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4.
O Pacto Global: dez anos de responsabilidade social
corporativa na Organização das Nações Unidas
Mais de dez anos já se passaram desde que a idéia de um Pacto Global foi
lançada por Kofi Annan, então Secretário-Geral das Nações Unidas, no Fórum
Econômico Mundial. Desde então, a estrutura do Pacto Global foi aperfeiçoada,
novos procedimentos foram criados, novas parcerias foram consolidadas. Mesmo
assim, o Pacto foi e segue sendo objeto de duras críticas por parte de ativistas e
acadêmicos, os quais objetam, sobretudo, a parceria da ONU com as corporações
transnacionais e as limitações que essa parceria, sob um prisma de
responsabilidade social, traz para a resistência dos movimentos sociais que
exigem um efetivo marco regulatório de conduta das corporações.
O Pacto Global é descrito pelos principais líderes que o apóiam como a
única verdadeira iniciativa global de cidadania corporativa, como um fórum
internacional de aprendizado e diálogo ou, ainda, como uma tentativa de
rearranjar o contrato moral entre empresas e sociedade (McIntosh, Waddock and
Kell, 2004, 13-26). Senão a única, o Pacto Global representa minimamente “a
mais ampla iniciativa de cidadania corporativa no mundo” (Gregoratti, 2007, 02),
além de ser “uma iniciativa sem precedentes na ONU” (Ruggie, 2003). Pelo
menos, o Pacto Global é percebido como o máximo acordo que foi possível até
então da ONU com as empresas, superando as críticas que a organização havia
recebido quando da tentativa de construção de Códigos de Conduta, os quais eram
percebidos como uma atuação da ONU contra as empresas (May, 2006, 273-279).
No presente capítulo, primeiramente tem-se a descrição do contexto de
surgimento do Pacto Global. Em seguida, observa-se a estrutura e a evolução do
Pacto Global, assim como as contradições, limitações e desafios verificados em
tal processo. Apresenta-se então a análise crítica, com base em artigos publicados
por acadêmicos e ativistas, juntamente ao debate gerado pelas respostas dos
líderes do Pacto Global às críticas. O capítulo é concluído com uma análise sobre
92
como o Pacto Global, sendo a principal instituição de responsabilidade social
empresarial, tem desempenhado um papel de legitimação do capital transnacional
ao mesmo tempo em que o próprio Pacto, passados dez anos de sua existência,
vive uma crise de legitimidade, seja por não preencher as demandas de
organizações sociais, seja por enfrentar a competição de outras iniciativas de
caráter semelhante.
4.1.
Sobre boas intenções: o contexto do surgimento do Pacto Global
Em janeiro de 1999, Kofi Annan, então Secretário-Geral das Nações
Unidas, defendeu no Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça, que a
globalização se encontrava seriamente ameaçada e que a resposta estaria na
promoção de valores sociais, discurso que refletiria os objetivos comuns de todos
os segmentos da população mundial. Com essa mensagem, propunha um Pacto
Global, o qual foi traduzido em princípios das Nações Unidas para a
responsabilidade social das empresas. Justificava, assim, a necessidade de um
novo pacto para lidar com os desafios da globalização e fazer a globalização
funcionar para todos (Annan, 1999).
Como observa o próprio diretor do Pacto Global, Georg Kell, o Pacto
surge diante de um contexto político marcado por sucessivas críticas à
globalização econômica, endereçadas sobretudo à Organização Mundial do
Comércio (OMC) e culminariam com os protestos em massa em Seattle durante a
Conferência Ministerial da OMC de 1999 (Kell, 2008, 182). Observe-se ainda
que, em 1998, apenas alguns meses antes de Annan propor o Pacto Global ao
FEM, um processo que representava outro enfoque começava a tomar corpo
dentro da própria ONU, ainda que em um nível periférico: a Sub-Comissão de
Direitos Humanos designava um Grupo de Trabalho para produzir normas de
responsabilidade em direitos humanos para as corporações transnacionais. Ou
seja, o Pacto e o processo de construção de Normas surgiram de forma paralela,
como diferentes respostas diante das diversas censuras à globalização do capital.
93
Mas porque o Pacto Global surge a partir de uma iniciativa da Organização
das Nações Unidas? Três fatores foram essenciais para desencadear o processo na
ONU. Primeiro, a experiência frustrada nas décadas de 1970 e 1980 da Comissão
de Corporações Transnacionais da ONU em propor Códigos de Conduta para as
empresas. Em segundo lugar e conectado com o primeiro fator, está a
preocupação crescente expressada por Estados e ONGs diante da ONU quanto à
grave situação de pobreza e violação de direitos humanos acelerada com a
transnacionalização do capital na década de 1990, na chamada globalização
neoliberal. Um último fator de destaque, mas que não deve ser menosprezado em
sua relevância, diz respeito à crise financeira enfrentada pela ONU, em grande
parte devido ao não pagamento dos Estados Unidos do montante significativo de
sua parcela de apoio e com impacto intenso no orçamento da organização. Em um
mundo em que os Estados pareciam perder poder diante das corporações e a
principal superpotência se opunha a pagar sua alta dívida com a ONU e a arcar
com outros custos desta cooperação multilateral (por exemplo, em ações de ajuda
humanitária da ONU), seria mais do que oportuno para a ONU investir em um
maior estreitamento com o mundo corporativo, o que não só geraria uma melhor
recepção junto aos setores isolacionistas dos Estados Unidos, como abriria portas
de financiamento privado para a ONU. Esta era uma oportunidade única de
conseguir o apoio político e financeiro de empresas norte-americanas (Martens,
2007, 15; Traub, 2006, 132). Some-se a esses fatores o próprio projeto político de
Kofi Annan como Secretário-Geral em sua busca pelo estreitamento de laços com
o setor privado1 e tem-se então as bases explicativas do surgimento do Pacto
Global por iniciativa da ONU. Como explica James Traub em sua biografia de
Kofi Annan:
Annan and his advisers believed that the United Nations, with
its history of establishing global norms on the treatment of
women and children, or on population or the environment, was
the one setting in which this contract could be hammered out.
(…) The Global Compact became one of Annan´s favorite
initiatives, since it answered both to his moral and to his
managerial impulses (Traub, 2006, 145-146).
1 A colaboração de Annan com o setor privado é observada desde o começo da gestão de Annan a frente da ONU com apoios políticos e/ou financeiros de empresas como CNN, AOL Time Warner e
Bill and Melinda Gates Foundation. Duas fundações foram especialmente criadas para receber fundos da iniciativa privada: a UN Foundation (UNF) e a United Nations Fund for International
Partnerships (UNFIP) (Martens, 2007, 14-16).
94
Antes de iniciar seu mandato como Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan
já vislumbrava a possibilidade de um maior estreitamento nas relações entre as
organizações internacionais e as corporações transnacionais. Havia uma
preocupação de Annan e alguns assessores próximos em conseguir que a
comunidade empresarial mudasse a visão negativa que tinha da ONU, depois de
esforços seguidos da Organização em estabelecer mecanismos de controle do
capital transnacional. Além da questão da reputação da ONU diante das empresas,
havia uma pretensão ainda maior: que a comunidade empresarial se engajasse de
forma positiva nas atividades da ONU, ou seja, no cumprimento de sua Missão
(Ruggie, 2008, 172)2. Annan e sua equipe perceberam que naquele momento o
“investimento externo direto estava excedendo a ajuda oficial ao desenvolvimento
em uma proporção de 6 para 1 (Ruggie, 2008, 172)”. Além disso, verificavam que
a ONU se defrontava com um constante dilema: objetivos praticamente ilimitados
diante de capacidades bastante limitadas. Vislumbraram, então, como explica
Ruggie, a oportunidade de contar com os recursos e as capacidades institucionais
do setor privado (Ruggie, 2008, 172), o que efetivamente conseguiram mediante
parcerias em várias frentes e envolvendo diversas agências da ONU nos anos
seguintes. Nessa perspectiva, tanto Ruggie quanto Kell enfatizam o novo desafio
que a ONU se auto-impunha, o de superar os limites do internacional e tornar-se
uma organização efetivamente global com base em uma leitura de que as próprias
corporações e organizações sociais já atuavam globalmente, tendo assim
transposto em larga escala os limites de ação estritamente no âmbito estatal.
[...] the UN is an intergovernmental organization and it is
fundamentally constrained by virtue of the fact that it operates
within an intergovernmental framework and an interstate
system. Companies have gone global and we are still struggling
to respond to global challenges through intergovernmental
means. I think one of the things that Kofi Annan had in mind
was to essentially ride on the back of truly global efforts, both
civil society and transnational corporations, in order to make
the UN itself more global (Ruggie, 2008, 172).
2 Neste capítulo e no seguinte, as referências a Ruggie e Kell datadas de 2008 resultam das entrevistas concedidas por eles ao autor desta Tese (ver Anexos I e II).
95
Em sua análise sobre a necessidade de globalizar a ONU, o diretor do
Pacto, Georg Kell, vai além. Ele observa que, desde sua fundação, a ONU se
depara com o conflito de ter uma estrutura política reduzida à esfera
intergovernamental, o que acaba prevalecendo, diante de um mandato com vistas
a uma representatividade global, traduzida pelo sujeito “Nós, os povos das Nações
Unidas”, com que é iniciada a Carta da ONU (Kell, 2008, 184). Ele, inclusive,
defende que as empresas tinham um claro interesse na ONU desde o começo da
organização, mencionando o telegrama enviado por Philip Reed, então presidente
da General Electric, ao Congresso e o Senado dos Estados Unidos, conclamando
o legislativo a aprovar a Carta da ONU3. Para Kell, a convergência entre a ONU e
as empresas foi abalada justamente pelo desvio ideológico representado pela Nova
Ordem Econômica Internacional (Kell, 2008, 185). Ele entende, portanto, que o
surgimento do Pacto Global simboliza um recomeço, um retorno à tradição de
articulação com as empresas observada nas origens das Nações Unidas (Kell,
2008, 185).
A oportunidade de costurar uma efetiva aliança com as corporações
ocorreu a partir das visitas de Kofi Annan a reuniões e eventos de grupos que
articulavam a comunidade empresarial, com destaque para o Fórum Econômico
Mundial (doravante FEM). Em 1998, quando de sua segunda participação no
FEM, Annan fez um discurso no qual esclarecia que as capacidades e a atuação
global das corporações transnacionais se articulavam com a missão da ONU no
mundo, buscando estreitar laços com o setor privado. Os participantes do FEM
convidaram Annan para que comparecesse em 1999 com propostas que
traduzissem um marco concreto de articulação entre a ONU e as corporações
transnacionais (CTNs). Mas, afinal, como surgiu a proposta de um Pacto Global?
Em entrevista, Ruggie descreve o processo de criação do Pacto como algo
“embaraçoso” e “divertido” (Ruggie, 2008, 179). Ele explica que Kofi Annan
estava preocupado com o que deveria apresentar no FEM de 1999 e que foi ele,
Ruggie, como Conselheiro Estratégico Principal, quem insistiu para que Annan
comparecesse e, para tanto, escreveu com Georg Kell o discurso que deu origem
ao Pacto (Ruggie, 2008, 179). Nas palavras de Ruggie:
3 Ele complementa: “... because, as a business person, he saw no more noble and useful thing could be done than ratifying the UN and getting it into existence” (Kell, 2008, 184).
96
So, he was invited back in 1999, and he said ‘I just went last
year. I don’t see the need to go again. I don’t want to become
over exposed. I don’t want people to think I am running after
the business community’. And I was his chief strategic adviser
at the time and I said ‘I don’t think you should worry about
over exposure to the business community. There is a lot of bad
blood to overcome, and there are a lot of opportunities to be
explored’, and I kept bugging him. And he finally said ‘Ok, if
you can come up with a good idea that I can present to the
business community as a challenge, come back and we will talk
about it. So Georg and I, I think as late as October or
November, started writing a draft speech, and we presented it
to the Secretary General. And the speech (…), the January 1999
speech, it was a challenge to the world, to the business. It did
not propose a program. It was a challenge. We did not have
time to think about whether this was going to lead to a
program. We had to write the bloody speech and had many
other things to do. So, he went off to Davos. We did a lot of
publicity around, because we thought it was an exciting idea.
And the reaction was so positive; people said ‘Now what? What
do we do now? You have launched this challenge, Mr.
Secretary-General, so what do you want us to do? And how do
we do it?’(…) The speech took six weeks, the next step took a
year (Ruggie, 2008, 179).
E foi assim, a partir da recepção positiva dos participantes do FEM diante
do discurso de Kofi Annan, preparado por Ruggie e Kell, que surgiu o Pacto
Global. Cumpre observar que no discurso estão presentes elementos emblemáticos
de uma leitura que reforça tanto a globalização econômica quanto as capacidades
e recursos das empresas transnacionais, além de um explícito clamor pela
colaboração dos líderes de negócios para assegurar uma nova etapa de liberalismo
enraizado (conceito explicativo de Ruggie) agora em âmbito global. No discurso,
Annan inicialmente convida os líderes de negócios a se engajarem na Missão da
ONU:
I am delighted to join you again at the World Economic Forum.
This is my third visit in just over two years as Secretary-
General of the United Nations. On my previous visits, I told you
of my hopes for a creative partnership between the United
Nations and the private sector. I made the point that the
everyday work of the United Nations -- whether in
peacekeeping, setting technical standards, protecting
intellectual property or providing much-needed assistance to
developing countries -- helps to expand opportunities for
business around the world. And I stated quite frankly that,
without your know-how and your resources, many of the
97
objectives of the United Nations would remain elusive (Annan, 1999).
Além de insistir que a Missão da ONU não poderia ser efetivada sem o
apoio das empresas, Annan ainda destaca que as empresas e a ONU podem se
apoiar mutuamente, com vistas a que os objetivos de ambas possam ser
alcançados (Annan, 1999). Em tal perspectiva, propõe então um Pacto Global, o
qual garantiria uma face humana ao capitalismo:
This year, I want to challenge you to join me in taking our
relationship to a still higher level. I propose that you, the
business leaders gathered in Davos, and we, the United
Nations, initiate a global compact of shared values and
principles, which will give a human face to the global market (Annan, 1999).
Para justificar tal proposta, o Secretário-Geral reivindica um entendimento
de fragilidade da globalização e defende a necessidade de construir um
liberalismo enraizado em âmbito global, a partir de uma análise histórica. Fica
mais evidente aqui a contribuição de John Ruggie, quem reconhece que a base
teórico-conceitual que fundamenta o Pacto Global remete diretamente ao artigo
por ele escrito em 1982 sobre a crise do “liberalismo enraizado” e o imperativo de
reconstruí-lo em outras bases (Ruggie, 2008). Tal leitura transparece no discurso
de Annan ao FEM:
Globalization is a fact of life. But I believe we have
underestimated its fragility. The problem is this. The spread of
markets outpaces the ability of societies and their political
systems to adjust to them, let alone to guide the course they
take. History teaches us that such an imbalance between the
economic, social and political realms can never be sustained
for very long. The industrialized countries learned that lesson
in their bitter and costly encounter with the Great Depression.
In order to restore social harmony and political stability, they
adopted social safety nets and other measures, designed to limit
economic volatility and compensate the victims of market
failures. That consensus made possible successive moves
towards liberalization, which brought about the long post-war
period of expansion. Our challenge today is to devise a similar
compact on the global scale, to underpin the new global
economy. If we succeed in that, we would lay the foundation for
an age of global prosperity, comparable to that enjoyed by the
industrialized countries in the decades after the Second World
War. Specifically, I call on you -- individually through your
firms, and collectively through your business associations -- to
embrace, support and enact a set of core values in the areas of
98
human rights, labour standards, and environmental
practices.(…) What we have to do is find a way of embedding
the global market in a network of shared values (Annan, 1999).
Annan ainda critica os que entendem que deveriam ser impostas barreiras
ao comércio global, sugerindo que uma articulação política conjunta da ONU com
as empresas teria o potencial de garantir a expansão do comércio global e a
abertura de mercados:
There is enormous pressure from various interest groups
to load the trade regime and investment agreements with
restrictions aimed at reaching adequate standards in the
three areas I have just mentioned. These are legitimate
concerns. But restrictions on trade and impediments to
investment flows are not the means to use when tackling
them. Instead, we should find a way to achieve our
proclaimed standards by other means. (…) More
important, perhaps, is what we can do in the political
arena, to help make the case for and maintain an
environment which favours trade and open markets (Annan, 1999).
Coloca, por fim, a ONU e suas agências à disposição dos líderes de
negócios:
Indeed, I believe the United Nations system does have
something to offer. The United Nations agencies -- the United
Nations High Commissioner for Human Rights, the
International Labour Organization (ILO), the United Nations
Environment Programme (UNEP) -- all stand ready to assist
you, if you need help, in incorporating these agreed values and
principles into your mission statements and corporate
practices. And we are ready to facilitate a dialogue between
you and other social groups, to help find viable solutions to the
genuine concerns that they have raised (Annan, 1999).
Como o discurso de Kofi Annan, propondo um Pacto Global, foi bem
recebido pelo FEM, nos meses seguintes do ano de 1999 Ruggie e Kell tiveram
que transformar o discurso em um conteúdo programático, construindo assim os
primeiros nove princípios que constituem o Pacto. Não ocorreram trabalhos
preparatórios envolvendo Estados-parte e outros atores, apenas um processo
informal de consultas, sobretudo com agências da própria ONU, já que a
justificativa para o texto dos princípios que compõem o Pacto está no fato de que
estes derivam do acúmulo normativo da própria ONU naqueles temas, ou seja, em
99
direitos trabalhistas com base na Declaração de Princípios e Direitos
Fundamentais no Trabalho (1998)4, da Organização Internacional do Trabalho,
em direitos humanos com base na Declaração Universal de Direitos Humanos
(1948), e em proteção ambiental com base na Declaração da Conferência da ONU
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) no Rio de Janeiro (Ruggie,
2008). Em suma, o Pacto Global propõe que as empresas se comprometam a
adotar as seguintes diretrizes ou princípios básicos que indiquem sua
responsabilidade social5:
Princípios de Direitos Humanos 1. Respeitar e proteger os direitos humanos; 2. Impedir violações de direitos humanos;
Princípios de Direitos do Trabalho 3. Apoiar a liberdade de associação no trabalho; 4. Abolir o trabalho forçado; 5. Abolir o trabalho infantil; 6. Eliminar a discriminação no ambiente de trabalho;
Princípios de Proteção Ambiental 7. Apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais; 8. Promover a responsabilidade ambiental; 9. Encorajar tecnologias que não agridem o meio ambiente.
Princípio contra a Corrupção6
10. Combater a corrupção em todas as suas formas inclusive extorsão e propina.
Em torno de um ano e meio depois do lançamento do Pacto, em 26 de
julho de 2000, a ONU organizou a primeira Cúpula de Líderes do Pacto Global,
contando então com a adesão de 50 grandes empresas e líderes de organizações
que atuam nas áreas de trabalho, meio-ambiente e desenvolvimento. Instalado o
Pacto, dava-se início ao principal processo de responsabilidade social das
4 Adotada apenas alguns meses antes do lançamento do Pacto Global (Bull and McNeill, 2007, 98). 5 Os dez princípios universais do Pacto Global são derivados da Declaração Universal de Direitos Humanos, da Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. 6 Este último princípio foi acrescentado pela ONU em 2004.
100
empresas no âmbito das Nações Unidas. Ainda que Kofi Annan tenha buscado
através de diferentes agências da ONU se aproximar do setor privado, o Pacto
Global representa a principal iniciativa de cooperação entre a ONU e as empresas.
Trata-se do marco de referência de que a ONU não estaria atuando contra as
empresas transnacionais, mas com elas (May, 2006, 273)
Cumpre ressaltar que ainda que críticos como o CETIM reclamem de que
Kofi Annan teria sugerido o Pacto Global em Davos sem um mandato legítimo
concedido pelos governos dos Estados-parte da ONU, nos anos seguintes foram
muitas as menções de apoio ao Pacto Global por parte de governos, garantindo ao
Pacto um apoio intergovernamental expresso, ou seja, legitimando a posteriori as
ações do Secretário-Geral e demais órgãos da burocracia das Nações Unidas. O
suporte dado ao Pacto Global pelo governo da Alemanha, na Assembléia Geral da
ONU, serviu de justificativa para que a Assembléia Geral incluísse o tema da
parceria público-privado anualmente em sua agenda permanente sob o título
Towards Global Partnerships (Martens, 2007, 16).
Analisando seu papel de principal proponente do Pacto Global como
estratégia da ONU diante do aprofundamento da globalização econômica, Ruggie
entende que este se articula com sua reflexão acadêmica caracterizada por um
construtivismo social que enfatiza o papel das normas e o poder das idéias em
processos de soft power que engendram legitimidade social, o que seria o desafio
permanente para a própria viabilidade das organizações internacionais, já que
estas não possuem exércitos ou a faculdade de taxar (Ruggie, 2008, 176). Trata-
se, portanto, de discutir
The way in which you can pursue, or develop and then pursue,
a change agenda, if you are not the most powerful kid on the
block. If I am a superpower, I’ve got lots of resources to draw
on in order to get my way in the world. But if I am just the UN,
without an army and without the power of taxation, I have got
to have better ideas than other people, and I have got to figure
out how to build on shared identities and notions of legitimacy,
which of course a superpower should also do, and if (it) doesn’t
it can get into trouble, but at the UN that is your daily bread.
(…) So, at the UN you deal with soft power, you deal with
social norms and ideas (Ruggie, 2008, 176).
101
Para Georg Kell, o enfoque é ainda mais pragmático. Trata-se do fato de
que os governos são lentos e as empresas são rápidas na hora de tomar medidas e
implementá-las, já que elas já têm uma visão global e vêem os Estados tanto como
presos a um passado, com dificuldades para encarar desafios de investimentos
futuros, quanto como presos a uma abordagem de soberania territorial, com
dificuldades para tratar de agendas globais que fujam do âmbito
nacional/internacional (Kell, 2008, 184). Destarte, Kell sobrepõe a afinidade da
ONU com as empresas àquela entre a ONU e os Estados:
In many ways, I would argue, global business, which goes
beyond Nation-States, has a greater affinity to the UN issues,
because they have to face these issues whether they like it or
not. There is a risk and a downside: if some of these issues are
not solved, business viability won’t be assured either. So, the
affinity is very strong (Kell, 2008, 184).
Embora reforce o quão importante é para ONU trabalhar com as empresas,
ao ser questionado sobre o significado da emergência de uma autoridade privada,
Kell esclarece que esta não substitui de forma alguma o papel dos governos, ou
seja, que muitas vezes o internacional prevalece diante do global quando se pensa,
por exemplo, em negociações de acordos ou em intervenções militares. O que ele
considera o ideal estaria distante ainda da realidade. Deste modo, o Pacto Global,
os atores globais e as iniciativas voluntárias deveriam ser vistos, no entender do
diretor do Pacto Global, como potenciais incentivadores de tendências positivas
ou como aqueles que preenchem e remediam espaços de governança global, ainda
não cobertos pelos Estados (Kell, 2008, 191). É o que ele descreve como “little
islands of better improvements”, diante da grande lacuna ainda existente na
governança global (Kell, 2008, 182). Ele resgata, entretanto, o avanço que a
integração global das empresas representa para o mundo, fazendo com que elas
transcendam o pensar e o agir para além do Estados:
They are becoming globally integrated – something I personally
love, because it means they are no longer vested in one
government, they have to pay attention to many governments. I
think this is a good trend – what IBM has done, what GE is
doing, what all the others are doing, they are globally
integrated. Look, IBM has more engineers in India than they
have in the U.S. Is IBM still an American company? Yes,
someway it is – sure the culture and so on. But the binding, the
102
ownership, is increasingly diffused globally. I think it is great
because brings nations and people closer together. It
transcends the traditional Nation-State rivalry and thinking. It
builds bridges (Kell, 2008, 191).
Ao ser questionado sobre o porquê de o Pacto Global não aparecer na
página web do FEM, tendo sido este o espaço inicial de lançamento da proposta
do Pacto, Kell analisa que o FEM é apenas um fórum, um espaço de encontro
anual, um grande show, o qual foi utilizado por Annan para gerar uma
aproximação com a comunidade empresarial (Kell, 2008, 190), mas sem maiores
pretensões de parceria.
Além do FEM, cumpre observar ainda o papel desempenhado pela Câmara
de Comércio Internacional (CCI) nos bastidores do Pacto Global. Sob a
presidência de Helmut Maucher, o presidente da Nestlé, a partir de 1997, a CCI
vivenciava uma busca de legitimidade similar à da ONU com a nova Secretaria-
Geral nas mãos de Annan. Coincidiam os interesses de aproximação entre uma
CCI, desejosa de uma aceleração da globalização do capital, e a ONU, as duas
organizações querendo aprofundar a sua relevância e influência na política
mundial. A convergência entre as duas foi garantida, no contexto imediatamente
anterior ao lançamento do Pacto, através do encontro Diálogo de Negócios de
Genebra (Geneva Business Dialogue) com vários seminários durante dois dias,
articulando empresas e funcionários da ONU, evento que foi concluído com uma
Declaração (Geneva Business Declaration), a qual clamava por uma aceleração da
globalização (Hocking & Kelly 2003, 219-220). Mesmo assim, a CCI manteve
uma relação de certa desconfiança com o Pacto Global, verificada em sua postura
vigilante para que o Pacto não fosse apropriado por ONGs, tornando-se assim
uma das principais responsáveis por garantir de que as empresas se mantivessem
em posição superior à das ONGs neste espaço, através de uma relação
instrumental de neutralização da participação das ONGs, incluindo-as e
excluindo-as quando necessário (Hocking & Kelly, 2003, 223-224).
103
4.2.
A estrutura e a evolução do Pacto Global
Compõem o Pacto Global seis agências da ONU e em torno de 8000
participantes, sendo 6000 empresas e 2000 representantes de sindicatos e
organizações da sociedade civil, sediados em mais de 135 países7. Desde 2005, as
empresas vinculadas devem apresentar periodicamente Comunicações de
Progresso (COP) informando o que tem feito para cumprir com os princípios do
Pacto. As que não apresentam essas Comunicações podem ser suspensas ou
retiradas definitivamente da relação de empresas filiadas ao Pacto. No sítio web
do Pacto Global, pode-se ter acesso tanto à lista de empresas que não tem
apresentado as Comunicações de Progresso, em torno de 50% do total de
empresas participantes, quanto às Comunicações das que enviam os relatórios
periodicamente (2452 empresas no ano de 2009). No final de 2009, o escritório do
Pacto já havia comunicado a suspensão do vínculo de mais de 1000 empresas com
o Pacto.
Além do Escritório do Pacto Global, a estrutura do Pacto é composta por
seis outras instâncias: a Cúpula de Líderes do Pacto Global, as Redes Locais, o
Fórum Anual de Redes Locais, o Conselho do Pacto Global, a Equipe Inter-
agências da ONU e o Grupo de Doadores do Pacto Global. A Cúpula de Líderes
ocorre a cada três anos (a última se realizou em junho de 2010) e é o maior fórum
de participantes do Pacto Global, reunindo os principais representantes das
organizações que compõem o Pacto e gerando, assim, uma renovação constante
do compromisso dos participantes em torno dos princípios do Pacto Global. Esse
espaço permite uma discussão mais ampla sobre os desafios de implementação do
Pacto, oferecendo as bases do direcionamento estratégico e apontando as ações
prioritárias para os anos seguintes.
Na trajetória do Pacto Global, um dos momentos mais marcantes foi a
Cúpula dos Líderes do Pacto Global, em 2004. A cúpula contou com a
participação de mais de 400 líderes empresariais e consolidou não apenas o Pacto
Global, mas a cooperação da ONU com as corporações transnacionais.
7 Dados do Annual Review 2010 – Anniversary Edition 10 Years (June 2010).
104
It was the largest summit of this kind that has ever happened at
the UN. Kofi Annan himself drew attention to the symbolism of
the final event of the conference: for the closing plenary, the
business leaders gathered in the General Assembly Hall and sat
in the seats normally occupied by government representatives.
Not least because of this symbolism, the summit marked a
climax in the new definition of the relationship between the
United Nations and the private sector – the conflict of previous
years is abandoned in favour of cooperation and partnership (Martens, 2007, 17).
Para além do Pacto Global, observa-se o papel desempenhado pela Cúpula
de 2004 em assinalar um novo estágio de parceria da ONU com as empresas, com
ambos os lados assumindo o compromisso de cuidar conjuntamente de temas
essenciais da agenda social global. Foi a partir da Cúpula de 2004 que foi
estabelecida a obrigatoriedade de as empresas apresentarem anualmente
Comunicações de Progresso (COPs), como parte de procedimentos que garantam
Medidas de Integridade do Pacto.
Organizadas nacionalmente ou em uma região geográfica específica, as
mais de 90 Redes Locais emergentes ou já existentes tem como propósito
acompanhar a expansão do Pacto pelo mundo, assim como motivar um fórum de
diálogo e ação local na perspectiva, inclusive, da adesão de novos membros. Elas
cumprem, de um lado, um papel de apoio e incentivo às empresas locais e às
subsidiárias de empresas estrangeiras para uma progressiva implementação dos
princípios do Pacto e, por outro lado, de suporte ao escritório do PG quando se faz
necessário um acompanhamento local sobre as comunicações de progressos e as
medidas de integridade. As Redes Locais estão diretamente interligadas com as
outras instâncias de governo do Pacto Global: oferecem subsídios para a agenda
da Cúpula de Líderes e para as atividades do escritório do Pacto Global, indicam
candidatos para as eleições do Conselho do Pacto Global e organizam o Fórum
Anual de Redes Locais:
The Annual Local Networks Forum is the main occasion for
Local Networks from around the world to share experiences,
review and compare progress, identify best practices, and adopt
recommendations intended to enhance the effectiveness of Local
Networks (Global Compact website, 2010).
105
O Conselho do Pacto Global é a instância de acompanhamento do
planejamento e da execução de políticas do Pacto Global. Ainda que os membros
do Conselho sejam os representantes diretos dos sindicatos, empresas,
organizações da sociedade civil ou agências da ONU que compõem o Pacto, eles
têm sua participação ironicamente descrita como heróica pelo compromisso
“pessoal” que implica em dedicar-se ao Conselho:
The 20 Board members are champions willing and able to
advance the Global Compact’s mission. Members of the Board
act in a personal, honorary and unpaid capacity. Their Board
membership does not render them UN officials (Global
Compact website, 2010).
Cabe ao Conselho, em suas reuniões anuais, fazer recomendações ao
Escritório do Pacto Global, observar o cumprimento das medidas de integridade e
monitorar as políticas e estratégias do processo de aprofundamento do Pacto
Global. Os membros do Conselho estão divididos em quatro grupos constitutivos
que atuam conjuntamente, mas também reportam em separado ao Escritório:
empresários (13 representantes), organizações internacionais de trabalhadores ou
de empresários (4 representantes, 2 de cada), sociedade civil (4 representantes).
Além disso, o Secretário-Geral da ONU, o presidente da Fundação para o Pacto
Global e o diretor executivo do Escritório do Pacto Global têm assentos ex-officio
no Conselho.
A estrutura central de apoio ao Pacto Global no âmbito da ONU é o
Escritório do Pacto Global (EPG). No edifício da ONU em Nova York, o
Escritório sedia um grupo de funcionários diretamente envolvidos na execução e
ampliação do Pacto8. Com limitações de orçamento e de pessoal, o EPG é um
setor especial do escritório do Secretário-Geral e atua como pólo de aglutinação,
diálogo e informação para os atuais e potenciais participantes, assim como no
fomento de parcerias e estudos relativos aos princípios e aos desafios de
fortalecimento do Pacto. Sob a direção zelosa de Georg Kell desde o início
8 Os dados sobre o Pacto Global aqui apresentados foram retirados do sítio web do Pacto Global (<http://www.unglobalcompact.org>), o qual é bastante completo e permanentemente atualizado pelo escritório do pacto.
106
(Sagafi-nejad, 2008, 196), o escritório do Pacto é, em outras palavras, a sua base
operacional.
O Escritório representa a Equipe Inter-Agências da ONU e a si próprio no
Conselho. Também dá o suporte operacional para a realização da Cúpula de
Líderes, das reuniões do Conselho e do Fórum Anual de Redes Locais. Endossado
pela Assembléia Geral da ONU, o EPG desenvolve diversos papéis de “partilha
de boas práticas no sistema ONU”, assim como “responsabilidades de advogar e
liderar questões, fomentar o desenvolvimento de redes e manter as comunicações
do Pacto Global” (sítio web do Pacto Global, tradução livre). Tem ainda “total
responsabilidade pelo gerenciamento da marca e implementação das medidas de
integridade” do Pacto Global (Global Compact website, 2010, tradução livre).
Seis agências da ONU formam a Equipe Inter-Agências: o Escritório do
Alto-Comissariado para os Direitos Humanos, a Organização Internacional do
Trabalho, o Programa das Nações Unidas para o Meio-Ambiente, o Escritório das
Nações Unidas para Drogas e Crime, o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento e a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Industrial. Essa Equipe tem o papel de disseminar o Pacto dentro da ONU e junto
aos demais participantes, assim como de aconselhar no acompanhamento dos
procedimentos de queixas de descumprimento de medidas de integridade. Como
descrito anteriormente, a Equipe Inter-Agências é representada no Conselho pelo
Escritório do Pacto Global.
Por último, o Grupo de Doadores do Pacto Global é constituído pelos
governos de Estados que contribuem voluntariamente para um Fundo de
Confiança (Trust Fund) da ONU. Reúne-se duas vezes ao ano para revisar o
cumprimento efetivo eficiente das contribuições, revisando os avanços obtidos
pelo Pacto Global. Atualmente, contribuem para o Fundo os governos da China,
Colômbia, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Coréia do Sul,
Noruega, Espanha, Suécia, Suíça e Reino Unido.
Em paralelo ao Grupo de Doadores e fora da estrutura formal do Pacto, foi
criada uma Fundação para o Pacto Global, a qual recebe apoios financeiros das
empresas que são parte do Pacto, perante contribuições anuais voluntárias. O
107
dinheiro arrecadado por esta Fundação (1.7 milhão em 2009) é investido em
programas, eventos e publicações do Pacto Global. A empresa que mais dá
suporte financeiro ao Pacto é a SAP, do ramo de softwares de gestão de negócios,
a única com contribuição acima de 100.000 dólares. Entre as 10 empresas que se
destacam por uma contribuição financeira ao Pacto Global entre 20.000 e 99.999
dólares, encontram-se Nestlé, Coca-Cola, Dow Chemical, Unilever,
Bosch/Siemens e Vale do Rio Doce, entre outras. Além destas, outras empresas
conhecidas oferecem uma contribuição expressiva (entre 10.000 e 19.999 dólares)
como é o caso de Accenture, Allergan, Banco Bradesco, Lindt, De Beers,
CEMIG, Deustche Telekom, General Mills, Hewlett-Packward, Intel, JCPenney,
Novartis, entre outras. Neste grupo, deve-se destacar a presença de empresas
chinesas como a China Mobile Communications Corporation, a China National
Offshore Oil Corporation (CNOOC), a PetroChina Company Limited, a Shanghai
Baosteel Group Corporation, entre outras.
Desde o começo, está lançada a questão da necessidade de desenvolver
mais os instrumentos de monitoramento a fim de garantir um efetivo
comprometimento (enfoque moral) por parte das empresas (Sagafi-nejad, 2008,
197). Em 2001, em uma fase piloto de implementação do Pacto, quando ainda não
haviam sido desenvolvidos mecanismos, 42 empresas responderam a uma
solicitação para descrever livremente como agiam para garantir o cumprimento
dos princípios do Pacto. Entre essas empresas, estavam algumas de grande peso
global como a British Telecom, a Shell, a Basf, a SAP, a Unilever, entre outras
(Sagafi-nejad, 2008, 197). Observa-se que, no final das contas, mesmo com o
desenvolvimento de mecanismos como a Comunicação de Progresso, as empresas
seguem tendo apenas uma obrigação para se manterem como parte do Pacto:
relatar periodicamente sobre como seu comportamento guarda adequação com os
princípios do Pacto Global (May, 2006, 274). Em outras palavras, os avanços têm
sido mais procedimentais do que com relação ao caráter voluntário e ao perfil de
espaço de aprendizagem e conscientização. Quer-se, portanto, priorizar uma
construção conjunta em torno de princípios e não investir em processos de
denúncia e enfrentamentos que poderiam gerar mais afastamento do que adesão da
comunidade empresarial a uma cultura de direitos humanos.
108
4.3.
O diagnóstico do Pacto para Ruggie e Kell, os principais
responsáveis pela iniciativa
Para aprofundar a análise sobre o papel desempenhado pelo Pacto Global
nas transformações da ordem mundial, serão observadas primeiramente as
interpretações de aspectos positivos e negativos do Pacto apontadas pelos próprios
responsáveis por sua elaboração. Convencidos em termos gerais do êxito da
iniciativa, Ruggie e Kell identificam vitórias, resultados inesperados, deficiências,
limitações e desafios no processo de construção institucional do Pacto. Desde
logo, deve-se observar que, para Ruggie, o Pacto Global se insere em sua
perspectiva de construção de uma esfera pública global, de uma crise do
liberalismo enraizado nos Estados para a possibilidade de que esse liberalismo
enraizado se dê agora em uma dimensão global.
Em artigo publicado em 2003 sob o título “Taking Embedded Liberalism
Global: The Corporate Connection”, Ruggie situa o Pacto Global como a
oportunidade para as empresas transnacionais, principais responsáveis pelas
lacunas produzidas na governança global, estabelecerem uma ponte entre a
globalização da economia e as comunidades nacionais, visando inclusive ao
engajamento dos Estados no desafio de produzir uma esfera pública global, o que
se justificaria diante da insuficiência e do enfraquecimento das organizações
internacionais, assim como da ausência de um governo global (Ruggie, 2003, 02):
Specifically, I focus on the contribution of the dynamic
interplay between civil society, business and the public sector
over the issue of corporate social responsibility. (…) The
burden of my argument, with due appreciation for the irony, is
that the corporate sector, which has done more than any other
to create the growing gaps between global economy and
national communities, is being pulled into playing a key
bridging role between them. In the process, a global public
domain is emerging, which cannot substitute for effective action
by states but may help produce it (Ruggie, 2003, 02).
À análise de Ruggie sobre o Pacto Global como uma oportunidade de
enraizar o liberalismo globalmente, deve-se somar outras avaliações trazidas pelos
109
autores que estiveram por trás da elaboração da proposta e da síntese de princípios
do Pacto. Optou-se aqui por sistematizar as outras facetas identificadas no
diagnóstico realizado por Ruggie e Kell a partir de dez eixos específicos de
análise.
a) A convergência em torno de um enfoque de responsabilidade
social das empresas
No entendimento de Ruggie, o Pacto Global se tornou o ponto focal, o
âmbito de convergência em torno de uma cultura de responsabilidade social das
empresas (RSE) (Ruggie, 2008, 172). Antes do Pacto, ele observa que havia entre
as empresas e outros atores apenas uma cacofonia sobre RSE, não um discurso.
Foi a ONU que conferiu legitimidade à agenda de RSE com o Pacto Global, já
que este se sustenta em princípios universais consagrados pelos Estados na
Organização. Assim, ele defende que as outras iniciativas existentes sobre RSE
(como as diretrizes da OCDE e as da OIT, e outras como SA8000, ISO26000,
GRI, etc.) deveriam convergir para o Pacto Global, já que elas têm perfis mais
específicos enquanto o Pacto tem um caráter mais geral, ou, como o nome mesmo
diz, global (Ruggie, 2008, 174; Kell, 2008, 185-186). Portanto, Ruggie analisa
que o Pacto Global conseguiria legitimar uma agenda global de RSE justamente
por não ser uma iniciativa isolada de empresas ou de ONGs, e sim uma iniciativa
da ONU proporcionando um ambiente favorável a convergências com base nos
princípios universais da própria ONU (Ruggie, 2008, 172). Mais do que isso,
trata-se de uma oportunidade de impacto histórico, pois visa a “enraizar o
mercado global em valores sociais e práticas institucionais partilhados” (Ruggie,
2003, 02), implicando precisamente as corporações, as quais seriam as
responsáveis pelas lacunas entre “a economia global e as comunidades nacionais”,
para que assumam sua quota de responsabilidade e se articulem na perspectiva de
construir formas mais inclusivas de governança global (Ruggie, 2003, 02). Essa é
também a percepção de Kell, que compara a relação entre o Pacto Global e as
outras iniciativas com a de uma nave-mãe e seus satélites:
In the architecture of voluntary initiatives, the Compact -
because of its UN branding, because of its principles that
110
arrived from international frameworks - has a very special
place. We consider ourselves to be like a mothership, which is
very happy to see satellites grow and then offsprings (Kell, 2008: 186).
Kell ainda defende que o Pacto Global garantiu um lugar de destaque ao
tema de RSE dentro das empresas, quando muitas vezes tais temas não-
financeiros eram tratados de forma marginal (Kell, 2008, 183). No entanto, ainda
que enalteça o papel de convergência do Pacto diante de outras iniciativas, Kell
compreende que a arquitetura da responsabilidade das empresas se encontra em
um processo de evolução e muito ainda está sendo construído nesse sentido (Kell,
2008, 185). Contudo, Ruggie observa que, passados vários anos de
implementação do Pacto, já se pode perceber limitações de uma agenda restrita de
responsabilidade social das empresas em algumas partes do mundo, embora para
outras partes tal agenda ainda é percebido como nova e útil (Ruggie, 2008, 172).
b) A acolhida nos países em desenvolvimento, com destaque
para os emergentes
Uma das principais surpresas para Ruggie e Kell durante o processo inicial
de implementação do Pacto foi sua ampla absorção e difusão nos países em
desenvolvimento, algo que era esperado, mas em intensidade menor do que a por
eles verificada (Ruggie, 2008, 171; 173; Kell, 2008, 183). Ruggie observa de
forma anedótica que para as empresas dos países em desenvolvimento o
significado da adesão ao PG era de razão extremamente prática: “to signal to the
international market place that they understood what CSR is and that they,
therefore, are reliable partners in global supply chains” (Ruggie, 2008, 173). Ele
narra que participantes de empresas de países em desenvolvimento vêem ainda o
Pacto como uma oportunidade de enfrentar uma cultura ultrapassada de relação
entre empresas e governos no âmbito nacional, apontando o Pacto como um
exemplo de cooperação na esfera global que deveria dar o tom da relação
governos – empresas na busca de garantir conjuntamente resultados de objetivos
de desenvolvimento nacionais (Ruggie, 2008, 173).
111
Para Georg Kell, o Pacto Global é uma iniciativa global e não uma
iniciativa dos Estados do Norte. Ele destaca o peso da participação dos mercados
emergentes no Pacto, pois mais da metade das empresas que participam do Pacto
vêm desses mercados. Empresas de países como Brasil, Índia, África do Sul,
Tailândia e China são percebidas como cada vez mais orientadas para fora e,
portanto, partilhando de interesses comuns com o Pacto em termos de querer
impulsionar a globalização (Kell, 2008, 183). Entre esses países, o caso chinês é
resgatado por Kell de forma especial, sendo a utilização do Pacto por grandes
empresas chinesas identificada como “uma pequena realização histórica”,
representando “a integração da China no mercado global” e “uma contribuição
genial para a evolução dos mercados globais” (Kell, 2008, 183).
c) A materialização de um discurso moral
Na fase inicial do Pacto Global, os princípios eram percebidos como uma
espécie de código moral a ser observado. Contudo, os novos mecanismos de
comunicação, as parcerias realizadas e o envolvimento da comunidade de
investidores permitiram dar aos princípios uma dimensão efetivamente material.
No processo de implementação do Pacto, tem sido possível articular as dimensões
moral e material, principalmente depois do Pacto lançar o documento “Princípios
de Investimento Responsável” (PRI) na Bolsa de Valores de Nova York.
Constrói-se assim uma espécie de cláusula de adesão ao PG para que as empresas
garantam sua viabilidade financeira (Kell, 2008, 182). Esta questão do êxito em
encontrar a dimensão material do Pacto, ressaltada por Kell na entrevista,
encontra-se também destacada no Relatório 2010 do Pacto Global.
d) O enfoque horizontal englobando vários atores envolvidos
O Pacto Global é descrito como uma iniciativa multi-stakeholder, ou seja,
envolve as diversas partes interessadas na agenda de responsabilidade das
empresas (Sagafi-nejad, 2008, 198). Para Ruggie, um dos principais êxitos da
implementação do Pacto está no enfoque horizontal dado ao mesmo, por envolver
não apenas o capital transnacional mais evidente - as indústrias de setores como
“mineração, calçados e vestuário”, mas também “diferentes setores como a
112
comunidade de investimentos, os fundos de pensão”, entre outros (Ruggie, 2008,
171). Como exposto no item anterior, o PRI foi um divisor de águas, por trazer a
dimensão de investimentos de longo prazo em articulação com a participação de
empresas no Pacto (Kell, 2008, 182). Em que pese o enfoque horizontal, Kell
reconhece que há uma grande lacuna entre as performances das sedes das
empresas e de suas subsidiárias, o que representa um desafio para a
implementação do Pacto (Kell, 2008, 183).
Quanto à questão de como as ONGs se inserem no PG, uma crítica
recorrente ao Pacto, Kell faz uma avaliação positiva. Ele analisa que a relação do
Pacto Global com as ONGs vem se fortalecendo, tanto pela presença de ONGs no
Conselho do PG, quanto pelas parcerias verificadas nas redes locais. Ele
menciona a Anistia Internacional e a Transparência Internacional como dois bons
exemplos de ONGs contribuindo para aprofundar a aprendizagem sobre como
utilizar os princípios do Pacto. Contudo, Kell também reconhece a existência (e,
para ele, o equívoco) de um movimento de justiça global que mantém uma
resistência ideológica ao Pacto, insistindo em ver a comunidade empresarial como
um grupo de inimigos que de forma alguma poderiam ser parceiros da ONU (Kell,
2008, 189).
e) O impacto dentro da ONU
Na apresentação do Relatório Anual 2010, que celebra os 10 anos do Pacto
Global, o Secretário-Geral Ban Ki-moon destaca o impacto que a ONU e suas
agências vivenciam na cooperação com o mundo empresarial, através de parcerias
e podendo contar com os recursos e capacidades de que as empresas dispõem. Ele
afirma que as empresas têm contribuído para difundir e consolidar a Missão da
ONU no mundo.
Os reflexos do Pacto Global internamente na ONU são apontados por
Ruggie como algo extremamente positivo para a Organização (Ruggie, 2008,
171). Durante os primeiros anos de implementação do Pacto, houve uma grande
desconfiança de setores e agências de dentro da Organização, mas eles acabaram
cedendo ao potencial que as parcerias público-privadas representavam para o
113
próprio fortalecimento das atividades da ONU. O caso mais paradigmático talvez
seja o surgimento do setor privado do PNUD, já apontado no capítulo anterior na
ótica da crítica desenvolvida por Catia Gregoratti. Ruggie conta que recebeu a
visita do Diretor do setor privado do PNUD, o qual destacou a relevância do Pacto
Global na condução da transformação da própria visão e estratégia de
desenvolvimento da ONU:
(He) was here and said essentially that the Global Compact
provides the inputs and the framework for varies arms or varies
branches of the UN including in the development area to
construct business engagement strategies of their own and to
think of business not simply either as an object of regulation or
as a source of funds, but as a stimulus to growth and
development, as a source for institutional and organizational
capacity, technology and alike (Ruggie, 2008, 171).
Percebe-se, assim, que a visão partilhada por Ruggie e Annan de
aproximar a ONU da comunidade empresarial, redimensionando a Organização de
um caráter internacional para um patamar mais global, vem sendo gradativamente
alcançada, a partir do engajamento crescente dos setores e agências da ONU na
realização de parcerias “promissoras” com o setor privado.
f) A facilitação de diálogo mediante redes locais
Por não dispor de uma grande estrutura de monitoramento das
Comunicações de Progresso, nem ter sido constituído como um espaço de
regulação da conduta das empresas, o Pacto Global tem se apoiado bastante no
trabalho das redes locais, descritas como “vibrantes”, pelo Diretor do Pacto (Kell,
2008, 183). Kell informa que o monitoramento da veracidade das COPs é feito
pelas redes locais com base em um procedimento de “facilitação de diálogo”.
Deste modo, os atores envolvidos com o Pacto deixam de se referir a queixas
contra as empresas e passam a tratar de uma facilitação de diálogo exercitada no
âmbito das redes locais, as quais teriam o poder, inclusive, de vetar previamente a
adesão de uma empresa ao Pacto e de recomendar a retirada de empresas da lista
de participantes:
114
When a company is joining now, there is some primarily vetting happening. We ask our networks if there is any real reason they have why the company should not be allowed to join the Compact (…). And we give networks increasingly the power. We have a few cases right now which are pending where some networks want to throw out some companies because of their abuse of the association with the Compact. The networks make the recommendations to us and we endorse it. So, this is our caretaking of the brand (Kell, 2008, 188).
Kell ainda ressalta o fato de que a transparência e difusão pública das
COPs na página web do PG é o que garante justamente a possibilidade de
monitoramento externo por parte das redes locais (Kell, 2008, 183; 187).
g) Absorção e aplicação diferente dependendo da cultura
político-econômica de cada país.
Ainda que Kell assinale um ótimo balanceamento Norte-Sul entre os
participantes do Pacto Global (Kell, 2008, 188-189), faz-se necessário notar que
há diferentes características e tempos no processo de absorção e aplicação do
Pacto em cada país, como explica Ruggie (Ruggie, 2008, 172). Desde o começo,
houve a adesão, sobretudo de empresas européias ao Pacto, sendo a Nike um caso
à parte, em virtude das peculiaridades das denúncias contra a empresa à época. As
empresas européias que aderiram no começo vinham principalmente da
Escandinávia e, em seguida, da Alemanha e da França. Notava-se aí, de acordo
com a análise de Ruggie, uma perspectiva de identificação dessas empresas
européias como uma forma de transposição da experiência histórica da social-
democracia nacional para a esfera global. Nesse sentido, ele analisa que o perfil de
adesão das empresas está freqüentemente relacionado com a construção política
de cada sociedade em cada país (Ruggie, 2008, 173; 180).
Chama a atenção nesse aspecto a baixa adesão de participantes dos
Estados Unidos, o que Ruggie e Kell entendem estar relacionado justamente ao
fato de a ONU não ser tão respeitada nos Estados Unidos como em outros países
do mundo (Kell, 2008, 189; Ruggie, 2008, 180) e, sobretudo, ao fato de as
empresas estadunidenses olharem com desconfiança para qualquer processo
governamental e intergovernamental de ingerência no setor privado, ainda mais
115
quando se suspeita que processos assim poderiam levar a um futuro marco
regulatório global para as empresas (Ruggie, 2008, 173).
h) Deficiências no monitoramento e no processo de
aprendizagem: as limitações de recursos humanos
Um dos problemas principais para o aprimoramento do PG estaria nas
limitações de recursos humanos (Ruggie, 2008, 172-173), ou seja, no quadro
reduzido de funcionários operando no Escritório do Pacto Global. Essa deficiência
gera, para Ruggie, uma ainda maior: o Pacto se descreve como um espaço para
conscientização e aprendizagem com relação aos princípios. Porém, como não há
pessoal suficiente para trabalhar com base nas Comunicações de Progresso, estas
terminam não sendo aproveitadas como instrumentos de aprendizado coletivo
(Ruggie, 2008, 177; Kell, 2008, 187). A falta de um monitoramento mais
sistemático seguiria possibilitando a crítica de que há mais quantidade do que
qualidade nas empresas envolvidas, embora a prática recente de retirada de
empresas do rol das participantes (delisting) tenha certo potencial de evitar os free
riders9 (Kell, 2008, 183). Para Kell, a parceria com a Global Reporting Initiative
poderia ajudar a melhorar a questão da análise qualitativa das COPs (Kell, 2008,
183). Contudo, Kell deixa transparecer seu pragmatismo técnico e a lógica
empresarial com que avalia o Pacto ao analisar que aprendizagem, diálogo e
parcerias são apenas conceitos, pois o importante mesmo é obter resultados de
impacto (Kell, 2008, 187).
i) Dificuldades específicas em lidar com os temas
Dois dos temas que englobam os princípios do Pacto Global, direitos
humanos e anticorrupção - são percebidos por Kell como mais difíceis de serem
aplicados, por falta de uma maior precisão com relação a esses temas. Fala-se
muito desses temas, mas há uma grande complexidade na hora de operacionalizá-
los (Kell, 2008, 183). No âmbito específico dos direitos humanos, esta questão
vem sendo solucionada pela interface do Pacto Global com o Mandato de Ruggie
9 Aventureiros morais, na linguagem filosófica, significa aquelas pessoas, entidades ou grupos que buscam apenas os bônus sociais e comunitários, procurando fugir dos ônus que os acompanham.
116
como Representante Especial para Empresas e Direitos Humanos, o que será
aprofundado no próximo capítulo. Contudo, Ruggie identifica avanços nas
próprias atividades e parcerias realizadas pelo Pacto em termos de lidar com o
tema de direitos humanos em zonas de conflito. (Ruggie, 2008, 171).
4.4.
As críticas ao Pacto Global
Ao projetar e desenvolver o Pacto Global, as Nações Unidas passam a
estabelecer uma relação mais estreita com as grandes corporações transnacionais,
reconhecidos como agentes privilegiados na luta contra a pobreza. O Pacto Global
não exige, apenas sugere e recomenda o mínimo de conduta responsável para as
empresas, sendo um documento simbólico de boas intenções (Linnecar, 2005). Os
conflitos econômicos e políticos entre Estados e classes sociais são substituídos
por uma noção de interdependência solidária, com caráter eminentemente
neoliberal, e a cidadania cada vez mais se afasta da esfera do público, sendo
redimensionada como cidadania corporativa, conceito associado ao de
responsabilidade social das empresas e aos princípios do Pacto (McIntosh,
Waddock and Kell, 2004).
Desde o seu lançamento, o Pacto Global tem sido alvo de duras críticas por
parte de acadêmicos e ativistas10. De certa forma, a aproximação da ONU com as
corporações transnacionais já vinha sendo criticada por organizações como a
CorpWatch durante a década de 199011. Como são diversas e numerosas as
críticas ao Pacto, elas estão aqui elencadas em separado ainda que alguns autores
10 Uma das principais fontes de críticas ao Pacto Global é o sítio web <http://www.globalcompactcritics.net>, o qual traz as principais notícias que contestam o Pacto Global e compila os principais artigos de acadêmicos, de ativistas e da mídia com análise crítica, expondo as diversas preocupações quanto à existência e limitações do Pacto Global 11 Com base em São Francisco, EUA, Corporate Watch (Corpwatch) foi criada pelo Tides Center, organização que dá suporte a iniciativas sem-fins lucrativos, com a finalidade de desenvolver pesquisa e jornalismo investigativo sobre violações cometidas por empresas e exigir a transparência e mecanismos de accountability internacional das empresas. Corpwatch lançou em setembro de 2000, dois meses após o primeiro encontro do Pacto Global, o documento Tangled Up
in Blue - Corporate Partnerships at the United Nations, o qual se tornou referência pelo uso da expressão bluewashing para indicar o como as empresas se utilizariam do Pacto para lavar sua imagem na bandeira (azul) da ONU. (www.corpwatch.org). Em 2000, Corpwatch ainda era chamada de Transnational Resource and Action Center (TRAC).
117
apresentem certos argumentos conjuntamente. São cinco os eixos centrais de
crítica: (a) os fundamentos ou leitura de mundo em que o Pacto se assenta; (b) o
vínculo institucional com a ONU; (c) as limitações estruturais; (d) os resultados
ineficientes; e (e) o esvaziamento da agenda alternativa de regulação.
4.4.1.
A crítica aos fundamentos que justificam a iniciativa
Primeiro, no que se refere aos fundamentos que justificam o Pacto Global,
critica-se a falsa percepção de que o processo de globalização e a elite econômica
mundial são os impulsores do desenvolvimento. Junto a isso, está o problema da
adesão voluntária como presunção de que o interesse das empresas corresponde ao
interesse de longo prazo da sociedade em termos de alcançar padrões ideais
ambientais, sociais e de direitos humanos (Martens, 2004). Como os interesses das
empresas estão voltados para o lucro, torna-se difícil acreditar na sua auto-
regulação. Seja percebido pelos críticos como um acordo institucional para
fortalecer o neoliberalismo, seja para dar ao neoliberalismo uma face mais
humana (Knight & Smith, 2008), o arranjo não discute o desnível fundamental de
autonomia assim como de poderes regulatórios e disciplinadores entre Estados e
empresas transnacionais (Knight & Smith, 2008). Tal desnível, porém,
corresponde a um dos pressupostos de um novo tipo de “governança global” que
seria mais apropriado para os interesses do estágio atual da globalização
neoliberal (Richter 2003, 40-42), ou seja, um processo de governança que tem
como base uma agenda de hegemonia do capital transnacional que impede
mecanismos de regulação e outras formas de freio à sua expansão termina
cumprindo a função de garantir, em última instância, o suporte político ao sistema
capitalista nas instituições internacionais.
4.4.2.
A Estratégia de bluewashing
O segundo eixo de crítica trata do vínculo institucional com a ONU, de
onde surge e onde se localiza a base operacional do Pacto Global. Como já
destacado no lançamento do Pacto Global, Kofi Annan assume um expresso
118
compromisso da ONU com o mundo corporativo e em defesa da globalização do
capital (Martens, 2004). Logo após o primeiro encontro oficial do Pacto Global, o
coletivo Corporate Watch, que articulava várias ONGs, lança um manifesto no
qual clama por uma ONU livre das corporações (Toward a Corporate Free UN) e
denuncia a estratégia das corporações de lavarem sua imagem na bandeira azul da
ONU (bluewashing)12. Além da crítica ao uso da imagem, a Corporate Watch
ainda denuncia a parceria da ONU com empresas reconhecidas publicamente por
violar os princípios do Pacto, o fato de a ONU estabelecer a relação com as
empresas na base de parcerias (e não apenas regulação ou contratação de
serviços), e o equívoco de a ONU aceitar que as empresas assumam
compromissos voluntários não-vinculantes (CorpWatch, 2000). Tal estratégia de
bluewashing por parte das empresas, as quais almejam melhorar sua imagem
pública vinculando-se à Missão da ONU, compromete uma suposta neutralidade
político-ideológica da ONU e permite que a reputação da ONU seja utilizada para
a promoção do capital (Knight & Smith, 2008).
4.4.3.
As limitações estruturais e a insuficiência de resultados
As limitações estruturais e a insuficiência de resultados representam um
terceiro eixo crítico, referindo-se à ausência de mecanismos de controle que
possam garantir que as empresas cumpram com os princípios afirmados no Pacto
(Knight & Smith, 2008). Como o monitoramento se dá, sobretudo, pelo envio
periódico de relatórios de progresso elaborados pelas próprias empresas, e como o
próprio escritório do Pacto Global reconhece suas limitações para verificar a
veracidade de tais relatórios, torna-se difícil assegurar a legitimidade do Pacto
Global em termos de monitoramento e garantia de cumprimento dos princípios.
Para as corporações transnacionais, seria bastante oportuna a adesão a um rol de
princípios com monitoramento limitado ou flexível.
4.4.4.
A cooptação das ONGs
12 Tangled Up in Blue. TRAC- Transnational Resource & Action Center. P. 3.
119
O desnível de poder entre empresas e organizações da sociedade civil é
aqui percebido como uma quarta etapa de críticas. O Pacto Global se apresenta
como multi-stakeholder, mas são poucas as ONGs que participam e as que entram
só o conseguem depois de passar pelo filtro dos membros do Pacto (Martens,
2004). Por outro lado, percebe-se uma incipiente reação do escritório do Pacto
Global na ONU à pressão para excluir violadores sistemáticos de direitos
humanos que são constantemente denunciados por ONGs e movimentos sociais
(Richter, 2003)13. De diferentes maneiras, portanto, são utilizadas estratégias de
disciplinamento das ONGs para que não ameacem o bom funcionamento das
atividades do Pacto, ou seja, para que se portem de forma apropriada, sob risco de
não serem bem-vindas. É o que explica Gregoratti após extensa pesquisa sobre os
bastidores das reuniões do Pacto Global:
The Compact’s network is composed, run and legitimised by
neoliberal elites, organic intellectual, MaNGOs (Market Non-
Governmental Organisations) and globalizing bureaucrats.
Participation in the Compact structures and engagement
mechanisms is dependent, amongst others, on material
resources, status, profession, gate keeping and geographical
location. More subtly, the research has identified a tendency by
the Compact Office to ostracise and depoliticize counter-
hegemonic social forces by sanctioning their inability and
unwillingness to work with the Compact, by screening
attendance to Dialogues and Policy Forums, and by setting
agendas for discussion which hold appeal to a narrow, and
mostly corporate, audience (Gregoratti, 2009).
Nesse contexto, nota-se que o fortalecimento das empresas como parceiros
estratégicos no Pacto Global é acompanhada de um processo de deslegitimação de
atores que não são se encaixariam no formato proposto pelas agendas das reuniões
e fóruns de discussão do Pacto. Portanto, cumpre-se um papel de esvaziar a
participação política de certos atores como etapa crucial para o esvaziamento de
propostas alternativas.
4.4.5.
13 É o caso, entre outras, das empresas Nestlé, Nike, Shell, Rio Tinto, Novartis, BASF e Aracruz.
120
O esvaziamento de propostas alternativas: marginalizando as
demandas por normas obrigatórias
Um último eixo de crítica que se articula com os anteriores, diz respeito ao
Pacto Global como uma estratégia de esvaziamento de propostas alternativas de
regulação das corporações nas Nações Unidas. O fato de já existir um marco
flexível de diálogo com as empresas dentro da ONU, dificulta avançar e
desacredita a agenda das organizações sociais que demandam “regras vinculantes”
(Martens, 2004; Soederberg, 2007). Ora, se a sociedade internacional reforçou o
poder do mercado com a criação da Organização Mundial do Comércio, na década
de 1990, com vistas a estimular o livre comércio e a entrada do capital
transnacional em todo o mundo, não há contraponto similar que submeta o
mercado a responsabilidades diante dos efeitos colaterais de sua expansão (Knight
& Smith, 2008). Ou seja, o Pacto Global não representa os anseios de um
empoderamento dos Estados e das pessoas diante do aumento do poder das
empresas, mas representa para a ONU e para as corporações a afirmação conjunta
de um mecanismo flexível indicando que algo está sendo feito.
4.5.
Os líderes do Pacto Global em debate com os críticos
O diretor do escritório do Pacto Global responde as críticas feitas ao Pacto,
observando que este não é nada mais do que um processo de aprendizagem e
conscientização para as corporações e demais participantes envolvidos. O
problema estaria então naqueles críticos que projetam expectativas que nunca
estiveram entre os objetivos do Pacto. Respondendo às críticas de Bart Slob,
pesquisador da organização holandesa SOMO14 e principal articulador do sítio
web Global Compact Critics, em um debate promovido pela revista Ethical
Corporation, Kell observa que o ponto central da crítica recebida é mais uma vez
a demanda por um mecanismo que submeta as corporações a normas obrigatórias,
o que o Pacto nunca quis ser:
14 O Centre for Research on Multinational Corporations (SOMO) é uma organização de pesquisa com sede na Holanda. Monitora as políticas e ações de corporações multinacionais e a expansão mundial do capital (<http://www.somo.nl>).
121
Your main point is the old argument that the Compact does not
work as a compliance-based system. As a matter of fact, the
Compact never pretended to do so, nor was it designed as one.
The fact that some observers continue to criticize the Compact
for something it never pretended to be is remarkable. Ever since
the inaugural launch on 26 July 2000, we have been very clear
that the Compact is about learning, dialogue and partnerships.
The UN does not endorse companies or their performance.
Rather, it seeks to promote collaborative efforts, transparency
and public accountability (Kell and Slob, 2008).
Nesse sentido, o papel do Pacto Global seria mais o de promoção dos
princípios, do que de proteção e garantia dos mesmos. Ora, como descreve
Ruggie, tanto os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, processo que surge
concomitantemente ao Pacto Global e com base em premissas similares, quanto o
próprio Pacto cumprem um papel mais que todo instrumental como “ferramenta
de mobilização social e política” (Ruggie, 2004). Mais relevante do que os
resultados é a possibilidade de legitimar princípios de conduta globalmente, cujo
impacto não é necessariamente sentido na esfera global tanto quanto na local:
“UN norms, whether on the rights of women or on sustainable development,
rarely cause anything directly; rather, they escape into the world, bearing the
bright seal of legitimacy” (Traub, 2006, 149).
Entretanto, o aspecto positivo de difusão dos princípios do Pacto Global de
uma esfera global para os âmbitos nacional e local, é visto pelos críticos como um
risco de propagação de um modelo elitista neoliberal de governança que,
reproduzido em redes locais e nacionais, gera impacto sobre a estrutura
democrática nesses espaços: “Replication of the Global Compact model all over
the world risks creating new networks of elite governance, entrenching corporate-
led neoliberal globalization and eroding democratic structures” (Richter, 2003,
44).
Percebe-se, portanto, que o Pacto Global se apresenta como um espaço de
diálogo e aprendizagem, com vistas a uma mudança na sensibilidade das
corporações, em oposição a um enfoque regulatório, sendo estruturado em um
formato de rede, uma nova estrutura organizacional de relacionamento mais
flexível e horizontal, em oposição a uma forma tradicional, vertical e burocrática,
122
de governança (Ruggie, 2004, 33). Porém, a descrição do Pacto Global como um
mero espaço de aprendizagem e conscientização entra em contradição com a
caracterização do Pacto como a principal iniciativa global de cidadania
corporativa, capaz de redimensionar a relação entre empresas e sociedades.
A participação de organizações não-governamentais entre os membros
filiados do Pacto Global gera controvérsias internas dentro dessas organizações e
entre as que estão e as que não estão filiadas. Interessa ao Pacto Global da ONU
ter tanto ONGs que atuam globalmente e assim legitimem o pacto qua global
quanto ter organizações mais locais que cumpririam a função de mobilizar as
redes locais monitorando o cumprimento dos princípios conjuntamente com os
representantes das empresas nessas localidades. Isso não significa que as ONGs
que fazem parte do Pacto se mostrem satisfeitas com os resultados até então
obtidos. ONGs como a Anistia Internacional seguem pressionando para que o PG
apresente resultados concretos e dê suporte a um marco regulatório com respeito
às empresas que violam direitos humanos (Richter, 2003, 22-23).
Mas qual deveria ser a postura das ONGs diante do Pacto Global? As
grandes ONGs envolvidas percebem que o Pacto apresenta avanços tímidos e
resultados ainda insatisfatórios, se distancia de um marco regulatório e busca
basicamente cumprir um papel de longo prazo de aprendizado das empresas sobre
como agir para não violar os princípios e aprimorar seu desempenho em termos de
responsabilidade social. Elas diferem entre si, porém, em propostas de reforma ou
de dissolução do Pacto Global. Note-se que caso fosse realizada a principal
reforma almejada pelas ONGs que ameaçam se retirar do Pacto Global, se este
não avançar em mecanismos de controle das empresas, haveria o risco de retirada
de corporações filiadas ao Pacto (Richter, 2003, 43).
4.6.
O Pacto Global como mecanismo de legitimação do capital
transnacional
123
A proposta do Pacto Global foi apresentada há mais de dez anos por Kofi
Annan no Fórum Econômico Mundial e consolidada em um primeiro encontro de
líderes em julho de 2000. Como já exposto, o Pacto foi lançado como uma
tentativa de resposta da ONU diante de um intenso processo de crítica e
contestação popular enfrentado pela classe capitalista transnacional, somado à
insatisfação com as organizações internacionais, e colocando em risco o processo
de globalização econômica. Em meio a essa crise do processo de expansão do
capital transnacional e à marginalização dos espaços de cooperação multilateral, a
articulação entre empresas transnacionais e a ONU se tornou ainda mais
estratégica para os dois lados. Em diferentes níveis de atuação, a ONU conseguiu
ampliar a colaboração com o setor privado, em grande parte graças ao amplo
diálogo gerado pela participação de sua Secretaria Geral e de suas agências com
empresas de grande relevância econômica no mundo.
Whether or not this new social contract actually reduced the
incidence of forced labor or job discrimination, it clearly
accomplished Annan´s original goal of repairing the UN´s
relationship with the corporate world and changing its
reputation as a nest of socialism. Virtually all UN agencies now
work with the private sector and seek to encourage public-
private partnerships (Traub, 2008, 147).
Note-se que as corporações, representadas principalmente pela Câmara
Internacional de Comércio, na reunião da então Comissão de Direitos Humanos15
da ONU, lograram a rejeição da proposta de Rascunho de Normas da Sub-
Comissão de Direitos Humanos. O debate se concentrava, então, na estrutura já
existente do Pacto Global, priorizando o enfoque de responsabilidade social diante
das demandas de responsabilização legal, possibilitando, portanto, que as
empresas pudessem capitalizar sua imagem com base em princípios sociais.
Não obstante, a crise financeira, que eclodiu em setembro de 2008, ainda
que remetesse mais aos bancos do que às indústrias, se tornou uma nova
oportunidade para o clamor das ONGs e movimentos sociais por um efetivo
controle do capital global. A descrença ampliada quanto à auto-regulação do
15 Em 2006, a Assembléia Geral da ONU criou o Conselho de Direitos Humanos, o qual substituiu a Comissão de Direitos Humanos, antes subordinada ao Conselho Econômico e Social.
124
capital tem gerado a renovação do discurso que demanda uma maior regulação
global do sistema capitalista. Exige-se, assim, uma governança global não tão
flexível e capaz de enfrentar os excessos cometidos pelos dirigentes das empresas
capitalistas que atuam globalmente. Para o Pacto Global, as crises econômicas
representam ao mesmo tempo uma oportunidade, pelo aumento na demanda de
princípios éticos que guiem as condutas das empresas, mas também uma ameaça,
já que um ambiente positivo para a implementação pelas empresas de práticas de
responsabilidade social depende de um bom funcionamento do sistema (Kell,
2008, 183; 189).
Como observado no começo do capítulo, o próprio diretor do Pacto Global
reconhece que a iniciativa surge como uma resposta aos movimentos contra o
neoliberalismo, representado sobretudo pelos protestos contra a OMC, mormente
o de Seattle em 1999. Trata-se de uma estratégia de mudança de discurso da classe
capitalista transnacional que, para garantir uma nova etapa de legitimação em face
da contestação, passa a adotar uma postura de sensibilidade solidária e busca de
diálogo em lugar de apenas celebrar a vitória do capitalismo neoliberal (Robinson,
2004, 171).
No entanto, a estratégia de priorização de um enfoque voluntário na ONU
passa pelo reconhecimento de que alternativas de estabelecimento de uma
regulação extensiva ou de códigos de conduta foram derrotadas graças à
habilidade das corporações de inviabilizá-las, caracterizando tais iniciativas como
difíceis ou impossíveis (May, 2006, 274;276). A eficiência legitimadora do Pacto
estaria, portanto, em despolitizar a resistência, através da institucionalização de
um marco normativo que se coaduna com o paradigma de desenvolvimento nas
bases do neoliberalismo. Trata-se, pois, de um instrumento essencial para o
projeto de hegemonia da classe capitalista transnacional e sua agenda neoliberal
na ordem mundial, já que assume e afirma a liberalização do comércio, práticas
corporativas de auto-regulação, além de sobrepor a lógica de mercado à
intervenção governamental (Soederberg, 2007, 508).
Como exposto, uma das principais críticas de acadêmicos e de ONGs ao
Pacto Global se refere ao fato de que o destaque dado a tal iniciativa na ONU
125
termina por afastar alternativas de normas vinculantes, obrigatórias, com efetivos
mecanismos de controle das violações de direitos humanos cometidas pelas
empresas transnacionais. Ou seja, torna-se relevante notar que as organizações
não-governamentais que criticam o Pacto Global, tanto de dentro quanto de fora
dele, demandam que a Organização das Nações Unidas assuma um papel de maior
controle quanto às responsabilidades das empresas transnacionais, legitimando
então a ONU como o espaço por excelência onde essas normas deveriam ser
construídas. Contudo, a convergência de empresas, ONGs e agências da ONU em
torno do Pacto Global desfavorece possibilidades de surgimento, dentro da ONU,
de um marco regulatório global para as corporações transnacionais, ou seja,
medidas para além do formato de auto-regulação que é característico do Pacto. Se
em seus dez anos de existência o Pacto Global não conseguiu preencher as
expectativas de organizações e movimentos sociais que o contestam, há que se
aprofundar o debate refletindo sobre estratégias de reforma do Pacto ou de
esvaziamento deste por parte das grandes ONGs internacionais que participam
dele, com vistas a efetivar uma maior articulação em torno de normas obrigatórias
e mecanismos de responsabilidade e responsabilização das corporações, tanto na
ONU e outras organizações internacionais quanto nos Estados.
Ao passo em que cumpre uma função de legitimação de um discurso de
adesão voluntária e de convergência acerca de uma agenda de responsabilidade
social das empresas, inviabilizando outras alternativas, o Pacto Global segue
também enfrentando desafios referentes a sua própria legitimidade, pois evidencia
uma clara disputa entre alternativas de soft e hard power como as que seriam mais
adequadas não só para atender as demandas de organizações sociais, mas até
mesmo para permitir no longo prazo a manutenção global de uma ordem mundial
capitalista.
The UN Global Compact comes closest to a unified system, but
it lacks sufficient legitimacy and acceptance; perhaps in time it
will gain its rightful place as an overarching system of values.
(…) However, research also needs to be done to determine the
opportunity costs and unintended consequences of pursuing soft
power in the face of hard realities (Sagafi-nejad, 2008, 200).
126
Em sua tese doutoral defendida em 2009 na Universidade de Manchester,
Catia Gregoratti reforça que a própria legitimidade do Pacto segue sendo precária,
pois este não consegue garantir a cooptação dos críticos, o que Gramsci chamava
de transformismo, ou seja, não consegue cooptar as forças contra-hegemônicas.
Assim, embora identifique uma disputa interna que fez gerar o “Novo Modelo de
Governança” e as “Medidas de Integridade”, observa que a batalha por hegemonia
é travada dentro do Pacto e que assim, ainda em termos gramscianos, o mesmo se
constitui como “um momento e um espaço no qual a revolução passiva se
desenrola” (Gregoratti, 2009, 265-266).
Questiona-se, no entanto, quais outras iniciativas poderiam ser observadas
na ONU no que se refere a um aprofundamento do debate sobre responsabilidade
das corporações, sobretudo buscando entender se realmente não há outras
perspectivas sendo pautadas em termos da construção de normas mandatórias na
ONU para as transnacionais. No capítulo anterior, foram elencadas algumas
tentativas frustradas (o Código de Conduta) e exitosas (o Acordo de Leite
Materno, o Pacto de Tabaco) no âmbito de uma ONU ainda sob influência da
Nova Ordem Econômica Internacional. Na década de 2000, diante do rechaço do
Rascunho de Normas por parte da então Comissão de Direitos Humanos, a ONU
coloca como resposta o mandato de John Ruggie como Representante Especial do
Secretário-Geral para Empresas e Direitos Humanos. O próximo capítulo se
dedica a analisar quais são as implicações do mandato de Ruggie para o processo
de legitimação do capital transnacional pelas mãos das Nações Unidas.