existe para conferir um trata-mento mais humano”, ressalta Adriana Galvão de Moura Abílio, presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil, Se-ção São Paulo (OAB-SP). “Eles já sofrem por não conseguirem, em sua maioria, acesso ao mercado de trabalho formal. Se não tiverem um acolhimento na área de saúde, fica ainda mais difícil viver”, destaca. (Por Eleni Trindade)

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adversos eram a sexta causa de morte naquele país. Reconhecendo a magnitude do problema, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estabele-ceu, em 2004, a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, com o propósito de definir e identifi-car prioridades na área da segurança do pacien-te e contribuir para uma agenda mundial para a pesquisa no campo.

Todos os anos, 200 mil pessoas morrem por causas evitáveis nos hospitais norte-americanos. No Brasil, este número chega a meio milhão de pessoas. A chave para a questão é combater os eventos adversos, ou seja, os erros que podem ser evitados no processo do cuidado. Dados da literatura estimam que 10% dos pacientes inter-nados em hospitais sofram eventos adversos.

Em 2013, o empresário norte-americano Joe Kiani fundou o Patient Safety Movement, com o ou-sado objetivo de zerar as mortes por erros evitáveis nos hospitais dos Estados Unidos até 2020, além de trabalhar por ações em prol de mitigar esses erros ao redor do mundo. Em 2014, o movimento salvou 602 vidas; em 2015, foram salvas 6 mil. En-tre as missões, estão unificar os ecossistemas de saúde, identificar os erros e criar ações para en-frentar esses desafios e fazer com que os hospitais façam a adesão do Actionable Patient Safety Solu-tions (Soluções de Recursos para a Segurança do Paciente). Essas soluções, sob a sigla APSS, estão disponíveis para download no site www.patientsa-fetymovement.org, e são atualizadas anualmente,

Segurança do paciente deve ser

prioridadePor LUiz FERNaNdO FERRaRi NEtO

ARTIgO

inda em 2000, a segurança do paciente entrou para a agenda de pesquisadores do mundo todo, e passou a ser internacionalmente reconhecida como uma dimensão da qualidade em saúde. O protagonista neste cenário foi os Estados Unidos, seguido por Inglaterra, Irlanda, Austrália, Canadá, Espanha, França, Nova Zelândia e Suécia.

O que deflagrou este movimento foi o lança-mento de um estudo, no fim da década de 1990, chamado “Err is Human”, do Institute of Medicine (EUA). A publicação denunciou que os eventos

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acumulando novos desafios por meio do desen-volvimento de um planejamento anual.

O desafio número um, como não poderia dei-xar de ser, é criar uma cultura de segurança do pa-ciente nos ambientes hospitalares. Por meio de um extenso check-list, a instituição pode assegu-rar que medidas estão sendo implementadas. Na visão do movimento, os profissionais de saúde representam, em si, a mudança que precisamos para alcançar os objetivos. Daí a necessidade de se criar equipes internas que centralizem os me-canismos de controle e a aferição de resultados.

No Brasil, a Fundação Brasileira para a Segu-rança do Paciente segue a mesma linha de atu-ação, inspirada na iniciativa norte-americana e intimamente ligada a ela. As metas aqui são menos ousadas, mas bastante contundentes: im-plantar os Núcleos de Segurança do Paciente em 50% dos hospitais brasileiros em cinco anos, e em 100% em dez anos.

A fundação brasileira conta com uma rede for-mada por 90 hospitais, seguradoras de planos de saúde, membros da sociedade civil organizada e instituições acreditadoras. O órgão estima que 7% de nossos pacientes sofram eventos adversos durante internações, sendo 67% desses eventos evitáveis. E ainda alerta para o baixo índice de es-tabelecimentos com núcleos de segurança do pa-ciente constituídos: de 2013 para cá, ano em que nasceu a exigência da Agência Nacional de Vigi-lância Sanitária (Anvisa) para a formação dos nú-cleos, a aderência foi inferior a 20% dos hospitais.

No Sistema Único de Saúde (SUS), a taxa de mortalidade cirúrgica é de 3,7%, índice mais que três vezes maior do que é praticado nos Estados Unidos. Nossa rede particular apresenta taxa menor, de 0,9%. Essa discrepância nos números mostra o quão longo é o caminho a ser percorrido para o processo de unificação de nossos ecossis-temas de saúde.

Uma das grandes inspirações dos programas de segurança de paciente ao redor do mundo têm sido a experiência da indústria da aviação civil. As grandes catástrofes aéreas chamam a atenção

pelo número de vidas envolvidas, mas os índices comprovam que há apenas um óbito para cada oito milhões de decolagens. Acidentes por erro humano em hospitais, por outro lado, correspon-dem a um acidente com um jato do tipo jumbo por dia nos EUA. “A maneira quase silenciosa como este acidente aeronáutico ocorre a cada 24 horas faz com que o tema segurança do paciente em hospitais precise da atenção de todos imedia-tamente”. Esta frase foi retirada de um dos textos de alerta feitos pelo Patient Safety Movement. A mensagem é replicada pelo movimento brasilei-ro, e por outros.

Além das pessoas preparadas para modificar a cultura dentro dos hospitais, e das políticas pú-blicas que incentivem a mudança, precisamos de tecnologia para nos auxiliar com a enorme quan-tidade de dados que podemos coletar. Iniciativa da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (Saesp) dá mais um passo em direção a esta corrida: o lançamento de um aplicativo para celu-lar destinado ao registro de eventos adversos. O objetivo é incentivar os profissionais a relataram, sob sigilo, ocorrências relacionadas a anestesia antes, durante e após a cirurgias. O Sistema de Relato de Incidentes em Abestsia (SRIA) é resul-tado de uma parceria da Saesp com o Anesthesia Quality Institute. As informações submetidas ao SRIA são transmitidas para um servidor de forma segura, criptografadas e mantidas sob proteção. A ideia é que os dados permitam, ao longo do tem-po, a consolidação de um mapeamento real do cenário de eventos adversos no país, ainda carac-terizado pela subnotificação.

Promover a qualidade nos estabelecimentos de saúde não é mais optativo. Num cenário em que os altos custos pressionam a capacidade de finan-ciamento dos sistemas, errar torna-se muito caro, e oferecer tratamentos nada resolutivos, também.

* Luiz Fernando Ferrari Neto é médico patologis-ta clínico, diretor da FEHOESP, vice-presidente do SINDHOSP e coordenador do Comitê de Laborató-rios da Federação

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A Revista FeHOeSP 360 é uma publicação da FEHOESP, SINDHOSP,

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