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5 O fluxus da vida
Intuído em 1961 pelo lituano George Maciunas, o Fluxus aviou uma
espécie de fórum artístico que fez ecoar novamente os sentimentos
dadaístas. Reunindo participantes de diversos países, origens artísticas
ou tendências culturais, torna-se difícil estabelecer as reais fronteiras de
sua atuação. Foi um organismo fluido em muitos aspectos: um fluxo
constante. O papel do grupo entre os teóricos das artes plásticas é
enganosamente restrito ainda hoje; embora o Fluxus se expressasse
através de eventos, publicações ou objetos, sua origem está nas
experimentações musicais do norte-americano John Cage. Aliás, diga-se
de passagem, esta foi a primeira vanguarda do século XX impulsionada
por tal categoria artística.
John Cage foi um grande criador que cedo se decidiu pelas
investigações musicais. Porém, fundamental mesmo para o
desenvolvimento de sua obra foi a opção pelos estudos de composição
com Arnold Schönberg. Interessado na filosofia zen-budista, Cage
freqüentemente usou o silêncio – os vazios – como elemento musical, os
sons como entidades que perduram no tempo, além de buscar a noção do
acaso na música.
Na “peça para piano” Music of changes (1951), Cage faz com que as
combinações tonais ocorram numa seqüência determinada por uma
unidade pré-moldada. Um dos pioneiros dos happenings nos EUA, o
artista, em sua “audição” intitulada 4’33’’ (1952), fez os performers
sentarem silenciosamente frente aos instrumentos. Os sons do
environment são “a música”: em Theatre piece (1960), músicos,
dançarinos e mímicos atuam independentemente entre si em tarefas pré-
selecionadas, sob o “comando” de 4’33’’, dissolvendo as fronteiras que
separam música, sons ou fenômenos não-musicais. A interferência de
outras instâncias da vida já vinham interessando o artista desde a década
de 1940, nas “composições” reunidas sob o título Piano preparado. Como,
por exemplo, em Amores (1943), quando diversos objetos foram
colocados dentro do piano, alterando os sons de suas cordas.
110
Cage foi professor de música no início da década de 1950 no Black
Mountain College, em North Caroline, onde preparou uma série de
episódios públicos de caráter performático. O músico deixou, na
instituição então dirigida por Joseph Albers, o registro de alguns proto-
happenings, inclusive de um primeiro efetivado na companhia do
coreógrafo avant-garde Merce Cunningham e do artista plástico Robert
Rauschenberg em 1952. A dupla aliou-se a Kaprow nos fins da década.
Por conta destas investidas públicas e da fusão “das várias artes”
promovida em seus eventos, Cage figura freqüentemente na gênese da
história dos happenings norte-americanos e simultaneamente na dos
europeus desde sua adesão ao grupo de George Maciunas.
Inevitavelmente, atravessamos os textos críticos admitindo que a
autonomia poética de Cage foi propiciada pelos comportamentos
extratemperamentais de Jackson Pollock. Decerto que o desembaraço
demonstrado pelo pintor deu margens às mais diversas intuições
artísticas. Imbuídos por uma ambiance amplamente permissiva, não nos é
estranho analisar o grau de liberdade conquistado por alguns artistas a
partir dos alcances espaciais das actions pollockianas. Encaradas
freqüentemente como “atos criativos de autodescoberta”, seus resultados
seriam antes “artefatos da experiência da energia do processo”. Cage
estava desperto para as linguagens poéticas em geral:
(...) a pintura tornou-se agora uma entidade que pertence à mesma ordem espacial a que pertencem nossos corpos; não é mais o veículo de um equivalente imaginário dessa ordem. O espaço pictórico perdeu seu “interior” e tornou-se “exterior”. O espectador não pode mais escapar para dentro do espaço pictórico a partir do espaço em que ele mesmo se encontra.1
Cage trouxe para o proscênio sua intimidade com o piano. O
instrumento, burguês por excelência, tornou-se, na segunda metade do
século XX uma recorrência nos happenings. Utilizado largamente por
Beuys e Paik, o piano teve suas funções alteradas em todos os sentidos.
Completamente emudecido, embrulhado em feltro, destruído, entupido de
1 CAGE, John citado em David Batchelor. Minimalismo. p. 20.
111
coisas estranhas a sua natureza, serviu aos mais diversos protestos e
simbolismos.
Os modelos de pianos que hoje conhecemos foram desenvolvidos
no século XVIII e atravessaram soberbamente os grandes momentos
“eruditos” da Europa. Estava mais do que na hora de trazê-lo à realidade:
não é apenas por coincidência que, em 1928, Luis Buñuel e Salvador Dali
apresentaram em uma experiência surrealista – Um cão andaluz – dois
pianos de cauda dispostos lado a lado de cujas tampas abertas surgiam
asnos mortos. Os artistas já estavam atentos aos poderes simbólicos do
instrumento, principalmente os segmentos mais debochados das
vanguardas.
Já George Maciunas era um europeu naturalizado americano que
estudou arte, arquitetura, musicologia, além de efetuar pesquisas sobre
arte européia e siberiana e investigar a música eletrônica. Até onde foi
possível registrar, a sua maior atuação no cenário artístico das décadas
de 1960/70 consistiu na idéia do grupo Fluxus. Coordenador dos
bastidores, ainda na fase de Nova York foi proprietário de uma galeria que
se dedicava a incentivar as iniciativas vanguardistas. Em Wiesbaden,
trabalhou como artista gráfico para a força aérea americana, quando, de
certo modo, consolidou o grupo Fluxus na sua versão européia. Aliás,
esta parece ser a “nacionalidade metafísica” do grupo. Após o Festum,
Fluxorum, Fluxus de 1963, realizado com o auxílio de Beuys em
Düsseldorf, o grupo participou de ocorrências em nível mundial.
Poligeográfico em muitos sentidos, o Fluxus não conformou,
portanto, uma organização coesa nos moldes perfilados pela New York
School ou pela École de Paris. A princípio, diz-se freqüentemente que,
com tal naipe de artistas, “as mais diversas formas de arte foram
reunidas” orientando uma leitura simplista. Ora, o grupo teve como único
compromisso o descompromisso total, como dizia Maciunas: a diversão-
arte-Fluxus deveria ser apenas entretenimento e nada exigente, não
cobrou habilidades especiais ou incontáveis ensaios; tratou de coisas
insignificantes desprovidas de qualquer valor comercial ou institucional.
O sucesso de tais votos deveu-se muito à persistência, ao
desprendimento e ao alcance intelectual de seus participantes, assim
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como a uma intensa atuação internacional e à indeterminação radical do
grupo em relação às formas tradicionais de arte. O Fluxus resistiu
bravamente à clausura teórica – não atendeu às mínimas
correspondências da pintura, da escultura, do teatro, da literatura, ou da
música. Praticava-se “aleatoriamente” um pouco de tudo: contaminou-se
inteiramente, abortando para sempre toda e qualquer investida de
arquivamentos. Porém, o que manteve a sua energia durante os poucos
anos de sua atuação deveu-se sobretudo à maturidade poética de seus
componentes – enfim, fora a qualidade do conjunto o que facilitou a
realização dos desejos de Maciunas.
Ora, tal configuração extremamente maleável armazenava uma
imensa disponibilidade artística que pode acionar inúmeros eventos
apenas parcialmente planejados. A idéia era a seguinte: a formação
original de cada um dos seus participantes indicava o caminho básico a
seguir. Alguns objetos pré-escolhidos eram trazidos a público e arranjados
para uma exibição apenas semi-ensaiada – como na música, partiam de
uma partitura, de um roteiro de primeiras intenções. O conjunto de todas
essas “semi-predisposições” seria somente conhecido e avaliado durante
e após a apresentação.
De fato, não se poderia mesmo afirmar que Beuys teve algum dia a
neutralidade emocional exibida pelo grupo, ou que suas intenções teriam
grandes afinidades poéticas com as de Morris. Assim, preparados e
conscientes que eram das intenções estéticas conceituais que os
governavam e os reuniam sob a designação Fluxus, os artistas puseram
em prática uma boa quantidade de controversos happenings.
Porém, mesmo com tamanha liberdade (ou por isto mesmo), o
Fluxus permaneceu nos becos das curiosidades da História da Arte: uma
experiência isolada, diferenciada, apenas mais uma iniciativa
interessante. Mas, tal “falência” em estabelecer-se como “movimento” na
ótica das disciplinas oficiais foi exatamente o motivo do sucesso
enviesado de sua empreitada. Ora, semelhante ritual de acasalamento
criadores-público-instituição pertence às estruturas de inserção das
disposições artísticas que concorrem à categoria das “vanguardas”. Do
mesmo modo, o êxito desta “pós-vanguarda” pode ser averiguado pelo
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desenvolvimento das experiências individuais de seus participantes após
o encerramento de suas atividades.
Nam June Paik, Joseph Beuys, John Cage, Robert Morris, são, de
pronto, os nossos melhores exemplos, muito embora sejam talentos que
não precisaram do fim do grupo de Maciunas para obter amplo
reconhecimento mundial. Há até quem diga que a coisa funcionou
inversamente – o exíguo sucesso alcançado pelo Fluxus ainda “em vida”,
correu por conta justamente destas aptidões especiais que freqüentaram
suas fileiras: teriam sido estes artistas que forneceram uma “identidade”
ao grupo?
É bom registrar que, do mesmo modo que cada dadaísta travou uma
batalha solitária – veja-se o maior deles, Duchamp, que praticou o seu
próprio dadaísmo –, os artistas contemporâneos em geral ofertaram as
mais díspares poéticas. Cada um dos mais importantes para a atualidade
– Beuys, Warhol ou Morris – teve seu momento público como one-man
show. Porém, o individualismo há muito já não é assunto, mas o proveito
destilado de tal experiência é da alçada de todos os contemporâneos de
Pollock. Ora, tudo caminhava, ao fim e ao cabo, para um congraçamento
de metas políticas. Mais uma vez, Kaprow não deixou passar em branco a
contribuição de Pollock neste aspecto:
Mas essa forma nos oferece um prazer igualmente forte pelo fato
de participarmos de um delírio, um adormecimento das faculdades da razão, uma perda do “eu” no sentido ocidental do termo. Essa estranha combinação de extremo individualismo e perda do eu torna a obra especialmente potente, mas também indica uma referência psicológica provavelmente mais ampla.2
Iniciando discretamente suas atividades em Nova York, o grupo logo
passou a apresentar-se na Alemanha, obtendo um maior reconhecimento,
talvez devido à carência de manifestações artísticas realmente
condizentes ao momento ou à alternativa cultural que trazia para a
carregada atmosfera no segundo pós-guerra europeu. Afinal, era
necessário refletir intensamente sobre os últimos acontecimentos. Os
2 KAPROW, Allan. “O legado de Jackson Pollock”. In Art News, outubro de 1958. Tradução de Cecília Cotrim de Mello.
114
EUA iriam também pensar sobre o assunto, sim, mas sob outros ângulos,
naturalmente.
Trauma por trauma, os EUA não iram esperar muito tempo para
iniciar o processo de elaboração cultural de suas façanhas no último
grande happening mortal. Seria possível dissociar as primeiras
realizações artísticas especialmente americanas da grande tragédia? As
respostas poéticas podem ser registradas da Pop a Minimal, da
Processual a Conceptual, da Urban a Land Art.
5.1 O mundo é dadaísta As vanguardas, seja como entidades físicas ou apenas como um
termo, há muito não exerciam efeitos consideráveis, e Maciunas estava
ciente das ascendências de sua criatura – o Fluxus lidava assumidamente
com algumas (ou muitas?) noções dadaístas. O grupo instalou-se desde
sempre, portanto, desfilando o estilo de uma retaguarda orgulhosa.
Semelhante retórica desdenhosa o auxiliou em sua apertada concorrência
com os performers dos EUA, mais exatamente com Kaprow, o mais
atuante artista extra-Fluxus, tratado mormente pelo bizarro aposto de “pai
dos happenings”. Mas, pensemos, por mais neodadaísta que fosse, o
Fluxus pouco ou nada tinha de retrógrado. Afinal, seus efeitos
estimularam sustos, raivas e desprezos como o dadá histórico, ou seja,
como uma “legítima” vanguarda.
Historicamente seria possível encontrar inúmeras conexões destas
novas frentes artísticas dos anos 60 com o antigo dadaísmo e mesmo
com outras tantas vanguardas históricas. Sabemos o tanto de irônico ou
sarcástico, de político ou ideológico que aquelas poéticas detinham.
Assim não é de se estranhar que o retorno das perguntas acerca do
“descompromisso com o real estabelecido”, com os “valores publicamente
reconhecíveis”, com as “alianças sociais endossáveis”, aviassem
novamente um teor moral equivalente ao evocado pelos ditos “espíritos
livres” do princípio do século XX.
Decerto que algumas polaridades lá atrás entronadas vão se
desfazer, algumas preocupações, como as que envolvem o kitsch, por
exemplo, não cumprem mais efeitos. Porém, outras tantas estâncias
115
éticas continuarão cutucadas com vara curta. Não esqueçamos da origem
militar do termo, da verve combativa dos artistas do princípio do século
definindo um modo de pensar que “sai na frente”, que “abre caminhos”,
que “pensa por todos” – pela tribo.
Ora, examinando os acontecimentos artísticos do segundo pós-
guerra, confrontamo-nos com uma série de coincidências para tais
suposições mesmo que trabalhem, até porque, por divergências. Nos dois
lados do Atlântico, verifica-se uma redescoberta do dadá (e mesmo do
surrealismo), fundamental para o desenvolvimento de uma arte nacional
em um caso e para o revigoramento cultural em outro. Um dos poucos,
senão o único movimento artístico sobrevivente das vanguardas
históricas, o dadaísmo somente nos idos dos anos 60 logrou ter o seu
vigoroso componente antimodernista compreendido, ou melhor, realizado:
a sua mistura com o vulgo.
O berço ambíguo desta sensibilidade foi conferido pelas ansiedades
existenciais de Marcel Duchamp e Man Ray, que transitavam “insaciáveis”
pelos dois continentes. O Fluxus reuniu a sensibilidade dadá à dos
happenings americanos, de onde saíram seus idealizadores-mor. Até
nesta dupla cidadania o grupo pode reivindicar uma ascendência
dadaísta. O dadá e o surrealismo foram as únicas disposições
vanguardísticas com inserções pontuais na América. É sabido o quanto
destes humores tutelavam as expressões espaciais de Pollock, os ritmos
resignados de Jasper Johns ou a Junk Art de Rauschenberg.
Na impossibilidade de recorrermos a um diagnóstico conclusivo, um
relatório que rendesse esclarecimentos corretos das diferenças entre o
dadá nova-iorquino e o que restou daquela vanguarda na bagagem
cultural européia, arriscamos afirmar que o tanto que foi trazido à tona por
esta ocasião tratou apenas do essencial, da pièce de résistence de seus
assuntos, partilhada pelos dois lados do Atlântico de maneiras
diferenciadas: a indistinção entre a “alta arte” e a “arte de massa”. Ou seja
uma vontade de se lidar com o real, independentemente de sua realidade.
Seria possível procurar uma redução dessas diferenças nas vagas e
rápidas noções de um “realismo urbano” versus “realismo existencial”? E,
caso positivo, seria o bastante?
116
Guardadas as devidas distâncias, o espírito dadá foi reintroduzido
nas duas culturas com humores contraditórios – e não podia ser diferente.
Na Europa, perseverou uma poética do absurdo, do nonsense – veja-se a
proeminência de Beckett e Ionesco: afinal, quando Auschwitz fará
sentido? Mórbido para a lógica européia, o homem volta como um
fantasma que não morreu. Claudicante na vida, dedica-se a repetir os
gestos básicos como se fosse possível entendê-los. Hugo Ball há muito
havia se referido ao fato de que tudo funciona bem, salvo as pessoas.
No lado “vencedor”, verificava-se, ainda que superficialmente, uma
alegria provocativa, dispensada, até segunda ordem, do peso do
Holocausto – e basta citar a Pop Art neste caso, que concorreu para a
larga ostentação de um tipo de arte que não apelou para considerações
patafísicas. Ora, estava-se falando, aqui e lá, sobre o triunfo da
insanidade. E a única reação possível teria de ser radical. Tratava-se de
movimentos situacionistas em todos os sentidos: deveriam volver as
condições sociais contra elas mesmas para desvelar suas verdadeiras
características.
Como o dadá, o Fluxus trabalhou com a estética da negação: do
mercado de arte, da noção do grande criador individual, do artista-herói
ou redentor, do objeto de arte como uma mercadoria reificada e das
fronteiras tradicionalmente definidas entre música, literatura e artes
visuais. Mas também aferiu uma negação de uma estética da negação
enfaticamente subjetiva, do sofrimento e da alienação existencialista dos
anos 50. Foi, finalmente, uma rejeição da ênfase no sentido profundo e da
interpretação erudita (...).3 Sartre, Camus e toda a turma existencialista
que os acompanhava não faziam parte de seus interesses. Mas, e a
polifonia artístico-existencial de Beuys? Ora, depurando-se a proposta,
chegaremos à conclusão de que a ordem era denegar, desconstruir para
reconstruir.
Por outro lado, o grupo apresentou muitos outros aspectos
afirmativos. Para ser breve, relatemos genericamente como feitos
comprobatórios de uma postura positiva os eventos intermídias, a
3 HUYSSEN , Andreas. Memórias do modernismo. p. 129.
117
interação do público em contraste com o distanciamento pernóstico da
“alta cultura”, a clara interação arte-vida, o alto grau de realidade concreta
de seus eventos e objetos, a mundanidade, enfim. Contudo, em termos
de generosidade, não se pode reclamar dos artistas americanos também
neste sentido, guardadas as devidas diferenças. Afinal, veja-se a exibição
de excessiva humanidade e de expansividade espacial de Pollock, as
chamadas participativas de Kaprow, as imagens populares de Warhol, ou
mesmo as propostas pragmáticas da Minimal Art.
E, acima de tudo a grande proposta de ambos: a ampla participação
do público. Indo muito além das possibilidades ofertadas pelos produtos
da “alta cultura”, o Fluxus ofereceu a chance para se ver mais, ouvir mais,
e sentir muito. O público, solicitado a proceder como um grupo de livre-
pensadores tanto quanto os artistas, era instado a reconsiderar suas
próprias experiências de vida, a fazer um balanço existencial de sua
participação na construção de tudo que lhe diz respeito, conformando um
verdadeiro grupo topológico. Retomando os capítulos anteriores, estamos
de novo situados naquelas experiências acerca das operações contínuas
determinadas por um espaço topológico, que retomam os conceitos do
continuum. Kaprow também incluía as tais aventuras neo-existencialistas
adiantadas pela obra de Pollock:
Não se entra em um quadro de Pollock por nenhum lugar particular
(ou por cem lugares). Todo lugar é lugar, e entramos e saímos por onde pudermos. Essa descoberta levou a considerações segundo as quais sua arte dá a impressão de desdobrar-se eternamente – uma boa indicação de como Pollock ignorava os limites do campo retangular em favor de um continuum que seguia em todas as direções simultaneamente, para além das dimensões literais de qualquer obra. (...) Os quatro lados da obra são então uma bruta interrupção da atividade, que nossa imaginação faz seguir indefinidamente, como se recusasse o caráter artificial de um “fim”.
Assim, vejamos um exemplo que toca os dois pólos culturais com
que tratamos. Bob Morris circulou facilmente entre as várias definições de
arte dos EUA durante a década de 1960, assim como de alguns eventos-
Fluxus. Seu tipo de trabalho satisfazia as muitas disposições poéticas
então em curso: minimalismo, body art, happenings, inclusas aí as muitas
variáveis dessas posturas. Uma produção de 1961 que pode nos auxiliar
118
de imediato é a Coluna, obra especialmente concebida para um evento-
Fluxus,4 que se resume numa caixa oca de compensado pintado, cujas
medidas são 243,80 x 60,9 x 60,9cm.
A performance consistia de uma caixa retangular que descia
verticalmente em um cenário montado numa galeria de Nova York em
meio a um episódio público reunindo outras expressões artísticas. A caixa
permanecia imóvel durante três minutos e meio e, em seguida, tombava
para o lado, demorando-se outro tanto de tempo na posição horizontal.
Considerando-se a inevitável percepção antropomórfica do objeto, a cena
com a Coluna converge para “uma espécie de abstração de figura e
performance, uma redução da dança a um movimento único, elementar,
destituído de gesto ou expressividade”.5
Qual a abrangência, que tipos de poéticas estão sendo convocadas
nesta realização? Vazia ou cheia, a caixa, assim como as obras de Tony
Smith, expõe considerações acerca de conteúdos morais. “De pé” ou
“deitada”, a obra leva-nos à memória dos monumentos ou túmulos, aos
persistentes assuntos acerca da existência humana. Para o artista,
“abstrato” ou “figurativo”, “objetivo” e “subjetivo”, “formal” e “informal”
seriam, de pronto, precárias definições bipolares, sem muito futuro pela
frente.
O objeto em si, um paralelepípedo, alinha-se aos primeiros
elementos minimalistas de Smith – Die e Black box –, e comporta-se
como tal: concorda com a estatura de um homem, e nada mais o define
senão como presença enfática – matéria muda, geométrica e opaca,
enfim. Para Morris, estas seriam formas simples que criam fortes
sensações de Gestalt.6 De resto, outros procedimentos ou leituras seriam
apreciações inócuas, de uma estética cubista retardatária.7 Por outro lado,
esta não é uma “escultura” estabelecida ad aeternum em um determinado
local – trata-se de um objeto que é inserido em meio a outros tantos
acontecimentos artísticos.
4 BATCHELOR, David. Minimalismo. p. 26. 5 Idem. 6 Idem. p. 23. 7 Idem.
119
5.2 Paleologias A pré-história dos happenings na América, contam os historiadores,
repetindo as declarações dos próprios artistas, tem suas inspirações
imediatas nos movimentos expansivos da action painting de Jackson
Pollock, na Junk sculpture de Rauschenberg e na filosofia estética de
John Cage. E estes nas filiais americanas do dadaísmo, do surrealismo e
das collages cubistas. Portanto, a única coisa decididamente clara para
nós é a impossibilidade de fazer uma leitura linear destas heranças.
Qualquer outra tentativa, suspeito, resultaria ela mesma num exquise
dadaísta. Tentemos, então, executar a empreitada via Europa ou a partir
dos próprios eventos.
Mas, e quanto ao levantamento dos performers do Fluxus, dos
happenings na Europa? A retomada européia é um mergulho tão
profundo nos assuntos internos daquele continente que torna-se para nós,
contemporâneos, quase inescrutável, principalmente quando o performer
é Beuys ou Klein. Trata-se de uma verificação genética que vai ter que
percorrer muito chão caso não nos atenhamos às manifestações
puramente artísticas. E, mesmo assim, a história é densa. Alguns autores
recuam até mesmo à primeira apresentação do Ubu roi de Alfred Jarry,
em 1896, para ali reconhecer a origem teatral da explosão multimídia da
década de 1960, não sem antes passar por quase toda a vanguarda
histórica. Ubu roi resultou do desejo, bem-sucedido afinal, de um jovem
que pretendeu pôr em cena tudo o que fosse “linguagem visual”.
Assim, em resumo, um inventário dos hoje denominados
happenings, performances ou environments teria de resgatar
necessariamente as Noites Futuristas, italianas e/ou russas, entre os anos
1910-1913, as sessões pluripoéticas do Cabaret Voltaire, de Hugo Ball,
registradas em 1915-1916, os 15 anos de atividades dadaístas, as
iniciativas teatrais de Oskar Schlemmer na Bauhaus, para sermos breves.
As eventuais adesões das diversas áreas artísticas incluiriam os
franceses Cocteau, Satie e Apollinaire, os russos Mayakovsky, Nijinsky e
Diaghilev, dentre muitos outros artistas ligados à música, ao ballet, às
artes cênicas e à poesia em equações eventuais do tipo Mussorgsky +
Kandinsky = Quadros de uma exposição.
120
O alemão Max Ernst comparece com um sistema plural renovador
do relacionamento entre as coisas, um verdadeiro desnorteamento para
as disposições, para as ordens das operações poéticas: surrealismo,
frottages e collages. E, como não poderia deixar de ser, até Marcel
Duchamp seria muitas vezes chamado a participar de tais arqueologias
com Rrose Sélavy ou R. Mutt, seus célebres alter egos, ou por conta de
seu longo silêncio.
O “objeto de arte” como tal há muito vinha sendo considerado algo
supérfluo e, sabemos, Duchamp fora o primeiro a instigar tais
pensamentos. O conceito de Arte tendia a tomar, cada vez mais, o lugar
do objeto em si. Assim, a pergunta por sua função e significado acaba por
tornar-se a própria obra. Estas condutas que então estavam, digamos
assim, sendo reformadas, prepararam o terreno para o advento da
Conceptual Art. O que se passava numa sessão ao vivo & a cores do
Fluxus – num happening ou numa performance –, embora visível, restava
como algo definitivamente intangível. Ou seja, justamente o inverso das
premissas da Minimal Art que crescia simultaneamente dentre outras
manifestações artísticas dos EUA.
Porém, o material de ambas destilavam um tema que
desinteressava ao toque. Sim, preparava-se o advento de uma era em
que, de um jeito ou de outro, tudo se voltaria para a materialidade das
coisas. Aqui, para as nossas argumentações, basta-nos dizer que a
matéria que está em jogo, é o homem e seus problemas terrenos. De fato,
para aqueles artistas, a matéria era o assunto, e o assunto era o homem.
Transitava-se, logicamente e, portanto, entre o fisiológico e a
escatológico.
Mas, vejamos, nada disso pode ser afirmado sem intrigas. A matéria
que estava em jogo era o homem e seus affairs terrenos versus os
antigos ideais humanísticos e seus derivados imatéricos. A matéria
humana e o modo de processá-la são os assuntos do momento – e não
sobre a alma & seus correlatos metafísicos. Ora, convenhamos, o
problema foi, é sempre, o (do) homem e (de) seus ideais, matéricos ou
não. Alguma vez não o foi? Quando deixará de sê-lo? Qual a diferença a
esta altura dos acontecimentos?
121
As atitudes poéticas associadas ao Fluxus não poderiam, et pour
cause, ser em compradas, vendidas ou institucionalizadas – não se
tratava de posturas especificamentes européias – veja-se a força da
Conceptual Art. Além dos comandos de Duchamp, o também francês
Yves Klein havia se referido muito recentemente à impropriedade deste
ritual mercadológico – veja-se as obras intituladas Zonas de sensibilidade
imatérica (1959-1962). Nesses eventos, o artista vendia uma ocorrência
especial, porém o ato era puramente simbólico: o colecionador nada
levava para casa e o artista nada recebia pela obra – a “troca de bens”
conduzia antes um efeito cerimonial.
Ora, onde encontrar os ancestrais dessas atitudes? Decerto que
sabemos que não foi a Arte o que Duchamp agrediu, mas sim o abuso
indiscriminado de uma significação. Também atacou o tédio causado pela
repetição, pelo esvaziamento de todo o significado provocado por uma
espécie de tragédia hipócrita e pelo declínio da “obra de arte” que adquiria
cada vez mais o estatuto de mercadoria.
Não discutamos aqui os estreitos parentescos entre o dadaísmo e o
surrealismo, o tamanho de seus abraços culturais, mas é necessário
assumir as diferenças extra-artísticas que engendraram tais disposições.
Usadas como linguagem de fundo para assuntos de foro íntimo por gente
que tinha um passivo na Europa e que, muito embora, fez-se aparecer
mais do que o necessário para o alcance doméstico, tais poéticas
duelavam com os entusiastas das bem-sucedidas exibições públicas de
estimulantes autodescobertas. Obviamente que os conceitos de “público”
e “privado” entraram em convulsão para se reencontrarem no fim do túnel
– Conceptual Art. Empataram – EUA e Europa –, ao fim e ao cabo, em
suas manobras. Afinal, o dadá é romântico.
Tal entendimento que assenta a arte tradicional como “uma forma de
poder” expulsou sua energia para a área do espetáculo, necessariamente
em meio ao dia-a-dia mais banal dos homens comuns. O único “poder”
então alegável, após tantas perdas solenes, aventa uma capacidade
poética com força suficiente para enfrentar as práticas selvagens
potencializadas pelas exigências tecnológicas orientadas por duas
grandes guerras. Ora, decerto que o material a ser empregado então não
122
poderia ser outro que não o fornecido pelos resíduos do cotidiano, pelo
próprio ambiente ou pelo corpo humano.
Por conseguinte, poderíamos afirmar que uma vontade de vida real,
de tocar as coisas do dia-a-dia, enfim de sentir-se vivo, era o que estava
prometendo fazer evaporar os produtos artísticos do fim do século XX. O
raciocínio é ambíguo. Se a matéria de trabalho é o homem, sua vida
terrena, e se seu corpo perceptivo, ainda que entendido como alma-
carne, a questão não estaria privilegiando, de novo, mais a sua
inteligência sobre o processo em jogo do que a sua participação física?
Um dos mais ferozes críticos das poéticas do segundo pós-guerra é
o americano Michael Fried. Seus alvos prediletos – a promiscuidade das
várias categorias de arte em relação à outra e à não-arte –,
decididamente (re)acenderam a discussão em 1967 quando da
publicação de seu texto mais famoso: Art and objecthood. Tudo aquilo
que não cumprisse as exigências modernizantes de “pureza e autonomia”
pertencia à área do teatro. Obviamente, o crítico estava plantando em
terreno infértil. Para ele, o teatro era apenas uma forma de degeneração
das artes. Além do mais, a Arte devia superar sua atual condição de
“objeto”, uma definição que expunha sua proximidade com as coisas
mundanas.
Com isto, Fried atacava o fazer artístico desde o ready-made e, por
tabela, as incontáveis averiguações por ele suscitadas. No entanto, não
sei se vale a pena levar adiante uma discussão que já àquela altura dos
acontecimentos parecia navegar contra a corrente. A citação de tal fato,
no entanto, é academicamente inevitável. Interessante para a nossa
causa, portanto, seria então anotar as transformações almejadas desde
Jarry, suponho. Ou seja, aquelas que levaram o teatro literário ao teatro
teatral.
5.3 Environments, performances, happenings O modo de operar no Fluxus, e mesmo nas demonstrações norte-
americanas, começou por seguir, grosso modo, o seguinte raciocínio:
idéias sobre espaços poderiam ser interpretadas no espaço atual, assim
como na bidimensão convencional da tela. O tempo poderia ser sugerido
123
na duração de uma performance ou com uma ajuda de um monitor de
vídeo em feedback ou em câmara lenta, por exemplo. Os atributos
sensíveis da escultura, como a textura e a sua inserção no espaço, tornar-
se-iam muito mais tangíveis nas apresentações ao vivo, naturalmente.
Questões existenciais poderiam ser trazidas a público através de uma
revivência biográfica.
Os três termos – happening, environment, performance – ,
confundem-se até hoje. E não sem razão. De modo amplo, performance
diz respeito ao desempenho individual numa atuação pública; já os
happenings aplicam-se mormente aos casos dos espetáculos
espontâneos – tratam dos eventos-surpresa (ou quase), ou mesmo de
episódios artísticos (quase) improvisados.
Já o environment parece complementar as largas definições
anteriores, diz sobre as circunstâncias que envolvem um determinado
acontecimento, qualquer evento de caráter poético: environment é o
termo que “amarra” toda a ocorrência (happening) deflagrada por um
organismo performático ou não. É possível traduzi-lo de diversas
maneiras, dependendo dos propósitos: ambiance, aura, atmosfera, clima.
Além do mais, o seu alcance estabelece a dimensão do território, do
contexto, do domínio, do ecossistema, do reino de atuação de um
determinado epicentro artístico.
A Junk sculpture foi o descendente americano do termo e da poética
do assemblage cunhado por Dubuffet em 1953. Este novo modo de
“esculpir”, trouxe para a tridimensionalidade as collages simbolistas e
surrealistas. Mesmo dispostas na parede, a Junk Sculpture estendia-se
para o espaço real, volumosa e literal, confrontando o observador.
Chamberlain, Suvero, Rauschenberg e Louise Nevelson foram os grandes
entusiastas de tal prática. Bem-humoradas e irreverentes, estas
realizações vão assinalar o estilo novo-mundista de tratar o real.
Ao contrário de Dubuffet, que acumulava materiais baratos ainda
não domesticados, a percepção americana incorporou elementos triviais –
“materiais não-artísticos”: os artistas de Nova York buscaram os dejetos
urbanos. Decerto, não iniciaram tal empreendimento com qualquer
expectativa de sucesso comercial ou apoio institucional – ostentavam,
124
faziam questão de demonstrar, aliás, um certo desdém (?) por tais
assuntos. Porém, a iniciativa ganhou respeito apesar da efemeridade dos
materiais empregados, acabando mesmo por apresentar-se vitoriosa pela
primeira vez no MoMA em 1961.
Environment são e podem ser também tratados como “assemblages
espontâneas”, com a energia visual e a fenotipia gestual da sensibilidade
expressionista abstrata. Seus espaços são atuais, preenchidos por
objetos e matérias reais. Os environments recolhem em seus precedentes
os Merzbauen de Kurt Schwiters – “environment escultural” –, o alcance
espacial das obras monumentais de Pollock e já existe quem considere
que até mesmo as pinturas tardias de Monet devam ser arroladas como
tal. Os objects assistés de Duchamp, os papiers collés de Picasso não
poderiam ficar de fora, naturalmente. Já os environments
contemporâneos, principalmente os norte-americanos, trouxeram os
ritmos da rua – do “microcosmos do mundo” –, lugar de excitação, de
realismo honesto e abstrato. Apresentam sinceramente todos os lados da
natureza humana: o sórdido e a degradação, jamais esquecendo de
compor uma derrisão satírica de sua origem social. Afinal, lidam com os
cacarecos-detritos que podem recuperar a poesia do dia-a-dia.
Body Art, apesar do termo surgir apenas algum tempo depois da
“fundação” do Fluxus, é o tipo de atitude que se pode, desde sempre,
listar obliquamente para algumas Aktionen de Beuys, por exemplo. No
geral, o conjunto de suas obras somado à pessoa-artista, se é que houve
divergências entre as duas noções, foi definido pelo próprio artista como
Lebende Skulptur (escultura viva). Ora, quais são as diferenças reais
entre estes termos, senão os modos de inserção e atuação dos corpos,
das vidas dos artistas nas ações públicas? Body art diz respeito às
performances concentradas nos corpos dos artistas, ou seja, por
extensão, dos seres humanos em geral. Em todo o caso é o processo do
seu fazer e a presença do artista o que importa e não o produto final –
estas artes são aprendizados e entendimentos.
Todas essas iniciativas, de um modo ou de outro, trabalham na
direção da reconstrução do pensamento eurocêntrico como modelo de
existência ou da fundação de uma arte de matizes especialmente
125
americanos. Porém, todas serão, querendo ou não, maneiras de fazer
arte que visam às transformações sociais. O corpo e todas as incertezas
que dele advêm foram erradicados dos modos de conhecimento do
mundo. Mas foi justamente após o grande espetáculo sangrento dos anos
40 que o seu cadáver encontrou reanimação mais drástica, como o
importante contêiner sensitivo que já fora um dia. E este é um dos pontos
simultaneamente de convergência e divergência entre as artes produzidas
nos anos 60 nos dois continentes.
5.4 Heraclito, bataille e zen-budismo
A tática “artística” do Fluxus incluía um pouco de tudo: objetos
baratos ou caros, atitudes cênicas que iam do reino público ao da
intimidade doméstica. Contudo, o maior valor em exibição era o da
liberdade de ação poética. Mas, como proceder, se até o conceito de
liberdade era, é ainda, embaraçante, e se a liberdade artística tornara-se
igualmente um problema de comunicabilidade? Deslocando-se uma
declaração de Giulio Carlo Argan8 que, lamentavelmente, não estendeu
suas análises ao momento que tratamos, é possível definir assim a atitude
então recém-nascida:
Não é uma livre escolha; é a condição em que vem a se encontrar a
arte, que fora colocada como forma por toda uma tradição cultural, numa sociedade que desvaloriza a forma e já não reconhece a linguagem como o modo essencial da comunicação entre os homens. A arte já não mais pode ser discurso, relação. Não mais se enquadra numa estética, isto é, numa filosofia; o próprio conceito de poética (de poiéin, “fazer”), prevalecendo sobre o de teoria, indica que a única justificativa da arte é, agora, uma intencionalidade prática. Para além da linguagem, que sempre reflete uma concepção de mundo e implica a idéia de relação, não há senão a singularidade, a irrelatividade, a inexplicabilidade, mas também a incontestável realidade da existência.9
Com tamanha disponibilidade, o grupo restará para sempre à mercê
de vir catalogado encaixado entre o último movimento significativo do
modernismo e uma postura manancial do pós-modernismo. Ora, já foi
sugerido que o mais importante que se pode tirar do acontecimento
8 ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. p. 537-538. 9 Idem.
126
Fluxus é o fato de não se saber exatamente do que se tratou. Por isto,
nada ou qualquer coisa que se escreva ou se pronuncie sobre aqueles
eventos remotos poderia satisfazer a coleção de referências retroativas ou
pós-ativas que tente aprisioná-los. É difícil encontrar um único caminho
passível de recolher os muitos atalhos tomados pelo grupo, por conta,
mesmo, de sua natureza: uma vitória de caráter vanguardista, já
dissemos.
Alguns escassos produtos restantes lembram ainda hoje as
ocorrências públicas e permitem visualizar, ao menos parcialmente, as
particularidades das ações do grupo. Porém, nada a que se tenha acesso
hoje poderia recuperar a energia dos eventos ao vivo. Infinitamente
menos coquete que o dadá, o Fluxus exige uma especial atenção para as
realizações de suas figuras excessivas – Paik, Beuys, Cage ou Morris.
Ainda assim, as formas de acontecer-no-mundo do grupo, mesmo para a
audiência que as presenciaram, jamais foram suficientemente nítidas.
Ora, as coisas sempre foram difíceis de definir: algumas “obras de arte”
do Fluxus sustentaram um substancial volume e nenhuma massa
significativa – veja-se, por exemplo, a Coluna de Morris.
Mas, o que ainda guardava, na Europa, naquela ocasião, algo
próximo de uma “forma definida”? Quando tudo o mais parecia
inapreensível por aquelas bandas, “deformado”, em todas as acepçôes da
palavra, nos EUA, que saíra fisicamente intacto do grande conflito,
coincidência ou não, a Minimal Art pôde concretizar seus elementos
“formais” claros, enfáticos. E mesmo seus happenings foram mais
“formalistas”, por assim dizer, que na Europa –, ao menos não eram tão
carregados de símbolos.
Os happenings do Fluxus eram permissivos, contavam
especialmente com a espontaneidade de não-atores, não-artistas,
consistindo em manifestações não-verbais por excelência, não-
seqüenciais, por definição, e multifacetadas por conseqüência e condição:
tratava-se de um fluxo contínuo envolvendo todas as existências no
mundo, matéricas ou não. Isto é, abarcava o que somos e o que não-
somos; o que não fomos e o que ainda podemos ser. Utilizando-se dos
127
vários modos de se desviar a atenção, o comando central rezava o mundo
como fragmentação irreversível – este, sim, era a “forma” do “todo”.
Ora, a iniciativa não fora batizada de Fluxus à toa. O pensamento
que rege esta noção deriva de Heráclito de Éfeso. Para ele, o Todo é a
unidade de tensões opostas que administra todos os planos da realidade.
É uma constante transformação do mesmo, pois os contrários pertencem
a um só movimento perpétuo universal lógico e, portanto, só o Logos
pode distinguir a simultaneidade do múltiplo e a unidade fundamental
como harmonia oculta. Este eterno devir, a fugacidade dos momentos,
deve ser entendido e vivido como aquilo que é e nada mais. De fato, o
grupo mostrava um trabalho descompromissado – deixando que a
instabilidade e a efemeridade das coisas tomassem conta das sessões.
As coisas não se diferenciam – todas têm a mesma origem, destino e
valor – são iguais no turbilhão do Fluxus universal. Arte ou vida: são
contrárias ou idênticas? Tudo é tão somente um inexorável Fluxus
contínuo.
Ora, sendo assim, qual a “forma” da vida? Relembremos as
orientações de Bataille levadas adiante por Rosalind Krauss e Yve-Alain
Bois acerca do informe.10 Para o pensador, “informe” é termo pejorativo,
uma palavra destinada a classificar autoritariamente as coisas, exigindo
que tudo tenha “a sua forma”, que o universo seja Forma. Caso contrário,
as coisas assim não definíveis estão para sempre condenadas a uma
participação apenas gauche, marginal, no mundo: toscas, grosseiras,
rudes. Ou, pior, são matérias disformes – monstruosas, descomunais,
desmedidas. Tornar algo “formal” significa adequar-se à rotina, às
instituições oficiais, sem discussões. Ora, quem confere a “Forma” somos
nós, pois a vida em si é informe. Procurá-la no Fluxus é exercitar o
raciocínio o tempo todo. Desejá-la é participar do desejo de desinformar –
trocar a fôrma pela forma – desejar construí-la permanentemente.
O desejo de “antiforma”, tão procurada por Morris, fora inspirado nos
rituais pictóricos pollockianos nos quais a obra resulta de um processo
que envolve uma ação não-premeditada (respingar, derramar ou derrubar)
10 KRAUSS, Rosalind et BOIS, Yve-Alain . L’Informe.
128
e um material não rígido (tinta fluída ou feltro maleável) como numa
performance. Tal tipo de trabalho não tem forma fixa, mas uma série de
instâncias. Para Morris, o objetivo era deslocar-se “para além dos
objetos”; nesse processo, o artista recapitulava algo dos eventos do
Fluxus baseados na execução de uma tarefa e da estética do acaso de
Cage. A mais conhecida realização de sua autoria data de 1967-68 – Sem
título (Emaranhado) – e tornou-se o emblema dessa postura.11 Também
Beuys não desejou outra coisa senão isto: como os homens, a cera, o mel
e o feltro são materiais que existem eternamente para a busca das
formas.
As coisas não acontecem tão isoladas como parecem numa primeira
visada. A filosofia zen-budista, adotada por alguns artistas da época,
defende a prática de uma contemplação desprovida do senso estático ou
passivo que caracteriza essa noção no Ocidente. Para tal orientação,
nada distingue as coisas individualmente: estas só existem em relação a
outras. Semelhante relativismo – no fundo, trata-se de um “vácuo” entre
as coisas –, diz que nada é real o suficiente para ser sistematizado. O
mundo é como é: uma não-consciência na qual os pensamentos não
deixam rastros. Sem dúvida, as áreas em branco dos desenhos de Beuys
e os longos silêncios das “músicas” de Cage prescrevem uma espécie de
valor zen-budista.
O zen-budismo proíbe o uso de sistemas transcedentais ou
exercícios espirituais. Não se aprende com a experiência ou a prática, e
sim por insights imediatos. Os adeptos são treinados para esvaziar a
mente de todas e quaisquer definições prévias. Não devem responder às
questões com palavras ou ações simbólicas – não representam, afinal:
não comentam os acontecimentos, apenas observam. As respostas
emanam de um nonsense – a mente deve responder aos impulsos com
algo instantâneo, sem pensar ou interpretar, e principalmente, sem
ajuizar. As imagens artísticas não devem representar – tudo é o que é. Na
seqüência deste entendimento, dispensamos o óbvio resgate do ponto de
vista dadaísta ou surrealista.
11 BATCHELOR , David. Minimalismo. p. 40.
129
5.5 A matéria é a mensagem Environments, happenings, performances e seus correlatos visam,
assim, tratar o corpo humano como matéria de arte e, dentro disto, então,
podem subdividir-se em outras tantas nuances: o corpo em si mesmo
apresentado por um artista cujas sensações passam ao espectador, dono
que é de um outro corpo sensível e capaz, portanto, de avaliar os
acontecimentos sofridos pelo artista; ou o corpo perceptivo do espectador
chamado a participar de sensações espaciais – as futuras instalações –
preparadas num environment. A performance, talvez o mais primevo
desses empreendimentos, reúne os conceitos de ser humano, de arte, de
objeto e de artista. Já vimos a maioria dessas questões, mas, e o artista,
como fica nisto tudo? Vejamos, novamente, com Argan:12
O artista existe, e existe porque faz: não diz o que deve ou quer
fazer no e para o mundo, cabe ao mundo dar um sentido ao que faz. Em verdade, a única coisa que pode fazer é justamente, a existência: certo ou errado, supõe realizar na arte um tipo de existência “autêntica” negado à média social.
Após alguns anos de prática, as apresentações dos trabalhos
experimentais ao vivo tornaram-se translações de conceitos que
exageraram suas qualidades e intenções. O resultado destes avanços
freqüentemente beiraram abstrações que só faziam confundir mais e mais
as muitas definições. O artista do Fluxus era instado a criar uma
impressão overall – visual, auditiva, etc..., ou seja, promover assemblages
artístico–sensoriais, utilizando-se de objetos, narrativas, músicas, ballet,
poesias, o que fosse necessário para tornar sensível esta ou aquela
compreensão. Ou a confusão originária? Assim, o observador,
hiperestimulado, seria capaz de alcançar um insight particular sobre a
experiência demonstrada pelo performer. Abduzindo o público, “arte &
homem” poderiam ser avaliados simultaneamente por todos – quais as
suas funções no mundo? A fórmula pretende-se acessível: materializando
12 ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. p. 538.
130
um “conceito” de arte assim como a prática dessas teorias, a obra poética
– a poiesis – estaria amplamente desvelada.
De maneira geral o que estava acontecendo, tanto na Europa quanto
nos EUA, talvez fosse uma efetiva reabilitação do corpo perceptivo – a
pergunta genérica pousava sobre os motivos que animavam
simultaneamente as posturas de um lado e de outro do Atlântico. E mais:
qual a diferença, a esta altura dos acontecimentos, entre os estímulos
políticos, existenciais ou artísticos? Figuras expoentes como Joseph
Beuys ou Nam Paik vão pôr à prova tais pseudofronteiras. Estas são
obras que foram concebidas na mesma ordem espaço-temporal de
nossas vidas, de nossos corpos. Decerto que o pensador que comandava
a intuição estética destes tempos era Merleau-Ponty. Suas considerações
críticas acerca das leituras correntes sobre a fruição da obra de arte
condicionada a visões pré-situadas estavam sendo demonstradas em
atos.
Embora iconoclastas, os artistas do Fluxus dissimulavam metas
infinitamente mais humanas que muitos outros produtos ditos
“humanistas”. O modus operandi do grupo exibiu uma estreita
proximidade poética com a Pop e com a Minimal, que, mal ou bem, se
afeiçoaram à vida terrena. Consistiam, afinal, em atos extremos de
autopiedade ou de autoconsciência? A já citada Coluna de Morris não
retém qualquer conteúdo – era apenas um dispositivo que solicitava mais
e mais para ver, sentir e pensar. A consciência de cada indivíduo
estrutura cada experiência diferentemente de qualquer outro.
O Fluxus e mesmo as inserções extraordinárias de Morris nos EUA
avançavam na direção do entendimento de que quanto menos
estruturada fosse a ocasião teatral, mais se assemelharia com a
desestruturação do dia-a-dia e maior seria o estímulo da faculdade de
(re)estruturação de cada indivíduo da platéia. Pela aridez estética, ao
contrário do mormente suposto, sempre teríamos muito para ver e sentir.
A esta altura dos acontecimentos, a Minimal corria atrás do mote “menos
é mais”, Beuys ordenava simultanemente o retorno aos mitos e símbolos
e as conexões entre os vários meios artísticos.
131
Ora, ao privilegiar o entendimento das energias poéticas em
detrimento dos resultados estéticos – “produtos de arte” –, ou mesmo
deixando apenas uma meia dúzia de produtos “inestéticos” como
vestígios históricos, o que estava sendo enviado pelo Fluxus como
“mensagem” deve-se aos seus meios pervarsivos – a exibição do “meio”
de produção da vida, de seus “meios” operacionais. Assim procedendo,
nada disto consistia numa novidade se considerarmos que a teoria em
moda e suas aplicações dirigiam-se a um processo de retribalização. O
profeta era o canadense Marshall McLuhan: o meio é a mensagem.
5.6 EUA x URSS Politicamente mais fraco (ou independente?) que os dadás originais,
o Fluxus ganhou força, et pour cause, na década de maior euforia
sociopolítica dos EUA de Kennedy e da Alemanha pós-Adenauer. Os
happenings estavam in, vivia-se o alvoroço e a força moral de uma
autêntica rebelião. Não chegaram a contaminar amplamente o processo
cultural público, assim como o dadá original também não o fizera. Muito
embora o momento fosse propício: a Pop Art e a Minimal foram
excelentes nessa área. Luzes, sons, movimentos, atividades artísticas em
seqüências feéricas caracterizam o ritmo dos acontecimentos nova-
iorquinos. Deste lado do Atlântico, os eventos mostraram-se mais
burlescos, farsantes, circenses: preparam a hegemonia de uma cultura
vernácula, dos comics e dos graffiti das décadas seguintes.
Ou seja, os happenings, Pollock, Kaprow ou Fluxus consistiam, se
muito, numa anarquia cultural light aos olhos mormente pervertidos dos
governos envolvidos na temerosa Guerra Fria. De fato, por mais que nos
esforcemos, não logramos entrever grandes laços políticos com os
movimentos de “esquerda” da época, não obstante os patrulhamentos de
Maciunas, que desejava evitar a todo custo a infiltração da “alta cultura”
no seu front artístico. Para o eixo teuto-americano, os anos 50/60 só
foram “apolíticos”, “não-ideológicos”, hoje sabemos, para os olhos
ingênuos: ou seja, para a maioria da população. Os grandes produtores
das catástrofes do século XX, estavam agora “quietos”, cada qual em seu
canto, de “castigo”. Ora, isto era, ou não, uma ideologia – uma “cultura
132
administrada”? Exemplo contrário encontramos na França bombardeada,
na mesma época, pelo existencialismo de Sartre ou na Inglaterra, com
sua então nascente Pop Art de essência política.
A comunhão democrática entre sensações e mídias promovida pelo
Fluxus foi confundida eventualmente com uma adesão aos princípios
socialistas que versavam, grosso modo, sobre temas “delicadíssimos”
como quebra de fronteiras ou diferenças de classes. Ora, apesar das
teorias, lembremos que os EUA alimentava a ilusão de uma existência
permeada por uma “igualdade de classes”, enquanto a Europa lutava
corpo-a-corpo, por assim dizer, com os avanços soviéticos por centímetro
de terreno sem, no entanto, qualquer intenção de épater les bourgeois.
Afinal, os burgueses, ao menos neste assunto, estavam do mesmo lado
do muro que a maioria dos artistas europeus, ainda que os motivos
fossem de outra ordem.
Além do mais, quem ainda se surpreendia com tais propostas? Suas
formas há muito tinham sido digeridas, e a Arte, legitimada pela máquina
cultural, pertencia, agora, à área administrativa governamental. Mais um
truque político? Certamente. Fato é que tanto a Alemanha quanto os EUA
mostraram uma recuperação domesticada do modernismo: como poderia
ser diferente na época do consumo cultural de massa e do vanguardismo
institucionalizado? Todo e qualquer “ataque” artístico deveria apresentar
um low-profil, uma postura inofensiva com aparência de uma rebelião
estética. Lucidez ou fraqueza política?
De fato, a brutalidade política instalada pós-Nagasaki não deixara
muito espaço para as intervenções estéticas. O que poderia distrair o
medo constante instalado pela ameaça full time de uma guerra nuclear –
ou seja, por uma destruição geral e definitiva? Sob a ameaça de uma
guerra nuclear, somos todos idênticos na mesma desventura – tudo é
equivalente e com igual valor. Estamos no mesmo barco – o fim que se
armava no horizonte seria um espetacular all-over. Contra este
pessimismo receitava-se, dentre outras iniciativas, um ânimo renovador,
prescrevendo a repetição, a serialidade e, enfim, as estratégias da Pop
que mostraram largamente que tudo merece a nossa atenção. È o tal do
aqui & agora.
133
O que reside, então, como questão é se o Fluxus, assim como o
dadaísmo, que trabalhou com a dialética sensível do acaso e das
indeterminações – da incidência repentina do não-intencional –,
equiparou-se às outras tantas fontes de medo generalizado propiciada
pela tal potencial batalha final. Muito interessante mas não seria, sem
dúvida, uma leitura oblíqua visando justificar o motivo das parcas
presenças populares às apresentações inegavelmente generosas do
grupo.13 Ora, o medo do objeto, da aventura estética, é o medo de si
mesmo!
Mesmo a capa zen-budista incorporada por alguns de seus
integrantes não logrou mantê-los fora de tal tramóia política que,
pensando bem, se não os aliciava, desfrutava largamente de suas
inofensivas desordens poéticas, que conferiam uma conveniente
atmosfera democrática ao ambiente. Para aquelas estratégias políticas,
esses performers não passaram de curiosos naïfs, divertidos bobos da
corte.
5.7 Multi, inter, mix e mass midia A recusa dos novíssimos meios tecnológicos advindos do acelerado
hiperdesenvolvimento industrial convocado pela guerra pouco durara. Os
céleres avanços da área tiveram então de ser computados e tratados com
as devidas ironias e possibilidades, Nam Paik que o diga. Tratava-se,
afinal, de um purismo tolo, afinal: o triunfo das novas mídias estava
praticamente declarado àquela altura da existência. Ora, a rejeição fazia
parte de uma rigidez cultural e estúpida a tal ponto que imaginava-se
possível conter os crescimentos comunicacionais com posturas
antiquadas, privilegiando o contato físico entre aldeões. Não passava de
um incesto intelectual que gerava monstros em profusão, como num
exquise surrealista ou como um projeto genocida.
Multimídia não é, no entanto, o termo correto para as ampliações
promovidas pelo Fluxus. Um de seus integrantes cunhou o termo
“intermídia” para designar os tipos de arte que ocupavam as áreas até
13 HONNEF, Klaus. Arte do século XX. pp. 138-139.
134
então “vazias” entre elas. O problema, então, não residia tão somente no
isolamento das artes, mas, sobretudo, no vácuo existente entre elas. A
“intermídia” procedia por subtrações e reduções.
E, atenção: nada disto era constante de qualquer programa próximo
às premissas inclusivas do Gesamtkunstwerk (obra de arte total), aos
moldes de Wagner ou mesmo da Bauhaus. O que movia a vontade do
grupo era a “reunião” e não a “dissolução” das artes em uma só definição
– movimento que a tornaria apenas mais uma tendência dentre outras
tantas do início do século. Tratava-se de um “mixmídia” que visava
provocar uma sinestesia, um conjunto de sensações voláteis e informes,
como tudo o mais na vida. Decerto que tais sinfonias artísticas
concordavam com os pensamentos de “vacuidade” zen-budista, com o
combate pelo “informal” promovido por Bataille e com o “Fluxus universal”
de Heráclito.
O artista mais afeiçoado às questôes tecnológicas ligado ao Fluxus é
o coreano Nam June Paik que circulou nos ambientes acadêmicos de
Stockhausen. Um dos primeiros participantes da aposta, o artista
consolidou fortes relações com John Cage, antes mesmo da
“oficialização" do grupo. Paik cedo apontou um, talvez, o maior problema
a ser enfrentado pelas gerações posteriores – a convivência
necessariamente pacífica com o crescente high-tech de um vigésimo fin-
de-siècle.
Resta claro que Paik jamais compartilhou do receio marxista de
Adorno sobre um possível controle remoto dos discernimentos políticos,
das facções mais conservadoras. Mas, ao contrário, o artista tinha como
meta algo bem próximo ao que McLuhan havia, de certo modo, proposto:
procurar entender a mídia, o seu poder, a explorar suas possibilidades
estéticas: conviver, afinal, com um fator inevitável. A crítica, se é que Paik
algum dia teve tal interesse, correu endereçada à sociedade de consumo,
sem jamais abandonar as possibilidades poéticas ou estéticas de seus
instrumentos: é a TV que formata o seu trabalho e não o que se passa na
tela.
Tratava-se, logo no início de suas participações-Fluxus, de
vídeoesculturas – empilhados, os aparelhos decidiam uma área
135
tridimensional cuja superfície coberta por écrans aviam movimentos de
caráter cibernéticos – veja-se, por exemplo, as obras intituladas Moon is
the oldest TV e Zen for TV, ambas de 1963. Somente mais tarde – em
1965 – Paik aviará a integração dessas esculturas ao Video-Art
simultaneamente.
Porém, se vamos começar a falar em difusões imagéticas, em
mídias, massificadas ou explicitadas, deixemos que as obras de Beuys e
Warhol recitem por nós as suas fórmulas. Estes são os artistas que
ditarão a conduta ética necessária para o entendimento contemporâneo e,
por que não dizer, para a sobrevivência contemporânea.