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4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
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4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
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TEXTO 1: APRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃO DA 4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE
DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
Jorge Mesquita Huet Machado
MOTE: “Saúde do trabalhador e da trabalhadora, direito de todos e todas e dever do
Estado”!
A quarta Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora -
CNSTT trata do desafio de tornar realidade o direito definido pela Política Nacional de
Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora - PNSTT (DOU, 24-08-2012) no cotidiano do
trabalho, nos processos de negociação, intervenção e de definição dos rumos do trabalho
no contexto do desenvolvimento econômico, ambiental e social em âmbito local, regional e
nacionalmente.
A PNSTT traz em seu texto a definição de papeis dos serviços de saúde, reafirma os
princípios do Sistema Único de Saúde - SUS de gestão participativa, da universalidade do
sistema e define ações de atenção integral a saúde do trabalhador em um modelo de
intervenção de coesão intrasetorial, com articulações intersetoriais.
O contexto das ações decorrentes parte da compreensão de seu pertencimento ao
campo da saúde coletiva e trata da análise e intervenções nas relações entre o processo de
trabalho e a saúde.
Tal interação ocorre em duas dimensões:
Em relação ao modelo de desenvolvimento regional, tendo como elemento de
intervenção e observação do trabalho suas relações sociais e bases técnicas
operacionais. Constituindo-se como um dos elementos estruturantes das
transformações do espaço, da dinâmica populacional e de seu modo de reprodução
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social. A repercussão na saúde se relaciona com o modelo de desenvolvimento
resultante e depende das formas de organização geral das condições de vida na
região e das trajetórias de reprodução e inserção social de cada individuo.
E de forma mais específica relacionada aos processos de trabalho em que o
trabalhador está envolvido em sua história de vida laboral. Em que as relações
sociais e a base técnica em que o trabalho se realiza interagem diretamente com os
trabalhadores constituindo-se em um condicionante de saúde. Esse tem sido objeto
das ações do campo da saúde do trabalhador, a intervenção direta em situações de
risco e vulnerabilidades específicas.
Deve-se observar a articulação entre as dimensões desde o modo de produzir da
sociedade no sentido da sua relação com o modelo de desenvolvimento, reflexão pertinente
aos sub-eixos 1 e 3 da CNSTT, que englobam a intersetorialidade, na perspectiva das ações
de desenvolvimento regional, a saúde do trabalhador nos territórios, bem como, as ações
voltadas para o fortalecimento da governança e da institucionalidade referente a promoção
e atenção à saúde dos trabalhadores no sentido da estruturação do sistema de saúde.
A TERRITORIALIZAÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR
O processo de debate da 4ª CNSTT deve dar ênfase a uma perspectiva de realização
em si, ou seja, que as diversas atividades organizadas para seu debate possam trazer uma
dinâmica ao processo de organização e um aprofundamento das questões em suas diversas
dimensões seja ela local regional e nacional, mas também de distintos recortes temáticos
por setores e problemas específicos também dimensionados em seus vários âmbitos e
responsabilidades em um processo de construção coletiva de uma maior articulação
institucional e popular.
Que enfrente os desafios locais de iniquidades de gênero, geracional e racial, bem
como questões de âmbito das relações e estruturações em um aperfeiçoamento de
processos de governança intra e inter institucionais. Que aponte prioridades locais de
enfrentamento das questões relacionadas aos principais problemas de saúde dos
trabalhadores e as estratégias para redução dos impactos na saúde relacionados ao trabalho.
Deve ser enfatizado que todas as etapas têm igual relevância; a conferência não
pode ser um processo de centralização de propostas para todos os níveis de intervenção, ao
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contrário, as etapas regionais e estaduais devem gerar propostas que tenham resolubilidade
regional e estadual.
A etapa de início, seja regional ou setorial, fundamenta as questões e traz a luz os
problemas contextualizados no território e processo produtivo a ele associado. A
participação se estabelece a partir do debate das estratégias da intervenção sanitária a ser
organizada e fortalecida.
A estratégia fundamental decorrente do processo de debate na 4ª CNSTT é o
fortalecimento do controle social e do processo participativo nas ações de saúde do
trabalhador. Configura-se como a ação e objetivo estruturante da PNSTT durante o
processo de conferencia e definido como sub-eixo “fortalecer a participação dos
trabalhadores e das trabalhadoras, da comunidade e do controle social nas ações de saúde
do trabalhador”.
Desse modo a 4ª CNSTT possibilita processos locais de organização, mobilização e
participação dos trabalhadores a partir de necessidades e demandas específicas, para além
do tempo de realização da conferência.
METAS ESTRATÉGICAS
Realizar uma conferência para fortalecer os caminhos do SUS na temática de saúde
do trabalhador na perspectiva de consolidar uma política pública participativa e
fundamentada nas ações, programas e questões sobre a temática das relações entre a saúde
e o trabalho que vem sendo realizados nas regiões.
A metodologia e a temática deve estabelecer um processo de discussão que
dialogue com a avaliação dos 25 anos do SUS e com a 15ª Conferência Nacional de Saúde.
O trabalho de mobilização para a 4ª CNSTT traz a perspectiva de que o “Direito a
Saúde do Trabalhador” é de todos e estruturante da ação estratégica de construir um
processo de participação na implantação da PNSTT.
A partir das possibilidades de intervenção no âmbito do SUS, dialogando com
outros atores no campo da relação saúde-trabalho. Em que as estratégias participativas e
intersetoriais devem ser definidas para além dos movimentos sociais e institucionais já
instituídos.
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A 4ª CNSTT deve avançar na instituição de modelos e práticas capazes de reverter
os elevados índices de acidentes e doenças gerados pelo trabalho e apontar problemas e
estratégias de superação em conformidade com a PNSTT.
Em um contexto de apropriação da PNSTT pelos profissionais e interlocutores
estratégicos envolvidos com a temática, caminhos e consequências a esse processo de
difusão e governabilidade de suas ações devem estar no centro do debate e propostas da 4ª
CNSTT.
O debate a ser travado em suas etapas deve apontar para formulação da governança
do processo da implantação da PNSTT e afirmar que a Política é de todos. Deve instituir
formas de interação nas práticas do cotidiano das ações de saúde do trabalhador no SUS,
introduzir a discussão dos determinantes sociais, em particular o trabalho em sua
perspectiva de desenvolvimento regional e em sua relação com a saúde.
O lema da saúde do trabalhador como responsabilidade de estado estabelece uma
perspectiva de mobilização permanente da saúde do trabalhador como política pública
integrada ao SUS e a responsabilidade do Estado em assegurar a proteção da saúde dos
trabalhadores e trabalhadoras do setor público e privado, formal e informal, rural e urbano.
Deve trazer ao debate quais são de fato as ações de saúde do trabalhador que estão sendo
implementadas a partir dos municípios e quais suas perspectivas. Sintetizar, como
resultado da agregação do debate, um panorama da saúde do trabalhador no Brasil e as
diretrizes para implantação da PNSTT.
Os debates da 4ª CNSTT devem responder se é possível centrar as ações com
responsabilidades de execução municipais, quais os aspectos regionais, estaduais e
nacionais devem ser problematizados e a partir da prática efetivar as ações da Rede
Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador - Renast e em particular dos Centros
de Referência em Saúde do Trabalhador - Cerest. Destacar as prioridades nas regiões e
quais setores econômicos tem sido foco de ação, registrar e analisar os planos locais, as
formas de organização dos trabalhadores, a discussão desenvolvida sobre a saúde do
trabalhador e definir quais problemas devem ser enfrentados.
Em essência é trazer de forma concreta o debate da forma pela qual a natureza é
modificada pelo trabalho, e de como isso gera saúde ou desgaste.
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Qual é apropriação do produto do trabalho para a sociedade? Qual a repercussão do
trabalho à saúde dos trabalhadores e trabalhadoras? O que liga o trabalho ao
desenvolvimento da região, ao território e aos trabalhadores locais? Qual é o contexto
socioambiental? Que ações estão sendo desenvolvidas pelo SUS no Estado e/ou município
para dar visibilidade aos acidentes e doenças do trabalho? Que ações estão sendo
desenvolvidas no Estado ou município para envolver os sindicatos? A síntese das
discussões deve analisar e produzir ações intersetoriais e propostas fundamentadas nas
realidades locais e regionais. Trazer componentes do SUS e especialmente dos Cerest para
dialogar com as prioridades locais, com quatro eixos de debate:
1. A intersetorialidade, na perspectiva das ações de desenvolvimento regional, a saúde
do trabalhador nos territórios.
2. A participação dos trabalhadores, processo de governança da política de saúde dos
trabalhadores, instâncias e processos participativos.
3. A definição da responsabilidade do SUS e sua relação com a saúde do trabalhador
na perspectiva intrasetorial e de regionalização de suas ações, articulação com a
atenção integral à saúde, a saúde do trabalhador em rede, especialmente com as
ações de vigilância em saúde e de regulação.
4. O financiamento das ações e a adequação das condições estruturais do trabalho em
saúde e especialmente um dimensionamento e qualificação dos trabalhadores
envolvidos diretamente com a PNSTT.
Em síntese espera-se que o processo de discussão desenvolvido pela 4ª CNSTT
traga para agenda dos trabalhadores a discussão de saúde como elemento estratégico para
discussão do modelo de desenvolvimento, definindo questões específicas prioritárias que
sejam estruturantes da sustentabilidade ambiental e social do trabalho. Que potencialize os
serviços e ações institucionais no sentido do amplo direito à saúde dos trabalhadores e
proponha ações propiciadoras de uma participação qualificada a ser instituída como
processo de governabilidade popular da saúde do trabalhador em âmbito local, regional,
estadual e nacional.
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TEXTO 2: SUB-EIXO I - O desenvolvimento socioeconômico e seus reflexos na saúde do
trabalhador e da trabalhadora;
O DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO E SEUS REFLEXOS
NA SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
Jorge Mesquita Huet Machado
MODELO DE DESENVOLVIMENTO E SAÚDE DO TRABALHADOR
Os modelos de desenvolvimento adotados pelos países em maior ou menor grau têm sido
marcados pela ênfase econômica com um fraco desempenho de sustentabilidade ambiental
e de consolidação de assimetrias sociais.
No Brasil tem-se adotado um modelo em que se destacam a produção de minerais e
produtos agrícolas, uma dependência do capital financeiro com forte endividamento
interno e externo, a incorporação de políticas sociais compensatórias de inclusão social e
de valorização do trabalho, e um esforço para o desenvolvimento de infraestrutura
focalizado em grandes obras e empreendimentos.
A política de saúde se insere no campo das políticas sociais e se expressa de uma forma
geral no direito constitucional da saúde para todos como dever do estado, formalizada pela
Lei n° 8080/90 e mais recentemente pelo Decreto n° 7508/11 e no campo da saúde do
trabalhador, com a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora - PNSTT,
de agosto de 2012.
A saúde do trabalhador é condicionada pelo modelo de desenvolvimento e, de uma forma
geral, relacionada à configuração dos componentes sócio ambientais dos territórios, onde
há a configuração das formas de produção e reprodução da sociedade, em que o trabalho
desempenha uma função estruturante. A repercussão na saúde depende assim das formas
de organização geral das condições de vida na região e das trajetórias de reprodução e
inserção social de cada individuo e dos estratos sociais.
As relações entre saúde, trabalho e desenvolvimento são estabelecidas de forma mais
específica em uma conexão direta com os processos de trabalho em que os trabalhadores
estão envolvidos em suas histórias de vida laboral.
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O foco de ação no campo da saúde do trabalhador tem sido marcado por demandas de
cunho trabalhistas e previdenciárias distantes das formulações da saúde coletiva e da
potencialidade de uma ação política direcionada ao modelo de desenvolvimento.
Em seu aspecto geral do trabalho como fator estruturante das condições de vida ou em
relação às situações de trabalho em si e suas repercussões diretas na interação processo de
trabalho e saúde dos trabalhadores.
A prática proposta para superação dessa situação é uma ação participativa articulada intra e
intersetorialmente que deve observar três dimensões, em relação ao modo de produzir da
sociedade no sentido da sua relação com o modelo de desenvolvimento, na intervenção
direta em situações de risco e vulnerabilidades específicas e na instituição da atenção
integral aos grupos de trabalhadores.
Nesse sentido uma ênfase deve ser dada ao processo local de realização da Conferência
Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora - CNSTT, a etapa de início, em que
se fundamentam as questões trazendo a luz os problemas contextualizados no território e
processos produtivos a ele associado. A participação se estabelece a partir do debate das
estratégias de intervenção sanitária a ser organizada e fortalecida em uma rede com foco a
partir da ação de acompanhamento e intervenção local.
O foco das discussões da PNSTT deve percorrer os seus objetivos em que se destacam:
Fortalecer a Vigilância em Saúde do Trabalhador - VISAT e a integração com os demais
componentes da Vigilância em Saúde, tendo como objeto as situações de risco,
necessidades e problemas de saúde nos territórios.
Desenvolver análise, intervenção, regulação, atenção integral, produzir e aplicar
tecnologias e dar condições materiais para estruturar as ações em VISAT, com uma ênfase
especial na formação de equipes.
Estimular a participação dos trabalhadores no desenvolvimento econômico e social da
região, na identificação de demandas, priorização e acompanhamentos das ações em fóruns
e atividades e de controle social do SUS.
Desenvolver ações intersetoriais e ações específicas em empresas públicas e por setores
econômicos integrando as ações a perspectiva de desenvolvimento local.
As características regionais expressam com menor ou maior ênfase as tendências nacionais
do modelo de desenvolvimento resultando em condições de trabalho e vida que configuram
um território e sua dinâmica. As formas de trabalhar se entrelaçam ao processo de
organização espacial dos locais de trabalho bem como da forma de deslocamento e de
moradia.
Um componente do processo de organização espacial do trabalho é sua aglomeração em
centros urbanos. Essa confluência de moradias, comércio e serviços entre eles a educação e
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saúde tornando a urbanização uma tendência inexorável para busca das possibilidades de
reprodução social.
Esse modelo de ênfase urbana está em conexão com o modelo de uso da terra como espaço
de acumulação em que a agricultura familiar se encontra em um polo de resistência
cultural, exigindo a descentralização das políticas públicas e a reordenação dos serviços de
educação, saúde, saneamento e de infraestrutura institucional. Contrapondo assim, ao
modelo urbano com seus componentes de desorganização no modo de mobilização e de
carência habitacional e de infraestrutura de saneamento. Se expressando em relações de
desigualdade, conflitos institucionais e em violência.
Nesse sentido, o debate do desenvolvimento regional é um tema estruturante para a
organização do trabalho com consequências diretas para a saúde dos trabalhadores.
No âmbito de cada etapa da Conferência são propostas como orientações gerais sobre o
tema “O Desenvolvimento socioeconômico e seus reflexos na saúde do trabalhador e da
trabalhadora”*:
Quais são as atividades produtivas predominantes na sua região ou no seu
território?
Quais são os principais problemas gerados para a saúde dos trabalhadores e
trabalhadoras relacionados aos ambientes e à organização do trabalho e as situações de
risco?
Quais as necessidades e problemas de saúde nos territórios, de que morrem e
adoecem os trabalhadores da região? Em quais setores e situações ocorre maior número de
acidentes e doenças relacionadas ao trabalho?
Há equidade entre brancos (as) e negros (as), homens e mulheres na remuneração
pelo trabalho e nos postos de comando? Há outras situações de descriminação e
iniquidade?
Quais as questões e lutas dos trabalhadores e trabalhadoras em curso na região?
Quais as formas de organização dos trabalhadores e trabalhadoras na discussão das
condições de trabalho na região? (comissões intersetoriais de saúde do trabalhador - CIST
dos Conselhos de Saúde, Comissões nas empresas, Grupos Temáticos de Saúde do
Trabalhador, Comissões e Comitês Intersetoriais em conjunto com o Ministério Público e
com o legislativo).
Quais e como tem sido o papel de outras instituições nas ações intersetoriais que se
antagonizam ou interagem favoravelmente para promoção da saúde dos trabalhadores e
trabalhadoras na região?
Os trabalhadores e trabalhadoras têm acesso a serviços de atenção à saúde para
diagnósticos de agravos relacionados ao trabalho e para fundamentar o reconhecimento dos
seus direitos previdenciários?
As fontes de informação (institucionais e não institucionais) disponíveis
possibilitam um bom diagnóstico da situação de saúde dos trabalhadores em sua
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localidade? Quais as facilidades e os entraves existentes para isso? Há a possibilidade de
desenvolver ações a partir dessas fontes?
PROPOSTAS ESTRATÉGICAS DE IMPLANTAÇÃO DA PNSTT
Definir uma agenda de saúde do trabalhador e trabalhadora no processo político de
discussão do SUS enquanto uma das estratégias para o desenvolvimento sustentável e
solidário, articulando ações locais com as políticas sociais e ambientais nacionais com
ênfase na implantação da PNSTT:
a. Estabelecer processo de fortalecimento dos espaços participativos para apropriação
da PNSTT visando o protagonismo dos trabalhadores(as) e suas organizações no processo
de sua implementação.
b. Estabelecer e potencializar a articulação e o diálogo entre a política de saúde (SUS)
e demais políticas públicas (intersetorialidade), superando a setorização, a fragmentação e
o corporativismo institucional.
c. Dar ênfase na construção de alternativas para o modelo de desenvolvimento
regional pautado em políticas sociais e ambientais.
d. Estimular processos locais de organização, mobilização e participação dos
trabalhadores e trabalhadoras.
e. Definir o financiamento para universalidade da seguridade social e das políticas
sociais e ambientais de desenvolvimento regional que dialogam com a PNSTT.
f. Desenvolver ações locais de promoção da saúde dos trabalhadores e trabalhadoras a
partir de necessidades e demandas específicas identificadas nos processos participativos.
* Propostas fundamentadas nas orientações da Comissão de Formulação e Relatoria.
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TEXTO 3: SUB-EIXO II - fortalecer a participação dos trabalhadores e das trabalhadoras, da
comunidade e do controle social nas ações de saúde do trabalhador e da trabalhadora.
PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM SAÚDE DO TRABALHADOR:
ENTRE O INSTITUÍDO E O INSTITUINTE
Maria da Graça Luderitz Hoefel1
Denise Osório Severo2
1. INTRODUÇÃO
A realização da 4ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora (4ª CNSTT), prevista para este ano de 2014, torna o momento atual propício
para o resgate e a reflexão acerca dos rumos que a participação social em saúde do
trabalhador tem trilhado nos últimos anos, sobretudo nas últimas décadas. A opção se deve
à convicção de que os avanços políticos sempre prescindem de um “olhar para trás” e de
um resgate do processo histórico vivido e construído pelo conjunto da sociedade, a fim de
iluminar os caminhos a seguir, realinhar rotas e superar os obstáculos encontrados. Sem
isso, corre-se o risco de retornar sempre ao mesmo ponto, desconsiderando processos,
pulsões e ideias depositadas pelos trabalhadores em espaços de debate e construção
anteriormente realizados.
Com efeito, as Conferências de Saúde constituem espaços fundamentais de
participação social - instituída enquanto instância do controle social do SUS – que
carregam em si a potência para deflagrar transformações importantes, sobretudo pela
amplitude que envolve a realização das mesmas. Mais do que o evento em si, é o processo
que o precede e a capacidade de dar concretude às deliberações realizadas que influência às
potencialidades que esse espaço poderá desenvolver no que se refere à reflexão, ao debate
e à construção de políticas públicas que, efetivamente, reflitam os olhares, os desejos e as
necessidades dos trabalhadores.
1 Doutora em Sociologia. Professora do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília.
Coordenadora do Laboratório de Saúde do Trabalhador/UnB.
2 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. Bolsista da
CAPES/PDSE. Pesquisadora do Laboratório de Saúde do Trabalhador/UnB.
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Contudo, esse processo e capacidade de efetivação das deliberações e demandas da
classe trabalhadora transcendem às Conferências, posto que há muitas outras formas de
participação social instituintes - vinculadas ao âmbito dos movimentos sociais - que
interferem no campo instituído e, como tal, suscitam o “olhar para trás”, a fim de
compreender as formas pelas quais os trabalhadores estão participando, o modo como
estão construindo políticas e criando espaços de vocalização, debate e luta por direitos de
cidadania.
Nesse sentido, entende-se que a elaboração das estratégias de fortalecimento da
participação social em saúde do trabalhador - definido como um dos eixos da 4ª CNSTT -
exige, necessariamente, a compreensão da conjuntura dos processos de participação, tanto
nos espaços instituídos de participação em saúde do trabalhador, como na esfera dos
movimentos sociais, haja vista que eles se entrecruzam e que o controle social do SUS é
fruto dos processos de luta dos movimentos.
Sendo assim, o presente artigo busca refletir sobre o cenário da participação social
em saúde do trabalhador, por meio do resgate e da análise dos processos de participação no
âmbito dos movimentos sociais e das Comissões Intersetoriais em Saúde do Trabalhador
(CISTs), posto que ambos constituem caminhos trilhados e, como tais, poderão subsidiar
os futuros delineamentos acerca das estratégias de promoção de diferentes formas de
participação da classe trabalhadora na elaboração, no acompanhamento e na fiscalização
das políticas de saúde no Brasil. Trata-se de uma pesquisa documental, com base em
documentos oficiais, relatórios de pesquisa e revisão bibliográfica.
2. A PARTICIPAÇÃO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA
No âmbito do presente trabalho, os movimentos sociais são concebidos conforme
proposto por Gohn (2008), ou seja, como expressões das ações coletivas que traduzem
lutas sociais, econômicas ou culturais. Desse modo, os movimentos e as novas formas de
expressão da participação social traduzem as permanentes disputas e alianças entre as
distintas frações sociais existentes no interior da sociedade civil e expressam o modo como
à sociedade se organiza em cada período histórico.
Com efeito, no decorrer do século XX, os movimentos sociais transitaram por
momentos de maior ou menor articulação, dependendo da conjuntura econômica e política
de cada país. Assim, a observação histórica revela um câmbio nas formas de expressão da
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sociedade civil produzido no próprio desenvolvimento dos processos de luta e acompanhou
as transformações macroestruturais da sociedade.
Após a segunda metade do século XX, entre os anos 70 e 90, é possível perceber a
transição dos movimentos sociais em seu caráter, objetivos e estratégias de atuação. Do
mesmo modo que o sistema passou por diferentes períodos de acumulação e crises, os
movimentos sociais transitaram de uma postura clássica, pautada na luta por alterações
estruturais e traduzida em estratégias de mobilização de massa - com cunho reivindicatório
e opositor ao Estado - para uma característica policlassista e propositiva, voltada à luta por
cidadania, porém focalizada e traduzida em manifestações mais pontuais (Gohn 2008;
Carvalho 1995; Severo, 2008).
Desse modo, os esforços realizados na última década do século XX parecem ter
sido canalizados para a superação da democracia representativa e a construção de novos
espaços e mecanismos direcionados à construção da democracia participativa. Com efeito,
esse período é marcado pela regulamentação dos princípios participativos na relação do
Estado e Sociedade. Além disso, pode-se notar, durante esse período, a ascensão das
questões subjetivas e culturais como elementos incorporados à centralidade das lutas, ao
mesmo tempo em que revela novos contornos às ações coletivas. Assim, o cenário dessa
fase evidencia a multiplicidade de expressões da participação social (Severo, 2008).
Na América Latina, essas alterações refletem na restruturação produtiva global,
cujas mudanças se expressam por meio de adoção de políticas neoliberais, privatizantes e
de mercado, centradas na redução da intervenção do Estado na oferta de bens e serviços de
natureza social (Ferrer, 2004; Laurell, 2000; Anderson, 1995). Essas políticas,
consolidadas nos anos 90, desencadearam sucessivas reformas constitucionais que
subtraíram progressivamente os direitos dos cidadãos, promovendo privatizações,
diminuição dos investimentos em políticas públicas, sucateamento do Estado e desemprego
estrutural, dentre tantos outros impactos que comprometeram seriamente a garantia dos
direitos sociais e a manutenção da vida humana.
Desse conjunto de mudanças emergiram diferentes formas de participação e
expressão das organizações coletivas da sociedade. Nesse sentido, os anos 90 deflagraram
o marco do surgimento de novos atores sociais envolvidos nesses processos e na
construção de novas estratégias e de espaços de manifestação social. Buscou-se ampliar a
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luta anticapitalista na região com a emergência de novos atores sociais, até então distantes
dos processos de participação. Nesse processo, a luta social vem se tornando mais
complexa, como resultado das mudanças na organização produtiva, social e cultural e
concorreu para a construção de formas alternativas antineoliberais de participação social
no final do século passado (Hoefel et al, 2010).
Nesse sentido, cabe ressaltar a ascensão das Redes Sociais3 como mecanismos de
participação que se fortaleceram ao longo desta década e traduziram uma das importantes
formas de expressão que viriam a se consolidar no final do século XX, como é caso do
Fórum Social Mundial.
Assim, o início do século XXI parece refletir as características da dita
contemporaneidade, em que as fronteiras entre o novo e o velho parecem perder a nitidez e
as manifestações traduzem a complexidade e a multiplicidade das formas de expressão e
construção das relações sociais e humanas (Severo, 2008). Dessa forma, os movimentos e
grupos sociais organizados se expressam na primeira década do século XXI por meio de
manifestações que revelam tanto características das lutas dos anos 70 e 80, traduzidas nas
manifestações de massa e na oposição ao Estado, como também expressam elementos dos
anos 90, como o caráter policlassista, a contestação ao modelo neoliberal adotado, e as
lutas menos vinculadas às alterações estruturais e mais voltadas ao direito e às diversidades
culturais, políticas e sociais, bem como a luta pelo exercício da cidadania (Gohn, 2008;
Carvalho, 1995; Severo, 2008).
Com efeito, o contexto atual latino-americano revela a emergência de movimentos
campesinos e indígenas na Bolívia, Equador, México, Brasil e Argentina, identificados nos
manifestos dos cocaleros e indígenas Andinos, nos movimentos dos desocupados na
Argentina, nas experiências zapatistas do México e nas práticas de autogestão encontradas
na Bolívia, no Equador e nos assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) no Brasil (Seoane, 2006).
3 Referindo-se às Redes Sociais, Lumnitz (2009, p.18) pondera que: “Uma rede social é um campo
de relações entre indivíduos que pode ser definido por uma variável predeterminada e se referir a
qualquer aspecto de uma relação. Uma rede social não é um grupo bem definido e limitado, senão
uma abstração científica que se usa para facilitar a descrição de um conjunto de relações
complexas em um espaço social dado. Cada pessoa é o centro de uma rede de solidariedade e, ao
mesmo tempo, é parte de outras redes”
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Cabe ressaltar que existem diversas experiências de participação social criadas
nesse contexto e em gestões de governos progressistas que se referem à participação social
no interior da estrutura do Estado, casos que se aplicam ao controle social, à gestão
participativa e ao Orçamento Participativo no Brasil, ao processo participativo popular da
Frente Ampla no Uruguai, à gestão participativa de prefeituras conquistadas pelo
Movimento Indígena no Equador, aos Conselhos de participação popular na Venezuela, à
experiência de gestão participativa na cidade do México, dentre outros (Hoefel et al, 2010).
As diferentes formas de participação social existentes evidenciam as características
da contemporaneidade e, como tais, expressam a complexidade e a diversidade, típicas do
atual período. Por outro lado, é preciso destacar que essas formas de atuação contribuíram
para a ascensão de governos progressistas na conjuntura política da América Latina na
primeira década dos anos 2000, evidenciadas principalmente nas sucessivas vitórias de
Chavez, Morales, Lula, Correa, dentre outros (Hoefel et al, 2010).
Essas conquistas parecem ter sido favorecidas, segundo Breilh (2010), pelo
contexto de crise de hegemonia decorrente da crise financeira dos EUA e da comunidade
europeia, e sinalizam um momento importante de mudanças estruturais e conjunturais na
América Latina. As mudanças influenciaram em alguma medida os processos de
articulação social e contraposição ao modelo político-econômico vigente, ainda que
carregue em si elementos contraditórios que decorrem das relações entre a sociedade civil
e a sociedade política, e seus reflexos sobre a organização social e a produção da vida
(Hoefel et al, 2010).
É importante ressaltar que o início da segunda década do século XXI parece tornar
cada vez mais evidentes as repercussões globais das transições sociais, como pode ser
observado no reascenso de grandes mobilizações deflagradas pela Primavera Árabe a partir
de 2011, seguida pelos Movimentos dos Indignados na Espanha, Grécia e Portugal, pelo
Movimento Occupy Wall Street nos Estados Unidos, pelos manifestos estudantis no Chile
e, mais recentemente, pelas manifestações que eclodiram em junho de 2013 no Brasil.
Embora distintas, essas mobilizações traduzem a multiplicidade de formas de participação
social atualmente existentes e, ao mesmo tempo, reiteram a importância de refletir sobre
todas elas.
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3. PARTICIPAÇÃO SOCIAL E SAÚDE NA AMÉRICA LATINA
A proposta de realização da saúde como projeto político, social, democrático,
participativo e cidadão tem fortes ligações com o movimento mais geral de
redemocratização na América Latina. A hegemonia na região de uma concepção elitista e
liberal levou que o Estado implementasse uma lógica desigual e excludente de saúde com
privilégio dos interesses capitalistas em detrimento das expectativas de boa parte da
população. O trabalho de crítica às desigualdades geradas no aprofundamento das relações
capitalistas de produção e consumo na América Latina (Paim, 2006) definiu a constituição
do que ficou denominado como o campo social da saúde, com expressões no movimento
da Epidemiologia Social, da Medicina Preventiva e Social, bem como da Saúde Coletiva
no Brasil.
São propostas que surgiram e se estruturaram como projetos políticos de articulação
entre movimentos e instituições. Um caminho que buscou ancoragem no pensamento
social, particularmente na filosofia Marxista4 com as categorias teóricas fundamentais de
críticas ao modelo de produção e reprodução social do capitalismo, como dimensões
objetivas de realização ou negação da saúde e da liberdade. Esse movimento crítico tem
permitido repensar a saúde como uma questão social e democrática, determinada nas
relações sociais e de poder entre estado e sociedade nas condições da América Latina
(Hoefel et al, 2010).
Tais análises partem da premissa de que as posições de classe explicariam melhor o
processo saúde-doença do que qualquer fato biológico, particularmente nos países
periféricos, onde a modernização capitalista traduziu-se na internacionalização, na
industrialização e na urbanização aceleradas, com uma forte desigualdade entre os mais
ricos e os mais pobres (Breilh, 1986).
4 Segundo PAIM (2006:32): “Cinco conjuntos de fatos podem ser mencionados como contribuições
iniciais do pensamento marxista ao projeto da saúde coletiva: a) Reunião de Cuenca em 1972; b)
Tese da profa. Cecília Donnângelo – O Médico e seu Mercado de Trabalho em 1972; c) Influência
do Dr. J. C. Garcia - Educação Médica na América Latina em 1972; Teses de Arouca em 1975 e
Donnângelo em 1976, baseadas em autores marxistas; e) Desenvolvimento da Medicina Social e
emergência do campo da saúde coletiva”.
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
17
Um caminho teórico e de lutas que buscam na filosofia e na economia política as
justificativas que ampliem a compreensão da saúde, atualizadas pelo conhecimento
contemporâneo e no pensamento sociológico crítico da modernidade. Um posicionamento
crítico do conhecimento e na condição de acumulação pós-moderna capitalista e suas bases
coloniais de classe, gênero e raça-etnia. Uma concepção positiva e integral da saúde com
base no pensamento de liberdade (Pereira, 2010).
Nessa perspectiva transformadora e de participação social, busca-se uma
compreensão ampliada da saúde, entendida como fenômeno político que não se reduz a
uma racionalidade individualista do homem, pois, sobretudo, é na liberdade do ser cidadão,
sujeito de direitos e responsabilidades, em movimento de vontade de viver em
comunidade, que ela se conforma em conhecimentos, institucionalidades e poderes. A
saúde definida como novas institucionalidades e novos saberes que vão surgindo em todos
os campos da vida social, com perspectivas de justiça social, de cidadania e de direitos
humanos (Pereira, 2010).
Essa perspectiva de produção social da saúde constitui o fio condutor que atravessa
as reflexões contidas neste artigo, a fim de problematizar o processo histórico de luta da
sociedade e da classe trabalhadora pela conquista do direito à saúde e participação social,
bem como as especificidades da participação social em saúde do trabalhador.
4. O MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA NO BRASIL
A conjuntura política dos anos 70 precipitou a organização de diferentes segmentos
da sociedade civil em movimentos sociais que compartilhavam a luta por melhores
condições de saúde da população e pela redemocratização do país. Os diversos
movimentos sociais que emergiram nesse contexto foram fundamentais para a reconquista
da democracia e para a construção do Sistema Único de Saúde no Brasil.
A ascensão do Movimento Sanitário aconteceu em meados da década de 70, e
desempenhou papel determinante no processo de luta por transformações sociais no país.
Com relação ao Movimento Sanitário - maior protagonista da luta pela Reforma Sanitária -
embora tenha surgido no meio acadêmico, ele articulou-se em seu decurso com outras
forças de luta, sobretudo o Movimento Sindical, por meio das organizações sintonizadas
com as premissas do “novo sindicalismo” e as formulações teórico-conceituais produzidas
pelo campo da Saúde Coletiva, elemento que favoreceu a inclusão das questões da saúde
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
18
do trabalhador na agenda da Reforma Sanitária brasileira (Dias e Hoefel, 2005; Escorel,
1998; Da Ros, 2005).
Nesse cenário foi travada a luta social pela construção do SUS e pela garantia do
direito à participação social nas concepções das políticas de saúde, definida como um de
seus princípios e denominada, posteriormente, de controle social do SUS. A 8ª Conferência
Nacional de Saúde, realizada durante o período de redemocratização do país, incluiu em
seus temas três questões principais: a saúde como dever do Estado e direito do cidadão, a
reformulação do Sistema Nacional de Saúde e o financiamento setorial, priorizando as
relações entre saúde e cidadania.
A 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, foi o acontecimento
político-sanitário mais importante da década em virtude do seu caráter democrático e da
maciça adesão de diferentes setores da sociedade (Mendes, 1999). A luta histórica do
Movimento Sanitário se refletiu na aprovação de um capítulo sobre a saúde na
Constituição Federal de 1988 e na criação do Sistema Único de Saúde (SUS) com a
garantia da participação social na sua gestão, configurando um fato inédito no país
(Escorel, 1999).
A consagração da saúde como um direito de todos e dever do Estado e a instituição
do controle social do SUS, garantidos na Constituição Federal, inaugurou uma nova fase
no que se refere às relações entre a sociedade civil e a sociedade política. A proposta do
SUS refletiu um projeto consoante com a construção da cidadania, tanto por representar
uma conquista social, como por incluir em seus princípios a descentralização das ações e
serviços de saúde e a participação da comunidade (Mendes, 1999), aproximando a
população do processo de elaboração e da tomada de decisão sobre as políticas de saúde
adequadas às demandas da realidade local. Sendo assim, os princípios e diretrizes do SUS
representaram um novo objeto na agenda sanitária brasileira que deve ser visto como uma
“(...) situação-objetivo a ser alcançada no processo de construção do SUS” (Mendes,
1999, p.124).
5. PARTICIPAÇÃO SOCIAL INSTITUÍDA: CONTROLE SOCIAL EM SAÚDE
DO TRABALHADOR
O direito de participação social na elaboração, no acompanhamento e na
fiscalização das políticas públicas de saúde no Brasil representa um avanço histórico
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
19
conquistado pelo conjunto da sociedade e da classe trabalhadora do país, instituído com a
Constituição Federal de 1988.
As instâncias de participação social - posteriormente denominadas de controle
social – foram instituídas desde então, especialmente ao longo dos anos 90, após a
regulamentação do SUS por meio das Leis Orgânicas 8080 e 8142/90. Além disso, o
controle social é regido pela Resolução 33/92, Resolução 333/03 e a recente Resolução
453/12 do Conselho Nacional de Saúde.
Destaca-se que, no âmbito da saúde do trabalhador, agregam-se à legislação que
rege o controle social do SUS, anteriormente mencionada, outras Portarias (Portarias
3908/98, 1679/02, 2437/05 e 2728/09 do MS) que estabelecem particularidades no que
tange às esferas de controle social em saúde do trabalhador.
Nesse sentido, as Comissões Intersetoriais em Saúde do Trabalhador (CIST)
constituem esferas específicas de exercício do controle social em saúde do trabalhador, que
se vinculam de modo direto às demais instâncias instituídas de controle social do SUS.
Com relação à Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador (CIST) Nacional, a
Resolução 11, de outubro de 1991, do Conselho Nacional de Saúde, define:
“As comissões intersetoriais nacionais têm a
finalidade de promover a articulação e a
intercomplementariedade de políticas, programas e
ações, no que concerne ao interesse da saúde, cuja
execução envolva áreas não compreendidas no âmbito
específico do Sistema Único de Saúde – SUS.” (Brasil,
1991).
Por outro lado, em relação às Comissões Intersetorias de Saúde do Trabalhador
(CIST) Estaduais e Municipais, a Norma Operacional de Saúde do Trabalhador (Resolução
3908/98) do MS, no seu artigo 10º, recomenda a instituição de:
“(...) Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador,
com a participação de entidades que tenham interfaces
com a área de saúde do trabalhador, subordinada aos
Conselhos Estadual e Municipal de Saúde, com a
finalidade de assessorá-lo na definição das políticas,
no estabelecimento de prioridades e no
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
20
acompanhamento e avaliação das ações de saúde do
trabalhador” (Brasil, 1998).
Posteriormente, com a instituição da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Trabalhador (RENAST), as Portarias 1679/02, 2437/05 e 2728/09 definiram que o controle
social da RENAST deverá ser realizado por meio dos Conselhos e Conferências de Saúde,
bem como das Comissões Intersetoriais em Saúde do Trabalhador. Assim, as CISTs
constituem a principal instância de controle social em saúde do trabalhador e possuem um
papel fundamental no que se refere à construção e implementação das ações em saúde do
trabalhador e à própria consolidação da RENAST.
Embora a formação de Conselhos de Saúde e a realização periódica das
Conferências tenham contribuído para a inclusão de milhares de novos atores sociais em
esferas de interlocução entre a sociedade civil e a sociedade política – aspecto que tem
favorecido o avanço da democracia participativa no Brasil - sabe-se que existem ainda
inúmeros desafios à consolidação do controle social e à construção de estratégias capazes
de fortalecer diferentes formas de participação social em saúde.
No que tange ao campo da saúde do trabalhador, agregam-se outros desafios
relacionados ao histórico de construção das políticas voltadas à melhoria das condições de
vida e trabalho da classe trabalhadora, bem como aos desafios inerentes ao permanente
conflito capital-trabalho, cujas repercussões naturalmente se expressam de modo agudo nas
instâncias vinculadas à saúde do trabalhador.
Observando-se os espaços instituídos de participação social em saúde do
trabalhador – Conselhos, Conferências de Saúde e CISTs – percebe-se uma discrepância
no que tange à implantação dessas esferas, se comparado ao conjunto do controle social em
saúde. Segundo dados do portal brasil (2012), existem 5.586 Conselhos de Saúde
instituídos e, após a Constituição de 1988 e a criação do SUS, já foram realizadas 06
Conferências Nacionais de Saúde.
Por outro lado, especificamente em relação ao controle social em saúde do
trabalhador, no mesmo período (entre 1988 e 2013), a saúde do trabalhador realizou duas
Conferências Nacionais de ST5 e, segundo dados do Relatório de Pesquisa intitulado
5 A 1² Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (CNST) foi realizada em 1986, a 2ª CNST foi
realizada em 1994 e a 3ª CNST em 2005.
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
21
“Avaliação das Comissões Intersetoriais de Saúde do Trabalhador sob a ótica dos
representantes dos trabalhadores” (Hoefel et al, 2013), fruto de recente pesquisa, existem
atualmente 95 CISTs implantadas, sendo 25 CISTs Estaduais e 70 CISTs Municipais.
Nota-se que o número de CISTs Municipais ainda é muito baixo, posto que, em sua
origem, almejava-se a criação de uma CIST em cada município do Brasil - articulada com
os respectivos Conselhos de Saúde - a fim de assessorar, qualificar e propiciar a construção
de políticas de saúde do trabalhador adequadas às reais demandas da classe trabalhadora.
Com efeito, a necessidade de fortalecimento das CISTs é uma demanda recorrente
pelos membros do controle social e militantes da saúde do trabalhador ao longo dos anos,
sobretudo no decorrer da última década. Nesse sentido, as deliberações da 3ª Conferência
Nacional de Saúde do Trabalhador (CNST), realizada em 2005, apontam a necessidade de
aportar investimentos nos processos de formação e fortalecimento da participação social
em saúde do trabalhador (Hoefel e Severo, 2011).
Posteriormente, o Processo de Devolutivas da 3ª CNST, realizado em 20 estados do
Brasil ao longo dos anos de 2006 e 2007, também ressaltou, como uma das principais
demandas, a importância da construção de estratégias de ampliação das CISTs e demais
formas de participação em todo o território nacional (Hoefel e Severo, 2011).
Nesse sentido, embora o quantitativo de CISTs Municipais (70) seja muito baixo,
percebem-se alguns sinais de avanços no que tange à formação dessas instâncias. Dados
indicam que entre 1995 e 2011 foram criadas somente 36 CISTs Municipais, enquanto que
entre 2012 e 2013 foram criadas 34 (Hoefel et al, 2013). Apesar da pequena
representatividade do número absoluto, esse resultado sugere mudanças na condução das
políticas, posto que nos dois últimos anos foi formada quase a mesma quantidade de CISTs
que nos 16 anos anteriores.
Quanto às CISTs Estaduais, nota-se que a maioria delas, precisamente 18 do total
de 25 existentes foram formadas entre 1994 e 2011, enquanto as 07 restantes foram criadas
entre 2012 e 2013. Percebe-se que as CISTs Estaduais foram implantadas de modo lento e
gradual, embora os dados também sinalizem uma ampliação nos últimos dois anos.
É possível que isso esteja relacionado ao fato de que, ao longo dos anos 90, a
centralidade dos esforços do movimento sindical - no que tange à saúde - girava em torno
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
22
da construção de ações de saúde do trabalhador, em conjunto com os Centros de
Referencia em Saúde do Trabalhador (CERESTs) e os Programas de Saúde do
Trabalhador. Ademais, outra explicação provável se deve ao fato de que a implantação das
políticas de saúde do trabalhador, sobretudo a partir do começo dos anos 2000, também
ocorreu de maneira gradual, sendo inicialmente implementadas de modo mais expressivo
nos níveis estaduais, com a habilitação dos CERESTs a partir da RENAST.
É interessante também notar que, ao observar a composição das CISTs, percebe-se
que tanto nas CISTs Estaduais quanto nas Municipais, a categoria com maior
representação refere-se ao grupo que inclui “federações/sindicatos/ONGs e/ou associações
de trabalhadores”. Do total de 25 CISTs Estaduais, em 24 delas há representação dessas
categorias, e do total de 70 CISTs Municipais, em 49 delas essas categorias estão presentes
na composição dessas arenas (Hoefel et al, 2013). Esse dado evidencia que, apesar dos
desafios, os trabalhadores e seus representantes estão participando dos espaços instituídos
do controle social mais do que qualquer outra categoria de ator social.
No entanto, considerando que as CISTs constituem a principal instância do controle
social em saúde do trabalhador e destinam-se, em sua essência, à participação da sociedade
civil organizada na gestão do SUS, surpreende o fato de existir CISTs que não apresentam
em sua composição representantes dos trabalhadores. Isso indica, no mínimo, uma situação
paradoxal que necessita reflexão, a fim de construir caminhos capazes de corrigir
distorções e garantir que essas arenas, efetivamente, se constituam em espaços
democráticos de participação social em saúde. Com efeito, discutir e elaborar políticas de
saúde do trabalhador sem os sujeitos da ação mostra-se anacrônico, sendo um sinal que
tanto pode representar obstáculos à participação destes atores, como também demonstra
descrença nas próprias esferas.
Ainda com relação à composição, destaca-se no âmbito das CISTs Estaduais a
presença dos CERESTs (19/25), Centrais Sindicais (16/25), Outras Áreas da Secretaria de
Saúde (12/25), Ministério do Trabalho e Emprego (09/25), Entidades de Ensino (09/25) e
representes dos Empregadores (06/25). Muitos outros atores sociais foram identificados,
porém com menor representação. Por outro lado, nas CISTs Municipais os demais atores
sociais com representação significativa foram: Outras Áreas da Secretaria da Saúde
(42/70), CERESTs (31/70), Previdência Social (25/70), Ministério do Trabalho e Emprego
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
23
(21/70), Empregadores (16/70), Entidades de Ensino (15/70) e Centrais Sindicais (07/70)
(Hoefel et al, 2013).
Nota-se que ambas as instâncias revelam em sua composição uma multiplicidade de
atores sociais que sinalizam, em certa medida, a busca da concretização da
intersetorialidade. Em verdade, a observação da composição permite identificar que os
espaços das CISTs têm contemplado tanto a representação dos trabalhadores como também
do Estado e do capital (empregadores), ainda que exista diferenças expressivas entre o grau
de representação de cada um nas respectivas CISTs. De fato, nas CISTs Estaduais destaca-
se a alta presença dos CERESTs e das Centrais Sindicais, enquanto nas CISTs municipais
evidencia-se grande representação de áreas da Secretaria de Saúde e pequena presença das
Centrais Sindicais.
Cabe realçar que, no que tange às Centrais Sindicais, é possível que a baixa
representação em nível municipal se deva ao fato de que grande parte das demandas das
lideranças das Centrais está relacionada aos debates e às articulações em nível
macropolítico e, como tal, naturalmente enfrenta o desafio de concatenar agendas dos
níveis local e nacional. Outras questões que podem constituir-se em causas possíveis da
baixa representação mencionada relacionam-se a desafios do próprio movimento sindical e
às transições por que passam o conjunto dos movimentos, as fragmentações internas, a
falta de formação de quadros e de engajamento da juventude, as relações com o Estado,
dentre outras. Mesmo assim, é importante resgatar que a baixa representação refere-se
especificamente às Centrais, posto que os sindicatos encontram-se na categoria mais
presente nas CISTs, como já discutido anteriormente.
Com efeito, o baixo engajamento da juventude na ocupação dos espaços das CISTs
é algo notável no cotidiano. Dados sobre o perfil sociodemográfico dos representantes das
CISTs que participaram da referida pesquisa (Hoefel et al, 2013) indicam que mais de 50%
das pessoas que responderam aos questionários estão engajadas há mais 15 anos na
militância em suas respectivas organizações. Ou seja, nota-se que são majoritariamente
pessoas com larga experiência de militância política.
Nesse sentido, outros resultados do estudo também revelam que o principal fator
que favorece a participação dos representantes dos trabalhadores nos espaços das CISTs
são a satisfação e o compromisso com a militância em saúde do trabalhador. Além disso,
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
24
ser sindicalista, conselheiro de saúde, membro da CIST e/ou representante em outras
esferas políticas, também foi citado como um elemento que favorece a participação dos
trabalhadores nessas instâncias de participação social instituída (Hoefel et al, 2013).
Por outro lado, a falta de reconhecimento da gestão sobre a importância das CISTs,
a falta de estrutura e recursos financeiros, assim como as dificuldades relacionadas às
agendas dos movimentos e organizações são fatores apontados como obstáculos ao
exercício da participação (Hoefel et al, 2013). Com efeito, o exercício pleno da
participação social em saúde do trabalhador nas instâncias das CISTs implica,
necessariamente, na participação em todos os processos, desde a elaboração, o
planejamento e a fiscalização do conjunto das políticas voltadas à classe trabalhadora,
posto que o impedimento ou obstáculo a qualquer destes âmbitos compromete o exercício
do direito de participação e também o avanço da democracia participativa no Brasil.
Nesse sentido, a pesquisa de avaliação das CISTs (Hoefel et al, 2013) também
assinala que 72% dos questionários aplicados aos trabalhadores membros das CISTs
apontam que eles estão participando do planejamento das ações em saúde do trabalhador e
que 70% participam da programação anual. Contudo, somente 59% participam da
avaliação do Relatório de Gestão Anual.
Esses dados revelam avanços e limites no que tange à participação em tais esferas,
pois, a priori, não deveriam existir quaisquer planejamento e programação sem a
participação efetiva dos representantes dos trabalhadores. No entanto, pode-se dizer que o
percentual revela uma situação razoável, que merece atenção e superação, mas que dá
sinais de potencialidades.
Entretanto, no que toca à avaliação, o resultado é ainda mais preocupante, porque
evidencia que pouco mais da metade dos trabalhadores membros das CISTs consegue
avaliar a implementação das políticas e aplicação dos recursos públicos destinados para tal.
Esse fato configura, por si só, uma profunda distorção, pois infringe o direito da classe
trabalhadora de acompanhar e intervir sobre o destino dos recursos, além de inviabilizar
possíveis correções e alterações estratégicas advindas do processo avaliativo. Cabe
ponderar que não adianta participar da elaboração de qualquer processo se não houver
mecanismos que permitam vislumbrar em que medida as deliberações estão sendo
cumpridas.
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
25
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O resgate histórico e a análise dos processos de participação social em saúde do
trabalhador nos espaços instituídos e no âmbito dos movimentos sociais nas últimas
décadas permitem identificar que a classe trabalhadora sempre construiu formas de luta por
melhores condições de vida e trabalho. A participação e a atuação dos movimentos sociais
foram fundamentais para o processo de retomada da democracia no Brasil, para a conquista
da Reforma Sanitária e do direito de participação social na gestão das políticas públicas de
saúde.
Nesse sentido, conduziram à construção de inúmeros espaços de interlocução entre
a sociedade e o Estado, o que favorece o aprofundamento da democracia no país. No
âmbito da saúde do trabalhador, o Movimento Sindical sempre esteve no bojo desses
processos e contribuiu expressivamente para a criação das Comissões Intersetoriais em
Saúde do Trabalhador (CISTs) e para a construção das políticas de saúde do trabalhador ao
longo de décadas. De fato, conforme apontado na análise, os representantes do Movimento
Sindical e de suas organizações são os principais atores sociais que compõem as CISTs
Estaduais e Municipais existentes atualmente.
No entanto, o número de CISTs Municipais formadas ainda é muito baixo e,
embora conte com a presença significativa de sindicatos, federações, ONGs e associações
de trabalhadores, carece da representação das Centrais Sindicais, cuja presença poderia
fortalecer e, possivelmente, impulsionar a ampliação e capilarização dessas esferas em
todo o território nacional.
Por outro lado, nota-se que a composição das CISTs Estaduais e Municipais
expressam um colegiado intersetorial, com presença de representantes dos trabalhadores,
do Estado e do capital, ainda que existam grandes variações no grau de representação
desses diferentes atores. Todavia, sabe-se que a presença, por si só, não garante a
interlocução e o compartilhamento do poder, posto que essas esferas, assim como todos os
demais espaços de participação, expressam a luta de classes e as disputas em torno da
hegemonia. Ademais, essas instâncias também traduzem em seu interior a conjuntura e o
grau de articulação que os respectivos movimentos participantes possuem fora delas, ou
seja, a força política e os quadros construídos “nas ruas”, no seio da sociedade civil.
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
26
Assim, a dinâmica da participação social instituinte invariavelmente se reflete
dentro dos espaços instituídos e também interfere na participação nessas instâncias.
Contudo, evidentemente as dificuldades de participação existentes nas CISTs – e em
qualquer outro colegiado instituído – não podem ser atribuídas tão somente aos reflexos da
força dos movimentos nas ruas, pois existem diversos obstáculos que dizem respeito às
resistências do próprio Estado e do capital à partilha do poder. Nesse sentido, a falta de
valorização das CISTs pela gestão - e por vezes até mesmo pelos Conselhos de Saúde -
configura um elemento que prejudica seriamente a qualificação desses espaços, uma vez
que tal atitude fragiliza o exercício da participação social e pode conduzir ao esvaziamento
e, até mesmo, à descrença nessas arenas, com consequente perda da legitimidade e
representatividade dos colegiados.
Além disso, o Estado possui a obrigação constitucional e o compromisso ético-
político de garantir o direito de participação dos representantes dos trabalhadores na gestão
das políticas públicas de saúde, ou seja, em todas as fases desse processo, incluídos o
planejamento, a programação e a avaliação, uma vez que a inviabilidade de participação
em alguma dessas etapas significa concessão parcial de direitos e, consequentemente,
desrespeito não somente à classe trabalhadora, mas aos processos democráticos do país.
Percebe-se que refletir e construir estratégias de fortalecimento da participação
social instituída (controle social) implica, necessariamente, em acompanhar, compreender
e fortalecer também os mecanismos de participação no âmbito dos movimentos sociais,
uma vez que, mesmo autônomos, não existe controle social sem movimentos, embora
existam (e continuarão sempre existindo) movimentos independentemente da existência ou
não de espaços de participação instituídos.
Desse modo, não é possível avançar na consolidação da participação social em
saúde do trabalhador sem construir estratégias que fortaleçam ambas as formas, posto que,
no que tange ao segmento dos trabalhadores, os atores sociais distribuídos nas CISTs pelo
Brasil afora não representam a si mesmos, mas sim, representam os movimentos da classe
trabalhadora!
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SUS: concepção do Coletivo Nacional de Saúde. 107 f. Dissertação (Mestrado em Saúde
Pública) – Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2008.
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TEXTO 4: SUB-EIXO II - fortalecer a participação dos trabalhadores e das trabalhadoras, da
comunidade e do controle social nas ações de saúde do trabalhador e da trabalhadora
FORTALECER A PARTICIPAÇÃO DOS TRABALHADORES E DAS
TRABALHADORAS, DA COMUNIDADE E DO CONTROLE SOCIAL
NAS AÇÕES DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA
TRABALHADORA
Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho
- DIESAT
Arnaldo Marcolino Silva Filho
Daniele Correia Salzgeber
Eduardo Bonfim da Silva
Pedro Eduardo Zini Davoglio
1. INTRODUÇÃO
O cunho controle social toma forma nos diversos segmentos da sociedade como um
sinônimo de participação social nas políticas públicas. Em linhas gerais, o controle social
apresenta-se como um mecanismo estabelecedor de participação da sociedade na
formulação, execução e gestão dos recursos de planos, programas e projetos que atendam a
demanda social.
As esferas da saúde foram pioneiras nas ações de controle social em consequência
da efervescência política do final da década de 1970 e à organização do Movimento da
Reforma Sanitária que congregou movimentos sociais, intelectuais e partidos de esquerda
na luta contra a ditadura com vistas à mudança do modelo ‘médico-assistencial privatista’
para um sistema nacional de saúde universal, culminando com o advento do SUS.
A luta pela redemocratização teve um grande impulso, quando ao final dos anos 70,
o movimento sindical retoma a cena política realizando inúmeras greves com ampla
participação pelo controle do trabalho, reproduzindo o que ocorreu em diversos países
(Lacaz 1983). Esta luta visava à prevenção e buscava manter os determinantes da saúde no
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controle dos trabalhadores, ao objetivar a defesa de sua saúde, mediante a construção do
conhecimento da realidade mais integrada e participativa, considerando a subjetividade dos
trabalhadores no que chamamos de trabalho real em contraposição ao trabalho prescrito.
Esta atuação do movimento sindical e a inscrição de novos direitos na Constituição
Federal de 88 colocam em pauta outra relação Estado e sociedade e inaugura o campo
Saúde do Trabalhador. A temática é fortalecida com a implementação de ações e o
surgimento do DIESAT (Departamento Intersindical de Estudos e pesquisas de Saúde e
dos Ambientes de Trabalho), desempenhando um importante papel na discussão e
criticidade do assistencialismo médico existente dentro dos sindicatos. Com o DIESAT
estabelece-se um novo paradigma ampliando as discussões em todo o país, organizando
um processo social por melhores condições no ambiente de trabalho (Lacaz 1996).
A participação no Sistema Único de Saúde (SUS) na perspectiva do controle
social foi um dos eixos dos debates da 8º Conferência Nacional de Saúde, realizada em
1986. Nessa conferência, a participação em saúde é definida como “o conjunto de
intervenções que as diferentes forças sociais realizam para influenciar a formulação, a
execução e a avaliação das políticas públicas para o setor saúde” (Machado, 1987, p.
299). Em dezembro do mesmo ano, foi realizada a 1ª Conferência Nacional de Saúde do
Trabalhador, que marcou politicamente o movimento da instituição desse campo.
Concomitante a isso, o modelo de organização de serviços de saúde pública
amplia-se, caracterizando-se nos PST (Programas de Saúde do Trabalhador) e
implementando em várias regiões a partir de 1985. Essa ampliação respondeu as demandas
trazidas do movimento sindical, e posteriormente, foram denominadas CEREST’s (Centro
de Referência em Saúde do Trabalhador). Os CEREST’s trabalham a Saúde do
Trabalhador com equipes multiprofissionais, tendo como interlocutor a classe trabalhadora
(Freitas, Lacaz e Rocha 1985). Desta forma, ocorre uma complexa rede de relações que
incorpora a participação dos trabalhadores na própria gestão, ações de vigilância nos locais
de trabalho entre outras ações, não apenas como mero prestador de serviços de saúde
(Lacaz, 1996).
Institucionalizada na Lei 8.142/90, a participação social ou controle social, têm
como objetivo avaliar e propor diretrizes para a política de saúde nas três esferas de
governo e através dos conselhos – instâncias colegiadas de caráter permanente e
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deliberativo, com composição paritária entre os representantes dos segmentos dos usuários,
que congregam setores organizados, na sociedade civil e nos demais segmentos (gestores
públicos, filantrópicos e privados e trabalhadores da saúde), e que objetivam o “controle
social”.
Desse modo, o controle social envolve a capacidade que os movimentos sociais
organizados na sociedade civil têm de interferir na gestão pública, orientando as ações do
Estado e os gastos estatais na direção dos interesses da maioria da população.
Além dos Conselhos e Conferências de Saúde e de Saúde do Trabalhador, a
sociedade tem disponível outros mecanismos de garantia dos direitos sociais, em especial o
direito à saúde, por exemplo, o ministério público, a comissão de Seguridade Social e/ou
da Saúde do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de
Vereadores, apesar da interlocução desses espaços ainda ser um caminho a trilhar.
2. ESTADO, SOCIEDADE E CONTROLE SOCIAL
Divagando sobre o Estado e o direito, ao contrário do que sua aparência em
muitos casos indica, não são instrumentos neutros de governança da vida política de uma
nação, mas dispositivos imprescindíveis para a organização e reprodução da dominação e
da exploração de classe típicos do sistema capitalista. Isso porque, ao conformarem-se
como formas sociais, esses dois complexos de relações, cumprem um papel fundamental
na instituição e na garantização das relações de mercado que são o sustentáculo do
capitalismo.
Nesse sentido, o Estado aparece como o ente responsável por garantir a
estabilidade dessas relações espontaneamente forjadas pelo processo histórico. O
instrumento utilizado por ele para garantir a previsibilidade das relações e, portanto,
norteador das decisões que visem a corrigir os desvios verificados em face desse padrão a
ser seguido, é a lei. Assim, ao tornar-se legislador, o Estado capitalista abre um campo de
organização, cristalização e desenvolvimento de embates sociais, que serão fixados na
forma de leis a serem executadas por órgãos competentes. Com isso, e o desenvolvimento
histórico das formas estatais, as forças trabalhistas podem encontrar no Estado, além do
instrumento que leva a cabo a intercepção da mais-valia produzida por seu trabalho, um
meio de garantir condições mínimas de sobrevivência, e até mesmo de garantir avanços
sociais em conjunturas favoráveis, ou resistências em conjunturas desfavoráveis.
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Vimos, portanto, até aqui, que o Estado capitalista surgiu como uma estrutura
separada das relações de produção com a função de garantir a estabilidade das relações de
compra e venda de força de trabalho. As relações jurídicas – sujeitos de direito –, que já
existiam fora do Estado, foram incorporadas por ele com o surgimento da legalidade, ou
seja, das leis. Essas leis, por sua vez, permitiram que o direito deixasse de ser apenas um
momento da realização da exploração dos trabalhadores, e passasse a representar também
um conjunto de garantias de que eles poderiam dispor.
É imprescindível, contudo, para uma correta compreensão do que representa tanto
o direito quanto o Estado capitalista que se perceba o seguinte. O núcleo central do direito,
não importa quantos direitos e garantias haja disponíveis, sempre está ligado à compra e
venda de mercadorias e, portanto, à exploração. O direito e o Estado, como conjunto de
relações que criam e garantem a subjetividade jurídica dos indivíduos, é necessariamente
um componente das relações de troca típicas do capitalismo, e, portanto, um instrumento
de exploração dos trabalhadores pelo capital. Essa exploração pode se apresentar de um
modo mais “humano”, com direitos sociais, ou de um modo totalmente desfavorável aos
trabalhadores, como no projeto neoliberal, mas é sempre exploração. É nesse sentido
específico que a tradição marxista preconiza a destruição do direito: onde há direito, há
exploração, porque o direito é uma das peças fundamentais da apropriação do trabalho
pelos capitalistas.
Assim, mesmo que por razões históricas e políticas a burguesia tenda a tomar
conta do poder de Estado, ou seja, os governantes tendam a ser ou burgueses, ou
representantes deles, não é aí que está inscrito o caráter de classe do Estado e do direito
capitalista. É no seu status de forma social, ou seja, no fato de que independentemente de
quais classes sociais estejam controlando o Estado, e independentemente da hegemonia
que se expresse no conteúdo específico das suas leis, a função central dessas instâncias
sociais é tornar possível e estável a troca de mercadorias e por isso, garantir a existência
contínua de relações de exploração do trabalho. É com isso em mente que poderemos
prosseguir em nossa análise.
Por isso, o surgimento de novos direitos faz ganhar relevância o fenômeno da
judicialização e, portanto, faz o judiciário adquirir maior importância social. É isso que
pudemos observar a partir da Constituição de 1988. Ela é um marco da juridização de
vários setores da vida no Brasil. Muitos direitos novos surgiram com ela, a citar, a própria
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institucionalização do controle social, criando uma série de novas possibilidades de
demandas judiciais. Além disso, essa mesma Constituição apresentou um aumento bastante
grande das competências do Poder Judiciário e também do Ministério Público como
representante da sociedade civil em juízo, o que provocou um acirramento do fenômeno
que denominamos judicialização.
Assim, podemos observar que apesar dos limites que apresenta, a Constituição de
1988 aparece como um importante instrumento de cristalização das tensões sociais que
aboliram a ditadura militar iniciada em 1964. Apesar dos sucessivos golpes que as forças
trabalhistas e progressistas levaram no desenrolar do processo constituinte, a juridização do
novo regime ampliou o potencial das disputas democráticas trazendo uma série de avanços
político-institucionais e de novas modalidades de direitos até então inéditas em nosso país.
Em suma, podemos inferir que o controle social acontece no frigir da disputa entre
as classes sociais numa dada correlação de forças, devendo se dar no sentido das classes
dominadas criarem consensos de consciência de classe, protagonizando reformas cada vez
mais transformadoras da lógica de sobreposição de interesses de uma classe (dominante)
para o conjunto social (dominadas).
Desta forma, o controle social propõe a perspectiva de atuação de setores
organizados da sociedade civil, representados na gestão das políticas públicas, orientando
os recursos Estatais a fim de que supram os interesses desse conjunto da sociedade em prol
de sua hegemonia.
3. DIRETRIZES
Os apontamentos aqui apresentados não são inovadores no sentido de proposição, mas
entende-se como não superadas e não efetivadas as diretrizes de atuação, portanto abaixo
relacionadas:
3.1. Fortalecer a participação da comunidade, dos trabalhadores (as) e do controle
social na elaboração e execução das políticas públicas:
3.1.1. Incentivar à criação e à manutenção de espaços coletivos de acolhimento e
respostas às demandas dos representantes da comunidade, dos trabalhadores e do
controle social;
3.1.2. Garantir a participação das CIST/CMS e dos Conselhos Gestores de Saúde
no processo de planejamento, discussão, gestão e desenvolvimento das políticas,
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Plano Plurianual (PPA), planos e relatórios de gestão da Saúde do Trabalhador e
Trabalhadora;
3.1.3. Promover a inclusão dos representantes da comunidade e do controle social
nos programas de educação permanente em ST;
3.1.4. Garantir a inclusão de conteúdos políticos e técnicos de ST nos processos de
educação permanente, voltados para a comunidade e o controle social, incluindo os
grupos de trabalhadores em situações precárias e vulneráveis – ou sob maior risco à
saúde ou social;
3.1.5. Incentivar à divulgação e ao acesso do direito à utilização dos sistemas de
ouvidorias, bem como de seus relatórios como fontes privilegiadas de informação
para a gestão da ST;
3.1.6. Construir e implementar fóruns municipais e estadual, de caráter permanente,
interinstitucional e intersetorial, que agregue movimentos de defesa da ST.
3.2. Apoiar e fortalecer as instâncias representativas dos trabalhadores e
trabalhadoras e do movimento social:
3.2.1. Apoiar à construção de espaços nos quais os movimentos sociais, populares e
sindicais estejam presentes;
3.2.2. Fomentar a interlocução permanente com o movimento e fóruns sindicais
como forma de garantir o protagonismo desses atores no planejamento e execução
das ações de vigilância sanitária em saúde do trabalhador;
3.2.3. Planejamento e execução das ações da política de ST, com participação das
CIPA, Sistema Único de Representação, Comissões Locais de Saúde, Comissões de
Saúde do Trabalhador.
3.3. Criar e fortalecer as parcerias com instituições, movimentos e entidades de
defesa do direito ã saúde dos trabalhadores:
3.3.1 - Divulgar, em toda rede de serviços da saúde e entidades parceiras, órgãos de
defesa, orientação aos trabalhadores e à população em geral, sobre onde e como
denunciar violações de direito;
3.3.2. Ampliar e fortalecer a articulação de parcerias da saúde com o Ministério
Público Estadual e Federal;
3.3.3. Ampliar as ações conjuntas com os diversos Conselhos de Defesa de
Direitos;
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3.3.4. Divulgar direitos e deveres dos usuários do SUS, bem como adequação das
rotinas de trabalho das diversas ações da política de saúde do trabalhador às
legislações pertinentes;
3.3.5. Promover à inclusão de populações específicas, visando a equidade no
exercício do direito a ST e acesso aos serviços.
3.4. Fortalecer as ações intersetoriais para superar a fragmentação dos
conhecimentos e garantir a transversalidade de forma articulada, complementar,
cooperativa e solidária das questões de ST:
3.4.1. Fortalecer os canais de acesso aos direitos dos trabalhadores por meio da
articulação de ações com os movimentos sociais, fóruns de saúde e sindical,
comissões de saúde e demais atores envolvidos com a saúde do trabalhador,
considerando as profundas transformações do mundo do trabalho e suas
consequências;
3.4.2. Lutar pela inclusão de requisitos de proteção a ST na outorga de
financiamentos públicos e privados e nos processos de licitação dos órgãos da
administração pública direta e indireta;
3.4.3. Fomentar a utilização de indicadores de impactos à saúde dos trabalhadores e
das comunidades para concessão de licenciamento ambiental e incentivo ao
desenvolvimento sustentável;
3.4.4. Promover debates para desenvolver mecanismos de proteção social para os
trabalhadores e trabalhadoras da economia informal;
3.4.5 - Atuar em rede com os Conselhos Tutelares, CRAS, CREAS, Agência do
INSS, Central de Apoio ao Trabalhador da Secretaria Municipal do Trabalho,
CADES entre outras;
3.4.6. Identificar e mapear as entidades, instituições, organizações governamentais
e não governamentais, associações, cooperativas e demais representações de
categorias de trabalhadores presentes no território, incluindo aquelas inseridas em
atividades informais de trabalho e populações em situação de vulnerabilidade;
3.4.7. Desenvolver projetos conjuntos com instituições envolvidas com a defesa e a
promoção a saúde dos trabalhadores.
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3.5. Estabelecer interface com o legislativo
3.5.1. Incentivar à proposição de projetos de lei que promovam a ST, a preservação
do meio ambiente e à modernização do parque tecnológico dos setores econômicos
do estado e das regiões de saúde, incorporando tecnologias seguras e limpas.
3.6. Produzir saberes compartilhado com o conjunto dos trabalhadores:
3.6.1. Inserir os coletivos de trabalhadores na produção de metodologias,
incorporando seu saber e conhecimento em todas as etapas e ações da vigilância em
saúde do trabalhador;
3.6.2. Formular e utilizar métodos de investigação e intervenção em ST,
considerando as diversas configurações do mundo do trabalho e as novas formas de
adoecimento e agravos.
3.7. Democratizar, dar transparência e facilitar o acesso ãs informações aos
representantes da comunidade, dos trabalhadores e do controle social:
3.7.1 - Criar canais de produção e sistematização compartilhada de informação
como instrumento de gestão, participação social e promoção da saúde;
3.7.2 - Monitorar as auditorias em ST como instrumento de gestão e do controle
social de modo a contribuir para a qualidade das políticas públicas de saúde no
estado e nos municípios.
REFERÊNCIAS
SÃO PAULO. Secretaria Municipal da Saúde/COVISA. Programa de Vigilância em Saúde
do Trabalhador no SUS para o Município de São Paulo. São Paulo. 2010.
LACAZ, F. A. de C. Saúde no Trabalho, Dissertação de mestrado, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1983.
LACAZ, F. A. de C. Saúde do Trabalhador: um estudo sobre as formações discursivas da
academia, dos serviços e do movimento sindical. Tese de doutorado, Faculdade de
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
37
Ciências Medicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1996.
FREITAS, C. U., LACAZ, F. A. de C. e ROCHA,L. E. Saúde Pública e ações de saúde do
trabalhador: uma análise conceitual e perspectivas de sua operacionalização
programática na rede básica da Secretaria de Estado da Saúde, Temas IMESC,
Sociedade, Direito, Saúde, 1985.
LACAZ, F. A. de C. Capitalismo globalizado e novas situações de trabalho, São Paulo,
2006.
MACHADO, F. de A. Participação social em saúde. Anais da VIII Conferência Nacional
de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 1987.
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
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TEXTO 5: SUB-EIXO III - Efetivação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora, considerando os princípios da integralidade e intersetorialidade nas três esferas de
governo.
AS DIMENSÕES DA INTEGRALIDADE NA EFETIVAÇÃO DA
POLÍTICA NACIONAL DO TRABALHADOR E DA
TRABALHADORA
Marcos da Silveira Franco*
A Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora-PNSTT, instituída
pela Portaria n° 1823 de 23 de agosto de 2012, embora se expresse como portaria do
Ministério da Saúde, é uma organização normativa que estabelece o caminho para a ação
do estado brasileiro em defesa da saúde dos trabalhadores frente aos modelos de
desenvolvimento e dos processos produtivos.
Uma política pública de saúde1 é uma política de estado, não apenas uma ação de
governo. Assim, PNSTT é uma política de estado, porque assim foi aprovada no Conselho
Nacional de Saúde. Desta maneira, todos os governos da federação têm como prescritivos
os eixos e as diretrizes estabelecidas na PNSTT, cabendo a cada um a formulação de
propostas para a sua efetivação. Estas propostas governamentais para sua implementação
são ações planejadas e que se inserem nos instrumentos de gestão de cada ente, aprovados
pelo respectivo controle social e que a cada ano se expressa em uma programação que para
ser realizada deve estar inserida na lei orçamentária anual. Este último instrumento é em
ultima instância aprovado também pelo Legislativo.
Uma proposta de um governo que incentive ou não esta política está relacionado ao
seu compromisso com a saúde e mais especificamente, com a saúde dos trabalhadores. Não
é preciso ser um especialista para compreender a partir daí, a grande diversidade e os
diferentes graus de compromisso que os diferentes governos e seus matizes políticos têm
com a PNSTT.
Aos foros que contribuíram para a formulação e aprovação desta política de estado
brasileiro, como a PNSTT, não faltaram a lucidez de sua urgência. Não se pode dizer o
mesmo dos financiadores dos processos produtivos e dos delineadores do
desenvolvimento, que acabam por preterir esta política em nome de uma contenção de
recursos estatais em favor de investimentos e competitividade, ou outra prioridade expressa
em sua carta de compromissos.
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
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Neste cenário se colocam os protagonistas que desenvolvem a saúde do trabalhador
no âmbito de cada esfera de governo do Brasil. Melhor seria dizer, que resistem na
militância da saúde do trabalhador. Para eles, é incompreensível uma falta de compromisso
governamental. Não há nexo entre um projeto de governo que pregue a qualidade de vida e
esqueça a saúde do trabalhador.
Entretanto, é democrático, embora não saudável, a existência de governos que
assim se elejam.
Este texto visa estimular uma reflexão sobre como a sociedade civil organizada, os
trabalhadores e os gestores devem se posicionar frente à necessária ação governamental e a
organização do Sistema único de Saúde-SUS para garantir a saúde dos trabalhadores.
O SUS é a expressão da organização em rede da atenção a saúde, onde o usuário é a
razão de sua organização, que se inicia a partir de sua célula que é a família2, inserida em
sua comunidade, microárea, área, segmento, equipe de atenção básica, unidade básica de
saúde, serviços de especialidades, de apoios, de proteção, hospitais de diversos e
ascendentes graus de complexidade e densidade tecnológica, até chegar a um hospital de
mais alta complexidade. A sua lógica não é a de serviços mais importantes que outros, mas
de uma rede solidária e que busque a equidade e priorize as vulnerabilidades do território
que se insere. Diga-se que este território, na perspectiva do usuário, não obedece aos
limites administrativos dos entes federados, o que implica em uma relação regional
interfederativa para que esta responsabilidade seja expressa. Neste território se insere o
trabalhador, em seu ambiente de trabalho, em sua família, sua comunidade, seu território
vivo com suas lideranças e culturas próprias. Não há um território igual a outro quando se
somam estes seus componentes.
O Brasil, em sua diversidade e desafios sociais e econômicos, que se equilibra: com
os poucos recursos a que se destina o financiamento do SUS; com as suas necessárias
alternâncias de governo nos três entes da federação e seus gestores; com a falta de
habilidade profissional para o desenvolvimento do necessário projeto de intervenção no
território; com uma rede de atenção à saúde ainda em construção, para garantir uma das
importantes dimensões da integralidade3,4
que é a referencia e a regulação do acesso; com a
nossa ainda insuficiência em desenvolver processos de trabalho transdisciplinares que é a
expressão da integralidade dos saberes necessário a uma atenção qualificada. Dentre outras
circunstâncias, em evolução, ai se insere a PNPSTT.
Como princípio, organizar as linhas de cuidado a partir da atenção básica, ou seja, a
partir da família, suas responsabilidades e necessidades, até a suficiência das ações de
saúde em serviços de alta complexidade é uma determinação do arcabouço normativo atual
do SUS. Mas não é apenas a formalização em instrumento contratual que poderá garantir a
operacionalidade desta linha de cuidado. Os serviços devem ter habilidades para a sua
missão nesta função em rede. Eles são constituídos por profissionais de saúde, que de uma
maneira geral chegam despreparados para o modelo de atenção do SUS, para a missão a
que se destina em cada território. Não são formados para isto e cabe ao SUS este apoio de
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
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educação permanente e de apoio institucional ou matricial para esta qualificação.
Protocolos de encaminhamento e terapêuticos, regulação de acesso, sistemas de
informação e comunicação ainda são demandas importantes de organização do SUS em
construção.
As necessidades e demandas da saúde do trabalhador se inserem neste contexto.
Parece evidente que, se esta organização está em construção, nela se inserem disputas
temáticas a reivindicar para si a prioridade no processo de planejamento. Nenhuma destas
áreas que compõe o arcabouço de ações do SUS, da promoção, prevenção, proteção,
tratamento à reabilitação, poderiam ser negligenciadas. Mas o que observamos no
planejamento do SUS é um verticalismo que tende a suplantar a necessária integração
destas ações no território onde vivem e trabalham as pessoas.
É saudável afirmar que a saúde do trabalhador então deve se inserir e participar do
processo de planejamento ascendente5 da saúde desde o início, ou seja, na relação com a
comunidade local, na unidade básica de saúde junto às equipes de atenção básica em seu
planejamento do processo de trabalho e projeto de intervenção territorial.
Qual a ação de um Agente Comunitário de Saúde - ACS, que se ocupa de visitar
cada domicílio, necessita desenvolver para que neste trabalho seja feita alguma ação de
saúde do trabalhador? Há alguma ação de saúde do trabalhador nesta visita? Como apoiar
este ACS nesta ação? Como sensibilizar este trabalhador de saúde desta necessidade, uma
vez que não se vai instituir uma atenção básica específica, nem um ACS específico para a
PNSTT ou qualquer outra política específica. Estas perguntas podem ser reproduzidas para
e a partir de cada profissional da equipe de atenção básica, início da linha de cuidado.
Quais as ações de vigilância são necessárias no âmbito da equipe de atenção básica
que interessam à PNSTT? Como desenvolver esta institucionalidade e habilidades nesta
equipe? Como compor a saúde do trabalhador no processo de trabalho transdisciplinar no
ambiente da atenção básica? Qual papel dos técnicos de saúde do trabalhador nesta
formulação, institucionalização, desenvolvimento de habilidades e transdisciplinaridade?
O território, a comunidade, seus cidadãos, seus trabalhadores, tem seus
condicionantes e determinantes sociais e necessitam da promoção da saúde7. Quais as
ações de promoção da saúde devem ser desenvolvidas para enfrentar a determinação da
condição de saúde do trabalhador em cada um dos diferentes territórios e a partir da
responsabilidade sistêmica de cada ente federado? Há muitas determinações deste estado
de saúde dos trabalhadores que são comuns, que poderiam ser abordadas de forma mais
ampla, mas há situações que se constroem a partir da necessidade e sustentabilidade em
cada comunidade para que seja uma comunidade saudável. Qual a participação dos
trabalhadores do SUS e em especial dos que trabalham com a saúde do trabalhador na
emancipação6 social desta comunidade?
Mas a linha de cuidado não se esgota na atenção básica, é apenas o início onde cada
uma destas sugeridas reflexões deve ocorrer. Estas questões e outras mais singulares
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podem ser formuladas para cada ação e serviço dos diferentes componentes da rede de
atenção à saúde - RAS, em suas diferentes densidades tecnológicas e atribuições na rede de
atenção à saúde.
Podemos então afirmar que o processo de criação no SUS das nossas
responsabilidades sobre a saúde do trabalhador passou por um período de desenvolvimento
de expertises e serviços especializados. Este foi um período muito importante na história
da saúde pública brasileira. Graças aos seus militantes e trabalhadores foi possível a
construção de uma PNSTT que estabelece um novo horizonte de responsabilidades
sistêmicas. Se a RENAST é importante, a sua qualificação e inserção na RAS amplia a
saúde do trabalhador a ultrapassar os limites da desatenção ao trabalhador. Nosso país
viveu no século passado a existência de um modelo de saúde excludente que não pode ser
esquecido ou reproduzido. Assim, o CEREST e a RENAST tem um novo desafio a se
incorporar em sua missão: ser o apoio para que a RAS seja suficientemente responsável e
qualificada na atenção à saúde do trabalhador. Integrar8 não é criar um terceiro serviço a
partir da união de dois que antecederam, anulando-os, mas o desenvolvimento de um novo
processo de trabalho que garanta a complexidade9 necessária a uma atenção qualificada,
onde o usuário é a lógica organizativa, não a especialidade dos serviços. Em outros termos,
uma rede se justifica pela necessidade integral do usuário, não pelo pensar organizativo
que valorize apenas as necessárias singularidades dos serviços.
Ao que sabemos estas questões estão a se responder na diversidade e militância dos
trabalhadores, gestores e sociedade civil organizada em diversos lugares do Brasil. No
mínimo precisamos compartilhar nossos acertos e discutir nossos erros nestas novas
fronteiras de efetivação da PNSTT.
Bibliografia:
1. Fleury S, Ouverney AM. Política de Saúde: uma política social. In: Giovanella L, et al.
Políticas e sistemas de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2008.
2. BRASIL. Portaria MS 2488/2011. Política Nacional de Atenção Básica. [acesso em
2012 Ago]. Disponível em: http://www.brasilsus.com.br/ legislacoes/gm/110154-
2488.html
3. Hartz ZMA, Contandriopoulos A-P. Integralidade da atenção e integração de serviços de
saúde: desafios para avaliar a implantação de um “sistema sem muros” Cad. Saúde
Pública. 2004; 20 Sup 2:S331-S336.
4. BRASIL, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de
Atenção Básica, Coordenação de Gestão da Atenção Básica, Integralidade da Atenção à
Saúde, Texto adaptado por: Maria do Carmo Gomes Kell, Brasília, 2007.
5. BRASIL, Ministério da Saúde, Gabinete do Ministro, PORTARIA Nº 2.135, DE 25 DE
SETEMBRO DE 2013, Estabelece diretrizes para o processo de planejamento no âmbito
do Sistema Único de Saúde (SUS).
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42
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2135_25_09_2013.html acesso em
dezembro de 2013
6. SILVA, José Marcos da; SANTOS, Mariana Olívia Santana dos; AUGUSTO, Lia
Giraldo da Silva and GURGEL, Idê Gomes Dantas. Desenvolvimento sustentável e saúde
do trabalhador nos estudos de impacto ambiental de refinarias no Brasil. Saúde soc.
[online]. 2013, vol.22, n.3, pp. 687-700. ISSN 0104-1290.
7. Westphal MF. Promoção da saúde e prevenção de doenças. In: Campos et al. Tratado de
Saúde Coletiva. São Paulo: Hucitec, Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2006.
8. Pinheiro R. As práticas do cotidiano na relação oferta e demanda dos serviços de saúde:
um campo de estudo e construção da integralidade. In: Pinheiro R, Mattos RA. Construção
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9. Morin E. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 1982.
* Marcos da Silveira Franco: médico; especialista em saude pública-FSP/USP; mestre em
saude coletiva- UnB; doutorando em ciências da saúde-UnB; Assessor Técnico do
Conselho Nacional de Secretárias Municipais de Saúde – Conasems.
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TEXTO 6: SUB-EIXO III - Efetivação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora, considerando os princípios da integralidade e intersetorialidade nas três esferas de
governo.
EFETIVAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE DO
TRABALHADOR E DA TRABALHADORA – ELEMENTOS PARA
DEBATE
Leticia Coelho da Costa Nobre
Bom dia a todos e a todas!
Estou muito grata de participar deste debate que considero da maior relevância no atual
contexto brasileiro de esforços coletivos para avançar nas políticas públicas e não
retroceder nas conquistas sociais, frente ao desenvolvimento econômico.
A mim coube apresentar elementos para a reflexão sobre o terceiro subeixo: A efetivação
da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, considerando os
princípios da integralidade e da intersetorialidade nas três esferas de governo. As
considerações que aqui faço são, na maioria, fruto da experiência e reflexões coletivas,
tanto dos atores que vêm construindo a Saúde do Trabalhador na Bahia quanto em todo o
país.
À guisa de contextualização – ou, sobre o processo de construção da Política
O mundo do trabalho contemporâneo e o contexto de desenvolvimento e crescimento
econômico no Brasil, com a predominância e hegemonia dos interesses do capital em
detrimento das políticas sociais, traz inúmeros desafios para a efetivação da Política
Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora no âmbito do Sistema Único de
Saúde (PNSTT) (COSTA e cols., 2013).
É importante ressaltar que a PNSTT foi finalmente aprovada e publicada em 2012; 26 anos
após a realização da 1ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, em dezembro de
1986, que, então, tinha por objetivo propor uma política de saúde do trabalhador para o
país. A construção do Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido um processo cheio de altos
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e baixos; de conquistas e desafios; de êxitos e retrocessos; de planos e projetos que ora são
viabilizados, ora não saem do papel.
Do mesmo modo, pode-se dizer que a política de saúde do/a trabalhador/a (ST) no SUS foi
sendo construída, ao longo da década de 90, muito mais pelas omissões do que pela
explicitação de seus objetivos e estratégias, permanecendo quase sempre ausente do rol das
prioridades, das normas operacionais e portarias que definiam as relações entre as esferas de
governo, a gestão e o financiamento das ações de saúde (NOBRE, 2011). Uma exceção
foram duas portarias publicadas em 1998. A Portaria MS/GM nº 3.908/98, que aprovou a
Norma Operacional de Saúde do Trabalhador, que orientava estados e municípios para o
desenvolvimento de ações de ST de acordo com os níveis de gestão então vigentes; e a
Portaria MS/GM nº 3.120/98, que aprovou a Instrução Normativa de Vigilância em Saúde do
Trabalhador no SUS. Esta portaria, vigente até hoje, continua sendo um marco na sua
proposição teórico-conceitual e nas bases para o planejamento das ações de vigilância em
saúde do trabalhador (VISAT) nos territórios. Outros instrumentos, manuais técnicos,
protocolos, orientações para o manejo de doenças relacionadas ao trabalho, algumas
definições quanto às informações em ST, propostas de indicadores de ST, revisão da
listagem de doenças e agravos relacionados ao trabalho, foram produzidos entre a segunda
metade da década de 90 e os primeiros anos 2000 (BRASIL, 2001; SANTANA; SILVA,
2009; NOBRE, 2011).
Entretanto, à exceção dos programas e centros de referência existentes em alguns estados e
municípios, essas orientações permaneceram desconhecidas pela maioria dos municípios,
gestores e profissionais de saúde. A invisibilidade da área, traduzida pela não explicitação
dos problemas de saúde dos trabalhadores nos planos de saúde e o não financiamento das
ações era (ainda é) reproduzida na maioria dos estados e municípios. Pode-se afirmar que
havia maior interlocução e visibilidade da ST nas relações e instâncias intersetoriais e junto
ao movimento sindical, do que propriamente entre os pares no interior do SUS (LACAZ,
2002; NOBRE, 2011).
Somente em 2002, as iniciativas de alguns estados e municípios, com seus programas e
centros de referência, são assumidas pelo Ministério da Saúde, com a publicação da
portaria que criou a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador
(RENAST) e que, pela primeira vez, definiu mecanismo de financiamento sistemático dos
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centros de referência já existentes e dos demais que foram sendo criados, chegando-se a
200 centros em estágios diversos de funcionamento no período até 2012 (BRASIL, 2002).
O que a atual PNSTT propõe significa enorme avanço na compreensão do que deve ser a
ST no SUS, do papel e significado do trabalho na vida das pessoas, da concepção do
trabalho como um importante determinante da situação de saúde e das desigualdades
sociais na saúde. Entretanto, vivenciamos ainda grandes dificuldades para tornar esta
política em realidade; o SUS enfrenta muitos obstáculos, tem muitos gargalos, que
impactam também a atenção integral à saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras. Desde
o modelo assistencial, com predominância de procedimentos médicos, curativos,
hospitalocêntrico, com baixos investimentos nas ações de promoção e na vigilância em
saúde; passando pela fragmentação das diversas áreas e políticas intrassetoriais; até as
insuficiências das políticas de gestão de recursos humanos, sem carreira própria para o
SUS, que levam à grande rotatividade de profissionais, com perfis pouco adequados às
necessidades da população; às insuficiências de financiamento, de estratégias adequadas de
gestão, de planejamento, monitoramento e avaliação das ações. Acrescem a isso, a grande
heterogeneidade e as desigualdades regionais na organização e qualidade dos serviços
ofertados, incluindo aí a RENAST.
Além dos nós críticos compartilhados por todo o SUS, a ST enfrenta as dificuldades
particulares e específicas da área: as mudanças e complexidades do mundo do trabalho; o
enfrentamento com os interesses hegemônicos do capital; a fragilidade e desmobilização
dos movimentos sociais e das representações dos trabalhadores e das trabalhadoras; a
vivência com os conflitos capital-trabalho; a diversidade de áreas disciplinares envolvidas
para atuação nos diversos ambientes e processos de trabalho existentes nos territórios; a
desarticulação das políticas intersetoriais. Todos esses aspectos e dimensões demandam
investimentos na qualificação e manutenção de equipes técnicas e gerenciais, definição de
estratégias de planejamento, monitoramento e avaliação, de acordo com as diferentes
complexidades requeridas e responsabilidades ético-sanitárias, com vistas ao
fortalecimento e ampliação da atenção integral à saúde dos trabalhadores e das
trabalhadoras em todo o país.
Então, meu primeiro convite é: vamos valorizar o que construímos; valorizar o que
conquistamos; vamos conhecer a PNSTT e dar-lhe vida; tirá-la do papel e colocá-la na vida
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real! Olhemos para nossos trabalhos, nossos colegas, para os ambientes e para o mundo do
trabalho em nossos territórios e vejamos em que esta política pode trazer mais humanidade,
mais proteção e mais dignidade no trabalho para todos e todas!
Dos princípios e elementos norteadores da PNSTT
De início, é fundamental ressaltar o entendimento da ST como campo da Saúde Coletiva;
com conhecimentos e práticas inter e transdisciplinares, que se articula com outros campos
do direito, de políticas e de práticas sociais e da própria saúde; da ação de Vigilância em
Saúde do Trabalhador (VISAT) como prática pedagógica, sistemática, intersetorial e que
incorpora a participação, os saberes e a subjetividade dos trabalhadores.
Do princípio da universalidade decorre que são sujeitos da PNSTT todos os trabalhadores,
homens e mulheres, independentemente de sua localização, urbana ou rural; de sua forma
de inserção no mercado de trabalho, formal ou informal; de seu vínculo empregatício,
público ou privado, assalariado, autônomo, avulso, temporário, cooperativado, aprendiz,
estagiário, doméstico, aposentado ou desempregado.
Aqui temos um nó crítico e desafio importante para a efetivação da PNSTT. Com exceção
de parcelas de trabalhadores formais, que têm sido a clientela preponderante dos centros de
referência em ST (CEREST), e mesmo das ações de vigilância em ambientes de trabalho,
os demais são praticamente invisíveis para os serviços de saúde em suas necessidades e
especificidades enquanto trabalhadores. Para esses, é possível afirmar que há barreiras de
acesso a várias ações e serviços do SUS (MIQUILIN, CORRÊA FILHO, 2011).
Desse modo, são necessários investimentos junto às equipes de saúde (técnicos e gestores),
de modo a garantir a identificação da condição de trabalhador/a e as situações de trabalho
em todos os pontos da rede e em todos os níveis do sistema, desde a identificação do perfil
da população trabalhadora e das atividades produtivas no território, das suas demandas e
necessidades de saúde, até o planejamento de ações de atenção e vigilância. A começar
pela atenção básica ou atenção primária em saúde, passando pela atenção especializada e
hospitalar, a vigilância em saúde e os setores de planejamento, gestão e monitoramento.
É necessário entender os territórios como espaços sócio-políticos dinâmicos, com suas
atividades e cadeias produtivas, com trabalhadores (e suas famílias) vivendo, residindo,
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trabalhando e circulando nesses territórios. Dar visibilidade à população trabalhadora, às
atividades produtivas, aos fatos e acontecimentos nos territórios, aos impactos à saúde,
identificar necessidades e problemas na ótica da intervenção em saúde coletiva,
mobilizando os referenciais, instrumentos e práticas, articulando e construindo a
integralidade da atenção.
Por sua vez, mesmo os trabalhadores celetistas, frequentemente, buscam o SUS somente
como meio para garantir seus direitos previdenciários; especialmente aqueles que dispõem
de planos e seguros privados coletivos de saúde. Para esses, além disso, também é
necessário reforçar e deixar claro o potencial do SUS em suas atribuições de promoção e
proteção da saúde, de prevenção de agravos (relacionados ou não ao trabalho) e de
vigilância e controle de riscos nos ambientes e processos de trabalho. Com isso, também se
amplifica a importância e significado do SUS para todos os trabalhadores e trabalhadoras,
aumentando a base social em defesa do SUS.
A produção de informações abrangentes e fidedignas como ação estratégica da
PNSTT
Os modelos de desenvolvimento e os processos produtivos estão na origem de parte do
perfil de adoecimento (morbimortalidade) dos trabalhadores e trabalhadoras, além de
impactar profundamente nas dinâmicas populacionais e ambientais, atingindo outras
populações residentes nesses territórios. Considerar o trabalho como um dos determinantes
do processo saúde-doença requer investimentos na produção e qualificação de informações
para o conjunto dos trabalhadores e das trabalhadoras e não somente para a população
coberta pela Previdência Social. Elas devem ser incluídas nas análises de situação de
saúde; os planos de saúde devem identificar as necessidades e demandas de toda a
população trabalhadora; a categoria trabalho deverá ser incorporada no elenco de
indicadores e nas análises sobre os determinantes sociais da saúde.
Produzir informações abrangentes e fidedignas sobre os impactos do trabalho na saúde
constitui uma fundamental contribuição do SUS na discussão sobre desenvolvimento,
crescimento econômico e sustentabilidade socioambiental, tão necessária na conjuntura
atual, se almejarmos avanços em direção à diminuição das iniquidades, à ampliação da
inclusão social, ao fortalecimento da participação e controle social (RIGOTTO, 2005;
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PORTO, 2005; NOBRE, 2010). Com isso, também poderemos avançar construindo a
verdadeira vigilância do desenvolvimento (VASCONCELOS, 2007).
Como, quem, quando, para que e com quem – como melhorar a produção de informações
de interesse à saúde dos trabalhadores e trabalhadoras? Quem é responsável por essa
produção de informações? Quando é pertinente e necessário produzi-las? Para fazer o quê
das informações? Com quem compartilhar esta tarefa? Dar acesso e divulgar as
informações para quem, quando e onde? Todas são perguntas que devem ser respondidas
coletivamente e dizem respeito a todas as instâncias do SUS e demais setores (Trabalho,
Previdência Social, Meio Ambiente, Agricultura, Indústria e Comércio, Transportes,
Ciência e Tecnologia, Educação, Assistência Social etc.). Interessa aos diversos setores e
políticas do SUS; são fundamentais para o planejamento, monitoramento e avaliação das
ações de saúde. Mais que tudo, a produção de informações fidedignas interessa a todos os
trabalhadores e trabalhadoras e suas famílias. É com elas que se qualifica a participação e o
controle social.
A análise do perfil produtivo e da situação de saúde dos trabalhadores e trabalhadoras
constitui a segunda estratégia da PNSTT e requer uma série de ações relativas à
implementação da rede de informações em ST; investimentos na melhoria da qualidade dos
dados e informações; compatibilização e articulação de bases de dados; acesso às bases de
dados com informações desagregadas segundo as necessidades da vigilância em ST
(VISAT); desenvolvimento de estratégias de divulgação, difusão e comunicação das
informações.
As principais fontes e bases de dados e informações de interesse à ST sob responsabilidade
de técnicos e gestores do SUS são: Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM);
Sistema de Informações Hospitalares (SIH); Sistema de Informações de Agravos de
Notificação (SINAN); Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA-SUS); Sistema de
Informação de Atenção Básica (SIAB); Registro de Câncer de Base Populacional (RCBP)
e Registro de Câncer de Base Hospitalar (RBCH). Cada um desses sistemas têm campos
específicos de interesse à ST, como sexo, idade, escolaridade, ocupação, ramo de atividade
econômica, relação do evento com o trabalho, além das informações gerais – ações,
procedimentos, diagnósticos e causas básicas de internação, de óbito, registro de agravos
de notificação compulsória, que necessitam de investimentos para melhorar sua qualidade
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e diminuir o subregistro dos eventos, circunstâncias e das variáveis e campos de interesse à
ST. Cada um desses sistemas é gerenciado, nacionalmente e nos estados, por setores
diferentes, o que facilita a fragmentação e desarticulação entre eles; que impacta também
na qualidade das análises de situação de saúde produzidas.
As principais bases de dados e informações que envolvem outros setores são: Cadastro
Nacional de Informações Sociais (CNIS), Sistema Único de Benefícios (SUB), ambos da
Previdência Social; Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), Cadastro Geral de
Emprego e Desemprego (CAGED), Sistema Federal de Inspeção do Trabalho (SFIT) e
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), gerenciados pelo Ministério do Trabalho e
Emprego; Censos, Pesquisas por Amostragem de Domicílio e Classificação Nacional de
Atividades Econômicas (CNAE), gerenciados pelo IBGE.
O acesso às informações sobre a população trabalhadora – segurados da Previdência
Social, empregados registrados na RAIS/CAGED e estimativas de população (População
Economicamente Ativa – PEA e População Economicamente Ativa Ocupada – PEAO)
feitas pelo IBGE, desagregados por município em cada unidade da federação, por sexo,
idade, escolaridade, ocupação e ramo de atividade econômica, é fundamental para a
construção dos indicadores básicos de situação de saúde dos trabalhadores e trabalhadoras
e para o planejamento e definição de prioridades para as ações de assistência e de
vigilância em saúde. Algumas dificuldades dizem respeito a limites metodológicos para a
produção das informações, a exemplo da estimativa de PEA e PEAO pelo IBGE nos anos
intercensitários; outras dizem respeito a posições políticas (ou concepções) que necessitam
ser revistas, a exemplo das dificuldades de acesso às informações da Previdência Social, ou
da RAIS/CAGED, desagregadas por município e demais variáveis de interesse à ST.
É necessário haver gestão federal (e nos estados), para viabilizar esse acesso de forma
sistemática e periódica para o SUS para todos os municípios em todo o país. O
fortalecimento da atuação da Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA)
com adoção de mecanismos de maior cobrança da responsabilidade desses setores e a
criação de Ripsa nos estados podem contribuir para uma articulação mais efetiva e para o
avanço da produção de informações.
Uma proposta importante seria desenvolver, nacionalmente e coletivamente, estratégia
para realizar um diagnóstico amplo e sistematizado da situação atual da produção de
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informações de interesse à ST, incluindo, pelo menos, uma revisão da listagem de doenças,
acidentes e agravos relacionados ao trabalho de notificação compulsória, a situação das
informações sobre mortalidade, a nova proposta para o e-SUS AB (sistema de informações
para Atenção Básica), a situação do SIH, revisão e harmonização de conceitos e definições
utilizadas pelos sistemas de informações em saúde acima citados, além da identificação das
principais necessidades e lacunas relativas às bases de dados dos setores Trabalho,
Previdência Social e IBGE.
Por outro lado, é importante que as análises da situação de saúde incluam as informações,
conhecimentos e experiências dos trabalhadores e trabalhadoras, ampliando a compreensão
sobre essa realidade, possibilitando a troca e o diálogo e qualificando tanto a participação e
controle social quanto a ação sanitária.
O fortalecimento da Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT) e a integração
com os demais componentes da Vigilância em Saúde
A VISAT é, sem dúvida, das tarefas mais ricas e mais complexas a serem absorvidas pelo
SUS. Também a mais “estranha” ao sistema, no sentido de que são capacidades,
habilidades, competências, conhecimentos e práticas não aprendidos pelos profissionais em
sua formação acadêmica. Necessitam ser criados, construídos e vivenciados. É o que
ocorre, por exemplo, quando nos deparamos com as dificuldades de intervenção nos
ambientes de trabalho, com a necessidade de operacionalização dos princípios e conceitos
da vigilância em saúde do trabalhador nos SUS. Os ambientes de trabalho são
frequentemente vistos como locais em que se desenvolvem processos tecnológicos, como
se fossem desprovidos de relações sociais, de interesses e conflitos, passíveis de serem
controlados unicamente por decisões técnico-operacionais, por aplicação e cumprimento de
procedimentos ou normas prescritas (NOBRE, 2013).
Além disso, frequentemente as representações dos/as trabalhadores/as somente
reconhecem a atuação nos ambientes de trabalho por parte dos auditores fiscais do trabalho
do Ministério do Trabalho e Emprego e não conhecem as atribuições do SUS relativas à
vigilância de ambientes e processos de trabalho. Ao mesmo tempo, a articulação com os
órgãos de proteção ambiental é, em geral, incipiente e a proteção da saúde (da população e
dos/as trabalhadores/as) quase não é considerada nas decisões sobre licenciamentos
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ambientais e na definição de políticas relativas ao desenvolvimento econômico-social nos
territórios (NOBRE, 2010).
As ricas experiências de VISAT que vêm sendo desenvolvidas em alguns centros de
referência somente poderão ser ampliadas para outros municípios e estados mediante
grande investimento, a ser empreendido pelo Ministério da Saúde, pelos estados e
municípios, que inclui desde a produção de normas técnicas e legais, definições da política
de vigilância em saúde, garantias de inserção das ações de VISAT nos códigos de saúde,
até a divulgação e publicização das tecnologias de intervenção e experiências exitosas para
todo o país. Requer o comprometimento de técnicos e gestores, bem como esforços de
integração intra e interinstitucional e articulação em redes solidárias de compartilhamento
de práticas e saberes (NOBRE; GALVÃO; CARDIM; MENDES; 2010:279; CORRÊA,
PINHEIRO, MERLO, 2012).
O fortalecimento da Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT) e a integração com os
demais componentes da Vigilância em Saúde é o primeiro objetivo explicitado na PNSTT.
Para isso, é necessário garantir a efetivação de uma série de ações, que tanto são
obrigações e atribuições dos serviços de saúde, de gestores e profissionais de saúde, das
vigilâncias em saúde, e não somente dos CEREST, quanto poderão contar com a
participação e acompanhamento dos trabalhadores e trabalhadoras e dos movimentos
sociais, bem como serem desenvolvidas em articulação com outros setores (ações
intersetoriais):
a) identificação das atividades produtivas, da população trabalhadora e das situações de risco
à saúde dos trabalhadores no território;
b) identificação das necessidades, demandas e problemas de saúde dos trabalhadores no
território;
c) realização da análise da situação de saúde dos trabalhadores;
d) intervenção nos processos e ambientes de trabalho;
e) produção de tecnologias de intervenção, de avaliação e de monitoramento das ações de
VISAT;
f) controle e avaliação da qualidade dos serviços e programas de saúde do trabalhador, nas
instituições e empresas públicas e privadas;
g) produção de protocolos, de normas técnicas e regulamentares; e
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h) participação dos trabalhadores e suas organizações.
O segundo objetivo – promover a saúde e ambientes e processos de trabalhos saudáveis,
também faz parte do processo da vigilância e pressupõe as seguintes ações:
a) estabelecimento e adoção de parâmetros protetores da saúde dos trabalhadores nos
ambientes e processos de trabalho;
b) fortalecimento e articulação das ações de vigilância em saúde, identificando os fatores de
risco ambiental, com intervenções tanto nos ambientes e processos de trabalho, como no
entorno, tendo em vista a qualidade de vida dos trabalhadores e da população circunvizinha;
c) representação do setor saúde/saúde do trabalhador nos fóruns e instâncias de formulação
de políticas setoriais e intersetoriais e às relativas ao desenvolvimento econômico e social;
d) inserção, acompanhamento e avaliação de indicadores de saúde dos trabalhadores e das
populações circunvizinhas nos processos de licenciamento e nos estudos de impacto
ambiental;
e) inclusão de parâmetros de proteção à saúde dos trabalhadores e de manutenção de
ambientes de trabalho saudáveis nos processos de concessão de incentivos ao
desenvolvimento, nos mecanismos de fomento e outros incentivos específicos;
f) contribuição na identificação e erradicação de situações análogas ao trabalho escravo;
g) contribuição na identificação e erradicação de trabalho infantil e na proteção do trabalho
do adolescente;
h) desenvolvimento de estratégias e ações de comunicação de risco e de educação ambiental
e em saúde do trabalhador.
Especialmente a promoção da saúde e de ambientes de trabalho saudáveis requer práticas
intersetoriais e a transversalidade das políticas, públicas e privadas. A melhoria das
relações e práticas intersetoriais, o reconhecimento mútuo e solidário, especialmente entre
Saúde, Trabalho e Meio Ambiente são fundamentais para a efetividade da proteção dos/as
trabalhadores/as nos ambientes de trabalho.
Para o exercício da intersetorialidade, é importante considerar que ainda predominam a
fragmentação e desarticulação das ações e políticas entre os diversos órgãos e setores de
interesse à saúde do/a trabalhador/as; que a qualidade e efetividade das ações ainda são
baixas ou insuficientes; que há diferentes coberturas das ações e políticas, até com
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exclusão de parcelas de trabalhadores; que ainda faltam transparência e maior publicização
das informações e ações.
Por sua vez, é necessário entender que as instituições têm diferentes missões, concepções e
lógicas; que há competências comuns, concorrentes e ou exclusivas; que, no entanto, essas
diferenças não devem significar a impossibilidade de atuação conjunta. Ao contrário, elas
devem ser consideradas quando se busca práticas articuladas entre as diversas instituições
que interessam à saúde dos/as trabalhadores/as. Respeitar as diferenças e identificar o que
nos une; construir objetivos comuns dentro da especificidade de cada um; de forma
articulada, complementar, cooperativa e solidária; eis o desafio para o desenvolvimento de
políticas integradas entre os diversos órgãos e setores envolvidos nas três esferas de
governo – União, Estados e Municípios (NOBRE, 2011).
Sobre a rede de atenção integral à saúde do trabalhador, a RENAST, sobre o papel
dos centros de referência em saúde do trabalhador, os CEREST
Para pensar a rede de atenção à saúde do/a trabalhador/a é importante explicitar o que é
integralidade. O entendimento mais comum diz respeito à articulação de ações
assistenciais, individuais e curativas, realizadas em quaisquer pontos da rede, com ações
coletivas e de vigilância à saúde. A articulação entre o planejamento e avaliação com a
execução das ações. Pode-se entender também como integralidade da atenção a
articulação entre o conhecimento técnico e os saberes dos usuários; e, ou, entre as práticas
dos profissionais e as experiências e vivências da população. Isto é, o encontro pedagógico
entre dois sujeitos; ambos trazendo seus sentidos e significados.
E quando se trata da saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras, o que mais podemos
considerar como integralidade da atenção? Entender o/a trabalhador/a na totalidade de suas
necessidades, objetivas e subjetivas, no trabalho e fora dele; entender os processos de
trabalho como processos sociais e políticos, que se dão nos ambientes de trabalho, espaços
particulares e, ao mesmo tempo, coletivos. Assim, as diversas necessidades e demandas
dos/as trabalhadores/as, direta ou indiretamente relacionadas, ou não, ao seu trabalho,
apresentam-se em todos e quaisquer pontos de atenção da rede de saúde.
Sendo consequente com o princípio da integralidade, a PNSTT aponta para uma revisão e
reconfiguração da arquitetura, funções e papéis da Rede de Atenção Integral à Saúde do
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Trabalhador. De uma rede de centros de referência, passa-se à compreensão de que a ST
deve estar presente em todas as instâncias e pontos da rede SUS, articulando-se
transversalmente com todas as áreas e com as diversas políticas do SUS e, ainda, com as
demais políticas intersetoriais de interesse à ST. Com isso, os centros de referência em ST
passam a ter um papel ampliado, enquanto pontos de maior densidade tecnológica
especializados em ST, de apoiador de toda a rede SUS em seu território, ao mesmo tempo
em que passam a compartilhar responsabilidades e articular-se mais com os demais pontos
e instâncias da rede, desde a atenção básica, até a especializada, hospitalar e as demais
vigilâncias.
Atualmente, a RENAST apresenta uma série de dificuldades, tanto relativas à gestão da
política, às insuficiências do planejamento, aos indicadores de monitoramento e avaliação,
que são parciais e não dão conta do espectro de ações de ST que precisam ser
desenvolvidas, até as fragilidades técnicas na execução das ações de assistência e
vigilância e à produção e análise de informações.
Há uma fragilidade e insuficiência nos modelos de gestão e nos modelos de atenção
vigentes; a descentralização ainda não é uma realidade plena. Os CEREST são centros de
referência regional, porém, sua gestão é municipal. Isso traz dificuldades para dar conta de
ações de abrangência regional; requer fortalecimento da capacidade de pactuação no
âmbito regional, além de maior envolvimento e comprometimento da gestão dos demais
municípios que compõem a região de saúde. Especialmente as ações de vigilância de
ambientes e processos de trabalho necessitam da atuação das equipes de vigilância
municipais e do respaldo dos códigos de saúde.
Há também limites em relação à abrangência das ações e ao acesso da população
trabalhadora nos territórios. Nem metade das regiões de saúde do país tem um centro de
referência especializada em ST como sua retaguarda técnica. As áreas de abrangência de
cada CEREST variam conforme o estado da federação; alguns abrangem áreas extensas,
com muitos municípios, mas, na prática, não conseguem dar conta de todos eles; com o
número atual (reduzido) de centros de referência muitas áreas são praticamente
impossíveis de ser atendidas. Há, na ST, o que chamamos de vazios assistenciais (e de
vigilância em saúde) em quase todos os estados do país. Até hoje a maioria dos municípios
não inclui em seus planos municipais de saúde a análise de situação de saúde da população
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trabalhadora, nem o levantamento das atividades produtivas, das necessidades e problemas
de ST, nem as ações para enfrentá-los.
Os perfis de qualificação e composição das equipes técnicas e gerenciais são insuficientes
e inadequados; os vínculos frequentemente são precários; as concepções sobre ST e,
especialmente, sobre VISAT frequentemente são equivocadas. Ainda há muita
heterogeneidade na atuação dos CEREST, especialmente em relação às ações de VISAT, o
que evidencia a necessidade de investimentos para maior alinhamento e harmonização de
práticas e condutas. Enfim, há inúmeras fragilidades, carências, insuficiências; a estratégia
adotada de rede de unidades sentinela esgotou-se frente à necessidade de incorporar as
ações de ST em toda a rede SUS e de ter a atenção básica como ordenadora do sistema e a
vigilância em saúde como eixo estratégico central (BAHIA, 2010; LACAZ, MACHADO,
PORTO, 2002; DIAS, HOEFEL, 2005; SANTANA, SILVA, 2009; GONÇALVES, DIAS,
2009; NOBRE, 2011; CORREA, PINHEIRO, MERLO, 2012).
Recursos humanos e responsabilidade sanitária de gestores e profissionais de saúde
no SUS
O entendimento da responsabilidade sanitária de gestores e profissionais de saúde de
proteger a saúde dos trabalhadores em seus locais de trabalho, tal como posto na PNSTT,
nos auxilia. Assumir o princípio ético-político da ação sanitária em ST compreende o
entendimento de que o objetivo e a justificativa da intervenção é a melhoria das condições
de trabalho e de saúde dos trabalhadores. (BRASIL, 2012)
A PNSTT considera a competência constitucional do SUS na execução das ações de saúde
do trabalhador; apresenta os princípios e define as diretrizes e estratégias a serem
observados nas três esferas de gestão do SUS de modo a garantir a implementação de
ações de saúde do trabalhador em todos os níveis de atenção do SUS.
Para isso, é fundamental avançar no equacionamento de outro grande desafio, que é poder
contar com profissionais qualificados, comprometidos com a política pública de saúde; que
façam a diferença e aliem capacidade técnica e concepção política e ideológica na luta por
melhores condições de saúde e trabalho, com compromisso com a construção do SUS e
com os/as trabalhadores/as, com responsabilidade sanitária. As ações propostas para o
desenvolvimento e capacitação de recursos humanos apontadas na PNSTT necessitam ser
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implementadas em todas as instâncias do SUS. Destaco algumas que considero importantes
para serem problematizadas nos debates desta conferência:
a) adoção de estratégias para a progressiva desprecarização dos vínculos de trabalho
das equipes de saúde, incluindo os técnicos dos centros de referência e das
vigilâncias, nas três esferas de gestão do SUS, mediante concurso público;
b) inserção de especificação da atribuição de inspetor de vigilância aos técnicos em
saúde do trabalhador nos planos de carreira, cargos e vencimentos, nas esferas
estadual e municipal;
c) inserção de conteúdos de saúde do trabalhador nos diversos processos formativos
e estratégias de educação permanente, cursos e capacitações, para profissionais de
nível superior e nível médio, com destaque àqueles destinados às equipes de
Vigilância em Saúde, à Saúde da Família e aos gestores;
d) capacitação para aplicação de protocolos, linhas guias e linhas de cuidado em
saúde do trabalhador, com ênfase à identificação da relação saúde-trabalho, ao
diagnóstico e manejo dos acidentes e das doenças relacionadas ao trabalho, incluindo
a reabilitação, à vigilância de agravos, de ambientes e de processos de trabalho e à
produção de análise da situação de saúde;
e) capacitação voltada à aplicação de medidas básicas de promoção, prevenção e
educação em saúde e às orientações quanto aos direitos dos trabalhadores;
...
i) investimento na qualificação de todos os técnicos dos CEREST, no mínimo, em
nível de especialização;
j) integração com órgãos de fomento de pesquisa, nacionais e internacionais e com
instituições responsáveis pelo processo educativo como universidades, centros de
pesquisa, organizações sindicais, ONG, entre outras; e
k) apoio à capacitação voltada para os interesses do movimento social, movimento
sindical e controle social, em consonância com as ações e diretrizes estratégicas do
SUS e com a legislação de regência.
Muitos desses investimentos são desafios também para os demais setores das políticas
públicas de interesse à ST e poderiam ser compartilhadas mediante estratégias específicas.
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
57
O financiamento das políticas sociais, do SUS e da Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora no SUS
Os maiores entraves, limites e desafios para a efetivação da Política Nacional de Saúde do
Trabalhador e da Trabalhadora são os mesmos limites, nós críticos e desafios do próprio
SUS. Se fortalecermos o SUS, estaremos ampliando as possibilidades de proteção e defesa
da saúde de todos os trabalhadores e todas as trabalhadoras. Tendo como perspectiva a
reflexão nesta Conferência e também na 15ª Conferência Nacional de Saúde, podemos
destacar quatro dimensões fundamentais: o papel do Estado e da sociedade; o modelo de
atenção à saúde; o financiamento e a política de recursos humanos necessários para o SUS.
Primeiro, é necessário entender como o Estado brasileiro constrói políticas sociais visando
garantia de direitos, ao mesmo tempo em que atende às demandas de reprodução do
capital; entender que o processo de reforma sanitária brasileira sofre todas as contradições
da sociedade contemporânea; entender como um processo de reforma social concebida em
um momento de crise de hegemonia e na defesa da democratização do Estado e da
sociedade vai perdendo força e vigor, ao tempo em que vai se institucionalizando (PAIM,
2009; SANTOS, 2009; FLEURY, 2009).
O subfinanciamento atinge todas as áreas do SUS e explicita a contradição de uma política
que para garantir o direito à saúde amplia o acesso da população aos serviços de saúde, ao
mesmo tempo em que permite e fomenta o crescimento exponencial dos investimentos no
setor privado de saúde. Desde a retirada da contribuição previdenciária para a saúde, em
1993, à não aplicação da CPMF na saúde, e depois sua extinção; da pressão de setores
governamentais federais para não regulamentar a Emenda Constitucional nº 29 e, com ela,
impedir a aplicação do percentual sobre a arrecadação da União para o financiamento do
sistema; até as diversas modalidades de comprometimento do orçamento público federal, a
exemplo do financiamento indireto das empresas privadas de planos e seguros de saúde
pela dedução do Imposto de Renda, do co-financiamento de planos privados dos servidores
públicos (incluindo as estatais), do não ressarcimento ao SUS pelas empresas de planos e
seguros pelos atendimentos feitos a seus afiliados, isenções tributárias e outras (SANTOS,
2009).
Afora isso, os insuficientes recursos são desigualmente distribuídos, sendo aplicados
majoritariamente em serviços hospitalares e procedimentos assistenciais de média e alta
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
58
complexidade, pouco restando para a atenção básica ou saúde da família ou para ações de
promoção da saúde e vigilância em saúde. É assim na atenção de uma forma geral e é
assim na Saúde do Trabalhador. A PNSTT deixa claro que o financiamento das ações de
saúde do trabalhador deve ser responsabilidade dos três entes da federação, União, estados
e municípios, e que deve ser compartilhado entre os diversos blocos de financiamento hoje
existentes no SUS (de gestão, da atenção básica, da vigilância em saúde, da média e alta
complexidade). Além dos recursos do SUS, propõe a utilização de outras fontes de
financiamento. Será necessário fazer gestão e muita pressão social e política para
viabilizar, tornar factíveis, essas propostas de ampliação dos recursos, fundamentais para
fazer com que o que está escrito saia do papel e apareça na vida real, na política real.
É importante ressaltar que o subfinanciamento do SUS e, especialmente, as opções que
favorecem a manutenção e até o crescimento dos planos e seguros de saúde privados,
impactam de várias formas no potencial de êxito ou enfraquecimento da PNSTT. Além dos
limites relativos ao modelo de atenção, individual, curativo, sem ênfase em promoção,
prevenção ou de medidas básicas de vigilância em saúde, a exemplo do não registro de
casos de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, há pouca margem para o exercício
do controle social e regulação do Estado. Mais que isso, observa-se uma inversão na
agenda política dos trabalhadores e suas representações, ao inserir os planos e seguros
privados como objeto de reivindicação em seus acordos coletivos, restando, quase sempre,
à defesa do SUS e de condições dignas de trabalho um locus marginal. É um impacto
quase invisível, mas altamente potente, seja por seus resultados concretos, nas fragilidades
e insuficiências do sistema público, seja nas suas dimensões simbólicas, ideológicas e
culturais. (NOBRE, 2013)
Isso tem a ver com a segunda ordem de desafios. Apesar das progressivas mudanças e
melhorias nos processos de pactuação entre os níveis de gestão do SUS, a exemplo do
Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão em 2006, e do recente Contrato
Organizativo de Ação Pública na saúde, ainda persistem modelos de gestão e planejamento
verticalizados, pouco participativos, incapazes de ‘deslocar a hegemonia do ‘modelo de
oferta’, substituindo-o pelo ‘modelo das necessidades e direitos da população’. A pesada
herança da formação do Estado brasileiro “unitário; avesso à diversidade regional e local;
cartorial, patrimonialista, burocratizado e clientelista, com a administração pública, direta e
indireta, impregnadas com todas as vertentes particularistas e corporativistas” (SANTOS,
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
59
2009, p.21), ainda permanece, predominantemente, ignorada, no sentido de não ser
problematizada e enfrentada.
Desse modo, o desafio de como pensar e praticar modelos de gestão que superem essa
herança é central. Atualmente, há toda uma discussão a respeito da gestão participativa,
gestão solidária e compartilhada entre os entes federativos, com responsabilidade sanitária,
com valorização dos sujeitos; formas de participação social que incluem, e ao mesmo
tempo extrapolam, as instâncias constituídas de controle social. Ao par disso, ressaltam-se
as proposições sobre modelos de atenção, sobre a atuação na lógica de redes, menos
hierarquizadas e mais solidárias, com recursos e estratégias de apoio, de compartilhamento
de saberes, experiências e práticas, tendo como base e ordenadora do sistema a atenção
primária em saúde e como diretrizes estratégicas a promoção da saúde e a vigilância em
saúde (SANTOS, 2009; PAIM, 2009).
Todos esses aspectos, que trazem novos ares aos processos concretos de construção da
política de saúde nos territórios, nos municípios e estados, estão pontuados nos objetivos,
diretrizes, estratégias e responsabilidades institucionais da PNSTT. O papel da Atenção
Primária à Saúde na ST já tem um corpo de reflexões e propostas concretas sendo
experimentadas, com resultados positivos e surpreendentes (GONÇALVES; DIAS, 2009;
SANTOS; LACAZ, 2012; DIAS; SILVA, 2013).
Entretanto, ainda há uma concepção predominante de que ST é somente responsabilidade
das equipes dos CEREST. Isso precisa ser mudado; os demais setores e instâncias do SUS
precisam assumir sua responsabilidade na atenção à saúde dos trabalhadores e
trabalhadoras em seus âmbitos de atuação e especificidades, ao mesmo tempo em que se
fortalece e qualifica a atuação dos CEREST para ser de fato retaguarda para toda a rede
SUS.
Completando as questões acima, é necessário lograr outro dos objetivos e estratégias da
PNSTT que é o fortalecimento e ampliação da participação da comunidade e dos
trabalhadores e trabalhadoras e do controle social no SUS.
Propomos, então, que uma forma de responder aos desafios pode ser recuperar e atualizar a
força instituinte da Saúde do Trabalhador; pensar que novas mudanças, reconfigurações
institucionais e práticas reflexivas são necessárias para efetivar o que acabamos de
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
60
construir. Uma política precisa ser viva; precisa fazer parte não só das necessidades, mas
também dos desejos, das vontades, das perspectivas e objetivos dos sujeitos.
É sempre bom lembrar o que aprendemos com o movimento operário italiano; que tão bem
nos mostraram Oddone, Giovanni Berlinguer, David Capistrani Filho (ODONNE et ali,
1986), quando nos anos 70 e 80 construíamos a redemocratização do país, o processo de
reforma sanitária e um sistema de saúde universal: que saúde não se vende; que direito se
conquista; que os sujeitos da luta pela saúde são os/as próprios/as trabalhadores e
trabalhadoras. Nesse sentido, a PNSTT aponta muitas potencialidades e desafios. Cabe a
todos/as nós conhecê-la, defendê-la; construir coletivamente as estratégias para sua
viabilização e cobrar sistematicamente sua efetivação.
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4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
63
TEXTO 7: SUB-EIXO III - Efetivação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora, considerando os princípios da integralidade e intersetorialidade nas três esferas de
governo.
A ATENÇÃO BÁSICA E A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE
SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA (PNSTT):
CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE NA 4ª. CNSTT
Elizabeth Costa Dias6
Thais Lacerda e Silva7
Jandira Maciel da Silva8
Introdução: o tema e as finalidades do texto
As ações de saúde destinadas aos trabalhadores, na rede pública de serviços de saúde,
considerando sua inserção no processo produtivo como determinante do processo saúde-
doença foram prescritas pela Constituição de 1988 e regulamentada pelas Leis Orgânica da
Saúde n° 8080 e n° 8.142, no ano de 1990. Desde então, distintas formas de organização
institucional e estratégias de ação têm sido adotadas nas três esferas de gestão do Sistema
Único de Saúde (SUS), para prover atenção integral à saúde dos trabalhadores.
O tema central da 4ª. Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (4ª
CNSTT): “SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA, DIREITO DE
TODOS E TODAS E DEVER DO ESTADO” enseja a oportunidade para que a sociedade
e os movimentos organizados de trabalhadores e trabalhadoras se apropriem ou re-
apropriem do tema, politizem as discussões e cumpram efetivamente o papel que lhes cabe
na definição e controle da Política de Saúde do País. Para facilitar o processo, o tema foi
desdobrado em quatro sub eixos:
a) Desenvolvimento socioeconômico e seus reflexos na saúde do trabalhador e da
trabalhadora;
6 Professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social (DMPS) da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 7 Doutoranda em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP). Bolsista Cnpq.
8 Professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social (DMPS) da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
64
b) Fortalecimento da participação dos trabalhadores e das trabalhadoras, da comunidade e
do controle social nas ações de saúde do trabalhador e da trabalhadora;
c) Efetivação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT),
considerando os princípios da integralidade e intersetorialidade nas três esferas de governo;
d) Financiamento da Política Nacional de Saúde do Trabalhador, nos municípios, Estados e
União.
Apesar das polêmicas envolvendo a realização da CNSTT em ano encurtado pela
coincidência com o processo eleitoral e a Copa Mundial de Futebol, uma vez convocada
pelo Ministro da Saúde em novembro de 2013, é importante somar esforços para ampliar o
debate para dar concretude e “tirar do papel” a PNSTT, instituída pela Portaria n° 1.823 de
23 de agosto de 2012, uma conquista social gestada por mais de 15 anos.
A PNSTT define os princípios, as diretrizes e as estratégias a serem observados pelas três
esferas de gestão do SUS para o desenvolvimento da atenção integral à saúde do
trabalhador e da trabalhadora, com ênfase na vigilância, visando à promoção e a proteção
da saúde dos trabalhadores e a redução da morbimortalidade decorrente dos modelos de
desenvolvimento e dos processos produtivos (BRASIL, 2012).
O enunciado do artigo 2º da Portaria sintetiza bem o grande desafio para a implementação
da PNSTT, na medida em que reafirma as responsabilidades compartilhadas pelas três
esferas de gestão do SUS para efetivar a atenção integral à saúde, com ênfase nas ações de
vigilância e relaciona as condições de vida, saúde e o adoecimento dos trabalhadores ao
modelo de desenvolvimento adotado no Brasil (BRASIL, 2012).
Este texto busca fomentar os debates, em especial sobre as contribuições da Atenção
Básica (AB) no processo de implementação da PNSTT nos municípios. A relevância do
tema está em sintonia com a atual forma de organização das ações e serviços do SUS, por
meio de redes de atenção, em que a AB é considerada ordenadora das redes e coordenadora
do cuidado, com responsabilidade sanitária sobre determinados territórios.
As reflexões expressas no texto resultam do trabalho coletivo que vem sendo desenvolvido
em estreita parceria com profissionais dos serviços de saúde, em estudo conduzido por
pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, em parceria com a equipe técnica
da Coordenação Geral de Saúde do Trabalhador do Departamento de Vigilância em Saúde
Ambiental e Saúde do Trabalhador da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da
Saúde (CGSAT/DSAST/SVS/MS).
As perguntas que orientam o desenvolvimento do texto são:
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
65
Qual a importância, o papel e as possíveis contribuições da Atenção Básica para a
atenção integral à saúde do trabalhador e da trabalhadora, prescrita pela PNSTT?
Como se entrelaçam as prescrições da PNSTT e da Política Nacional de Atenção
Básica (PNAB) e quais são os desafios e dificuldades a serem enfrentados?
A Atenção Básica no atual modelo de atenção do Sistema Único de Saúde (SUS) e a
saúde dos trabalhadores
O papel da Atenção Básica no cuidado da saúde dos trabalhadores pode ser analisado sob
vários aspectos: conceitual; normativo-prescritivo e a partir das práticas desenvolvidas
pelas equipes. Esse conhecimento é importante para que a sociedade entenda e participe
desse processo.
A portaria n° 4279/2010 estabelece diretrizes para a organização da rede de atenção à
saúde (RAS) no âmbito do SUS e explicita a relevância da AB, devendo ser o primeiro
contato de indivíduos, famílias e comunidades com o sistema de saúde, trazendo os
serviços de saúde o mais próximo de onde as pessoas vivem e trabalham (BRASIL, 2010).
O fortalecimento da AB aparece na portaria como sendo a primeira diretriz e estratégia
para a implementação da rede de atenção à saúde. O Decreto Presidencial n° 7.508/2011,
que regulamenta a Lei Orgânica da Saúde, 20 anos após sua promulgação, dispõe, entre
outras questões, sobre a organização do SUS, de forma regionalizada e hierarquizada. No
que se refere à instituição das regiões de saúde a atenção primária está incluída no rol
mínimo de ações e serviços (BRASIL, 2011).
A estratégia de organizar o SUS no modelo da RAS visa superar a fragmentação da
atenção e gestão nas regiões de saúde e assegurar aos usuários do SUS, ações e serviços
necessários à resolução de seus problemas e necessidades de saúde, sendo definida como
arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas,
que integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam
garantir a integralidade do cuidado (BRASIL, 2010; MENDES, 2010).
Entretanto, os desafios para a consolidação das redes regionalizadas e integradas de
atenção à saúde no SUS são muitos e devem ser considerados neste debate. Entre eles,
destacam-se: o financiamento insuficiente do SUS; as relações intergovernamentais no
contexto da descentralização; a gestão intergovernamental nas regiões e a integração em
um modelo de atenção no qual a Atenção Básica ordena a rede e coordena o cuidado. No
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
66
âmbito das relações intergovernamentais, é importante destacar que o aumento das
competências e responsabilidades dos municípios no atendimento às demandas e
necessidades de saúde da população não foi acompanhado de aumento do grau de
independência política e financeira. A maioria dos municípios brasileiros tem capacidade
limitada de arrecadação de recursos próprios e depende de transferências de recursos
federal e estadual. Em face do aumento das transferências intergovernamentais (fundo a
fundo), também foram adotadas estratégias de financiamento que mantêm o poder central
de decisão sobre a utilização de recursos, de forma que as prioridades nacionais se
expressam nos estados e municípios, prejudicando a priorização do investimento em
programas locais (SOUZA, 2002; MACHADO, 2012). Soma-se a esta questão, a limitação
da capacidade de despesa dos municípios imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal,
tendo como um dos efeitos colaterais a contratação de profissionais de saúde por meio de
parcerias com instituições privadas e do terceiro setor, aprofundando a precarização do
trabalho em saúde (SILVA, 2011).
Entre os desafios para o fortalecimento da Atenção Básica, como centro de comunicação e
coordenação do cuidado na rede de atenção à saúde, destacam-se:
a) a necessidade de romper com as características do modelo de saúde centrado na doença;
b) o desafio de organizar a produção do cuidado a partir do reconhecimento do território e
das necessidades de saúde dos indivíduos e coletividades;
c) o fortalecimento da integração com os serviços de apoio diagnóstico e terapêutico,
especialmente, por meio de tecnologias inovadoras, a exemplo do Apoio Matricial;
d) a estruturação e o desenvolvimento de ações de vigilância à saúde;
e) a melhoria das condições de trabalho e emprego das equipes de saúde que atuam na
Atenção Básica, entre outros.
A capilaridade da rede de atenção, presente nos 5.564 municípios brasileiros; a
potencialidade de se organizar as ações e serviços de saúde com base nas necessidades e
problemas mais comuns; de oferecer atenção contínua e integral, por equipe
multidisciplinar, considerando o usuário-sujeito em sua singularidade e inserção sócio-
cultural conferem à Atenção Básica a centralidade no modelo da RAS (BRASIL, 2010;
BRASIL, 2011).
Também, a ênfase conferida à Atenção Básica resgata a prescrição original do documento
de Alma Ata, que nos anos 70 propunha a meta “Saúde para todos nos anos 2000” e
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
67
reconhecia a possibilidade dessa estratégia levar atenção à saúde de qualidade e resolutivas
“o mais próximo de onde as pessoas vivem e trabalham”.
Apesar de, na atualidade, a organização da Atenção Básica considerar apenas a população
residente no território sob a responsabilidade sanitária da equipe de saúde, começam a
surgir propostas visando prover atenção à saúde dos trabalhadores que trabalham em
territórios distintos daqueles nos quais residem. No estudo de avaliação da implementação
da estratégia Saúde da Família em dez grandes centros urbanos, desenvolvido pelo
Ministério da Saúde em 2005 (ESCOREL, 2005), essa questão foi ressaltada
principalmente em cidades “dormitórios” das regiões metropolitanas e o relatório
recomenda a adscrição por local de trabalho ou por meio de inscrição individual dos
usuários-trabalhadores, em Unidades de Saúde da Família (USF) próximas aos locais de
trabalho (DIAS, LACERDA E SILVA, 2013).
Outro aspecto importante a ser destacado sobre o papel da Atenção Básica no cuidado dos
trabalhadores se refere às mudanças no “mundo do trabalho”, aceleradas a partir dos anos
90 e em escala global. Mediadas pelas tecnologias de informação e comunicação e, por
novas formas de organização e gestão dos processos produtivos, desencadearam novos
padrões e modos de vida, valores, crenças e comportamentos das pessoas, em ritmo sem
precedentes na história humana, criando novas necessidades e impondo desafios que a
sociedade e o aparelho estatal têm dificuldade para responder.
Entre as conseqüências desses processos destacam-se o desemprego estrutural; a
intensificação e aumento da complexidade das tarefas; a precarização dos vínculos e
ausência ou fragilidade da proteção social além de reflexos sobre os laços de solidariedade
entre os trabalhadores.
O crescimento do trabalho informal e domiciliado, o aumento da vulnerabilidade social e o
da degradação ambiental aparecem associados às cadeias produtivas de setores
considerados fortes e ou tradicionais da economia, como por exemplo, a indústria
metalúrgica, do vestuário, calçadista, de alimentos, entre outros. Etapas ou parcelas do
processo de trabalho, geralmente consideradas mais “sujas”, arriscadas e perigosas para a
saúde, são desenvolvidas em pequenas unidades, por vezes no próprio domicílio do
trabalhador (NEHMY, DIAS, 2010).
O trabalho desenvolvido no domicílio é praticamente invisível, permanecendo à margem
da regulação, da inspeção e fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego e da ação
dos sindicatos e das organizações de trabalhadores. Assim, o SUS, e em particular, a
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
68
estratégia Saúde da Família/Atenção Básica representa a presença do Estado no cuidado da
saúde desses trabalhadores (VIEIRA, DIAS, MATTOS 2013).
Neste cenário, a capilaridade da AB e as ações desenvolvidas por equipe multiprofissional,
com a responsabilidade sanitária pelo território, possibilitam o acesso da população às
ações de saúde, o estabelecimento de vínculos e o fortalecimento de relações de confiança
entre a equipe de saúde e a população, especialmente mediadas pelo Agente Comunitário
de Saúde, permitindo a identificação e respostas mais adequadas às demandas e aos
problemas decorrentes das relações Trabalho-Saúde-Doença, a geração de informações de
saúde mais fidedignas e a participação da comunidade (SANTOS; RIGOTTO, 2011;
LACERDA SILVA; DIAS; SILVA, 2012).
Portanto, alguns elementos e pressupostos da Atenção Básica reforçam seu papel e a
responsabilidade sanitária sobre os territórios, o que implica no reconhecimento, análise e
intervenção sobre as relações entre as atividades produtivas e os processos de trabalho que
influenciam a saúde-doença dos trabalhadores, da população adstrita e o ambiente.
Como contribuição às discussões da IV CNSTT, será apresentada, a seguir, as interfaces
entre a PNSTT e a PNAB, visando à produção do cuidado da saúde dos trabalhadores.
Os entrelaçamentos entre as Políticas Nacionais de Atenção Básica e de Saúde do
Trabalhador e da Trabalhadora: potencialidades e desafios
A PNAB define diretrizes e normas para a organização da atenção básica, estratégia Saúde
da Família e para o Programa de Agentes Comunitários de Saúde. A leitura sobre as
características do processo de trabalho e as atribuições comuns dos profissionais que atuam
na AB, quando analisados sob a perspectiva das prescrições da PNSTT, evidencia, que, a
rigor, a discussão sobre a responsabilidade das equipes pela atenção à saúde dos
trabalhadores não é uma nova atribuição, mas significa qualificar as ações já
desenvolvidas. De acordo com a PNAB, as equipes da Atenção Básica devem se organizar
para assumir sua função de acolher, escutar e oferecer uma resposta positiva, capaz de
resolver a grande maioria dos problemas de saúde da população e/ou de minorar danos e
sofrimentos desta, ou ainda se responsabilizar pela resposta, mesmo que esta seja ofertada
em outros pontos de atenção da rede (BRASIL, 2011). Assim, oferecer resposta e ou
encaminhamento para a grande maioria dos problemas de saúde da população inclui
necessariamente reconhecer e intervir sobre os problemas advindos do trabalho atual ou
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
69
pregresso dos trabalhadores e de processos produtivos instalados no território que podem
repercutir sobre a saúde dos trabalhadores e da comunidade. De forma mais objetiva,
significa incorporar as relações Trabalho-Saúde-Doença e Ambiente nas ações de saúde
desenvolvidas.
A PNSTT define que a Atenção Básica deve desenvolver as seguintes ações de saúde do
trabalhador:
a) reconhecimento e mapeamento das atividades produtivas no território;
b) reconhecimento e identificação da população trabalhadora e seu perfil sócio ocupacional
no território;
c) reconhecimento e identificação dos potenciais riscos e impactos (perfil de morbi-
mortalidade) à saúde dos trabalhadores, das comunidades e ao meio ambiente, advindos
das atividades produtivas no território;
d) identificação da rede de apoio social aos trabalhadores no território;
e) inclusão, dentre as prioridades de maior vulnerabilidade em saúde do trabalhador, das
seguintes situações: chefe da família desempregado ou subempregado, crianças e
adolescentes trabalhando, gestantes ou nutrizes trabalhando, algum membro da família
portador de algum agravo à saúde relacionado com o trabalho (acidente ou doença) e
presença de atividades produtivas no domicílio;
f) identificação e registro da situação de trabalho, da ocupação e do ramo de atividade
econômica dos usuários das unidades e serviços de atenção primária em saúde;
g) suspeita e ou identificação da relação entre o trabalho e o problema de saúde
apresentado pelo usuário, para fins de diagnóstico e notificação dos agravos relacionados
ao trabalho;
h) notificação dos agravos relacionados ao trabalho no Sistema de Informação de Agravo
de Notificação (SINAN) e no sistema de informação da Atenção Básica e, emissão de
relatórios e atestados médicos, incluindo o laudo de exame médico da Comunicação de
Acidente do Trabalho (CAT), nos casos pertinentes;
i) subsídio à definição da rede de referência e contra referência e estabelecimento dos
fluxos e instrumentos para os encaminhamentos necessários;
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
70
j) articulação com as equipes técnicas e os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador
(CEREST) sempre que necessário, para a prestação de retaguarda técnica especializada,
considerando seu papel no apoio matricial à rede SUS;
k) definição e implantação de condutas e manejo assistenciais, de promoção e de vigilância
em saúde do trabalhador, mediante a aplicação de protocolos, de linhas de cuidado e de
projetos terapêuticos para os agravos, e de linhas guias para a vigilância de situações de
riscos relacionados ao trabalho;
l) incorporação de conteúdos de saúde do trabalhador nas estratégias de capacitação e de
educação permanente para as equipes da atenção primária em saúde.
A seguir, comentaremos, brevemente, cada uma dessas prescrições, buscando entrelaçá-las
no processo de trabalho das equipes da Atenção Básica.
É importante destacar que os instrumentos de trabalho das equipes da Atenção Básica já
contemplam variáveis de interesse para a saúde dos trabalhadores, que são importantes
para o delineamento do perfil da população trabalhadora que reside no território de atuação
das equipes, tais como sexo, idade, escolaridade, ocupação, tipo de vínculo
(formal/informal) e doenças ou condições referidas.
Além disso, abordagens tradicionais das equipes de saúde, como acolhimento e consultas
são momentos privilegiados para que os profissionais identifiquem os usuários como
trabalhadores, conhecendo melhor quem são, onde e em que trabalham, de que e como
adoecem.
A análise do perfil produtivo e da situação de saúde dos trabalhadores é a base da
organização das ações e serviços de saúde direcionadas aos trabalhadores e pressupõe a
identificação das atividades produtivas e do perfil da população trabalhadora no território.
O documento da PNSTT orienta que a identificação das atividades produtivas e da
população trabalhadora deve ser feita, de forma conjunta, pela Atenção Básica e os setores
da Vigilância em Saúde.
A análise de situação de saúde dos trabalhadores que vivem no território de abrangência
das equipes da Atenção Básica deve possibilitar a identificação das pessoas e/ou grupos em
situação de maior vulnerabilidade, como os trabalhadores inseridos em atividades de
trabalho precário, em atividades de maior risco para a saúde, submetidos a formas nocivas
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
71
de discriminação, ou ao trabalho infantil, na perspectiva de superar desigualdades sociais e
de saúde e de buscar a equidade na atenção, conforme destaca a PNSTT.
A partir do estabelecimento da relação entre o trabalho e ou ocupação e o adoecimento
apresentado pelo trabalhador, este deve ser notificado no SINAN, por meio das fichas de
investigação/notificação já existentes. Esse procedimento é essencial para dar visibilidade
aos problemas, fazendo com que sejam incorporados na agenda dos gestores do SUS e nas
pautas do controle social.
A produção e divulgação, periódicas, com acesso ao público em geral, de análises de
situação de saúde também estão previstas na PNSTT. Entretanto, a divulgação das
informações sobre saúde aos usuários, a partir da análise de situação de saúde local, não
tem sido feita de modo sistemático. Silveira e colaboradores (2010) demonstram que tanto
as estratégias de produção quanto de divulgação e comunicação são improvisadas e pouco
adequadas para alcançar os trabalhadores de saúde e a população. Muitas equipes da
Atenção Básica referem dúvidas quanto à linguagem a ser utilizada; à definição dos
conteúdos das mensagens, bem como sobre as formas de divulgação das informações, com
vistas a possibilitar não somente o acesso, mas principalmente, a compreensão das
mensagens sobre saúde por parte da comunidade local. Estas dificuldades apontam para a
necessidade de qualificação dos profissionais da Atenção Básica sobre o tema da
comunicação em saúde.
O estímulo à participação da comunidade, dos trabalhadores e do controle social é
uma das estratégias definidas para a implantação da PNSTT, a qual a Atenção Básica
também possui um papel de destaque. A PNAB recomenda que as unidades básicas de
saúde possuam conselhos/colegiados, com participação de gestores, profissionais de saúde
e usuários, viabilizando a participação social na gestão.
Neste sentido, os trabalhadores deverão ser mobilizados para participarem desse espaço de
discussão, especialmente, os trabalhadores inseridos no mercado de trabalho informal que
exercem suas atividades no próprio domicílio. Estudos evidenciam que muitos desses
trabalhadores desconhecem os riscos para sua saúde e de seus familiares, advindos das
atividades produtivas que desenvolvem, bem como as possíveis formas de proteção
(VIEIRA, 2009). A participação desses trabalhadores nesses espaços poderia garantir a
discussão sobre a oferta de ações e serviços que intervenham no processo trabalho-saúde-
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
72
doença. Para tanto, as equipes de Atenção Básica devem fomentar a organização desses
trabalhadores, sob a forma de associação, cooperativa, entre outras.
A participação dos trabalhadores está no “DNA” das ações de Saúde do Trabalhador e
constitui um dos pilares para efetivar a atenção integral à saúde dos trabalhadores. Este é
um dos sub-eixos da 4ª CNSTT.
O enfoque da atenção integral à saúde dos trabalhadores abrange o desenvolvimento
articulado das ações de promoção, proteção e vigilância e assistência à saúde dos
trabalhadores, incluindo a reabilitação. Para que isto de fato aconteça é necessário que as
ações iniciadas e coordenadas a partir da Atenção Básica, tenham continuidade e sejam
apoiadas por outros pontos de atenção de nível secundário e terciário e por outras
instâncias do Sistema, envolvendo em especial a Vigilância em Saúde, nos três níveis de
gestão. Esta articulação intrasetorial, prescrita na PNSTT, precisa se concretizar para a
garantia de um cuidado de qualidade à saúde dos trabalhadores.
Igual importância deve ser dada ao desenvolvimento de ações intersetoriais, de modo
integrado com projetos e redes de apoio social, característica destacada no processo de
trabalho das equipes, prescrito pela PNAB. As articulações mais comuns das equipes
ocorrem com as escolas, o Conselho Tutelar e os Centros de Referência de Assistência
Social, como, por exemplo, no enfrentamento de formas variadas do trabalho infantil.
Outras articulações que devem ser fomentadas no âmbito da Atenção Básica são com as
Gerências Regionais do Trabalho e Emprego e Instituto Nacional do Seguro Social.
No âmbito das ações intersetoriais em Saúde do Trabalhador é importante destacar a
recente publicação da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST) que
explicita as ações e responsabilidades a serem desenvolvidas pelos organismos de governo
responsáveis pela proteção e recuperação da saúde dos trabalhadores, buscando superar a
fragmentação e superposição das ações desenvolvidas pelos setores Trabalho, Previdência
Social e Saúde, por meio da articulação das ações de governo, com participação voluntária
das organizações representativas de trabalhadores e empregadores (BRASIL, 2011). A
PNSST tem como princípios norteadores a universalidade, a integralidade, o diálogo social
e a precedência das ações de promoção, proteção e prevenção sobre as de assistência e
reabilitação. Os objetivos propostos são a promoção da saúde e a melhoria da qualidade de
vida do trabalhador e a prevenção de acidentes e danos à saúde relacionados ao trabalho ou
que ocorram no curso dele (BRASIL, 2011).
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
73
Sobre as ações de educação e a promoção da saúde é importante destacar que devem estar
direcionadas ao empoderamento dos trabalhadores, que precisam conhecer seus direitos
sociais, previdenciários e trabalhistas, para que possam reivindicá-los individualmente bem
como se organizarem para garanti-los.
O desenvolvimento da capacitação de recursos humanos também é destacado na PNSTT.
Registros na literatura técnico-científica revelam deficiências na qualificação profissional
para lidar com os problemas e demandas em Saúde do Trabalhador. A identificação do
usuário enquanto trabalhador, a compreensão da contribuição do trabalho na determinação
do processo saúde-doença dos indivíduos e coletivos e o desenvolvimento de ações de
vigilância em saúde do trabalhador são exemplos dessas dificuldades. Lacunas não
preenchidas nos cursos de graduação e que se estendem aos programas de pós graduação e
aos processos de educação permanente precisam ser corrigidas e superadas.
O desenvolvimento de estudos e pesquisas, outro aspecto destacado na PNSTT, é
estratégico no contexto das transformações do trabalho e de seus impactos sobre a saúde e
o ambiente. Felizmente, a par da ampliação dos estudos acadêmicos, observa-se no Brasil o
crescimento e valorização da produção técnico-científica dos profissionais dos serviços de
saúde, que tem entre suas expressões a realização anual da EXPOEPI (Mostra Nacional de
Experiências Bem Sucedidas em Epidemiologia, Prevenção e Controle de Doenças).
No contexto das rápidas transformações no mundo do trabalho, com conseqüências, por
vezes pouco conhecidas, sobre a saúde dos trabalhadores e o perfil de adoecimento, o
conhecimento produzido no âmbito dos serviços de saúde, a partir da escuta e do
atendimento de trabalhadores adquire especial importância, para a melhoria do cuidado e a
participação social, buscando a transformação das condições de trabalho geradoras de
doença.
O suporte técnico pedagógico e institucional às equipes da Atenção Básica
O suporte institucional e técnico pedagógico ao trabalho das equipes da Atenção Básica
estão prescritos pela PNSTT, por meio da estratégia de matriciamento. Além dos CEREST
e dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), outras instâncias e pontos de atenção
do SUS devem prover suporte ao trabalho das equipes, como por exemplo, as referências
técnicas municipais e estaduais de Saúde do Trabalhador, as instâncias da Vigilância em
Saúde, em particular da Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT) e outros pontos de
atenção especializada.
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
74
No Caderno de Atenção Básica – NASF o tema da Saúde do Trabalhador deverá ser objeto
de um capitulo temático no volume II, em fase de elaboração.
Apesar do esforço empreendido na implementação da Rede Nacional de Atenção Integral
em Saúde do Trabalhador (RENAST), presente na atualidade em todas as unidades da
Federação e no Distrito Federal, nucleada por 210 CEREST, é importante destacar que,
com frequência, os profissionais das equipes da Atenção Básica desconhecem sua
existência e atribuições.
Esta constatação deve permear as discussões da 4ª CNSTT e contribuir para a
reorganização da RENAST e, em particular, dos CEREST, possibilitando a redefinição dos
critérios de implantação e funcionamento, de modo a compatibilizá-los com a
regionalização do SUS, nas esferas estadual e nacional. Outros aspectos igualmente
importantes se referem à composição das equipes; ao financiamento das ações e à criação e
ou fortalecimento de “novas” instâncias de suporte às ações de Saúde do Trabalhador na
rede SUS.
Atenção especial deve ser dada às ações de Vigilância em Saúde, que inclui a Vigilância
em Saúde do Trabalhador, ainda incipientes no âmbito da Atenção Básica e que precisam
ser estimuladas e apoiadas.
As condições de trabalho e a situação de saúde dos trabalhadores da AB: algumas
considerações
As condições de trabalho e saúde dos trabalhadores da saúde tem sido objeto de estudo e
discussão em âmbito nacional e internacional, uma vez que influenciam o cuidado em
saúde prestado à população. A preocupação com a saúde dos trabalhadores do SUS tem
crescido nos últimos anos, em decorrência, entre outras questões, do expressivo aumento
da força de trabalho da categoria no país. Segundo Dilelio et al (2012), o setor saúde no
Brasil emprega mais de 2,5 milhões de trabalhadores, sendo que destes, aproximadamente
um milhão estão vinculados à Atenção Básica. Cria-se assim, a necessidade premente e o
paradoxo de prover o cuidado de quem cuida da saúde da população.
No país, em 2011, o documento da Política Nacional de Promoção da Saúde do
Trabalhador do SUS definiu princípios e diretrizes com vistas a melhoria das condições de
saúde por meio do enfrentamento dos fatores de risco e mediante a facilitação ao acesso, às
ações e aos serviços de atenção integral à saúde. Entre os princípios definidos na Política,
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
75
destaca-se a valorização dos trabalhadores do SUS, por meio do reconhecimento de seu
papel na atenção integral à saúde da população e da garantia de políticas e ações que
permitam seu crescimento pessoal e profissional e estimulem relações e condições de
trabalho adequadas. Este, talvez seja um dos maiores desafios dessa Política.
No âmbito da Atenção Básica, a gestão do processo de trabalho, embora baseada em um
novo modelo de atenção à saúde, caracteriza-se pela divisão técnica e social do trabalho
entre planejadores e executores; pela rigidez das normas para a execução das tarefas;
acentuado ritmo de trabalho que gera sobrecarga e repetição das tarefas e cobrança por
produtividade e desempenho. Os problemas decorrentes desse quadro se acentuam pela
falta de pessoal, de insumos, instrumentos, equipamentos; instalações precárias, pela
fragilidade da comunicação entre os níveis hierárquicos; além das dificuldades no acesso
aos procedimentos e ações de maior densidade tecnológica necessários para garantir a
resolutividade (SHIMIZU; CARVALHO JUNIOR, 2012). Além disso, ressalta-se a
precariedade de espaços que favorecem a convivência e a troca de saberes e experiências
no âmbito da Atenção Básica, dificultando as discussões dos problemas, definição de
estratégias de solução e até mesmo a ressignificação das normas prescritas.
As transformações nas práticas de cuidado à saúde da população, particularmente no
âmbito da Atenção Básica ensejam a exposição dos trabalhadores a fatores de risco ou
perigos para a saúde clássicos, químicos e físicos; aos riscos biológicos emergentes e aos
psicossociais entre eles a violência, refletindo-se no perfil de acidentes e de adoecimento
relacionado ao trabalho (ASSUNÇÃO, 2011).
O perfil epidemiológico desses trabalhadores se expressa, entre outras formas, nos
Transtornos Mentais Comuns (TMC); Síndrome de Burnout; doenças osteo-musculares;
doenças infecto-contagiosas, dermatites de contato e acidentes de trabalho.
Entre os problemas relacionados à saúde mental em trabalhadores da AB destacam-se os
transtornos mentais comuns, que englobam um conjunto de sintomas, tais como insônia,
fadiga, irritabilidade, alterações de memória, dificuldade de concentração, entre outros
(BRAGA et al, 2010).
A Síndrome de Burnout, decorrente do estresse laboral crônico, tem sido crescentemente
registrada na literatura técnico-científica e caracteriza-se pela exaustão emocional,
despersonalização e baixa realização profissional. Estudos sobre o agravo em enfermeiros
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
76
o relacionam com a sobrecarga e desgaste no trabalho, baixa remuneração, falta de
insumos para a execução do trabalho, estrutura física inadequada, entre outros.
Entre os médicos, a Síndrome de Burnout tem sido relacionada à discrepância entre as
expectativas e a realidade do trabalho, à priorização institucional por consultas, a cobrança
por produtividade, além de descrédito quanto à conversão do modelo assistencial
(FELICIANO; KOVACS; SARINHO, 2011).
Estudos sobre as condições de saúde e trabalho dos ACS, embora fragmentados e
incompletos, demonstram que eles constituem grupo de trabalhadores vulneráveis. A
literatura registra aumento da frequência de doenças e acidentes relacionados ao trabalho,
queixas de sofrimento e insatisfação. Sobre as condições de trabalho aparecem situações de
exposição à violência associada à atuação em áreas de maior risco social; falta de
reconhecimento e o desgaste da relação com os usuários, em situações nas quais a
resolução/encaminhamento da demanda depende de outros profissionais da equipe e de
serviços de maior densidade tecnológica; a sobrecarga de trabalho decorrente do grande
número de famílias a serem atendidas; a variabilidade das tarefas (ÁVILA, 2011;
CROCCIA, 2011; MAIA; SILVA; MENDES, 2011).
Para o enfretamento e superação desses problemas, os trabalhadores podem contar com
dispositivos institucionais, entre eles, a Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS
e a Política Nacional de Humanização.
Considerações finais
As dificuldades e complexidade envolvidas na incorporação, sistemática e organizada, da
atenção à saúde dos trabalhadores, no âmbito da Atenção Básica, devem ser consideradas
nesse processo de discussão da IV CNSTT. Algumas das dificuldades são próprias desse
momento histórico e podem ser resumidas nas contradições entre o discurso e a prática de
aplicação do modelo de atenção à saúde proposto; na desvalorização dos profissionais,
expressa, entre outras, pela precarização do trabalho e falta de um plano de carreira; à falta
de suporte técnico, pedagógico e de recursos para a garantia da qualidade e resolutividade
das ações.
Outras dificuldades se referem ao campo específico da Saúde do Trabalhador. Em que
pesem os avanços trazidos, especialmente, a partir da implementação da RENAST, existe
consenso que estamos longe de uma inserção sistêmica e mais permanente dessas ações na
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
77
rede SUS, em todos os pontos de atenção, envolvendo a promoção, proteção, vigilância e
assistência, incluindo a reabilitação. Apesar das inúmeras iniciativas nesse sentido, ainda
há muito por fazer.
Entretanto, experiências com resultados positivos na direção do cuidado aos trabalhadores
apontam a viabilidade e a necessidade de se aperfeiçoar o processo e fortalecer a rede. O
suporte técnico-pedagógico e institucional às equipes da Atenção Básica é um desses
desafios e deve estar na pauta de discussão da IV CNSTT. Nesta perspectiva, o papel da
RENAST, e em particular, dos CEREST necessita ser reestruturado em diferentes
aspectos: no quantitativo de CEREST, e sua distribuição em sintonia com os processos de
regionalização; na composição das equipes e sua qualificação e educação permamnete; no
financiamento das ações e na criação e ou fortalecimento de “novas” instâncias de suporte
às ações de Saúde do Trabalhador na rede SUS.
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4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
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4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
80
TEXTO 8: SUB-EIXO IV - financiamento da Política Nacional de Saúde do Trabalhador, nos
Municípios, Estados e União.
FINANCIAMENTO DA SAÚDE DO TRABALHADOR
Reginaldo Muniz Barreto
Técnico do DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
1. FINANCIAMENTO DO SUS: ESTABILIDADE E INSUFICIÊNCIA
1.1. Receitas em crescimento
Definindo que a saúde é direito de todos e dever do Estado, a Constituição Federal
estabelece a obrigatoriedade do seu financiamento por parte dos Municípios, dos Estados e
da União. As regras estabelecidas pela legislação para viabilizar o financiamento da saúde
pública no Brasil adquiriram uma natureza de estabilidade a partir da Emenda
Constitucional 29, de 13 de setembro de 2000. Trata-se de uma importante conquista,
resultado da luta social e política, que não deve ser subestimada. Como se sabe, municípios
e estados devem gastar em ações e serviços públicos de saúde, respectivamente, o mínimo
de 15 e 12% dos impostos arrecadados. O Governo Federal, por seu turno, deve destinar ao
SUS o montante correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior,
acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do Produto
Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual. A Lei
Complementar 141, de 13 de janeiro de 2012, regulamentou a Emenda Constitucional 29.
A estabilidade das regras tem permitido um gradual incremento dos recursos
destinados ao SUS, tanto quando se considera o seu valor absoluto, valor por habitante ou
como percentual do PIB. Utilizando-se os dados do SIOPS – Sistema de Informações sobre
Orçamentos Públicos em Saúde, pode-se verificar que, no período 2002-2010, o volume
total de recursos destinados à saúde pública, nas três esferas de governo – federal, estadual
e municipal -, em termos reais (já descontada a inflação), cresceu 85,6%; o crescimento
por habitante foi de 69,9%; o crescimento como percentual do PIB foi de 14,3%. Quando
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
81
se compara os gastos com saúde das três esferas de governo, constata-se que o âmbito
federal foi o que teve menor participação nesse incremento, embora no período 2009 a
2014, de acordo com o Fundo Nacional de Saúde, o orçamento do Ministério da Saúde
tenha aumentado em 35%, já descontada a inflação.
1.2. Despesas
Do ponto de vista das despesas com saúde, avanço importante da Lei
Complementar 141 foi a incorporação da definição de ações e serviços públicos de saúde a
serem considerados para efeito dos percentuais destinados ao SUS, bem como a relação de
ações que não podem ser aceitas para esse fim, constantes da Resolução 322 de 08 de maio
de 2003, do Conselho Nacional de Saúde. Essa medida tornou claramente ilegal o uso de
recursos da saúde para atender a despesas que não correspondam às atribuições específicas
do SUS, vez que a Resolução 322 era fortemente contestada pela via judicial por
prefeituras e estados.
Para garantir a efetividade dessa determinação é necessária uma atuação sistemática
e consequente dos Conselhos de Saúde e de órgãos como o Ministério Público e os
Tribunais de Contas. É também de grande importância o fortalecimento das instâncias de
acompanhamento e controle como o SIOPS e o DENASUS – Departamento Nacional de
Auditoria do SUS.
É fundamental aumentar a eficiência dos gastos com saúde no Brasil, através da
melhoria da qualidade da gestão, da consolidação de uma política de gestão do trabalho
com democratização das relações de trabalho e desprecarização dos vínculos e das
condições de trabalho dos trabalhadores do SUS e de um Controle Social cada vez mais
fortalecido.
A busca pelo aumento da eficiência e eficácia na gestão dos recursos da saúde
pública deve ser sistemática, contínua e ininterrupta. Por isso mesmo não se pode usar os
problemas de gestão como argumento para a manutenção da crônica insuficiência de
recursos. Os dois processos devem ser encaminhados de forma conjunta – os recursos
disponíveis devem ser incrementados ao tempo em que se promova a melhoria da
qualidade da gestão, com políticas e estratégias adequadas à natureza institucional do SUS.
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
82
Nesse sentido, um importante componente do sistema de gestão, outro avanço da
EC 29, consolidado e ampliado pela LC 141, foi a exigência de criação e funcionamento
dos Fundos de Saúde, como gestores do orçamento do SUS, nas respectivas esferas, o que
permite maior racionalização da gestão e possibilidade de um maior controle sobre o uso
dos recursos. No entanto, para que isso aconteça, é cada vez mais necessária a presença
firme dos Conselhos de Saúde e dos órgãos de acompanhamento, controle e auditoria na
fiscalização da atuação dos Fundos de Saúde.
1.3. Insuficiência
Entretanto, tem se tornado evidente ao longo dos últimos anos que a estabilidade
das regras e o incremento no volume dos recursos tem sido insuficiente para suprir a
necessidade de financiamento das ações e serviços da saúde pública no Brasil,
particularmente no âmbito federal. As despesas com saúde tem aumentado para muito além
das receitas, não apenas pela alteração do perfil demográfico no Brasil, mas também pelo
encarecimento das novas tecnologias produzidas pelas indústria farmacêutica e de produtos
e serviços de saúde. A proposta de garantir um piso de 10% da receita corrente bruta para
o financiamento do SUS, encaminhada com as assinaturas de mais de um milhão de
cidadãos e cidadãs, não foi aceita pelo Governo Federal nem pelo Congresso Nacional.
Portanto, é de se reconhecer que a Lei Complementar 141 não contribuiu para o aumento
necessário do orçamento destinado à saúde pública no Brasil, mantendo os mesmos
patamares da Emenda Constitucional 29.
Em relação à insuficiência dos recursos destinados ao SUS é importante considerar
o conteúdo do Relatório da Subcomissão Especial Destinada a Tratar do Financiamento,
Reestruturação da Organização e Funcionamento do SUS, de outubro de 2011, da Câmara
dos Deputados, quando compara, entre si, países com sistemas universais de saúde –
Inglaterra, França, Espanha e Brasil, como se pode constatar a seguir.
“Vê-se, portanto, que no financiamento dos sistemas há uma marcada diferença em
relação ao Brasil. Enquanto a Inglaterra aplica recursos públicos na ordem de 8,5% de seu
PIB na saúde e a França, de 11%, no Brasil os recursos públicos aplicados na saúde
(provenientes dos três níveis federados) correspondem a apenas 3,6% do PIB. Na Espanha,
cerca de 70% dos gastos em saúde são públicos, inverso do que ocorre no Brasil, onde a
maioria dos gastos já são privados”.
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
83
O Relatório chama a atenção para o fato de que tem se verificado, naqueles países,
pressões decorrentes da crise econômica mundial e europeia, no sentido de redução dos
direitos sociais, particularmente no campo da seguridade, decorrentes da política de
privilégios ao capital financeiro, em detrimento das condições de vida da população.
Segundo o referido Relatório, “o financiamento e sua sustentabilidade estão na
origem das demandas por mudanças nos sistemas de saúde universais analisados”, vez que
“os elevados custos dos serviços de saúde e as crescentes demandas provocadas pelo
envelhecimento das populações e aumento da prevalência de doenças crônicas, num
contexto de crise econômica mundial, tem aumentado a pressão pelo aumento da eficiência
dos sistemas e colocado em evidência a necessidade de considerar sua sustentabilidade”.
No mencionado Relatório, são apresentados quatro indicadores sobre financiamento
da saúde divulgados pelo Observatório Global da Saúde da Organização Mundial da Saúde
(OMS) em 2011, para um conjunto de 192 países (praticamente todos os existentes) a
respeito dos gastos do ano de 2009.
“No indicador de gasto anual com saúde por habitante (em dólar internacional), o
Brasil ocupa a 63º posição, situando-se no grupo de 33% de países que apresentam os
maiores gastos”.
No indicador de gasto anual com saúde por habitante (em dólar internacional)
realizado pelo setor público, o Brasil ocupa a 77º posição, situando-se no grupo de 40% de
países que apresentam os maiores gastos.
No indicador de gasto anual com saúde, como proporção do Produto Interno Bruto -
PIB -, o Brasil ocupa a 44º posição, situando-se no grupo de 23% de países que apresentam
os maiores gastos.
No indicador de proporção de gasto anual com saúde realizado pelo setor público, o
Brasil ocupa a 143º posição, situando-se no grupo de 25% de países cujo setor público
menos gastam com saúde, em relação ao setor privado”.
São indicadores preocupantes para o Brasil, a 6ª economia do mundo.
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
84
1.4. Renúncia fiscal do Governo Federal para a saúde privada
Um dos aspectos não muito explorados do processo de financiamento da saúde no
Brasil se refere à renúncia fiscal do Governo Federal com a saúde privada. Estudo
publicado pelo IPEA - Mensuração dos Gastos Tributários: O Caso dos Planos de Saúde
2003-2011 - procura jogar luz sobre a obscuridade reinante quanto a esses dados. A
renúncia fiscal total atingiu o montante de 14 bilhões de reais em 2010; com planos de
saúde o volume de recursos de renúncia fiscal do governo federal atingiu quase 7 bilhões
de reais naquele ano, representando 23,3% e 11,3%, respectivamente, dos gastos federais
com o SUS.
Um outro aspecto a ser considerado, na temática do subfinanciamento do SUS e sua
relação com a transferência de recursos públicos para a esfera privada, diz respeito ao
ressarcimento a ser feito pelos planos de saúde para o SUS, quando este realiza
procedimentos previstos na cobertura do respectivo plano. Apesar do significativo
incremento no período 2010 a 2013 (de 15,5 milhões de reais para 83 milhões em 2011, 72
milhões em 2012 e 168 milhões de reais em 2013), resultado de um maior empenho de
cobrança por parte do Ministério da Saúde, estima-se em cerca de 2 bilhões de reais anuais
o que os planos de saúde deveriam ressarcir ao SUS. Há, portanto, muito a ser feito ainda
nesse campo.
2. FINANCIAMENTO DA SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
2.1. Dependência da definição de prioridades em todas as áreas do SUS
A implementação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora
(PNSTT) se fará com recursos orçamentários e financeiros do SUS. Logo, é evidente que o
financiamento da saúde do trabalhador, neste âmbito, está inteiramente determinado e
condicionado pelo nível de adequação às necessidades e grau de estabilidade e crescimento
dos recursos destinados ao financiamento do SUS.
As ações, metas e indicadores de saúde do trabalhador deverão ser inseridos nos
Planos de Saúde e na Programação Anual de Saúde, nas esferas federal, estadual e
municipal, considerando-se os princípios, diretrizes, objetivos, estratégias e as atribuições
dos gestores do SUS definidas na PNSTT. Assim, nesse sentido, o volume de recursos
destinados à cobertura das ações e serviços relacionados à implementação da PNSST, nas
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
85
esferas municipal, estadual e federal, dependerá do grau de prioridade estabelecido pelos
respectivos gestores.
Uma perspectiva de fundamental importância a ser considerada é que a
implementação da PNSTT conduzirá indubitavelmente à necessidade de incremento
orçamentário e financeiro dos projetos e atividades vinculados à saúde do trabalhador, para
viabilizar as “mudanças substanciais nos processos de trabalho em saúde, na organização
da rede de atenção e na atuação multiprofissional e interdisciplinar, que contemplem a
complexidade das relações trabalho-saúde.” (PNSTT - Art. 6º, parágrafo único).
A definição das prioridades estratégicas no processo de implementação da PNSST
deverá compreender a consequente necessidade de dimensionamento do seu
financiamento. Parece evidente que o orçamento das estruturas de gestão e coordenação da
saúde do trabalhador e da trabalhadora deverá ser reconsiderado para atender à nova
dimensão assumida pela temática em função da PNSTT. Porém é a definição de
prioridades em saúde do trabalhador e da trabalhadora nos campos da Vigilância em
Saúde, da Atenção Básica, da Atenção Especializada, da Educação e Gestão do Trabalho
em Saúde, da Gestão Participativa que constitui o elemento decisivo na implementação da
PNSST, viabilizando, de fato, a inserção dessa temática em todos os níveis e instâncias do
SUS. E é exatamente nessas áreas fundamentais que a definição de prioridades e a
alocação orçamentária e financeira deverão ser revista, a partir da definição estratégica de
implementação da PNSTT.
2.2. Quadro atual: recursos disponíveis e não gastos
É fora de dúvida à evolução positiva dos recursos destinados à consecução das
atividades específicas de saúde do trabalhador e da trabalhadora, no âmbito do SUS, nos
últimos anos, materializando a estratégia de construção da RENAST – Rede Nacional de
Atenção Integral à Saúde do Trabalhador. No período 2003 a 2013 houve um incremento
de 660% nos recursos destinados à saúde do trabalhador repassados pelo Ministério da
Saúde para os Cerest’s – Centros de Referência em Saúde do Trabalhador – regionais e
estaduais (de R$ 10, 4 milhões para R$ 79,7 milhões).
Para 2014, a Coordenação Geral de Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde
tem um orçamento de 11.000.000,00 (onze milhões de reais) destinados ao
desenvolvimento das atividades de articulação nacional, dentre as quais se destaca a
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
86
coordenação técnica da RENAST, o que implica em permanente articulação com os
Cerest’s e com a CIST; encontros anuais e conferências, participação em eventos e,
também para convênios, estudos e pesquisas na área de saúde do trabalhador.
Ao longo dos últimos anos, num aparente paradoxo, tem se verificado que um
significativo volume de recursos alocados nos Cerest’s não tem sido utilizado, sob a
alegação de existência de dificuldades de várias ordens apresentadas pelos gestores e,
notadamente, pela falta de priorização das ações de promoção, prevenção, diagnóstico e
vigilância em saúde do trabalhador.
Os processos formais têm sido realizados. Aparentemente, os Cerest’s têm
elaborado corretamente os seus Planos de Trabalho Anuais, inclusive com a participação
do Controle Social, que são incorporados às respectivas Programações Anuais de Saúde
nos estados e municípios. No entanto, a execução dos projetos e atividades constantes do
Plano de Trabalho dos Cerest’s tem sido insatisfatória: boa parte das ações previstas nos
planos não tem se concretizado.
Pesquisa feita recentemente indica que a utilização dos recursos é muito baixa,
acumulando-se recursos na conta do Bloco de Média e Alta Complexidade e/ou em outras
ações que não vinculadas especificamente ao campo da Saúde do Trabalhador.
Certamente, a identificação clara e objetiva das causas desse aparente paradoxo
deverá ser de grande relevância para a definição da estratégia de financiamento do
processo de implementação da PNSTT, de forma estrutural e sistemática, em todas as áreas
de atuação do SUS.
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
87
TEXTO 9: SUB-EIXO IV - financiamento da Política Nacional de Saúde do Trabalhador, nos
Municípios, Estados e União.
DIRETRIZES PARA O ESTABELECIMENTO DE PRIORIDADES QUE
NORTEARÃO A PROGRAMAÇÃO ANUAL DE SAÚDE, A LEI DE DIRETRIZES
ORÇAMENTÁRIAS E A LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL E O
SUBFINANCIAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS
Francisco R. Funcia
Consultor da FGV e do CNS,
Professor do Instituto Mauá de Tecnologia e
Universidade Municipal de São Caetano do Sul
INTRODUÇÃO
A necessidade de apresentação do capítulo saúde da Lei de Diretrizes
Orçamentárias aos Conselhos de Saúde não surgiu com a Lei Complementar nº 141/2012,
pois antes já era obrigatória à luz da legislação e normas específicas vigentes, ficando
assegurado seu papel de formular estratégias e controlar a execução da política de saúde,
envolvendo também os aspectos econômicos e financeiros.
Porém, a nova legislação definiu que os gestores de saúde dos governos federal,
estaduais e municipais, assim como do Distrito Federal, seguirão as diretrizes para o
estabelecimento de prioridades que forem aprovadas pelos respectivos Conselhos de
Saúde, as quais nortearão a elaboração da Programação Anual de Saúde e a programação
da saúde dos Projetos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária
Anual (LOA). Trata-se de uma importante exigência da Lei Complementar nº 141/2012
que, se cumprida, pode contribuir para a superação parcial do subfinanciamento do SUS.
Inicialmente, o que se entende por “diretriz”? Considerando o significado
etimológico (Houaiss, 2013), trata-se de um “conjunto de princípios e normas de
procedimento, regras de comportamento”.
Assim sendo, os Conselhos de Saúde deverão orientar e indicar os “princípios” para
o estabelecimento de prioridades para a programação das despesas como as ações e
serviços públicos de saúde por parte dos gestores públicos de saúde da União, dos Estados
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
88
e dos Municípios. Essas diretrizes devem ser deliberadas pelos respectivos Conselhos de
Saúde, nos termos da legislação, cabendo aos gestores o encaminhamento de uma proposta
para essa análise e deliberação do CNS. Se não houver esse encaminhamento, os conselhos
definirão e deliberarão essas diretrizes, sempre à luz do Plano Nacional de Saúde (PNS) e
do Plano Plurianual (PPA) vigentes, bem como da legislação que rege o SUS,
especialmente, a Lei nº 8080/90, a Lei nº 8142/90 e a Lei Complementar nº 141/2012.
É importante lembrar que nenhuma despesa poderá ser realizada se não houver
previsão na Lei Orçamentária (LOA) e que nada constará nessa lei sem que tenha sido
priorizada na LDO e na Programação Anual de Saúde. Por fim, a LDO e a PAS devem ser
compatíveis com o PNS e com o PPA. Disso resulta a nova importância dada aos
conselheiros de saúde nesse processo: deliberar anualmente sobre as diretrizes para o
estabelecimento de prioridades que constarão na LDO e PAS para o detalhamento das
despesas na LOA, a partir do processo dos planos quadrienais – PNS e PPA.
REFERÊNCIAS LEGAIS PARA A DEFINIÇÃO DAS DIRETRIZES PARA O
ESTABELECIMENTO DE PRIORIDADES
Nos termos do artigo 30 da LC 141/2012, a elaboração dos Projetos de Lei do Plano
Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual
(LOA) devem contemplar os dispositivos dessa Lei Complementar, inclusive no que se
refere ao processo de planejamento ascendente nos termos dos parágrafos 1º a 3º (planos e
metas municipais, pactuações intermunicipais e regionais, planos e metas estaduais e
planos e metas nacionais, elaborados a partir das necessidades de saúde da população em
cada região, com base no perfil epidemiológico, demográfico e socioeconômico, para
definir as metas anuais de atenção integral à saúde e estimar os respectivos custos). O
parágrafo 4º atribui como competência aos conselhos de saúde a definição das prioridades
nas três esferas de governo.
Faz-se necessário destacar que o prazo para o cumprimento do disposto no
parágrafo 4º deve ser anterior ao processo de elaboração da Programação Anual de Saúde
(PAS), que deve ser aprovada pelos respectivos conselhos de saúde antes do capítulo saúde
do Projeto de LDO (parágrafo 2º do artigo 36), sendo este último encaminhado ao Poder
Legislativo em abril de cada ano.
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
89
Pelo artigo 2º da LC 141/2012, foram introduzidas novas diretrizes em relação às
existentes anteriormente, consolidando definitivamente o entendimento de que despesas
com ações e serviços públicos de saúde devem ser caracterizadas também pela garantia do
acesso gratuito a esses serviços.
O citado dispositivo legal estabelece no seu Parágrafo Único que a movimentação
financeira dos recursos vinculados ao financiamento do SUS deverá ser realizada pelos
respectivos fundos de saúde da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Também está absolutamente claro que as despesas com ações decorrentes das “políticas
públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicos” não podem ser
consideradas como ações e serviços públicos de saúde, reforçando entendimento legal já
existente sobre essa matéria. Esses dois aspectos devem servir de referência para o
estabelecimento das diretrizes citadas. Aliás, estão presentes nas diretrizes dessa nova
legislação os princípios anteriormente estabelecidos pelo artigo 7º da Lei nº 8080/90 –
universalidade de acesso, integralidade de assistência, defesa da integridade física e moral
das pessoas, igualdade da assistência à saúde, direito à informação, divulgação de
informações sobre os serviços de saúde, estabelecimento de prioridades e de alocação de
recursos segundo critérios epidemiológicos, participação da comunidade, descentralização
político-administrativa com direção única em cada esfera de governo (ênfase para os
serviços municipais e para a regionalização e hierarquização da rede de serviços),
integração das ações de saúde, saneamento e meio ambiente, coordenação dos recursos
financeiros, tecnológicos, materiais e humanos das três esferas de governo na prestação de
serviços à população, inclusive a respectiva organização para evitar duplicidade de ações e
capacidade de resolução desses serviços em todos os níveis de assistência à saúde.
O artigo 3º da LC 141/2012 disciplina o que pode ser considerado como despesas
com ações e serviços públicos de saúde para o cômputo da aplicação mínima estabelecida
por essa lei, base conceitual que deverá ser considerada pelos conselhos de saúde quando
da definição das diretrizes para o estabelecimento de prioridades.
O caput do artigo 3º remete ao artigo 200 da Constituição Federal (CF88) e ao
artigo 6º da Lei nº 8080/90, que apresentam dispositivos que continuam válidos para a
definição das despesas que podem ser computadas para o cálculo da aplicação mínima em
ações e serviços públicos de saúde, a seguir transcritos:
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
90
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições,
nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de
interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos,
equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como
as de saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de
saneamento básico;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e
tecnológico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu
teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda
e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do
trabalho.
(...) e
Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de
Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
a) de vigilância sanitária;
b) de vigilância epidemiológica;
c) de saúde do trabalhador; e
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
II - a participação na formulação da política e na execução de ações de
saneamento básico;
III - a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - a vigilância nutricional e a orientação alimentar;
V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do
trabalho;
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
91
VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos,
imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a
participação na sua produção;
VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de
interesse para a saúde;
VIII - a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para
consumo humano;
IX - a participação no controle e na fiscalização da produção, transporte,
guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e
radioativos;
X - o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico
e tecnológico;
XI - a formulação e execução da política de sangue e seus derivados.
§ 1º Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de
eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas
sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de
bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo:
I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se
relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da
produção ao consumo; e
II - o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou
indiretamente com a saúde.
§ 2º Entende-se por vigilância epidemiológica um conjunto de ações que
proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer
mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual
ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de
prevenção e controle das doenças ou agravos.
§ 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto
de atividades que se destina, através das ações de vigilância
epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos
trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos
trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de
trabalho, abrangendo:
I - assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador
de doença profissional e do trabalho;
II - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde
(SUS), em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos
potenciais à saúde existentes no processo de trabalho;
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
92
III - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde
(SUS), da normatização, fiscalização e controle das condições de
produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio
de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que
apresentam riscos à saúde do trabalhador;
IV - avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde;
V - informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às
empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e
do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações
ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão,
respeitados os preceitos da ética profissional;
VI - participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de
saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;
VII - revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no
processo de trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das
entidades sindicais; e
VIII - a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão
competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo
ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a
vida ou saúde dos trabalhadores.
O artigo 4º da LC 141/2012 define o que não pode ser considerado no cômputo da
aplicação mínima com ações e serviços públicos de saúde e deve ser combinado com o
parágrafo 4º do artigo 24 desta lei, que também indica outras despesas que não podem ser
consideradas para esse mesmo fim, a saber, “despesas custeadas com receitas provenientes
de operações de crédito contratadas para essa finalidade ou quaisquer outros recursos não
considerados na base de cálculo da receita” de Estados, Distrito Federal e Municípios.
Assim sendo, os gastos a seguir também deverão ser excluídos do cômputo da aplicação
mínima em ações e serviços públicos de saúde: assistência médica a servidores; a parte das
despesas referentes à farmácia popular decorrente dos pagamentos efetuados pelos
usuários; e outras despesas financiadas com recursos próprios vinculados (como por
exemplo, DPVAT no caso da União, taxas de vigilância sanitária, entre outras vinculadas à
saúde por competência legal).
O artigo 17 da LC 141/2012 trata do rateio de recursos federais para Estados,
Distrito Federal e Municípios. O caput desse artigo determina a necessidade do
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
93
cumprimento do inciso II do parágrafo 3º do artigo 198 da Constituição Federal (que
estabelece a necessidade de considerar entre os objetivos desses repasses a progressiva
redução das disparidades regionais), bem como do artigo 35 da Lei nº 8080/90. Entretanto,
é importante destacar que a obediência ao critério socioeconômico para a fixação de
diretrizes para o estabelecimento de prioridades não pode desrespeitar a regra da garantia
do acesso universal, nem incluir despesas de caráter assistencial, vedadas também pela
nova legislação em vigor.
Cabe destacar ainda a competência atribuída ao Conselho Nacional de Saúde no
parágrafo 1º do artigo 17 da LC 141/2012, de aprovar a metodologia e o montante de
recursos a serem transferidos para Estados, Distrito Federal e Municípios pactuados na
Comissão Intergestores Tripartite (CIT), que se repete em outro artigo para as
transferências dos Estados para os Municípios pactuados na Comissão Intergestores
Bipartite (CIB), bem como o dispositivo (parágrafo 3º do artigo 17) que obriga ao Poder
Executivo manter informados os respectivos Conselhos de Saúde e Tribunais de Contas
dos entes da Federação sobre os repasses da União baseados no Plano Nacional de Saúde
nos termos pactuados. Nesse sentido, quando os conselhos de saúde deliberarem sobre as
diretrizes para o estabelecimento de prioridades no PLDO e PLOA, deverá contemplar esse
dispositivo referente às transferências de recursos da esfera federal para as demais.
O artigo 43 da LC 141/2012 estabelece que o governo federal cooperará técnica e
financeiramente com os demais entes federativos para implementação da regra estabelecida
para transferência financeira nos termos do artigo 20 do mesmo diploma legal, para
modernização técnica e administrativa dos Fundos de Saúde requerida para o cumprimento
dos dispositivos dessa lei e para a formulação de indicadores que serão utilizados pelos
conselhos de saúde para apreciar a qualidade dos serviços de saúde prestados à população.
Trata-se de outra referência importante para integrar as diretrizes para o estabelecimento de
prioridades por parte do Ministério da Saúde que o CNS deve contemplar.
Adicionalmente, o artigo 44 do mesmo diploma legal estabelece ao gestor do SUS a
responsabilidade de oferecer programa de educação permanente voltado para a
qualificação do conselheiro de saúde, especialmente a representação dos usuários e dos
trabalhadores, no papel de formular estratégia e controlar a execução da política de saúde.
Essa é outra referência importante a ser observada pelos conselhos de saúde no processo de
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
94
aprovação de diretrizes para o estabelecimento de prioridades que orientarão a elaboração
dos projetos de LDO e de LOA.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: OUTROS ASPECTOS PARA SUPERAR O
PROCESSO DE SUBFINANCIAMENTO DO SUS
Foi apresentado anteriormente o conjunto de dispositivos que formam o quadro da
referência legal básica para subsidiar os conselheiros de saúde no processo de deliberação
das diretrizes para o estabelecimento de prioridades que nortearão a elaboração dos
Projetos de LDO e LOA, de modo que o detalhamento das despesas com ações e serviços
públicos de saúde que farão parte dos orçamentos da União, dos Estados e dos Municípios
deverá estar em consonância com essas diretrizes aprovadas pelos respectivos conselhos de
saúde. Uma parte da luta para superar o processo de subfinanciamento do SUS passa
necessariamente pela utilização dos mecanismos legalmente constituídos para o processo
de planejamento e execução orçamentária do SUS por parte dos conselheiros de saúde.
Entretanto, isso não basta para superar o problema do subfinanciamento do SUS,
porque não existe gestão eficiente sem financiamento adequado e, nesse quesito, o Brasil
gasta pouco com saúde (menos de 4% do PIB), em comparação a outros países com
sistemas de saúde com acesso universal (acima de 6% do PIB). Nessa perspectiva:
1. É preciso fortalecer o processo de planejamento integrado de governo para
fortalecer o processo de financiamento do SUS:
1.1. Instituir o “Ciclo Orçamentário Brasileiro do SUS”, com a elaboração de
Planos Plurianuais (PPA’s), Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO’s) e Leis
Orçamentárias Anuais (LOA’s) nas esferas federal, estaduais e municipais integrados entre
si e com os respectivos Planos de Saúde e Programações Anuais de Saúde. Primeiro passo:
definir um calendário compatível para esse fim para realização das Conferências de Saúde;
1.2. Retomar a política econômica de 2011 e 2012, de crescimento econômico com
reduções sucessivas da taxa básica de juros pelo COPOM (Comitê de Política Monetária
do Banco Central). A relevância orçamentária e financeira das despesas com pagamento de
juros e amortização da dívida pública no Brasil pode ser observada pelos exemplos a
seguir: para cada R$5,00 alocados para pagamento de juros e encargos da dívida, R$2,00
são para educação; para cada R$ 2,00 alocados para pagamento de juros e encargos da
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
95
dívida, R$1,00 é para saúde. Assim sendo, a redução das despesas com juros e encargos da
dívida abriria um “espaço” orçamentário para a aprovação da vinculação de 10% da
Receita Bruta Federal para o financiamento do SUS.
2. O fortalecimento do processo de financiamento do SUS passa pela revisão do
Projeto de Reforma Tributária, que está tramitando no Congresso Nacional, e pela
continuidade e aprofundamento da redução do processo de concentração de renda em curso
no Brasil nos últimos dez anos:
2.1. Não extinguir as contribuições sociais enquanto fontes próprias do Orçamento
da Seguridade Social. Essas fontes específicas representaram uma importante inovação
trazida pela Constituição de 1988 e, com isso, poderiam ser utilizadas de forma
independente para fortalecer o financiamento do SUS;
2.2. Aumentar a tributação direta (sobre o patrimônio, a renda e a riqueza) e reduzir
a tributação indireta (sobre a produção e o consumo). No caso do Imposto de Renda, por
exemplo: aumentar as faixas de renda tributável e a quantidade de alíquotas, bem como
aumentar as alíquotas dessas novas faixas de rendimento a serem criadas, além de rever as
isenções fiscais;
2.3. “Resgatar” a CPMF, não necessariamente para a saúde, mas principalmente
para “capturar os fugitivos do Fisco” e fortalecer o financiamento das políticas públicas
das três esferas de governo (União, Estados e Municípios). Como a população continua
pagando a “CPMF” embutida nos preços dos produtos, que não foram reduzidos após o
fim da vigência legal da cobrança desse tributo, o “resgate” representaria a realocação
desses recursos do “caixa das empresas privadas” para os “cofres públicos”;
3. É preciso fortalecer o processo de financiamento do SUS para que seja possível
cumprir os dispositivos do capítulo constitucional da Saúde, da Lei nº 8080/90, da Lei nº
8142/90 e da Lei Complementar nº 141/2012, assim, aprimorar a gestão:
3.1. Mais recursos financeiros para ampliar os recursos federais para a Atenção
Básica (AB): a razão entre a alocação de recursos para a Média e Alta Complexidade
(MAC) e para a Atenção Básica foi crescentemente desfavorável para a segunda até 2005.
A partir de então, houve uma tendência de estabilização e até uma gradual redução da
razão MAC/PAB. Porém, não é possível aprofundar essa redução mediante redistribuição
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
96
dos recursos da MAC para a AB, o que exige novo aporte de recursos para o financiamento
das duas;
3.2. Não considerar no cômputo da aplicação mínima constitucional federal as
despesas com ações e serviços de saúde financiados com os recursos próprios arrecadados
pelo MS como taxas de vigilância sanitária, venda de produtos da FIOCRUZ e outros;
3.3. Compensar os valores cancelados dos restos a pagar (despesas empenhadas e
não pagas) para garantir que o cumprimento da aplicação mínima constitucional fosse
efetivamente atingido nos anos em que as despesas foram empenhadas (desde 2000) e
computadas para apuração do valor para esse fim no âmbito da União. O problema da
compensação seria mais facilmente solucionado se a movimentação financeira fosse feita
exclusivamente pelo Fundo Nacional de Saúde, inclusive com a transferência financeira
regular e automática da parcela da arrecadação federal pelo Ministério da Fazenda de
forma compatível com os valores consignados no Orçamento Anual do Ministério da
Saúde. Com isso, as sobras de caixa decorrentes da diferença temporal entre o fluxo de
receitas e o fluxo de despesas do Fundo Nacional de Saúde poderiam ser aplicadas no
mercado financeiro, gerando receita patrimonial vinculada à saúde, o que permitiria
fortalecer o financiamento do SUS;
3.4. Superar a lógica do “PISO X TETO” vigente no processo de financiamento
federal do SUS: a Constituição de 1988 estabeleceu a aplicação mínima, mas a gestão
orçamentária e financeira, sob controle do Ministério do Planejamento e Gestão e do
Ministério da Fazenda, liberam recursos orçamentários e financeiros segundo a referência
do valor da aplicação mínima, ou seja, o “piso” de aplicação foi transformado em “teto” de
gasto. Além disso, há um fato novo estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias da
União para 2014, a saber, a execução obrigatória das emendas parlamentares individuais
(0,6% da Receita Corrente Líquida), que na prática retira cerca de R$ 3 bilhões (simulação
feita com base no orçamento de 2013) do financiamento de outras despesas que já estavam
sendo executadas regularmente pelo Ministério da Saúde – isso somente não ocorrerá se os
valores a serem aplicados para essas emendas individuais sejam considerados acréscimos
aos valores mínimos a serem aplicados nos termos da Lei Complementar nº 141/2012.
Portanto, a superação do subfinanciamento do SUS não pode ficar restrita ao setor
saúde, pois a busca por novas fontes de financiamento passa necessariamente pelo
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
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aprofundamento do processo de redução da concentração de renda em curso de forma lenta
e gradual nos últimos anos, mediante uma reforma tributária para incidir majoritariamente
sobre patrimônio, renda e riqueza, e menos sobre produção e consumo, bem como da
retomada da política monetária que promoveu a redução da taxa básica de juros em 2011 e
2012 e da mudança do processo de gestão orçamentária e financeira conduzido pela área
econômica do governo federal.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
BRASIL – LEGISLAÇÃO:
Constituição Federal de 1988.
Lei nº. 4320/64.
Lei nº. 8080/90
Lei nº. 8142/90
Lei Complementar nº. 101/2000.
Lei Complementar nº. 141/2012
HOUAISS Dicionário. Disponível em: http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=diretriz
(Acesso em agosto/2013).
VIGNOLI, Francisco H. (org.) A Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada para
Municípios. São Paulo: EAESP/FGV, 2002.
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
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COMISSÕES DA 4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO
TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
1. COMISSÃO EXECUTIVA
Maria do Socorro de Souza – Conselho Nacional de Saúde
Márcio Florentino Pereira – Conselho Nacional de Saúde
Geordeci Menezes de Souza – Conselho Nacional de Saúde
João Rodrigues Filho – Conselho Nacional de Saúde
Carlos Augusto Vaz de Souza – Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da
Saúde
Terezinha Reis de Souza Maciel – Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da
Saúde
Fernando Luiz Eliotério – Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa
/Ministério da Saúde
Amanda Maria Campanini – Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa
/Ministério da Saúde
2. COMISSÃO ORGANIZADORA
Jorge Alves Venâncio – Central Geral dos Trabalhadores do Brasil
Juneia Martins Batista – Central Única dos Trabalhadores
Luís Aníbal Vieira Machado – Nova Central Sindical de Trabalhadores
João Donizeti Scaboli – Força Sindical
Elgiane de Fatima Machado Lago – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do
Brasil
Willian Clementino da Silva Matias – Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura
Conceição de Maria Amorim – Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos
Sexuais e Reprodutivos
Ubiraci Matildes de Jesus – União de Negros pela Igualdade
Elias José da Silva – Movimento Popular de Saúde
Fernanda Benvenutty – Associação Nacional de Travestis e Transexuais
Carlos Eduardo Ferrari – Organização Nacional dos Cegos do Brasil
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
99
Edmundo Omoré – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia
Brasileira
Fernanda Lou Magano – Federação Nacional dos Psicólogos
Ivone Evangelista Cabral – Associação Brasileira de Enfermagem
Maria Laura Carvalho Bicca – Federação Nacional dos Assistentes Sociais
José Naum Mesquita – Associação Brasileira de Terapeutas Ocupacionais
Renato Almeida de Barros – Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Seguridade Social
Jorge Mesquita Huet Machado – Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Letícia Coelho da Costa Nobre – Conselho Nacional de Secretários de Saúde
Marcos da Silveira Franco – Conselho Nacional de Secretarias Municipais de
Saúde
Carlos Augusto Vaz de Souza – Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da
Saúde
Clóvis Veloso de Queiroz – Confederação Nacional da Indústria
3. COMISSÃO DE COMUNICAÇÃO E MOBILIZAÇÃO
Luiz Antônio Pereira – Coordenação de Plenária – Região Sudeste
Pedro Gonçalves de O. Neto – Coordenação de Plenária – Região Norte
Jacildo de Siqueira Pinho – Coordenação de Plenária – Região Centro-Oeste
Marli Medeiros Nóbrega – Coordenação de Plenária – Região Nordeste
Palmira Aparecida S. Rangel – Coordenação de Plenária – Região Sul
Maria Eliza R. Salgado Lana – Comissão Intersetorial de Saúde do
Trabalhador/Conselho Estadual de Saúde – Região Norte
Manoel Lages Mendes Filho – Comissão Intersetorial de Saúde do
Trabalhador/Conselho Estadual de Saúde – Região Nordeste
Claudio Augustin – Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador/Conselho
Estadual de Saúde – Região Sul
Zaldimar Tadeu da Silva – Comissão Intersetorial de Saúde do
Trabalhador/Conselho Estadual de Saúde – Região Sudeste
Dionízio Gomes Avalhaes – Comissão Intersetorial de Saúde do
Trabalhador/Conselho Estadual de Saúde – Região Centro-Oeste
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
100
Antonio Augusto de Castro Albuquerque – Rede Nacional de Atenção Integral à
Saúde do Trabalhador/Secretaria de Estado da Saúde – Região Norte
Bernadete Santos Maciel – Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Trabalhador/Secretaria de Estado da Saúde – Região Nordeste
Elizeu de Oliveira Freitas – Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Trabalhador/Secretaria de Estado da Saúde – Região Sul
Maria Paula de Souza Pozzi – Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Trabalhador/Secretaria de Estado da Saúde – Região Sudeste
Guilherme José Duarte – Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Trabalhador/Secretaria de Estado da Saúde – Região Centro-Oeste
Grasiele Aparecida Thomaz da Silva – Ministério do Trabalho e Emprego
Valdir Santos de Lima – Força Sindical
Luís Aníbal Vieira Machado – Nova Central Sindical de Trabalhadores
Kátia Reis – Fundação Oswaldo Cruz/Ministério da Saúde
Aline Cristine Reis – Ministério da Saúde
Ayana Carneiro Gomes Figueiredo – Secretaria Executiva/Conselho Nacional de
Saúde
4. COMISSÃO DE FORMULAÇÃO E RELATORIA
Eliana Napoleão Cozendey da Silva – Fundação Oswaldo Cruz/Ministério da Saúde
Maria Cristina Strausz – Fundação Oswaldo Cruz/Ministério da Saúde
Ana Cláudia Moreira Cardoso – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos
Cláudia Rejane de Lima – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos
Maria Maeno – Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do
Trabalho/Ministério do Trabalho e Emprego
Laura Soares Martins Nogueira – Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança
e Medicina do Trabalho/Ministério do Trabalho e Emprego
Adma Maria Gomes – Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde
e dos Ambientes de Trabalho
4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
101
Arnaldo Marcolino – Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e
dos Ambientes de Trabalho
Carlos Minayo Gomez – Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Jussara Cruz de Brito – Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Elizabeth Costa Dias – Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Maria da Graça Luderitz Hoefel – Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Diego Torres – Fórum das Entidades Nacionais dos Trabalhadores da Área da
Saúde
Ivone Martini de Oliveira – Fórum das Entidades Nacionais dos Trabalhadores da
Área da Saúde
Fernando Nunes Alves – Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde
Vinicius O. de Moura Pereira – Secretaria de Gestão Estratégica e
Participativa/Ministério da Saúde
Sueli Goi Barros – Rede Unida
Heleno Rodrigues Corrêa Filho – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
Alexandre Frederico de Marca – Confederação Nacional do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo
SECRETARIA DA 4ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO
TRABALHADOR E DA TRABALHADORA
Larissa Gomes Tavares
Olga Rios
Marli Souza
Rosa de Fátima Ribeiro Medeiros Rodrigues
E-mail da conferência: [email protected]
Telefones: (61) 3213-8532/8528