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1 Universidade Federal Fluminense Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciências Humanas e Instituto de Ciências Humanas e Filosofia Filosofia Departamento de Sociologia Departamento de Sociologia A Agenda 21: Contexto, Princípios e A Agenda 21: Contexto, Princípios e Desafios Desafios Prof. Napoleão Miranda Prof. Napoleão Miranda 1. Introdução . A Agenda 21 é o principal documento emanado da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), realizada na Cidade do Rio de Janeiro em 1992, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas. Como seu nome indica, é uma agenda para o Século XXI, e busca promover ações tanto para o poder público como para a sociedade civil de forma a se estimular a integração entre o desenvolvimento econômico, a justiça social e a proteção ao meio ambiente. Toda a estratégia para se alcançar este objetivo se estrutura em torno ao conceito de desenvolvimento sustentável. Embora este conceito seja apropriado e/ou utilizado de formas muito diferentes, de acordo com os interesses dos diversos atores sociais envolvidos na incorporação deste novo

A Agenda 21 - Contexto, Princípios e Desafios

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Universidade Federal FluminenseUniversidade Federal FluminenseInstituto de Ciências Humanas e FilosofiaInstituto de Ciências Humanas e FilosofiaDepartamento de SociologiaDepartamento de Sociologia

A Agenda 21: Contexto, Princípios eA Agenda 21: Contexto, Princípios e

DesafiosDesafios

Prof. Napoleão MirandaProf. Napoleão Miranda

1. Introdução.

A Agenda 21 é o principal documento emanado da Conferência Mundial sobre

Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), realizada na Cidade do Rio de Janeiro em

1992, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas. Como seu nome indica, é uma

agenda para o Século XXI, e busca promover ações tanto para o poder público como para a

sociedade civil de forma a se estimular a integração entre o desenvolvimento econômico, a

justiça social e a proteção ao meio ambiente. Toda a estratégia para se alcançar este

objetivo se estrutura em torno ao conceito de desenvolvimento sustentável.

Embora este conceito seja apropriado e/ou utilizado de formas muito diferentes, de

acordo com os interesses dos diversos atores sociais envolvidos na incorporação deste novo

paradigma às políticas públicas, adotadas para viabilizar um mundo em que prevaleça a

sustentabilidade em suas variadas manifestações1, parece haver já um consenso amplamente

aceito em termos internacionais acerca da imperiosidade de se reorientar as forças motrizes

do processo de desenvolvimento em nível mundial, de forma a não comprometer a

utilização dos recursos naturais do planeta em uma escala que coloque em risco a vida das

diferentes espécies que o habitam. A necessidade desta mudança mostra-se cada dia mais

evidente, comparada a um estilo de vida que tem se revelado particularmente insustentável,

11 A respeito das dificuldades e dos conflitos envolvidos na implementação de ações calcadas no conceito de desenvolvimento sustentável, consultar: Becker, Berta - "A Geografia Política do Desenvolvimento Sustentável", Ed. UFRJ, Rio de Janeiro,1997.

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em especial para os segmentos sociais e os países menos favorecidos pelo padrão de

produção e consumo vigente em escala global.

No contexto deste processo de mudança, um outro consenso vem sendo criado

referido à centralidade dos diferentes instrumentos de participação social na reorientação do

desenvolvimento. Na continuação do presente texto, pretendemos explorar exatamente o

significado e os dilemas enfrentados por este mecanismo, concebido como um dos

principais fatores de mudança social no sentido de se promover o desenvolvimento

sustentável para o maior número possível de membros da sociedade.

2. Agenda 21 Global. O que é?

Além de ser o principal documento da Rio-92, a Agenda 21 é um roteiro para os

países signatários desenharem estratégias de sustentabilidade. Isto significa que ela busca

orientar a formulação de propostas de transição de um modelo de desenvolvimento

insustentável para outro - sustentável.

Mas, o que é desenvolvimento sustentável?

A definição corrente mais conhecida afirma que "é aquele que harmoniza o

imperativo do crescimento econômico, com a promoção da eqüidade social e a preservação

do patrimônio natural, garantindo assim que as necessidades das atuais gerações sejam

atendidas sem comprometer o atendimento das necessidades das futuras gerações”

(Relatório Brundtland - Nosso Futuro Comum, 1997) 2 Neste sentido, ele implica em

“crescer sem destruir”, de maneira a integrar as suas três dimensões: desenvolvimento

econômico, justiça social e preservação do meio ambiente.

Por sua vez, este conceito se apoia na noção de sustentabilidade, originária da

biologia (particularmente a ecologia), e que pode ser entendida como o “equilíbrio

dinâmico entre a população e a base de recursos naturais, a partir da interação e da

interdependência de todos os fatores - bióticos e abióticos - em um determinado

ecossistema”. Com o tempo, no entanto, esta noção ultrapassou seus limites originais para 22 Uma definição alternativa, interessante por apontar para uma mudança de perspectiva no comportamento dos agentes sociais, é aquela oferecida por Juha Sipita, Diretor do Conselho Metropolitano de Helsinque (Finlandia): "desenvolvimento sustentável significa usarmos nossa ilimitada capacidade de pensar em vez de nossos limitados recursos naturais". Citado por Kranz, Patrícia."Pequeno Guia da Agenda 21 Local", Hipo-campo Editorial, Rio de Janeiro, 1999.

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incorporar outras dimensões consideradas importantes para assegurar ou viabilizar o

desenvolvimento sustentável. Dessa forma, temos a “sustentabilidade ampliada” definida

como o "equilíbrio dinâmico entre a população e a base de recursos sócioambientais de que

ela dispõe em um determinado espaço biogeográfico". A sustentabilidade ampliada passa,

assim, a abarcar um conjunto bem mais amplo de processos relacionados entre si,

conformando um conjunto de condições necessárias para se promover o desenvolvimento

sustentável. São elas:

a) Sustentabilidade ecológica - base física do processo de crescimento e tem como

objetivo a conservação e o uso racional do estoque de recursos naturais

incorporados às atividades produtivas.

b) Sustentabilidade ambiental - relacionada à capacidade de suporte dos

ecossistemas associados de absorver ou se recuperar das agressões derivadas da

ação humana (ação antrópica), implicando um equilíbrio entre as taxas de emissão

e/ou produção de resíduos e as taxas de absorção e/ou regeneração da base natural

de recursos.

c) Sustentabilidade demográfica - revela os limites da capacidade de suporte de

determinado território e de sua base de recursos e implica cotejar os cenários ou as

tendências de crescimento econômico com as taxas demográficas, sua composição

etária e os contingentes de população economicamente ativa esperados.

d) Sustentabilidade cultural - necessidade de manter a diversidade de culturas,

valores e práticas existentes no planeta, no país e/ou numa região e que integram

ao longo do tempo as identidades dos povos.

e) Sustentabilidade social - objetiva promover a melhoria da qualidade de vida e a

reduzir os níveis de exclusão social por meio de políticas de justiça redistributiva.

f) Sustentabilidade política - relacionada à construção da cidadania plena dos

indivíduos por meio do fortalecimento dos mecanismos democráticos de

formulação e de implementação das políticas públicas em escala global, diz

respeito ainda ao governo e à governabilidade nas escalas local, nacional e global.

g) Sustentabilidade institucional - necessidade de criar e fortalecer engenharias

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institucionais e/ou instituições cujo desenho e aparato já levem em conta critérios

de sustentabilidade.

A utilização da noção de sustentabilidade ampliada implica, portanto, reconhecer

que a questão ambiental é indissociável da questão social e que há interações permanentes

entre os níveis natural e social dos fenômenos.

3. Estrutura da Agenda 21.

A Agenda 21 Global está estruturada em quatro seções:

a) Dimensões sociais e econômicas - Seção onde são discutidas, entre outras, as

políticas internacionais que podem ajudar a viabilizar o desenvolvimento sustentável nos

países em desenvolvimento; as estratégias de combate à pobreza e à miséria; a necessidade

de introduzir mudanças nos padrões de produção e consumo; as inter-relações entre

sustentabilidade e dinâmica demográfica; e as propostas para a melhoria da saúde pública e

da qualidade de vida dos assentamentos humanos;

b) Conservação e gestão dos recursos para o desenvolvimento - Diz respeito ao

manejo dos recursos naturais (incluindo solos, água, mares e energia) e de resíduos e

substâncias tóxicas de forma a assegurar o desenvolvimento sustentável;

c) Fortalecimento do papel dos principais grupos sociais - Aborda as ações

necessárias para promover a participação, nos processos decisórios, de alguns dos

segmentos sociais mais relevantes. São debatidas medidas destinadas a garantir a

participação dos jovens, dos povos indígenas, das ONGs, dos trabalhadores e sindicatos,

dos representantes da comunidade científica e tecnológica, dos agricultores e dos

empresários (comércio e indústria);

d) Meios de implementação - Discorre sobre mecanismos financeiros e

instrumentos jurídicos nacionais e internacionais existentes e a serem criados, com vistas à

implementação de programas e projetos orientados para a sustentabilidade.

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Como se percebe pela breve descrição acima, a Agenda 21 é bastante completa no

que se refere aos temas por ela abordados, assim como aos instrumentos necessários para

efetivar o conjunto de propostas nela contido.

Entretanto, um destaque especial deve ser dado ao tema da participação social dos

principais grupos da sociedade ("stakeholders") e aos grupos em desvantagem social no seu

processo de implementação.

4. A Agenda 21 e a participação dos Atores Sociais.

A Agenda 21 dedica cerca de 9 capítulos, de um total de 40, à caracterização dos

principais grupos sociais a serem levados em conta no processo de participação social

necessário à sua implementação. Esta proporção indica claramente a importância que é

concedida à presença dos atores sociais na construção da Agenda 21 Local. Devido a seu

caráter de um documento global, os atores sociais listados refletem a situação mais

característica da maioria das sociedades do mundo; isto significa que em cada localidade,

deverão ser relacionados os atores mais relevantes para a resolução dos problemas locais.

Cabe, entretanto, um olhar sobre os atores relevantes que são elencados no documento,

mesmo porque representam alguns dos grupos mais importantes das sociedades

contemporâneas.

O primeiro destes grupos é o das mulheres. Sua importância na vida das sociedades,

se sempre foi central, ainda que freqüentemente não reconhecida, vem se tornando

progressivamente um dos principais fatores do desenvolvimento sustentável. Apesar das

dificuldades que ainda enfrenta em muitas sociedades, a mulher ocupa hoje um lugar cada

dia mais relevante no mercado de trabalho, na vida política, na vida cultural, nas lutas da

sociedade civil pelos direitos humanos para os mais variados segmentos sociais, e na luta

pela preservação do meio ambiente; por outro lado, a força numérica das mulheres faz delas

um grupo particularmente significativo para a construção da Agenda 21. Neste sentido, elas

são consideradas como um dos principais parceiros das transformações sociais, políticas e

culturais necessárias para a configuração de um novo padrão de desenvolvimento social,

mais justo em termos sociais e econômicos e mais equilibrado ecologicamente, marcado

pela sustentabilidade.

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O segundo grupo de atores a ser incorporado como parceiros do desenvolvimento

sustentável são os jovens. Sua participação no conjunto da população, embora variável,

representa, em geral, algo entre 30 a 40% do total, o que faz dos jovens um segmento

absolutamente central para os propósitos da Agenda 21. Por esta razão, e pelo fato de que

representam a continuidade futura da sociedade, é importante incorporá-los na luta por um

meio ambiente saudável, por melhores padrões de vida, educação e oportunidades de

emprego, de forma a garantir o seu pleno desenvolvimento como seres humanos e como

sujeitos ativos da sua própria história.

O terceiro grupo, cuja importância participativa tende a ser bastante localizada,

refere-se aos povos indígenas, cuja contribuição à proteção do meio ambiente pode ser

bastante significativa em função da sua relação histórica direta com a natureza.

As organizações não-governamentais - ONGs -, são também um dos grupos mais

importantes em qualquer processo de participação social. Ao longo dos últimos 30- 40

anos, mais particularmente a partir da década de 1970, as ONGs passaram a ocupar um

espaço fundamental no papel que a sociedade civil tem hoje como contraparte do Estado na

condução da vida pública. Como atuam em uma grande variedade de áreas de relevo para a

vida social e dispõem de uma importante capacidade de articulação social, elas são um dos

principais parceiros do desenvolvimento sustentável a serem considerados no processo de

mobilização para a implementação da Agenda 21 Local.

Outro ator fundamental neste processo são as autoridades locais. Na verdade, a

construção da Agenda 21 tem chances praticamente nulas de ocorrer se, por exemplo, a

nível local, a Prefeitura e seus diversos órgãos não forem sensibilizados e mobilizados para

participar deste processo. As autoridades locais detêm recursos políticos, institucionais,

financeiros e legais, além de grande capacidade de mobilização que são absolutamente

necessários para o êxito da Agenda 21, como se afirma no seu próprio texto: "elas

supervisionam o planejamento, mantêm infra-estrutura, estabelecem regulamentações

ambientais, ajudam na implementação de políticas nacionais e são fundamentais para a

mobilização do público no apoio ao desenvolvimento sustentável"3.

Os demais atores relevantes representam segmentos sociais com uma trajetória mais

tradicional de mobilização e participação na vida pública, razão pela qual seu envolvimento

3 Ibid., ibidem.

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é importante para possibilitar as diversas mudanças necessárias para o desenvolvimento

sustentável. Neste grupo encontram-se os trabalhadores e os diversos sindicatos

trabalhistas, os empresários dos diversos setores econômicos e seus representantes, os

membros da comunidade científica e tecnológica, e os agricultores. Cada um destes

segmentos tem uma contribuição específica a dar para o êxito deste processo -

conhecimentos científicos e/ou práticos, capacidade administrativa e financeira, etc. - os

quais podem fazer a diferença entre a realização ou não dos objetivos da Agenda 21.

Este conjunto de atores constitui um referencial mínimo tanto para a mobilização

social, quanto para a construção de parcerias voltadas para a implementação de políticas

públicas orientadas a dar sustentação ao processo de desenvolvimento sustentável.

Entretanto, ele, seguramente, está longe de esgotar as possibilidades de participação local.

Dessa forma, segmentos como as entidades religiosas, as associações de moradores, clubes

sociais e entidades filantrópicas, para citar somente alguns exemplos, são também outros

tantos atores a serem mobilizados para a construção da Agenda 21. É preciso, portanto,

proceder, por assim dizer, ao "reconhecimento do terreno social" em cada localidade, de

maneira a mapear os atores presentes em cada contexto e poder assim determinar os atores

que deverão ser contatados, sensibilizados e mobilizados para a formalização das parcerias

necessárias à resolução dos problemas detectados em cada localidade.

5. O Contexto Político da Agenda 21: Democracia, Cidadania e Globalização.

"Pense globalmente, atue localmente"

O lema acima expressa com rara felicidade os fundamentos mais amplos da Agenda

21. O próprio contexto em que ela surge já evidencia algumas das questões mais

importantes desta última década do século.

A "Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento",

realizada na Cidade do Rio de Janeiro em 1992, reuniu, de um lado, Chefes de Estado de

cerca de 170 países, e, de outro, representantes de organizações não-governamentais, em

um processo que procurou reafirmar princípios democráticos e de respeito à cidadania na

formulação de uma nova perspectiva para se lidar com os problemas do meio ambiente

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gerados por uma lógica de desenvolvimento econômico predatória. A Agenda 21 é a ex-

pressão material deste esforço por uma mudança de perspectiva e, ao mesmo tempo, de um

esforço por envolver cada vez mais os diversos atores e segmentos sociais na condução

deste processo de mudança.

Este novo enfoque trabalha com alguns princípios balizadores, que são

fundamentais para se compreender a importância que a mobilização social e a participação

da comunidade adquirem no contexto da Agenda 21. Destacaremos, aqui, três destes

princípios.

O primeiro deles refere-se à centralidade que a democracia assume como condição

para o êxito da implementação da Agenda 21. Com efeito, ela pressupõe que os diversos

atores sociais tenham a possibilidade de participar efetivamente do processo de

identificação dos problemas e de formulação das políticas públicas pertinentes à sua

resolução. Para isso, é fundamental a existência de condições institucionais que viabilizem

esta participação, sem exclusão a priori de nenhum segmento social. Portanto, é preciso

que o ambiente social, político e institucional em que estes atores se encontram para

exercer sua participação tenha um caráter democrático, que reconheça e respeite a

legitimidade de suas intervenções, interesses e perspectivas particulares. Neste sentido,

acompanhando transformações recentes e profundas na lógica de estruturação da esfera

pública em grande parte das sociedades contemporâneas, a noção de democracia também

sofreu algumas mudanças importantes; uma das mais significativas foi que a concepção

tradicional de democracia, de cunho essencialmente representativo - isto é, voltada para a

criação das condições para garantir a legitimidade dos representantes eleitos através dos

partidos políticos e das decisões que tomam nos diversos níveis em nome dos seus eleitores

-, evoluiu para uma concepção de democracia participativa , na qual a participação direta

dos diferentes atores sociais em decisões que afetam a vida dos grupos e das comunidades,

por fora das instituições representativas tradicionais mas não necessariamente contra elas, é

a principal característica.

Neste contexto, as decisões não são mais tomadas exclusivamente pelos

representantes formalmente eleitos e, portanto, com legitimidade institucional para fazê-lo,

mas também são compartilhadas com um conjunto cada vez mais diversificado de entidades

e organizações da sociedade civil, as quais têm um tipo de representatividade diferenciada

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em relação àquela que caracteriza a formalidade democrática. Nesta nova perspectiva, a

esfera da ação social representada pela sociedade civil, base da democracia participativa,

assume um lugar cada vez mais relevante na dinâmica da esfera pública e na construção,

gestão, implementação e avaliação dos diversos temas da agenda pública.

O segundo princípio, diretamente relacionado ao anterior, é o da centralidade do

exercício permanente da cidadania como fator essencial para os propósitos da Agenda 21.

Ou seja, é fundamental que os diferentes atores sociais, em especial aqueles organizados,

encontrem condições propícias para sua atuação com vistas à resolução de problemas e à

vocalização de seus interesses particulares. Neste sentido, embora muito importante, não

basta que estes atores tenham, entre outros, o direito formal de se organizar, de expressar

livremente suas opiniões e interesses, de participar das decisões, se, por exemplo, os

diversos órgãos públicos não disponibilizam informações adequadas para estimular e

permitir a participação, ou se, mesmo participando, suas contribuições não são levadas em

conta, seus interesses não são contemplados, e se suas perspectivas não são consideradas na

formulação final das políticas públicas implementadas pelo Estado. Portanto, é preciso ter

claro que a cidadania não se exerce no vazio, ou abstratamente; é fundamental que existam

condições adequadas para que ela se dê e para que produza os frutos esperados pelos

diferentes segmentos sociais.

Outro princípio central é o da importância do plano local para a condução dos

processos de implantação da Agenda 21 e de participação social. A globalização

econômica é hoje um fato incontestável e parece ter vindo para ficar. No entanto, a

integração que ela promove, se produz alguns benefícios inegáveis, traz também o risco de

descaracterizar a cultura dos povos, afetando a sua auto-identidade, a sua auto-estima, e a

sua criatividade no plano da cultura, fundamental para a constituição de uma nação. Neste

contexto, a Agenda 21, embora seja um plano de ação a escala global, põe uma ênfase

especial no fato de que é efetivamente no nível local onde se sentem os efeitos das

inumeráveis decisões econômicas, políticas e sociais que incidem sobre a vida da

sociedade, afetando a sua qualidade de vida, o meio ambiente, e a distribuição dos

benefícios do desenvolvimento entre os distintos grupos sociais. Frente a isso, as

comunidades são particularmente estimuladas a desenvolver planos de ação no marco da

Agenda 21 que tenham seu enraizamento na própria localidade, como forma de melhor

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enfrentar e resolver os problemas que se apresentam concretamente para cada uma delas.

Ainda que ações que possam congregar outros atores sociais possam e devam ser levadas a

cabo tanto a nível estadual quanto a nível federal, é no nível local que estes problemas

podem ser efetivamente superados. Por esta razão, a mobilização social no contexto da

Agenda 21 tem o plano local como seu ponto de partida e seu principal referencial.

Para finalizar, importa destacar que é preciso:

- "considerar a participação como um valor democrático;

- considerar a abrangência desta participação como valor e sinal

democrático; e,

- considerar a participação de todos como uma necessidades para

o desenvolvimento social"4

6. Quais os conceitos-chave da Agenda 21 Global?

O texto da Agenda 21 contém, neste sentido, os seguintes conceitos-chave, os quais

representam os fundamentos do desenvolvimento sustentável:

- Cooperação e parceria

Os princípios de cooperação e parceria apresentam-se como conceitos fundamentais

no processo de implementação da Agenda 21. A cooperação entre países, entre os

diferentes níveis de governo, nacional e local, e entre os vários segmentos da sociedade é

enfatizada, fortemente, em todo o documento da Agenda 21;

- Educação e desenvolvimento individual

A Agenda 21 destaca, nas áreas de programa que acompanham os capítulos

temáticos, a capacitação individual, além de ressaltar a necessidade de ampliar o horizonte

cultural e o leque de oportunidades para os jovens. Há, em todo o texto, forte apelo para

4 José Bernardo Toro A. e Nisia Maria Duarte Werneck. "Mobilização Social", Ministério do Meio Ambi- ente e Amazônia Legal, Brasília, 1997, pg. 17.

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que governos e organizações da sociedade promovam programas educacionais cujo

objetivo seja propiciar a conscientização dos indivíduos sobre a importância de se pensar

nos problemas comuns a toda a Humanidade, buscando, ao mesmo tempo, incentivar o

engajamento de ações concretas nas comunidades;

- Eqüidade e fortalecimento dos grupos socialmente vulneráveis

Essa premissa, que permeia quase todos os capítulos da Agenda 21, reforça valores

e práticas participativas, dando consistência à experiência democrática dos países. Todos os

grupos, vulneráveis sob os aspectos social e político, ou em desvantagem relativa, como

crianças, jovens, idosos, deficientes, mulheres, populações tradicionais e indígenas, devem

ser incluídos e fortalecidos nos diferentes processos de implementação da Agenda 21

Nacional, Estadual e Local. Esses processos requerem não apenas a igualdade de direitos e

participação, mas também a contribuição de cada grupo com seus valores, conhecimentos e

sensibilidade;

- Planejamento

O desenvolvimento sustentável só será alcançado mediante estratégia de

planejamento integrado, que estabeleça prioridades e metas realistas. Portanto, esse

conceito demanda o aprimoramento, a longo prazo, de uma estrutura que permita controlar

e incentivar a efetiva implementação dos compromissos originários do processo de

elaboração da Agenda 21.

- Desenvolvimento da capacidade institucional

A Agenda 21 ressalta a importância de fortalecer os mecanismos institucionais por

meio do treinamento de recursos humanos (capacity building). Trata-se, em outras palavras,

de desenvolver competências e todo o potencial disponível em instituições governamentais

e não-governamentais, nos planos internacional, nacional, estadual e local, para o

gerenciamento das mudanças e das muitas atividades que serão solicitadas.

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- Informação

A Agenda 21 chama a atenção para a necessidade de tornar disponíveis bases de

dados e informações que possam subsidiar a tomada de decisão, o cálculo e o

monitoramento dos impactos das atividades humanas no meio ambiente. A reunião de

dados dispersos e setorialmente produzidos é fundamental para possibilitar a avaliação das

informações geradas, sobretudo nos países em desenvolvimento.

7. Dilemas da Participação Social.

O primeiro deles é o sentimento de apatia e desinteresse encontrado entre as

pessoas, as quais tendem, com freqüência, a “naturalizar” os problemas que enfrentam e as

situações sociais em que se encontram. Se esquecem, neste sentido, de que podem e devem

atuar como sujeitos históricos ativos e responsáveis pela dinâmica socioambiental. Neste

caso, é necessário fazer um trabalho de esclarecimento junto aos segmentos da população

que podem se tornar parceiros potenciais na construção da Agenda 21 Local para que

superem esta paralisia social e passem a ser cidadãos no sentido mais pleno da palavra.

Outro obstáculo remete à ausência de recursos financeiros e de outro tipo para levar

adiante as atividades necessárias à mobilização social. A superação deste tipo de

dificuldade exige algum grau de criatividade, quando não é possível conseguir junto às

autoridades locais os recursos necessários. Assim, às vezes é preciso buscar meios de

financiamento junto aos empresários locais, junto às entidades da sociedade civil local

(quando se trata de recursos humanos e de conhecimentos especializados), e junto à própria

comunidade. Entretanto, uma vez formalizada a instância responsável pela condução da

Agenda 21 Local, um dos principais instrumentos geradores de recursos é a inclusão de

uma dotação específica para este fim no orçamento municipal, garantindo, na medida do

possível, a independência financeira do movimento.

A falta de compromisso real dos atores com a seqüência dos trabalhos da Agenda

21 Local, também pode comprometer o seu bom andamento. Neste sentido, é necessário

detectar com precisão a real capacidade de comprometimento dos atores com os trabalhos

de forma a não exigir mais do que é razoável esperar de cada um deles. No entanto, uma

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vez formalmente comprometidos, é preciso encontrar os mecanismos para manter ativo o

engajamento destes atores no processo, o que, evidentemente, depende das suas

características particulares e do contexto local.

Por último, cabe mencionar dificuldades relacionadas ao próprio caráter

participativo que se pretende imprimir à mobilização social. É evidente que quanto mais

atores diversificados forem convocados a participar de um processo, maiores serão os

riscos de que suas perspectivas e interesses particulares venham a entrar em conflito com as

dos demais participantes. Por esta razão, embora a mobilização de um conjunto de atores

distintos possa potencializar as possibilidades de realização dos objetivos traçados ao longo

do processo, é preciso ter claro o risco envolvido nesta abertura à pluralidade social, sem,

com isso, optar por um fechamento das instâncias criadas à diversidade destes atores. A

democracia exige o exercício permanente da capacidade de articular interesses e

perspectivas diversos, apesar das dificuldades que isso normalmente representa.

Entretanto, para aqueles que buscam o caminho da participação e da mobilização

sociais, estes obstáculos podem se tornar, na verdade, outros tantos estímulos ao seu

compromisso com o bem-estar desta e das futuras gerações, e como um possível remédio

para as indigestões socioambientais causadas pelo atual padrão de desenvolvimento

econômico e de utilização dos recursos naturais.

8. Bibliografia.

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http://www.vitaecivilis.org.br/ag21.htm# - Agenda 21 Global, Local e Brasileira

http://www.agenda21local.hpg.ig.com.br/ - Agenda 21 Local, Conferências estaduais e Fóruns

http://www.mct.gov.br/clima/comunic_old/agend21.htm - Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Brasileira

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http://www.energiaemeioambiente.org.br/riomaisdez/agenda21.asp - Questões energéticas, desenvolvimento sustentável e Agenda 21

http://www.feam.br/ag21menu.htm - Conceitos e aplicações

http://www2.ibps.com.br/ - Instituto Brasileiro de Produção Sustentável e Direito Ambiental. Agenda 21.

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http://www.mma.gov.br/port/se/agen21/capa/ - Agenda 21 Brasileira

http://www.geocities.com/agenda21rj/ - Agenda 21 Governo do Estado do Rio de Janeiro.