55111543 BOCAGE Poemas

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BOCAGE, O DESBOCADO; BOCAGE, O DESBANCADOseleo, introduo e notas de

GLAUCO MATTOSO

INTRODUO A fama do portugus Manuel Maria Barbosadu Bocage (1765-1805) no se divide apenas em "boa" e "m", isto , entre a

modelar poesia arcdica ou romntica e a malexemplar poesia fescenina: esta mesma motivo de controvrsia, a partir do ponto em que foi renegada pelo prprio autor. No vou aqui esmiuar fatos e verses de fontes e perverses. Limito-me a resgatar, para o stio potico da POP BOX, a parcela expurgada da produo bocagiana, tal como fiz com as "obras livres" de Laurindo Rabelo, sucessor de Bocage no Brasil. Ao selecionar e anotar os sonetos erticos do lusitano, no pude, sem embargo, manter-me indiferente a uma hiptese apcrifa que vem incomodando alguns bigrafos e historiadores. Que Bocage era genial no cabe dvida, como no se desmente a vida devassa que d respaldo a seus versos. O que intriga o pesquisador a tendncia a atribuir ao maldito obras que ele mesmo admitia serem de outrem, mas que editores e leitores "preferiam" que fossem dele, seja por admirao ou difamao. Hoje no d para propor revisionismos no que j se tornou lendrio. Resta simplesmente registrar algumas autorias, que, se fossem cabalmente restabelecidas, dariam a entender que pelo menos o sonetrio pornogrfico pertenceria a nomes menos conhecidos, seno obscuros.

Citam-se entre os indcios o fato de que osoneto VI teria sido repudiado por Bocage, sob alegao do tipo "se fosse meu, o verso 8 ficaria assim ou assado" (nota 3); ou o fato de que o soneto XXXII, que j parece requentado em comparao com um annimo do sculo anterior (nota 14), figura em certas antologias como assinado pelo Abade de Jazente (vulgo de Paulino Antnio Cabral de Vasconcellos). Mas a mim parece mais interessante verificar que grande parte dos sonetos mais sexualmente descritivos e desreprimidos foi achada num caderno onde, segundo algumas fontes, constava o nome de Pedro Jos Constncio, cuja biografia ainda no figura nas enciclopdias e compndios literrios. Alm do que vai referido na nota 16, vale acrescentar alguma parca informao sobre esse meu xar de cuja obra Bocage teria se "apropriado".

Irmo

dum prestigiado escritor (Francisco Solano Constncio, autor, entre diversos tratados, duma HISTRIA DO BRASIL), o Pedro que tambm foi Podre morreu, sem completar seus quarenta, antes de 1820 e viveu marginalmente, entre a putaria e a loucura. Ou, como se cita, "Enfermidades

geradas pelos excessos venreos a que se dava, sem escolha nem reserva, o levaram a um estado valetudinrio, atrofiando-lhe as faculdades, e tornando-o incapaz de toda a aplicao." Filho dum cirurgio da corte de D. Maria I, chegou a bacharelar-se em cnones pela Universidade de Coimbra, mas s se tem notcia de seu convvio com os poetas contemporneos (entre os quais Bocage e Jos Agostinho) justamente porque estes costumavam interceder em seu favor quando era perseguido e punido pelo comportamento anti-social, ou seja, quando era preso por se exibir pelado em pblico ou por escrever poemas como o soneto XLVIII, que, segundo denncia ao intendente da polcia, era "licencioso" e alusivo "fornicao dos ces dentro das igrejas". Entre os poucos poemas de Constncio que apareceram impressos est o soneto que reproduzo na nota 16, o qual foi (1812) includo "por engano" pelo editor das obras de Bocage e excludo (1820) na reedio.

Fundamentada ou no, a polmica sobre ossonetos bocagianos ou constancianos permanece secundria diante do propsito desta seleta, que introduzir na rede virtual outra pequena parcela do inesgotvel "veio

subterrneo" (como dizia Jos Paulo Paes) da poesia verncula: a fescenina. Assim pago meu tributo queles que me foram antecessores no gnero que escolhi e que levo avante no livro O GLOSADOR MOTEJOSO, no qual pino alguns dos versos abaixo como motes para as glosas que compus no "martelo agalopado", ou seja, o decasslabo herico iniciado por p anapstico ao invs de jmbico.

Quase

todos os sonetos infra transcritos foram tirados duma edio paulistana (1969), dentre as inmeras cpias que circulam, mais ou menos clandestinamente, do livro POESIAS ERTICAS, BURLESCAS E SATRICAS, ao qual me reporto nos pontos assinalados pela expresso "nota da fonte".

So Paulo, janeiro de 2002 GLAUCO MATTOSO

I

(1)

[SONETO NAPOLENICO]

Tendo o terrvel Bonaparte vista, Novo Anbal, que esfalfa a voz da Fama, " capados heris!" (aos seus exclama Purpreo fanfarro, papal sacrista): "O progresso estorvai da atroz conquista Que da filosofia o mal derrama?..." Disse, e em frvido tom sada, e chama,

Santos surdos, vares por sacra lista: Deles em vo rogando um pio arrojo, Convulso o corpo, as faces amarelas, Cede triste vitria, que faz nojo! O rpido francs vai-lhe s canelas; D, fere, mata: ficam-lhe em despojo Relquias, bulas, merdas, bagatelas.(1) Este soneto foi escrito na ocasio em que o exrcito francs comandado por Bonaparte invadira os estados eclesisticos (1797), chegando quase s portas de Roma, e ameaando o solo pontifcio. O verso nono: "Delas em vo rogando um pio arrojo," envolve uma espcie de equvoco, ou como hoje se diria um calemburgo [ou trocadilho]; porque Pio VI era o papa, que ento presidia na "universal igreja de Deus". O penltimo verso l-se em algumas cpias do modo seguinte: "Zumba, catumba; ficam-lhe em despojo". [nota da fonte]

II [SONETO DO EPITFIO]L quando em mim perder a humanidade Mais um daqueles, que no fazem falta, Verbi-gratia o telogo, o peralta, Algum duque, ou marqus, ou conde, ou frade:

No quero funeral comunidade, Que engrole "sub-venites" em voz alta; Pingados gatarres, gente de malta, Eu tambm vos dispenso a caridade: Mas quando ferrugenta enxada idosa Sepulcro me cavar em ermo outeiro, Lavre-me este epitfio mo piedosa: "Aqui dorme Bocage, o putanheiro; Passou vida folgada, e milagrosa; Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro".

III

[SONETO MONSTRUOSO]

DO

MEMBRO

Esse disforme, e rgido porraz Do semblante me faz perder a cor: E assombrado d'espanto, e de terror Dar mais de cinco passos para trs: A espada do membrudo Ferrabrs De certo no metia mais horror: Esse membro capaz at de pr A amotinada Europa toda em paz.

Creio que nas fodais recreaes No te ho de a rija mquina sofrer Os mais corridos, srdidos caes: De Vnus no desfrutas o prazer: Que esse monstro, que alojas nos cales, porra de mostrar, no de foder.

IV [SONETO (DES)PEJADO]Num capote embrulhado, ao p de Armia, Que tinha perto a me o ch fazendo, Na linda mo lhe foi (oh cus) metendo O meu caralho, que de amor fervia: Entre o susto, entre o pejo a moa ardia; E eu solapado os beijos remordendo, Pela fisga da saia a mo crescendo A chamada sacana lhe fazia: Entra a vir-se a menina... Ah! que vergonha!

"Que tens?" lhe diz a me sobressaltada: No pode ela encobrir na mo langonha: Sufocada ficou, a me corada: Finda a partida, e mais do que medonha A noite comeou da bofetada.

V [SONETO AO RCADE FRANA]No canto de um venal salo de dana, Ao som de uma rebeca desgrudada, Olhos em alvo, a porra arrebitada, Bocage, o folgazo, rostia o Frana.(2)

Este, com mogigangas de criana, Com a mo pelos ovos encrespada, Brandia sobre a roxa fronte alada Do assanhado porraz, que quer lambana. Veterana se faz a mo bisonha; Tanto a tempo meneia, e sua o bicho,

Que em Bocage o teso vence a vergonha: Quis vir-me por luxria, ou por capricho; Mas em vez de acudir-lhe alva langonha Rebenta-lhe do cu merdoso esguicho.(2) "Bocage, o folgazo, rostia o Frana." Se o soneto foi escrito, como parece, pouco antes das contendas com os rcades, isto , entre os anos de 1791 e 1793, o Frana, nascido em 1725, devia ento contar os seus 67 de idade! -- "Rostir" verbo neutro, que em sentido figurado significa "mastigar". Fazemos aqui esta observao, porque j notamos que algum entrou em dvida acerca da verdadeira inteligncia do vocbulo. [nota da fonte] [nota de GM] Reparo como os crticos ficam cheios de dedos, relutantes em admitir qualquer conotao homossexual na poesia de Bocage, ainda que o poeta, em sonetos como o XV e o xx, no escondesse que um cu masculino lhe era apetecvel. Neste caso, o sentido de "rostir", alm de surrar, esbofetear, roar, esfregar-se em, bolinar ou mesmo desonrar moralmente, pode muito bem aludir ao sexo oral ou anal, pouco importando se o tal Frana fosse o rcade ou outro mais jovem, j que o objetivo expor o satirizado ao ridculo.

VI

(3)

[SONETO

DE

TODAS

AS

PUTAS] No lamentes, oh Nise, o teu estado; Puta tem sido muita gente boa; Putssimas fidalgas tem Lisboa,

Milhes de vezes putas tm reinado: Dido foi puta, e puta d'um soldado; Clepatra por puta alcana a c'roa; Tu, Lucrcia, com toda a tua proa, O teu cono no passa por honrado: Essa da Rssia imperatriz famosa, Que inda h pouco morreu (diz a Gazeta) Entre mil porras expirou vaidosa: Todas no mundo do a sua greta: No fiques pois, oh Nise, duvidosa Que isso de virgo e honra tudo peta.(3) Variante sugerida pelo prprio Bocage para o verso oitavo: "No passa o cono teu por cono honrado". [nota de GM] Este soneto suscitou dvidas sobre a autoria (que alguns atribuem a Joo Vicente Pimentel Maldonado) e inspirou vrias pardias, entre as quais esta:

[SONETO DE TODOS OS CORNOS] [Jos Anselmo Correa Henriques] No lamentes, Alcino, o teu estado, Corno tem sido muita gente boa; Cornssimos fidalgos tem Lisboa, Milhes de vezes cornos tm reinado.

Siqueu foi corno, e corno de um soldado: Marco Antonio por corno perdeu a c'roa; Anfitrio com toda a sua proa Na Fbula no passa por honrado; Um rei Fernando foi cabro famoso (Segundo a antiga letra da gazeta) E entre mil cornos expirou vaidoso; Tudo no mundo sujeito greta: No fiques mais, Alcino, duvidoso Que isto de ser corno tudo peta.

VII

[SONETO ESCANDALOSO](4)

DO

VELHO

Tu, oh demente velho descarado, Escndalo do sexo masculino, Que por alta justia do Destino Tens o impotente membro decepado: Tu, que, em torpe furor incendiado Sofres d'mpia paixo ardor maligno, E a consorte gentil, de que s indigno,

Entregas a infrutfero castrado: Tu, que tendo bebido o mstruo imundo, Esse amor indiscreto te no gasta D'mpia mulher o orgulho furibundo; Em castigo do vcio, que te arrasta, Saiba a nclita Lsia, e todo o mundo Que s vil por gnio, que s cabro, e basta.(4) Nas "Poesias satricas inditas de M. M. B. du Bocage, coligidas pelo professor A. M. do Couto" (Lisboa 1840), vem este soneto pgina 28, e tem a o seguinte ttulo: -- "A um msico velho chamado L. F." -No alcanamos alguma outra indicao, nem mesmo vimos outras cpias deste soneto, com as quais pudssemos conferi-lo. [nota da fonte]

VIII

(5)

[SONETO DA CAGADA]

Vai cagar o mestio e no vai s; Convida a algum, que esteja no Gar, E com as longas calas na mo j Pede ao cafre canudo e tambi: Destapa o banco, atira o seu fusc, Depois que ao liso cu assento d, Diz ao outro: "Oh amigo, como est A Rita? O que feito da Nhonh?"

"Vieste do Palmar? Foste a Pangin? No me dars notcias da Russu, Que desde o outro dia inda a no vi?" Assim prossegue, e farto j de gu, O branco, e respeitvel canarim Deita fora o cachimbo, e lava o cu.(5) Diz-se que este soneto fora escrito em Goa e dirigido a D. Francisco de Almeida, fidalgo de raa mestia cuja ndole e costumes o poeta quis assim escarnecer. Derramou por todo ele vocbulos da lngua canarina, cuja explicao debalde se procurar nos dicionrios. Em edies anteriores diz-se que "tambi" quer dizer "tabaco"; "fusc", "peido"; "gu", "trampa", etc. Valha a verdade! [nota da fonte]

IX

[SONETO ANSIOSA]

DA

DONZELA

Arreitada donzela em fofo leito, Deixando erguer a virginal camisa, Sobre as rolias coxas se divisa Entre sombras sutis pachacho estreito: De louro plo um crculo imperfeito Os papudos beicinhos lhe matiza; E a branca crica, nacarada e lisa, Em pingos verte alvo licor desfeito: A voraz porra encrespando as guelras

Arruma a focinheira, e gemidos A moa treme, os requebrados:

entre olhos

Como inda boal, perde os sentidos: Porm vai com tal nsia trabalhando, Que os homens que vm a ser fodidos.

X

[SONETO ESCANDALOSA]

DA

ESCULTURA

Esquentado friso, brutal masmarro Girava em Santarm na pobre feira; Eis que divisa ao longe em couva ceira Seus bons irmos serficos de barro: O bruto, que arremeda um boi de carro Na carranca feroz, parte carreira, Os sagrados bonecos escaqueira, E arranca de ufania um longo escarro:

N'alma o santo furor lhe arqueja, e berra; Mas vs enchei-vos de ntimo alvoroo, Povos, que do burel sofreis a guerra: Que dos bonzos de barro o vil destroo pressgio talvez de irem por terra Membrudos fradalhes de carne e osso!

XI

[SONETO ESCULPIDA]

DA

CPULA

Nesta, cuja memria esquece Fama, Feira, que de Santarm vem de ano em ano, Jazia co'uma freira um franciscano; Eram de barro os dois, de barro a cama: Co'a mo, que virgindade injrias trama, Pretendia o cabro ferrar-lhe o pano; Eis que um negro barrasco, um Frei Tutano

O espetculo v, que os rins lhe inflama: "Irra! Vens me atiar, gente danada! No basta a felpa dos buris opacos, Com que a carne rebelde anda ralada?" "Fora, vis tentaes, fora, velhacos!..." Disse, e ao rspido som de atroz patada O escandaloso par converte em cacos.

XII [SONETO DO PRAZER MAIOR]Amar dentro do peito uma donzela; Jurar-lhe pelos cus a f mais pura; Falar-lhe, conseguindo alta ventura, Depois da meia-noite na janela: Faz-la vir abaixo, e com cautela Sentir abrir a porta, que murmura; Entrar p ante p, e com ternura Apert-la nos braos casta e bela: Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,

E a boca, jucundo, Apalpar-lhe pimpolhos:

com de

prazer leve

o os

mais dois

V-la rendida enfim a Amor fecundo; Ditoso levantar-lhe os brancos folhos; este o maior gosto que h no mundo.

XIII

[SONETO DECIFRADO]

DO

PAU

pau, e rei dos paus, no marmeleiro, Bem que duas gamboas lhe lobrigo; D leite, sem ser rvore de figo, Da glande o fruto tem, sem ser sobreiro: Verga, e no quebra, como zambujeiro; Oco, qual sabugueiro tem o umbigo; Brando s vezes, qual vime, est consigo; Outras vezes mais rijo que um pinheiro:

roda da raiz produz carqueja: Todo o resto do tronco calvo e nu; Nem cedro, nem pau-santo mais negreja! Para carvalho ser falta-lhe um U;[carualho]

Adivinhem agora que pau seja, E quem adivinhar meta-o no cu.

XIV

[SONETO PECADOR]

DO

PREGADOR

Bojudo fradalho de larga venta, Abismo imundo de tabaco esturro, Doutor na asneira, na cincia burro, Com barba hirsuta, que no peito assenta: No plpito um domingo se apresenta; Prega nas grades espantoso murro; E acalmado do povo o gro sussurro O dique das asneiras arrebenta. Quatro putas mofavam de seus brados, No querendo que gritasse contra as modas [qu'rendo]

Um pecador dos mais desaforados: "No (diz uma) tu, padre, no me engodas: Sempre me h de lembrar por meus pecados A noite, em que me deste nove fodas!"

XV

(6)

[SONETO DO PADRE PATIFE]

Aquele semi-clrigo patife, Se eu no mundo fizera ainda apostas, Apostara contigo que nas costas O grande Pico tem de Tenerife: Clebre traste! justo que se rife; Eu tambm pronto estou, se disso gostas; No haja mais perguntas, nem respostas; Venha, antes que algum taful o bife: Parece hermafrodita o corcovado; Pela rachada parte (que apeteo) Parece que emprenhou, pois anda opado!

Mas desta errada opinio me deso; Pois que traz a criana no costado, Deve ter emprenhado pelo sesso.(6) O seguinte o ttulo deste soneto na coleo de Couto, j citada: "A um clrigo fulo, Deo de Angola, que aqui veio a requerimentos, e era corcovado naturalmente; corria o ano de 1800". [nota da fonte]

XVI

[SONETO POTENTE]

DO

CARALHO

Porri-potente heri, que uma cadeira Sustns na ponta do caralho teso, Pondo-lhe em riba mais por contrapeso A capa de baeto da alcoviteira: Teu casso como o ramo da palmeira, Que mais se eleva, quando tem mais peso; Se o no conservas aaimado e preso, capaz de foder Lisboa inteira! Que foras tens no hrrido marsapo, Que assentando a disforme cachamorra Deixa conos e cus feitos num trapo!

Quem ao ver-te o teso h no discorra Que tu no podes ser seno Priapo, Ou que tens um guindaste em vez de porra?

XVIIEFMERO]

[SONETO

DO

PRAZER

Dizem que o rei cruel do Averno imundo Tem entre as pernas caralhaz lanceta, Para meter do cu na aberta greta A quem no foder bem c neste mundo: Tremei, humanos, deste mal profundo, Deixai essas lies, sabida peta, Foda-se a salvo, coma-se a punheta: Este prazer da vida mais jucundo. Se pois guardar devemos castidade, Para que nos deu Deus porras leiteiras, Seno para foder com liberdade? Fodam-se, pois, casadas e solteiras,

E seja isto j; que curta a idade, E as horas do prazer voam ligeiras!(7)(7) "As horas do prazer voam ligeiras." foi mote dado, a que este soneto serviu de glosa, bem como o que adiante se transcreve sob nmero XXX. [nota da fonte]

XVIIILERENO]

(8)

[SONETO AO RCADE

Nojenta prole da rainha Ginga, Sabujo ladrador, cara de nico, Loquaz saguim, burlesco Teodorico, Osga torrada, estpido rezinga; E no te acuso de poeta pinga; Tens lido o mestre Incio, e o bom Supico; De ocas idias tens o casco rico, Mas teus versos tresandam a catinga: Se a tua musa nos outeiros campa, Se ao Miranda fizeste ode demente, E o mais, que ao mundo estlido se incampa: porque sendo, oh! Caldas, to somente

Um cafre, um gozo, um nscio, um parvo, um trampa, Queres meter nariz em cu de gente.(8) dirigido ao padre Domingos Caldas Barbosa (Lereno Selinuntino) ao tempo das contendas com os rcades. [nota da fonte] [nota de GM] A este e outros poemas, os atingidos pela stira se desforravam de Elmano (nome rcade de Bocage) com sonetos deste tipo:

[SONETO AO VIL INSETO] [annimo] Enquanto a rude plebe alvoroada Do rouco vate escuta a voz de mouro, Que do peito inflamado sai d'estouro Por estreito bocal desentoada: No cessa a cantilena acigarrada Do vil inseto, do mordaz besouro; Que larga se criou por entre o louro De que a sbia Minerva est c'roada: Enquanto o cego ateu, calvo da tinha, Com parolas confunde alguns basbaques, Salmeando a amatria ladainha:

Eu no me posso ter; cheio de achaques, Cansado de lhe ouvir "Bravo! Esta minha!" Cago sem me sentir, desando em traques. [OUTRO SONETO AO VIL INSETO] [J. Franco] H junto do Parnaso um turvo lago, Aonde em rs existem transformados Os trovistas de cascos esquentados, Crebro frouxo, ou de miolo vago: Por mais infmia sua, e mais estrago Doou-lhe Febo os nimos danados, P'ra que exprimam em versos desasados Os seus destinos vis, nos quais eu cago: Aqui Bocage, vive, e d'aqui ralha, E co'a tartrea lngua pontiaguda Bons e maus, maus e bons, tudo atassalha. vil inseto, e o gnio atroz no muda,

Bem como a escura cor no muda a gralha, E o hediondo fedor no perde a arruda. [SONETO AO PECADOR MORTO] [B. M. Curvo Semedo] Morreu Bocage, sepultou-se em Goa! Chorai, moas venais, chorai, pedantes, O insulso estragador das consoantes, Que tantos tempos aturdiu Lisboa! Por aventuras mil obteve a c'roa Que a fronte cinge dos heris andantes; Inda veio de climas to distantes toa vegetar, versar toa: Este que vs, com olhos macerados, No Bocage, no, rei dos brejeiros, So apenas seus olhos descarnados: Fugiu do cemitrio aos companheiros: Anda agora purgando seus pecados

Glosando outeiros.

aos

cagaais

pelos

[SONETO DO RETRATO FALADO] [annimo]

MAL-

Esqueleto animal, cara de fome, De Timo, e chapu holandesa, Olhos espantadios, boca acesa, D'onde o fumo, que sai, a todos some: Milagre do Parnaso em fama e nome, Em corpo galicado alma francesa, Com voz medonha, lngua portuguesa, Que aos bocados a honra e brio come: Toda a moa, que dele se confia, virgem no serralho do seu peito; Janela, que se fecha, putaria! Neste esboo o retrato tenho feito; Eis o grande e fatal Manoel Maria, Que at pintado perde o bom conceito.

XIX

(9)

[SONETO MANICO]

Turba esfaimada, multido canina, Corja, que tem por deus ou Momo, ou Baco, Reina, e decreta nos covis de Caco Ignorncia daqui, dali rapina: Colhe de alto sistema e lei divina Imaginrio jus, com que encha o saco; Textos gagueja em vo Doutor macaco Por ouro, que promete alma sovina: Crculo umbroso de venais pedantes, Com torpe astcia de maligna zorra Usurpa nome excelso, e graus flamantes: Ora mijei na scia, inda que eu morra Corno, arrocho, bambu nos elefantes, Cujo vulto de anes, a tromba porra!(9) A respeito da origem deste soneto, contou-se-nos que tendo Bocage sido iniciado em uma das lojas manicas, que naquela poca existiam em Lisboa (de que era Venervel Bento Pereira do Carmo, e Orador Jos

Joaquim Ferreira de Moura, ambos deputados s Cortes de 1821 e 1823, e bem conhecidos na histria poltica dos nossos tempos modernos) freqentara durante alguns meses aquela associao, assistindo s suas reunies, at que desavindo-se um dia com os Irmos por qualquer motivo que fosse, em um acesso de clera rompera extemporaneamente neste soneto, que rasgou depois de escrito; mas algum o tinha j copiado, alis suceder-lhe-ia o mesmo que a tantas outras produes do autor, irremediavelmente perdidas. Doutor macaco -- Jos Joaquim Ferreira de Moura tinha efetivamente uma fisionomia amacacada, e gaguejava algum tanto, segundo o testemunho dos seus contemporneos. [nota da fonte]

XX

(10)

[AUTO-RETRATO]

Magro, de olhos azuis, caro moreno, Bem servido de ps, meo na altura, Triste de facha, o mesmo de figura, Nariz alto no meio, e no pequeno: Incapaz de assistir num s terreno, Mais propenso ao furor do que ternura, Bebendo em nveas mos por taa escura De zelos infernais letal veneno: Devoto incensador de mil deidades, (Digo de moas mil) num s momento Inimigo de hipcritas, e frades: Eis Bocage, em quem luz algum talento:

Saram dele mesmo estas verdades Num dia, em que se achou cagando ao vento.(10) Este soneto, bem como os quatro seguintes, figuram com variantes na citada edio de Couto, segundo a fonte. Neste, h variante no verso 11, "E somente no altar amando os frades," e no verso 14, "Num dia em que se achou mais pachorrento.", segundo o fascculo da srie "Literatura comentada" (Abril Educao, 1980), assinado por Marisa Lajolo e Ricardo Maranho. [nota de GM]

XXI [SONETO DRAMTICO]Na cena em quadra trgicoinvernosa Zaida se impingiu (fradesco drama!) Apareceu depois, com sede fama, Tragdia mais igual, mais lastimosa: O autor pranteia em frase aparatosa Esfaqueado arrais, pimpo d'Alfama; Corno o protagonista, e puta a dama, O macho Simeo, e a mula Rosa: Espicha o rabo (eu tremo ao proferilo) Espicha o rabo ali o heri na rua, Qual Murato nos areais do Nilo!

Elmiro na tarefa contnua, J todos pela escolha, e pelo estilo Rosnam que a nova pea obra sua.

XXII [SONETO ARCDICO]No tendo que fazer Apolo um dia s Musas disse: "Irms, benefcio Vadios empregar, demos ofcio Aos scios vos da magra Academia!" "O Caldas satisfaa padaria; O Frana d'enjoar tenha exerccio, E o autor do entremez do Rei Egpcio O Pgaso veloz conduza pia!" "V na Ulissia tasquinhar o exfrade: Da sala o Quintanilha acenda as velas, Em se juntando alguma sociedade!" "Bernardo nnias faa, e cague nelas; E Belmiro, por ter habilidade,

Como d'antes bagatelas!"

trabalhe

em

XXIIIFRANA]

[OUTRO

SONETO

AO

Rapada, amarelenta, cabeleira, Vesgos olhos, que o ch, e o doce engoda, Boca, que parte esquerda se acomoda, (Uns afirmam que fede, outros que cheira): Japona, que da ladra andou na feira; Ferrugento faim, que j foi moda No tempo em que Albuquerque fez a poda Ao soberbo Hidalco com mo guerreira: Ruo calo, que esporra no joelho Meia e sapato, com que ao lodo avana, Vindo a encontrar-se c'o esburgalhado artelho: Jarra, com apetites de criana; Cara com semelhana de besbelho;

Eis o bedel do Pindo, o doutor Frana.

XXIV [SONETO AO LEITO]Pilha aqui, pilha ali, vozeia autores, Montesquieu, Mirabeau, Voltaire, e vrios; Prope sistemas, tira corolrios, E usurpa o tom d'enfticos doutores: Cincia de livreiros e impressores Tem da vasta memria nos armrios; E tratando os cristos de visionrios, S rende culto a Vnus, e aos Amores: A mulher, que a barriga lhe tem forra Do jugo da vital necessidade, Deixa em casa gemer como em masmorra: Este biltre, labu da humanidade, um tal bacharel Leito de borra, Lascivo como um burro, ou como um frade.

XXV

[SONETO CONJUGAL]

DO

DILOGO

No chores, cara esposa, que o Destino Manda que parta, guerra me convida; A honra prezo mais que a prpria vida, E se assim no fizera, fora indigno. "Eu te acho, meu Conde, to menino Que receio..." Ah! No temas, no, querida; A francesa nao ser batida, Este peito, que vs, diamantino. "Como crvel que sejas to valente?..." Eu herdei o valor de avs, e pais, Que essa virtude tem a ilustre gente. "Porm se as foras desiguais...?" Irra, Condessa! s muito impertinente! Tornarei a fugir, que queres mais?

XXVIANTICLERICAL]

(11)

[SONETO

Se quereis, bom Monarca, ter soldados Para compor lustrosos regimentos, Mandai desentulhar esses conventos Em favor da preguia edificados: Nos Bernardos lambes, e asselvajados Achareis mil guerreiros corpulentos; Nos Vicentes, nos Neris, e nos Bentos Outros tantos, no menos esforados: Tudo extingui, senhor: fiquem somente Os Franciscanos, Loios, e Torneiros, Do Centimano asprrima semente: Existam estes lobos carniceiros, Para no arruinar inteiramente Putas, pvias, caes, e alcoviteiros.(11) [nota de GM] Este, como outros sonetos de Bocage, instigou inmeros sonetistas a tambm hostilizar o clero. Alguns exemplos:

[SONETO DOS DONATIVOS] [Francisco Manoel do Nascimento] Cristo morreu h mil e tantos anos; Foi descido da cruz, logo enterrado; E ainda assim de pedir no tem cessado Para o sepulcro dele os franciscanos! Tornou a ressurgir dentre os humanos; Subiu da terra ao cu, l est sentado; E sade dele sepultado Comem nossa custa estes maganos: Cuidam os que lhes do a sua esmola Que ela se gasta na funo mais pia... Quanto vos enganais, oh gente tola! O altar mor com dois cotos se alumia: E o fradinho co'a puta, que o consola, Gasta de noite o que lhe dais de dia.

[SONETO DA DESVIRTUADA] [annimo]

ESMOLA

Padre Frei Cosme, vossa reverncia Se engana, ou enganar-nos talvez tenta: Quem as riquezas d, quem nos sustenta, No de Deus a suma providncia? Pois logo com que cara ou conscincia Esmola pede, e arrepanhar intenta Para o Senhor da Paz, ou da Tormenta? Tem Deus do homem acaso dependncia? Tire a mscara pois, largue a sacola, E deixe o povo, a quem impunemente Em nome do Senhor escorcha, e esfola: viva deixe a esmola, e indigente; E no queira, hipcrita farola Foder custa da devota gente. ao

[SONETO DO MONGE CALUNIADO] [annimo] Lngua mordaz, infame e maldizente, No ouses murmurar do bom prelado: Inda que o vejas com Alcipe ao lado. Amigo no ser, ser parente: Geral da Ordem, pregador potente, No jogo padre-mestre jubilado, E tambm caloteiro descarado Pode ser que o repute alguma gente: E que te importa que fornique a moa? Que pregue o evangelho por dinheiro? Que em vez de andar a p ande em carroa? Talvez que disso seja um verdadeiro Dos monges exemplar, da Serra d'Ossa, Pois que dos monges hoje o primeiro.

XXVII

[SONETO DESMORALIZADO]

DO

MOURO

Veio Muley Achmet marroquino Com duros trigos entulhar Lisboa; Pagava bem, no houve moa boa Que no provasse o casco adamantino: Passou a um seminrio feminino, Dos que mais bem providos se apregoa, Onde a um frade bem fornida ilhoa Dava d'esmola cada dia um pino: Tinha o mouro fodido largamente, E j bazofiando com desdouro Tratava a nao lusa d'impotente: Entra o frade, e ao ouvi-lo, como um touro Passou tudo a caralho novamente, E o triunfo acabou no cu do mouro.

XXVIII

[SONETO INTERESSEIRO]

DO

CORNO

Uma noite o Scopezzi mui contente

(Depois de borrifar a sacra espada Que traz de rubra fita pendurada Com cuspo, e vinho, que vomita quente): Conversava co'a esposa em voz tremente Sobre a grande ventura inesperada De ser a sua Plcida adorada Por um Marqus to rico, e to potente: A velha lhe replica: Isso verdade; Enquanto moa for, nunca o dinheiro Faltar nesta casa em quantidade. "Mas tu sempre s o tafulo primeiro: Pois tendo cabro sido noutra idade, s agora o maior alcoviteiro!"

XXIX

(12)

[SONETO

DA

DAMA

CAGANDO] Cagando estava a dama mais formosa, E nunca se viu cu de tanta alvura; Porm o ver cagar a formosura

Mete nojo vontade mais gulosa! Ela a massa expulsou fedentinosa Com algum custo, porque estava dura; Uma carta d'amores de alimpadura Serviu quela parte malcheirosa: Ora mandem moa mais bonita Um escrito d'amor que lisonjeiro Afetos move, coraes incita: Para o ir ver servir de reposteiro porta, onde o fedor, e a trampa habita, Do sombrio palcio do alcatreiro!(12) Tanto este, como o que adiante segue sob nmero XXXII, andam em algumas colees atribudas ao Abade de Jazente. [nota da fonte]

XXX

[OUTRO SONETO DO PRAZER EFMERO](13)

Quando do gro Martinho a fatal Marca O termo fez soar no seu chocalho, Levou trs dias a passar caralho Do medonho Caronte a negra barca; Eis no terceiro dia o padre embarca,

E o velho, que a ningum faz agasalho, Em prmio quis s ter do seu trabalho O gudio de ver porra de tal marca: Pegou-se ao co trifauce a voz na goela Ao ver de membro tal as dianteiras, E Pluto a mulher ps de cautela: Porm Dido gritou s companheiras: "Agora temos porra; a ela, a ela, Que as horas de prazer voam ligeiras!"(13) Ver XVII.

XXXINOVATA]

[SONETO

DA

PUTA

Dizendo que a costura no d nada, Que no sabe servir quem foi senhora, A impulsos da paixo fornicadora Sobe d'alcoviteira a moa a escada. Seus desejos lhe pinta a malfadada, E a tabaquanta velha sedutora

Diz-lhe: "Veio menina, em bela hora, Que essas, que a tenho, j no ganham nada". Matricula-se aqui a tal pateta, Em punhetas e fodas se industria, Enquanto a mestra lhe no rifa a greta: Chega, por fim, o fornicrio dia; E em pouco a menina de muleta Passeia do hospital na enfermaria.

XXXII

(14)

[SONETO ASCOROSO]

Piolhos cria o cabelo mais dourado; Branca remela o olho mais vistoso; Pelo nariz do rosto mais formoso O monco se divisa pendurado: Pela boca do rosto mais corado Hlito sai, s vezes bem ascoroso;[pronuncia-se "ascroso"]

A mais nevada mo sempre foroso Que de sua dona o cu tenha tocado: Ao p dele a melhor natura mora,

Que deitando no ms podre gordura, Ftido mijo lana a qualquer hora. Caga o cu mais alvo merda pura: Pois se isto o que tanto se namora, Em ti, mijo, em ti cago, oh formosura!(14) [nota de GM] Este soneto, s vezes atribudo ao Abade de Jazente, , por sua vez, variante dum outro, de autor annimo do sculo XVII:

[SONETO DA PORCARIA] Que fio de ouro, que cabelo ondado, piolhos no criou, lndeas no teve? Que raio de olhos blasonar se atreve, que no foi de remelas mal tratado? Que boca se acha ou que nariz prezado aonde monco ou escarro nunca esteve? E de que cristal ou branca neve no se viu seu besbelho visitado? Que papo de mais bela galhardia que um dedo est do cu s dividido,

no mijou e regra tem todos os meses? Pois se amor tudo merda e porcaria, e por este monturo andais perdido, cago no amor e em vs trezentas vezes.

XXXIIICHOROSO]

[SONETO

DO

CORNO

Se o gro serralho do Sophi potente, Ou do Sulto feroz, que rege a Trcia, Mil Vnus de Gergia, oh! da Circssia Nuas prestasse ao meu desejo ardente: Se negros brutos, que parecem gente, Ministros fossem de lasciva audcia, Inda assim do cime a pertincia No peito me nutria ardor pungente: Erraste em produzir-me, oh! Natureza, Num pas onde todos fodem tudo,

Onde leis no conhece a porra tesa! Cioso afeto, afeto carrancudo! Zelar moas na Europa rdua empresa, Entre ns ser amante ser cornudo.

XXXIVESPERTA]

(15)

[SONETO DA BEATA

No te crimino a ti, plebe insensata, A v superstio no te crimino; Foi natural, que o frade era ladino, esperta em macaquices a beata: S crimino esse heri de bola chata, Que na escola de Marte inda menino, E ao falso pastor, pastor sem tino, Que to mal das ovelhas cura, e trata: tem, crimino o respeitvel Cunha, Que a frias petas crdito no dera, A ser filsofo, como supunha: Coitado! Protestou com voz sincera Fazer geral, contrita caramunha, Porm ficou pior que d'antes era!

(15) [nota de GM] O hermetismo deste soneto parece impenetrvel a quem no conhea o fato aludido, o caso da beata de vora, cuja morte milagrosa foi produto duma farsa preparada pelo clero local, que acabou desmascarada. Outros sonetos da poca aludiram ao episdio, como estes atribudos a Miguel Tibrio Pedagache:

[SONETO DO FALSO MILAGRE] De c'roa virginal a fronte ornada, Em lgubres mortalhas envolvida A beata fatal jaz estendida, De assistentes contritos rodeada: Um se tem por j salvo em ter chegada Ao lindo p a boca comovida Outro protesta reformar a vida: Porm ela respira, e est corada! Que santa, e que morreu, com juramentos Afirma audaz o faanhudo frade E que prodgios so seus movimentos O devoto auditrio se persuade: Renovam-se os protestos e lamentos: Triste religio! Pobre cidade! os

[SONETO DA SUPOSTA SANTA] Acredite, sentado aos quentes lares Nas noites invernosas de janeiro, Lendo em Carlos Magno o sapateiro As proezas cruis dos doze Pares: Creiam que vm as bruxas pelos ares A chupar as crianas no traseiro; Comam quanto lhes diz o gazeteiro, De casos, de sucessos singulares: Porm, que uma beata amortalhada, Com a cara vermelha e corpo mole, E santa por um frade apregoada: Que respire, que os braos desenrole, E seja por defunta acreditada, Isto somente em vora se engole!

XXXVGABADA]

[SONETO

DA

AMADA

Se tu visses, Josino, a minha amada Havias de louvar o meu bom gosto; Pois seu nevado, rubicundo rosto

s mais formosas no inveja nada: Na sua boca Vnus faz morada: Nos olhos tem Cupido as setas posto; Nas mamas faz Lascvia o seu encosto, Nela, enfim, tudo encanta, tudo agrada: Se a sia visse coisa to bonita Talvez lhe levantasse algum pagode A gente, que na foda se exercita! Beleza mais completa haver no pode: Pois mesmo o cono seu, quando palpita, Parece estar dizendo: "Fode, fode!"

XXXVI

(16)

[SONETO

DAS

GLRIAS CARNAIS] Cante a guerra quem for arrenegado, Que eu nem palavra gastarei com ela; Minha Musa ser sem par canela Co'um felpudo coninho abraseado:

Aqui descreverei como arreitado Num mar de bimbas navegando vela, Cheguei, propcio o vento, doce, quela Enseada d'amor, rei coroado: Direi tambm os beijos sussurrantes, Os intrincados ns das lnguas ternas, E o aturado fungar de dois amantes: Estas glrias sero na fama eternas s minhas cinzas me faro descantes Fmeos vindouros, alargando as pernas.(16) [nota de GM] Este e os prximos sonetos foram transcritos dum caderno onde estavam misturados aos de Pedro Jos Constncio, poeta que morreu louco, vtima da vida desregrada e dos males venreos, cujo estilo e temtica, bem semelhantes aos bocagianos, gerou confuses entre alguns estudiosos, que no conseguiram distinguir uns dos outros. Por via das dvidas, o soneto abaixo com certeza de autoria do meu luntico xar:

[SONETO DO NINHO] [Pedro Jos Constncio] Para iludir o suspirado encanto,

Por quem debalde h longo tempo ardia, "Um ninho achei, oh Lsbia (eu lhe dizia) Como dos pais delicioso o canto!" Assim doloso me expressava, em quanto Um alegre alvoroo em Lsbia eu via: "Ah! onde o deparaste?" (ela inquiria) "Vem (lhe torno) comigo ao p do acanto": Por um bosque me fui co'os meus amores, Pergunta aos ramos pelo implume achado, E respondendo s vo meus furores. Conhece... quer fugir ao lao armado, Na encosta a vergo, que afofavam flores, Beijo-lhe as iras... fique o mais calado.

XXXVIIAPATETADO]

[SONETO DO CARALHO

Fiado no fervor da mocidade, Que me acenava com teses chibantes, Consumia da vida os meus instantes Fodendo como um bode, ou como um frade. Quantas pediram, mas em vo, piedade Encavadas por mim balbuciantes! Ficando a gordos sessos alvejantes Que hemorrides no fiz nesta cidade! fora de brigar fiquei mamado; Vista ao caralho meu, que de gaiteiro Est sobre os colhes apatetado: Oh Numen tutelar do mijadeiro! Levar-te-ei, se tornar ao teso estado, Por oferenda espetado um parrameiro.

XXXVIIIJURAMENTO]

[SONETO

DO

Eu foder putas?... Nunca mais, caralho! Hs de jurar-mo aqui, sobre estas Horas: E vamos, vamos j!... Porm tu choras? "No senhor (me diz ele) eu no, no ralho": Batendo sobre as Horas como um malho, "Juro (diz ele) s foder senhoras, Das que abrem por amor as tentadoras Pernas quilo, que arde mais que o alho". Co'a fora do jurar esfolheando O sacro livro foi, e a ardente sede O fez em mar de ranho ir soluando... Ah! que fizeste? O cu teus passos mede! Anda, hertico filho miserando, Levanta o dedo a Deus, perdo lhe pede!

XXXIX [SONETO ANAL]"Ora deixe-me, ento... faz-se criana? Olhe que eu grito, pela me chamando!" Pois grite (ento lhe digo, amarrotando Saiote, que em baix-lo irada cansa): Na quente luta lhe desgrenho a trana A angua lhe levanto, e fumegando, As estreitadas bimbas separando Lhe arrimo o caralho, que no se amansa: Tanto a ser gria, no gritava a bela: Que a cada grito se escorvava a porra, Fazendo-lhe do cu saltante pela! H de pagar-me as mangaes de borra, Basta de cono, ponha o sesso vela, Que nele ir quero visitar Gomorra.

XL

[SONETO ASSOMBROSA]

DA

PUTA

Pela rua da Rosa eu caminhava Eram sete da noite, e a porra tesa; Eis puta, que indicava assaz pobreza, Co'um lencinho janela me acenava: Quais conselhos? A porra fumegava; "Hei de seguir a lei da natureza!" Assim dizia e efeituou-se a empresa; Prepcio para trs a porta entrava: Sem que sade a moa prazenteira Se arrima com furor no visto crica, E a bela a mole-mole o cu peneira: Ningum me gabe o rebolar d'Anica; Esta puta em foder excede Freira, Excede o pensamento, assombra a pica!

XLI

[SONETO COADOR]

DO

GOZADOR

"Apre! no metas todo... Eu mais no posso..." Assim Mrcia formosa me dizia; No sou brbaro ( moa eu respondia) Brandamente vers como te coo: "Ai! por Deus, no... no mais, que grande! e grosso!" Quem resistir ao seu falar podia Meigamente o coninho lhe batia; Ela diz "Ah meu bem! meu peito vosso!" O rebolar do cu (ah!) no te esquea Como s bela, meu bem! (ento lhe digo) Ela em suspiros mil a ardncia expressa: Por te unir fazer muito ao meu umbigo; Assim, assim... menina, mais depressa!... Eu me venho... ai Jesus!... vem-te comigo!

XLII

[SONETO VITORIOSO]

DO

GOZO

Vem c, minha Marlia, to rolia, So'as bochechas da cor do meu caralho, Que eu quero ver se os beios embaralho Co'esses teus, onde amor a ardncia atia: Que abrimentos de boca! Tens preguia? Hospeda-me entre as pernas este malho, Que eu te ponho j tesa como um alho; Ora chega-te a mim, leva esta pia... Ora mexe... que tal te sabe, amiga? Ento foges c'o sesso? forte histria! Ele bom de levar, no, no viga. "Eu grito!" (diz a moa merencria). Pois grita, que espetada nesta espiga Com porrais salvas cantarei vitria.

XLIIIPEZINHO]

[SONETO

DO

LASCIVO

Dormia a sono solto a minha amada, Quando eu p ante p no quarto entrava: E ao ver a linda moa, que arreitava, Sinto a porra de gosto alvoroada: Ora do rosto eu vejo a nevada Pudibunda bochecha, que encantava; Outrora nas maminhas demorava Sfrega, ardente vista embasbacada: Porm vendo sair dentre o vestido Um lascivo pezinho torneado, Bispo-lhe as pernas e fiquei perdido: Vai seno quando, o meu caralho amado Bem como Enias acordava Dido, Salta-lhe ao plo, pro seguir seu fado.

XLIVBURRA]

[SONETO

DA

PORRA

Eram oito do dia; eis a criada Me corre ao quarto, e diz "A vem menina Em busca sua; faces de bonina, Olhos, que quem os viu no quer mais nada". Eis me visto, eis me lavo, e esta engraada Fui ver incontinenti; oh cus! que mina! Que breve p! Que perna to divina! Que maminhas! que rosto! Oh, que to dada! A porra nos cales me dava urros; Eis a levo ao meu leito, e ela rubente No podia sofrer da porra os murros; "Ai!... Ai!... (de quando em quando assim se sente) Uma porra tamanha dada aos burros, No porra capaz de foder gente".

XLV

[SONETO GOVERNANTE]

DO

CARALHO

Pela escadinha de um couro subindo Parei na sala onde no entra o pejo; Chinelo aqui e ali suado vejo, E o fato de cordel pendente, rindo; Quando em misria tanta refletindo Estava, me apareceu ninfa do Tejo, Roendo um fatacaz de po com queijo, E para mim num ai vem rebolindo: D-me um grito a razo: "Eia, fujamos, Minha porra infeliz, j deste inferno... Mas tu respingas? Tenho dito, vamos..." Eis a porra assim diz: "Com dio eterno Eu, e os scios colhes em ti mijamos; Para baixo do umbigo eu s governo".

XLVI [SONETO MATINAL]Eram seis da manh; eu acordava Ao som de mo, que porta me batia; "Ora vejamos quem ser"... dizia, E assentado na cama me zangava. Brando rugir da seda se escutava, E sapato a ranger tambm se ouvia... Salto fora da cama... Oh! que alegria No tive, olhando Armia, que arreitava! Temendo venha algum, a porta fecho: Co'um chupo lhe saudei a rsea boca, E na rompente mama alegre mexo: O caralho estouvado o cono aboca; Bate a gostosa greta o rubro queixo, E a matinas de amor a porra toca.

XLVII

[SONETO INTERROMPIDO]

DO

COITO

"Mas se o pai acordar!..." (Mrcia dizia A mim, que meia-noite a trombicava) "Hoje no..." (continua, mas deixava Levantar o saiote, e no queria!) Sempre em p a dizer: "Ento, avia..." Sesso parede, a porra me agentava: Uma coisa notei, que me arreitava, Era o calado p, que ento rangia: Vim-me, e assentado num degrau da escada, Dando alimpa ao caralho, e mais greta Nos preparamos para mais porrada: Por variar, nas mos meti-lhe a teta; Tosse o pai, foge a filha... Oh vida errada! L me ficou em meio uma punheta!

XLVIIICANINA]

[SONETO

DA

CPULA

Quando no estado natural vivia

Metida pelo mato a espcie humana, Ai da gentil menina desumana, Que fora a greta virginal abria! Entrou o estado social um dia; Manda a lei que o irmo no foda a mana, crime at chuchar uma sacana, E pesa a excomunho na sodomia: Quanto, lascivos ces, sois mais ditosos! Se na igreja gostais de uma cachorra, L mesmo, ante o altar, fodeis gostosos: Enquanto a linda moa, feita zorra, Voltando a custo os olhos voluptuosos, Pe no altar a vista, a idia em porra.

XLIX

[SONETO DA MOCETONA PUDIBUNDA] Levanta Alzira os olhos pudibunda Para ver onde a mo lhe conduzia;

Vendo que nela a porra lhe metia Fez-se mais do que o ncar rubicunda: Toco o pentelho seu, toco a rotunda Lisa bimba, onde Amor seu trono erguia; Entretanto em desejos ela ardia, Brando licor o pssaro lhe inunda: C'o dedo a greta sua lhe coava; Ela, maquinalmente a mo movendo, Docemente o caralho me embalava; "Mais depressa" Lhe digo ento morrendo. Enquanto ela sinais do mesmo dava; Mstica pvia assim fomos comendo.

L [SONETO DO OFCIO MERETRCIO]Uma empada de glico janela, Fazendo meia, alinhavando trapos, Enquanto a guerra faz tudo em farrapos, Pondo o honrado a pedir, e a virgem bela!

Vai a trombuda, srdida Michela Fazendo guerra a marujais marsapos, E sem que deste mil lhe faam papos, C'o sesso tambm d s porras trela: Tudo em metal por dois canais ajunta; Recrutas nunca teme, e do Castelo Se ri, que aos beleguins as mos lhes unta: Nas pblicas funes vai dar-se ao prelo: Minh'alma agora, meu leitor, pergunta Se o ser puta no ofcio belo?

LI

[SONETO DECADENTE]

DO

CARALHO

Com que mgoa o no digo! Eu nem te vejo, Meu caralho infeliz! Tu, que algum dia Na gaiteira amorosa filistria Foste o regalo do meu ptrio Tejo!

Sem te importar o feminino pejo, Traz a mimosa virgem, que fugia, Ficando terna, afadigada Armia, Lhe pespegavas no coninho um beijo: Hoje, canal de ftida remela, O misantropo do pas das bimbas, Apenas olhas cndida donzela! Deitado dos colhes sobre as tarimbas, S co'a memria em feminil canela s vezes pvia casual cachimbas.

LII [SONETO DO ADEUS S PUTAS]Que eu no possa ajuntar como o Quintela coisa que me aflige o pensamento; Desinquieta a porra quer sustento, E a pvia trata j de bagatela: Se n'outro tempo houve alguma bela Que o amor s desse o cono penugento,

Isso foi, j no ; que o mais sebento Cagaal quer durzia caravela: Perdem sade, bolsa, e economia; Nunca mais me vero meu membro roto; Est a minha porral filosofia. Putas, adeus! No sou vosso devoto; Co'um sesso enganarei a fantasia, Numa escada enrabando um bom garoto.