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7 lições da Coréia para o Brasil O que o país pode aprender com o bem-sucedido modelo de educação implantado na Coréia do Sul 1.Concentrar os recursos públicos no ensino fundamental – e não na universida qualidade nesse nível for sofrível 2.Premiar os melhores alunos com bolsas e aulas extras para que desenvolvam s 3.Racionalizar os recursos para dar melhores salários aos professores 4.Investir em pólos universitários voltados para a área tecnológica 5.Atrair o dinheiro das empresas para a universidade, produzindo pesquisa afi demandas do mercado 6.Estudar mais. Os brasileiros dedicam cinco horas por dia aos estudos, menos tempo dos coreanos 7.Incentivar os pais a se tornarem assíduos participantes nos estudos dos fil A Coréia do Sul e o Brasil já foram países bastante parecidos. Em 1960, eram mundo subdesenvolvido, atoladas em índices socioeconômicos calamitosos e com analfabetismo que beiravam os 35%. Na época, a renda per capita coreana equiv patinava em torno de 900 dólares por ano. Nesse aspecto, o Brasil levava algu renda per capita era o dobro da coreana. A Coréia amargava ainda o trauma de que deixou 1 milhão de mortos e a economia em ruínas. Hoje, passados quarenta abismo separa as duas nações. A Coréia exibe uma economia fervilhante, capaz tamanho a cada década. Sua renda per capita cresceu dezenove vezes desde os a sociedade atingiu um patamar de bem-estar invejável. Os coreanos praticamente analfabetismo e colocaram 82% dos jovens na universidade. Já o Brasil mantém população na escuridão do analfabetismo e tem apenas 18% dos estudantes na fa renda per capita é hoje menos da metade da coreana. Em suma, o Brasil ficou p Coréia largou em disparada. Por que isso aconteceu? Porque a Coréia apostou n ininterrupto e maciço na educação – e nós não. Enquanto os asiáticos despejav escolas públicas de ensino fundamental e médio, sistemática e obstinadamente, canalizar seus minguados recursos para a universidade e inventar projetos mir viravam fumaça a cada troca de governo. Ou seja, gastava munição atirando par sem acertar alvo nenhum. Desnecessário dizer quem estava certo. Wang Jun-Young/AFP

7 lições da Coréia para o Brasil

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7 lies da Coria para o BrasilO que o pas pode aprender com o bem-sucedido modelo de educao implantado na Coria do Sul1. Concentrar os recursos pblicos no ensino fundamental e no na universidade enquanto a qualidade nesse nvel for sofrvel 2. Premiar os melhores alunos com bolsas e aulas extras para que desenvolvam seu talento 3. Racionalizar os recursos para dar melhores salrios aos professores 4. Investir em plos universitrios voltados para a rea tecnolgica 5. Atrair o dinheiro das empresas para a universidade, produzindo pesquisa afinada com as demandas do mercado 6. Estudar mais. Os brasileiros dedicam cinco horas por dia aos estudos, menos da metade do tempo dos coreanos 7. Incentivar os pais a se tornarem assduos participantes nos estudos dos filhos

A Coria do Sul e o Brasil j foram pases bastante parecidos. Em 1960, eram tpicas naes do mundo subdesenvolvido, atoladas em ndices socioeconmicos calamitosos e com taxas de analfabetismo que beiravam os 35%. Na poca, a renda per capita coreana equivalia do Sudo: patinava em torno de 900 dlares por ano. Nesse aspecto, o Brasil levava alguma vantagem sua renda per capita era o dobro da coreana. A Coria amargava ainda o trauma de uma guerra civil que deixou 1 milho de mortos e a economia em runas. Hoje, passados quarenta anos, um abismo separa as duas naes. A Coria exibe uma economia fervilhante, capaz de triplicar de tamanho a cada dcada. Sua renda per capita cresceu dezenove vezes desde os anos 60, e a sociedade atingiu um patamar de bem-estar invejvel. Os coreanos praticamente erradicaram o analfabetismo e colocaram 82% dos jovens na universidade. J o Brasil mantm 13% de sua populao na escurido do analfabetismo e tem apenas 18% dos estudantes na faculdade. Sua renda per capita hoje menos da metade da coreana. Em suma, o Brasil ficou para trs e a Coria largou em disparada. Por que isso aconteceu? Porque a Coria apostou no investimento ininterrupto e macio na educao e ns no. Enquanto os asiticos despejavam dinheiro nas escolas pblicas de ensino fundamental e mdio, sistemtica e obstinadamente, o Brasil preferia canalizar seus minguados recursos para a universidade e inventar projetos mirabolantes que viravam fumaa a cada troca de governo. Ou seja, gastava munio atirando para todos os lados sem acertar alvo nenhum. Desnecessrio dizer quem estava certo.

Wang Jun-Young/AFP

OBSESSO NACIONAL Criana coreana em livraria de Seul: o estudo esporte nacional num pas em que a jornada dos alunos chega a ultrapassar dez horas

A Coria do Sul uma sociedade obcecada pelo estudo, como revela uma visita a uma de suas escolas. A que o menino Jae-Ho Lee cursa em Seul, por exemplo, exige dos alunos que cheguem meia hora antes das aulas para estudar a lio do dia anterior. Aos 14 anos, Lee obedece a uma disciplina de soldado. Sai de casa s 7 horas e volta s 16. Tem tempo apenas para fazer os deveres e correr para um novo turno de aulas vespertinas. Alm de um curso de ingls, o menino freqenta um instituto especializado em matemtica, onde fica internado quatro horas e meia por dia praticando clculo e do qual s sai perto da meia-noite. No porque seja um aluno ruim. Pelo contrrio: ele o primeiro da turma da escola em matemtica, onde est na 7 srie do ensino fundamental. Faz aulas extras para adiantar a matria. No curso, Lee resolve questes do 1 ano do ensino mdio. Competir nos estudos , para ele, como praticar um esporte. Quando vai ao computador depois das provas, para conferir se continua no pdio, tem cibra e dor de barriga. "Eu suo para manter minha liderana, a minha vida que est em jogo", diz. A quatro anos da formatura escolar, ele perde o sono preocupado em conseguir entrar em uma universidade de prestgio e arranjar um bom emprego. Lee ajuda a compor a estatstica segundo a qual 80% das crianas coreanas passam pelo menos dez horas dirias em frente ao quadro-negro. Ele , ainda, o retrato de um pas que tem na formao de crebros o principal motor de sua economia. um equvoco imaginar que a experincia da Coria possa ser integralmente transplantada para o Brasil. Como a maior parte das sociedades orientais, a coreana exibe um sentido de hierarquia que no encontra paralelo entre os brasileiros. Ela tambm muito mais homognea cultural e etnicamente, no s em razo de a Coria ser uma nao pequena, como tambm pelo fato de o pas no ter recebido milhes de imigrantes das mais diversas partes do mundo o contrrio do Brasil, que exibe um territrio vasto e um cadinho de culturas e etnias. Hierarquia e homogeneidade (alm de uma boa dose de competitividade neurtica, acrescentaria um crtico) esto na base do sucesso do modelo educacional coreano. Mas, mesmo ressaltadas as peculiaridades que permitiram a sua implantao, possvel extrair dele lies para o Brasil. Entre todas as polticas adotadas pela Coria nos anos 60 para aumentar os ndices educacionais do pas, uma, de natureza simples, colheu efeito excepcional: o investimento pblico concentrou-se no ensino fundamental e ficou a cargo da iniciativa privada cuidar da proliferao do ensino superior. Para um pas que amargava um PIB africano, era necessrio fazer uma escolha e canalizar recursos para as escolas resultou em um sistema pblico homogneo e de bom nvel. Os nmeros dimensionam o fenmeno. Segundo um exame internacional feito pela Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), para avaliar o rendimento escolar em quarenta pases, a Coria revelou ter o sistema mais igualitrio de todos, com pouqussima diferena no resultado dos alunos. O detalhe positivo: a esmagadora maioria vai bem. No ranking, o pas alcanou o terceiro lugar em matemtica e o quarto em cincias, enquanto o Brasil ficou,

respectivamente, com a ltima e a penltima colocaes nas duas matrias. Por trs das notas, h um aspecto fundamental. A Coria no apenas investe mais em educao do que o Brasil (6,8%, contra 5,2% em relao ao PIB), como tambm continua a fazer uso mais eficiente do dinheiro. Os coreanos gastam duas vezes mais na formao de um universitrio do que na de um aluno de ensino fundamental, o que uma proporo equilibrada para padres internacionais. No Brasil, um universitrio custa dezessete vezes mais. O resultado do investimento coreano nas escolas pblicas visvel. Todas as salas de aula so equipadas com um telo de plasma onde os professores projetam suas aulas, os laboratrios de computao tm mquinas de ltima gerao ligadas internet e as bibliotecas, de to completas, atraem famlias inteiras nos fins de semana. "No posso me queixar de falta de dinheiro", diz Cho Soo-Bock, diretor da escola Shindong, orgulhoso do investimento recente em uma piscina de dimenses olmpicas e em um laboratrio de informtica que substituir o atual, j bastante moderno. Alm da infra-estrutura, o dinheiro despejado nas escolas produziu na Coria salrios bastante atrativos para os professores, que esto entre os mais bem pagos do mundo. De acordo com a OCDE, um professor experiente de ensino fundamental ganha na Coria um salrio mensal mdio de 6.000 dlares, numa medio internacional que leva em conta o poder de compra no pas. seis vezes mais dinheiro do que embolsa um profissional brasileiro de mesmo nvel. Trata-se de uma carreira que confere status. Uma pesquisa feita pela Universidade Nacional de Seul chegou a uma concluso interessante sobre o assunto: para as mulheres da Coria, o professor visto como o "melhor partido para casar" porque tem emprego estvel, frias longas (raridade no pas), jeito para lidar com crianas e timo salrio. Alm de dinheiro no bolso, ele dispe de condies de trabalho exemplares, com dedicao exclusiva a uma s escola e direito a quatro horas dirias para preparar aulas e atender os estudantes. Leva-se o ensino to a srio que at professor de jardim-de-infncia precisa ter diploma de ensino superior (e a maioria conta com a ps-graduao).

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COMPETIO FEROZ Alunos de escola em Seul participam de torneio de computador: disputa para decidir quem o mais rpido

Exames que tm como objetivo medir o nvel dos estudantes, entre eles o brasileiro Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica (Saeb), comprovaram que h dois fatores fundamentais para explicar o bom resultado nas provas. Um deles o preparo e a dedicao do professor encarregado das aulas. O outro a participao da famlia na educao dos filhos. O Brasil deficiente em ambos os casos. A participao vigilante dos pais coreanos na educao dos filhos produz em srie histrias como a da famlia Park. Os pais se sentem realizados quando podem organizar uma feira de cincias na escola dos filhos e gastam 30% do oramento mensal para proporcionar s crianas uma maratona de aulas extras (veja quadro). Mesmo sendo o ensino predominantemente pblico, a Coria conta com um prolfero mercado de aulas extras,

basicamente dadas em institutos particulares. S no ano passado, ele movimentou 26 bilhes de dlares. A maioria dos estudantes no se matricula num desses institutos porque corre o risco de repetir o ano, e sim em nome da ambio de ser os melhores da turma. A fixao coreana pela educao tem razes profundas na cultura do pas. O confucionismo, doutrina milenar de origem chinesa, j difundia valores como a dedicao ao trabalho e a exaltao ao estudo na Coria de cinco sculos antes de Cristo. Em 1950, a guerra entre o norte e o sul do pas produziu imagens comoventes como a de crianas tendo aulas sob lonas cercadas de destroos. A revoluo que fez do modelo coreano referncia mundial, no entanto, comeou na dcada de 60, no rastro de grandes mudanas colocadas em prtica pelo general Park Chung Hee. O general, que tomou o poder por meio de um golpe militar, pilotava com mo-de-ferro tanto as questes da economia como as da educao. A economia coreana sob seu comando foi movida por planos cclicos de desenvolvimento com vistas a tornar a Coria uma nao industrial e exportadora. O primeiro foco foi no ramo txtil, depois na indstria pesada. Para movimentar as novas atividades econmicas, alm de investir firme na educao bsica, o governo atraiu para escolas tcnicas hordas de coreanos pouco preparados, com a promessa de liber-los do servio militar obrigatrio e lhes arranjar bons empregos. De outro lado, criou institutos de ensino superior voltados para cincia e tecnologia, que passaram a produzir pesquisa de ponta e patentes. "Investir em capital humano gerou produtividade e riqueza para a Coria", diz o economista americano Jim Rohwer em seu livro Asia Rising (O Surgimento da sia).

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MIT COREANO Laboratrio do Instituto Kaist: pesquisa afinada com a demanda do mercado

Produzir tecnologia e colocar-se frente do Japo, pas que dominou a Coria entre 1910 e 1945, outra das obsesses nacionais e os coreanos vm canalizando recursos para formar tropas de engenheiros aptos a dar conta desse objetivo. Trinta por cento dos jovens que concluem a universidade saem graduados em engenharia. Ao assistir a uma aula tpica do jardim-de-infncia Ewha, em Seul, entende-se como se forja o encantamento que a tecnologia exerce sobre os coreanos: uma das atividades das crianas de 5 anos tirar fotos com mquinas digitais e montar uma histria manipulando as imagens no computador, tarefa que elas j realizam com destreza. Uma incurso nos laboratrios do Kaist, instituto de ensino superior especializado em tecnologia, tambm joga luz nas dimenses dessa mania high-tech. Embrulhado em roupas que lhe do a aparncia de um astronauta (o uniforme no laboratrio de semicondutores), o estudante de mestrado Sunghyun Go, 23 anos, conta que, nos raros intervalos do trabalho, sua diverso e a dos colegas resolver equaes matemticas. Freqentemente, Go vara a madrugada dentro do laboratrio porque nada o faz interromper uma experincia pela metade. Essa rotina explica as olheiras que marcam o rosto dos jovens cientistas de l. A palavra de ordem na Kaist, conhecida na Coria como MIT asitico, numa referncia renomada universidade americana, produzir

robs humanizados e sistemas para casas futursticas. "Tudo o que fazemos tem como objetivo virar produto no mercado", diz o fsico Kyungho Ko, vice-presidente da faculdade. A Coria conseguiu promover um eficiente casamento entre o ambiente acadmico e a indstria, fora motriz para o to almejado avano tecnolgico. O resultado uma troca que beneficia as duas partes: os cofres das universidades coreanas so irrigados com dinheiro da iniciativa privada e as empresas fazem uso de pesquisadores e infra-estrutura para desenvolver seus produtos. Esse um cenrio do qual o Brasil est longe. Na Korea University, por exemplo universidade particular de onde saram 20% dos atuais CEOs coreanos , a Samsung no s contribuiu para a construo de um moderno prdio para pesquisa como ajudou a elaborar o currculo de uma faculdade que forma engenheiros especializados na produo de telas de televiso. Sim, na Coria h jovens se graduando nessa rea da engenharia porque o mercado est vido por especialistas no assunto. " um bom exemplo do pragmatismo coreano", diz Doo-Hee Lee, diretor acadmico na universidade. H outros. Em 1986, a Posco, uma das maiores companhias de ao do mundo, investiu 7 bilhes de dlares em uma universidade voltada para tecnologia, a Postech. Foi a primeira a oferecer curso para formar engenheiros especializados em ao. Hoje 20% dos funcionrios da Posco so recrutados no campus.

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COISA DE CRIANA Alunas aprendem a manusear cmeras digitais: o uso da tecnologia comea no jardim-de-infncia

A sociedade coreana movida pela competio, incentivada exausto desde a infncia. At nos momentos de diverso os jovens ficam enfurnados nas salas de karaok, empenhados em vencer uns aos outros na cantoria de hits americanos, como os de Simon & Garfunkel. Explica-se: a mquina d uma nota a cada performance. Eles tambm travam demorados duelos nos jogos de computador, febre da juventude coreana (veja quadro). A competio ainda mais estimulada, evidentemente, no ambiente escolar. Botar crianas de 10 anos em frente ao computador para saber qual delas a mais rpida no manuseio do teclado atividade comum na rotina coreana. As olimpadas internacionais de matemtica so outro acontecimento na Coria. O evento mobiliza milhares de jovens ansiosos por conquistar a chance de representar o pas na disputa. A maior de todas as competies, no entanto, a do ingresso na universidade. Enquanto no ensino bsico as escolas apresentam qualidade semelhante, a Coria tem no nvel superior um trio de faculdades de elite conhecido como SKY (as iniciais das universidades de Seul, Korea e Yonsei, que formam a palavra cu em ingls). Para estar "no cu", como dizem os coreanos, d-se o sangue nos estudos. As notas obtidas no ensino mdio contam na hora de entrar na universidade e so somadas de uma espcie de prova vestibular. "Ver um filho ter uma boa nota nesse exame a razo de ser dos pais coreanos", diz Chong Jae Lee, presidente do Kedi, instituto de pesquisas educacionais.

As boas universidades empreendem uma explcita poltica de caa aos melhores alunos. Elas investigam os boletins dos estudantes de ensino mdio, rastreiam os que tm desempenho escolar acima do comum e fazem de tudo para atra-los, em alguns casos antes mesmo de terem completado o ciclo escolar, dando-lhes garantia de gratuidade, mesada, aulas extras e iseno de vestibular. O objetivo lapidar talentos individuais e transformar potencial em resultados concretos. Os jovens rivalizam, portanto, porque sabem que no futuro podero ser recompensados por suas habilidades especiais e pelo esforo. Esse o lado saudvel da competio coreana. Mas h um efeito negativo. A presso sobre os jovens tanta que contribui para a Coria figurar entre os pases com a maior taxa de suicdio na adolescncia. Outro dado que preocupa o fato de 20% dos alunos de ensino mdio j terem pedido ajuda a um terapeuta para lidar com o stress dos estudos. Aos 6 anos, Kang Jim Won chora compulsivamente no meio da sala de aula porque tirou nota vermelha em matemtica. "Sou um fracasso", desespera-se a menina. Entende-se por que muitos jovens coreanos sonham um dia ir para os Estados Unidos, como fizeram os filhos da dentista Cho Dong, de 10 e 13 anos. "Enviei meus filhos para estudar em escola americana porque queria evitar que passassem pelo massacre coreano", resume Dong. Eles tambm fogem do excesso de disciplina. At hoje, comum encontrar crianas de castigo nas escolas da Coria com os braos para o alto e o rosto virado contra a parede. Uma sada eficiente para a escassez de dinheiro na poca em que a Coria era pobre foi coloc-lo no lugar certo as salas de aula do ensino fundamental, onde estava a massa dos estudantes. Funcionou l e poderia dar certo por aqui. A Coria tambm entendeu cedo que o professor a alma do processo de aprendizado. Por isso, o governo fez desse ofcio um dos mais bem pagos e respeitados do pas. Para os professores coreanos, ter mais de um emprego, coisa comum no Brasil, no s proibido por lei como soa ilgico. "No entendo como pode funcionar assim no Brasil", espanta-se a professora Yang Sue Icyung. Por fim, a Coria conseguiu implantar um sistema movido pela idia do mrito, no qual os bons estudantes so premiados desde a escola at a vida adulta. Foi com essa cartilha que o pas conseguiu entrar no sculo XXI capaz de alcanar renda per capita equivalente de pases europeus e um altssimo nvel de desenvolvimento tecnolgico. Na capital, Seul, os motoristas pilotam carros guiados por um sistema que informa as melhores ruas para evitar um engarrafamento, os trens do metr tm teles de plasma e, nas residncias, h geladeiras com monitores de computador pregados na porta que avisam quais alimentos esto em falta ou expiraram o prazo de validade. At as igrejas da Coria so high-tech (veja quadro). um pas, no entanto, ainda marcado pelas cicatrizes de uma crise econmica, a de 1997, que no s fez a renda despencar como revelou uma fragilidade institucional tpica de naes em desenvolvimento. Ainda hoje os coreanos desconfiam da pujana econmica e poupam para ter provises no caso de nova crise, fato incmodo para um pas que sonha reviver os tempos em que a economia crescia embalada por taxas na casa dos dois dgitos. Em 2004, o PIB da Coria cresceu 5% taxa semelhante motivou um foguetrio no Brasil , o que motivo de desalento. Apesar dos contratempos, os coreanos sabem que construram uma nao que j deu certo graas revoluo pela educao. Basta olhar para os jardins da universidade Postech para ter um exemplo disso: a instituio reservou um terreno de 300 metros quadrados onde pretende espetar esttuas de bronze dos futuros prmios Nobel produzidos nas suas salas de aula. "Estamos obcecados com essa idia", diz o diretor Oh Dong-Ho. Ningum duvida de que vo conseguir concretiz-la.

Wang Jun-Young/AFP

NOME: Jae-Ho Lee IDADE: 14 anos HORAS DIRIAS DE ESTUDO: 11 CURSOS EXTRAS QUE FREQENTA: ingls e matemtica MAIOR MEDO: perder a liderana no ranking de matemtica na escola COMO RELAXA: joga games no computador MSICA PREDILETA: todas as da cantora coreana BoA ("Principalmente as de amor") DOLOS: os campees nas olimpadas de matemtica PRINCIPAL OBJETIVO: ir para uma universidade de prestgio e arranjar um bom emprego

Equaes na mesa de jantar

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A FAMLIA PARK O casal e os filhos, Sam e Sul (no meio): pais atentos

Numa tpica famlia coreana, como a dos Park, um assunto obrigatrio mesa de jantar: a vida escolar das crianas. O pai comenta as equaes matemticas que o caula, Sul, de 13 anos, est aprendendo e pergunta ao mais velho, Sam, de 16, sobre a prova de ingls que ele fez naquele dia. A intimidade do casal de professores Yang Sue, 42 anos, e Young Woo Park, de 43, com a rotina estudantil dos filhos tamanha que eles so capazes de discorrer em detalhes sobre as metas dos respectivos currculos escolares para este ano. Tambm freqentam a pgina oficial da escola na internet para saber se os adolescentes tm dever de casa ou prova vista. Eles participam de reunies, organizam feiras de cincias e, volta e meia, pilotam as panelas do refeitrio da escola de Sul e Sam. Os que lhes perguntam sobre a razo de tamanho empenho obtm de Young Woo Park, o pai, aquilo que, na Coria do Sul, uma espcie de respostapadro. "Queremos dar a melhor educao para nossos filhos, porque s assim eles podero competir pelos melhores empregos", diz. O fato de a Coria do Sul ser um dos pases em que os pais observam mais de perto a vida escolar dos filhos apontado por especialistas como um dos trunfos que garantem ao pas o seu alto padro acadmico. A participao dos pais muito estimulada pelo governo, que tambm v nisso um aspecto fundamental para o sucesso do modelo. H outros, no entanto: a maioria dos estudantes coreanos no se contenta em estudar nos limites da carga horria prevista por suas escolas. Para eles, o trmino das aulas apenas sinaliza o comeo de uma maratona de aulas complementares que, somadas ao perodo em que permanecem na escola, chegam a totalizar uma jornada de at doze horas de estudo. O tempo no a nica coisa que as famlias sul-coreanas dedicam vida escolar de seus filhos: no pas, a educao das crianas chega a consumir 30% do oramento familiar, que , em mdia, de 7 500 dlares por ms, no caso dos Park.

Templo high-tech

Wang Jun-Young/AFP

ESPETCULO GOSPEL Templo Yoido, em Seul: culto on-line e dzimo pago no carto de crdito

A tecnologia na Coria do Sul ganhou o terreno da f. A mais recente novidade no pas onde mais de 80% dos domiclios tm internet de banda larga so os templos high-tech. A igreja que mais chama ateno a pentecostal Yoido Full Gospel, na capital, Seul, onde o culto um espetculo sem paralelo no mundo cristo. Enquanto o pastor David Yonggi Cho, fundador da igreja, d um sermo sobre os sacrifcios de Jesus Cristo, cenas dramatizadas com as imagens da crucificao so projetadas numa tela de plasma com dimenses cinematogrficas. H tambm uma orquestra que faz a trilha sonora e uma cruz de 3 metros, encravada no altar, que reluz em neon azul. Nos intervalos das missas, so exibidos filmetes com imagens de fiis sendo curados pela f e um programa de notcias do mundo gospel, produzido no departamento de mdia da prpria igreja. quando os fiis, como o coreano Ji-Won Kim, de 34 anos, aproveitam para consumir guloseimas nas mquinas automticas. "Vir ao culto como assistir a um show", resume Kim. O show a que se refere o coreano gravado por 200 cmeras e transmitido por um canal de televiso e mais quatro endereos da internet. Tudo em tempo real. Nessa igreja a maior congregao crist do mundo em nmero de seguidores, segundo o Guinness Book , nada tem dimenses modestas. A comear pela construo, que lembra a de um estdio esportivo. Ali cabem 300 000 fiis, trs vezes mais gente do que no Templo Cano Nova, a maior igreja brasileira, em So Paulo, ou no Estdio do Maracan. Eles ficam alojados em cinco pisos, e possvel acompanhar os cultos pelas cinqenta telonas espalhadas pelo templo. platia so oferecidos tambm fones de ouvido e um menu em sete lnguas estrangeiras. Os coreanos embarcaram felizes na tendncia mundial espetacularizao da f. Nos Estados Unidos, nas ltimas trs dcadas, triplicou o nmero de fiis que freqentam os megatemplos. Na Coria, pas onde os cristos representam quase a metade da populao, o agigantamento das igrejas casa-se perfeio com a mania pelos aparatos tecnolgicos. "O templo multimdia ajuda a captar a ateno da platia", diz o pastor Cho. A tecnologia contribui tambm para a sade financeira da Igreja Yoido Full Gospel. Desde que o dzimo passou a ser coletado no carto de crdito pela internet, sua receita cresceu 30%. J est em estudo um projeto para tornar possvel o pagamento via celular, como ocorre em lojas e restaurantes da Coria.

Fanticos por games

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ESPORTE NACIONAL Lan houses e campeonatos de games mobilizam milhes de jovens; nos estdios, o pblico chega a 100 000 pessoas

As maiores celebridades da Coria do Sul no vm da televiso nem tampouco dos campos de futebol. So jovens que fizeram fama e dinheiro ao se tornar campees em jogos de computador os games. Tal a popularidade desses jogos que uma partida entre os melhores do ranking mundial leva aos estdios coreanos 100 000 pessoas, mais gente do que um clssico do futebol brasileiro. Tambm no Coex, um shopping de Seul, milhares de adolescentes se engalfinham nos fins de semana para conseguir um autgrafo de profissionais como Seok Palk Jeong, um garoto de 22 anos que usa um conjunto de macaco e culos espaciais, laqu no cabelo e p-de-arroz no rosto. Ele e os outros travam ali longas batalhas on-line, que so transmitidas em trs diferentes canais na televiso coreana. Jeong um dos melhores do mundo em StarCraft, o game da moda por l, em que as tribos de aliengenas Protoss e Zerg duelam com os humanos Terran, num ambiente futurstico com foguetes e naves espaciais. Jeong fatura cerca de 1 milho de dlares por ano, mdia dos campees de games na Coria. "No sobra tempo para quase nada na vida, alm de treinar em frente a um computador oito horas por dia", diz Jeong. O que ele estuda? Faz curso universitrio de criao de games pela internet, claro. Trata-se de uma especialidade no ensino superior coreano. Tornar-se um habilidoso jogador de games sonho declarado de metade dos jovens da Coria, de acordo com uma pesquisa realizada no ano passado pelo governo do pas. Depois dos estudos, os games viraram, na ltima dcada, a atividade que mais absorve o tempo desses jovens: em mdia duas horas noturnas, segundo mostra o levantamento. O lugar mais popular para a jogatina so as lan houses, uma inveno coreana casas especializadas que ficam coalhadas de gente madrugada adentro. O frenesi em torno desses jogos fez surgir na Coria uma gerao de viciados em games: 10% dos jovens, segundo dados da Universidade Yonsei. Existem j mais de 1 000 clnicas cuja especialidade tratar a obsesso dos garotos pelos jogos. O mercado mundial de games movimenta 2,2 bilhes de reais por ano, dos quais a Coria responsvel por 30%. Antes de lanar um novo jogo no mercado mundial, as grandes companhias fazem testes no pas. Se a novidade passar pelo crivo dos jovens coreanos, um indicador de sucesso para o produto. Essa a praia deles. Resume o publicitrio Hun Cheol: "Se um jovem no joga game na Coria, no visto como um ser civilizado".