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Licenciatura em ciências · USP/ Univesp
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Ana Lúcia BrandimarteDéborah Yara Alves Cursino dos Santos
3A águA COmO reCurSO CADA vez mAIS LImITAnTe
1 Introdução2 Alterações dos padrões de consumo e uso da água
2.1 Aspectos relacionados à quantidade de água2.2 Aspectos relacionados à qualidade de água
3 Principais impactos relacionados ao uso da água3.1 Impactos ambientais
3.1.1 Depleção dos estoques3.1.2 Construção de represas3.1.3 eutrofização3.1.4 Salinização3.1.5 Contaminantes variados3.1.6 Acidificação3.1.7 Poluição térmica3.1.8 Introdução de espécies3.1.9 Perda de biodiversidade
3.2 Impactos sociais e econômicos3.2.1 Aspectos relacionados à saúde3.2.2 Aspectos econômicos3.2.3 Aspectos relacionados à segurança
4 A água como assunto recorrente nas agendas governamentais
33Licenciatura em Ciências · uSP/univesp
O ser humano e o meio ambiente SER HUMANO E MEIO AMBIENTE
1 IntroduçãoA água é um dos principais recursos limitantes para a vida, pois, além de existirem milhares
de espécies aquáticas propriamente ditas e tantas outras que vivem associadas a ambientes aquá-
ticos, é fundamental para inúmeras reações metabólicas, além ser o principal constituinte das
células (contribuindo em média com cerca de 70%). No caso da espécie humana, além de ser
relevante para o metabolismo e constituição corpórea, a água é utilizada em inúmeras atividades
como agricultura, indústria, limpeza, entre outros, de modo a aumentar seu efeito como fator
limitante. Neste sentido, é relevante lembrar que apenas 3% de toda a água disponível no plane-
ta estão nos continentes e que destes mais de 76% estão sob a forma de geleiras e, portanto, não
prontamente utilizáveis. Ainda, do volume restante, aproximadamente 40% estão em lagunas ou
mares interiores, não sendo úteis nas atividades que requerem água doce.
Assim como no caso da produção de alimentos, os avanços tecnológicos e o aumento po-
pulacional humano tem resultado na utilização de quantidades cada vez maiores de água, que
tem sido associada à diminuição nos seus estoques e a degradação de sua qualidade, com efeitos
negativos para toda a biota.
2 Alterações dos padrões de consumo e uso da água
O aumento populacional humano por si só teria resultado na ampliação do consumo de
água apenas para beber. No entanto, como dito anteriormente, não se trata apenas de saciar a
sede, pois inúmeras atividades humanas são totalmente dependentes de água, como veremos
a seguir. No entanto, antes de entrar neste assunto, é importante diferenciar uso e consumo
de água. O uso está relacionado à retirada total de água dos estoques naturais para utilização
nas mais diversas atividades, sendo que parte desta água pode retornar de forma relativamente
rápida ao ambiente, mesmo que com qualidade inferior. Um exemplo é a água utilizada em
processos industriais que não fará parte dos produtos produzidos, sendo apenas utilizada em
processos como esfriamento de máquinas e lavagem, entre outros. Praticamente toda a água
retirada retorna ao ambiente, embora possa apresentar qualidade inferior. O consumo, por
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TópIcO 3 A água como recurso cada vez mais limitante
sua vez, está relacionado à água que de fato é utilizada para beber ou que passa a constituir
os produtos agrícolas ou industrializados. Na agricultura, por exemplo, grande parte da água
utilizada na irrigação passa a fazer parte da biomassa das plantas cultivadas, de modo que não
volta imediatamente ao ambiente. A figura 3.1 apresenta dados relativos aos principais usos de
água pela humanidade. Como se vê, a maior parte da água utilizada para irrigação na agricultura
é consumida, enquanto a maior parte utilizada pela indústria e pelas atividades do município
não é consumida, retornando ao ambiente.
2.1 Aspectos relacionados à quantidade de água
Conforme os países se desenvolvem, e aqui estamos utilizando a ideia dominante de de-
senvolvimento que o associa à industrialização, o aumento de poder aquisitivo da população
aumenta, levando a alteração dos seus padrões de consumo de água, tanto para uso doméstico
como para a produção de alimentos e de produtos industrializados. Como o desenvolvimento
não ocorre de forma homogênea para todos os países, são observadas diferenças relevantes no
uso de água entre as regiões do planeta (Figura 3.2).
Figura 3.1 Evolução do uso global de água por setor. / Fonte: modificado de CorCoran et al., 2010.
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O ser humano e o meio ambiente SER HUMANO E MEIO AMBIENTE
O uso doméstico de água aumentou consideravelmente a partir de 1950 (Figura. 3.3),
sendo que, em uma residência típica de um país industrializado, a maior proporção é empregada
na higiene pessoal (Tabela 3.1). O consumo doméstico diário de água nos países desenvolvidos,
de 500 a 800 litros per capita, é cerca de seis vezes maior que o dos países em desenvolvimento,
equivalente a 60 a 150 litros per capita.
Figura 3.2 Variação regional da retirada anual per capita de água doce dos depósitos naturais e seu uso por setor. / Fonte: modificado de CorCoran et al., 2010.
Figura 3.3 Uso doméstico global de água por ano (em km3) entre 1950 e 2000, com projeção para 2025. / Fonte: modificado de Clarke e king, 2004.
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TópIcO 3 A água como recurso cada vez mais limitante
Uso PorcentagemHigiene pessoal 35
Descarga em vaso sanitário 30
Lavagem de roupa 20
Cozinha e água para beber 10
Limpeza 5Tabela 3.1 Padrão típico de uso doméstico de água em um país industrializado. / Fonte: Clarke e king, 2004.
Na alimentação a tendência é que as pessoas deixem de ser principalmente consumidoras
primárias e passem a utilizar quantidades crescentes de carne e demais produtos animais em
seu cardápio. Acontece que nos agroecossistemas quanto mais tecnologia é empregada, maior a
quantidade de água utilizada no processo (Figura 3.4). Assim, a quantidade de água necessária
para produzir um quilograma de carne é muitas vezes superior à empregada para produzir a
mesma quantidade de batata. Como a tendência é que as pessoas consumam cada vez mais
alimento e, entre estes, a carne, o uso e consumo de água na agropecuária tenderá a ser cada
vez maior. No que diz respeito à produção de carne, o volume de água computado diz respeito
à água utilizada na irrigação das culturas que lhes servem como ração, na dessedentação dos
animais, na higienização das instalações e dos animais, na produção de medicamentos, etc.
Figura 3.4 Volume mínimo de água necessário para produzir um quilograma de alimento. / Fonte: modificado de Clarke e king, 2004.
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O ser humano e o meio ambiente SER HUMANO E MEIO AMBIENTE
Da mesma forma que para os outros setores, a utilização de água nos processos industriais
aumentou consideravelmente conforme novos processos tecnológicos foram desenvolvidos
(Figura 3.5). A quantidade de água utilizada no processo, obviamente, também varia de acordo
com o tipo de item produzido (Figura 3.6).
Figura 3.5 Uso de água por ano (em km3) para uso industrial no período de 1950 a 2000, com projeção para 2025. / Fonte:modificado de Clarke e king, 2004.
Figura 3.6 Volume mínimo de água necessário para produzir um quilograma ou um litro de produto industrializado. / Fonte: modificado de Clarke e king, 2004.
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TópIcO 3 A água como recurso cada vez mais limitante
2.2 Aspectos relacionados à qualidade de água
O uso de água nos diversos setores leva à deterioração da qualidade da água, conforme
parte da água não consumida volta para os estoques naturais com qualidade inferior à retirada.
A tabela 3.2 apresenta as fontes mais comuns, e suas consequências, de alteração da qualidade
da água. Percebe-se que várias das consequências são comuns às diferentes atividades humanas,
ocorrendo os mesmos impactos potenciais tanto às águas superficiais como às subterrâneas.
Além da alteração da qualidade da água devido à devolução da água não consumida diretamente
nos corpos de água, por escoamento superficial ou por percolação para o lenço freático, as ativi-
dades humanas também podem ter efeitos indiretos sobre a qualidade da água. Como exemplos
destes efeitos podem ser citados a acidificação dos ambientes aquáticos, devida à chuva ácida,
a deposição de emissões atmosféricas de poluentes advindos da queima de combustível fóssil
na indústria e em outras atividades, o escoamento e percolação de água contendo poluentes
oriundos de depósitos de resíduos sólidos industriais urbanos, entre outros (Figura 3.7).
Agora é a sua vezRealize a atividade online.
Figura 3.7 Fontes de poluição das águas. / Fonte: modificado de Chevrevil e granier, 1992.
39Licenciatura em Ciências · uSP/univesp
O ser humano e o meio ambiente SER HUMANO E MEIO AMBIENTE
3 principais impactos relacionados ao uso da água
Os principais impactos relacionados ao uso da água decorrem de sua utilização em quantida-
des crescentes e ao uso dos corpos hídricos como receptores de efluentes domésticos, agrícolas
e industriais, ou seja, ao retorno da água não consumida.
3.1 Impactos ambientais
3.1.1 Depleção dos estoques
A demanda cada vez maior de água pelas atividades antropogênicas tem causado a diminuição
dos estoques superficiais e subterrâneos (Figura 3.8). Esta problemática é tanto maior quanto
menor a disponibilidade natural de água, uma vez que a água não é homogeneamente distribuída
no globo terrestre, havendo locais em que há excesso de água (precipitação supera evaporação)
e locais com escassez de água (evaporação supera precipitação), como visto no tópico 4 da disci-
plina História da vida na Terra e distribuição atual da vida no planeta. Assim, nos locais em que
há escassez natural de água, o aumento dos padrões de uso e consumo torna a água ainda mais
limitante. Esta limitação é agravada pelo fato de, em muitos locais, a água estar sendo retirada dos
estoques naturais em uma velocidade maior que sua reposição pelas vias normais do ciclo da água
(se necessário volte ao tópico 5 da disciplina Bioenergética e ciclos da natureza).
Setor
Consequências Uso urbano AgriculturaCriação animal
Reflorestamento Indústria Mineração
Contaminação microbiana X X X
Eutrofização X X X X X X
Salinização X X X X X
Pesticidas X X X X
Contaminação por metais traço X X X X X X
Hidrocarbonetos X X X X X X
Acidificação X X
Poluição térmica X X X XTabela 3.2 Fontes e tipos de alteração da qualidade da água relacionados ao retorno de água não consumida.
/ Fonte: modificado de UNEP, 2008.
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TópIcO 3 A água como recurso cada vez mais limitante
Em se tratando do Brasil, com exceção da região do semi-árido nordestino temos uma
grande quantidade de água disponível per capita, já que contamos com 17% de toda a água doce
global (Figura 3.9). No entanto, como o uso per capita médio diário já alcançou 220 litros de
água, valor mais de cinco vezes superior aos 40
litros diários per capita recomendados pela
Organização Mundial de Saúde. Ao mesmo
tempo em que o uso per capita de água do bra-
sileiro dobrou nas últimas duas décadas, a dis-
ponibilidade hídrica per capita tornou-se três
vezes menor. Assim passamos a ter problemas
de disponibilidade em áreas nas quais há alta
concentração de habitantes, como nas grandes
regiões metropolitanas. Um agravante desta si-
tuação reside no fato de cerca de 30% da água
tratada serem perdidos em vazamentos, ou seja,
um grande volume de água retirado dos esto-
ques naturais não chega nem a ser utilizado.
Figura 3.8 Retirada e depleção anuais globais de águas subterrâneas (em km3), entre 1960 e 2000. / Fonte: modificado de UNEP, 2012.
Figura 3.9 Distribuição global da água doce. / Fonte: modificado de World Commission on Dams, 2000.
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O ser humano e o meio ambiente SER HUMANO E MEIO AMBIENTE
3.1.2 Construção de represas
Uma das formas da humanidade garantir a oferta de água em quantidade relativamente alta
e de forma a ser facilmente utilizada consiste na construção de represas, uma técnica empregada
há milênios e com fins tão diversos como abastecimento, irrigação, regulação da vazão de rios,
produção de energia elétrica, lazer, entre outros. Concomitantemente ao crescimento da popu-
lação humana global também ocorreu um aumento da construção de represas, principalmente
a partir da década de 1970 quando começaram a ser construídos os grandes lagos artificiais
tropicais (Figura 3.10). Embora o número de barragens em construção tenha caído a partir de
1990, isto não significa que os impactos decorrentes do surgimento de novas represas tenham
diminuído significativamente, pois ainda hoje existem centenas de barragens em construção,
muitas delas na China, cujos dados não foram computados na figura 3.10. Inclusive, 45% das
grandes barragens existentes atualmente encontram-se neste país.
Se por um lado, represas trazem benefícios à sociedade, por outro, causam uma grande série
de impactos ambientais (e também econômicos e sociais). Entre os impactos ambientais existem
os relacionados ao ambiente terrestre, como perda de solo e de espécies na área inundada, e al-
teração do regime de flutuação do nível de água e perda de fertilidade do solo na área situada a
jusante da barragem. Além disso, ocorrem alterações na área inundada propriamente dita como
substituição de espécies lóticas (características de água corrente) por lênticas (características
Figura 3.10 Construção de barragens por década (as informações excluem a China). / Fonte: modificado de World Commission on Dams, 2000.
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TópIcO 3 A água como recurso cada vez mais limitante
de água parada), já que se forma um lago, queda do teor de oxigênio dissolvido e aumento da
concentração de nutrientes minerais na água em função da decomposição da vegetação terres-
tre inundada (eutrofização - a ser vista detalhadamente no próximo subitem), crescimento de
macrófitas aquáticas como consequência do aumento da de nutrientes. Estas condições vigentes
no lago após sua formação resultam em uma água de menor qualidade se comparada à do rio
ou rios que foram represados. Finalmente, possíveis impactos no ecossistema lótico a jusante
podem ser a alteração da vazão, da carga de sedimentos e do leito, deterioração da qualidade da
água, dependendo da água que sai da represa, e perda de espécies.
3.1.3 Eutrofização
Entende-se por eutrofização o aumento da disponibilidade de nutrientes minerais, princi-
palmente fósforo e nitrogênio, em um corpo de água. Este processo pode ocorre naturalmente
ao longo de muitos anos. No entanto, muitas atividades humanas resultam em um rápido
enriquecimento dos corpos de água, um processo conhecido como eutrofização cultural.
Existem fundamentalmente duas maneiras de ocorrer este aumento de nutrientes. Na pri-
meira estes alcançam os ambientes aquáticos via carreamento de fertilizantes minerais, utiliza-
dos na agricultura e reflorestamentos, entre outras atividades, pelo escoamento superficial. Na
segunda, a água recebe aportes de matéria orgânica oriundos de despejos de esgotos domésticos,
de efluentes de criação de animais e industriais orgânicos. Pela decomposição da matéria orgâ-
nica, os nutrientes minerais são liberados na água, enriquecendo-a.
O aumento da disponibilidade de nutrientes na água tem efeito imediato sobre os produtores
primários, sendo que os mais eficientes na absorção de nutrientes, como cianobactérias e determi-
nadas macrófitas passam a dominar no ambiente, atingindo biomassas muito elevadas. Conforme
os produtores morrem, aquela grande biomassa também será decomposta, liberando novamente
os nutrientes na água que serão reutilizados. Os produtores dominantes não são consumidos por
muitas das espécies herbívoras existentes antes da eutrofização que acabam tendo suas populações
diminuídas ou mesmo sendo extintas localmente. Por outro lado, passam a dominar os poucos
consumidores primários capazes de utilizar os produtores primários como alimento.
A decomposição da matéria orgânica, tanto da carreada pelos efluentes como da produzida
como resultado do aumento dos nutrientes na água, leva à diminuição da concentração oxi-
gênio dissolvido. Esta situação é bastante comum em corpos de água eutrofizados e também
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O ser humano e o meio ambiente SER HUMANO E MEIO AMBIENTE
é responsável pela diminuição da riqueza de espécies no ambiente. Como resultado da eu-
trofização, há uma grande alteração da estrutura da comunidade, sendo que a diversidade de
espécies tende a diminuir como resultado da queda da riqueza e do aumento de dominância
de algumas espécies (Figura 3.11).
3.1.4 Salinização
A salinização consiste no aumento da concentração de sais dissolvidos na água, como re-
sultado do despejo de efluentes, oriundos de várias atividades humanas, nos ambientes aquáticos
(Tabela 3.2). Assim como no caso dos solos, a salinização da água é mais comum em áreas
áridas e semi-áridas. A biota aquática passa a se confrontar ainda mais com as dificuldades relati-
vas ao balanço osmótico. Além disso, o uso para as atividades humanas torna-se crescentemente
comprometido conforme a salinização aumenta.
3.1.5 Contaminantes variados
Existe uma série de substâncias e elementos químicos que não ocorrem naturalmente nos
corpos de água, ou que estão presentes em quantidades diminutas, que são liberadas nestes
ambientes como resultado de atividades humanas. Na primeira categoria podem ser citados in-
seticidas, hormônios e medicamentos destinados à população humana e a animais de estimação
e criação, suplementos alimentares e hidrocarbonetos derivados de combustíveis fósseis. De um
modo geral, estas substâncias são estranhas à biota que, no geral, não possui enzimas capazes de
degradá-las, não sendo, portanto, biodegradáveis. Na segunda categoria salientam-se os metais
Figura 3.11 Alterações do fitoplâncton a) e da comunidade de invertebrados bentônicos b) como resultado de eutrofização no Lago Okeechobee (EUA), a partir da década de 1970. / Fonte: modificado de havens et al., 1996.
a b
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TópIcO 3 A água como recurso cada vez mais limitante
traço. Todos os contaminantes citados podem ser tóxicos e, muitos deles, por apresentarem baixa
mobilidade tendem a se acumular nos organismos (bioacumulação) e a aumentar nos níveis
tróficos consecutivos (biomagnificação), de forma que o efeito deletério se amplia ao longo
da cadeia alimentar (Figura 3.12).
Uma vez que a utilização destas substâncias tende a aumentar conforme as mudanças nos pa-
drões de consumo da população muda, havendo demanda cada vez maior pelos produtos relacio-
nados à sua presença, conclui-se que estes terão impactos crescentes sobre os ambientes aquáticos.
3.1.6 Acidificação
A acidificação dos corpos dos ambientes aquáticos é a perda de capacidade neutralizar
ácidos, como efeito da ocorrência de chuvas ácidas. Durante o processo, em decorrência de
repetidas precipitações ácidas contendo ácido sulfídrico e/ou nítrico, bicarbonatos e carbonatos
vão tendo suas concentrações diminuídas até serem totalmente consumidos, de forma que
deixa de ocorrer neutralização dos ácidos.
Figura 3.12 Biomagnificação do inseticida dicloro difenil tricloroetano (DDT) ao longo da cadeia alimentar. / Fonte: modificado de raven et al., 1993.
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O ser humano e o meio ambiente SER HUMANO E MEIO AMBIENTE
Os efeitos da chuva ácida são mais rápidos e negativos nos corpos de água nos quais natural-
mente há menor quantidade de substâncias tamponadoras (bicarbonatos e carbonatos). Como
consequência da acidificação há diminuição do pH da água com efeitos deletérios sobre a biota.
3.1.7 Poluição térmica
Qualquer atividade humana que utilize água para resfriamento de turbinas e outras máqui-
nas devolve água com temperatura superior à do ambiente, ou seja, propicia a ocorrência de
poluição térmica. Como a elevação da temperatura tem efeito direto sobre o metabolismo,
é de se esperar que a biota seja impactada, havendo efeito negativo sobre o desempenho bioló-
gico se a temperatura da água estiver acima do limite de tolerância dos indivíduos. Além disso,
quanto maior a temperatura menor a dissolução de gases na água. Assim, a concentração de
oxigênio dissolvido na água diminui, dificultando a existência de organismos aeróbios.
3.1.8 Introdução de espécies
A introdução intencional de espécies exóticas em ambientes aquáticos, por exemplo, para
incrementar a pesca como atividade econômica ou esportiva, é uma realidade que não podemos
ignorar. Não sendo nativas, tais espécies não encontram inimigos naturais (predadores, parasitas)
no novo ambiente, de forma que, dependendo de seu potencial biótico e da existência de
condições e recursos adequados, pode desenvolver grandes populações que acabam afetando
negativamente as espécies nativas por meio de predação e competição.
3.1.9 Perda de biodiversidade
Todos os impactos citados até o momento têm potencial de diminuir a riqueza de espécies
nos corpos d’água afetados. Como sabemos, alteração das espécies presentes tem efeitos na cadeia
alimentar e, portanto, no fluxo de energia e ciclagem de nutrientes dos ambientes aquáticos.
Agora é a sua vezRealize a atividade online.
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TópIcO 3 A água como recurso cada vez mais limitante
3.2 Impactos sociais e econômicos
Além dos impactos ambientais associados ao uso crescente de água nas atividades humanas,
existem ainda impactos de conotação social e econômica.
3.2.1 Aspectos relacionados à saúde
O despejo de efluentes contaminados com micróbios nos corpos de água tem efeitos in-
desejáveis para a saúde humana, quer sejam utilizados para abastecimento ou para recreação
de contato primário (ex.: natação). Existe uma clara relação inversa entre mortalidade infantil
e acesso a água tratada, o que chama a atenção para a importância da garantia de água de boa
qualidade. Além disso, em ambientes eutrofizados, as algas e cianobactérias dominantes podem
desenvolver cepas produtoras de compostos secundários que atuam como hepatoxinas e neu-
rotoxinas. Desta forma, a água torna-se imprópria para ser usada na dessedentação de animais
ou no consumo humano.
A construção de represas também pode causar impactos negativos sobre a saúde da população
local, pois o crescimento explosivo de macrófitas pode facilitar a ocorrência de doenças cujos
vetores encontram abrigo nesta vegetação. Ademais são recorrentes os casos de surgimento de
esquistossomose após a construção destes corpos de água artificiais. Os adultos do platelminto
parasitado gênero Schistosoma são levados para o local pelos trabalhadores da construção civil e
se ali ocorrer o hospedeiro intermediário que abriga formas imaturas, o caramujo do gênero
Biomphalaria, há um cenário adequado para a dispersão da doença.
Enfim, a contaminação de corpos de água superficiais e subterrâneos com substâncias estra-
nhas também pode ter efeitos negativos sobre a saúde humana se aqueles suprirem a população
com água para abastecimento.
3.2.2 Aspectos econômicos
Quanto menor a qualidade da água, maior será o gasto para torná-la própria para o consu-
mo. As toxinas produzidas por algas e cianobactérias e várias das substâncias estranhas ao am-
biente aquático mencionadas anteriormente, normalmente não são retiradas pelo tratamento
47Licenciatura em Ciências · uSP/univesp
O ser humano e o meio ambiente SER HUMANO E MEIO AMBIENTE
convencional da água, de modo que investimentos cada vez maiores deverão ser feitos para
obtermos água de boa qualidade para as atividades humanas, sem falar na necessidade premente
de proteger a biota aquática dos efeitos negativos destas atividades.
A diminuição do volume de água, a queda da qualidade da água e construção de represas
podem trazer efeitos econômicos negativos para a população local, pois podem resultar em
queda da produtividade pesqueira e agrícola. Assim, pescadores e agricultores locais podem ter
prejuízos decorrentes da queda de produção de itens nos quais baseavam seu sustento.
3.2.3 Aspectos relacionados à segurança
A garantia de água para abastecimento e uso nas atividades humanas, principalmente econô-
micas, é um aspecto fundamental para garantir a segurança de uma nação. Muitos rios correm
por territórios pertencentes a mais de uma nação, de modo que interferências feitas pelos go-
vernos de montante têm efeitos diretos ou indiretos sobre as populações a jusante. Desta forma,
muitos dos litígios entre governos podem ter como pano de fundo, embora não declarado, a
segurança relativa a água, sobretudo em áreas em que a água é naturalmente escassa.
4 A água como assunto recorrente nas agendas governamentais
O crescimento da população humana e o domínio de novas tecnologias estão relacio-
nados ao aumento do uso de água. No nível global as atividades humanas têm provocado
alterações na quantidade e na qualidade da água e, portanto, nas vias que constituem o
ciclo da água. Assim, mesmo que a quantidade de água no planeta seja sempre a mesma,
ocorrem alterações localizadas em qualidade e volume que diminuem sua disponibilidade,
tornando-a um fator cada vez mais limitante para a população humana. Assim, da mesma
forma que gera desenvolvimento, a água pode desacelerá-lo em função da indisponibilidade
gerada pelo uso abusivo e pela perda de qualidade.
Quanto menos água houver localmente, mais os governos terão que gastar com obras e
outras alíneas para trazer água de locais mais distantes, haja vista os elevados custos para trans-
posição de água entre diferentes bacias hidrográficas. Além disso, como dito anteriormente,
48 Licenciatura em Ciências · uSP/univesp
TópIcO 3 A água como recurso cada vez mais limitante
quanto menor a qualidade, maiores os custos envolvidos para tornar a água adequada para uso
e consumo pela população humana. Por estes motivos, a água é um assunto recorrente nas
agendas governamentais.
Fechamento do TópicoNeste tópico tratamos da dependência da população humana em relação à água, que
tem se tornado cada vez mais limitante. Observamos como as alterações no padrão de consumo de alimentos e produtos industrializados resultaram no aumento do uso de água, levando à depleção dos estoques naturais e à diminuição da qualidade, com efeitos adver-sos para toda a biota, aí incluída a espécie humana. No próximo tópico abordaremos o processo crescente de urbanização, com ênfase nas necessidades e impactos decorrentes da concentração da população.
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