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Um Verão Inesquecível Elizabeth Craft TRADUÇÃO: Beth Vieira

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Um Verão Inesquecível

Elizabeth Craft

TRADUÇÃO: Beth Vieira

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Um Verão Inesquecível

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Elizabeth Craft

"Josh e eu vivemos uma paixão arrebatadora no verão. Mas agora descobri que ele tem namorada. Como vou consegui-lo de volta?"

Cada uma que o coração agüenta

Ele era lindo - ainda mais bonito do que a lembrança que eu tinha.- Sara? - Ele chamou. Aquilo era obra do destino, só podia ser. Que outro motivo nos levaria para o mesmo colégio?- Minha mãe foi para o Japão - falei, abobalhada. Como se isso explicasse alguma coisa. - Vim para cá passar o ano com meu pai.Josh sacudia a cabeça para frente e para trás, repetidas vezes, apatetado, sem entender nada.- Sara... eu não acredito. - Deu um passo adiante e apertou minha mão.Meu coração saiu fora do compasso.- Eu quis ligar e dizer que vinha pra cá - balbuciei. - Mas não tinha o seu endereço.- Pois é, eu sei... - E, com a mesma rapidez com que instantes antes tinha agarrado minha mão, largou-a, frouxa e abandonada.- Josh?Ele espiava por cima de mim, os olhos azuis alarmados.- Raleigh - ele disse.Virei o corpo. Raleigh estava parada bem atrás de mim. E sorrindo para Josh.- Ei, amor! - ela exclamou toda feliz. - Você jogou superbem!- Obrigado. - Josh afastou-se de mim como se tivessem acabado de anunciar o meu contato com o vírus Ebola.Horrorizada, vi Raleigh atirar-se nos braços estendidos de Josh.- Oi Sara - Raleigh me disse, depois de finalmente desgrudar dele. - Você já conhece o meu namorado? Desejei pela décima vez ter plantado, naquela manhã, um explosivo qualquer no motor do monstrengo amarelo que iria arrebatar Josh de mim (ou, pelo menos, do estado do Maine e de meu alcance imediato) por tempo indeterminado. Se aquele ônibus enorme enguiçasse por algum motivo, eu teria mais alguns minutos, horas, quem sabe dias para ficar com ele.Infelizmente, sempre fui uma cidadã conscienciosa, cumpridora das leis e não cometeria o desatino de destruir um ônibus escolar inteiro. Sendo esse o caso, o único recurso foi me dependurar no pescoço de Josh, como se a pura força de vontade pudesse nos manter juntos para sempre.- Esse verão foi muito bacana, Sara. Você é uma garota incrível.- Obrigada – respondi em tom lúgubre, fitando o azul intenso daqueles olhos. Como viver dali em diante sem o esplendor daquela cor? – Você também até que é bem legal – consegui sussurrar.- Ah, Sara. – Os braços de Josh me apertaram ainda mais forte e senti nas costas

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o afago de suas mãos vigorosas.Quase desejei que nossa última noite não tivesse sido tão maravilhosa. Josh e eu tínhamos escapulido de nossas cabanas, como de hábito, e remando pelo lago Vermilion até nossa ilha favorita. Ele me surpreendeu com um piquenique noturno feito de morangos e cidra espumante (até hoje não sei onde arrumou o falso champanhe). Trocamos morangos e beijos e fizemos dezenas de pedidos às estrelas cadentes que riscavam o céu de veludo. Clichê meio batido? Sem dúvida. Romântico? Decididamente.Josh e eu tínhamos passado a noite quase toda em claro, conversando e rindo, entre beijos e cochichos. Ao pegarmos o barco para voltar ao acampamento Quisiana, o sol já ia subindo por entre os pinheiros. Nunca lamentei tanto o despontar de um novo dia. No entanto, era preciso encarar o fato de que Josh estava a poucos minutos de tomar aquele horrendo ônibus amarelo. Um pouco antes, ele, eu e todos os conselheiros juniores tínhamos nos reunido na cantina e feito um café da manhã superespecial para a turma: panquecas, waffles, bacon e lingüiça. Chegamos, inclusive, a levar todas as mesas para fora, para que a criançada comesse ao sol. A manhã toda, fingi que se tratava apenas de mais uma refeição. Mas não podia continuar naquele meu mundo de fantasia. Acabara. Tinha chegado a hora do adeus... pelo menos por enquanto.- Josh. – Escondi meu rosto em seu peito, sem dar a mínima atenção para as fartas evidencias de que Gunnie, a diretora do acampamento, me fuzilava com os olhos de seu posto na cabeceira da mesa. Há momentos que pedem moderação e momentos que exigem abraços em publico. Aquela manhã, a última que Josh e eu passaríamos juntos por um bom tempo, sem sombra de dúvida encaixava-se nesse último caso.- Estou falando sério – Josh murmurou entre meus cabelos. – Você é uma em um milhão. Dois milhões. Um bilhão.Balancei minha cabeça em silencio, louca para ouvir aquelas três palavrinhas mágicas.- Você também, Josh. Eu... te amo. Ai, meu Deus. Será que aquelas três palavras tinham escapado de minha boca? Eu te amo. Era verdade. Uma revisão mental imediata confirmou a indiscrição.Josh suspendeu meu queixo, forçando-me a olhá-lo de frente.- Eu também – murmurou.Tudo bem. Josh não tinha exatamente pronunciado com todas as letras o famoso “eu-te-amo”. Mas eu já lera uma boa quantidade daquelas revistas que dizem “como-arrumar-namorado-em-uma-semana” para saber que os meninos não são lá muito craques na hora de declarar amor como Romeu e Julieta. Não precisava ouvir palavras exatas. O simples fato de saber que Josh sentia por mim o mesmo que eu sentia por ele encheu minha alma com um calor arrebatado.

- E a gente vai se ver em breve – acrescentei. – Talvez eu consiga passar o Dia de Ação de Graças com o meu pai. – Ele tinha se mudado havia pouco para uma cidade muito pequena na Flórida, e Josh havia me garantido que não ficava muito longe da costa, onde ele freqüentava o colégio.

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Atrás de mim, escutei o estrondo da buzina de um ônibus. Meu estomago foi parar nos pés, assim que olhei para trás. O primeiro deles estava pronto para partir: campistas e conselheiros iriam embora em diferentes levas, dependendo da hora dos respectivos vôos. Eu só iria no fim da tarde, quando minha mãe chegasse para me levar de volta a Portland. O motorista do ônibus botou a cabeça para fora. Parecia mal-humorado e tremendamente impaciente.- Vamos lá, meus pombinhos! – o sujeito berrou. – O tempo não pára só porque vocês dois ainda não estão prontos para partir!- Já estou indo! – Josh gritou de volta, virando-se outra vez para mim. – Parece que estamos com uma platéia e tanto.Olhei em volta. Josh tinha razão. Dezenas de pares de olhos nos fitavam em seus assentos do ônibus, e um número ainda maior de campistas acompanhava nossa despedida nas mesas do café da manhã. Senti o rosto pegar fogo.- Preciso ir andando – Josh disse.Concordei em silêncio, enquanto ele dava o passo que o poria dentro do ônibus. Com um golpe de sorte me lembrei e gritei:- Espere um pouco! Josh! Espere!Ele se virou:- O que foi?-Os endereços! Números de telefone! – Lidar com o lado prático da vida nunca foi meu forte. – Nós não temos como entrar em contato um com o outro!Josh largou a mochila e estapeou a testa com a palma da mão:- Como fomos esquecer de uma coisa dessas? – perguntou. Depois sacudiu a cabeça. – Tudo bem, eu sei como.

Não havia necessidade de elaborara em torno dessa afirmação. Dezenas de ocasiões me vi à beira de lhe pedir os dados básicos. Mas, de uma forma ou de outra, minhas solicitações de endereço e telefone acabavam sempre perdidas num novo beijo ardente.Puxando um recibo todo amassado e um marcador de feltro da mochila, Josh disse: - Certo, me dê seu endereço.- 160 Little Hill Road – comecei. – Portland, Ma...- Vamos partir já, Nelson – um dos conselheiros gritou do ônibus. – E é já mesmo!- Rápido – Josh falou. – Me dá o resto.- Portland, Maine, 04101 – encerrei mais que depressa. – E meu telefone é 207-555-6251.Josh pôs a tampa no marcador e enfiou o recibo no bolso de trás de sua Levi’s desbotada:- Vou sentir a sua falta.- Também vou sentir a sua – respondi, com um bolo imenso na garganta.Josh inclinou-se, roçou os lábios de leve nos meus e me deu um último aperto caloroso de mão:- A gente se vê em breve. Tenho certeza.Depois, virando-se, saltou para dentro do ônibus, onde o motorista nos vigiava de cara feia por trás do vidro do pára-brisa enorme e um tanto sujo. Vi quando os ombros, perfeitamente esculpidos, de Josh desapareceram dentro do veiculo,

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depois espichei o pescoço para vê-lo avançar com agilidade pelo corredor estreito. O motorista buzinou duas vezes. E eles se foram.Só depois de o ônibus já ter sumido na longa estrada de terra me dei conta de que não tinha pegado nem o endereço nem o telefone de Josh. Tudo o que sabia é que ele morava na Flórida, em uma cidade Mason’s Cove. Ou seria Mecca Beach? Não, espere. O nome da cidade era Cove’s Corner. Ou não. Aah!Suspirei fundo, depois dei de ombros. Josh me ligaria à noite, direto do estado ensolarado – esse é o apelido da Flórida. Ou no máximo no dia seguinte. Anotaria todos os dados dele em um lugar seguro e aí escreveria as cartas mais compridas, engraçadas e românticas do mundo. Depois disso, seria apenas uma questão de tempo até fazermos planos concretos para nos vermos de novo.

12 de agostoQuerido Josh,

Oi! Estou com tanta saudade. Pronto, essa afirmação de suma importância já foi feita. Agora posso continuar esta carta com... o quê? Não sei ao certo o que quero lhe dizer. Mal posso esperar para receber sua primeira carta. Estou tão ansiosa para falar com você que resolvi me adiantar e começar a lhe escrever sempre que me der vontade. Aí, depois, junto tudo e envio assim que tiver seu endereço.O verão foi tão incrível. Antes de conhecer você, nunca pensei que pudesse levar alguém a serio. Em geral, namoro um mês e depois fico torcendo para que o carinha suma. Mas com você... não sei. É como se fosse impossível descobrir tudo o que há para ser dito. Poderia conversar com você horas a fio sem me entediar nem por um segundo. Incrível, não é?Certo, estou ficando meio açucarada, de modo que vou terminar por aqui. Talvez nem chegue a mandar. Tudo o que eu sei é que estou morrendo de vontade de falar com você. Será que anotou certo o número do meu telefone?Com amor,SaraP.S. O Maine não é o mesmo sem você.

Um

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- Mãe, este vai ser o meu último ano no colegial! – Minha reclamação tinha um bom motivo. – Você não pode estar falando sério. Como você me pede para mudar de escola uma semana antes do começo das aulas?- Recebi uma oferta irrecusável. É a grande oportunidade da minha vida. – Mamãe deu um suspiro suave e inclinou-se na poltrona para me dar um tapinha maternal no joelho. – Desculpe ser assim tão em cima da hora, mas até dois dias atrás a universidade não sabia se teria ou não dinheiro suficiente para me oferecer a bolsa de estudo.Eu estava deitada no sofá verde desbotado que toma uma parede de nossa sala de estar, fazendo beicinho há horas. À medida que os dias iam passando, sem que houvesse uma única carta de Josh, meu pânico foi aumentando.Tudo bem que o acampamento tinha terminado uma semana e meia antes. Ainda era cedo, mas eu achava que ele me escreveria assim que chegasse em casa. O problema devia ser do correio, muito provavelmente, ou então a carta de Josh tinha se perdido em algum canto. Mesmo assim, essa espera era pura tortura.Sem contar que ele ainda não tinha me ligado, o que só podia significar que, na pressa da despedida, não havia anotado direito o número do telefone. E, como o sobrenome de minha mãe era diferente do meu, não havia como me encontrar usando a lista telefônica.Na verdade, eu tinha absoluta certeza que, naquele exato instante, Josh estava ligando para Gunnie implorando a ela o número do meu telefone. Eu já havia ligado para a diretora do acampamento (só que não tinha conseguido encontrá-la). Como não houve jeito de lembrar o nome da cidade de Josh, não consegui descobrir o número de telefone pelo serviço de informação. (Nota para mim mesma: prestar atenção da próxima vez em que o amor de sua vida disser o nome da cidade onde mora). Tinha passado por um momento de puro êxtase quando encontrei o e-mail de Josh na internet, mas, depois de lhe enviar várias mensagens sem obter resposta, percebi que devia estar falando com o Josh Nelson errado. Vai ter azar assim lá longe.Entretanto, pouco mais de dez minutos antes percebi que uma caixa de correio vazia não era meu único problema. Havia um outro motivo totalmente válido para a sessão especial de desânimo.Japão. Minha mãe iria se mudar para o Japão. E eu, pobre de mim, teria de abrir mão de toda uma vida, inclusive das milhares de atividades planejadas para esse importantíssimo último ano de colégio, e começar tudo de novo em algum outro lugar. Sem falar que ficaria ainda mais distante do meu único amor.Atirei um braço sobre os olhos e suspirei tão alto que minha labrador castanha, chamada Georgie, atravessou correndo as tabuas do assoalho e mergulhou a cabeça em meu estômago.- Tudo bem, pode arruinar minha vida – disse para mamãe, com minha melhor voz de mártir. – Nada de muito importante. É apenas uma vida entre bilhões.- Sara... – Mamãe parecia cansada. Eu sabia que aquele era o tom reservado para me sentir a pior filha do mundo. Como de hábito, deu certo. Eu estava um trapo.É verdade que ela tinha passado séculos se preparando para aquele momento. Durante os três anos anteriores, batalhara feito uma louca, praticamente tinha se

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mudado para a biblioteca pública de Portland a fim de pesquisar a história do Japão para sua tese de doutorado. Mas, como eu já tinha ouvido mais vezes do que seria possível enumerar, uma pesquisa desse tipo só vai até certo ponto quando se está no Maine. Mamãe precisava ter acesso a obras bem mais detalhadas se quisesse terminar a tese apelidada de “O Monstro”.De repente, a Universidade do Maine lhe oferecera uma bolsa para ir estudar na Universidade de Tóquio por um ano, com tudo pago. Entretanto, havia um pequeno probleminha, que era a minha própria vida. Eu também tinha planos. Todos muito importantes. E nenhum envolvia uma mudança para Tóquio. - Eu sei, eu sei. Você deu um duro danado para chegar até aqui. Todo o sacrifício, todo o tempo, todas as dores de cabeça estão prestes a ser recompensados. E você simplesmente não pode deixar passar essa oportunidade.- Exato. – Mamãe parecia mais contentinha. E estimulada. – Este ano vai ser a realização de um grande sonho meu.A realização de um grande sonho seu, pensei com meus botões. Enquanto isso, meu destino estava em vias de ser mudado para sempre. Meu formidável último ano no colégio Thomas Jefferson e toda e qualquer esperança de dar continuidade ao meu relacionamento com Josh tinham acabado de sair voando pela janela, com destino ao Japão.Não me falem da mãe (perdão pelo mau trocadilho) de todos os péssimos dias. Pela manhã, eu tinha tido a infeliz idéia de me oferecer como modelo no Ambience, tudo para conseguir um corte e um xampu de graça com a Sandy, e saíra com o pior corte de cabelo de toda a minha vida (o que não significa pouco, tendo em vista experiências anteriores). E, claro, também não havia esquecido de que aquele era o décimo dia sem notícias de Josh. Vamos pôr um ponto final nos gloriosos e arrefecidos dias de verão. A vida é um enorme buraco negro.E, para completar, minha mãe exibia aquela expressão de "eu-sei-que-é-duro-ser-criança-mas-fazer-o-quê".- Fico na casa dos Golds - falei de repente. - Posso dormir no chão do quarto da Maggie. - O que não seria tão mau assim. Uma festinha noturna de nove meses de duração ao lado de minha melhor amiga tinha grande potencial para ser divertida. Nem pensar em me mudar para o Japão bem naquele momento. Nem pensar.- De jeito nenhum. – O tom materno foi decisivo. – Você e a Maggie juntas dia e noite só dariam confusão. Com C maiúsculo. - Ah, qual é, mãe! Isso são águas passadas. – Pelo visto, Maggie e eu jamais conseguiríamos apagar da memória o dia em que decidimos pintar um gigantesco símbolo da paz no campo de futebol. Com creme de barbear. Ou a noite em que tomamos emprestado (e aqui eu enfatizo a palavra emprestado) o carro do pai dela para darmos um pulo a Nova York e assistir ao concerto do Hole.Mamãe abanou a cabeça:- Já falei com seu pai. Você vai passar o ano na Flórida. – E, depois de uma pausa, concluiu: - E assunto encerrado.- Flórida! – eu guinchei. – Flórida! – Flórida, Flórida, Flórida. Josh. Flórida. Minha cabeça parecia querer explodir a qualquer momento, enquanto o mundo rodava sem parar dentro dela.Verdade que a Flórida ficava a milhões de quilômetros de minha casa, dos meus

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amigos e da escola. Mas era onde Josh Nelson Morava. As possibilidades desfilavam pelo meu cérebro como se estivesse vendo um daqueles filmes magníficos de Danielle Steel na televisão. Sorri. O dia melhorava em ritmo acelerado. A meu lado, Georgie latiu. Desconfio que pressentiu minha súbita mudança de humor.- Para onde você achou que eu ia mandar você? Para o Ártico?- Claro que não. – Meu coração batia tão rápido que eu parecia estar no meio de uma maratona. Mamãe não fazia idéia de que me entregara de bandeja o presente mais fantástico de toda a minha vida. Claro que não iria abrir a boca. Os pais são especialistas em estourar bolhas coloridas de sabão. Sobretudo bolhas de um metro e oitenta e sete, loiras, de olhos azuis e do sexo masculino. – Só não imaginei que você me mandaria para a Flórida... só isso.- Seu pai parece ter finalmente criado algumas raízes. Acho que, para vocês dois, vai ser maravilhoso passar um tempo na companhia um do outro. – Os cabelos castanhos de mamãe balançaram de lá para cá, na altura do ombro. Ela olhou o infinito com aquela expressão tristonha que sempre lhe encobria o rosto quando vinha à baila o assunto de meu bem-intencionado, mas excêntrico, pai.

A maioria das pessoas imagina que os pais sejam homens grisalhos que chegam em casa às cinco e meia da tarde trazendo em uma das mãos uma pasta e, na outra, flores para a mulher. Certo, admito que talvez todos os pais não sejam assim na vida real. Mas de um pai espera-se ao menos que viva em um só lugar, tenha um emprego e que, de vez em quando, leve os filhos para passear no fim de semana.Mas meu querido pai é um escultor que, até muito recentemente, acreditava que um carro velho caindo aos pedaços era mais que suficiente para indicar o endereço permanente de qualquer criatura. Em geral, ele passava por Portland umas três ou quatro vezes ao ano e estacionava seu carro na rua de casa. Ficava umas duas semanas, se tanto, dava algumas aulas de arte, vendia algumas cerâmicas, depois botava o pé na estrada de novo. Papai já morou em quase todos os estados do país, mas, pelo visto, durante o verão resolveu fixar-se na Flórida. Algo que, para ele, foi, sem dúvida, um passo e tanto.- Talvez você tenha razão – disse. – Depois que completei dez anos, nós nunca mais nos relacionamos de fato. – Sabia que o relacionamento entre pai e filha era uma questão importante para minha mãe. – E posso aproveitar para ver se esse negócio de sossegar o facho e criar raízes é sério mesmo.Mamãe abriu um sorriso.- Então estamos combinadas. Nós duas começaremos vida nova dentro de exatamente uma semana. – E, de repente, uma sombra enevoou-lhe as feições. – Só tem um probleminha.Ah-oh.- E qual é? – perguntei quase sem respirar.- Vou sentir uma saudade doida de você. – mamãe estendeu os braços.- Também vou sentir saudade de você – falei, desabando em cima dela. E iria. Mas sentir saudade de mamãe me parecia relativamente distante, diante da possibilidade de voltar a encontrar meu grande amor. No momento, eu só estava

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preocupada em ir para a Flórida e descobrir o paradeiro de Josh.Uma semana. Agüente firme, Josh. É só uma semana. Eu encontro você, e aí poderemos ficar juntos para sempre.*** -Não acredito que você vai embora. Eu não acredito. – Maggie já tinha repetido essas mesmas duas frases aproximadamente umas mil e quinhentas vezes desde que soubera da noticia. Mas quando o dia da mudança se aproximou, a voz começou a ficar mais chorosa. Os luminosos olhos verdes mostravam-se tristonhos, e até mesmo o cabelo ruivo encaracolado parecia meio borocoxô.Enfiei uma nova peruca na cabeça. Essa era longa, castanha e sem franja. Depois de ter feito o pior corte de cabelo de toda a minha vida, havia ficado obcecada com a idéia de comprar uma peruca. Tínhamos passado, Maggie e eu, os últimos quarenta e cinco minutos dentro da loja Sunny Wigs, e eu já tinha experimentado mais de uma dúzia de estilos diferentes.- Maggie, nós já conversamos sobre esse assunto. – Não queria admitir, mas estava prestes a ter eu mesma uma gravíssima crise de choro.Maggie arrancou a peruca castanha de minha cabeça e substituiu por outra também até os ombros, em tons de acaju, mais para o estilo de “mulheres-de-trinta-anos-bem-sucedidas”.-Não acredito que você vai embora – repetiu mais uma vez.Não gosto de despedidas emotivas. Não chorei nem no dia em que Josh foi embora. Pelo menos, não na frente dele. Depois que entrei em casa, porém, fui direto pra cama, puxei as cobertas e despejei mais ou menos um balde de lágrimas. Em seguida, enxuguei os olhos e fui comemorar a despedida com os amigos.- Você tem montes de amigas – ressaltei, arrancando a falsa cabeleira. – Além do mais, comigo fora da jogada, você já está praticamente eleita a rainha do baile de boas-vindas. – Tirei uma peruca loira encaracolada do balcão e enterrei na cabeça de Maggie.- Nossa, obrigada pelo voto de confiança – Maggie respondeu com secura.- Ora, ora, é para isso que eu estou aqui – retruquei sem me dar por vencida.- Corrigindo, era para isso que você estava aqui. – Maggie me entregou uma peruca em tons escuros de loiro. Gostei do estilo: na altura dos ombros com uma franja curta de Cleópatra. Minha amiga não jogou limpo.- Mags, você está cansada de saber que vou estar a um telefonema de distância. E a um pulo de avião.Ela meneou lentamente a cabeça, depois sorriu.- Bom, pelo menos eu vou conseguir um bronzeado fantástico, quando for visitá-la. – Durante nossa longa amizade, e a poder de muita doutrinação, eu acabara convencendo Maggie dos benefícios de pensar positivo. Como eu, ela nunca ficava muito tempo no fundo do poço.Olhei-me no espelho, semi-satisfeita com o reflexo. Poderia viver com aquele cabelo, até que minhas próprias melenas loiras recuperassem a antiga glória e o comprimento de antes. De repente, porém, senti-me vivamente consciente de que, se por algum terrível acaso, eu voltasse a errar o corte de cabelo, Maggie não estaria do meu lado lá na Flórida para segurar minha mão (ou meus cabelos). Foi

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uma lembrança horrível. Continue pensando positivo, ordenei a mim mesma.-Será que o Josh vai gostar de mim nesta peruca? – perguntei, louca para levar a conversa para outros rumos que não a iminente despedida de duas grandes amigas.Maggie sacudiu a cabeça.- Você não vai mais estar usando peruca, até chegar lá, Sara.Dei de ombros.- Nunca se sabe. Pode ser que eu decida que é melhor ter cabelo falso do que verdadeiro. – Calei-me por um instante, de cenho franzido para a imagem refletida no espelho. – Quer dizer, olhe só para mim. Eu pareço uma vassoura usada.Maggie girou os olhos.- Certo. Sei reconhecer uma pessoa tomada pela ansiedade.- E posso saber o que significa isso? – perguntei, largando um pouco do espelho.- Você está preocupada com o Josh e você, não é verdade? – E Maggie bateu o pé no chão, à espera de uma resposta.Não disse nada. Não sou muito chegada em conversinhas femininas adocicadas. E odeio admitir que não tenho confiança em mim mesma. Simplesmente não é meu estilo.- Vai, confessa mocinha – Maggie continuou. – Eu conheço você. Sei que está preocupada porque ainda não recebeu nenhuma carta dele. Não era uma pergunta. Era uma afirmação.- Estou – admiti.Não havia necessidade de elaborar o assunto. Afinal, tinha passado cada segundo dos últimos dias obcecada com a caixa vazia do correio e com o silêncio do telefone. E tinha dado a mim mesma um milhão de motivos para explicar por que ele ainda não tinha me escrito. A hipótese mais plausível era a de que Josh teria perdido meu número de telefone e endereço em algum lugar no trajeto do Maine até a Flórida. Todos nós abemos que pedacinhos de papel têm um jeito todo especial de desaparecer no espaço. Maggie fez um gesto com a mão, como se quisesse apagar minhas preocupações.- Você sabe que ele quer falar com você. Mas deve estar passando por alguma dificuldade técnica.- Eu sei. Mas agora ele não vai poder mais me achar! Mesmo que tenha encontrado meu endereço e tenha me escrito uma carta, nunca mais eu vou receber! Eu terei ido embora!- Já não prometi que vou conferir sua caixa de correio todos os dias, depois que você for para a Flórida? – Maggie me lemnbrou.. – Além do mais, se o destino de vocês for o reencontro, haverá um reencontro. Vocês vão se ver de novo, sossegue.Tirei a peruca da cabeça com desânimo.- Já não tenho mais tanta certeza disso. Quer dizer, só porque vamos estar no mesmo estado, não significa que será mais fácil encontrá-lo.- Mas assim que você falar com a diretora do acampamento, saberá onde ele mora. – Maggie ressaltou. – Além do mais, eu te conheço, Sara Connelly. Você sempre consegue o que quer. E vai descobrir o paradeiro de Josh, haja o que houver.- Você tem razão, Maggie. – Eu me senti um pouco melhor. – E, quando eu

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descobrir, Josh vai ficar tão emocionado de me ver que vai me arrebatar nos braços e me beijar até eu sentir que vou desmaiar. – Esse era um devaneio que eu já vivera tantas vezes nos últimos dias. Era o que me mantinha de cabeça erguida.

- É isso mesmo. – Maggie meneou a cabeça com todo o vigor.Sorri para ela, com uma sensação de alívio que me invadiu o corpo todo. Engoli de volta as dúvidas e me concentrei na fantasia positiva do reencontro com Josh.- Adoro você, Mags. – Nunca tinha dito isso para ela. Grandes amigas em geral não precisam dizer essas coisas uma para a outra. Fica subentendido. Mas momentos dramáticos pedem medidas drásticas e aquele era decididamente um momento dramático.- Eu também adoro você, Sara. – Maggie deu um passo adiante e nós nos abraçamos, bem apertado. Não queria me afastar dela, jamais, mas tinha assuntos importantes a tratar, que simplesmente não poderiam esperar.

Dois

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O sol era uma imensa bola laranja pendurada em um céu azulíssimo na hora em que deixei a auto-estrada do sudeste da Flórida e peguei a saída para Bay Beach, no sábado à tarde. Segundo o minucioso mapa, que meu pai tinha me mandando por fax, a casa ficava a aproximadamente três quilômetros dessa saída. Já estava até sentindo o cheiro do mar. O ar quente e seco me dava a impressão de estar rumando direto para o paraíso, dentro de meu conversível, com o sol me batendo em cheio no rosto, e o vento soprando o cabelo (tinha dado uma aparada e, graças a Deus, tudo voltara ao normal). Será que não era ilegal morar em um estado com um tempo tão maravilhoso?Pena minha mãe não ter podido fazer a viagem toda comigo. Tínhamos descido juntas pela estrada costeira, depois eu a deixei no aeroporto de Jacksonville, na Flórida. Ela pegaria o avião para Miami e, dali, para o Japão. Eu já estava começando a sentir falta das recomendações incessantes para não me esquecer de dar banho na Georgie, arrumar o quarto e lembrar de desligar a cafeteira elétrica. Mas a vida segue em frente, e a minha ia direto para Josh e para um verdadeiro romance.—A-há! — exclamei para Georgie. À margem da estrada havia um grande cartaz cor-de-rosa que dizia "Sara! Por aqui". A placa de cartolina fora presa numa estaca de pau — por meu pai, é claro.Continuei avançando, de olho em outras possíveis placas. Papai não me desapontou. A cada duzentos metros, mais ou menos, surgia nova indicação, todas mostrando uma flecha preta enorme apontada para a frente. Difícil era parar de sorrir. Meu pai talvez não seja o cara mais confiávei do mundo, mas sabe dizer as coisas, quando quer. Aquele era o maior tapete vermelho de boas-vindas que eu já tinha visto na vida.Nesse momento, enxerguei uma plaquinha pequena de madeira: Avenida Hart.

— Chegamos, Georgie — informei a minha cachorra. A partir daquele momento, eu era uma residente oficial do estado da Flórida. — Esta é a avenida que vai nos levar a uma nova vida. — Georgie correspondeu com um latido alto e um abanar de rabo. Depois, latiu outra vez.— Está certo, está certo — disse a ela. — Esta também é a. avenida que, com sorte, me levará de volta a Josh Nelson o cara mais bacana que o universo já criou. — Tamanha era minha animação com a perspectiva de encontrar Josh, que foi preciso lembrar a mim mesma de que ele não estaria parado na porta da casa de meu pai, segurando um buquê de balões coloridos.Tinha passado a maior parte da viagem imaginando como seria o momento em que nos encontraríamos de novo. Lá no fundo, porém, sabia que havia uma boa chance de que não nos víssemos nunca mais, mas precisava continuar pensando positivo. Essa era a única forma de agüentar o tranco daquela súbita mudança em minha vida. E, ainda que a idéia fosse de uma insanidade absoluta, havia uma parte minúscula dentro de mim imaginando de fato que Josh estava me esperando na casa de meu pai.Olhei para a direita e para a esquerda, indo em direção ao meu novo lar. O quarteirão era lindo. Casas pequenas, coloridas, alinhadas dos dois lados da rua, todas com gramados grandes o suficiente para acomodar belos jardins floridos.

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Fui passando devagar por elas, lendo os números:— Estamos perto — comuniquei a Georgie. — Muito, muito, perto.Então vi a placa final: "Bem-vindas, Sara e Georgie!" Buzinei três vezes, enquanto embicava na entrada. Quase no mesmo instante, papai surgiu de trás de algum arbusto de aspecto muito exótico. Pus ponto morto, desliguei o motor e abri a porta do carro com um tranco.

— Papai! — Deixei cair o chaveiro no chão e corri para abraçá-lo. Enquanto vencia a curta distância que nos separava, observei que a vasta cabeleira paterna tinha se reduzido a um comprimento até respeitável: seu cabelo batia nos ombros. E a barba, desgrenhada, de homem das cavernas cedera lugar a um distinto cavanhaque.Já de braços estendidos, papai me enlaçou em um imenso abraço de urso. — Você não precisa me chamar de papai — ele me lembrou. — Nós somos iguais. Pode me chamar de Mark.Tudo bem; meu pai ainda se enquadrava na categoria de hippie maduro. Pelo menos estava usando uma camisa decente e não aquele eterno poncho que mais parecia um cobertor de cobrir cavalo. E havia uma casa de verdade assomando atrás dele. Após anos e anos de trabalho duro e perambulações mundo afora, papai finalmente começou a ganhar algum dinheiro e a fazer as coisas que a maioria das pessoas faz aos vinte e tantos anos. Havia comprado uma casa, tinha plano de saúde e até fazia declaração de renda.— Obrigada, mas acho que prefiro o tradicional papai — falei, rindo.Meu pai deu de ombros.— Como você quiser, meu bem.Atrás de mim, Georgie saltou do Oldsmobile e foi direto para ele latindo feliz da vida. Vi o rosto de meu pai se iluminar: ele a amava quase tanto quanto eu. Durante os minutos seguintes, a reunião entre homem e cão dominou a cena. Não são muitas as pessoas no planeta que não se importam de lambuzar o rosto com saliva canina, mas papai é decididamente uma delas.Pois é. Pachorrento, tranqüilão e sorridente. Talvez estivesse começando a aderir um pouco mais às regras da sociedade, mas era óbvio que ele não havia mudado tanto assim. E eu me sentia satisfeita de ter essa oportunidade de conhecê-lo melhor. Viagens pelo país inteiro durante as férias e telefonemas esporádicos não eram a mesma coisa que a convivência cotidiana. Papai e eu iríamos ter uma dinâmica inteiramente nova.

Mas no momento não era a questão do relacionamento pai e filha que me atazanava o cérebro. Estava com Josh na cabeça, e a coisa era séria. Mal podia esperar para começar a busca. E de algum modo, sabe-se lá como, pretendia começar a caçada naquela mesma noite. Primeira parada: a lista telefônica de meu pai. Segunda parada: dar mais uma ligada para Gunnie para descobrir o nome da cidade onde Josh morava. E, por fim, tinha planos de tentar a rota de e-mails outra vez.Se as três primeiras missões falhassem, havia um esquema mais elaborado. Ir a biblioteca pública para pesquisar nas listas telefônicas do estado o endereço de

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Josh tinha sido a brilhante idéia de última hora de Maggie. Uma idéia tão simples e, ao mesmo tempo, tão perfeita: eu simplesmente folhearia todas as listas telefônicas da Flórida existentes na biblioteca até encontrar uma que tivesse o número do telefone de Josh.Só havia um senão nesse plano. Nelson não é propriamente o sobrenome mais raro dos Estados Unidos. E não fazia a menor idéia de qual era o nome do pai dele. Poderia muito bem ligar para cem diferentes famílias com sobrenome Nelson e não encontrar nenhum Josh. Mas meu amor não conhecia limites e ligar a esmo era uma tarefa a qual me dispunha a executar com a maior satisfação.— Quem vai querer um hambúrguer vegetariano? — papai perguntou. — A churrasqueira já está acesa no quintal.Girei os olhos; Sou tão politicamente correta quanto qualquer filha de pais ultraconscientes, mas gosto de comer uma carninha de vez em quando. Sobretudo aquele tipo de carne que vem servida em pão de hambúrguer, transbordando de ketchup e mostarda, acompanhada de picles.— Será que não dá para a gente assar uns pedaços de frango, pelo menos?, perguntei como quem não quer nada.Papai encolheu os ombros.— Sem problema, querida. Dou um pulo na casa do Tim e pego umas galinhas no freezer dos pais dele.— Tim? Quem é Tim?Meu pai abriu um sorriso de orelha a orelha. — O Tim é meu novo assistente. É um garoto muito talentoso. Acho que você vai gostar dele.Hum... bem... Papai usou um tom de voz, para dizer isso. Um tom que eu já tinha ouvido a mãe de Maggie usar várias vezes. Na verdade, ela o usava sempre que queria convencer minha amiga a sair com algum cara cujo pai trabalhava com o pai dela na empresa de seguros Greater Portland. Mas não, devia ser impressão. Meu pai era um hippie esclarecido, boa-praça e amante da paz. Não iria se intrometer nos assuntos particulares da filha. Resolvi dar ao homem que tinha metade da responsabilidade por eu estar no mundo o beneficio da dúvida e presumir que tinha me enganado quanto a voz de casamenteiro.— Você tem um assistente? Que legal!Papai é um escultor e tanto. Já expôs em algumas das melhores galerias do país. Mas no que diz respeito a negócios, bem ele é um horror. Mamãe e eu sempre achamos que ele se beneficiaria muitíssimo se contratasse alguém para tomar conta das banalidades inerentes ao ato de ganhar a vida.— O Tim é mais que um assistente. Ele é um escultor de imenso talento que ainda vai deixar sua marca no mundo das artes.— Legal, essa história de dotes artísticos —falei. — Mas será que ele sabe alguma coisa de contabilidade? Para dar uma força para você?— E como. Ele também é muito engraçado, tem a sua idade, e é solteiro. — Papai enumerou os atributos de Tim como se estivesse vendendo um par de brincos baratos por um canal de tele-vendas.— Puxa, e ele já aprendeu a fazer xixi no quintal? — perguntei sarcástica.Papai tirou minha enorme sacola do banco traseiro do carro e pendurou-a no ombro esquerdo.

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— Ele já me prometeu que vai lhe mostrar um pouco do que temos por aqui — continuou, todo orgulhoso. — E eu me ofereci para pagar um jantar e um cinema para vocês.

— Papai! — E nessa altura gemi de fato. O que poderia ter ocorrido com aquele pai ultracabeça fria que eu conhecia? Quer dizer, mesmo que eu não tivesse meus próprios planos no departamento romântico — e eu tinha cem por cento deles prontos na cabeça — com certeza não iria querer meu pai se metendo e arranjando um namorado para mim.De mala a tiracolo, ele entrou em casa, com Georgie nos calcanhares.— Como você preferir, meu bem. Só estou tentando evitar que a transição para a Flórida ensolarada seja muito traumatizante para você.— Vai dar tudo certo — garanti a ele. Na verdade, vai dar tudo supercerto assim que eu puser as mãos — e os lábios — em Josh.De repente me dei conta de que tinha parado no meio do caminho. Meus pensamentos vagavam em torno de Josh, bloqueando todo o resto, inclusive a capacidade de colocar um pé na frente do outro. Já me achava na metade da estreita alameda de lajotas que conduzia à porta da frente quando percebi onde estava. Meu queixo praticamente caiu no chão. O lugar parecia mais uma casa de boneca do que uma residência de verdade.Era um sobradinho lilás, uma cor geralmente reservada aos ovos de Páscoa. As esquadrias de todas as janelas estavam pintadas de verde-hortelã, mesma cor da varanda comprida de madeira que acompanhava a frente da casa. Obviamente, os moradores da Flórida são um pouco mais fantasiosos que nós em Portland, já que hibernamos dez meses por ano. Mas a pièce de résistance era a porta da frente. Alguém — muito provavelmente meu pai — havia pintado uma sereia de um metro e oitenta, completinha, com cauda enroscada e ondas lambendo-lhe os pés, na porta. O minimural até que era interessante, mas não fazia exatamente meu gênero.— Não demore! — papai gritou de algum lugar de dentro da casa. — Pode ir desfazendo as malas, enquanto eu começo o jantar.— Estou indo! — berrei.Papai voltou até a porta e enfiou a cabeça para fora. — E quero saber tudo sobre sua mãe. Pelo visto, ela continua fabulosa como sempre.

Fiz um esforço deliberado para não suspirar. Papai tinha sofrido um bocado com o divórcio. Não conseguia namorar mais de um mês com ninguém, nos últimos dez anos. O coitado continuava com o coração despedaçado. Hum... Talvez haja outros motivos para o destino ter me despejado na Flórida neste determinado momento da vida. Se meu pai se achava no direito de me arrumar namorados, talvez coubesse a mim fazer o mesmo por ele.— Que cara é essa, agora? — papai perguntou. — Que cara? — perguntei com o ar mais inocente do mundo, sorrindo meu sorriso de filha perfeita.Em seguida, disparei pelo que restava da alameda, o coração batendo forte. Estava prestes a fazer minha primeira refeição oficial em minha nova casa oficial na minha nova cidade oficial. Exato. Minha nova vida oficial começava, o que

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significava também algo deveras emocionante. Com um pouco de sorte, havia a possibilidade de que Josh viesse a se tomar em breve meu namorado oficial.

***

O aroma doce e forte da Flórida me obrigou a abrir os olhos às oito horas da manhã de um domingo. O sol jorrava pela janela do quarto e dava para escutar o barulho do torno girando no ateliê do meu pai. Cutuquei Georgie, que ainda dormia a sono solto ao pé da cama. Ela abriu os olhos e agitou a cauda alegremente. Diferente de mim, Georgie é uma "pessoa" matutina — bem, quer dizer, uma cachorra matutina.Eu me apaixonei pelo quarto assim que pus os pés dentro dele. Era amplo com assoalho de madeira e paredes amarelas.— Esta é nossa primeira manhã na Flórida, Georgie — falei baixinho. Mais cedo ou mais tarde, eu teria de parar com essa história de primeiro isso e aquilo: a lista poderia ficar interminável. Primeira vez que eu escovava os dentes, primeiro café da manhã, primeira caminhada até a praia, primeira chuveirada...— Meu bem? — papai gritou lá de baixo. — Já acordou?— Já! — respondi. — E acho bom você ter um bom cereal para me oferecer!

Pulei da cama e, no caminho, passei pelo espelho de corpo inteiro que havia num canto do quarto. Meu cabelo estava todo amassado. Infelizmente, minha nova peruca já estava péssima; pelo visto, seria preciso investir um pouco mais para levar adiante o plano de usar cabeleira falsa em bases regulares. Entretanto, não me sentia disposta a passar um pente naquela maçaroca emaranhada até ter engolido pelo menos uma xícara de café. Caso contrário pessoas — ou cães — poderiam se machucar.O barulho do torno funcionando a todo o vapor foi ficando mais alto, à medida que descia as escadas com meus chinelos de coelhinho. Felizmente, também identifiquei o perfume característico de café aromatizado com caramelo, de longe o meu favorito.Papai talvez não tenha passado muito tempo comigo na época em que eu atravessava aquele período chamado "difícil da adolescência, mas ao menos tinha prestado atenção em mim.— Café. Preciso de café — gemi, entrando na cozinha.— Deixe ver se eu adivinho — falou uma voz grave. — Você prefere fraco e doce.Quase engasguei.. Sentado à mesa enorme de pinho, havia um cara mais ou menos da minha idade. Sorrindo.— Sara, eu imagino?— Hum... sim — respondi, com a calma que me foi possível, considerado que eu estava de roupão roxo de flanela e chinelos de coelhinho. — E você seria...?Minha voz passou automaticamente para o "modo de paquera". Certo, confesso que não consigo me ver em uma sala com um gato da minha idade sem exalar o que Maggie acabou apelidando de vibrações de paquera. E, confesso também, o carinha era um gato. De cabelo escuro curto e lábios vermelhos cheios. Com olhos tão castanhos que chegavam a parecer pretos. Quer dizer, minha

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devastadora paixão por Josh não me cegara para os encantos de lindas espécimes do sexo oposto.— Tim Kaplan, muito prazer — respondeu todo a vontade como se topar com meninas embrulhadas em roupões de flanela, em cozinhas alheias, fosse uma ocorrência diária em sua vida.

Aí veio o estalo. Tim Kaplan! Garoto-com-quem-supostamente -Sara-teria-seu-primeiro-encontro-na-Flórida! Era também o cara que iria ajudar meu pai a passar de hippie a yuppie.— Então você é o jovem assistente talentoso que vai ajudar meu pai a não esquecer de pagar as contas em dia.Tim riu.— Antes de começar a trabalhar com seu pai, a eletricidade foi cortada duas vezes.— E ele provavelmente não tinha recebido um centavo pelas últimas dez peças vendidas — acrescentei.— Acertou. — Tim levantou-se e foi até a cafeteira. — Você toma com semidesnatado ou desnatado? — perguntou, enquanto me servia uma apetitosa caneca de café sabor caramelo.— Sou mais pelo semi. A vida é curta.— Açúcar?Concordei enquanto observava Tim tirar três colheres de açúcar de um açucareiro vagamente parecido com um dinossauro, que eu tinha feito para papai na terceira série.— Você também gosta de saltos com corda bungee, corridas de moto e pára-pente? —Tim perguntou, passando a caneca.Dei um gole, antes de olhar para ele.— Eu disse que a vida é curta. Não falei em desejo de morte.— E de mergulho, você gosta? Ainda não perdi um cliente.— Como foi que a conversa passou de leite semidesnatado para mergulho?— Sou instrutor de mergulho. — Tim levou o bule vazio até a pia, depois apanhou uma esponja já meio gasta e passou na bancada. — Posso ensinar você numa boa. Sem cobrar nada, claro.Refleti sobre a oferta dele, ainda de olho no jeito como continuou a arrumar a cozinha de uma maneira metódica e despreocupada. A familiaridade do cara com a cozinha de meu pai era meio irritante. Quer dizer, afinal a filha ali era eu. Eu deveria estar à vontade, em vez de parecer uma convidada. Não estava gostando da idéia de ser uma estranha numa cidade estranha. Queria me sentir em casa, como me sentia em Portland. Mas fazer um amigo era um bom começo.— Adoraria aprender. Marque o dia.— A gente pode começar depois da escola, uma tarde dessas. Vou conferir meus horários com seu pai, depois eu lhe digo.

Balancei a cabeça. Com menos de vinte e quatro horas na cidade, eu já tinha planos. Nada mau para uma garota de dezessete anos com o cabelo todo amassado. Torci para que mamãe estivesse se ajustando com a mesma facilidade

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à vida no Japão, e ansiei pelo telefonema que ela me faria à noite. Quem sabe até ter conversado com ela já teria encontrado Josh e começado a me sentir realmente em casa. Bom, está certo, talvez seja otimismo demais. Mas ninguém falou que uma garota não tem o direito de sonhar...

***

Até a hora de me sentar para jantar, no domingo à noite, meu amor inicial pela Flórida já havia levado uma ligeira surra. Tinha fracassado totalmente na tentativa de localizar Josh pela lista telefônica, descobrira que não havia um lugar decente onde fazer compras em uma raio de oitenta quilômetros e conseguira me tostar inteira na praia. Sem sombra de dúvida, seria preciso embarcar na fase dois de meus planos: a biblioteca.Havia ligado para Maggie três vezes, durante a tarde, e em cada uma a mãe dela me disse que a minha melhor amiga tinha saído com "a turma". Pelo visto, minha ausência não tinha causado maiores danos às atividades sociais de Portland. Todo mundo parecia estar se dando muito bem sem mim.— Por que três lugares à mesa? — perguntei a meu pai, que estava ocupado mergulhando nosso espaguete em queijo parmesão.— Eu serei seu distinto convidado esta noite. — E lá veio Tim, direto do ateliê de papai, com o cabelo empastado de barro.— Ah — Não era minha intenção ser rude, mas estava ficando meio chata a presença do grande assistente. Ele não tinha saído de nossa casa por mais que cinco minutos desde o segundo em que pus os pés em Bay Beach. — Você nunca vai para sua casa?— Sara! — Meu pai desviou as atenções da enorme travessa de espaguete. — O que há com você?

— Nada... desculpe. — Qual seria o problema? O coitado do Tim fora um amor comigo o tempo todo. Tudo levava a crer que o nervosismo com os insucessos da busca começava a exercer impacto negativo em minha capacidade de ser civilizada. Sentei-me e forcei um sorriso.Papai colocou a travessa de espaguete no meio da mesa e sentou-se também:— O Tim fez um vaso magnífico, hoje. Você devia dar uma olhada.Concordei, distraída. Minha mente continuava concentrada em encontrar Josh.— Claro, lógico. Tim assobiou.— Puxa, com todo esse entusiasmo, acho que já vou providenciar uma exposição no MOMA.Olhei para os talheres e não disse nada. Não estava a fim de gozações.— Quem quer pão de alho? — papai perguntou. — Comprei o pão de um agricultor orgânico em Coral Gables.Estendi o prato.— Obrigada. Tim olhava fixo para mim, tentando me fazer reagir. Bem, ele podia encarar o quanto quisesse.

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— Não se incomode com a sua falta de interesse — ele disse. — Quer dizer, não é todo mundo que sabe apreciar a grande arte. Você provavelmente prefere ver seriados na televisão e ler revistas sobre a vida de artistas.Muito bem, já era o suficiente. Ergui a cabeça e encarei-o de volta.— Para sua informação, não vejo televisão a menos que seja forçada a fazê-lo por algum amigo chegado. E também não leio esse tipo de revistas. Seja para que público for.Tim riu, a mesma risada solta e à vontade, que me chamara a atenção pela manhã.— Relaxe, Sara. Só estava brincando.Mantive a carranca por alguns momentos, mas aqueles olhos castanhos brincalhões acabaram me obrigando a abrir um sorriso. Ele tinha razão: eu havia exagerado. Mesmo assim, não iria admitir.— Eu sei. Eu também.— Hum-hum — foi a resposta dele, que obviamente tinha achado a minha mais engraçada ainda. — Certo.Papai pôs duas fatias de pão de alho em meu prato.— Está nervosa por causa da escola, meu bem?Não, papai. Nem um pouco. O primeiro dia em uma nova escola não é motivo de alarme. — Claro que não. Eu não fico nervosa.

Está bem, confesso que, quando minha mãe ligou, disse a ela que estava com frio na barriga por causa da escola a qual começaria a freqüentar no dia seguinte. Mas Tim não precisava saber disso. Certas informações é melhor guardar consigo.Tim ergueu uma sobrancelha castanha.— Se quiser, eu posso lhe dar uma carona até a Glendale e mostrar onde ficam as coisas. Aquilo lá pode ser meio assustador, a princípio.Mergulhei o garfo na massa e sacudi a cabeça com todo o vigor. Não iria deixar que Tim sentisse dó de mim.— Sou uma aventureira. Gosto de fazer as coisas sozinha. Ele meneou a cabeça, com os olhos cintilantes.— Como você preferir... contanto que não perca a coragem para ir às aulas de mergulho.— Quanto a isso. não tem o menor perigo. Eu estarei lá. — Um pesadelo de nada, justamente o da noite anterior, no qual eu me afogava ao lado de uma bando de tubarões, não iria me impedir de entrar no esplêndido mundo do fundo do mar.— Excelente! — Papai disse naquela voz irritante que ele parecia ter adotado desde a leitura de Pais e filhas: a importância de incentivar a auto-estima. — Minha filha Sara não está nervosa e meus dois adolescentes favoritos vão embarcar em uma odisséia submarina. A vida não poderia ser melhor.Vale dizer que papai estava pesando um pouco a barra para o lado de banalidades do gênero "a vida é perfeita". Mas ele tinha um fundo de razão. De repente, era gostoso ter Tim por perto, mesmo que ele me desse um pouco nos nervos. Afinal de contas, o garoto havia conseguido melhorar meu humor. E eu estava louca para começar a aprender a mergulhar com máscara.

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Entretanto, a vida poderia ser melhor, muito melhor. E eu tinha certeza de que seria, se conseguisse localizar Josh. Aí a vida seria praticamente perfeita.

Diário de Agradecimento Oficial de Sara (Estilo Oprah)

***Cheguei à conclusão de que lugares novos pedem rotinas novas, portanto vou seguir o conselho dado por Oprah Winfrey outro dia na televisão e começar meu próprio Diário de Agradecimento. A idéia geral é a seguinte: se eu anotar cinco coisas pelas quais posso me considerar grata, todos os dias, minha vida começará a mudar. Vou me concentrar nos bons acontecimentos e esquecer dos maus. De qualquer modo, em geral, prefiro me concentrar nos bons. Mas devo admitir que estar em uma cidade desconhecida é mais assustador do que eu esperava. Então, lá vai...Agradeço ao fato de meu pai e eu estarmos juntos de novo.Agradeço ao tempo, que está fantástico.Agradeço por meu carro não ter enguiçado a caminho daqui.Agradeço por Tim Kaplan (embora ele seja meio irritante) parecer disposto a me levar para passear e ficar por perto.Por último, mas não em último lugar, agradeço por Josh e eu estarmos agora no mesmo estado, embora eu não saiba, ainda, onde ele mora exatamente.

Três

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- Desculpe – disse. E olha que não era a primeira vez naquela manhã. Eu já tinha atropelado diversas pessoas na minha perambulação sem rumo pelos intermináveis corredores abarrotados de gente do colégio Glendale. Já mencionei que odeio segundas-feiras?O colégio Glendale não é simplesmente uma escola: é uma cidade. Nunca tinha visto tantos corredores e tantas salas de aula, sem falar em alunos, debaixo do mesmo teto. Até o gabinete da administração estava lotado de gente. Precisei esperar dez minutos para conseguir falar com a pessoa encarregada. No fim, consegui que a inspetora Rodriguez me entregasse um mapa do prédio e o horário das aulas, não sem antes ouvir uma lista de regras e diretrizes referentes a trajes e comportamento. Basicamente, não posso usar saias que mostrem a calcinha nem camisetas obscenas e, em hipótese alguma, devo namorar nos corredores.A garota em quem eu acabara de dar um encontrão me lançou um olhar fulminante antes de avançar corredor afora. Obviamente, bons modos não faziam parte dos regulamentos da escola. Afastei-me da torrente de alunos encostando-me em um armário pintado de roxo. Havia um quê de arfante em minha respiração que reconheci, de imediato, como sintoma de ansiedade. Notei também que as palmas das mãos estavam suadas enquanto mais ou menos torcia para que se abrisse um buraco no chão que me engolisse inteira, com tamancos novos e tudo.Quem acreditaria que poucos dias antes eu achava que iria simplesmente mudar de casa, telefonar para Josh e viver uma vida de amor, diversão e amizade? Até o momento, tudo o que havia conseguido fora queimadura de sol, indigestão com pasta de caranguejo e uma noite em claro, preocupada com o primeiro dia uma escola nova em folha. E, no que se referia a Josh, estava começando a perceber o tamanho da Flórida. Uma rápida passada pela biblioteca da escola – felizmente dera de cara com ela – tinha sido suficiente para constatar que havia pelo menos duzentas listas telefônicas a minha espera. Procurar todos os Nelsons e copiar todos os possíveis números de telefones levaria semanas. E já até previa qual seria a reação de meu pai ao receber uma conta telefônica com ligações para varias centenas de Nelsons espalhados por todo o estado. Ao menos tinha o consolo de saber que Gunnie estava para voltar das férias que tirara depois de comandar o acampamento de verão. Ela poderia me dar o número do telefone e o nome da cidade de Josh em segundos.- Perdida? – perguntou uma garota miúda, de cabelos pretos brilhantes e um sorriso que certas meninas costumam reservar para o Campeonato Nacional de Líderes de Torcida. Pareceu-me um pouco mais presunçosa que as garotas que em geral eu circulo, mas, puxa, eu precisava de amigas, onde quer que eu pudesse achá-las!- Perdida é fichinha – falei. – Estou vagando pelos corredores há uma eternidade.- Você é nova aqui – disse-me ela, com voz carregada de simpatia. No mesmo instante, senti-me culpada por ter zombado mentalmente dela, com base no simples fato de a garota ter um daqueles narizinhos arrebitados engraçadinhos.- Sou, acabei de chegar do Maine. – Dei-lhe um sorriso que eu torcia para ser simpático.- Bem-vinda à Flórida, então! Eu sou Raleigh Stockton. – E estendeu a mão, que

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eu apertei meio sem graça.- Sara Connelly. Estou desesperadamente necessitada de uma boa alma que se compadeça de mim.- Pode deixar comigo. – Raleigh pegou o horário de minhas mãos e examinou-o por alguns momentos. – Para começar, você está no prédio errado. A sala do professor Maughn fica no prédio Kingman.- Ah. – As coisas estavam começando mal para quem pretendia passar em Calculo Um. Se eu não fazia idéia nem de que a escola tinha mais de um prédio, que dirá conseguir encontrá-lo.- Levo você até lá – Raleigh propôs.Senti uma onda de ingratidão infinita.

- Não, não precisa – falei com toda a humildade. – Quer dizer, a sua aula também já deve estar começando.Ela deu de ombros.- Todo o mundo por aqui me conhece. Além do mais, é só dizer à professora Martin que estava mostrando a escola para uma aluna nova.Gemi. Eu era uma aluna nova, o rótulo mais temido nos colégios do país inteiro.- Obrigada. – murmurei.Raleigh deslizou pelo corredor, e eu a segui docilmente. Seria esse o sentimento de Georgie, quando grudava nos meus calcanhares?- Então, você vai ao jogo da sexta-feira? – ela me perguntou.- Hum... não sei ainda. – Eu sempre ia aos jogos em Portland, só que lá fazia parte integrante de tudo, embora nunca tinha sequer olhado para o campo. Os jogos de futebol eram apenas mais uma oportunidade de me reunir com a turma.- Pois devia – Raleigh aconselhou. – É o melhor jeito de conhecer gente. – E me deu sorriso imenso. Obviamente, já tinha cuidado de outros “alunos novos” na vida. – Eu iria com você, mas tenho de animar a torcida.Então ela era líder de torcida. Meu radar antipresunção acertara na mosca!- Eu, hum... vou pensar a respeito. – Controle-se, Sara, eu disse com meus botões. Veja se encontra alguma simpatia escondida em algum canto desse seu belo eu. Não apreceu quase nenhuma. – Quer dizer, claro, vou sim.- Ótimo.No final do corredor, ela empurrou uma imensa porta vermelha. – O prédio Kingman fica no fim dessa alameda – explicou, continuando em frente. – E o ginásio é por ali. – Fez um gesto na direção geral de um gigantesco estacionamento.- Por que essa escola é tão imensa? – perguntei. – Bay Beach tem no máximo cinqüenta mil habitantes, se tanto.Raleigh riu.- Bay Beach só tem cinqüenta mil moradores, mas a Glendale atende estudantes de toda a região. Tem gente que dirige pelo menos sessenta quilômetros para chegar até aqui.Tonta. A garota deve estar me achando a maior idiota do planeta. -Certo, certo... – dizer o quê, depois de uma pergunta tão imbecil? Começava a char que tinha esquecido o cérebro que tinha me garantido 1490 pontos no teste

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de aptidão escolar lá em Portland.- A boa notícia é que temos toneladas de gatos – Raleigh me disse, em tom de conchavo. – Uma garota bonita como você vai arrumar mais encontros do que qualquer uma dessas modelos ou cantoras que viram celebridade! Dei risada, a primeira risada autentica do dia. Primeiro, porque adoro um elogio. Segundo, porque Raleigh conseguira dizer algo engraçado.- Não sei se estou disponível no momento – falei. – Estou, mais ou menos, com uma pessoa.-É mesmo? – Os olhos da Raleigh se iluminaram. – Adoro saber sobre os romances alheios. Namoro o mesmo garoto desde os oito anos, mais ou menos.Isso não me espantou nem um pouco. Meninas como a Raleigh sempre terminam com o rapaz da casa ao lado.- Nossa! Quanto tempo. – Fingi indignação. O nome dele provavelmente devia ser Biff ou Skip.- Pois é. Agora me conte sobre o seu namorado. Ele ficou no Maine, morrendo de saudade de você?- É, mais ou menos. – Ao menos esperava que Josh estivesse morrendo de saudade.- Que chato. Um namorado não serve para muita coisa, a menos que esteja na mesma escola que a gente.Até aí, concordávamos em tudo. A simples idéia de freqüentar a mesma escola que Josh era suficiente para me transformar em uma maluca incoerente de tanta felicidade. Já estava até vendo: eu entraria no prédio Kingman, para assistir à aula de Calculo, e daria de cara com Josh parado no meio da sala. Só que a vida não é bem assim.- Bom, espero que valha a pena esperar por ele. – Raleigh apontou para um pequeno prédio de tijolinho aparente, à esquerda. – Aquele é o Kingman.Paramos as duas. Este era o momento: será que uma das duas iria fazer o esforço de tentar estabelecer uma amizade? Ou será que iríamos admitir em silencio que não tínhamos nada em comum e deixar as coisas como estavam?

Obrigada pela ajuda – disse.- Imagine! – Raleigh me respondeu, com todo o entusiasmo. Por dentro, era como se estivesse soltando o maior suspiro de alívio pelo fato de eu não tê-la convidado para dormir em casa no sábado à noite. – E boa sorte!Continuando seu percurso saltitante pela alameda, Raleigh me deixou sozinha na frente do prédio. A última campainha tinha soado alguns minutos antes. Eu teria de entrar em uma sala lotada, interromper uma aula em andamento e esperar que um velho professor rabugento de matemática dissesse meu nome em voz alta. Pode-se dizer que eu não estava tendo a melhor manhã de minha vida. Do outro lado, meu cabelo até que tinha ficado legal. E, por enquanto, um cabelo decente era o suficiente.Respirei fundo.- Glendale, aqui vou eu.

***

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À tarde, desabei sobre o sofá da sala, junto com Georgie, e fiquei assistindo Oprah, afogada em tristezas. Em geral, nunca me permito chegar assim tão fundo no poço, mas não pude evitar. Lá estava eu, a quilômetros e quilômetros de casa, sem a menor esperança de descobrir o paradeiro de Josh. Claro que eu acalentava mil fantasias, mas era preciso encarar os fatos: não havia a menor possibilidade de eu encontrá-lo de novo... ao menos em um futuro imediato.E, para completar, freqüentava uma escola nova, sem um amigo para contar tal triste história. Sem falar que todos os professores haviam passado uma quantidade absurda de deveres de casa para a primeira semana de aula. A vida estava para lá de tenebrosa.- Ei, Sara.Ergui os olhos e vi Tim parado dentro de minha sala, sorrindo.Tentei sorrir de volta.- Oi – resmunguei.Tim acomodou-se na poltrona em frente.- Você não está com uma cara muito boa, hoje.Ótimo. Isso era justamente o que precisava, alguém para reforçar meus sentimentos negativos.- Muito obrigada – respondi com sarcasmo.Ele riu e abanou a cabeça.- Não quis dizer isso, Sara. Mas você está me parecendo meio para baixo.Suspirei e sentei direito no sofá.- Pois é, tive um longo dia.- Hum... sei. O primeiro dia de escola também não foi lá muito legal para mim.- Ao menos você está em território conhecido. Ser aluna nova não é brincadeira.- É impressão minha ou estou escutando certo tom de autocomiseração? – Os olhos escuros de Tim cintilaram. Pelo visto, ele estava achando tudo muito divertido. – O que houve com a garota que adora aventura?Deixei escapar um suspiro fundo.- Olha, Tim, não estou de muito bom humor – avisei-o. – Portanto, se está tentando me aborrecer, este não é um bom momento.Tim levantou-se e ergueu as mãos, em um gesto de rendição. - Certo, certo, vou lhe dar um tempo. – Pegou a mochila e tirou de dentro dela um saco de papel pardo. – Na verdade, achei que você estaria por aqui de bobeira e necessitada de um pouco de açúcar, assim trouxe-lhe isto. – E me entregou o pacotinho. – Mas não esquenta. Entendo perfeitamente a necessidade de ficar só. E preciso ir trabalhar, agora.- Oh.Dei uma espiada no saco de papel, sentindo-me péssima por ter sido brusca com ele. Lá dentro, havia balas de goma de todos os formatos e sabores. Minhas favoritas, de longe. Mas como Tim poderia saber disso? Por mais deprimida que estivesse, não pude evitar de sorrir diante de um gesto tão bonito.Levantei os olhos. Tim estava saindo da sala.- Ei, Tim – gritei.Ele parou na hora e virou-se:

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- Sim?- Obrigada – falei, erguendo o saco de papel. – Foi superlegal de sua parte.Tim deu de ombros.- É para isso que servem os amigos. – Depois virou-se de novo e foi para o ateliê de papai.Deitei no sofá e mordi uma goma de pêssego, sentindo-me bem mais confortável que algumas horas antes.Pelo menos tinha um amigo de verdade na Flórida.

***

- Você costumava ir aos jogos de futebol lá em Portland? – Tim perguntou-me na sexta à noite. Tinha adiado minha aula de mergulho para podermos ir juntos ao jogo. Minha súbita mudança para a Flórida era um choque e tanto no sistema. Não precisava acrescentar respiração subaquática ao rumo bizarro, pelo menos por enquanto.O jogo ainda nem tinha começado, e eu já me sentia entediada. Tim e eu tínhamos ido assistir à partida de futebol americano com o melhor amigo dele, Ed Pratt. Mas, assim que viu um grupo de primeiranistas lançando olhares melosos em sua direção, Ed não perdeu tempo. Ficamos sozinhos, Tim e eu.Dei de ombros.- Costumava, mas era diferente.Sempre associava futebol com noites geladas de outono, cheiro de folhas queimadas e gosto de chocolate quente. Mas a temperatura achava-se na casa dos 27 graus, e o perfume das madressilvas permeava as arquibancadas. O Maine nunca me pareceu tão distante.- Diferente como? Futebol é futebol.Dei de ombros de novo.- Estou acostumada a conhecer todo mundo, só isso. – Não estava exatamente a fim de entrar em detalhes. Trazer à baila os vários momentos em que eu fizera a turma morrer de rir com minhas tiradas bem-humoradas e minhas loucuras era deprimente demais.Claro que em algum momento eu encontraria meu lugar na Glendale. Mas, até lá, o ano já estaria terminado, e o mais provável era acabar indo ao baile de formatura com um boboca qualquer, um daqueles caras para quem o máximo do divertimento é observar o nado das baleias.Na verdade, o que queria era recuperar meu lugar de candidata à rainha do baile de boas-vindas e de “garota-com-maiores-chances-de-ter-programa-qualquer-noite-da-semana”.- Talvez a falta de um monte de amigos em volta acabe sendo boa para você – Tim comentou. – Isso pode lhe dar mais tempo para refletir, antes de terminar o colégio.Será que eu tinha entendido direito? Quem está precisando refletir? Eu queria me divertir. E namorar.- É isso que você faz o tempo todo? Refletir?

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- Alguém já lhe disse que você é muito geniosa? – Tim deu um gole em sua vitamina com leite e arqueou uma sobrancelha escura.- Não. – Até eu escutei a birra em meu tom de voz, mas não me importei. Tim era a única pessoa de minha própria idade com quem eu tinha conversado durante a semana inteira. Sendo assim, era o infeliz recipiente de meu notório mau humor.Ele riu. Puxa, o cara ria o tempo todo. Parecia irritantemente confortável consigo mesmo. Era eu quem devia me sentir confortável comigo mesma. Eu era querida, bonita e inteligente.- Sara, posso lhe fazer uma pergunta?- Claro. – Recostei-me no banco, fechei os olhos e virei o rosto em direção aos últimos raios de sol. Parecia que toda a energia fora sugada de mim. – Manda ver.- Você tem namorado em Portland?Meus olhos se abriram na hora e endireitei o corpo feito uma bala. Só a lembrança de Josh era suficiente para recarregar meu sistema.- Tenho. É um namoro sério, na verdade. – O fato de que não tínhamos nos falado nos últimos trinta dias era de importância secundária.- Ah. Entendo. – Tim balançou a cabeça. – Então é por isso que você anda tão rabugenta. Está sentindo falta dele.Era mesmo muito irritante que aquele garoto conseguisse ler meus estados de espírito com tanta facilidade. Seria assim tão óbvio?- Não ando rabugenta – protestei.De novo, Tim arqueou uma única sobrancelha. Como ele conseguia fazer isso, por sinal?- Está bem, talvez esteja sendo um pouquinho rabugenta – concordei.- Muito nobre de sua parte admitir o fato. – Tim sorriu e os olhos se iluminaram com aquela mesma centelha a qual já tinha reparado na outra noite. – Você vai tentar visitá-lo? Ou vocês terminaram por causa da distância?- Ah, o Josh não mora no Maine – expliquei. – Ele mora aqui. Nós nos conhecemos em um acampamento.Tim franziu as sobrancelhas, como quem não estava entendendo.- Aqui? Aqui em Bay Beach?

- Quem me dera. Do jeito como anda minha sorte, é mais provável que ele more no outro extremo do estado ou coisa parecida – falei, deixando que minha frustração com a busca de Josh viesse à tona de vez. – O problema é que ele perdeu meu telefone e o endereço também. E eu não peguei o dele. Essas últimas semanas foram um inferno. Nós não conseguimos nos encontrar. – Agora que Tim havia me obrigado a embarcar no meu assunto predileto, nada me faria parar. Eu estava embalada. – Você entende que o Josh não é qualquer cara.- Ah.- Nós estamos falando de amor, de amor de verdade.Tim não disse nada. Sentada ali ao lado, naquele silêncio embaraçoso que se seguiu, me senti de repente uma idiota por ter despejado todos os meus sentimentos em cima dele. Sem dúvida era muito fácil conversar com Tim, mas, afinal, eu tinha acabado de conhecê-lo. Não estava acostumada a me abrir assim com estranhos. E o fato de ele ter perdido a fala indicava que o rumo da conversa

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não era exatamente o que ele esperava.Constrangida, olhei para ele, mas Tim estava de olhos baixos, fixos nas próprias mãos, como se estivesse pensando muito a sério em algo. Era a primeira vez que via qualquer outra expressão naquele rosto que não fosse a calma absoluta.Cutuquei-o.- Ei, Terra chamando Tim.Ele ergueu os olhos, pego de surpresa. O rosto ficou ligeiramente rosado.- Ah, desculpe. Devo ter saído de órbita alguns momentos.- Tudo bem. Não era minha intenção aborrecê-lo com meus problemas.- Você não me aborreceu nem um pouco. – Tim sacudiu a cabeça e voltou a ser o velho Tim que eu conhecia, despreocupado. – Você disse que ele se chama Josh?- É. – Não consegui refrear um imenso sorriso ao me lembrar daquele rosto lindo. – Josh Nelson.O rosto de Tim passou de rosa a branco em segundos. Qual era o problema com ele? Comecei a achar que estivesse doente, ou algo parecido.- Josh Nelson? – ele repetiu.- Justamente. – respondi, suspirando sonhadoramente. Até o som do nome dele provocava arrepios em meus braços. Nesse instante, houve uma súbita explosão de sons e um grupo de líderes de torcida surgiu do ginásio de esportes para dar a volta no campo.- Me dêem um G! – elas gritaram em uníssono.- G! – todo mundo na arquibancada respondeu.- Me dêem um L! – As meninas estavam se organizando em uma pirâmide.- L!Não fiquei surpresa ao ver que Raleigh, minha guia turística presunçosa, rumava para o topo da pirâmide humana. Ela era uma daquelas meninas miúdas feitas para andar de cavalinho no ombro dos garotos e fazer ginástica olímpica.A gritaria continuava, cada vez mais ensurdecedora. Se estivesse o Maine, estaria gritando a plenos pulmões. Mas, ali, continuei calada. Glendale simplesmente não era a minha escola.Dei uma espiada em Tim e reparei que ele também não aderira à torcida. Continuava olhando fixo para o campo, muito pálido ainda. Desconfiei que não era do tipo espírito coletivo.Por fim, o barulho diminuiu. Tim me puxou o braço.- Ei, hum... Sara?- Sim?Ele olhou bem nos meus olhos, com um ar sério demais para quem supostamente se divertia em um jogo de futebol. - Tem uma coisa que eu devia...- Bem-vindos, todos vocês fãs do Gator! – Uma voz grave masculina trovejou nos alto-falantes e desviou minha atenção. – Vamos dar uma grande salva de palmas para o primeiro jogo do Gator deste ano!Virei-me de novo para Tim. – O que você ia dizer?Ele continuou me olhando por uns bons momentos, depois balançou a cabeça e desviou a vista. – Não era nada – resmungou. – Digo depois.Encolhi os ombros. – Como você preferir. – Concentrei-me de volta no campo e nos atletas que iam entrando.

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De início, os jogadores pareciam todos iguais. Coloque quinze garotos dentro de calças brancas, uma camisa vermelha, enchimentos e capacete e fica difícil identificar quem é quem. Aos poucos, meus olhos foram se concentrando no número dezessete. Havia qualquer coisa no jeito de ele andar... Já tinha visto aquele andar antes; mais recentemente em sonhos. Havia árvores, um lago azulíssimo e um cheiro doce no ar. E Josh, claro. Sacudi a cabeça. Não estava olhando para Josh Nelson. Seria coincidência demais, sem falar em fantasia desenfreada, que Josh e eu pudéssemos estar cursando a mesma escola. Além do que, sabia que ele não jogava futebol. Obviamente, a saudade começava a me deixar maluca.- Número onze, Bem Wycliff – o locutor berrou. – Número quinze, Art Preston.Mantive os olhos grudados no número dezessete. De todo modo, não havia com aquele rapaz ser.- E número dezessete, Joshua Nelson!Joshua Nelson! Era ele! Minha cabeça martelava e meu cérebro parecia a ponto de explodir.Se não tivesse sentido todo o sangue que havia em meu corpo subir direto para o meu rosto, teria achado que tinha morrido e ido para o céu.- Sara! – A voz de Tim ressoou em meu ouvido. – Escute, Sara, tem uma coisa que...Sacudi a cabeça emocionadissima. Fosse lá o que fosse que Tim precisava me contar, teria de esperar. Josh estava ali!- Será que você não entendeu? – exclamei. – É ele! É o Josh!- Sei, eu sei, mas Sara... – Tim começou.- Que mas, que nada! – Foi uma cortada brusca. – Este é o melhor dia de toda a minha vida! – Fechei os olhos por alguns momentos, tomada de repente por uma onda de enjôo de estomago, devido àquela comoção toda.- Acho que vou vomitar – falei com toda a calma para Tim. Depois me levantei e sai correndo. Era preciso encontrar um banheiro. Rápido.

Quatro

A Escola de Segundo Grau Glendale venceu o jogo. Durante duas horas e meia de tortura, vaguei pelo estádio, contando os segundos até Josh sair do campo.

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Mas tive a decência de ir procurar Tim de novo, para lhe dizer que não o abandonara por completo. Ele estava entretido em uma conversa com Ed, mas quando me viu, tentou me dizer alguma coisa. Havia, no entanto, adrenalina demais correndo pelo meu sangue e eu não conseguia parar quieta, de modo que pedi para ele reservar o que tinha para me contar. Em seguida, durante meia hora, fiquei no banheiro, com medo de botar para fora o cachorro-quente com milho verde que eu havia ingerido. Assim que me pareceu que não iria mais destripar o mico, gastei outros quinze minutos retocando o batom.Em seguida, fiquei zanzando na beirada do campo, vendo os jogadores se cumprimentarem com as palmas das mãos erguidas e tapinhas nas costas. Vamos logo, Josh, eu o apressava em silêncio Estou esperando você! Estou aqui!Coloquei o indicador de leve no pulso esquerdo: o coração martelava adoidado. Será que alguma vez já tinha sentido tamanha emoção? Bom, houve aquele Natal em que desci a escada de casa e vi uma bicicleta novinha em folha a minha espera. Mas o que era aquela máquina azul de dez velocidades comparada ao fato de saber que meu longínquo amor achava-se ali, ao meu alcance?— Sara! Aí está você. — Mas não era Josh que vinha ao meu encontro. Era Tim.— Oi. — Desgrudei o olho dos jogadores e me virei para ele. — Desculpe, não fui uma boa companhia hoje. Mas você entende. É difícil ficar parada em um lugar só, com o Josh ali e tudo o mais.— Certo — disse Tim, mudando o peso do corpo de um pé para outro. — Hum... achei que talvez fosse uma boa idéia levar você para casa.— Para casa! — exclamei. — Você está me gozando? Não saio daqui sem o Josh!Não sabia qual era o problema com Tim e, naquele momento, estava pouco interessada. Tudo o que queria era sair correndo e dar um beijo em Josh. Recuei um pouco para poder ver melhor o campo.

Os jogadores começaram a sair, todos juntos. Por alguns instantes, perdi de vista o número dezessete.— Sara? — Tim chamou de novo. — Eu realmente achava melhor...Descartei o comentário.— Lá está ele! — sussurrei. — É ele mesmo!O número dezessete tinha tirado o capacete, deixando à mostra o cabelo loiro do qual eu me lembrava tão bem. Ele continuava a vários metros de distância, mas tinha a certeza de que era Josh. Já podia quase sentir o gosto de seus lábios, quando o vi aproximar-se mais e mais do local onde Tim e eu estávamos.Dei alguns passos à frente, incerta, e ainda escutei vagamente Tim chamar meu nome, quando avancei para o grupo de jogadores a poucos passos de mim.E foi nesse momento que ele me viu. De início o olhar de Josh passou por mim sem me notar, como se estivesse à procura de alguém mais na arquibancada. Mas, um segundo depois, o olhar voltou a focalizar meu rosto. Vi a centelha de reconhecimento em seus olhos.—Josh? — gaguejei. Não era comum eu ficar sem fala, mas, naquele momento, senti a boca abrir e fechar sem que saísse um único som de lá de dentro.—Josh — consegui finalmente repetir, em um sussurro rouco.Ele era lindo — ainda mais bonito que a lembrança guardada em minha memória.

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As várias fotografias pregadas no quadro de cortiça, em cima da cama, simplesmente não lhe faziam justiça. Ele era um gato.— Sara? — Os olhos azuis reluziram ao me ver. Aquilo era obra do destino, só podia ser. Alguém, no imenso universo, queria nos ver juntos, Josh e eu. Que outro motivo nos levaria para o mesmo colégio?Meneei a cabeça. Como uma pessoa cumprimenta o grande amor de sua vida em um momento como esse? Engoli em seco várias vezes, antecipando a sensação dos lábios macios e firmes de Josh ao encontro dos meus.— Minha mãe foi para o Japão—balbuciei, abobalhada. Como se isso explicasse por que eu estava assistindo ao primeiro jogo de futebol da temporada. Como se isso explicasse alguma coisa. — Vim para cá, passar o ano com meu pai.

Josh sacudia a cabeça para a frente e para trás, repetidas vezes, apatetado, sem entender nada. Essa não era exatamente a reunião romântica e apaixonada que tinha em mente. Mas também não podia culpá-lo por estar chocado de me ver. Eu estava chocada. E olhe que sabia que esse encontro era iminente.— Sara... Eu não acredito. — Deu um passo adiante e apertou minha mão.Meu coração saiu fora de compasso. Vi amor naqueles olhos o mesmo amor que tinha visto todos os dias que passamos lado a lado, no Maine. Peguei a mão dele e a enlacei. Um calor gostoso espalhou-se por todo o corpo.Sentia-me vagamente consciente de estarmos rodeados por uma dúzia de jogadores grandalhões e de Tim, parado ali por perto. Mas as luzes, as arquibancadas e a platéia pareciam ter desaparecido por completo enquanto fitava os olhos de Josh.— Eu quis ligar e dizer que vinha para cá — falei, com palavras que jorravam de minha boca mais depressa do que conseguia pronunciá-las. — Mas, não peguei seu endereço. — E você nunca me escreveu, acrescentei para mim mesma. Por favor, me diga por quê. Diga-me que perdeu meu número de telefone ou que sofreu um acidente de carro, ou então que você foi abduzido por alienígenas. Diga qualquer coisa...— Pois é, eu sei. — A voz de Josh foi sumindo. Com a mesma rapidez com que instantes antes tinha agarrado minha mão, largou-a, frouxa e abandonada.— Josh? — Por que ele não estava dando pulos de alegria e me apresentando aos amigos? Ou me beijando apaixonadamente? — Josh, qual é o problema?Ele espiava por cima de mim, os olhos azuis alarmados.— Raleigh — ele disse.Virei o corpo. Raleigh estava parada bem atrás. Sorrindo para Josh. — Ei, amor! — ela exclamou toda feliz. — Você jogou superbem!— Obrigado. — Josh afastou-se de mim como se tivessem acabado de anunciar meu contato com o vírus Ebola.Horrorizada, vi Raleigh atirar-se nos braços estendidos de Josh.— Oi, Sara — Raleigh me disse, depois de finalmente desgrudar dele. — Você já conhece meu namorado?

Namorado? Ai, Deus.— Eu, hum... eu... — Isso não podia estar acontecendo. Essa não era minha vida.

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Tinha havido algum engano, e o universo havia me entregado a crise romântica de uma outra garota qualquer.— A gente já se cruzou — disse Josh, dando-me uma olhada muito rápida e pondo o braço em volta da cintura de Raleigh.A coisa caminhava rapidamente do ruim para o pior e dali para o insustentável. O cachorro-quente parecia de chumbo em meu estômago.De repente. Tim estava ao meu lado.— Sara, vamos andando? — perguntou, com os olhos cor de chocolate cheios de preocupação.Meneei a cabeça sem conseguir abrir a boca.— Então vamos. — Lembro-me vagamente de tê-lo ouvido se despedir de Josh e de Raleigh, mas pelo jeito eu iria desmaiar. Provavelmente teria desmaiado, se Tim não estivesse ali para me segurar.Mas, graças a Deus, ele estava, porque eu precisava fugir o mais rápido possível. Precisava deixar aquele estádio lotado, deixar Josh, deixar o monte de lixo em que toda a minha vida de repente se transformara.

***

— Como... como... ele pôde... fazer isso? — consegui articular, em meio a enormes soluços.A volta para casa foi um completo borrão para mim. Nem seicomo entrei e saí do carro. O estrago emocional dos últimos sessenta minutos tinha sido tão grande que não sei como cheguei ao fim do pequeno píer de madeira onde Tim e eu estávamos sentados. E também pouco me importava. A única coisa que sabia é nunca ter sentido tanta raiva, mágoa, depressão e tristeza na vida.Em geral nunca choro na frente dos outros. A bem da verdade, quase nunca choro. Mas, depois das coisas todas pelas quais eu havia passado, não pude evitar. Virei uma manteiga derretida. E, do modo como Tim ficou ali sentado, escutando pacientemente minhas queixas, eu me sentia com todo o direito de chorar o quanto quisesse. Quem poderia imaginar um cara tão atencioso por trás daquele jeitão gozador?Tim suspirou e balançou a cabeça. — Porque ele é um panaca, Sara. Por isso.

Mas ele não era um panaca. Ele era Josh, o cara por quem eu me apaixonara. Mesmo tendo testemunhado com meus próprios olhos, continuava sendo difícil acreditar que o Josh abraçado com Raleigh era o mesmo Josh com quem eu havia passado o verão inteiro.Mirava o Atlântico, com os braços em volta dos joelhos. Ao tentar enxugar as lágrimas, ocorreu-me uma idéia que veio carregada de esperança: o meu Josh jamais faria uma coisa dessas. Tinha de haver uma explicação qualquer. E se...—Vai ver eles começaram a se ver agora — eu comecei, dando uma olhada para Tim. — Quer dizer, quem sabe a Raleigh terminou com aquele antigo namorado dela e começou a sair com o Josh. Ele deve ter ficado arrasado quando percebeu

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que não conseguiria entrar em contato comigo e...— Aqueles dois estão juntos faz séculos — Tim me interrompeu. — Eles são meio que o casal Glendale. — Ah — sussurrei.Meus olhos se encheram de lágrimas de novo e mergulhei de cabeça na depressão. Essa não podia ser a minha vida. Não podia estar acontecendo comigo. Belisquei-me só para ter certeza. Não restava a menor dúvida. O pesadelo tinha virado realidade.— Pensei que ele me amava — falei, mais para mim mesma. — Sei que eu o amava... Ele foi o primeiro cara por quem eu senti isso.— Que panaca —Tim resmungou.— Ele é mais que um panaca; ele é um... um... Como ele pôde me fazer uma coisa dessas! — exclamei uma vez mais, esmurrando a madeira do deque com os punhos.— Há caras que são muito burros mesmo — Tim disse. — E o Josh é o maior de todos. Escute, Sara, o melhor que você tem a fazer é esquecer por completo essa história de Josh Nelson. Simplesmente esqueça que ele existe.Olhei para Tim e enfiei as pernas na água. Parece que isso teve um efeito calmante. Deixei escapar um suspiro trêmulo.— Sabe do que mais? Você tem razão. Vou me esquecer dele para sempre.— Ótimo.

Mas, ao olhar para a esplendorosa lua da Flórida, meu estômago deu vários nós só de pensar na simples possibilidade de eliminá-lo de minha vida. Como iria conseguir essa proeza?— E se eu não conseguir?— Conseguirá. Acredite em mim.— Acho que não vai dar, Tim. Panaca ou não, eu me apaixonei pelo cara. E essas coisas não somem assim da noite para o dia. Quer dizer, olha só meu pai... ele nunca esqueceu minha mãe.Tim deixou escapar uma risada curta.— Isso é um tanto diferente. Seu pai e sua mãe são pessoas extraordinárias, mas simplesmente não foram feitos um para o outro. Tem sido um pouco duro para seu pai entender isso. Mas ele vai acabar percebendo, quando encontrar a pessoa certa. O Josh, de outro lado, é só um idiota que não merece um único olhar seu.Fiquei calada por uns instantes, surpresa com seu grau de conhecimento a respeito do assunto. Provavelmente sabia mais a respeito de minha família que meus amigos de Portland; afinal, passava um bocado de tempo com papai. Em seguida, me dei conta de que ele havia conseguido fazer com que me esquecesse de Josh por uma fração de segundo. Talvez um dia eu também conseguisse superar aquela paixão.— Está certo — falei baixinho. — O panaca agora é história. Tim apertou-me a mão.— É assim que se fala.Mas, mesmo enquanto as palavras saíam de minha boca, tinha consciência de que não eram verdadeiras. Uma única imagem dele me olhando direto nos olhos,

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uma rápida lembrança dos beijos trocados em nossa ilha particular seriam o suficiente para reatar qualquer coisa. Josh era tudo, menos história.Claro que poderia tentar esquecê-lo.Mas a verdade era que eu desejava tê-lo de volta.

Haicais para Josh... que ele nunca vai ler

* * *

"Verão sem fim"De manhã, passeios.À tarde, tênis.Beijos são para a noite.

* * *

"O dia do encontro"Eu era abelha.Até que te vi.Nunca mais fui a mesma.

* * *

"Desilusão"Pensei ser amada.Mas seus olhos mentiam.Perdi a confiança.

Cinco

Não estava procurando Josh em todos os corredores da Glendale, naquela segunda de manhã. Não conferi o rosto de cada garoto que passou apressado por mim, depois do primeiro sinal. Certo. E também não tinha gasto mais de meia hora só para arrumar o cabelo e experimentar um novo tom de batom. Patética. Era

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isso que eu era, pura e simplesmente uma criatura obsoleta e patética.Josh tem namorada, eu disse para mim mesma pela milionésima vez desde a sexta-feira à noite. Ele é um miserável, um tremendo de um panaca e quem me dera jamais tê-lo conhecido. Quanto a isso, não restava a menor dúvida. Mas aqueles olhos de um azul profundo haviam povoado todos os meus pensamentos, desde o tenebroso encontro no campo de futebol.— Sai dessa, Connelly — falei em voz alta, enquanto me forçava a andar de um jeito mais ou menos decidido pelo corredor. — Vá em frente e dê a volta por cima.Josh não era sequer meu tipo. Admito que era um cara bonito, inteligente e engraçado Mas era também metido a gostoso. Para ele, não havia nada melhor na vida do que passar o dia correndo atrás de uma bola, enquanto mocinhas de saia curta sacudiam pompons coloridos. Na verdade, pior do que ser metido a gostosão era o fato de que Josh havia mentido para mim.— Ei!Meu trajeto foi repentinamente obstruído por um objeto enorme. Preparei-me para ser extremamente rude com o que quer fosse, ou quem quer que fosse e que tivesse se interposto em meu caminho.

Em vez disso, minha respiração ficou presa nos pulmões. O objeto era nada menos que Josh em pessoa, o antigo amor de minha vida. Engoli aquilo que em uma outra garota com menos autocontrole teria sido um susto e tanto.Suma da minha frente. Vá catar coquinho. Sabia que deveria cuspir tais palavras em um forro venenoso. Mas as mãos dele envolveram minha cintura.Josh olhou em volta para se certificar de que não tínhamos sido vistos, depois me puxou para dentro de uma salinha onde era guardado o material de limpeza. Após todas aquelas semanas de anseios, estávamos a sós. Os corredores cheios da Glendale pareciam a centenas de quilômetros de distância. Josh sempre conseguia me fazer pensar que éramos as únicas pessoas no planeta todo.— Sara.Que emoções haveria na voz dele? Remorso? Culpa? Ainda que não goste de admitir nem a mim mesma, eu torcia para que fosse desejo.— Oi, Josh. Meu coração parecia querer saltar da boca, mas me forcei a respirar fundo. Josh tinha namorada! Ele ia ver só uma coisa. Bem que eu preferia que ele fosse menos... maravilhoso. Quando pegou minha mão, afastei seu braço e olhei-o de frente, com um olhar duro.— Não acredito que você esteja aqui — disse. — Em carne e osso. — Literalmente. Fiquei feliz de estar usando um dos meus tops mais sensuais. As alças finas e pretas realçavam meus braços muito bem torneados, e o decote acentuava o pouquíssimo busto do qual me orgulhava possuir.— Você está linda. Como sempre. — Josh deu um passo a frente. Recuei um pouco, mas não muita coisa. Uma pilha de rodos e vassouras me impedia de ir mais além. Josh estava tão próximo que dava para ouvir sua respiração.Fique firme, menina. Esse cara é um vigarista.

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— E você tem namorada.— Nós precisamos conversar. — Mesmo na pouca luz daquela salinha, o cabelo loiro de Josh parecia macio e brilhante. Meus dedos ardiam por tocar nele.

Entretanto, eu queria não embarcar em conversinhas moles sobre os bons tempos de outrora, belas recordações e navios deslizando no mar. Josh havia me feito de boba, e eu não iria me esquecer disso. — Não sabia que você jogava futebol — falei, mudando de assunto.— Você me falou, logo que a gente se conheceu, que achava futebol americano um esporte de brutos. Você disse, e eu repito, que "o futebol só atraía caras com uma necessidade tremenda de provar que tinham a cabeça dura o suficiente e vazia o bastante para agüentar sérios danos cerebrais". — Josh me olhou bem nos olhos. Bem nos olhos mesmo. Meu coração bateu descompassadamente enquanto tentava não me perder na fundura daquelas duas piscinas azuis. — Quer dizer que você se lembra.Isso significava alguma coisa. Por exemplo, que eu não era só um passatempo barato de verão. Josh lembrava do que eu tinha dito. Infelizmente, o cara também tinha uma certa familiaridade com a mentira. Ele omitira Raleigh e mentira ao dizer que não jogava futebol. No que me dizia respeito, ele era de fato uma mulher vestida de homem. Não dava para confiar em uma palavra que saía de sua boca.— Eu me lembro de muita coisa, Sara. — E deu mais um passo na minha direção. Não havia mais muita distância entre nós.Escapuli, driblando diversos baldes e uma pazinha de lixo. Mas estava com as costas grudadas na porta. Dava para sentir o metal frio da maçaneta me cutucando os ossos.— É mesmo? — Eu caía, caía, caía em um abismo fundo. Pelo visto, Josh pressentiu minha fraqueza.— Nós não podemos conversar aqui — disse. — E não dá para conversar agora.Onde tinham ido parar todas as minhas respostas espirituosas, bem quando eu precisava muito, muitíssimo, de uma? Minha mente era um vazio.— Certo. — Muito bom, Sara. Uma boa saída.— Vamos nos ver hoje à noite —Josh falou. — Eu vou estar na Pedra do Mandarim às oito da noite.Não fazia a menor idéia de onde ficava essa Pedra do Mandarim, mas sabia que nada conseguiria me afastar de lá. — Eu vou — prometi. — Quer dizer, vou ver se vai dar — corrigi, com um tom menos caloroso.Demorou alguns segundos, mas eu havia recobrado a compostura. A velha Sara espreitava de algum lugar dentro de mim. O problema era como reencontrá-la antes das oito da noite, quando então, esse era meu pressentimento, aqueles olhos azuis penetrantes me olhariam com um calor mais intenso do que eu seria capaz de suportar.E o que eu iria vistir?

***

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Lá pelas 19h53, o mapa que Tim havia desenhado para mim já havia virado uma bolinha de papel. Claro que eu tinha decorado o caminho até a tal Pedra do Mandarim cinco minutos depois de ter tecebido as instruções. Continuava me sentindo um tanto culpada por ter inventado que queria tirar umas fotos para o curso de Fotografia Intermediária. Por outro lado, se eu tivesse contado a verdade para Tim, ele teria tentado me impedir de ir até lá.Assim que parei no cascalho do pequeno estacionamento, percebi por que Josh havia escolhido aquele local. A Pedra do Mandarim era enorme e ficava à beira-mar, rodeada por mais de uma dezena de pedras menores: a mesma paisagem do Maine.Senti uma súbita onda de saudade de casa ao bater a porta do carro. No estado do Maine, em setembro e àquela hora, o ar já estaria gelado. Ali, a temperatura continuava nos 27 graus. E não pude deixar de notar que eram palmeiras e não pinheiros que ladeavam o caminho até a pequena enseada.Josh não estava à vista. Talvez fosse me dar o cano. Ou essa fosse a maneira de ele me dizer de uma vez por todas que eu havia sido uma idiota de achar que ele tinha gostado um pouco de mim no verão. Talvez...— Nada que ver com o lago Vermillon, não é? — Josh surgiu do nada.Estava parado logo adiante, em frente à pedra, sumariamente vestido com um shorts cáqui que um dia tinha sido uma calça e uma mochila azul-marinho pequena nas costas. A verdade é que não há nada que se equipare à visão de um gato em um belo shorts.

Andei o mais depressa que pude para alcançá-lo.— Pois é. Eu vim. — Além de sem fôlego, sabia que dava a impressão de estar ansiosa demais. Grande novidade. — Eu ajudo você a subir. — Josh estendeu a mão e virou a cabeça para a pedra colossal. Seis semanas atrás, eu teria agarrado a sua mão e o puxado para mim e muito provavelmente lhe dado um abraço, assim só por dar, sem motivo. Dessa vez, resolvi me contentar com a primeira parte. Agarrei seus dedos compridos e subi na pedra.Nenhum de nós pronunciou uma palavra enquanto escalávamos até o topo da Pedra do Mandarim. Ao menos não em voz alta. Eu travava uma conversa desagradável com a nuca de Josh, enquanto batalhava para não me desequilibrar em cima das novas sandálias fosforescentes de dedo. Você é um gato. Você é um ser humano desprezível. Você é tudo para mim. Não, você não é nada para mim. E lá fui, trocando baboseiras mentais comigo mesma.Quando cheguei no alto da pedra, percebi que a escalada semi-árdua tinha valido a pena. O Oceano Atlântico esparramava-se diante de nós, cintilando sob o sol poente. Talvez tenha sido uma alucinação, mas tenho quase certeza de ter visto alguns golfinhos saltando ao longe. Ah, isso era golpe baixo da parte dele. Quem poderia ficar brava em meio a toda aquela natureza?— Desculpe não ter lhe dito nada a respeito da Raleigh — Josh falou. — Tinha a intenção de explicar a situação toda para você, mas, sei lá, nunca encontrei as palavras certas.Apoiei a cabeça nos cotovelos e fiquei vendo o mar.

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— Você mentiu para mim.— Não cheguei a mentir, exatamente, apenas deixei de lhe contar toda a verdade. — Josh tirou uma garrafa de água mineral da mochila.— Balela pura — retruquei. — Você me deixou pensar que sentíamos os dois a mesma coisa. Quer dizer, eu até disse para você que... — Minha voz morreu, e as palavras ficaram presas na garganta.

— Eu sei, eu sei. — Pela pressa com que me interrompeu, Josh também não queria que eu repetisse aquelas três palavrinhas. Que burrice a minha. Aliás, já devia estar cansada de saber que nunca se deve dizer a um cara "eu te amo", sem que ele tenha dito a mesma coisa antes. Essa era, bem, a regra número um da guerra entre os sexos.— Você está apaixonado por ela? — Não era minha intenção fazer essa pergunta. Na verdade, eu tinha jurado a mim mesma que não a faria. Josh não merecia uma pergunta tão emotivamente carregada quanto essa. A mim, que importância tinha se ele amava ou deixava de amar a rainha da torcida?Josh permaneceu calado pelo que me pareceu uma hora e meia, mas é mais provável que tenham sido dez segundos.— Não sei — ele disse por fim. — Achava que sim, e aí conheci você.— Ah. — Uau.Não era bem a resposta que eu esperava. Ou talvez fosse. Quem sabe não era justamente esse o motivo de eu ter feito a pergunta. Mas, com certeza, eu não havia previsto a sinceridade embutida no tom de voz dele.— A Raleigh e eu crescemos juntos — Josh continuou. —Ela foi a primeira garota que eu beijei e a primeira garota que eu pensei em beijar.— Isso já supera o nível de informação que preciso — interrompi.Josh suspirou:— Sara, eu gostaria de dizer para você que ela e eu vamos romper o namoro. Gostaria de convidá-la para sair, pôr minha mão no seu ombro e apresentá-la a meus pais.— Mas?— detestei o som agudíssimo de minha própria voz. — Mas nada disso é possível. Raleigh e eu... bom, todo mundo espera que a gente fique junto. Não posso desapontar ninguém. — Josh deu um bom gole na água e me passou a garrafa.O gesto foi simples, mas meus olhos se encheram de lágrimas. Raleigh Stockton era a garota com acesso a todos esses gestos casuais e ternos: uma carona até a escola, uma maçã no almoço, um aperto no ombro. Eu não tinha nada além de um álbum com algumas fotos de péssima qualidade.

— O que "ficar junto" significa, exatamente? — perguntei, — Não me diga que todos esperam ver você com ela pelo resto da vida.Josh calou-se por um bom tempo.— Você tem de entender... nós temos os mesmos amigos. Quer dizer, nós somos praticamente uma instituição na Glendale. — Depois, ele encolheu os ombros. — Estaria mentindo se dissesse que nossos pais não torcem para nos ver casados algum dia.

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Casados? Nós tínhamos dezessete anos de idade, e o cara já planejava se casar! A única coisa pior do que as previsões imbecis de Josh sobre seu casamento com Raleigh era ter passado as últimas semanas tecendo fantasias sobre o meu casamento com ele.— Você deixou que eu lhe desse meu endereço — disse baixinho. — Sabia que nunca iria me escrever uma droga de carta, você deixou que eu lhe desse meu endereço. —Soltei uma risadinha, uma daquelas risadinhas histéricas de quem precisa de um calmante. — Eu lhe dei até meu telefone... E cheguei a pensar que você iria me ligar.— Acabaria escrevendo para você. — Os braços bronzeados e quentes de Josh me envolveram os ombros, o que só piorou ainda mais as coisas. Na verdade, eu estava prestes a cair no choro.Você não vai chorar na frente dele; nâo vai! comandei a mim mesma. Virei o rosto para o outro lado.— Tudo bem, não esquenta — sussurrei raivosamente.Era tudo tão injusto! Josh já tinha me partido o coração uma vez. Para que me arrastar até ali e me jogar Raleigh na cara de novo? Não percebia quanto me magoava imaginá-lo segurando a mão de uma outra menina? Queria que ele soubesse como isso doía. Queria que ele...Girei a cabeça furiosa e encarei-o.— Olha, Josh, você não foi o único que mentiu — deixei escapar, sem pensar.Ah, não. Ai meu Deus. Será que tinha dito isso mesmo? Josh ficou pálido.— Como assim? Tinha.— Eu... hum... também estou com uma pessoa. — Agora que eu havia começado, não tinha mais como parar. E, ao ver quanto aquilo o incomodava, também não tive vontade de parar. — Alguém que é tudo para mim.

— Não acredito. — Josh nem tentou disfarçar a mágoa e a raiva da voz. Mágoa e raiva, dois sentimentos com os quais eu já tinha a maior familiaridade. Veja como é bom, Josh.— Mas estou. — Nossa, mais um pouco e eu também me convenceria.Seus olhos me miravam com intensidade.— Não consigo pensar em você com outra pessoa. É horrível.Queria me arrepender da mentira. Mas como? O ciúme de Josh significava muito para mim.— Imagino que estamos quites, então. Sinto o mesmo a respeito de Raleigh.— Quem é ele? — Josh perguntou, com a voz alterada em vários decibéis. — Me diga quem é ele.E aí, Connelly, pensei cá com meus botões, quem é ele?— Isso não importa.— Olhe para mim, Sarafina.Meu coração derreteu. Sarafina. Josh me chamou por esse apelido o verão todo.Virei a cabeça uma fração de centímetros.— Não temos mais nada o que conversar — sussurrei. — Não se preocupe. Seu

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segredo está bem guardado comigo. Raleigh jamais saberá o que você aprontou o verão inteiro. Ele sacudiu a cabeça.— Não é com isso que estou preocupado. — Os lábios dele estavam insuportavelmente próximos dos meus. — Receio que não vou conseguir evitar. — Sua boca tocou a minha, enviando um raio de alta voltagem por toda a minha espinha.— Não, nós não podemos — sussurrei de volta. Não vá por este caminho, Connelly. Não faça isso.— Não é certo beijar você... — Josh não se afastara. Minha impressão, na verdade, era de que ele se aproximava ainda mais. Nossas pernas quase encostavam umas nas outras. — Nem um pouco certo. — Ignorei o sangue que me latejava no pescoço, com medo até de falar. Sem dúvida que o tremor em minha voz seria a melhor demonstração de quanto eu queria sentir os lábios dele nos meus.— Senti tanto sua falta. — A voz de Josh era um murmúrio rouco em meu ouvido. Suas mãos passeavam por mim, tirando meu fôlego.

— Josh... Josh. — Sabia que deveria mandá-lo parar de me beijar, mas meu cérebro havia se refugiado em algum lugar muito distante da cabeça.— Sara, você é tão linda. Meu Deus, senti falta de ter você ao meu lado. — Seus dedos estavam entrelaçados em meu cabelo e eu passei os braços em volta da cintura dele.Puxei-o mais para, perto, queria senti-lo junto de mim.Josh afastou os lábios. Será que nos beijamos apenas por um instante ou por toda a eternidade? Não tinha idéia. — Não devia ter feito isso.— Não.Mas, ah, fora tão bom. Tentei imaginar o rosto gentil e simpático de Raleigh. Tudo o que consegui ver foi um narizinho irritantemente arrebitado e uma franja dura de gel.— Preciso ir andando. — E no mesmo instante pôs-se de pé — Tchau. — Num piscar de olhos, Josh havia desaparecido pela lateral da pedra, de.xando-me com a tarefa de encontrar meu próprio caminho de volta.O coração continuava disparado. Minha impressão era a de que seriam necessários vários tanques de oxigênio para normalizar os pulmões. Eu me sentia ao mesmo tempo arrasada e nas nuvens, uma combinação perigosa para qualquer garota. Mas daria um jeito de achar o caminho para sair dali. Assim como continuaria dando um jeito de achar o caminho das outras saídas, não importando o que tivesse ocorrido entre Josh e eu.

Sara reflete sobre o significado dos sonhos... e dos pesadelos

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Ontem à noite, sonhei que nadava no mar, só que a água era quente — quase

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como numa banheira. Eu estava vestida com roupa de mergulho e comecei a descer com o peso do. equipamento. Mas eu não conseguia mergulhar de fato porque não sabia como. Enquanto isso, Tim divertia-se à beça lá embaixo, examinando os peixes e as plantas marinhas.Enquanto mexia as pernas para me manter na superfície, vi Josh passar em uma prancha de surfe tão pequena que mais parecia um esqui do que uma prancha. Eu o chamei, mas não consegui ouvir o que ele me disse por causa do barulho das ondas. Assim que se foi, no lugar dele apareceu a barbatana de um tubarão gigantesco. Comecei a gritar e esqueci que devia continuar batendo as pernas nas águas revoltas. Fui afundando.O tubarão foi chegando cada vez mais perto. Tinha certeza de que iria morrer afogada, mas no último segundo senti os braços de Tim em volta de minha cintura.. Aí acordei.Muitos psicanalistas e gurus dizem que os sonhos são significativos. Certa vez uma senhora me disse que, se você se colocar no lugar de cada objeto com que sonhou e enxergar o sonho da perspectiva daquele objeto, conseguirá entender o que o subconsciente está tentando lhe dizer. Tentei fazer isso com esse pesadelo, mas tudo o que obtive foi um emaranhado confuso.Tenho um medo irracional de tubarões. Digamos que nunca deveria ter alugado o filme Tubarão junto com Maggie na sétima série. E basta.

Seis

— Sara, você está me ouvindo? — Tim perguntou, provavelmente não pela primeira vez, na terça-feira à tarde. Ele estava no meio de uma longa lista de termos de mergulho, que eu deveria conhecer, antes de minha primeira aula na água.Pisquei e dei uma espiada pela sala de estar tão aconchegante de papai.— Hum... estou. Você me dizia alguma coisa sobre desfibriladores de ar.Tim balançou a cabeça.

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— Um desfibrilador é o que o médico usa para ressuscitar o cara que foi atropelado. Eu estava falando sobre descompressores de ar.— Certo, certo.Admito que me achava um tanto fora de órbita. Acontece com as melhores pessoas. Ou, no meu caso, com as piores.Tinha passado as últimas vinte e quatro horas em um estado quase catatônico. Na noite anterior, voltando da prais, havia um verdadeiro turbilhão dentro de mim. Durante os primeiros minutos, dirigi feito uma autômata, rígida ao volante, horrorizada por ter mentido a respeito de um pretenso namorado. E se Josh descobrisse a verdade? Aí eu ficaria com cara de idiota total. Entretanto, nos quilômetros seguintes, comecei a pensar nos ciúmes que ele sentiu ao saber do suposto namorado. Depois, abri um sorriso besta ao lembrar daquele último beijo, tão besta que vi até reflexos dos meus dentões brancos no espelho retrovisor.. Em seguida, caí no choro. Por mais fantástico que tivesse sido, era também nosso último beijo. Josh havia me magoado mais que qualquer outro garoto.A alguns passos de mim, Tim jogou para o lado os pés-de-pato e desabou sobre o velho sofá esverdeado.— Você precisa parar de pensar naquele panaca. Está perdendo seu tempo com ele. E, para ser bem sincero, o meu também. Você não escutou uma palavra do que eu falei.— Escutei sim. E eu não estava pensando nele. Estava simplesmente fazendo uma anotação mental para conversar com meu pai a respeito daquela rachadura na parede. Acho que ele devia mandar ver o que é.

— Hum-hum. — Tim estendeu as pernas, cruzou as mãos atrás da cabeça e fechou os olhos. Dali a segundos, roncava.Hum... Meu instrutor de mergulho pegou no sono no meio de uma aula. Sem sombra de dúvida, era uma guinada inesperada nos acontecimentos. Pelo visto, tornei-me tão chata que nem mesmo Tim consegue agüentar acordado a minha companhia. Talvez Josh também me achasse chata.Fui até o sofá e dei-lhe uma cutucada de leve no ombro:— Tim? — chamei baixinho. — Tim, você está acordado?Sem mais nem menos, a mão dele deu um tranco para cima e agarrou meu pulso. — Sentiu minha falta? — A força daqueles dedos me surpreendeu. — Sentiu? — Tim repetiu.Livrei o pulso.— O que você está tentando provar?Tim endireitou-se no sofá.— Estou fazendo uma demonstração. Você está tão desatenta que podia perfeitamente estar dormindo. E, a menos que eu não tenha entendido direito, sou eu quem está fazendo um favor a você. — Ergueu uma sobrancelha. — Eu podia estar assistindo ao |ogo de beisebol com o Ed e o Soren nesse exato instante.Onde estava o garoto paciente da outra noite? Aquele Tim decididamente acreditava em amores brutos. Mesmo assim, eu sabia que as intenções eram boas. Só queria que eu superasse aquela história com o Josh.— Desculpe, desculpe. O panaca está esquecido. — Sei, conta outra. — Apanhei

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uma das máscaras de mergulho que Tim havia levado e enfiei na cabeça. — Estou pronta para prestar atenção agora, Majestade.Tim me lançou uma olhadela muito cética.— Acho que você está pronta para fingir estar prestando atenção ao que eu tenho para dizer.Arranquei a máscara e joguei-a no colo de Tim.— Ontem, sonhei a noite toda com tubarões. — Era verdade, mas estava usando meu pesadelo como forma de desviar a conversa para outros rumos. Minha desatenção aproximava-se perigosamente do nível de atenção de alguém assistindo besteiras na televisão.Tim soltou um gemido.— Essa lição é uma farsa. Vamos parar por aqui.Dei de ombros.

— Por mim, tudo bem. Que tal se a gente fizer uns hambúrgueres de verdade na churrasqueira? — Papai tinha ido passar a tarde em uma colônia de artistas, a cinqüenta quilômetros de casa, deixando-me uma raríssima oportunidade de comer carne sem ouvir extensos sermões sobre produtos químicos e condições brutais de criação e abate.— Vou lhe preparar os melhores hambúrgueres que você já comeu na vida — Tim propôs. — Com uma condição.— Qual? — perguntei, com a mente a zilhões de quilômetros dali. Josh e eu tínhamos preparado hambúrgueres juntos. Hambúrguer, cachorro-quente e frango. Quase podia sentir o aroma do molho de churrasco, enquanto lembrava daquelas noites frescas do Maine.— Você vai ter de se concentrar em nossa experiência culinária e parar de pensar naquele cara, como está fazendo agora.Pisquei de volta para Tim.— Eu não estava pensando nele.— Certo. Também não estou pensando que estou sozinho com uma bela garota pela primeira vez em mais de um ano.Certo. A pausa foi meio embaraçosa. Tremendamente embaraçosa para mim.— Hum... o quê?Tim abriu um sorriso.— Só quis me certificar de que você estava prestando atenção.— Você é um panaca, sabia?Ele continuou sorrindo.— Bom, você é bonita, embora meio equivocada.— Obrigada por coisa nenhuma, Kaplan. — Mas fui obrigada a rir. Sem dúvida ele sabia erguer minha moral.— E então, quer acender a churrasqueira, enquanto isso?— Claro. E, para a sua informação, não falta muito para eu superar de vez tudo isso — expliquei a ele, tentando desesperadamente me convencer de que aquele nosso beijo tinha sido um amargo e doce beijo de adeus, do tipo Romeu e Julieta. Josh achava-se indisponível, e eu teria de seguir em frente. Ponto final.Tim parou na soleira da porta da cozinha e virou-se.

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— Você sabe que o Josh não merece toda essa energia mental que você está gastando com ele, não sabe?Do que ele falava? Exceto pelo fato insignificante de que ele havia mentido para mim, Josh era praticamente perfeito. Do que ele falava? Exceto pelo fato insignificante de que ele havia mentido para mim, Josh era praticamente perfeito.— Aí que você se engana. Josh é um cara fantástico.— Ele é charmoso. É popular. É um ótimo atleta. Mas não tem nada de fantástico.Depois de me encarar por uns momentos, Tim acrescentou: — Pense só no jeito como ele a tratou. — Você nem sequer o conhece! Tim deu de ombros.— Fiz algumas matérias com ele. Na verdade, no ano passado. fomos parceiros no laboratório de biologia. Eu o conheço bem o bastante.E, com isso, Tim entrou na cozinha.Fiquei sozinha no meio da sala, sentindo-me perdida. Tim estava enganado. Tinha de estar. Não havia a menor possibilidade de eu ter optado por me apaixonar pela primeira — e possivelmente última — vez na vida por alguém menos do que fantástico. Eu era inteligente demais para isso. Não era?Puxa, antes, quando eu morava no Maine, a vida não era tão complicada assim. Estava um trapo e não havia ninguém a quem recorrer. Pelo menos ninguém nesta cidade, nesta casa, nesta sala. Tim obviamente já não agüentava mais ouvir falar de Josh. Mas eu ainda tinha uma grande amiga. Logo depois do jantar, eu ligaria para Maggie e pediria um conselho. E consolo.Na quarta-feira à tarde, abri caminho pelos corredores da Glendale, para variar abarrotados de gente. Não conseguia parar de pensar em Clarissa Dalloway, a protagonista de um livro que estávamos lendo nas aulas de inglês. Em seu romance intitulado Mrs. Dalloway, Virginia Woolf não poderia ter criado um personagem mais diferente de mim. Quero dizer, a pobre Clarissa é uma velhinha inglesa empertigada que passa boa parte do tempo preocupada com arranjos de flores e o polimento de sua prataria.

Do outtro lado, conseguia ver os paralelos entre os sentimentos de Clarissa e os meus, como se o equilíbrio de toda uma vida estivesse suspenso por um fio invisível. A certa altura, Virgínia Woolf descreve Clarissa como alguém "estranhamente cônscia de seu chapéu" ao trocar algumas simples palavras com um cavalheiro com quem cruza na rua. Era exatamente como eu me sentia: estranhamente cônscia de tudo. Será que alguém sabia que estava secretamente apaixonada por Josh? Será que, quando eu passava pelos corredores com uma apatia de dar dó, as outras pessoas enxergavam a angústia em meus olhos? Tim tinha sacado isso tudo.Parei diante de meu armário e me obriguei a dar algumas respiradas fundas para desanuviar um pouco as coisas. Eu não estou estranhamente cônscia de nada. Não estou.O bilhete grudado no armário chamou a minha atenção na hora. E eu não tinha a menor dúvida de sua autoria. Peguei o quadradinho de papel e desdobrei-o com um cuidado que talvez se devesse ter com um livro raro.

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Quase não desejava ler as palavras que Josh havia escrito. Se isso fosse um adeus... então era um adeus. Mas, naquele instante, parada diante dos garranchos dele, as possibilidades eram infinitas.

***

Querida Sara,

Preciso vê-la. Não consigo parar de pensar em você. Sei que as coisas estão complicadas. E a culpa é minha. Mas você não pode me eliminar de sua vida. Simplesmente não pode. Encontre-me no parque, perto da barraca da cartomante, no sábado a tarde.

Por favor.

***

Josh não assinou o bilhete. Nem era preciso. Li e reli a carta umas vinte vezes, com o coração batendo tão descontroladamente que tive medo de um ataque cardíaco.

Depois me lembrei das palavras de Tim: A melhor coisa que você pode fazer é esquecer Josh. Amassei a folha de papel, decidida a jogar o bilhete fora e expulsar de mente para o todo o sempre o que estava escrito ali. Inspirar. Expirar. Quem eu tentava iludir? Aquele bilhete iria direto para debaixo do meu travesseiro. Mais que depressa, desamarrotei o pedaço precioso de papel e alisei-o o máximo que pude. Em seguida, dobrei-o com o maior cuidado até transformá-lo em um quadradinho de nada, beijei-o e enfiei-o no bolso da frente de minha Levi's.Josh e eu não tínhamos perdido a magia que costumava fluir entre nós no acampamento Quisiana! As emoções continuavam lá, tão fortes ou quem sabe mais fortes ainda que aquelas vindas durante o verão! Apaguei a imagem do sorriso amistoso de Raleigh da cabeça com um suspiro de alívio.Josh e eu iríamos acabar juntos, no fim das contas. Uma namorada era um obstáculo em nosso caminho, sem dúvida. Mas os obstáculos eram românticos, eles torturavam e forneciam pontos dramáticos de sustentação ao enredo. Josh estava pronto para terminar com Raleigh e eu, pronta para assumir o comando do mundo.

***

O sol quente aquecia minha cabeça, enquanto rodeava a barraquinha de madame Zora, a cartomante, no sábado à tarde. Era minha primeira visita ao parque de diversões de Bay Beach e, até o momento, sentia-me decepcionada com os parcos brinquedos e jogos disponíveis. Havia uma montanha-russa, pequena e caquética, uns poucos carrinhos, que não precisavam de mais nenhuma trombada para se aposentar, e uma fileira de barracas de jogos. Entretanto, este era o lugar

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onde eu iria me encontrar com Josh e, portanto, sabia que sua imagem ficaria guardada em meu coração pelos próximos quarenta ou cinqüenta anos.Se ao menos Josh aparecesse. Dei uma olhada no relógio, já ciente de que o ponteiro grande ultrapassava o seis. Josh estava meia hora atrasado.

Três meses atrás eu teria esperado cinco minutos por um carinha. Teria me aproximado da barraca da cartomante, observado o atraso e ido direto para o shopping me encontrar com Maggie. Fim do encontro, fim da história, fim do cara. Mas agora lá estava eu, fazendo hora em um parque de diversões feito um filhote de cachorro perdido no acostamento da estrada. Patético. Hum... sujeitinho mal-educado à direita. Olhei para o outro lado, rezando para que um raio o atingisse em cheio. Não tive sorte. Estava sendo secada por um sorriso seboso. Já até ouvia as frases imbecis da paquera.O indivíduo vinha se aproximando, cada vez mais.— Ei, doçura, que tal se a gente desse uma voltinha no Túnel do Amor?Olhei para o boné cor-de-rosa dele, com os dizeres Surf Naked: "surfe nu". Argh!— Vê se não amola, cara — disse a ele.— Pô, gata, só estou tentando levar um papo amigável. — O tal surfista me olhava por trás da franja mais comprida e oleosa do mundo.— Não escutou, cara? Não amola. — Josh apareceu do nada. O cara mau que havia pouco tinha me dado o cano no encontro indiscutivelmente crucial de todo o nosso conturbado relacionamento transformava-se em meu grande herói. Ah, o amor.Josh avançou um passo na direção do pseudo-surfista, salientando o fato de ser pelo menos cinco centímetros mais alto e ter uns dez quilos de músculos a mais que meu infeliz pretendente. O sujeito recuou, derrotado.— Desculpe... eu, hum... eu não sabia que ela estava acompanhada.Depois de olhá-lo com olhos enfezados, Josh disse:— Pois está.Um arrepio gostoso me subiu pela espinha. Eu estava acompanhada. Adorava a sensação de estar "acompanhada", ainda que por um cara mau que já tinha namorada. O feminismo padrão das mulheres "modernas-poderosas-e-independentes" cedeu lugar ao romantismo do século XIX. Então, tá. Virei-me para Josh.— Obrigada. Ele sorriu.— Não há de quê.

Fitei aqueles olhos azuis tentando não esquecer a sua meia hora de atraso e a minha fúria. Mas a única coisa que me veio à cabeça é que ele ficava lindo de bermuda Levi's e camisa abotoada.— Onde foi que você se meteu? — fiz uma força danada para imprimir uns sinais de acusaçao em meu tom melado.Josh baixou os olhos. — Desculpe. Eu, hum... tive um probleminha em casa.O álibi de Josh tinha o nome de Raleigh estampado de todos os lados.

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— Até onde você acha que vai minha burrice? Você estava com a Raleigh.— Se é para falarmos sobre isso, vamos nos sentar. — Josh me pegou pela mão — não, eu não protestei — e me levou até um banco de ferro, na lateral do parque.— Foi você que quis me ver hoje — falei, enquanto me sentava. — Foi você que deixou um bilhete em meu armário, não eu.— E queria muito ver você... eu quero ver você. — Josh começou a passar as mãos pelo cabelo. — Só que eu não sabia, quando escrevi aquele bilhete, que meus pais tinham convidado a Raleigh e os pais dela para fazerem um brunch hoje lá em casa. Não tive como escapar.A simples idéia de Josh, Raleigh e os respectivos pais sentados em volta de panquecas e bacon me fez querer vomitar todo o cereal que tinha ingerido pela manhã. De repente, me senti tomada pela raiva. Odiava Raleigh. Odiava os pais dela. Odiava Josh. Odiava os pais de Josh. Odiava todo mundo.Não ia permitir que Josh alimentasse minhas esperanças, só para depois ver a namorada dele ocupando todo o espaço. Josh precisava sofrer.— Escute, tive de cancelar um encontro para vir até aqui, hoje — ouvi minha própria voz dizer. — Mas pelo menos cheguei na hora.Ai, cara. Por que fui fazer isso?Assim que percebi o brilho de ciúmes nos olhos dele, no entanto, entendi exatamente por que tinha mentido.

— Que encontro? Com quem? — ele quis saber.— Com ele. Com o cara de quem lhe falei no outro dia. — Pois é, tinha entrado de sola no terreno do absurdo. Mas quem haveria de me culpar?— Pensei que o cara tivesse ficado no Maine! —Josh praticamente gritou. — Ele mora na Flórida?Meneei a cabeça, horrorizada e, ao mesmo tempo, satisfeita com a reação dele.— Mora. Nós nos conhecemos alguns anos atrás, na Disney World. — Nunca estive na Disney World, mas não me parecia haver motivo nenhum para permanecer atracada à realidade, àquela altura dos acontecimentos. — Bom, mas o fato é que nós, hum... trocamos cartas e conversamos por telefone o tempo todo. Quando soube que iria me mudar para cá, para morar com meu pai. percebemos que nosso romance estava fadado a acontecer. — Diga o nome dele — Josh exigiu.Minha mente enconttava-se inteirinha em branco. Nome, nome, nome. Qualquer nome serve.— Ele se chama Tim — falei sem pensar. — Tim Kaplan. — Ixe. Um enorme ixe.— Tim Kaplan é o homem misterioso da sua vida? — Josh exclamou. — Você está namorando o Tim Kaplan? Meu parceiro de laboratório.Opa.— É... estou.— Então era por isso que vocês estavam juntos no futebol.— Hum-hum. — Engoli em seco. — Por isso.— Isso é muito ruim — Josh sussurrou. — Muito, muito ruim.Você nem faz idéia de como é ruim. pensei com meus botões.

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Dei uma olhada para a barraca da cartomante. Sabia exatamente o que Madame Zora teria visto em meu futuro: desastre. De qualquer modo, seria preciso convencer Tim a bancar meu namorado. Mas estava com um pressentimento muito forte de que essa seria uma tarefa difícil até para aquelas princesas guerreiras de desenhos animados.

Sete

Após meia hora discutindo o assunto, Josh e eu chegamos à conclusão de que àquela altura o melhor era ir em frente com o encontro. Afinal de contas, já estávamos na praia mesmo. E nenhum de nós tinha planos ou coisa do gênero.Tudo bem. Duas pessoas normais teriam encerrado o assunto logo após cada qual ter proclamado seu amor por alguém diferente. Depois da mentira deslavada, qualquer garota normal teria reconhecido a situação embaraçosa em que tinha se metido e procuraria se safar com graça, tendo em vista a situação.Pelo jeito, nem Josh e eu éramos normais. Verdade que eu havia ligado para meu pai, avisando

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que iria chegar tarde. Está bem, reconheço: fui fraca. A verdade é que queria ficar com Josh e não deixaria a lógica atrapalhar meus planos.Josh e eu passamos as horas seguintes nos divertindo nas barraquinhas de jogos, entupindo-nos de algodão-doce e andando na já gasta montanha-russa do parque. Era o tipo de tarde com a qual eu tanto sonhara na época em que Josh e eu estávamos separados por quase metade da costa leste.- Foi uma tarde bem legal - Josh ia me dizendo. - Foi como se a gente estivesse de novo no Maine, antes que todas essas outras coisas acontecessem.- Eu sei - respondi com um suspiro. - É incrível.Estávamos sentados na praia, fazendo um banquete composto por batatinhas fritas, sanduíches de peru defumado e refrigerante. Nunca senti sabor melhor em uma comida. O sol tinha se posto havia mais de uma hora, e o céu estava coalhado de estrelas como sempre. Exceto por alguns detalhes não tão insignificantes, a vida estava perfeita.- Vamos conversar - disse Josh, puxando-me para perto.Acomodei-me dentro daquele abraço quente e apoiei de leve a cabeça em seu ombro.- Sobre o que você quer conversar? - murmurei. Todos os assuntos mais graves haviam escorregado para a rebentação e sido levados pelas ondas.- Sobre nós. - Josh pousou de leve os lábios sobre a minha testa a apertou-me um pouco mais.Endireitei o corpo.- O que, sobre nós?

- Acho que estamos apaixonados . - Josh falou essas palavras de um jeito tão natural que de início me perguntei sepor acaso eu não teria entendido mal algum comentário irrelevante dele a respeito do tempo. - Pelo menos eu estou apaixonado por você.Meu coração era um verdadeiro tambor. Dessa vez seria para valer.

- Eu também amo você - sussurrei.- Mas estamos ambos comprometidos com outras pessoas - Josh prosseguiu. - Não posso terminar com a Raleigh, não por enquanto. E você falou que não quer magoar o Tim.Certo, admito que as mentiras não pararam no banco de ferro do parque.Talvez eu tenha elaborado um pouco a imensa paixão que Tim sentia por mim enquanto estávamos na fila da montanha-russa. E quem sabe tenha até mencionado que a vida de Tim, se algum dia nós terminássemos, não teria mais sentido nenhum. Que ele se sentiria forçado a largar a escola e mudar-se para o Parque Golden Gate em San Francisco, onde viveria em uma barraca de lona, alimentando-se apenas de sementes de dente-de-leão e casca de árvore. Sempre tive uma imaginação, digamos, muito fértil.- Hum-hum... - Eu continuava enlevada com a declaração de amor de Josh. Qualquer coisa mais articulada que um punhado de grunhidos de mulher das cavernas me parecia impossível àquela altura.- Mas nós queremos continuar a nos ver. Nós queremos ficar juntos. - Josh virou-

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se e me olhou bem nos olhos, do jeito que só ele sabia fazer. - Nós queremos continuar nos beijando como fizemos debaixo daquele píer.E lá se foi meu coração de novo, a pelno galope. Aquele beijo sob o píer tinha durado bem uns vinte minutos.- Hum-hum - repeti, tolamente.- Então, eu pensei que talvez a gente possa continuar com esse relacionamento. Nós podíamos nos ver de um jeito assim meio excepcional.- Excepcional? - perguntei. - O que significa isso?- A gente podia se ver em segredo - Josh respondeu. - Como estamos fazendo hoje.Deveria ter me levantado e ido embora. Nao, deveria ter dado um tapa na cara de Josh e depois me levantado e ido embora. Mas não fiz nada disso. Continuei sentada lá, feito uma idiota.- Oh.- O que quero dizer é que nós vamos acabar sendo um casal normal de namorados - Josh continuou, mais que depressa. - Mas antes precisamos de um tempo para terminar com a Raleigh a com o Tim, numa boa, sem brigas.

- Não sei, não.Não estava conseguindo juntar coragem para dizer um não definitivo.Josh mexeu-se na areia, de modo que ficamos cara a cara. - Diga que concorda, Sara. Por favor.Ele estava implorando. Josh estava implorando para eu enganar meu namorado e continuarmos nos vendo. O fato de eu não ter namorado era um detalhe irrelevante. Só que ele tinha namorada, uma namorada legal. E então teve início um debate animado lá dentro de mim. Aceitar a proposta de Josh iria de encontro a tudo em que eu acreditava. Mas, se eu dissesse não, estaria me privando daquilo que mais queria no mundo.- Josh, eu amo você, de verdade - sussurrei. - Mas não posso magoar o Tim. - Será que tinha acabado de dizer isso? Nossa, pelo visto até eu já começava a acreditar que Tim e eu éramos um casal de namorados firmes. Porque cargas d'água fora me meter em tamanha confusão?Fitei os olhos azuis de Josh. Claro, eis aí o motivo.- Ninguém precisa ficar sabendo - Josh disse.Isso não era inteiramente verdade. Eu teria de dizer alguma coisa para Tim. E duvidava seriamente que ele concordasse em levar adiante aquela mentira, sobretudo sem me obrigar a lhe contar o motivo exato. Tim era esperto demais para acreditar que essa história de se fingir de namorado era só por farra, um capricho meu. Ele não se deixaria enganar; o cara tinha uma visão de raio x de minha alma.- Sara, a gente tem de ficar junto. - Josh pôs as mãos em meu rosto e me puxou.Quando nossos lábios se uniram, o pacto já estava selado, registrado, assinado e com firma reconhecida. Eu iria concordar com aquilo. Sabia que sim. Josh também. E, em algum lugar do universo, quem quer que fosse o encarregado das forças do carma já havia sido informado, sem sombra de dúvida. A grande verdade é que eu não podia dizer não. E encontraria um jeito de fazer Tim

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entender que isso era de suma importância para mim. Tinha de encontrar.

* * *

O que eu vou dizer ao Tim?O que eu vou dizer ao Tim?A pergunta se repetia em minha cabeça sem parar. Sentada no deque de papai, longe de Josh, começava a perceber com mais nitidez o absurdo total de minha mentira. Como tinha deixado as coisas irem tão longe?E como poderia fazer para que Tim concordasse com aquela tramóia?- Você está no mundo da lua por causa daquele panaca ou está apenas curtindo a lua?Assustada, ergui os olhos e vi Tim caminhando em minha direção.-Tim!Oi!- Será que minha voz saíra um tanto animada demais? Será que ele havia percebido que eu estava tentando ocultar meu sentimento de culpa por tê-lo envolvido em uma mentira?-Aposto como as aulas de mergulho estão no topo de sua lista de prioridades.- O tom de voz foi suave.Ai, minha nossa. Eu havia me esquecido completamente do combinado e não fora à tal aula. Desde aquele bilhete de Josh, todos os outros planos desapareceram de minha cabeça. Já eram nove horas da noite e uma aula de mergulho àquela altura seria inviável.-Tim, me desculpe. Eu, hum..._ Minha voz sumiu. Nós dois tínhamos plena consciência de que não havia como me safar dignamente daquele cano.- Que beijo, hein?- Tim continuou, preenchendo o momento de silêncio- Eu daria nota dez, só que não acho que o Josh mereça essa nota.- O que?- Minha cara era de espanto total.- Quando foi que você viu a gente se beijar?- Eu fui até o parque de diversões, depois que você me deixou plantado e não apareceu- Tim explicou, sentando-se a meu lado no deque- Queria conferir o trabalho de um artista local, que vende as coisas dele por lá.- Ah.- Dizer que eu me sentia uma idiota seria muito pouco.- O que você está fazendo com o Josh, Sara?- Tim curvou-se, tirou as sandálias e mergulhou os pés na água fria do mar.- Pensei que tivéssemos feito um acordo e que ele fosse história.

-Eu sei, mas, bom, é que eu... Eu estou apaixonada por ele. Nós estamos apaixonados.- Certo, até aí era tudo verdade.-Ele terminou com a Raleigh? Não acredito.- Tim desconfiou.Mais do que tudo neste mundo, eu gostaria de poder ter respondido sim a essa pergunta.-Não exatamente- foi o máximo que pude dizer- Ele não quer magoá-la.Tim me deu uma olhada.-Nesse caso, por que ele estava beijando você?-Nós, hum... chegamos a um acordo.- Tudo pareceu tão lógico quando Josh e eu estávamos sentados na praia, mas depois me senti levemente nauseada. E fornecer a Tim todos os horrendos detalhes iria revirar ainda mais meu estômago. -Que tipo de acordo, se me permite perguntar?

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-Nós vamos continuar nos vendo... discretamente... até que Josh possa terminar com a Raleigh sem muito choro.-Você ficou louca?- a voz de Tim saiu meio ardida- Isso é... isso é... totalmente, completamente nojento.Pois muito bem, ele tinha conseguido me irritar. Verdade que esse não era o momento mais brilhante de minha existência na condição de cidadã digna do planeta. Mas tudo isso era em nome do amor.-Obviamente você nunca se apaixonou. Se soubesse o que é o amor, você entenderia... o que ele às vezes nos obriga a fazer.-será que você tem noção do está dizendo? Está mais parecendo personagem de novela barata.Uau. Eu não iria escapar assim tão fácil. Comecei a entrar em pânico. E se ele não concordasse em apoiar minha mentira?-Pelo amor de Deus, não conte a ninguém que você viu a gente se beijando, Tim.Depois de um suspiro profundo, Tim concordou.

-Bem... tem uma outra coisinha.Não foi possível evitar uma careta: estava me preparando para pedir algo absurdo ao melhor amigo que eu havia arranjado na Flórida. A situação era pavorosa. Mas eu precisava pedir. A simples idéia de Josh descobrir que eu havia mentido e que não tinha namorado nenhum era dolorosa demais para ser contemplada.-Tenho medo até de perguntar o que é- Tim falou com secura.Respirei fundo. Lá vai.-Eu disse ao Josh que você é meu namorado- falei bem rapidinho, torcendo para que a mera velocidade conseguisse tirar um pouco do impacto das palavras.-Você o quê?- Tim exclamou.-Por quê?-Não sei. Mas foi o que eu disse para ele.Como explicar os ciúmes que vinham me corroendo a alma desde aquela noite do futebol, quando vi Josh abraçando Raleigh? Impossível fazer Tim compreender o mais básico dos instintos humanos, que me deixava desesperada para magoar Josh tanto quanto ele havia me magoado. Nem eu entendia.-Bem, então vai ter de desdizer. Eu quero distância dessse triângulo sórdido.-Não vai dar.- Minha voz era pouco mais que um sopro,mas saiu firme- Tarde demais.

— Por que?— Porque eu inventei um monte de coisas para ele, que a gente se encontrou na Disney World, que voce me escreveu quase todos os dias durante esses ultimos dois anos.— Voce é completamente doida, sabia? — Pensei ter vislumbrado um tom mais ameno na voz de Tim. — Nunca vi ninguém igual.Tinha quase certeza de ter visto os lábios de Tim se curvarem em um sorrisinho leve.— Você está sorrindo? — perguntei. Tim deu de ombros.— Fazer o que? A loucura é engraçada.— Isso significa que voce vai me apoiar na idéia de formarmos um casal?

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Ele me fitou um bom tempo com uns olhos castanhos que pareciam carvão em brasa.— Depende. Eu recebo os benefícios que um namorado receberia?Benefícios? Será que ele estava falando do que eu imaginava? Claro que sim, Connelly; do que mais ele estaria falando? Por algum motivo cretino, meu coração disparou com a simples idéia.— Hum... não. Quer dizer, a gente não está de fato namorando, de modo que acho que não é...A intensidade esvaiu-se do olhar de Tim.— Relaxe, Sara. Eu estava só brincando.— Ah, certo. Quer dizer, claro, eu sabia que sim. — Por que meu coração continuava a bater tão forte? Desviei a vista e fiz um esforço para me concentrar na questão em pauta. — Então, você topa?Tim meneou a cabeça, com um gesto de assentimento.— Por você, eu topo. — Calou-se uns instantes. — Mas não aprovo. Pensei que você estivesse acima disso. Acho que me enganei.Senti uma inesperada pontada de dor com a censura de Tim. Mas empurrei o sentimento para um canto deserto de meu cérebro e me concentrei em um só fato: eu consegui o que queria. Suspirei, aliviada. Levaria um certo tempo, mas com a ajuda de Tim, tudo iria dar certo, do jeito como estava escrito.

Querida Maggie,Já passa da meia-noite, e amanhã tenho prova de Cálculo. Mas dormir como, eu pergunto? Finalmente, as coisas estão entrando nos eixos. Josh e eu declaramos amor eterno e prometemos nunca mais nos separar!Certo, talvez esteja enfeitando um pouco as coisas, mas você entendeu.Sobre a nossa conversa na outra noite: claro que o Matt está dizendo a verdade quando diz que gosta mais de você que de qualquer outra garota com quem já namorou. E tenho certeza de que seu novo corte de cabelo não ficou tão ruim quanto você imagina. Mas é só pedir que eu te mando minha peruca pelo correio. Sei como é importante uma boa cabeleira falsa nessas situações...Já mencionei nesses últimos dias que o Tim é um santo? Não acredito que cheguei a achá-lo meio irritante. Ele está me ajudando à beça com a história do Josh (eu explico depois — é complicado demais para ir por carta). Fiquei vendo o Tim trabalhar no torno de papai, outro dia. Ele fez um vaso para a mãe dele, vai dar de presente porque ela foi promovida no emprego. Legal, não é? Se você não estivesse totalmente vidrada no Matt, eu até iria sugerir um encontro seu com o Tim, quando vier me visitar (quando, por falar nisso, você virá?).Mande um oi e lembranças minhas para todo mundo. Nunca tinha me dado conta de como é bom ter amigos, até vir para cá, onde não conheço ninguém. Graças a Deus que o Tim existe. Se não fosse por ele - e pelo Josh, claro —, eu passaria as sextas-feiras assistindo as reprises de algum programa idiota e comendo pipoca de microondas. Do jeito como vão as coisas, a vida caminha do suportável para o bom e, com jeito, pode ser até que fique ótima dentro de algumas semanas. Não é uma loucura?

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Um beijo,Sara

Na quarta-feira à tarde, estava indo para o estacionamento da Glendale cantando baixinho ''Baby, estou a fim de você", uma música do Bob Dylan que meu pai adora. E, claro, cada vez mais a fim, querendo passar o resto da eternidade com Josh.O amor é, de fato, algo de muitos esplendores, como diz uma outra música muito antiga. Desde o sábado em que Josh e eu ficamos conversando na praia, tenho estado com urn humor tão abençoado que meu pai me perguntou se eu ando misturando algum antidepressivo no café. Até minha mãe observou a minha euforia por telefone. Mas por que eu não haveria de me sentir eufórica? Na semana passada conseguimos nos encontrar duas vezes. Na primeira, fomos ao cinema e depois jantamos. Na segunda, esquecemos da hora do almoço e fomos até a praia.Domingo passado, Josh e eu cochichamos ao telefone por mais de duas horas. Ontem à noite nos encontramos no "nosso" rochedo, e passamos quarenta e cinco minutos recheados de beijos. E, para completar, Tim ficou de bico calado, conforme o prometido. Chegou até a circular pelos corredores comigo umas duas vezes, em momentos nos quais sabia que Josh estaria por lá.Além do mais, Josh não vai demorar para romper com a Raleigh e aí não precisaremos mais nos esconder de ninguém. Poderei berrar a letra de um sem-número de canções sentimentais para toda a Glendale escutar. Mal posso esperar por esse momento.— Ei, Anna! — Cumprimentei uma garota de cabelos cacheados que sentava a meu lado na aula de Cálculo sentindo que, finalmente, começava a me integrar a comunidade escolar. Aos poucos, estava fazendo amigos.

— Você vai ao jogo sexta-feira? — Anna me perguntou.— Não perderia o jogo por nada.Minha nova amiga não sabia quanto isso era verdade. Embora ainda não me divertisse com o espetáculo de um bando de marmanjos correndo em volta do campo a se esmurrar, adorava ver Josh naquele uniforme branco.Acenei para mais algumas pessoas, enquanto entrava no estacionamento lotado. Claro que seria muito mais fácil fazer amigos depois que Josh e eu começássemos a namorar oficialmente. No momento, a impressão é de que eu escondia algo.— Baby, eu estou a fim de você — eu ia cantando, toda feliz, a caminho do carro. Mas minha voz engasgou na garganta e meu estômago deu um nó apertado.O amor de minha vida achava-se a quinze metros de mim, e não estava sozinho. Josh e Raleigh haviam parado do lado do Cabriolet branco conversível dela, agarrados como dois figurantes tentando se salvar no filme Titanic. Na hora me veio aquela sensação já tão conhecida de estar prestes a botar para fora minha refeição mais recente.Josh havia enroscado as mãos nos cabelos escuros de Raleigh, que por sua vez

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enlaçou a cintura de Josh e o puxava mais para perto. Eles não me pareciam um casal a beira do rompimento do século. Testemunhando aquele momento tão terno, um observador neutro, sem dúvida, teria chegado a conclusão de que Josh e Raleigh estavam muitíssimo apaixonados. Lágrimas quentes tanto de raiva quanto de tristeza me vieram aos olhos.Corri até o carro e abri a porta com um puxão. Sem fôlego, com lágrimas escorrendo pelo rosto, encostei-me no banco de vinil preto desejando ardentemente que meus olhos estivessem enganados. Ergui-me uns poucos centímetros no assento e espiei pelo espelho retrovisor. Josh e Raleigh continuavam na solda labial. Argh. Urgh. Que nojo. Que horror.Desabei no banco do carro. Esse era o fundo do poço para mim. Lá estava eu, largada em meu conversível, sem ar, aos soluços. Maggie jamais acreditaria se eu lhe contasse a que ponto tinha chegado. Essa simplesmente não era eu.

Fechando os olhos para fugir do brilho do sol da tarde, permiti que a realidade desabasse com estrondo sobre mim. As coisas entre Josh e eu não estavam maravilhosas. Nosso assim chamado relacionamento era uma grandessíssima piada. Tim tinha toda a razão. Jamais deveria ter concordado em ser a outra garota na vida de Josh, mesmo que a situação fosse apenas temporária.Era preciso encontrar um modo de fazer Josh perceber que ele tinha de escolher a mim, e somente a mim.

***

— Já te disse, nesses últimos dias, que você está completamente maluca? — Maggie perguntou da outra ponta da linha quatro horas depois. — Puxa, você já fez muita loucura no passado, mas acho que o sol da Flórida derreteu seus miolos.Baixei a mão para coçar as orelhas de Georgie enquanto pensava em uma resposta que contrariasse a essa afirmação de Maggie. Admito que meu plano encontrava-se no limiar do que a maioria das pessoas consideraria um comportamento decente, mas, neste caso, o fim justificava os meios.— Mags, é que você não entende o que significa ter o cara que você ama tão perto e ao mesmo tempo tão longe.Eu me enfiara no quarto, depois de testemunhar aquele horrendo incidente no estacionamento. Durante duas horas, busquei nos cantos mais obscuros de minha mente uma maneira plausível de fazer Josh largar Raleigh de vez e começar a namorar comigo. Quando a inspiração finalmente baixou, liguei para Maggie para pedir conselhos e apoio. Até o momento, ela não havia me oferecido nem uma coisa nem outra.— Sara, esse seu plano parece coisa de vídeo amador. Primeiro, voce diz ao Josh que tem namorado, coisa que você não tem. Depois, começa a sair com ele em segredo, fingindo o tempo todo que também está saindo com esse cara inexistente.— O Tim não é inexistente — interrompi. — Ele é de carne e osso. — Georgie

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abanou o rabo ao ouvir o nome de Tim. Minha cachorra andava tão apaixonada por Tim que eu já estava até enciumada.

— O fato de ele ser de carne e osso só piora ainda mais as coisas — Maggie continuou. — E agora quer que o Tim monte um verdadeiro circo para que você possa deixar o Josh doido.— Nessa altura ele vai perceber que não pode viver sem mim, vai resolver largar da Raleigh e vai se tornar meu namorado - interrompi mais uma vez. Se não agitasse um pouco os monólogos de Maggie, ela seria capaz de falar por horas a fio. Na outra ponta da linha, escutei o seu suspiro.— Posso lhe perguntar uma coisa?— Claro. — Maggie era meio excêntrica, às vezes, mas sempre se saia com algum comentário pertinente. E, pelo tom de voz, tive o pressentimento de que não iria gostar da pergunta, fosse qual fosse.— Onde é que fica o Tim, nisso tudo?— O Tim? Como assim? Ele vai ficar aliviado, quando tudo isso terminar.— Hum... — Maggie não me pareceu muito convencida.— Pode acreditar em mim. Assim que Josh e eu formarmos urn casal, Tim vai pular de alegria de não ter mais que fazer o papel de namorado. Não que ele tenha feito muita coisa até o momento.— Não tenho tanta certeza assim — Maggie falou, bem devagar. — E, mil perdões por estar apontando o óbvio, mas me parece que esse Tim é bem mais íntegro que o Josh. Talvez ele não esteja disposto a exercer um papel ativo no seu melodrama.— Mas não tem outro jeito — insisti.Tinha revirado a questão de todos os lados e chegado a conclusão de que só com um pouco mais de trapaça conseguiria viver uma vida livre, desprovida de culpa, tortura existencial e desilusões amorosas. Precisava fazer Josh ficar tão enciumado com esse meu suposto namoro que, de repente, ele não mais suportaria a idéia de me ver saindo com um outro cara. Aí, então, terminaria com a Raleigh e toda essa farsa seria esquecida. Mas, antes, o mais importante: para conseguir fazer Josh morrer de ciúmes, eu pretendia dizer a ele que estava tudo acabado entre nós e, a partir daí, passaria a ignorá-lo. Pela minha experiência, os meninos não reagem lá muito bem, quando levam um fora da garota que supostamente é sua fã número um. Novo suspiro longo e dramático da parte de Maggie. — Você enfiou na cabeça que tern de ser assim mesmo, não é?— Justamente. É a única forma de mostrar ao Josh que não sou uma boboca que se contenta em ficar no banco de reserva enquanto ele dá uma de gostoso ao lado daquela candidata à Miss Pompom. — Georgie deitou a cabeça em meu colo e me olhou com seus olhos cor de chocolate cheios de simpatia.— Qual será o próximo passo? — Maggie perguntou.— Vou ter de convencer o Tim a enfatizar mais a coisa do namoro. Quer dizer, ele tem de dar a impressão de estar totalmente de quatro por mim.— É, acho que isso vai deixar o Josh com ciúmes — Maggie admitiu. — Se for bem feito.

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— Mas como vou convencer o Tim? Ele já não me agüenta mais, nem a mim nem às mentiras.— É simples. Você se atira aos pés dele e implora piedade. Era minha vez de suspirar. Em algum momento no futuro imediato eu teria de pedir a Tim um novo favor. E, se ele dissesse não, eu perderia Josh para sempre.

***

Na quinta-feira a tarde, eu investigava atentamente o material hiperjusto da roupa de mergulho que Tim havia me emprestado para a nossa primeira aula. Ele resolvera que eu já sabia o suficiente sobre a arte da exploração subaquática e podia chegar perto do mar, embora ainda não estivesse pronto para me deixar mergulhar de verdade. O que, para mim, era perfeito. Mesmo emocionada de experimentar o equipamento com água pela cintura, ainda não me achava psicologicamente preparada para encarar um passeio pelo fundo do mar.— Sabe de uma coisa, talvez você ainda tenha futuro no mergulho. — Tim largou o cilindro de ar na areia, bem do meu lado.

— Você acha? — sorri, satisfeita. Obter qualquer coisa que beire um elogio da boca de Tim não é façanha que se despreze. — Verdade?Ele sorriu de volta.— Acho. Desde que você pare de ficar sonhando com tubarões no chuveiro. O medo, debaixo d'água, pode ser fatal.— Uns poucos míseros sonhos não vão me impedir de conquistar o oceano, senhor professor emérito. E não vale usar informação privilegiada contra mim.Tim tirou a parte de cima da roupa de mergulho, revelando os músculos rijos dos braços e torso.— Tem razão. Não direi mais nada.— Falando em não dizer mais nada... — Estava a procura de um ponto de partida para pedir meu último favor a ele e, pelo visto, esta era uma rampa de decolagem tão boa quanto qualquer outra.Os olhos dele se enevoaram na hora.— Fantástico. — E, depois de uma pausa enorme... — O que foi agora?— Esse negócio com o Josh não está certo — falei bem devagarinho, sentando-me a seu lado sobre a areia branca e macia da praia.Tim olhou para o céu.— Aleluia! Por fim a moça percebeu ter tornado a trilha errada!Limpei a garganta, nervosa.— Motivo pelo qual eu precisaria, hum... facilitar o processo do rompimento dele com a namorada.— Facilitar o processo? — Tim repetiu. — Isso não me soa hem, seja lá o que for.— O Josh tem ciúmes de nós — expliquei. — Mas, até agora, ainda não precisou enfrentar o fato de que você e eu formamos um casal. Quer dizer, claro que ele sabe, mas ao mesmo tempo não sabe.— Em primeiro lugar, você e eu não formamos um casal de verdade. Em segundo lugar, não estou gostando do jeito como você está me olhando. Sinto-me um camundongo a caminho da boca de uma jibóia.

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— Pelo menos me ouça — implorei. — Por favor.— Por acaso tenho escolha? — Tim arrancou os pés-de-pato e enterrou os pés na areia.— Preciso que a gente aja mais como um casal de namorados para deixar o Josh morto de ciúmes. Você sabe como é, ficar de conversinha, andar de mãos dadas, blá, blá, blá.Tim ergueu uma sobrancelha.

— Essa parte do blá, blá, blá me pareceu interessante. A gente pode se beijar nos corredores da escola?Ignorei o rubor que seguramente tomava conta de meu rosto. — Nessa eu não caio, Kaplan. Sei quando você está só me amolando.Naã era o momento de dizer que um beijo poderia, em algum momento, tornar-se elemento necessário na encenação que teríamos de fazer. Jogaria essa coisa do beijo mais tarde em cima dele. Os olhos de Tim perderam o brilho malandro.— Falando sério, já não fiz o suficiente para ajudar você? Quer dizer, nem sequer gosto do Josh. E não quero que você o namore, ele não merece você.Já tinha ouvido Tim dizer isso várias vezes, mas não com tamanha intensidade na voz. O pânico tomou conta de mim. Será possível que ele vai se recusar a cooperar? Não. Ele simplesmente precisava concordar. De repente, a roupa de mergulho parecia estar me estrangulando. Havia muita coisa em jogo, ali, e eu começava a ficar sem fôlego.— Tenho de namorar o Josh — falei, entre uma arfada e outra, em busca de ar. — Essa é a coisa mais importante do mundo para mim.— Por quê? Por que é tão importante assim? Você passou um mês e pouco com ele. A Raleigh conhece o cara há dez anos.Obriguei-me a respirar bem fundo, para acalmar meu nervosismo. Inspirar. Expirar. Inspirar.— Eu já disse antes. Eu amo o Josh.Tim abanou a cabeca.— Não vou cair nessa. Aí tem mais coisa — interrompeu o que dizia para olhar o mar. — Sua obsessão pelo cara ultrapassou seja lá o que for que você acha ter vivido com ele durante aquela paixonite de verão. Você está mais interessada em ganhar que em qualquer outra coisa.Pisquei duro, espantada com Tim. De onde será que vinha aquela capacidade de pegar meu ponto mais vulnerável e cair matando em cima? Nós nem sequer nos conhecíamos há tanto tempo assim. Mas ele tinha razão. Ate Maggie havia tocado nesse assunto, durante nossa conversa na noite anterior. A intensidade de minha paixão fugiu ao controle. Porém, não abriria mão de meu sonho. Não ainda, e talvez nunca.

— Não gosto de perder, Tim — falei bem baixinho. — Sempre acreditei que, quando se quer muito uma coisa, a gente consegue. E eu quero o Josh.Ele virou-se para me olhar.— Voce é maluca, Sara, sabia? — Os olhos castanhos estavam mais doces. Dava para ver que começava a mudar de ideia, enquanto corria os dedos para lá e para cá, na areia.— Sabia — falei, incapaz de evitar o sorriso que me invadiu o rosto. — E então,

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você está do meu lado?— Estou. Mas, se essa palhaçada não terminar logo, mas logo mesmo, acabou. Ponto final.— Fechado.Estendi a mão para que Tim a apertasse. Quando seus dedos prenderam os meus, puxei-o mais para perto e pus os bracos em volta dos ombros dele.Tim me deu um abraço, depois afastou-se. Estavamos cara a cara.— Você me faz um favor?— O que você pedir. Como poderia recusar alguma coisa a meu Salvador?— Não se perca nessa história toda. Não se esqueca de que, no fundo, você é uma pessoa boa, gentil e generosa.— Como pode achar que eu sou tudo isso, depois das coisas que você me viu fazer? — perguntei docemente.Tim me encarou.— É esse meu olho de artista. Enxergo para além da superfície e vejo o que há dentro da alma.Meu pulso acelerou e tive de desviar a vista de Tim e fixei-me no tecido da roupa de mergulho. Tomara que minha alma consiga sobreviver a essa última etapa de logros e manipulações. Definitivamente, vinha forçando os limites daquilo que uma pessoa pode fazer sem prejudicar o carma.Só mais alguns dias, depois eu volto a ser a garota honesta de antes. Chegara a hora do vai ou racha. Eu conseguiria, ou levaria um baita de um tombo. De um jeito ou de outro, o pesadelo logo mais acabaria.

Nove

Achei que meu coração fosse saltar do peito assim que parei diante da casa dos Nelsons na sexta-feira à tarde. Sabia que Josh estava em casa: todos os jogadores tinham recebido ordens do treinador Wilson para descansar no mínimo uma hora antes da partida. Em poucos segundos, executaria a primeira fase de meu novo e aprimorado piano para conseguir o homem dos meus sonhos. Só torcia para ter coragem suficiente de levá-lo adiante.A campainha soou mais alto que o normal, ou natural. Era uma daquelas campainhas que tocam música e, no caso, a música era "When the Saints Go

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Marching In". A vizinhança toda seguramente tomou conhecimento de minha chegada. Mas, infelizmente, não foi Josh quem atendeu a porta.Uma senhora alta e loira me olhou com certa desconfiança, de alto a baixo.— Em que posso ajudá-la? — ela perguntou.Durante alguns instantes, não consegui abrir a boca. Era a primeira vez que me via cara a cara com a mãe de Josh e aquela não era bem a apresentação que eu havia fantasiado. Oi! Eu sou a garota que seu filho tem beijado às escondidas da namorada nestas últimas semanas. Posso entrar? Sei, sei. Certo.— Hum... o Josh está? — Fantástico. O jeito ideal de criar uma boa impressão inicial, Connelly.A loira alta franziu o cenho.— Será que trazia as palavras eu sou a outra tatuadas na testa?— Ele está descansando no momento, meu bem. Então Josh apareceu por trás dela.— Tudo bem, mãe. Nós só vamos conversar um minutinho. A sra. Nelson pelo visto não gostou muito, mas retirou-se sem dizer mais nada. Soltei um suspiro de alívio. O primeiro empecilho fora superado. Mas ainda havia um segundo e bem maior obstáculo a ser ultrapassado.— Oi, Josh.— O que você veio fazer aqui? — Josh não parecia muito satisfeito em me ver. Não houve nenhum beijo ardente, nenhum abraço caloroso, nem mesmo um meio sorriso.

Joguei meus longos cabelos loiros para o lado e, antes de mais nada, lembrei a mim mesma de um fato importante: eu estava absolutamente fabulosa no vestido azul-claro escolhido para ocasião tão momentosa.— Também estou contente de te ver.— Desculpe... é que... acha mesmo uma boa idéia vir falar comigo aqui em casa? A Raleigh está vindo para cá, antes de eu sair para o jogo...— Isso não vai tomar mais que uns segundos de seu tempo — interrompi.Se ele achava que eu sairia com o rabo entre as pernas, feito um cachorrinho rejeitado, enganava-se redondamente. Não havia lei nenhuma que me impedisse de estar na porta da frente da casa de Josh!— Certo, hum... eu convidaria você para entrar, mas meus pais...Fiz um gesto com a mão, descartando o convite.— Não há necessidade de eu honrar o seu sofá com minha presença. Só vim lhe dizer uma coisa.— O que houve? —Josh perguntou, com um tom mais suave, mais parecido com o do cara por quem eu tinha me apaixonado no acampamento Quisiana.— Estou pondo um ponto final nessa palhaçada — falei com frieza, tomando emprestado a expressão usada por Tim. — Quero um relacionamento de verdade. Quero conhecer seus pais, ir aos bailes da escola com você, quero ir ao cinema com você na sexta-feira à noite.Pare de ficar pensando nos olhos azuis fantásticos que ele tem, ordenei a mim mesma. Lembre-se, isto tudo faz parte do grande plano.— Sara, nós já falamos tanto sobre isso.

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Desviei a vista dos delicados pelos dourados que cobriam os braços bronzeados e continuei.—Não quero beijar o namorado de uma outra garota em um carro estacionado em uma estrada deserta, onde ninguém pode nos ver.Fui ficando cada vez mais entusiasmada. Toda a frustração das últimas semanas começou a borbulhar e subir a superfície. A situação passava de aflitiva a imperativa e não demoraria a chegar ao estágio do absurdamente real. Eu quase, e aqui enfatizo o quase, acreditei que estava dizendo a Josh que as coisas entre nós tinham acabado.

— Você sabe que eu não posso terminar com a Raleigh, pelo menos não por enquanto, e que você não pode romper com o Tim.— Josh deu alguns passos para fora e fechou a porta. Infelizmente, esse pequeno movimento levou a uma diminuição considerável da distância entre nós. Minha recém-encontrada ira ameaçou derreter.— Josh, eu estou falando sério.É ela ou eu. Você escolhe. — Minha voz soou artificialmente ardida, quando engoli o balde de lágrimas que ameaçava jorrar de meus olhos.— Você não pode me pedir para escolher. Não é justo. — Os belos olhos azuis brilhavam, pedindo para eu esquecer do assunto.— Tudo é justo na guerra e no amor — disse. — Não posso continuar assim.Josh estendeu a mão para mim, mas eu recuei um passo. Qualquer forma de contato físico anularia por completo meu plano.— Estou indo, agora. — Minna voz saiu embargada de lágrimas. — A gente se vê na escola, na segunda. Talvez.— Você não pode simplesmente aparecer aqui em casa e me atirar isso na cara - Josh insistiu. — Vamos nos encontrar amanhã e discutir isso melhor.Eu havia me preparado para esse convite. Sabia que qualquer encontro particular com ele resultaria em anulação de meu ultra-super-hiper-bem pensado esquema. Balancei a cabeca.— Não temos mais nada para discutir, até que você e a Raleigh tenham terminado oficialmente.Girei nos calcanhares das sandálias de salto plataforma e fui mais que depressa na direção do meu Oldsmobile. Era essencial que me afastasse o máximo possível da casa de Josh. Meu coração parecia ter sido atingido por uma marreta.— Sara, eu amo você — ainda tive tempo de ouvir Josh dizer bem baixinho.Eu me achava tão perto de voltar e correr para os braços dele, que as sandálias na verdade ameaçaram tomar o caminho da porta. Ainda bem que o cérebro deteve o corpo e continuei andando na direção do carro. Não iria desistir. Não podia desistir.

Josh continuava parado na frente da casa quando dei a partida no meu conversível e afastei-me da calçada. Tinha dito tudo o que prometera a mim mesma. A partir daquele momento, Josh e eu não tínhamos mais nada. Pelo menos era esse o plano. E, a partir de segunda-feira, passaríamos a percorrer a acidentada trilha rumo a reconciliação. Eu apostava nisso.

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* * *

Na segunda-feira, por volta do meio-dia, as divindades do tempo sopraram a meu favor. Os dias geralmente ensolarados da Flórida levavam quase todos os alunos da Glendale a se esparramar uos jardins da escola na hora do almoco. Mas chovia, e a maioria se amontoou na cantina. Teria precisamente a platéia que havia pretendido. Tim e eu estavamos lado a lado, na fila do almoço, e eu cochichava instruções no ouvido dele, enquanto passávamos pelas opções de entradas, pratos principais e sobremesas.— Não sei se vou conseguir fazer isso. — Tim tinha a frente uma seleção desinteressante de sobremesas e escolheu uma fatia meio magra de bolo de chocolate alemão. — Nao sou um ator muito bom.— Faça como eu, mais nada — sussurrei para ele. — Nao tem nada de muito complicado.Peguei uma tigelinha de pudim de baunilha e desejei ardentemente me sentir tão confiante quanto parecia. Para falar a verdade, até então eu nunca tinha buscado a atenção alheia.Em geral, todos os olhares acabavam indo parar em mim, independentemente do que estivesse fazendo. Mas me achava prestes a encenar uma farsa, que teria de parecer tao real que nosso suposto romance, meu e de Tim, iria imediatamente parar na boca da cantina inteira. Caminhamos até o caixa em silêncio e, então, cutuquei Tim com o cotovelo.— Preparado?Ele entregou uma nota de cinco dólares à moça do caixa.— Não.Deixei quatro notas de um com ela e não me preocupei com o troco.— Ótimo. Então, vamos.Larguei minha bandeja na mão de Tim. Garoto carregando bandeja da garota era quase sinal de noivado na Glendale.

— Sara... — Tim gemeu em um tom de súplica, bem quando eu me posicionava para que Josh, sentado a uma mesa com metade do time de futebol, pudesse ouvir cada palavra dita.— Tim, não diga uma coisa dessas! — eu guinchei, apertando o braço dele. Em seguida, soltei uma risadinha digna de Cameron Diaz em O casamento do meu melhor amigo. — Você sabe que eu não sou o tipo de garota que faz isso!O rosto de Tim já ultrapassava o tom de escarlate, mas ele deu um jeito de me lançar um sorrisinho endiabrado.— Pelo menos você vem assistir a um filme comigo, quando meus pais estiverem fora, neste fim de semana? — perguntou. — Prometo me comportar.Suspirei e passei a mão pela cabeleira escura.— Pode ser. Mas só se for para ver Feitos um para o outro. É sabido que qualquer filme com Meg Ryan faz a delícia das meninas. Se um carinha estiver disposto a se submeter a isso, então não resta a menor dúvida de que está louco por você.— Por você, senhorita Connelly, alugo até Insone em Seattle. — Tim me fitava

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com um ar tão convincente de adoração, que eu estava muito perto de esquecer como ele tinha sido arrastado para a situação debaixo de sérios protestos.Dei uma olhadela muito de leve para a mesa de Josh. Minha vítima nos observava, quanto a isso não havia a menor dúvida. E seus olhos azuis destilavam tanta raiva que por alguns momentos pensei que ele fosse saltar da cadeira e enfiar as duas bandejas de comida que Tim carregava na fuça do meu assim chamado namorado. Mas Josh se limitou a me olhar de um jeito que meu coração dava cambalhotas. Adoro situações intensas, dramáticas e apaixonadas. E aquele momento reuniu essas três qualidades.Tim e eu fomos andando até uma mesa vazia, no outro extremo da cantina, cochichando e rindo. Quando finalmente nos sentamos, reparei com uma alta dose de satisfação que o olhar de Josh continuava cravado em nós. Ele havia nos seguido por todo o salão.

— Excelente trabalho! — Depois de elogiá-lo, debrucei-me sobre a mesa e fingi sussurrar doçuras em seu ouvido, dando prosseguimento ao ato. — Você nasceu com o dom.Pegando a deixa, ele tomou minha mão e sorriu.— Sei ocultar minhas emoções verdadeiras tão bem quanto qualquer pessoa. Quando é preciso.Meneei a cabeca. Tim era cheio de surpresas. Se a Academia desse um prêmio para o melhor namorado, ele ganharia o Oscar do ano. Apesar de estar sem fome, ergui meu queijo quente e dei uma enorme mordida. O sanduíche não estava de todo mau, mas a vitória tinha um sabor ainda melhor.

***

Uma hora e dezesseis minutos depois, parei na porta da classe onde teria minha aula de inglês. Estávamos para terminar a leitura de Mrs. Dalloway, e eu continuava me sentindo "estranhamente cônscia" de mais ou menos tudo a meu respeito. Mas, naquela tarde, deliciava-me com os reflexos fulgurantes da auto-consciência exacerbada.Várias garotas já tinham vindo me dizer que Tim e eu éramos um dos casais mais bacanas da escola e eu havia reparado que mais de um menino olhava para Tim com inveja, quando saímos da cantina. Porém, um dos amigos dele, chegou até a gritar algo do gênero "É isso aí, cara!". Por enquanto, tudo perfeito.De longe, vi Josh virando no corredor. Sabia que ele tinha aula de História norte-americana a quatro salas de distância da minha. Sorri para ele.— O que significou aquilo tudo na cantina? — ele quis saber, assim que se aproximou.Agitei as pestanas e encostei-me em um armário atras de mim. Sabiamente, estava usando uma saia curta com aquele tipo de sandália cheia de tiras amarradas perna acima que deixam qualquer menino sem fala.— Não entendi. — Mantive a voz fria, mas cordial.— Você e Tim Kaplan, vocês praticamente se agarraram no meio da cantina. Foi nojento. — O rosto de Josh estava da cor de um tomate maduro e reparei em

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algumas veias saltadas no pescoço.Dei de ombros e olhei o relógio, como se houvesse mil outros lugares onde eu preferisse estar.

— Estava batendo um papo amigável com meu namorado. Algo muito comum, uma atividade humana normal.Josh arriou em cima de um dos armários e deixou cair o livro de História no chão.— Corta essa. Estou falando sério.— Eu também. — Olhei o relógio de novo. — Você queria me dizer alguma coisa?— Queria dizer um monte de coisas — Josh esbravejou. — Pensei que você me amasse e agora age com aquele cara como se ele fosse o Leonardo DiCaprio ou algo parecido.— Como você já deve estar sabendo, Tim e eu somos namorados. — Bati o pé no chão de lajota e fiz aquele ar de tédio que eu imaginava ser o de Clarissa Dalloway ao falar com os criados em sua casa londrina.— Proíbo você de ir a casa dele este fim de semana! —Josh praticamente berrou. E nem olhou em volta para ver se Raleigh estava por perto. Era a primeira vez que isso acontecia; em geral, ele só falava comigo depois de se certificar de que estávamos completamente sozinhos. — Ele vai se aproveitar de você, estou sentindo isso.Girei os olhos.— Em primeiro lugar: já estou bem crescidinha e sei tomar conta de mim. Em segundo lugar: Tim é um cara maravilhoso que jamais faria o que você está sugerindo. — Olhei uma terceira vez para o relógio, só para me certificar de que Josh havia entendido direitinho aquela história de ter coisa melhor a fazer com meu tempo. — E, em terceiro lugar, não é da sua conta.A boca de Josh abriu e fechou, mas dela não saiu uma palavra sequer. Puxa, como ele era sexy quando ficava bravo, enciumado e sem fala. Minha vontade era jogar o Mrs. Dalloway no chão e me atirar em seus braços. Mas acabei lhe dando meu melhor sorriso de Mona Lisa. — Agora, se me dá licença, tenho aula.Virei-me e fui em direção a porta da classe, ciente de que os olhos de Josh queimavam um buraco nas costas de minha camiseta vermelha justinha. Olha só isso, Josh. Ginguei de leve os qua-dris e joguei o cabelo para o lado. É isso.

— A história ainda não terminou, Sara —Josh teve tempo de dizer nas minhas costas. — O que há entre nós não está nem de longe acabado.Na porta da classe, parei por alguns instantes.— Imagine que caiba a você decidir, não é mesmo?— Sara... — Ele praticamente gemeu meu nome e um arrepio de satisfação me atravessou inteira, do topo da cabeça até a ponta dos dedos dos pés.— Acho melhor você ir procurar sua namorada — falei com frieza. — Se você ficar mais de dez minutos fora das vistas dela, é capaz de ela sair por aí dizendo que você desapareceu em ação.- E, com isso, entrei na sala de aula e fui para minha carteira de hábito.Em uma escala de um a dez, esse dia fora nota nove. E, assim que Josh recuperasse o bom senso e terminasse com Raleigh, eu tinha a impressão de que

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iria viver mais dias de nota dez que Michelle Kwan nas provas de patinação. É isso ai!

Ei, S.,

Não é que deu certo? Estarei na Flórida daqui a uma semana, exatamente. Dá para acreditar? Um viva às conferências de professores e aos fins de semana prolongados.De qualquer modo, minha mãe disse que estou gastando tanto em telefonemas para fora do estado que seria melhor ela me comprar uma passagem de avião. Acho que também sente sua falta e quer um relatório de como você está se virando por aí.Matt vai me levar para jantar fora um dia antes de eu embarcar, já até me convidou. Estou tão assustada, acho que vou ser beijada. É, eu sei que já fui beijada várias vezes por vários carinhas legais. Mas Matt é diferente. Não sei... digamos apenas que nem sequer pensei na possibilidade de ir ver os gatos nas praias da Flórida. Será que estou apaixonada? É assim que você se sente quando está com o Josh, toda quente, arrepiada e em paz?

BeijinhoMags

Dez

— Ainda não entendi o que viemos fazer aqui. — Era terça-feira a tarde, e eu me esforçava para manter o mesmo ritmo de Tim pela areia, numa praia imensa a cerca de um quilômetro e meio da escola.— Se você conseguir agüentar mais ou menos uns trinta segundos, nossa missão se tornará muito clara — ele me respondeu.— Tudo bem. — Tirei os sapatos, que já estavam cheios de areia, e continuei a andar.

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Era a primeira vez que eu o via naquela agitação toda. Tim parecia meio zonzo de emoção por causa de algo que eu não sabia o que era. Depois da aula, tinha ido me encontrar no carro e insistido para que eu lhe desse uma carona. Tentei interrogá-lo a respeito, mas ele simplesmente apontou para uma mochila bem recheada que levava e me mandou dirigir.De repente, parou e largou a mochila na areia.— Olhe lá — ele me disse, apontando para o norte.Dei uma checada geral na praia. A uns cem metros de nós, vinte sujeitos corriam para cima e para baixo.— O que está havendo? Tim sorriu para mim.— Calhei de ouvir o Chuck O'Sullivan dizer que o treinador iria trazer o time de futebol até aqui, para uma tarde toda de treinos de velocidade.— A-ha! — Isso era quase um milagre. De livre e espontânea vontade, Tim se incumbira de avançar a operação-deixar-Josh doido. Jamais teria imaginado que meu amigo possuia dentro de si, à espera de uma oportunidade, tamanha capacidade para tomar iniciativas. Fiquei impressionada.— Quer dizer que vamos nos sentar por aqui, a espera de sermos notados?Tim balancou a cabeça.— Nada disso. — Ajoelhando-se na areia, abriu a mochila, — Tem uma coisa que eu andava querendo testar há muito tempo, e hoje vai ser o dia.Fiquei bastante intrigada. Tim não era do tipo misterioso; pelo menos eu achava que não, ate aquele momento. Obviamente, havia um bocado de coisas que eu ignorava a respeito dele.— Estou morrendo de curiosidade, Kaplan. Chega de suspense. Já tinha visto Josh ao longe. Estava de bermudão preto e uma camiseta amarela desbotada. Minha esperança era que, depois de umas dez corridas, fosse obrigado a tirar a camisa. Apesar do esfriamento das relações entre nós, minha boca enchia de água só de imaginar os músculos torneados do peito de Josh.Tim tirou da mochila um enorme pedaco de argila, com um floreio.— Não sou apenas o assistente de seu pai, sabia? Também gosto de me imaginar como artista em formação.— Você é um grande artista e sabe disso — disse a ele, afundando na areia, mas sempre mantendo um olho cuidadosamente pregado no time de futebol.Fiquei extremamente surpresa já na primeira vez em que meu pai me mostrou uma coleção de objetos feitos por Tim no torno. Cresci vendo o trabalho paterno e conheço um bocado sobre cerâmica. Não resta a menor dúvida de que os vasos e potes que Tim produz mostram um talento o qual excede e muito tanto sua idade quanto sua experiência.— Em geral, trabaiho meus objetos no torno — disse, colocando a argila sobre um pano branco grande. — Mas esta tarde eu vou esculpir.— O quê? — perguntei, ainda vidrada no futebol. Quem me dera poder ir levar uma água para Josh. Ele me parecia exausto.— Você.Meu olhar deslocou-se dos futebolistas para Tim, que amassava a argila com seus longos dedos esguios. — Eu?— Exato. — Erguendo os olhos, Tim sorriu. — Você será minha musa.

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Fiquei meio chocada.— Não sei, não. Nunca me vi no papel de modelo de artista. — Claro que eu tinha uma alta dose de auto-estima, e estava acostumada a ser admirada por carinhas cobiçosos. Mas nunca ninguém havia me estudado. Ninguém jamais havia criado uma obra de arte com base em minha aparência. A simples idéia já era meio intimidante.Tim comecou a modelar a argila.— Pense só no ciúmes do Josh quando ele nos vir aqui e observar que eu não tiro os olhos de você enquanto modelo sua delicada estrutura óssea com os dedos.— Hum... — Não havia pensado no projeto de Tim sob esse ângulo. A idéia era excelente. — Entendo. — Ótimo. Vamos começar, então. — Tim examinou meu rosto um bom tempo. — Olhe para o mar e incline o queixo urn pouquinho.Segui as instruções de Tim, embora decepcionada, porque essa minha pose me obrigava a desviar os olhos de Josh. — O Josh está vendo a gente? — perguntei.— Ainda não. Mas verá. — Tim silenciou.Queria continuar falando, mas era óbvio que ele estava ocupado com seu trabalho. De minha parte, eu olhava o mar e refletia sobre a súbita e espantosa mudança de atitude de meu novo amigo. Sua atuação durante o almoço, no dia anterior, havia sido soberba. E agora isto. Para um cara que tinha dito não achar Josh digno de minhas atenções, ele estava fazendo mais que o esperado para me ajudar a recuperar o meu grande amor vivido no verão. Por quê?Com o passar do tempo, fui aos poucos me esquecendo de Josh e do time de futebol americano. Ouvia ecos vagos dos grunhidos e gemidos da equipe, treinando os deslocamentos, mas estava mais sintonizada nos suspiros baixinhos que Tim soltava de vez em quando, enquanto trabalhava na escultura. Posar para ele me pareceu espantosamente natural — quase como meditar.— Ele está olhando — Tim avisou de repente. — E parece seriamente contrariado.— É mesmo? — Morri de vontade de desfazer a pose, mas me obriguei a permanecer imóvel no lugar.— É. — Tim calou-se por alguns segundos. — O treinador está dando bronca nele.— Ótimo! — Senti uma onda de gratidão por Tim. Se ele não tivesse bolado esse plano brilhante, eu teria desperdiçado a tarde inteira sem dar um único passo rumo ao meu objetivo final.O que Josh estaria pensando nesse momento? Será que sentia tanta dor de me ver ao lado de Tim quanto eu senti naquele dia, quando o peguei beijando Raleigh? Para qualquer pessoa que passasse por ali, Tim e eu com certeza pareceriamos um casal comum. Ninguém iria imaginar que nosso romance era uma farsa total. Até eu, às vezes, me esquecia disso.— O Josh simplesmente largou o treino — Tim informou. — E me deu uma olhada que você nem iria acreditar. Não havia como eu me furtar desse prazer. Abandonei toda e qualquer pretensão de estar absorvida na função de modelo e virei-me para vê-lo. Josh corria em direção ao estacionamento. O treinador ainda gritou alguma coisa para ele, mas não consegui decifrar o que foi, o que talvez não tenha sido de todo mal. Sentimentos de culpa começaram a se acumular em um ritmo veloz dentro de

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mim. Entretanto, era isso que eu queria, não era?Josh virou-se para dar uma última olhada em Tim e em mim, o que me impeliu a virar a cabeça para o lado contrário. Se ele suspeitasse que eu aproveitava toda e qualquer oportunidade para olhar para ele, poderia começar a ficar meio desconfiado do meu suposto romance.— Missão cumprida — comentei.As mãos de Tim alisavam a argila sob os dedos.— Feliz, agora?—Tim moldava aquilo que viria a ser meu nariz. Meneei a cabeça, distraída.— Bastante. — Chocante era eu estar mais fascinada com a escultura de Tim do que com o espetáculo da saída intempestiva de Josh do treino.— Agora que o Josh foi embora, você vai insistir para a gente ir embora? — Tim perguntou. — E vire a cabeça para o mar, enquanto medita sobre a questão.Fiz conforme ele mandou, depois sacudi a cabeca de leve. —Jamais me passaria pela cabeça interromper o trabalho de um gênio — disse a ele, mal mexendo os lábios.Tim riu baixinho.— Você é uma garota legal, Sara. Sabia disso?— Que nada. Só quero ver meu rosto em exposição no Museu Metropolitano de Arte algum dia, mais nada.Tim não respondeu. Na verdade, acho que nem me ouviu. Achava-se totalmente absorto no trabalho. Suspirei sem fazer barulho. Papai era igualzinho quando trabalhava; aliás, aquele jeito dele de se perder na arte durante dias a fio tinha sido um dos motivos que levaram minha mãe a deixá-lo.

Tim, no entanto, não era bem assim. Ele não se fechava totalmente para o mundo, quando esculpia. Ele se preocupava em vigiar os movimentos de Josh. E não havia feito nenhum comentário sarcástico, quando espichei o pescoço para vê-lo largar o treino e ir embora. Devia um bocado ao meu amigo.No quase silêncio que se seguiu, pude sentir o olhar atento de Tim em meu rosto. Mexi o queixo uma fração de centímetro para poder ver seus olhos. Era um olhar tão impetuoso, ninguém jamais havia me olhado daquele jeito. Senti-me totalmente exposta. E linda.— Tim, por que você está agindo assim? — consegui por fim perguntar. — Por que você está me ajudando? — Como ele não me respondeu, pigarreei bem alto. — Tim? Você escutou o que eu disse?As mãos dele pararam de se movimentar sobre a pequena escultura.— Por dois motivos. Primeiro, porque percebi que quanto mais rápido seu plano funcionar, mais rápido eu caio fora da jogada. — Após alguns momentos de silêncio, vi que ele estava dando forma aos lábios, meus lábios.— E qual o segundo motivo? — Por alguma razão maluca, meu coração pôs-se a bater um pouco mais rápido, enquanto eu aguardava uma resposta.Tim deu de ombros.— Você tem o rosto de um anjo, Sara — sonho de todo artista. Foi ridículo, mas confesso que nesse momento, ouvindo o elogio dele, meu coração disparou de verdade. A voz que ouvi não tinha a entonação zombeteira de hábito. E o rubor que me subiu as faces vinha de algum lugar lá no fundo de mim. Haveria algo

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mais entre nós, além de amizade?— Sara? — Tim sussurrou. Engoli em seco.— Hã, o quê?Ele me olhou por um bom tempo.— Hum... incline a cabeça um pouco mais para a esquerda.— Certo. Claro. — Respirei bem fundo e inclinei a cabeça. Calma, calma, falei com meus botões, você e Tim são apenas bons amigos. Eu simplesmente tinha me deixado levar ao sabor daquele jogo. Sim, tinha certeza de que não havia mais nada, ali.

*** Na quarta-feira à noite eu conversava com Maggie ao telefone, cruzando de lá para cá o assoalho de meu quarto, sem parar um instante.— Não entendo por que você não se animou com as notícias! — falei. — O Tim e eu conseguimos avançar com o plano. Nunca imaginei que aquele pateta... tá bom, tá certo, ele não é um pateta, ele é um gato, mas como eu ia dizendo, nunca imaginei que ele pudesse ser tão deliciosamente inescrupuloso.— Sara, você prestou atenção no que disse?Suspendi o monólogo, mas continuei andando de lá para cá. Estava tão empolgada que tive certa dificuldade em perceber que aquilo se tratava, teoricamente, de uma conversa entre duas pessoas.— O quê?— Faz bem uma meia hora que você não para de falar que o Tim é um cara incrível, mas ainda não me disse uma única coisa boa sobre o Josh.Parei de perambular pelo quarto e despenquei na cadeira de balanço.— E daí? O Tim é um cara incrivel, mas eu tenho muita coisa boa para dizer sobre o Josh. — Mostrei a língua para Georgie, que me encarava com ar de interrogação. Gozado eu nunca ter reparado, até então, como eram parecidos, os olhos de Georgie e os de Tim — tão meigos.— Diga-me alguma coisa de bom sobre o Josh — Maggie exigiu. — Mas não quero outro discurso sobre cabelos sedosos ou bíceps bem definidos. — Seria essa a mesma Maggie, minha melhor amiga desde pequena? Uma Maggie desinteressada por detalhes físicos de carinhas bonitos? Impossível!— O Josh é engraçado. Ele é inteligente. E leal. Maggie soltou urn grunhido zombeteiro.— Leal? Não acho que enganar a namorada é uma atitude leal. Não ficou muito claro se Maggie achava que Josh enganava a mim ou a Raleigh. E não procurei saber.— E também é um ótimo jogador de futebol. — Não havia como ela me contradizer nesse quesito. E habilidades atléticas contavam muitos pontos para um garoto: disciplina, graça de movimentos, fôlego bom. — Ainda acho que é pelo Tim que você deveria estar apaixonada—Maggie insistiu. Misericordiosamente, deixou passar batido minhas investidas anteriores contra a brutalidade do futebol americano. — Pelo que ouvi até o momento, o Tim é dez vezes melhor que esse tal de Josh.Como minha amiga se enganava. Josh era minha alma gêmea.

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— Você não entende, Mags. Voce nunca passou pela experiência de estar nos braços de Josh.E lá veio outro grunhido de troca viajando pelos mil e quinhentos quilômetros que nos separavam.— Ainda bem.— Será que podemos voltar ao assunto? — Retomei a caminhada. Estava com a adrenalina a mil.— Que assunto? Mais descrições sádicas da coitada da Raleigh? — Maggie perguntou. Sem dúvida, minha melhor amiga sabia como retirar toda a graça de uma boa história.— Não é sadismo. Estou apenas ressaltando que eu vi os dois discutindo no corredor, outro dia. Ela reclamou que ele anda meio enfezado, ultimamente.Maggie soltou um suspiro.— Acho que a Flórida não está fazendo muita coisa pelo seu carma, Sara.Fuzilei Georgie com os olhos. O olhar da cachorra parecia me acusar de alguma coisa.— Escute, você vai ver o Josh em carne e osso, quando vier no fim de semana que vem. Se achar que ele não vale todo esse esforço, prometo que deixo você dizer tudo o que quiser sobre ele.— Não prometa aquilo que não pode cumprir, Connelly. — Do outro lado da linha, deu para ouvir a mãe dela gritando para que desligasse o telefone e fosse terminar os deveres de inglês. Certas coisas não mudam nunca.— Não se preocupe com minhas promessas — garanti a ela. — Sei que você vai adorá-lo, tanto quanto eu.Tinha certeza absoluta de que até domingo, no máximo, a operação "deixar-Josh-doido" estaria terminada. Já havia feito planos seriíssimos para sexta-feira à noite, planos que me levariam direto para os braços do cara que eu adorava.

Onze

Não estava tentando escutar a conversa de Raleigh, na quinta-feira à tarde. Juro que não. E se não estivesse tão confortavelmente instalada no chão da biblioteca, escondida atrás de uma prateleira imensa de livros, sem sombra de dúvida, teria me levantado e ido para um outro lugar. Mas não pude evitar de escutar o que Raleigh dizia a sua melhor amiga, Monica Sayer.— Nós vamos ao Le Bon Coin — Raleigh falou.

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Esse era o detalhe que me faltava. Já havia deduzido que eles iriam jantar fora e que Josh tentava fazer o possível e o impossível para compensar ter sido o pior dos namorados durante a semana inteira. Mas só então tomei conhecimento de qual seria o destino do infeliz casal.Monica assobiou.— Très chique. Raleigh suspirou.— Josh e eu bem que estamos precisando de um lugar bem chique. Tomara que hoje a gente recupere a magia que nos manteve unidos tantos anos.Não se eu puder evitar, pensei. A partir daquele momento, Tim e eu tínhamos um jantar marcado no Le Bon Coin.— Claro que recuperam — disse Monica. — Você e Josh foram feitos um para o outro. Assim que a velha chama voltar a acender, você para de ficar imaginando que ele quer terminar tudo.— Tomara que sim. Do jeito que está, não vamos poder continuar. Josh anda muito esquisito, ultimamente.A voz de Raleigh me pareceu tão tristonha, que cheguei até a sentir uma pontada de remorso. Eu iria arruinar a noite dela com minha presença. Mas nada, nem ninguém, poderia se interpor no caminho do verdadeiro amor que Josh e eu tínhamos um pelo outro. Raleigh era simplesmente uma desafortunada vítima da guerra amorosa. Mais cedo ou mais tarde, perceberia que o rompimento com Josh fora para melhor. Tinha certeza absoluta.

* * *

— Sara, você está um encanto. — Tim e eu nos encontrávamos a uma mesa pequena, no Le Bon Coin. — Tão linda que eu me sinto quase na obrigação de não olhar. É como se estivesse diante do sol.Girei os olhos e inclinei-me um pouco para a frente.

— Você está parecendo personagem de filme antigo. Menos, Tim, menos.Depois de ter escutado a parte mais importante da conversa entre Raleigh e Monica, fui obrigada a continuar entalada atrás da prateleira de livros por mais uns bons quarenta e cinco minutos, enquanto as duas discutiam os penteados dos ricos e famosos. Quando elas finalmente se foram, eu saí à procura de Tim e acabei encurralando o coitado perto do bebedouro do primeiro andar. Mas só depois de eu ter concordado em pagar o jantar (com o dinheiro que mamãe havia me dado antes de viajar para o Japão no caso de possiveis emergências) é que ele se dispôs a me "levar" ao Le Bon Coin.Passei mais de uma hora me aprontando e, no fim, optei por uma roupa fantástica. Sabia que iria atrair alguns olhares. Meu pretinho básico (toda mulher acima dos quinze anos, que se preze, tem um) nunca falha.Tim também não estava mal. Para falar a verdade, qualquer garota que não estivesse obcecada por Josh, pensando vinte e quatro horas por dia no cara, acharia Tim incrível. A calça cáqui e a camisa branca impecável o faziam parecer pelo menos dois anos mais velho. E gostei da gravata azul-marinho com florzinhas minúsculas brancas. Talvez estivesse enganada, mas me pareceu que ele até

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havia dado uma ajeitada no cabelo com um pouco de gel.Josh e Raleigh já estavam no restaurante, na hora em que Tim e eu chegamos. Fingi surpresa quando Raleigh esganicou um "oi", satisfeita em nos ver. A pontada de culpa que senti foi imediatamente apagada pela imensa satisfação de ver o óbvio desprazer de Josh. Ele corou, e os olhos quase saltaram da órbita.Tim me sorria por sobre a taça de vinho cheia de club soda empunhada por ele.— Você quer deixar o cara com ciúmes, ou será que quer deixar o cara com ciúmes?— Eu quero, mas...— Josh não pode escutar o que estou lhe dizendo — Tim me falou, com um tom de voz baixo e rouco. — Só dá para ele ver que estamos conversando e que eu a devoro com um olhar de adoração. Será que enrubesci de novo? Provavelmente deveria agra-decer a Tim por me fazer corar. De seu lugar, em uma mesa nao muito distante da nossa, Josh sem duvida iria observar que a emocao daquela suposta noite romantica me avermelhava as faces.— Tudo bem, tudo bem, diga o que quiser. Só não vá me botar uma rosa entre os dentes e me convidar para dançar um tango.Tim riu. Vi outras pessoas nos olhando de relance, inclusive Josh. A iluminação da sala era quase toda feita com velas, mas mesmo a seis metros de distância deu para perceber que os olhos azuis de Josh reluziam de raiva. Perfeito.— Pegue minha mão — disse a Tim. O momento não poderia ser mais propício para aumentar minhas chances.— O quê? — Tim colocou a taça de club soda sobre a mesa com um estrépito desajeitado.— Pegue minha mão — repeti, deslizando a mão por sobre a mesa. — Você não está com medo, está?— Não. — Os dedos de Tim entrelaçaram-se aos meus, frouxamente. — Mas talvez você devesse ficar.— Eu, hum... o quê? — Distraí-me com o polegar dele, que me acariciava de leve a palma da mão.— Mesmo que tudo isso de certo, o plano, o ciúmes, a coisa toda, talvez você acabe percebendo que os carinhos de Josh não fazem seu coração disparar.Obriguei-me a ignorar a sensação que me inundou inteira, quando Tim pegou minha mão. Não estava reagindo de modo racional a essa história de mão na mão. Se minhas emoções não se achassem tão completamente à flor da pele, claro que não ficaria com aquela impressão de estar derretendo devagarinho.— Acredite em mim... só de pensar em Josh meu coração dispara.Tim deu de ombros e parou com os circulos lentos do polegar em minha palma.— Quem sabe a Raleigh e eu não nos acertamos, depois que seu plano estiver concluído — ele comentou, com a mesma voz romântica e melodiosa que vinha usando havia vinte minutos. — Ela tem um nariz fantástico. Poderia fazer maravilhas com ele em uma escultura.Olhei-o furiosa. Tim sabia que eu odiava o nariz empinado de Raleigh.

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— Você está brincando, não está?Ele sorriu.— Raleigh é uma excelente garota. E bonita. A maioria dos caras daria qualquer coisa para sair com ela, mas eu tenho mais chances. Nós podemos nos encontrar e nos consolar mutuamente.Bem. Esse tinha sido um discurso apaixonado. Como de hábito, eu não tinha muita certeza se Tim estava brincando ou não.— Com licença, mas no momento tenho um encontro com o toalete feminino.Tim afastou a cadeira e pôs-se de pe, antecipando a minha saída da mesa. Não via uma demonstração tao cabal de cavalheirismo desde Titanic.— Estarei aguardando com a respiração suspensa.Fui para o banheiro ainda soltando fumaça por causa do comentário sobre o nariz de Raleigh. Claro que o nariz dela era engraçadinho. Mas onde estava a verve, a personalidade? Não dava para acreditar que Tim tivesse seriamente pensado na possibilidade de namorar com a rainha da torcida da escola de segundo grau Glendale. Raleigh era uma rnenina legal, mas não servia para ele.— Sara! — A voz de Josh interrompeu meu monólogo interior. Estava tão absorta em minhas ruminações que nem sequer imaginei que Josh pudesse me seguir. E, obviamente, não me achava preparada para esse momento de suma importância. Parei no pequeno corredor aos fundos do restaurante, onde ficava o banheiro feminino.— Oi, Josh.Ele parou na minha frente, mais ou menos me fechando contra a parede.— Você e aquele cara estão em toda parte. Vocês por acaso passam vinte e quatro horas por dia grudados?De azuis-escuros que eram, os olhos de Josh haviam passado a quase negros, e o rosto perfeitamente esculpido mostrava sinais de um roxo bem nítido.— O nome dele é Tim e, respondendo a sua pergunta, não, nós não passamos vinte e quatro horas por dia grudados. — Dito isso, lancei um sorrisinho despreocupado para ele. — Alguma coisa mais que você queira saber?— Sara, por que está fazendo isso conosco? — A voz de Josh saiu carregada de emoção. — Você não quer ficar comigo? — Talvez, mas a questão não é essa. — Olhei-o do alto de minha confiança. — Você continua namorando a Raleigh, e eu não estou disposta a competir.— Mas eu já lhe expliquei isso tudo. —Josh abria e fechava as mãos, com um gesto claro de frustração. — Puxa, não suporto ver você se derretendo toda para aquele cara.— Pior para você. — E tomei o caminho do banheiro, mas Josh estendeu a mão e colocou-a de leve sobre meu ombro.— Eu amo você, Sara, e acho que você também me ama.— A gente se vê por aí, Josh. — Depois, encarei-o por alguns instantes com aquele meu olhar sonhador que sempre despertava nele a vontade de me puxar e me beijar durante nosso longo e quente verão no Maine. — Até mais.Entrei no banheiro e encostei na porta. Os pensamentos me corriam céleres pela cabeça, enquanto repassava a conversa de há pouco. Meu grande amor estava prestes a desmoronar. Isso era tão certo quanto o sol se levantar no dia seguinte. Iria conseguir obter o que queria... finalmente.

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***

— Você não me disse que ele era um gato — Maggie me cochichou quase sem fôlego. — Quer dizer, você disse que ele era incrível, essa coisa toda, mas eu não fazia idéia de que era tao lindo.Tinha ido direto da escola para o aeroporto pegar Maggie. Até vê-la na minha frente, não havia percebido como sentia sua falta. Trocamos um abraço tão apertado que meus óculos escuros voaram da cabeça e aterrissaram aos pés de um turista de meia-idade de New Jersey. O olhar hostil do indivíduo quase nos matou de tanto rir. Maggie e eu em apuros: igualzinho aos velhos tempos. Estávamos as duas no quintal de casa, enquanto Tim, o amigo dele Ed e papai acendiam a churrasqueira para uma refeição estritamente vegetariana ao ar livre. A mãe de Tim tinha ido até a cozinha para montar uma salada semipronta. Ou seja, não restava nada para Maggie e eu fazermos, a não ser sentar nas espreguiçadeiras e tomar o solzinho da tarde. Fazia semanas que não me sentia tão relaxada. Pelo menos naquele momento, não havia planos, tramas ou complôs. Era como se eu tivesse voltado a ser a velha e boa Sara de sempre.Dei uma olhada para Tim e encolhi os ombros.— Até que ele não é mau, para quern gosta do tipo.Os cabelos ruivos de Maggie voaram de lá para cá, quando ela sacudiu a cabeca.— Pára com isso, Sara. Você tem de admitir que ele é o maior gato.— É, imagino que seja.Do outro lado do quintal, Tim ergueu a vista. — Está pronta para fazer um giro pela minha coleção, Maggie? — gritou.— Giro? — perguntei. De repente, percebi que estava tendo um ataque irracional de ciúmes porque os dois haviam feito planos sem me avisar. — Que giro?— Convenci o Tim a me mostrar o trabalho dele. Pelo visto, ele tem uma garagem inteira repleta de vasos e potes em casa.— A mim ele nunca convidou para dar um giro por lá.Pensando bem, nunca tinha posto os pes na casa de Tim Kaplan. Era sempre ele que vinha me ver. Quer dizer então que Maggie iria a casa de Tim, e eu nunca tinha estado lá? Essa idéia me incomodou de um jeito perturbador.Maggie me deu uma olhada por cima dos óculos escuros de gatinho que ela havia comprado especialmente para a viagem à Flórida.— Alguma vez você mostrou interesse? — Bem... não. — Afinal, não era preciso que eu visse cada objeto de arte criado por Tim desde o instante em que ele viera ao mundo. Mas já tinha visto muita coisa dele, no ateliê de papai. Entretanto, apesar dos pesares, não conseguia evitar de me perguntar como seria o seu quarto. Será que havia gravuras nas paredes? Era cheio de objetos esculpidos por ele? Será que os lençóis ainda eram aqueles com estampas do Snoopy, dos tempos de garoto? Por melhor que eu o conhecesse, não sabia nada de seu mundo particular. Estava sempre preocupada demais comigo mesma para me importar com ele.Maggie tirou a camiseta branca que usava, revelando um biquini vermelho reduzidíssimo por baixo.— Você acha que esse sol ainda bronzeia?

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Ergui as sobrancelhas.— Bronzear, bronzeia, para quem não liga para as leis de ultraje ao pudor que temos neste estado.Maggie sorriu de orelha a orelha.— Sempre fui rebelde. — E fechou os olhos para o sol já baixando.— E então, Maggie, o que está achando da Flórida até o momento? — Ed perguntou a ela, de seu lugar ao lado da churrasqueira.Maggie abriu os olhos e sorriu de novo.— Estou adorando tudo, o sol, as praias, os churrascos...— Sem esquecer dos caras fantásticos que temos por aqui — Tim falou em tom de troça, vindo em nossa direção. — Somos uma raça especial, nós, habitantes da Flórida.Será que detectei um tom de paquera na voz de Tim? Era algo novo para mim. Um idiota completo, era isso que ele era. Mal podia esperar para que Maggie o pusesse em seu devido lugar.— Creio que preciso ver um pouco mais do que a Flórida tem para oferecer, antes de comentar sobre a população masculina do estado — Maggie retrucou.Tim riu.— Acho que, nesse departamento, posso ajudar você. Muito bem, essa história começava a ficar enjoativa. E tremendamente irritante. Sabia que não deveria levar em conta, mas não gostei da idéia de Tim e Maggie juntos. — Tim, você não está com um hamburguer de soja ou algo parecido na grelha? — interrompi. — A Maggie e eu estamos tentando ter uma conversinha particular.Tim recuou alguns passos.— Mil perdões, esqueci por um segundo que qualquer conversa que não gire em torno de Josh não vale a pena ser conversada. — E voltou para a churrasqueira.— Rá-rá-rá — respondi. Era a primeira vez que ele me irritava tanto assim, pelo menos que eu me lembrasse. Mas tudo levava a crer que esse era o seu comportamento de praxe, quando se exibia para as garotas.Ed passou a mão pelos cabelos castanhos espessos.— Uma coisa é certa, vocês dois tem a dinâmica mais esquisita que já vi para um casal de namorados.— Muito engraçado — reagi. Ed era a única pessoa, fora Maggie, que sabia sobre Tim e eu só estarmos fingindo. Torci para que papai não tivesse entendido o comentário. Não estava a fim de passar por um interrogatório.— Voltem já para os hambúrgueres! — ordenei aos dois. Quando eles se viraram para a churrasqueira, Maggie me deu um sorrisinho maroto.— Agora me fale um pouco sobre o Ed. Ele tambem não é mau.— O Ed é um cara legal, blá, blá, blá. — Tentei ignorar a pequena onda de irritação que ameaçava desabar sobre mim. — E o Tim não é tão gato assim.Certo, pega leve, Connelly, disse para mim mesma. Maggie era a melhor amiga que eu tinha neste mundo e Tim era o melhor amigo que eu tinha na Flórida. Não havia motivo para não me sentir felicíssima por estarem se dando tão bem. Exceto pelo fato de que a simples idéia me fazia querer vomitar.— Mal posso esperar pela festa de hoje à noite — falei, pronta para desviar o assunto da figura de Tim por uns tempos.— Você finalmente vai conhecer o Josh. — Danny Sebree, o zagueiro do time de

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futebol, iria dar um festão para comemorar a viagem de duas semanas dos pais a Europa. — Mas me conte sobre o Matt. Maggie suspirou dramaticamente. Quase pude ver a imagem de todos os outros meninos — a de Tim inclusive — esvairem-se de sua mente. Fato que, devo admitir, me deu uma imensa sensação de alívio. — Ele é maravilhoso... — ela comecou.Enquanto Mags partia para seu monólogo sobre as virtudes de Matt Brewer, fechei os olhos e me preparei para ouvir. A vida era simplesmente isto: uma reunião com os amigos — em uma tarde ensolarada.Sim, era certeza quase absoluta de que Josh e Raleigh iriam a festa. E, se eles fossem, eu estava disposta a fazer algo bem maluco para chamar a atenção de Josh. Só não queria pensar na cena, propriamente dita, até ser absolutamente necessário montá-la. Por enquanto, o melhor era ir devagar com o andor, sentir o doce cheiro do mar e curtir a vida. Dicionário de Sara das Cinco Palavras Mais Importantes da Língua

* * *

Amar, v. t.d. 1. Querer muito bem; sentir ternura, afeto ou paixão por alguém. 2. Sentimento prazeroso de dedicação pessoal ou profunda afeição. 3. Ter amor; estar enamorado.

* * *

Amizade, s.f. 1. Sentir grande afeição, simpatia, por alguém que não é necessariamente parente. 2. Grande apreço ou perfeito entendimento entre pessoas. 3. Aquele que é amigo, companheiro, camarada.

* * *

Honestidade, s. f. 1. Qualidade ou caráter de honesto; honradez, dignidade. 2. Veracidade, sinceridade ou decência. 3. Aquilo que é isento de burlas ou fraudes. 4. Castidade; pureza; virtude.

* * *

Sofrer, v. t. d. e ind. 1. Sentir dores ou um grande abalo. 2. Passar por, experimentar sofrimentos, desvantagens ou perdas. 3. Suportar ou padecer algo em caráter temporário ou crônico.

* * *

Sonhar, v. t. d. e ind. 1. Sucessão de imagens, pensamentos ou emoções que passam pela mente durante o sono. 2. Almejar, ansiar por algo. 3. Desejar algo com insistência; fazer castelos no ar.

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Doze

Já fui a muitas festas em Portland. Aliás, dei um bocado de festas em Portland. Mas todas elas foram apenas reuniões entre um punhado de amigos, se comparadas ao festão na casa de Danny Sebree. Metade da Glendale amontoava-se na sala de estar e na cozinha dos Sebrees. A outra metade

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esparramava-se pelos gramados da frente e dos fundos.Levei quase quinze minutos, mas acabei localizando Josh no meio do pessoal que dançava na sala. Ele embalara em uma versão mais leve de slam dancing ao som do Smashing Pumpkins. Como de hábito, me pareceu para lá de fantástico.Havia parado perto da porta que ia da sala para a cozinha, de onde podia ver tanto Josh quanto Raleigh. Numa atitude ultra-típica de torcedora número um da escola, Raleigh comandava as coisas na cozinha, de onde iria sair uma leva de patê de cebola. Infelizmente, a garota estava o máximo. Tinha aposentado o uniforme de garota boazinha em troca de uma saia preta justérrirna e um top sem alça. Nunca tinha percebido que a rainha das quadras podia ser assim tão... bem... sexy. Essa era a palavra.Virei-me para Maggie, a meu lado.— E então, o que você achou?Seu olhar percorreu a sala.— Estou achando essa festa incrível. É impressão minha ou todos os gatos do país migraram para a Flórida?Dei risada.— Pensei que você estivesse apaixonada pelo Matt.Maggie ergueu as sobrancelhas.— Isso não significa que não possa apreciar as coisas belas da vida, como por exemplo o traseiro gracinha daquele cara.Segui o olhar dela.— Ah, é o C.J. Rouse. — Minha amiga tinha razão. C. J. possuía um belo traseiro. — Ele namora a Eleanor Stritch.Transferi meu olhar para Josh.— Quer dizer que agora você entende por que me meti nessa loucura? — perguntei a Maggie, inclinando a cabeça para os lados de Josh.Ela encolheu os ombros.— É, sem dúvida, ele é legal.

Legal? Josh ultrapassava todas as fronteiras do legal. Mas como esperar que Maggie apreciasse suas infinitas qualidades sem ter falado com ele? Ela nunca ouviu os elogios que eu escutei em voz sussurrada, nunca riu de seus comentários espirituosos. Nunca o viu disparar pelo campo de futebol em controle total da bola.— Tudo bem, vou parar de tentar convencê-la de que Josh e eu somos almas gêmeas. — Eu tinha cansado das reações muito pouco entusiastas de Maggie em relação a tudo o que dissesse respeito ao cara dos meus sonhos. — Entretanto, vou lhe mostrar como uma garota transforma o homem de suas fantasias no homem de sua vida.— Hum... ah. Lá vamos nós — disse-me ela, em um tom de voz meio professoral, mas pude ver a curiosidade cintilando em seus olhos verdes. Maggie estava louca para saber o que eu iria aprontar, e eu louca para por mãos a obra.— Cadê o Tim? — perguntei.Embora Maggie, Ed e eu tivéssemos ido no carro de Tim, ele havia desaparecido de vista assim que entramos na casa de Danny.

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Percorri a sala lotada até que por fim meus olhos o encontraram. Tim estava parado ao lado do aparelho de som, entretido no que me pareceu uma discussão acalorada. Provavelmente debatia os méritos relativos do Hole em relação a Andy Gibb. Já havia reparado que o gosto musical dele pendia para o nostálgico.Agarrei Maggie pelo cotovelo e arrastei-a em direção ao som, que tomava todo um canto da sala. Curvei-me sobre uma pilha de discos a procura da canção romântica perfeita. Quando encontrei o disco ideal, abri o encaixe do CD. Adeus, Smashing Pumpkins.— Ei, o que houve com a música? — alguém berrou.— Já vai, já vai — gritei de volta. — Só mais um minutinho.— Introduzi o CD escolhido com todo o carinho, aproximei-me de Tim e passei o braço por sua cintura.— Preparado para mais uma atuação digna de um Oscar? — perguntei.Tim franziu a testa.— O que você tem em mente? — Já vai ver. — Peguei a mão dele e levei-o para o meio da sala. A mudança de música tinha provocado justamente o efeito que esperava. As violentas contorções de antes tinham sido substituídas por alguns rostos colados.Tim enlaçou minha cintura, e eu pus as mãos em volta de seu pescoço. Em segundos, olhávamos fundo um nos olhos do outro e dançávamos como se estivéssemos tão-somente buscando uma desculpa para nos aproximar.Meu parceiro me puxou mais para perto, e eu descansei a cabeca em seu peito. Por alguns segundos, fechei os olhos e me entreguei a música suave, romântica. Uma parte de mim desejava apenas dançar ao sabor da melodia, nos braços de Tim. Mas tinha trabalho a fazer.Abri os olhos e dei uma espiada na sala. Josh e Raleigh também dançavam, não muito longe de nós, enlaçados nos braços um do outro do mesmo jeito que Tim e eu. Cinco, quatro, tres, dois, um...Ele me viu. Na verdade, viu os dois. E não me pareceu muito satisfeito. Virei a cabeça para cima e fitei uma vez mais os meigos olhos castanhos de Tim. Respirei fundo, enchendo os pulmões de ar quase a ponto de estourar. O momento havia chegado. Um, dois, três. Expirar.Firmei as mãos no pescoço de Tim e puxei sua cabeça para mim.— Não vá me deixar na mão — cochichei.Tim meneou a cabeça de maneira quase imperceptível. Instantes depois, estávamos nos beijando. Os lábios macios e quentes de Tim aproximaram-se dos meus, devagar. O resto da festa, o mundo inteiro, parecia ter sumido por completo durante aquele abraço apertado em que nós nos beijamos, nos beijamos, nos beijamos. As mãos de Tim afagavam minhas costas e meus dedos encontraram sozinhos o caminho até seus cabelos castanhos.Vindo de muito, muito longe, uma voz me dizia que o propósito daquele beijo não era o de me divertir. A intenção era deixar Josh enciumado. Forcei-me a abrir os olhos. Furioso, Josh tinha largado Raleigh plantada no meio da sala e estava vindo direto para cima de Tim.Afastei os lábios da boca de Tim e recuei um pouco. —Beija isso aqui, ó, Kaplan! —Josh berrou.—O quê...! — Tim exclamou.

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O braço de Josh ergueu-se de repente, e o punho desceu direto no rosto de Tim.Olhei horrorizada. Tim estava estatelado no chão, com sangue jorrando do nariz.—Josh, o que você está fazendo! — gritei.—Minha nossa! — O brado veio de Maggie, que correu para o lado de Tim.Ajoelhei-me do lado e pus a cabeca dele no colo. Minha trama tinha fugido totalmente ao controle.—Tim, tudo bem com você? — sussurrei.—Acho que sim... estou meio zonzo. — A voz dele era baixa, e as palavras saíram arrastadas.—Josh, você enlouqueceu? — Raleigh berrou de longe. — O que está havendo?Josh olhou de mim para Raleigh.—Eu, hum... eu não sei. — Estava ofegante, o rosto avermelhado.C. J. e Danny aproximaram-se e pegaram Josh pelos braços. — Calma, cara — disse Danny. — Controle-se.—Olha, use isto aqui para limpar o sangue. — Raleigh estendeu um pano de prato.Peguei o pano e enxuguei o sangue que escorria do nariz de Tim. Eu era uma idiota completa. As coisas não estavam saindo conforme o planejado.—Hum... obrigada.Ergui os olhos e vi que Josh me olhava.—Venha, Sara. Nós vamos embora. — Afastando-se de C. J. e Danny, Josh me estendeu a mão.—Josh, eu...—Agora — ele interrompeu, os olhos furiosos. Raleigh franziu o cenho.—Josh, fale comigo! — Ela parecia prestes a chorar. — Não estou entendendo nada.—Eu sinto muito, Raleigh — Josh falou, num tom bem mais gentil. — Mas a Sara e eu temos de ir embora.Em meu íntimo, travava-se uma batalha feroz. O sangue continuava pingando do nariz de Tim e ele não parecia nem um pouco apto a se levantar. Metade de mim queria sair correndo da festa, ao lado de Josh, e a outra metade queria ficar e cuidar de Tim. Quer dizer, ele tinha levado um soco por mim... só que, por outro lado, Josh tinha dado um soco por mim. Até ali, e em todos os meus anos de encontros e namoros, ninguém havia feito nem uma coisa nem outra! — Você quer ir embora com ele, Sara? — Tim perguntou baixinho. — É isso que você quer?Engoli em seco.— Eu... eu...Senti os olhos de Maggie fixos em mim e virei-me para ela.— Mags, o que você acha? — cochichei.Seu olhar respondeu a minha pergunta. Fique. Não o deixe aqui sozinho. Mas, em voz alta, tudo o que ela me disse foi:— Cabe a você decidir.Em algum lugar, ao fundo, eu ouvia a voz de Raleigh. Ela parecia bastante perturbada, mas eu estava concentrada demais no debate que ocorria dentro de mim para entender. Tudo o que eu sabia é que as coisas pioravam cada vez mais e em um ritmo acelerado.

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— Vá em frente, Sara — Tim sussurrou por fim. — Eu estou bem.Dei uma olhada para Maggie.— Eu assumo, daqui para a frente — ela disse, abaixando-se para colocar a cabeça de Tim em seu colo. — Eu dirijo o carro dele. Pode deixar.Pelo que me pareceu uma eternidade, fitei o rosto ensangüentado de Tim. Fique. Vá. Fique. Vá.— Sara, vamos —Josh ordenou, enfezado. — Vamos dar o fora daqui.Ergui-me do chão; eu tinha esperado tempo demais por esse momento para deixá-lo escapar.— Tem certeza de que é isso que você quer fazer? — Maggie perguntou em voz baixa.Meneei a cabeca devagar. Em seguida, lancei um olhar culpado para Tim e segui Josh pela sala. Ao sair, senti os olhos de Raleigh abrindo um buraco em minhas costas.— Não faça isso, Josh! — ela ainda gritou. — Não me deixe!Mas Josh continuou em frente, e eu atrás. A cada passo, esperava ser tomada por sentimento eufórico que não vinha e, finalmente, ao cruzar a porta da frente, me senti péssima.Josh tinha optado por mim e tudo em que eu conseguia pensar era no sangue escorrendo pelo rosto de Tim. Eu vencera, mas a que preço?

***

Vinte minutos depois, Josh e eu paramos no estacionamento ao ar livre da praia. Do banco do carro, dava para enxergar as ondas negras arrebentando na areia. Vi quando Josh desligou o motor, mas só conseguia pensar em Tim.

Ambos havíamos feito o trajeto praticamente em silêncio, até ali. Eu não sabia o que lhe ia pela cabeça, mas, de minha parte, estava tomada pelas imagens recentes da festa. Ainda escutava a voz de Tim me dizendo com toda a delicadeza para ir embora com Josh. E lembrava também do olhar de decepção no rosto de Maggie; eu não tinha agido como uma melhor amiga costumava agir. Segui meu coração e deixei os amigos para trás. Cometera um grande erro, mas não havia nada para consertá-lo. O dano fora feito... ao menos até que pudesse me desculpar.Josh agarrou o volante com tamanha força que, mesmo no escuro, dava para perceber que os nós dos dedos estavam esbranquiçados. Obviamente, havia chegado a hora de termos uma conversa. Expulsei a custo os pensamentos de Tim da cabeça, pigarreei e disse:— Josh? O que houve hoje, exatamente? Ele largou o volante e se virou para mim.— Não posso mais continuar fingindo. Sempre vou gostar da Raleigh, sempre, mas preciso aceitar de uma vez por todas que não estou mais apaixonado por ela. Talvez nunca tenha estado.Meu coração deu um salto, meus olhos se encheram de lágrimas e meus braços se arrepiaram. Ouvir essas palavras da boca de Josh era algo quase irreal. Havia

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imaginado esse momento tantas vezes que mal podia acreditar que estivesse de fato acontecendo.— Você está falando a sério mesmo?Ele meneou a cabeça.— Estou. — Inclinando-se, Josh desligou o rádio do carro. — Vou terminar com ela amanhã... se é que já não está tudo terminado entre nós.— Certo... ótimo.Não sabia mais o que falar. Quer dizer, aquele era o tipo de situação em que a gente se imagina deslanchando em um discurso preparado de antemão, ou algo parecido. Mas eu não tinha nada a dizer... absolutamente nada.— Eu amo você, Sara. —Josh me abraçou e me puxou mais para perto.Finalmente eu o tinha inteiro para mim. Quando ele se curvou, para me beijar, agradeci em silencio a quem quer que fosse ou ao que quer que fosse que controla o universo. Tinha obtido o que queria.

— Esperei por isso tanto tempo —Josh sussurrou. — É assim que está certo — você e eu, juntos, para sempre.Os doces lábios de Josh tocaram os meus. Retribui o beijo, enlaçando seu pescoço e deslizando as mãos por seus cabelos loiros tão macios. Esperei pela emoção descompassada que tinha sentido no Maine. Esperei pela onda de amor e afeto. Em vez disso, descobri-me comparando aquele beijo ao de Tim. Lembrava-me de como minha espinha havia formigado inteirinha na hora em que Tim me dera um beijo. Lembrava-me da sensação das mãos de Tim em volta de minha cintura, segurando-me bem apertado enquanto dançávamos. Qual seria o problema comigo? Estava seriamente confusa. Este momento tem a ver com você e o Josh, disse para mim mesma. Esqueça o Tim.Os lábios de Josh passaram de minha boca para meu rosto, depois para a orelha, e a expressão para sempre ecoou em meu cérebro. Será que eu desejava realmente ficar com Josh para sempre?Josh afastou-se e me fitou bem nos olhos.— Diga-me que está tudo terminado entre você e aquela idiota. Diga-me que daqui em diante você será minha e apenas minha.Não achei que fosse o momento ideal para ressaltar que Tim não era um idiota. Em vez disso, sorri e acompanhei o contorno dos lábios de Josh com o indicador. Obviamente, eu havia me descontrolado um pouco só porque ainda não podia acreditar que aquilo estivesse ocorrendo. Claro que eu queria ficar com Josh para sempre; vinha sonhando com isso fazia meses.— Lógico que eu sou sua — sussurrei. — Eu sempre fui sua.Mas, quando nos beijamos de novo, minha cabeça achava-se a quilômetros dali. Não me vi tomada por aquela onda arrasadora de amor que havia experimentado nas noites do acampamento.Eu só preciso de um pouco de tempo para me acostumar com isso tudo. Daqui a alguns dias, tudo estará perfeito.

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Parada na frente de casa, fiquei vendo o carro de Josh se afastar, até que as luzes traseiras sumiram no negrume da noite. Continuava a espera de uma onda de euforia, mas por dentro me sentia murcha. Entretanto, essa minha tristeza não tinha nada que ver com Josh, quanto a isso não restava a menor dúvida. Simplesmente me sentia péssima por ter deixado Tim e Maggie sozinhos na festa. Eu tive um comportamento vergonhoso e sabia que precisava encontrar um modo de fazê-los compreender quanto eu lamentava minhas ações.Eu ia pedir desculpas para Maggie imediatamente. Se ela me perdoasse, talvez ainda houvesse tempo para dar um pulo até a casa de Tim. Poderia implorar logo pelo perdão dele, assim não teria de conviver nem mais um minuto com aquela culpa horrenda.Encaminhei-me para a porta da frente, compondo meu pedido de desculpas na cabeça. Ao chegar perto da varanda, escutei um vago som de vozes vindo do quintal.Abri um sorriso imenso. Não consegui entender o que diziam, mas não havia a menor dúvida de que Tim e Maggie estavam sentados no deque. Isso era maravilhoso; eu poderia pedir desculpas aos meus dois melhores amigos, e depois ir deitar com a consciência limpa. Pela manhã, já teria me acomodado às novas condições do relacionamento com Josh e seria feliz, muito, muito feliz.Fui praticamente saltitando quintal afora, a caminho do deque. A noite iria acabar bem, no fim das contas.Mas estaquei, paralisada, quando avistei o deque. Maggie e Tim estavam lá, mas não estavam conversando. Meus dois melhores amigos estavam abraçados de um jeito bem íntimo. De repente, lembrei-me da maneira como tinham se paquerado durante a tarde, e a pontada de ciúmes voltou, só que dessa vez um milhão de vezes mais forte.Lembrei-me da forma como Tim havia me beijado antes. Será que havia beijado Maggie do mesmo jeito? Por razões que nem sequer poderia imaginar essa hipótese me deixou maluca. Não conseguia me mexer. Era como se Mike Tyson tivesse acabado de me dar um murro no estômago. Não conseguia respirar e havia manchinhas minúsculas negras diante de meus olhos. Ainda assim, deu para ver que Tim afagava o rosto de Maggie do mesmo jeito como havia afagado o meu, quando dançamos.— O que vocês estão fazendo? — berrei. Nem me dei conta de que as palavras saíram de minha boca, até que elas já estivessem avançando céleres pelo ar, para aterrissar nos ouvidos de Tim e de Maggie.Chacoalhei fora minha paralisia temporária e marchei em direção ao deque.— O que vocês estão fazendo? — repeti tolamente. Quer dizer, era óbvio o que eles estavam fazendo. Estavam namorando.— Ah, oi, Sara — Maggie disse, obviamente assustada comigo. — Não esperávamos que você voltasse tão cedo.— Como vai o nosso galã? — Tim perguntou. Os olhos dele pareciam sombrios e a voz soou distante, de um jeito que jamais tinha ouvido. Era como se falasse com uma estranha.Senti-me presa de uma raiva inexplicável, cuja força me deixava zonza.— Não acredito que eu cheguei a me sentir mal por ter deixado vocês lá na festa!— Sara, o quê... —Tim levantou-se e deu um passo em minha direção.

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— Tudo bem, esqueçam. Voltem a fazer o que estavam fazendo. — E foi aí que eu quase engasguei. - Eu ia pedir desculpas a vocês, mas deu para perceber que estão ambos se saindo muito bem sem mim.— Você está bem? O que foi que houve? — Maggie acrecsentou.— Eu... eu... — Não encontrei palavras para comunicar o que estava sentindo e pensando. Não sabia o que estava sentindo ou pensando. Só sabia que a minha maior vontade era me afastar de Tim e de Maggie o mais rápido possível. Em vez de respondei à pergunta dela, virei-me e fugi, despedaçada de ciúmes, raiva e tristeza.

Receita de Sara para o Desastre

Para qualquer um interessado em passar a pior noite de toda a história de sua vida, eis aqui um prato picante que vai agradar ao mais exigente paladar. Infelizmente, falo por experiência própria.

1 grande amiga em visita1 cara excelente a quem você considera amigo1 atleta bonito, mas, no fim das contas, meio limitado e por quem você pensa estar apaixonada1 namorada do atleta bonito, mas, no fim das contas, limitado1 vestido branco curtinho1 par de sandálias combinando

Modo de provocá-lo:

Aplique o vestido e as sandálias a sua pessoa. Depois junte a melhor amiga, a namorada e os dois caras, preferivelmente durante uma festa bem animada e cheia, onde qualquer incidente desagradável tem ótimas chances de causar sérios danos no ego de todos os envolvidos. Assim que a festa estiver bem quente, dê seguimento à cena preferida. Por fim, fuja do local e espere até a ficha cair. Garanto que não haverá decepções.

Treze

Já tinha deitado havia bem uma hora, mas nada de o sono chegar. Contei carneiros, recitei o alfabeto sessenta vezes e revi cada detalhe de meu

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relacionamento com Josh. Porém, continuava totalmente desperta. E estar consciente, cm um momento desses, era pura tortura.O único assunto sobre o qual teria preferido não pensar, ou seja, a raiva que sentia de Tim e de Maggie, foi justamente aquele que não me largou um segundo. Eu estava um trapo. Passava da uma da manhã quando escutei a porta de trás ser aberta com cuidado, e depois fechada.Maggie subiu as escadas pé ante pé, mas não adiantou porque a madeira rangeu do mesmo jeito. Instantes depois, ela parou na frente da porta de meu quarto. Veio um toc-toc-toc bem suave.— Sara? — sussurrou. — Você esta acordada? — A porta se abriu alguns centímetros.Fechei os olhos mais que depressa e tentei relaxar os músculos do rosto. Não conseguiria conversar com Maggie, não naquele momento. Não saberia o que dizer para ela, ainda não tinha entendido por que tinha reagido com tanta violência ao vê-los abraçados no deque. Não me permitira entender.— Só queria lhe dizer que não esta rolando nada entre o Tim e eu — Maggie falou com suavidade. — Tudo o que você viu foi um abraço amigável. Mas a gente conversa sobre isso amanha. Tente dormir um pouco. E lembre-se: boas amigas para sempre.Dito isso, ela fechou a porta e, sem fazer barulho, cruzou o corredor ate o quarto de hospedes. Abri os olhos e fitei o teto, agradecendo a Maggie em silêncio por ser uma amiga tão fabulosa. Ela sempre dizia o que eu precisava ouvir. Repassei as palavras dela mentalmente e, por fim, as lágrimas jorraram e escorreram pelo rosto. Senti um misto avassalador de alívio e angústia, com cada lágrima derramada. Não está rolando nada entre o Tim e eu. Por que aquela frase significava o mundo, para mim... muito mais do que Josh dizer que me amava? Na cabeça, rodei um filminho dos últimos meses de minha vida. Vi a mim mesma, sorridente e animada no Maine, com beijos a beira da fogueira e longos passeios românticos em volta do lago. Lembrei-me dos elogios de Josh. Adorava todos eles, sem exceção. Mas fui percebendo aos poucos que nós nunca nos comunicamos de fato. Josh não me conhecia.Depois pensei em Tim. Lembrei-me do jeito como ele me olhou, no dia em que esculpiu meu rosto. Tim sabia que eu tinha medo de tubarões. Sabia que, acima de qualquer outra coisa, eu desejava que meus pais encontrassem alguém para amar e com quem pudessem dividir a vida. Tim conhecia as montanhas e vales de meu humor. E eu também o entendia. Reconhecia a expressão no olhar, quando lhe vinha uma nova idéia criativa. Ouvia ate a impaciência sutil da voz, quando tentava explicar o conceito de recibos para papai.Por fim, pensei no beijo de Tim. Fora um momento perfeito no tempo, ate que o destruí. E se por acaso o beijo tivesse continuado... por muito e muito tempo? Nada me parecia mais maravilhoso, mais desejável que aquilo.E, então, me dei conta daquilo que no fundo já sabia havia um bom tempo. Não estava apaixonada por Josh. Talvez nunca tivesse estado. Mas eu estava apaixonada. Estava louca, desesperada e totalmente apaixonada pelo cara mais maravilhoso que eu já havia conhecido na vida. Eu estava apaixonada por Tim.

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Como pude ter sido tão insuportavelmente burra? Tim era o cara que me fazia rir. Era ele quem tinha demonstrado, muitas e muitas vezes, ser digno de meu respeito, de minha admiração, de minha confiança. Tim me apoiara em tudo, desde o primeiro dia emque o conheci.Ah, Tim, por que não enxerguei que era você, o meu sonho? Persegui Josh feito um demônio e, nesse processo, deixei que Tim visse os piores aspectos de minha personalidade. Só de lembrar das coisas que eu havia pedido a ele para fazer em nome de minha obsessão me arrepiava inteira de horror.Não havia a menor esperança de conseguir conquistar o coração de Tim depois de tudo que acontecera. Eu o deixara na mão justamente quando mais ele precisou de mim, e tinha agido como uma louca varrida no deque. Não havia lhe oferecido nem mesmo um pedido de desculpas, que ele tanto merecia. Como ele poderia me perdoar, que dirá me amar?Não tentei interromper as lágrimas que escorriam pelo meu rosto. Por que haveria de tentar? Eu tinha estragado toda e qualquer oportunidade para conquistar o amor de Tim ao agir como uma menininha egoísta e mimada. Não havia a menor possibilidade de que ele se apaixonasse por mim depois de tudo.Entretanto, lembrei-me de que, mesmo nos meus momentos de mais absurda loucura, Tim tinha estado a meu lado. Ele sempre me perdoou. Seria possível que sentisse por mim o mesmo que eu sentia por ele? Não fui capaz de apagar a tênue chama de esperança que se acendeu em meu coração. Talvez, quem sabe, não fosse tarde demais para nós.

***

Tinha dormido mais ou menos quarenta e cinco minutos ao todo, quando toquei a campainha da residência dos Nelsons no sábado de manhã, bem cedo ainda. Graças a Deus estava preparada para os acordes de "When the Saints Go Marching In". Não conseguiria lidar com mais surpresas do que o absolutamente necessário.

Eu havia me levantado às sete da manhã, depois de um esforço tremendo, e deixado um bilhete para Maggie, pedindo desculpas. Enfiei o bilhete por baixo da porta, e ela o encontraria quando acordasse (provavelmente por volta do meio-dia). Em seguida, parti com a missão de consertar o mundo. Falar com Josh seria a primeira fase.Foi ele quem atendeu a porta. Não parecia muito melhor do que eu. Os olhos estavam vermelhos, e o cabelo era uma maçaroca em desalinho. Pelo visto, tampouco ele havia conseguido pregar o olho.— Nós cometemos um erro enorme — falei mais que depressa. — Você viu o Tim me beijar e sentiu ciúmes.— Sara, eu...Ergui a mão.— Deixe-me terminar. — Respirei bem fundo. — Nós nos divertimos a beça no verão passado, mas... — Puxa, era impossível alguém se sentir pior que eu. Josh tinha finalmente se apaixonado por mim e eu ali, prestes a despedaçar-lhe o

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coração.— É, pois é, foi um verão incrível.— Mas acho que nos empolgamos demais... e... Estou apaixonada por outra pessoa. — Calei-me durante uns momentos. — Estou apaixonada pelo Tim.Era a primeira vez que dizia isso em voz alta. Minha cabeça parecia querer explodir. Literalmente. Não ficaria nem um pouco surpresa se meus miolos começassem a sair pelas orelhas e se esparramassem na entrada da casa dos Nelsons. Eu amava o Tim. Eu o amava. Ah, nossa, isso era o máximo! Era a coisa mais incrível que já tinha me acontecido na vida!— Sara, posso lhe dizer uma coisa? —Josh perguntou. Torci para que ele não começasse a me implorar amor. Sentia-me culpada o suficiente.— Claro.Josh passou a mão pelos cabelos loiros caídos na testa, um gesto que antes eu achava cativante, mas que só me deixou mais nervosa ainda.— Concordo com você.Arregalei os olhos.— O que?!— Você tem toda a razão. Passei a noite toda acordado, pensando. Um pouco antes de raiar o dia, percebi que essa coisa toda entre nós é pura loucura. Quer dizer, nós nem sequer nos conhecemos direito. — Ah. — Sorri. Não sei por que, mas, por algum motivo, aquela conversa de repente estava me dando uma vontade doida de rir. — Muito bem.— Fico feliz que você tenha chegado à mesma conclusão que eu, não queria magoá-la. — Josh inclinou-se e me deu um beijinho suave na testa. — Você é uma grande garota, mas não é a garotaque quero para mim.— Quer dizer então... que você vai voltar para a Raleigh? — Por mais chocante que isso possa parecer, torcia para que a resposta dele fosse sim.— Bem, nós não chegamos a terminar oficialmente. Eu ainda nem falei com ela depois da festa de ontem. Ela, provavelmente, está com ódio de mim.A voz de Josh veio cheia de desespero e pesar. Reconheci de imediato aquele tom, era igualzinho ao meu, no dia em que contei para Maggie, por telefone, que Josh já tinha uma namorada. Finalmente, uma visão mais completa de tudo o que ocorreu nas últimas semanas foi surgindo das profundezas de minha mente obscurecida.Josh estava apaixonado por Raleigh. Josh sempre esteve apaixonado por Raleigh. Sim, ele até que gostava de mim. Sentia atração por mim. Tinha certeza quase absoluta de que houve momentos, no verão que passamos no Maine, em que ele até se convenceu de que me amava. Mas fui apenas e tão-somente uma distração, uma distração eficaz. Ele jamais teria me mandado aquela tão prometida carta. Se não tivesse brincado com a cabeça dele, nessas últimas semanas, jamais teria duvidado de seus sentimentos em relação à Raleigh.— Ela vai perdoar você.Havia lágrimas nos olhos de Josh, quando me olhou.— Você acha mesmo? Por quê? Como?Dei risada. Quem haveria de acreditar que um dia eu estaria dando conselhos românticos a Josh Nelson? A vida era mesmo um grande absurdo. No entanto,

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alguma coisa me dizia que toda essa maluquice tinha servido para me mostrar o caminho ate meu próprio coração. Só torcia para que pudesse encontrar Tim no ponto final.— Por que ela ama você.

— Espero que sim. Bem, então a gente se vê por aí — Josh disse, com um tom suave.— Certamente.Fiz meia-volta para percorrer a alameda de lajotas mais uma vez. Como da última vez, meu coração disparou no pequeno trajeto da porta da frente ate o carro. Só que aquelas marteladas doloridas dentro do peito não tinham nada que ver com Josh. Meu coração tinha saído de compasso porque eu havia descoberto finalmente quem era meu verdadeiro amor... E iria buscá-lo.

* * *

A velha caminhonete de Tim estava no estacionamento da praia, como eu esperava. No dia anterior, ele havia me dito que planejava dar um mergulho logo cedo. Devido à hora, eram muito poucos os carros ali parados. E eu já tinha passado tempo suficiente na Flórida para saber que todos aqueles veículos pertenciam a pescadores e surfistas esperançosos.Pisei no breque do Oldsmobile e desliguei o motor. Sabendo que Tim se encontrava por perto, era como se eu não pudesse esperar nem mais um segundo para despejar todos os meus sentimentos em cima dele. Pouco me importava que me virasse a cara e me dissesse que nunca mais queria me ver. Precisava lhe contar como me sentia.Tentei correr ate a beira da água, mas minha sandália de dedo a todo o momento enroscava na areia. Esteja lá, rezei. Por favor, por favor, esteja na praia.Então eu o vi. Tim estava com roupa de mergulho, concentrado em prender um cilindro de ar nas costas. Nunca, em toda a minha vida, eu tinha visto algo tão lindo. Seria possível que algum dia eu tivesse dado o cano em Tim e nas aulas de mergulho para ficar com Josh? Inacreditável.— Tim! — gritei. — Tim!Ele largou o cilindro de oxigênio.— Sara!Corri para ele, corri de verdade. Quando cheguei mais perto, vi que tinha a pele pálida e o nariz avermelhado, resultado do soco que Josh lhe dera. Estava com um aspecto quase tão ruim quanto o de Josh, coisa que, por algum motivo perverso, interpretei como sendo um bom sinal. Puxa, garotas desesperadas se agarram a qualquer coisa. — Podemos conversar um instante? — pedi. — Prometo que não haverá mais gritos.Tim aboletou-se graciosamente na areia e me olhou com arde interrogação.— Estou ouvindo.Sentei-me ao seu lado, com o coração batendo mil vezes porminuto.

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— Fui uma tola, uma idiota. Tim sorriu.— Por enquanto, concordo com o que você diz. Certo, eu merecia isso.— Não estou apaixonada pelo Josh. Acho que nunca estive. Você tinha razão, eu só não queria perder.Ele meneou a cabeça.— Fico feliz que tenha percebido isso.Ao dizer isso, levantou-se de novo.— Se não tem mais nada que me dizer, vou dar um mergulho.Pus-me de pé mais que depressa. Obviamente, ele não sentia por mim o mesmo que eu sentia por ele. Mas ainda assim era preciso que eu dissesse aquelas palavras, pois elas me perfuravam o cérebro.— Mas estou apaixonada, Tim.Ele estacou na mesma hora.— Está?Acenei com a cabeça, tentando memorizar o formato e o tamanho de cada centelha dourada que reluzia naqueles olhos cor de chocolate.— Estou apaixonada por você.Durante um momento, que me pareceu longo demais, Tim não disse nada. Olhou para o mar, depois para o estacionamento, e então, por fim, para mim.— Você me magoou muito ontem a noite, Sara.— Eu sei.Como explicar que a garota que saiu da festa e o largou lá plantado no chão não era eu? Que aquela era algum alter ego diabólico que eu matei e enterrei na noite anterior?— Sinto muito mesmo. Nunca vou me perdoar por ter abandonado você do modo como fiz.— Levei um soco no nariz e você conseguiu a noite romântica que tanto queria com o cara de seus sonhos.— Não teve nada de romântica. O tempo todo que passei com o Josh, só consegui pensar em você.Deu para reparar que a fisionomia suavizou-se bastante.— Verdade?Concordei.— Pensei na imbecil que tenho sido e lembrei do jeito como você me beijou. — A essa altura, já murmurava as palavras. — Acho que percebi assim que sai da festa que Josh não era quem eu queria. Que era de você que eu gostava.

— Tem certeza?— Nunca estive tão certa de uma coisa em toda a minha vida.Por fim, Tim deu uma olhada para o céu.— Obrigado — ele sussurrou. Dando um passo adiante, colocou os braços em meus ombros. Depois me puxou para si e me enlaçou junto a seu corpo alto e esbelto. — Você nem imagina ha. quanto tempo espero para ouvir você dizer isso.Sorri o sorriso mais expansivo de toda a minha existência. Nunca havia me sentido tão feliz quanto naquele momento. Era como se estivesse derretendo em seus braços. E nos deixamos ficar ali mesmo, um nos braços do outro, em

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silencio, aproveitando o calor de nossos corpos.Mais tarde, afastei-me de leve e olhei-o nos olhos.— Desculpe ter me descontrolado com você e a Maggie, ontem à noite. Acho que estava enlouquecida de ciúmes.Tim riu sonoramente.— Coitada da Maggie. Teve de ficar me escutando horas e horas — disse, dando um aperto ligeiro em meu braço e um beijo de leve em minha testa. — Ver você saindo da festa com o Josh foi uma punhalada. Simplesmente não consegui mais guardar meus sentimentos.— Uau. — Isso era bom demais para ser verdade. Colocando um dedo sob meu queixo, Tim inclinou-se para a frente, de modo a que nossas testas se tocassem.— Contei tudo para a Maggie. Contei a ela como me apaixonei por você no primeiro segundo em que a vi. Contei a ela que cheguei ate a pensar em contratar um bandido para dar sumiço em Josh quando você não estivesse olhando. Contei a ela que, acima de todas as outras coisas, queria que você se apaixonasse por mim.— Uau — murmurei de novo.Nossos lábios se uniram como se já tivéssemos nos beijado mil vezes. A vida recomeçava, nova em folha, e, dessa vez, eu iria fazer tudo certo. Todos os nervos de meu corpo pareciam estar formigando, e minha cabeça dava a impressão de ter se desprendido do pescoço e começado a flutuar. Lá estava Tim e lá estava eu. Não era preciso haver mais nada nem ninguém. Quando Tim se afastou, somente a força de seus braços me impediu de derreter inteirinha. Ele encostou de novo a testa na minha. — Nós vamos ter de ir devagar com isso. Quero que a gente comece do início.— Eu também — garanti a ele.— E dessa vez tudo vai ser para valer — sem mentiras, sem fingimentos, sem faz-de-conta.Meneei a cabeça.— Sem fingimentos. Mas me prometa que você vai ficar por perto uns tempos.— Decididamente, vou ficar por perto.Meu sorriso foi tão amplo que meu rosto parecia estar se partindo em dois.Ele sorriu de volta para mim.— E agora, será que você se interessaria por uma nova aula de mergulho?— Adoraria, mas neste exato momento tenho outro compromisso. Devo a minha melhor amiga o melhor brunch que ela já comeu na vida.Tim me abraçou bem forte uma vez mais, depois me soltou. — Então, vá ficar com a Maggie. Vejo você mais tarde.Que palavras mais lindas. Vejo você mais tarde.Girei nos calcanhares e corri para o carro, sentindo-me mais como se estivesse caminhando sobre as águas que amassando areia fofa. E, depois de pedir muitas desculpas a Maggie, a vida seria perfeita.

Diário de Agradecimento de Sara — que passou a ser escrito com regularidade

Agradeço por estar com Tim — tanto, tanto, que seria capaz de encher um diário

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inteiro apenas escrevendo essa frase zilhões de vezes.Agradeço por papai estar finalmente saindo com alguém — o nome dela e Tina e trabalha com tipografia. Gostei dela!Agradeço o fato de mamãe estar se divertindo muito em Tóquio.Agradeço por Maggie vir passar uma semana inteira comigo na Flórida, durante as ferias de inverno. E Matt vem com ela!Agradeço por ter crescido e amadurecido — agora, me preocupo tanto com a beleza interior quanto com a beleza exterior, sucesso e todas essas outras coisas.Agradeço por estar com Tim. Será que já disse isso?

Epílogo

Avancei sem dificuldade pelo solo oceânico, fascinada com a riqueza da vida que existe debaixo da água. Ainda bem que acabei fazendo aquelas aulas de mergulho com Tim. Depois que tirei meu certificado, sou eu quem vive implorando a ele para vir mergulhar comigo.Alguns metros mais além, Tim se movimentava com leveza. Mesmo dentro da roupa de mergulho, ele é lindo. Lembranças de nossos beijos e das brincadeiras

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da noite anterior me encheram a mente. Continuo atordoada com o presente que Tim me deu alguns dias atrás. Pus a pequena escultura de meu rosto em uma posição de destaque no quarto. Quero que seja a primeira coisa a ser vista quando acordo e a última quando me deito.Interrompi meus devaneios quando Tim se aproximou. Meu coração parou de novo. Ou disparou. Estava apavorada demais para precisar com exatidão que tipo de reação seria, exatamente. Ali, bem ao lado dele, havia um pequeno tubarão. Meu pior pesadelo tinha se tornado realidade! Eu me achava encurralada a vários metros abaixo da superfície com um tubarão do lado! Observei atônita quando Tim estendeu a mão e afagou a lateral dele. Por um instante, fechei os olhos, apavorada, certa de que seria comida viva. Aliás, falando nisso, tinha absoluta certeza de que seríamos ambos engolidos vivos. Mas, quando me forcei a abrir as pálpebras, mesmo que só um tantinho, vi que Tim sorria, por trás da mascara. O tubarão continuava a nadar preguiçosamente em círculos, a volta de Tim, e ele me chamou com um gesto. Ah, não. Ele queria que eu tocasse naquilo. Tim chegou mais perto e pegou minha mão. Docemente, me puxou adiante. Aspirei uma boa dose de ar do meu cilindro. Se Tim considerava seguro tocar no tubarão, então tinha de ser verdade.Com a mão livre, toquei as costas dele. Era macia, fria e estranhamente bela. Quando tirei a mão, ainda espantada, o tubarão fez mais uma volta em torno de nos, depois foi embora, oceano afora.Por trás da mascara, os olhos castanhos de Tim sorriam.— Eu amo você — ele enunciou.— Eu também amo você — respondi com um movimento dos lábios.Acho que esse foi o momento em que compreendi o que amar de fato significa. Amar significa confiar, crescer e sentir-se segura. Tim e eu tínhamos isso tudo. E cada dia esse sentimento se fortalecia um pouco mais.Nas profundezas do mar, Tim apertou minha mão e me puxou para perto. Quando nos abraçamos, pensei que eu fosse transbordar de felicidade. Quer dizer, então, que o amor de verdade era assim. Eu havia chegado a ultima parada de minha viagem rumo ao coração e, por algum motivo abençoado, tinha tido sorte o bastante para encontrar o paraíso.

Fim

Creditos: Gabi ,G .B ,Beatriz , Nat .

Comunidade : Digitalizações de livros

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