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9ª MARCHA DOS IMIGRANTES “Fronteiras livres! Não à discriminação” Texto-base

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Fronteiras livres! Não à discriminação

9ª MARCHA DOS IMIGRANTES“Fronteiras livres! Não à discriminação”

Texto-base

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9ª Marcha dos Imigrantes

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Fronteiras livres! Não à discriminação

Introdução

Na 9ª Marcha dos Imigrantes, somos convidados a refletir sobre o lema “Fronteiras livres! Não à discriminação” e a encontrar no-vos caminhos a partir dos quais os movimentos sociais, Igrejas e

sociedade em geral possam atuar pela proteção dos direitos dos imigrantes no Brasil e no mundo.

Neste ano, e especialmente nos últimos meses, temos testemunhado um grande crescimento da visibilidade do tema das migrações e dos desloca-mentos humanos, especialmente em função da crise de refugiados que se direcionam à Europa em busca de proteção. Ao afetar diretamente alguns dos países mais ricos do mundo, os grandes fluxos de refugiados ganham atenção da mídia internacional, ao passo em que provocam os diversos ato-res da sociedade por posicionamentos.

Entre os líderes dos países ricos, organizações da sociedade civil e mo-vimentos de todo o mundo, contrapõem-se aqueles que enxergam no mo-mento atual a necessidade de esforços mais consistentes e coordenados para acolher os recém-chegados a outros que defendem a necessidade de ainda mais fechamento de fronteiras e cerceamento do direito de ir e vir.

No Brasil, o aumento dos fluxos migratórios nos últimos anos, bem como de fluxos de refugiados, também vem evidenciando tensionamentos. Por um lado, discursos oficiais ressaltam a abertura aos recém-chegados, e muitas entidades se mobilizam para bem recebê-los. Por outro, recrudes-cem manifestações de xenofobia, racismo e discriminação, à medida que ganham espaço no cenário político setores conservadores e a sociedade se polariza em meio a uma grave crise política e econômica.

Neste cenário, tanto complexo quanto desafiador, apresentamos refle-xões para orientar o caminhar da Igreja e da sociedade civil ao lado dos migrantes, de modo a reforçar nosso compromisso com a garantia de seus direitos e nossa rejeição a todo tipo de discriminação. Ao contrário do que se tenta justificar por meio da instituição artificial das fronteiras, devemos relembrar à sociedade: nenhum ser humano é ilegal! Por fronteiras livres, não à discriminação!

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Foto: Internet

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1. Migração e refúgio:qual a diferença?

Na conjuntura atual, o termo “refugiado” vem saltando cada vez mais aos olhos. Na mídia costuma acompanhar imagens do desespero, dos indesejados, dos que fogem. Por vezes, é utilizado como es-

tratégia de legitimação de determinados grupos. Quem nunca ouviu algo semelhante a essa frase – “devemos recebê-los, pois não são imigrantes, são refugiados”? Mas afinal: qual é a diferença entre refugiado e imigrante?

Podemos considerar que, de forma ampla, migrante é toda pessoa que se desloca, temporária ou definitivamente, de seu país ou local de origem, buscando realizar em outro local suas expectativas de projeto de vida e o exercício de direitos fundamentais.

O instituto jurídico do refúgio, por sua vez, é algo bem mais específico. Surgiu no direito internacional após a Segunda Guerra Mundial, quando mi-lhões de pessoas, especialmente na Europa, foram deslocadas de seus locais de origem em função de perseguições e dos conflitos armados. Até então, não havia no direito internacional previsão a respeito das obrigações dos países com relação a essas pessoas que fugiam da guerra, o que fazia com que muitas não encontrassem acolhimento.

Com a assinatura da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, de 28 de julho de 1951 (também conhecida como Con-venção de Genebra), estabeleceram-se entre os países signatários uma série de obrigações. A Convenção estipula que, em casos em que grupos de pessoas são afetadas por perseguição com base em motivos religio-sos, raciais, de nacionalidade, de grupo social ou de opiniões políticas, os países membros têm a obrigação de conceder o estatuto de refugia-do àqueles que tenham fundado temor de perseguição. Outra obrigação encontra-se no princípio de non-refoulement, ou seja, de que uma pessoa que pleiteia o reconhecimento como refugiado não deve ser devolvida ao país onde alega sofrer perseguição.

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Embora todo refugiado seja uma pessoa em deslocamento de seu local de origem, os instrumentos jurídicos nacionais e internacionais costumam diferenciar migrantes de refugiados. Segundo a Convenção das Nações Uni-das para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias, de 1990, são considerados migrantes aqueles que se deslocam para um Estado do qual não são nacionais para exercer ati-vidade remunerada. O migrante é tradicionalmente visto como uma mão de obra que se desloca em busca de trabalho ou atendendo a uma demanda por trabalhadores. Já os refugiados são aqueles que foram obrigados a deixar seu país por motivos de perseguição, sendo sua partida, portanto, algo que não necessariamente desejavam.

Existe ainda o instituto jurídico do asilo político. O asilo é concedido em função de ameaças a indivíduos específicos (ao invés de grandes grupos perseguidos, como no refúgio), devendo ser comprovada a existência de per-seguição prévia.

Na década de 1950, quando se instituíram instrumentos internacionais relativos ao refúgio, com a assinatura da Convenção de Genebra e a criação do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), os europeus eram os principais deslocados pelos conflitos da Segunda Guerra Mundial. Milhões de pessoas buscaram segurança em outros países da Eu-ropa e do mundo.

Durante o período entre a Segunda Guerra Mundial e 1991, conhecido como Guerra Fria, o conflito entre as superpotências – os Estados Unidos, pelo bloco capitalista, e a União Soviética pelo bloco soviético – deu novos contornos à realidade do refúgio no mundo. Os instrumentos do refúgio e do asilo político foram muito utilizados pelos países ocidentais como armas políticas no âmbito da disputa entre os blocos: a condenação política aos regimes do bloco opositor levava à abertura desses países ao acolhimento de lideranças e grupos perseguidos. Este foi o caso, por exemplo, dos gran-des contingentes de cubanos que foram recebidos pelo governo dos Estados Unidos na condição de refugiados e que se tornaram um importante grupo de pressão no delineamento da política externa norte-americana. O instituto humanitário do refúgio estava, assim como hoje, sujeito às pressões políticas dos interesses dos mais poderosos.

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2. Refúgio e migrações no mundo hoje

Como não poderia deixar de ser, o fim da Guerra Fria gerou profundos impactos políticos no mundo, o que acarreta consequências para a situação do refúgio. Se este instituto era utilizado como ferramenta

nas disputas políticas entre o bloco capitalista e o bloco soviético, compre-ende-se que ele tenha perdido sua força e relevância política no cenário pós--Guerra Fria. O refugiado, que não raro era visto como herói na resistência contra opressões políticas, passa a ser cada vez mais equiparado na opinião pública ao imigrante – cuja imagem vem-se consolidando como indesejado, ou até mesmo ameaça à segurança e aos empregos nacionais. Apesar das flu-tuações da política internacional, continua havendo imigrantes e refugiados. E cada vez mais.

Os países ricos demandam de forma crescente, o trabalho da mão de obra imigrante e barata, para dar conta de suas economias contemporâneas dependentes de serviços nos grandes centros urbanos. O capitalismo finan-ceiro e globalizado aumenta os fluxos de capital e informações, bem como amplia a desigualdade dentro de uma mesma sociedade e entre os diferentes países. Tudo isso implica em forças cada vez mais intensas que promovem os fluxos migratórios internacionais – apesar das restrições crescentes que os países ricos e suas legislações impõem à chegada de novos migrantes, bem como à permanência e acesso a direitos.

Por outro lado, as guerras e conflitos civis, étnicos e religiosos não ces-sam, ampliando os contingentes de pessoas que saem de seus países em bus-ca de refúgio e proteção. Somam-se ainda a eles outras pessoas deslocadas, por exemplo, por desastres ambientais. O aumento de fluxos populacionais relacionados a mudança climática tem levado ao surgimento dos chamados “refugiados ambientais”, que tendem a se elevar em número com o agrava-mento da crise ambiental.

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Vive-se hoje no mundo uma grave crise humanitária, na medida em que conflitos em curso em diversos países têm levado a intensos deslocamentos populacionais. Tem tido mais visibilidade na mídia a guerra civil na Síria, de onde muitos refugiados partem, mas há deslocamentos oriundos de conflitos em inúmeros países, como Afeganistão, Eritreia, Sérvia, Paquistão, Iraque, Irã, Nigéria e Somália.

Os refugiados costumam se deslocar para países vizinhos – como é o caso atualmente da Turquia e da Jordânia, por exemplo, que recebem milhões de pessoas e estão com campos de refugiados absolutamente sobrecarregados. Esses campos, administrados pelo ACNUR com apoio de organismos inter-nacionais, têm tido dificuldade para cumprir com seus principais objetivos: acolher em segurança os refugiados e auxiliá-los a conseguir abrigo definitivo no país onde se encontram ou em terceiros. Isso tem levado, em alguns casos, a que pessoas passem anos em acampamentos improvisados, sem que possam trabalhar ou ter seus direitos plenamente reconhecidos. É o caso, por exem-plo, de um acampamento mantido pelo ACNUR na Nigéria desde 1991, para receber refugiados da Somália, e que até hoje não conseguiu oferecer destino adequado às milhares de pessoas que ali se encontram.

Em face da impossibilidade de permanecer em seus países de origem, muitos optam por buscar refúgio diretamente em outros países. As barreiras à entrada atingem migrantes e refugiados, indistintamente. É importante lem-brar que, além das restrições impostas pelas legislações dos países ricos, cada vez mais avessas a novas chegadas, existem também as barreiras físicas. Exis-tem hoje no mundo mais de sessenta muros – que separam o enclave espanhol de Gibraltar do Marrocos, a Palestina de Israel, o México dos Estados Unidos. Assim como no caso dos migrantes, os refugiados não se detêm por barreiras, que não impedem sua chegada. As barreiras físicas apenas dificultam a via-gem, a encarecem e a tornam perigosa. Isso também amplia a vulnerabilidade dos refugiados e imigrantes frente a atravessadores e traficantes, que cobram quantias vultosas – por vezes milhares de euros – para fazer travessias em barcos superlotados, sem condições de segurança e sem garantia de sucesso.

Esse cenário é o que eclodiu na mídia neste ano, quando a Europa foi to-mada por refugiados e migrantes que chegam de barco pelo Mediterrâneo ou a pé, caminhando milhares de quilômetros em direção a países onde acreditam

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que serão bem recebidos. As reações dos países europeus foram as mais di-versas. Os países que ficam nos pontos de entrada do continente, como Itália e Grécia pelo Mediterrâneo, cobram apoio para resgatar milhares de náufragos e posteriormente para que os demais países do território de livre circulação de pessoas (o Espaço Schengen) recebam os recém-chegados. A Hungria se nota-bilizou pela repressão policial que implementou quando da intensificação das marchas de sírios e outros grupos do Oriente Médio, em agosto e setembro. A construção de um muro entre a Hungria e a Sérvia, para impedir a chegada dos refugiados e imigrantes, apenas obrigou a alterar suas rotas e tornou as viagens mais longas. A polícia francesa também reprime os imigrantes e refugiados acampados em Calais, cidade do noroeste francês no Canal da Mancha, de onde se pode chegar ao Reino Unido.

Os líderes dos países ricos têm tido dificuldade em promover respostas unificadas que deem conta da gravidade da crise humanitária em curso. En-quanto a Alemanha se comprometeu a receber mais de oitocentos mil refugia-dos sírios, outros países se recusam a aceitar a imposição de quotas. Quando aceitam, trata-se de números insignificantes frente ao desafio posto. O predo-mínio de visões securitárias com relação aos imigrantes e refugiados, que são vistos com desconfiança, tem impedido que os Estados Unidos, por exemplo, receba contingentes mais significativos.

Houve uma inflexão na postura dos líderes europeus e da opinião pública internacional após um acontecimento trágico. A disseminação da imagem do menino sírio Aylan, de apenas três anos, morto após um naufrágio no Medi-terrâneo, provocou um profundo impacto e foi fundamental para que especial-mente na Alemanha se construíssem alternativas de maior abertura. Destaque--se ainda o papel de muitos grupos da sociedade civil, que manifestaram seu apoio aos refugiados com demonstrações públicas e doações.

Ainda assim, cabe ressaltar que o volume de deslocados de hoje não che-ga próximo dos milhões de europeus que buscaram refúgio após a Segunda Guerra Mundial. Tendo em vista as condições socioeconômicas de hoje desses países, a acolhida desses imigrantes e refugiados seria uma tarefa bastante mais simples.

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3. O papel do Brasil na proteção dos refugiados

O Brasil ainda tem um papel tímido no acolhimento de refugiados. Esti-ma-se que haja cerca de 11 mil refugiados no país, dos quais 2 mil são sírios. Uma resolução do Comitê Nacional para os Refugiados (CO-

NARE), de 2013, facilitou a chegada de refugiados dessa nacionalidade. Porém, apesar da política de abertura, falta ainda ampliar o conhecimento dos refugiados a respeito da possibilidade de virem ao Brasil, e melhorar a estrutura de acolhi-mento para os que chegam. Os refugiados que chegam ao país encontram muita dificuldade para realizar tarefas indispensáveis, como obter documentos, mo-radia e empregos. Embora muitos imigrantes e refugiados sejam qualificados, para obter empregos em suas áreas de formação é necessário romper barreiras linguísticas e burocráticas, relacionadas ao reconhecimento de seus diplomas. Nesse quesito, o governo brasileiro ainda deixa muito a desejar.

Também percebemos o aprofundamento do problema da discriminação. O país tem testemunhado uma série de ataques e episódios violentos e/ou de dis-criminação contra imigrantes e refugiados. Especialmente com relação àqueles provenientes da África e do Haiti, o racismo arraigado de nosso país tem provo-cado cenas lamentáveis de xenofobia, colocando em risco a vida dos imigrantes e refugiados.

O Brasil, felizmente, não conta com partidos de extrema direita que cons-troem sua pauta a partir da xenofobia e da criminalização das migrações, como vemos ocorrer em diversos países ricos. Entretanto, num momento em que se verifica o avanço de correntes conservadoras no cenário político nacional, e em que a polarização da sociedade se agrava num momento de crise, a atuação dos movimentos sociais, Igreja e sociedade civil em geral em prol dos direitos dos imigrantes e refugiados e contra a discriminação é fundamental. Somente com uma atuação consiste é possível fazer avançar a ideia de que os direitos dos imi-grantes e refugiados não são negociáveis, e que o respeito a esses direitos é um valor sem o qual nossa frágil democracia não prosperará.

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4. Fronteiras e livre circulação

No contexto em que o tema dos refugiados ganha destaque, vemos diversas reações. Muitos rejeitam a chegada dos refugiados enten-dendo que eles não são diferentes dos migrantes comuns – nesse

sentido, são tão indesejáveis quanto os que vêm por motivos alheios à perse-guição. Como resposta, muitos defensores dos direitos dos refugiados afir-mam a especificidade da sua situação. Ele seria alguém sem escolha, forçado a deixar sua terra contra sua vontade e que por isso precisa obter tratamen-to diferenciado. Sem minimizar as dificuldades por vezes cruéis por que passam os refugiados, precisamos nos perguntar: o que pensar do migrante “comum”, que não deixa seu país por ser perseguido por motivos étnicos ou religiosos, mas sim pela ameaça cotidiana à sua subsistência? Pelas viola-ções de seus direitos mais básicos?

Em um sentido muito elementar, a raiz da condição de refugiados e imi-grantes encontra-se num mesmo fato: a existência de fronteiras. Elas são criações humanas e, por isso, artificiais. A partir do surgimento dos Estados Nacionais, no século XVIII, foram-se delimitando fronteiras entre territórios distintos que limitam a possibilidade de ir e vir. Os Estados, essa forma po-lítica que hoje cobre a totalidade do território mundial, restringem a certos grupos a possibilidade de circular e escolher onde se fixar. Certas naciona-lidades (que nos são conferidas de maneira tão arbitrária quanto a própria vida) valem mais do que outras e permitem mais liberdades, acesso a direi-tos e recursos.

As fronteiras simbolizam o poder do Estado sobre o território e sua po-pulação. Elas são em primeiro lugar geográficas, delimitando espaços sobre os quais certo poder soberano é exercido. Mas seus desdobramentos se dão em diversas dimensões, pois as fronteiras também se dão dentro de uma po-pulação, na medida em que dispositivos jurídicos diferenciam quem são os cidadãos nacionais e quem são os estrangeiros; definem quem tem direitos e quem não tem. Aqueles que têm direito a proteções especiais do Estado e os que são encarados apenas como força de trabalho, descartáveis, quando não mais considerados necessários.

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Porém, sendo as fronteiras (geográficas e jurídicas) artificiais e constru-ções sociais, não são imutáveis. Podem e devem ser questionadas nas práti-cas cotidianas dos que advogam por um mundo livre e fraterno.

Nesse mesmo sentido, é importante procurar aquilo que aproxima os imigrantes e refugiados. Tendo partido por motivações diferentes, ambos têm como objetivo exercer seu direito de ir e vir como membros de uma comunidade mundial, com liberdade para escolher onde e como se fixar. Igualmente, ambos têm necessidade de serem acolhidos e apoiados em seu processo de adaptação a uma nova morada. Assim, é papel dos governos promover o respeito aos direitos de imigrantes e refugiados indistintamente. Cabe também à Igreja e aos movimentos sociais que lutam pela defesa des-ses grupos que não coloquem as necessidades de uns como mais importantes que as de outros, mas que se unam nessa luta que é uma só: pela cidadania universal e pelo direito de migrar.

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5. Nossas bandeiras de luta: “Fronteiras livres!

Não à discriminação”

Nesta 9ª Marcha dos Imigrantes, somos convidados a afirmar que as fronteiras não podem se sobrepor aos seres humanos. A nacionali-dade não pode se sobrepor ao direito à vida, ao direito de ir e vir, ao

direito de migrar.

No século XVIII, o filósofo alemão Immanuel Kant defendia que fosse reconhecido um direito universal de hospitalidade. Esse direito representaria um mínimo necessário para a convivência fraterna: qualquer pessoa deve-ria poder entrar pacificamente no território de outro país, e não poderia ser rejeitada caso isso lhe pudesse causar danos. Com todos os avanços que já foram feitos para a consolidação do direito internacional dos refugiados, e os esforços para assegurar os direitos dos imigrantes, em pleno século XXI ainda nos encontramos muito aquém do que Kant preconizava.

É por isso que nossa Marcha ainda é necessária: porque nossas fronteiras ainda não são livres, tanto para refugiados quanto para imigrantes! Porque nossos irmãos ainda sofrem discriminação, no Brasil e em outros países, e são impedindos de realizar em plenitude seus potenciais. O combate ao pre-conceito e ao racismo deve ser prioridade de nossas ações! A contribuição dos migrantes para nosso enriquecimento cultural, social e econômico deve ser exaltada, no espírito da construção fraterna de um país mais justo e solidário.

A discriminação – contra sua cultura, sua língua, sua origem, a cor da sua pele – é a base das violências que afligem os imigrantes e refugiados: violação de direitos no mercado de trabalho, dificuldades de acesso à edu-cação e saúde e até ameaças a sua integridade física. Contra ela, precisamos afirmar nossa semelhança, aquilo que nos une enquanto humanidade, que torna a diferença um elemento de enriquecimento e não de separação. A luta por essa igualdade elementar é a luta pelos direitos humanos, da qual a luta

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pelos direitos dos imigrantes e refugiados é indissociável. A luta pela cida-dania universal está enraizada na lógica dos direitos humanos universais e representa a luta contra o poder de restrição e limitação das fronteiras.

No Brasil, é importante continuar a luta por uma verdadeira política mi-gratória que revogue o retrógrado Estatuto do Estrangeiro, legado autoritário do período da ditadura que continua impondo restrições ao pleno exercício do direito dos imigrantes. O governo federal continua incapaz de apresentar propostas de políticas migratórias que sejam coerentes com uma perspecti-va de garantia de direitos dos migrantes. Além disso, o país continua sem ratificar a “Convenção das Nações Unidas para a Proteção de Todos os Tra-balhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias”. Precisamos continuar a pressionar o Congresso Nacional pela sua ratificação e pela adequação da legislação nacional a ela.

No âmbito do refúgio, precisamos continuar a pressionar o governo para ampliar a capacidade de atuação do CONARE. Hoje, treze mil pesso-as aguardam resposta a respeito da solicitação de refúgio. Muitos passarão anos aguardando sem ter resposta, o que inviabiliza sua plena inserção no país. Somente com a priorização da capacidade de resposta deste órgão aos pedidos, bem como sua análise a partir de um viés de garantia de direitos humanos, o Brasil poderá cumprir suas obrigações perante a comunidade internacional e os refugiados.

O aprofundamento das políticas de acolhimento e integração de imigran-tes e refugiados não pode ser prejudicado pela crise econômica e política. Em tempos de dificuldades, é comum que se penalizem justamente os mais neces-sitados – enquanto que os ganhos dos ricos não são ameaçados. Contra isso, precisamos afirmar a necessidade e a possibilidade de acolher com dignidade nossos irmãos refugiados e imigrantes. Um país de proporções continentais, com duzentos milhões de habitantes, pode receber muito mais do que os pou-cos milhares de refugiados e imigrantes que aqui se encontram.

Reafirmemos, portanto, nossos compromissos com a cidadania univer-sal: nenhum ser humano – refugiado ou imigrante – é ilegal!

Renata Barreto PreturlanColaboração para a 9ª dos (I)migrantes

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